Trabalho - Luis Bytner

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COMENTÁRIOS AO APÊNDICE À DIALÉTICA TRANSCENDENTAL1

Luis Antonio Bytner2


Curso de Filosofia da Universidade Federal do Paraná – UFPR
[email protected] ou [email protected]

Questão: por que Deus é epistemologicamente indispensável para a sistematização kantiana?


B670
A razão humana tem uma propensão natural a ultrapassar os limites da experiência e todas as
inferências que pretendem ir além do campo da experiência possível são enganosas e
infundadas.
As ideias transcendentais são naturais à razão humana, assim como são as categorias ao
entendimento, porém, neste último caso, elas conduzem à verdade – a concordância de nossos
conceitos com o objeto. As ideias transcendentais produzem uma ilusão irresistível, um
engano persuasivo apesar de uma crítica acurada.
Observações: a razão humana tem uma tendência natural a buscar as ideias transcendentais,
que estão além dos limites da experiência, mesmo que elas não conduzam à verdade, pois são
ilusórias. As categorias são naturais ao entendimento e conduzem à verdade, que significa a
concordância dos nossos conceitos com o objeto.
Em B 670 temos essa importante definição de verdade, que também delimita as pretensões
humanas ao conhecimento, pois se ela é a relação real (não hipotética) dos nossos conceitos
com seus objetos, significa que ela não pode ser transcendental, ou seja, estar fora dos limites
da experiência, se por conhecimento entende-se a busca pelo que é verdadeiro.
Se Kant afirma ser natural à razão humana a busca por aquilo que está além dos limites da
experiência, fica claro que a sua intenção não é destruir toda a metafísica, porém a sua
empreitada tem o objetivo de estabelecer os seus limites, apresentando a estrutura da razão e a
sua real capacidade de adquirir conhecimento.
Mesmo que as categorias e as ideias da razão sejam naturais, elas divergem no sentido de que
as categorias conduzem à verdade, enquanto as ideias da razão “produzem uma mera, mas
irresistível ilusão, a cujo engano é difícil resistir mesmo com a mais acurada crítica” ( KrV B
670). A crítica possibilita estarmos cientes dessa ilusão.
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Resenha elaborada para a disciplina Filosofia Clássica Alemã I, ao Professor Doutor Vinicius Berlendis de
Figueiredo, em outubro de 2023.
2
GRR 20222306 – Período noturno.
2

QUAL É A RELEVÂNCIA DESSA BUSCA DO INCONDICIONADO, DESSE USO


ESPECULATIVO DA RAZÃO, PARA O CONHECIMENTO????
B671
O uso legítimo, portanto, imanente das ideias transcendentais, acontece se o seu significado
não for confundido e elas forem interpretadas como conceitos de coisas reais, ou seja,
tornando-se transcendentes na aplicação, sendo assim enganosas. O que acontece na nossa
razão tem de ser conforme os seus objetivos (que foram especificados na Doutrina dos
Elementos) e o seu uso correto, sem se desviar de sua direção apropriada. Se as ideias têm
uma origem racional, elas devem encontrar a sua função apropriada.
O uso imanente (interno) é que se caracteriza como o uso legitimo das ideias. Não é a ideia
em si mesma, mas o seu uso, se estiver em relação a toda experiência possível. O uso é
extravagante se for transcendente ou interno, imanente.
Os erros que ocorrem na confusão do uso das faculdades cognitivas humanas não devem ser
atribuídos ao entendimento ou à razão, mas sim à faculdade de julgar.
Há dois usos possíveis das ideias, porém um deles é inadequado: uma ideia não pode ser
tomada em seu uso para atribuir um conceito a um fenômeno, ou seja, a um objeto da
realidade objetiva, pois esse uso é inadequado, por ser transcendental. Se for usada para
referir-se ao “uso do entendimento em geral” (KrV, B 671), esse uso é legítimo e imanente
(interno), pois se refere ao conhecimento produzido pelo entendimento.
O eu é a unidade originária da consciência. Ordenação e unificação.
B672
As ideias transcendentais não têm NUNCA um uso constitutivo, portanto jamais formulam os
conceitos de certos objetos. Porém, elas têm um uso regulativo, “excelente e
indispensavelmente necessário”, que é o de direcionar o entendimento a um fim específico
“uma certa meta”, proporcionando maior unidade e a maior extensão.
B672-B673
Em vista dessa meta o entendimento se direciona (converge) para um ponto, que é apenas
uma ideia, do qual não partem efetivamente. Já que esse ponto está fora dos limites da
experiência possível serve para proporcionar maior unidade juntamente com a maior
extensão.
Disso surge, para nós, a ilusão de que as linhas que direcionam o entendimento partiriam do
objeto que estivesse além do campo do conhecimento empiricamente possível. É possível
evitar que essa ilusão nos engane, mas ela é indispensavelmente necessária SE queremos ver
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além dos objetos que estão diante dos nossos olhos, SE queremos dirigir o entendimento para
além de TODA experiência dada – isso levaria o entendimento à maior e mais extrema
ampliação possível.
B673
A sistematicidade do conhecimento, ou seja, a sua concatenação a partir de um princípio é o
que a razão é o que a razão faz sobre o entendimento.
Um sistema concatenado segundo leis necessárias.
Se fizer um exame do conjunto completo dos conhecimentos do nosso entendimento, verifica-
se que a razão produz a sistematicidade do conhecimento, a concatenação a partir de um
princípio.
A razão busca naturalmente o conhecimento do incondicionado, mesmo que não seja possível
ao ser humano conhecê-lo empiricamente, porque empiricamente só se conhece os fenômenos
da experiência sensível. Porém, essa busca é necessária, porque pressupõe que exista um
princípio transcendente e esse princípio é o que sistematiza toda a cadeia de causalidade.
Portanto, a razão produz, segundo Kant, a sistematicidade do conhecimento, a concatenação
dele a partir de um princípio e uma unidade que pressupõe uma ideia. Essa ideia, por sua vez,
é a forma de um todo do conhecimento, e esse todo antecede as partes e permite a
determinação de seu lugar e da sua relação com as demais. “De acordo com isso – afirma
Kant – essa ideia postula a unidade completa do conhecimento do entendimento, graças à qual
ele deixa de ser um mero agregado contingente e se torna um sistema concatenado segundo
leis necessárias” (KrV, B673). Ou seja, estabelecer a unidade completa do conhecimento do
entendimento é o que torna possível àquele que pretende conhecer a natureza a compreensão
de suas leis necessárias. Esses conceitos da razão não surgem da natureza – e aqui se
apresenta mais uma implicação do giro copernicano -, mas a investigamos segundo as leis que
nós mesmos

ESTRUTURA
Resumo, no estilo de um artigo
Introdução com uma apresentação do papel da crítica ao elevar a filosofia ao status de uma
ciência, que apesar de não ter um objeto, é, a partir dela, sistemática.
Segundo B869 (na doutrina do método) a crítica é o que torna a filosofia um sistema da razão
e a eleva ao patamar de uma ciência. Esse sistema é denominado metafísica. A crítica é,
portanto, propedêutica do sistema e faz parte dele.
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Há uma divisão clara que acontece com a crítica: de um lado estão as ideias da razão, que são
transcendentais e não podem ser utilizadas para explicar a realidade, e de outro estão os
fenômenos, que servem como fundamento do conhecimento por permitirem ir além da mera
hipótese. Os fenômenos, formas puras da sensibilidade, se inscrevem no espaço-tempo,
enquanto constituem a possibilidade da experiência sensível (cf. Marcondes, 1997, p. 209), já
as ideias da razão disso prescindem. Qualquer condição de possibilidade real de conhecimento
verdadeiro deve considerar a premissa do espaço-tempo, pois é somente assim que se
concretiza a relação entre sujeito e objeto que caracteriza o entendimento. Assim sendo, de
acordo com o cogito kantiano, o sujeito deve poder acessar aquilo que pretende conhecer
através da experiência, e o que ocorria à metafísica tradicional – dogmática – era a pretensão
do conhecimento das coisas em si, ou seja, as suas essências, mas isso não é possível, pois o
que é incondicionado não se inscreve na cadeia de causas e efeitos.
Só é objeto se estiver inscrito no espaço e no tempo, dessa forma, só existe conhecimento,
enquanto aquilo que se caracteriza a partir da relação sujeito-objeto, se os objetos forem
possíveis de serem percebidos pela intuição. A realidade em si mesma pode ser pensada, mas
não pode ser conhecida – númeno (realidade em si), fenômeno (experiência).
O eu é a unidade originária da consciência. Ordenação e unificação.

RESUMO

INTRODUÇÃO

É relevante o lugar onde se encontra o Apêndice à dialética transcendental na


estrutura da Crítica da Razão Pura, pois está entre a Doutrina Transcendental dos Elementos
e a Doutrina Transcendental do Método. Enquanto na primeira grande divisão Kant trata de
analisar as faculdades mentais na formação do conhecimento, em busca de estabelecer os
princípios que permitem julgar a validade das proposições, determinando os limites do
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conhecimento humano, na segunda ele descreve como organizar e sistematizar o


conhecimento. Nesta segunda divisão, Kant deixa clara a relevância da razão na busca da
unidade e sistematização do pensamento, para, desta forma, construir um sistema racional, e
possível, do conhecimento.

Ao iniciar a Doutrina do Método, Kant afirma metaforicamente que, com relação às


pretensões do conhecimento, que era de construir uma torre que pudesse chegar ao céu, após
ter feito o cálculo dos materiais necessários para tal (na Doutrina dos Elementos) foi possível
concluir que o material que se tem disponível “só foi suficiente para uma casa de moradia”
(KrV B 735). Apesar desta casa ser bem grande para a atividade da experiência e alta o
suficiente para se ter uma visão do conjunto, o que se pretendia anteriormente, antes da
Crítica, era ambicioso demais e impossível de ser construído. É assim que, na Doutrina do
Método, se torna possível a “determinação das condições formais de um sistema completo da
razão pura” (KrV B 735 - 736). Portanto, assim posicionado, o Apêndice faz um traçado
conclusivo da Dialética transcendental, bem como de toda a Doutrina dos Elementos, a fim de
fornecer uma reflexão adicional sobre temas complexos, tratados até este ponto da obra, e as
suas implicações filosóficas, para que seja possível prosseguir na empreitada da
sistematização do método.

UMA TENDÊNCIA NATURAL

Há, sobretudo, logo no início do apêndice, uma afirmação do filósofo que deixa claro
o seu posicionamento com relação à metafísica e que é de extrema importância para a
compreensão de todo o seu sistema, em suas palavras:

O resultado de todas as tentativas dialéticas da razão pura não apenas


confirma o que já havíamos provado na analítica transcendental, ou
seja, que todas as nossas inferências que pretendem ir além do campo
da experiência possível são enganosas e infundadas, mas também nos
ensina ao mesmo tempo a seguinte peculiaridade: que a razão humana
tem aí uma propensão natural a ultrapassar esse limite (KrV, B 670,
grifo meu).

Portanto, se ele afirma que a busca por aquilo que está fora do alcance do conhecimento, além da
cadeia de causalidade (o incondicionado), é uma disposição natural da razão humana, se torna evidente
que a sua intenção não é destruir toda a metafísica, mas a sua empreitada tem o objetivo de
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estabelecer os seus limites, apresentando a estrutura da razão e a sua real capacidade de


adquirir conhecimento. Da mesma forma, Kant estabelece esta busca pelo incondicionado –
ou Deus – como parte constituinte do conhecimento, porque faz parte do sujeito cognoscente
e dele não pode ser separada. Este princípio transcendental é o que possibilita o
conhecimento, pois garante o conhecimento sistemático da natureza. Assim, mesmo estando
fora da experiência, a busca natural por esse princípio é o que torna possível o conhecimento
empírico As ideias transcendentais deste sujeito “têm um uso regulativo excelente e
indispensavelmente necessário” pois seu objetivo é proporcionar à experiência “a maior
unidade juntamente com a maior extensão” (KrV, B 672). Assim, é justamente neste ponto
que a filosofia crítica tem o seu papel mais importante: estabelecer a consciência necessária
dessa ilusão para que seja possível evitar o erro, sempre desconfiando da aplicação
inadequada das ideias da razão.

Quando Kant realiza o “giro copernicano em filosofia”, atribui à razão um novo


papel de ordenação e unificação dos conceitos. Ao definir que o entendimento tem uma
“disposição conforme a fins” (KrV B 672), não sendo por si mesmo conforme a fins, é que se
possibilita à razão considerá-lo como objeto, fornecendo-lhe a unidade e o direcionamento
que por si só não alcançaria.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

KANT, I. Crítica da Razão Pura. Tradução: Fernando Costa Mattos. São Paulo:
MEDIAfashion, 2021. Coleção Folha Os Pensadores, v. 19. Título original: Kritik der reinen
Vernunft.
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MARCONDES, D. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio


de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

NADAI, B., FARHAT, P. Uma interpretação metodológica do “apêndice à dialética


transcendental”: as hipóteses e a unidade sistemática do conhecimento. Kant e-Prints,
Campinas, série 2, v. 14, n. 3, pp., 36-63, set.-dez., 2019.

RYLE, G. El concepto de lo mental. Tradução: Eduardo Rabossi. Buenos Aires: Paidos,


2005. Título original: The concept of mind.

WILLIGES, F. A função das dúvidas céticas nas meditações de Descartes. doispontos,


Curitiba, São Carlos, vol. 4, n. 2, p. 103-108, outubro, 2007.

DESCARTES, R. Princípios de Filosofia. Disponível em:


https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/3007410/mod_resource/content/1/
Descartes_Princpios-II-26-36.pdf. Acesso em 25 jan. 2023.

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