Racionalismo de Descartes
Racionalismo de Descartes
Racionalismo de Descartes
http://aesjt.pt/moodle/course/view.php?id=621
MÓDULO IV UNIDADE 1
O projeto Construir um sistema de verdades indubitáveis em que de uma verdade que seja
impossível considerar falsa possamos deduzir outras verdades que sejam certezas
absolutas.
As razões de ser do 1. O sistema dos ditos conhecimentos do seu tempo era constituído por verdades e
projeto falsidades.
3. O sistema dos ditos conhecimentos do seu tempo não tinha bases firmes e estava
desorganizado a tal ponto que havia falsidades na base do sistema e verdades noutros
pontos desse sistema.
4. Temos de encontrar uma verdade indubitável que sirva como base ao sistema dos
conhecimentos e permita organizá-lo firme e seguramente.
A estratégia Vamos submeter ao exame rigoroso da dúvida as bases em que assentava o sistema
dos conhecimentos estabelecidos.
para atingir esse
objetivo 1. Consideraremos falso o que não for absolutamente verdadeiro ou indubitável.
O que não passa no 1. Os sentidos não são dignos de confiança quanto às informações quer sobre as
exame da dúvida qualidades das coisas sensíveis quer sobre a existência dessas mesmas coisas.
metódica/hiperbólica
As ilusões dos sentidos e o argumento de que não temos forma de distinguir
absolutamente o sonho da realidade, o fictício do real levam-nos a negar o empirismo
(que o conhecimento comece com a experiência sensível) e a crença de que o mundo
físico indubitavelmente existe.
2. O correto funcionamento do nosso entendimento (razão) é colocado sob suspeita
devido ao argumento de que Deus pode tê-lo criado destinado a confundir o falso
com o verdadeiro.
O que resiste à Resiste à dúvida a existência do sujeito que de tudo duvida. «Duvido – penso – logo
dúvida. existo» é uma verdade indubitável porque a existência de quem duvida não pode ser
objeto de dúvida nenhuma.
2. Deus existe.
Se duvido e nada conheço a não ser que existo e sou um ser pensante, então
sou imperfeito. Mas de onde veio esta ideia? Comparei as minhas qualidades
com as que caraterizam um ser perfeito. Logo, sem a ideia de um ser perfeito –
do que é ser perfeito ‒, não saberia que sou imperfeito.
Mas sou a causa desta ideia? Sou o seu autor? Não, porque ela representa
mais perfeição do que a que possuo e poderia causar. Logo, só um ser perfeito
é causa da ideia de perfeito. Quem é esse ser? É Deus. Logo, Deus existe.
Com efeito, Deus é ser cuja existência que não depende do sujeito pensante.
A recuperação da Descartes apercebe-se de que há ideias das coisas que não são produzidas pelo sujeito
crença na existência pensante. Existindo, devem ter uma causa: as próprias coisas sensíveis. Esta propensão
do mundo físico ou crença natural é legítima e fundada dado que Deus, a quem a devo, não me engana.
II
O conceito de ciência
Um homem que duvida de muitas coisas não é mais sábio do que aquele que
nunca pensou nelas; é-o até menos do que este último, se formou sobre
algumas uma falsa opinião. Por isso mais vale nunca estudar do que ocupar-se
de objetos de tal modo difíceis que, sem podermos distinguir o verdadeiro do
falso, sejamos forçados a admitir por certo o que é duvidoso, pois não há então
tanta esperança em aumentar a doutrina quanto o perigo de a diminuir. Como
consequência, rejeitamos todos os conhecimentos que não passam de
prováveis e declaramos que é preciso confiarmos unicamente no que é
perfeitamente conhecido e de que não se pode duvidar.
Por conseguinte, Descartes não defende que verdades dignas de tal nome
sejam só as da Aritmética e da Geometria, mas revelará sempre a tendência
para considerar que toda a verdade deve assemelhar-se, pela sua certeza e
evidência, à das demonstrações daquelas duas ciências. Tais demonstrações,
com efeito, são uma espécie de exemplo concreto e já realizado de uma
ciência que merece tal nome; e, por outro lado, o cultivo dessas disciplinas,
desde tempos imemoriais e de forma ininterrupta, é índice de que o espírito
humano não se deixou perverter completamente pelo emaranhado das
opiniões prováveis ou simplesmente falsas e que as “sementes de verdade”, de
que a humana razão dispõe, só necessitam de uma boa ocasião e de um bom
método para se desenvolverem em todas as suas potencialidades.
As regras do método
«O Discurso do Método reduz a quatro os preceitos ou regras fundamentais do
método cartesiano. São elas:
A intuição
Para Descartes, não há senão duas vias pelas quais se pode chegar ao
conhecimento certo das coisas. Essas duas vias correspondem a outras tantas
operações da razão. São elas: a intuição e a dedução. Vejamos o que o filósofo
entende por estas expressões e como concebe a relação entre elas no
processo de constituição da ciência.
A intuição. «Por intuição entendo [...] o conceito que a inteligência pura e atenta
forma com tanta facilidade e distinção que não resta absolutamente nenhuma
dúvida sobre aquilo que compreendemos». (1)
O conceito de intuição não era novo e era abundantemente usado nos escritos
escolásticos. Todavia, Descartes tem consciência de que o usa num sentido
absolutamente novo e adverte os seus eventuais leitores de que não o
confundam com o sentido do uso corrente de tal termo. Em que consiste essa
novidade?
A dedução
Por dedução «entendemos toda a conclusão necessária tirada de outras coisas
conhecidas com certeza».
Descartes sabe que a maior parte das verdades a que o espírito humano tem
acesso é de natureza dedutiva e não de natureza intuitiva. O homem não tem
uma intuição única e total do conjunto das verdades e de todas as
consequências que se podem extrair de um único princípio. O homem não tem
imediatamente presente, com absoluta evidência ao seu espírito e de uma só
vez, toda a série de verdades que constituem o corpo da ciência. Só uma
inteligência infinita e intemporal como a de Deus poderia ter uma tal intuição.
Embora «se possa dizer que a evidência das verdades deduzidas e a certeza
que o espírito delas tem seja, em certo sentido, uma evidência e certeza
diferidas, isso não implica todavia que elas sejam menos verdades do que
aquelas das quais recebem a evidência. Não há lugar, na ciência cartesiana,
para verdades autênticas e verdades a meias. Há uma única cadeia de
verdades que apenas se distinguem entre si pelo facto de umas serem mais
simples e outras mais complexas, pelo facto de as que são mais simples
serem, por isso também mais evidentes e primeiras na apreensão por parte do
espírito e as complexas só sucessivamente virem a ser deduzidas das
primeiras e nesse sentido serem elos sucessivos de uma cadeia contínua como
é a ciência.»
António Marques e Leonel Ribeiro dos Santos, Filosofia 2, Lisboa, A Regra do Jogo, pp.
209 -213.
4
As ideias
«Descartes discute a teoria das ideias inatas em várias das suas obras, mas as
exposições mais conhecidas encontram-se em duas delas: no Discurso do Método e
nas Meditações Metafísicas. Nelas, Descartes mostra que o nosso espírito possui três
tipos de ideias que se diferenciam segundo sua origem e qualidade:
1. Ideias adventícias (isto é, vindas de fora) ou empíricas: são aquelas que têm origem
nas nossas sensações, perceções, lembranças; são as ideias que nos surgem por
termos tido a experiência sensorial ou sensível das coisas a que se referem. Por
exemplo, a ideia de árvore, de pássaro, de instrumentos musicais, etc. Não
correspondem, geralmente, à realidade das próprias coisas. Assim, andando à noite
por uma floresta, vejo fantasmas. Quando raia o dia, descubro que eram galhos
retorcidos de árvores que se mexiam sob o vento. Olho para o céu e vejo, pequeno, o
Sol. Acredito, então, que é menor do que a Terra, até que os astrónomos provem
racionalmente que aquele é muito maior do que esta.
3. Ideias inatas: são aquelas que não poderiam vir da nossa experiência sensorial
porque não há objetos sensoriais ou sensíveis para elas, nem poderiam vir da nossa
fantasia, pois não tivemos experiência sensorial para compô-las a partir da nossa
memória.
As ideias inatas são inteiramente racionais e só podem existir porque já nascemos com
elas. Por exemplo, a ideia do infinito (pois não temos qualquer experiência do infinito),
as ideias matemáticas (a matemática pode trabalhar com a ideia de uma figura de mil
lados, o quiliógono, e, no entanto, jamais tivemos e jamais teremos a perceção de uma
figura de mil lados).
Essas ideias, diz Descartes, são “a marca do Criador” no espírito das criaturas racionais,
e a razão é a luz natural inata que nos permite conhecer a verdade. Como as ideias
inatas são colocadas no nosso espírito por Deus, serão sempre verdadeiras, isto é,
corresponderão integralmente às coisas a que se referem, e, graças a elas, podemos
julgar quando uma ideia adventícia é verdadeira ou falsa e saber que as ideias factícias
são sempre falsas (não correspondem a nada fora de nós). Ainda segundo Descartes,
as ideias inatas são as mais simples que possuímos (simples não quer dizer “fáceis”, e
sim não compostas de outras ideias). A mais famosa das ideias inatas cartesianas é o
“Penso, logo existo” ou a ideia de Eu. Por serem simples, as ideias inatas são
conhecidas por intuição e são elas o ponto de partida da dedução racional.»
http://afilosofiadacaixapreta. blogspot. pt/2010/08/filosofia-de-rene-descartes. html
5
Críticas a Descartes
Crítica ao Cogito
Umas das críticas habitualmente dirigidas ao conceito cartesiano de Cogito, em
particular quando é apresentado sob a forma de «Penso, logo existo», é que este parte
do princípio de que a afirmação geral «todos os pensamentos implicam alguém que os
pense» é verdadeira, hipótese que Descartes nunca tenta estabelecer ou tornar
explícita. Esta crítica baseia-se no pressuposto de que Descartes apresentou a
conclusão «eu sou» como resultado de uma inferência logicamente válida, efetuada
nos seguintes moldes:
Todos os pensamentos implicam alguém que os pense.
Neste momento existem pensamentos.
Logo, quem os pensa tem de existir.
No entanto, esta crítica não afeta o conceito de Cogito tal como ele é formulado nas
Meditações Metafisicas, uma vez que no texto não é em parte alguma sugerido que se
trata de uma inferência lógica. Descartes, pelo contrário, parece estar a advogar a
necessidade de introspeção por parte do leitor ou da leitora e a desafiá-los para
duvidar da verdade da asserção «eu penso, eu existo».
O Círculo Cartesiano
Depois de Descartes ter determinado a veracidade da sua própria existência enquanto
ser pensante por meio do Cogito, a totalidade do seu projeto de reconstrução
encontra-se assente em dois fundamentos: a existência de um Deus benevolente e o
facto de tudo aquilo em que se pode acreditar de forma clara e distinta ser verdade.
Ambos são, em si mesmos, discutíveis.
Contudo, existe uma acusação mais fundamental que é muitas vezes dirigida à
estratégia de Descartes, nomeadamente a de que quando o filósofo argumenta a favor
da existência de Deus confia na noção de ideias claras e distintas e que quando
argumenta a favor da doutrina das ideias claras e distintas pressupõe a existência de
Deus. Por outras palavras, Descartes argumenta em círculo.»
Nigel Warburton, Grandes Livros de Filosofia, Lisboa, Edições 70, pp. 75-76.
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«Gostaria de expor as razões que servem para provar que os verdadeiros princípios
que permitem alcançar o mais alto grau da sabedoria, que consiste no soberano bem
da vida, são aqueles que expus neste livro; e, para tanto, apenas duas são necessárias:
a primeira, que os princípios sejam muito claros; e a segunda, que deles se possa
deduzir todas as outras coisas. Na verdade apenas existem estas duas condições
exigidas por esses princípios. Ora, posso facilmente provar que são muito claros: em
primeiro lugar pela forma como os encontrei, isto é, rejeitando todas as coisas em que
podia encontrar a mínima oportunidade de duvidar; é certo que aquelas que não
puderam ser rejeitadas por este processo, e desde que passamos a considerá-las, são
as mais evidentes e as mais claras que o espírito humano consegue conhecer. Aquele
que pretende duvidar de tudo não pode no entanto duvidar que existe enquanto
duvida, e que aquele que assim raciocina, não podendo duvidar de si próprio e todavia
duvidando de tudo o resto, não é aquilo a que chamamos corpo, mas sim aquilo a que
chamamos alma ou pensamento. Assim. Considerei o ser ou a existência de tal
pensamento, como o primeiro princípio, do qual deduzi muito claramente os
seguintes: que Deus existe e é o autor de tudo o que existe no mundo e que, sendo a
fonte da verdade, não criou o nosso entendimento de tal maneira que este se possa
enganar no juízo que faz das coisas e das quais tem uma perceção muito clara e muito
distinta. São estes os princípios de que me sirvo no que respeita às coisas imateriais ou
metafísicas, dos quais deduzo, muito claramente os princípios das coisas corporais ou
físicas: que há corpos extensos em comprimento, largura e altura, que tomam diversas
formas e se movem de diversas maneiras. Eis, em poucas palavras, os princípios donde
deduzo a verdade das outras coisas.»
«1. Para examinar a verdade é necessário, pelo menos uma vez na vida, pôr todas as
coisas em dúvida, tanto quanto se puder.
Porque fomos crianças antes de sermos homens, e porque julgámos ora bem ora mal
as coisas que se nos apresentaram aos sentidos quando ainda não tínhamos completo
uso da razão, há vários juízos precipitados que nos impedem agora de alcançar o
conhecimento da verdade; [e de tal maneira nos tornam confiantes que] só
conseguimos libertar-nos deles se tomarmos a iniciativa de duvidar, pelo menos uma
vez na vida, de todas as coisas em que encontrarmos a mínima suspeita de incerteza.
2. Há, também, que considerar como falsas todas as coisas de que se pode duvidar.
Será mesmo muito útil rejeitarmos como falsas todas aquelas coisas em que pudermos
imaginar a mínima dúvida, de modo a que [se descobrirmos algumas que apesar de tal
precaução] nos pareçam claramente verdadeiras, possamos considerar que também
elas são muito certas e as mais fáceis que é possível conhecer.»
«REGRA II ‒ Importa lidar unicamente com aqueles objetos para cujo conhecimento
certo e indubitável os nossos espíritos parecem ser suficientes.
Toda a ciência é um conhecimento certo e evidente; nem aquele que duvida de muitas
coisas é
mais sábio do que quem nunca pensou nelas; parece até menos douto que este
último, se formou uma opinião errada a respeito de algumas. Por isso, é melhor nunca
estudar do que ocupar-se de objetos de tal modo difíceis que, não podendo distinguir
o verdadeiro do falso, sejamos obrigados a tomar como certo o que é duvidoso,
porque então não há tanta esperança de aumentar a instrução como perigo de a
diminuir. Por conseguinte, mediante esta proposição, rejeitamos todos os
conhecimentos somente prováveis, e declaramos que se deve confiar apenas nas
coisas perfeitamente conhecidas e das quais não se pode duvidar.»
«O erro principal e mais frequente que se pode descobrir nos juízos consiste em que
afirmo que as ideias que estão em mim são semelhantes ou conformes a certas coisas
que estão fora de mim. Se considerasse as próprias ideias como certos modos do meu
pensamento e nãos as referisse a qualquer outra coisa, dificilmente me poderiam
oferecer matéria de erro.
Porém, destas ideias parece-me que umas são inatas, outras adventícias, outras feitas
por mim próprio. Porque que eu compreenda o que é “coisa”, o que é “verdade”, o
que é «pensamento», parece-me que reside na minha própria natureza e que o não
recebo de outra parte. Mas que eu ouça agora um ruído, que veja o Sol, que sinta o
calor das chamas, isto, segundo julguei até agora, procede de certas coisas situadas
fora de mim. E, por último, as Sereias, os Hipogrifos, e seres semelhantes, são
inventados por mim próprio. Mas também posso crer que as ideias são todas
adventícias, ou todas inatas, ou todas factícias, uma vez que ainda não descobri
claramente a sua origem verdadeira.»
René Descartes, Meditações da Filosofia Primeira, 3.ª Meditação.
A intuição e a dedução
«Por intuição entendo, não a convicção flutuante fornecida pelos sentidos ou o juízo
enganador de uma imaginação de composições inadequadas, mas o conceito da
mente pura e atenta tão fácil e distinto que nenhuma dúvida nos fica acerca do que
compreendemos; ou então, o que é a mesma coisa, o conceito da mente pura e
atenta, sem dúvida possível, que nasce apenas da luz da razão e que, por ser mais
simples, é ainda mais certo do que a dedução, se bem que esta última não possa ser
mal feita pelo homem, como acima observamos. Assim, cada qual pode ver pela
intuição intelectual que existe, que pensa, que um triângulo é delimitado apenas por
três linhas, que a esfera o é apenas por uma superfície, e outras coisas semelhantes,
que são muito mais numerosas do que a maioria observa, porque não se dignam
aplicar a mente a coisas tão fáceis.
Ora, esta evidência e esta certeza da intuição não são apenas exigidas para as simples
enunciações, mas também para quaisquer raciocínios. Seja, por exemplo, esta
consequência: 2 e 2 é igual a 3 mais 1; é preciso ver intuitivamente não só que 2 e 2são
4, e que 3e 1 são igualmente 4,mas, além disso, que destas duas proposições se
conclui necessariamente aquela terceira.
Poderá agora perguntar-se porque é que à intuição juntamos um outro modo de
conhecimento, que se realiza por dedução; por ela entendemos o que se conclui
necessariamente de outras coisas conhecidas com certeza. Foi imperioso proceder
assim, porque a maior parte das coisas são conhecidas com certeza, embora não sejam
em si evidentes, contanto que sejam deduzidas de princípios verdadeiros, e já
conhecidos, por um movimento contínuo e ininterrupto do pensamento, que intui
nitidamente cada coisa em particular: eis o único modo de sabermos que o último elo
de uma cadeia está ligado ao primeiro, mesmo que não a prendamos intuitivamente
num só e mesmo olhar o conjunto dos elos intermédios, de que depende a ligação;
basta que os tenhamos examinado sucessivamente e que nos lembremos que, do
primeiro ao último, cada um deles está ligado aos seus vizinhos imediatos.
Distinguimos portanto, aqui, a intuição intelectual da dedução certa pelo facto de que,
nesta, se concebe uma espécie de movimento ou sucessão e na outra, não; além disso,
para a dedução não é necessário, como para a intuição, uma evidência atual, mas é
antes à memória que, de certo modo, vai buscar a sua certeza. Pelo que se pode dizer
que estas proposições, que se concluem imediatamente a partir dos primeiros
princípios, são conhecidas, de um ponto de vista diferente, ora por intuição, ora por
dedução, mas que os primeiros princípios se conhecem somente por intuição, e, pelo
contrário, as conclusões distantes só o podem ser por dedução.
Eis as duas vias mais seguras para chegar à ciência; do lado do espírito não se devem
admitir mais, e todas as outras devem ser rejeitadas como suspeitas e passíveis de
erro.»
A importância do método
«Entendo por método regras certas e fáceis, que permitem a quem exatamente as
observar nunca tomar por verdadeiro algo de falso e, sem desperdiçar inutilmente
nenhum esforço da mente, mas aumentando sempre gradualmente o saber, atingir o
conhecimento verdadeiro de tudo o que será capaz de saber.
Aqui, há duas observações a fazer: não tomar absolutamente nada de falso por
verdadeiro, e chegar ao conhecimento de tudo. Com efeito, se ignorarmos algo de
quanto podemos saber é apenas porque ou nunca divisamos uma via que nos
conduzisse a tal conhecimento, ou porque caímos no erro oposto. Mas se o método
nos dá uma explicação perfeita do uso da intuição intelectual para não cairmos no erro
contrário à verdade, e do meio de encontrar deduções para chegar ao conhecimento
de tudo, parece-me que nada mais se exige para ele ser completo, já que nenhuma
ciência se pode adquirir a não ser pela intuição intelectual ou pela dedução, como
antes ficou dito.»
«Em que sentido se pode dizer que, se ignorarmos Deus, não podemos ter
conhecimento certo de nenhuma outra coisa.
Mas, quando o pensamento que desta maneira se conhece a si mesmo, não obstante
persistir ainda em duvidar das outras coisas, usa de circunspeção para tentar estender
o seu conhecimento mais além, encontra em si, primeiro, as ideias de várias coisas; e
enquanto as contempla simplesmente e não pode garantir que exista alguma coisa
fora de si semelhante a estas ideias, mas tão pouco o nega, não corre o perigo de se
enganar. Encontra também algumas noções comuns com as quais compõe
demonstrações que o persuadem tão absolutamente que não poderá duvidar da sua
verdade enquanto a isso se aplica. Por exemplo, tem em si as ideias dos números e das
figuras, e conta também entre as suas noções comuns esta: "se somarmos
quantidades iguais a outras quantidades iguais, os totais serão iguais" e muitas outras
tão evidentes como esta, por meio das quais é fácil demonstrar que os três ângulos de
um triângulo são iguais a dois retos, etc. Enquanto percebe estas noções e a ordem
pela qual deduziu esta conclusão ou outras semelhantes, o pensamento está muito
seguro da sua verdade; mas como não poderia pensar sempre nisto com igual atenção,
quando acontece lembrar-se de alguma conclusão sem ter em conta a ordem pela qual
pode ser demonstrada e, no entanto, pensa que o autor do seu ser teria podido criá-lo
de tal natureza que se enganasse em tudo o que lhe parece muito evidente, vê bem
que tem um justo motivo para desconfiar da verdade de tudo aquilo deque não se
apercebe distintamente e que não poderá ter nenhuma ciência certa até conhecer
aquele que o criou.»
Descartes, Princípios da Filosofia, § 13, Lisboa, Guimarães Editores, 1974, p. 22.