Erros de Kant - Parte 2
Erros de Kant - Parte 2
Erros de Kant - Parte 2
Uma vez que Kant considerou serem os juízos sintéticos a priori a fonte da verdadeira ciência, tal
qual acontece na matemática e na física, ele quer mostrar agora o que fundamenta tal tipo de juízo e,
uma vez feito isso, quer responder se é possível que as questões mais altas da loso a, isto é, as
questões metafísicas, também possam ser respondidas por juízos sintéticos a priori. Se a metafísica
for proveniente desses juízos, ela será verdadeira ciência (conhecimento fundamentado em juízos
universais e necessários), caso contrário, não será. Comenta Kant:
“Na matemática e na física o homem encontrou o caminho seguro da ciência, mas na metafísica
registra-se um contínuo tatear em grande confusão. A metafísica parece ter cado em um estado
pré-cientí co. Mas como isso é possível? Será que é impossível que ela se constitua como ciência?
E, se assim fosse, por que então a natureza deu à razão humana tão fortes tendências aos
problemas metafísicos?”
Kant a rma que o fundamento dos juízos sintéticos a priori só podem estar no próprio sujeito
que conhece as coisas; são as condições que tornam possível o conhecimento sensível e o
conhecimento intelectual. Essas condições são a estrutura da própria sensibilidade e intelecto
humanos, as condições da cognoscibilidade dos objetos, o que Kant chamou de transcendentais.
Os transcendentais são, portanto, não noções relativas ao ser ou aos objetos do conhecimento
humano, mas são aquilo que o sujeito põe nas coisas no próprio ato de conhecê-las, ao modo de
um ltro ou molde.
Kant analisa como funciona a mente humana no conhecimento dos objetos sensíveis. Esse estudo é
o que ele chama de Estética (vem do grego aísthesis = sensação ou percepção sensorial) que
consiste em entender quais são as estruturas da sensibilidade humana, o modo como o homem
recebe as sensações e se forma o conhecimento sensível.
O que Kant considera como sendo as estruturas da sensibilidade, instrumentos pelos quais podemos
conhecer os objetos sensíveis, são o espaço e o tempo. Ao percebermos um objeto pelos nossos
sentidos externos, este objeto imprime em nós sua marca em cada um dos sentidos, marca esta que é
ordenada e organizada em nós pelo espaço e tempo. Espaço e tempo se tornam, assim, princípios
do conhecimento sensível. [Aqui há a grande inversão de Kant. Primeiro, ele descarta o que a
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Filoso a sempre entendeu como simples apreensão e seu primeiro objeto, o ser. Substitui a simples
apreensão do ser pela apreensão sensorial feita pelas categorias mentais do espaço e do tempo.
O espaço, para Kant, consiste na forma do sentido externo, isto é, no modo de funcionamento do
sentido externo, ou seja, a condição à qual deve sujeitar-se a representação sensível de objetos
externos; o tempo é, ao contrário, o modo de funcionamento do sentido interno, isto é, a forma
como conhecemos os dados sensíveis internos.
A forma do conhecimento sensível depende de nós porque se dá mediante o espaço e o tempo, que
são categorias mentais. O conteúdo não depende de nós, mas nos é dado de acordo com o objeto
que nos é apresentado (esta garrafa, aquele livro etc). A razão e o fundamento da possibilidade de se
construir a priori o conhecimento da matemática se dá porque ela não leva em consideração o
conteúdo dos objetos, mas apenas a forma que é aplicada a eles, ou seja, a matemática lida apenas
com as estruturas da mente humana e não com o objeto em si mesmo. Aritmética e geometria se
fundam na estrutura do tempo e do espaço respectivamente e, exatamente por isso, têm
universalidade e necessidade absolutas.
A geometria trabalha com linhas no espaço e a aritméticas, segundo Kant, trabalha com operações
que se dão no tempo, como somar, subtrair etc.
Assim, a primeira resposta à pergunta de como são possíveis os juízos sintéticos a priori é: são
possíveis, em primeiro lugar na matemática, porque esta depende apenas do espaço e do
tempo e estes são tão somente estruturas da mente humana.
Pela sensibilidade, os objetos nos são dados, mas pela inteligência eles são pensados (que, segundo
Kant, consiste no mesmo que julgados).
[Podemos notar que o que Kant chama de intelecto é, na verdade, o que a Filoso a Perene entendia
por imaginário e cogitativa. O resultado da apreensão dos 5 sentidos é canalizado para um sentido
comum que harmoniza e uni ca o trabalho desses mesmos 5 sentidos. Do sentido comum a
informação vai para o imaginário e memória sensível. Do imaginário, a inteligência faz uma
abstração do conceito. Mas existe uma função do imaginário um pouco mais so sticada: é a
estimativa. Vemos esta funcionar quando vemos um animal fazendo algo inteligente (joão de barro
construindo uma casinha; ovelha fugindo do lobo etc). Como a ovelha sabe naturalmente que o lobo
é maldoso? É porque a estimativa enxerga além da própria imagem algum outro tipo de
signi cado. A coisa que, no joão de barro, sabe que pode pegar o pau para fazer a casinha, não pode
ser os sentidos ou a imaginação somente, mas sim a estimativa que não ultrapassa o nível dos
sentidos.
Essa estimativa, no homem, é chamada de cogitativa, pois o homem tem inteligência e esta
in uencia sobre o sentido fazendo-o trabalhar como se estivesse pensando. O intelecto aprimora a
estimativa e faz com que ela pareça trabalhar inteligentemente. É assim, por exemplo, que dirigimos
um carro: fazemos coisas inteligentes, mas sem pensar. A cogitativa é a própria estimativa
sensorial que adquiriu novas habilidades pelo in uxo da inteligência. A estimativa é capaz de
um certo tipo de raciocínio e por isso é capaz de absorver rotinas que só podem ser elaboradas pela
inteligência, como dirigir por exemplo.]
Enquanto a Estética é a ciência das leis da sensibilidade, a Lógica é a ciência das leis do intelecto.
Kant divide esta em duas partes:
- Lógica Geral: equivalente à lógica formal tradicional;
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- Lógica Transcendental: lógica que leva em consideração o conteúdo (Lógica material no
sentido clássico).
Na Lógica Transcendental, Kant coloca como objeto não o que ele chama de conceitos empíricos
(com conteúdo sensível e imagético), mas o que ele chama de conceitos puros, isto é, aqueles aos
quais não está vinculada nenhuma sensação. Prescindindo de todo conteúdo empírico, o intelecto
pode, assim como a sensibilidade, ter como conteúdo as intuições puras do espaço e do tempo, isto
é, os conceitos que não provêm dos objetos, mas que provêm a priori do intelecto e, no entanto, se
referem a priori aos próprios objetos.
Assim, o que Kant chama de Analítica Transcendental diz respeito a análise ou decomposição do
modo de funcionamento do intelecto humano para encontrar nele os conceitos a priori.
As 12 categorias de Kant
Kant considera que somente a sensibilidade é capaz de intuição, o intelecto, não. Este é capaz
apenas do discurso. [Dizer que o intelecto é incapaz de intuição signi ca negar a simples apreensão
e a existência de conceitos universais. É mais uma evidência do nominalismo de Kant. Ele
estabelece como sendo atos da inteligência apenas o juízo e o raciocínio.] Por isso, o que Kant
chama de conceitos do intelecto não são intuições, mas funções ou atribuições. A função de um
conceito, segundo Kant, é uni car elementos múltiplos em torno de uma imagem, representação ou
nome comum; é atribuir um nome a um conjunto de indivíduos tal qual a mentalidade
nominalista concebe.
É por isso que Kant chama o intelecto de “a faculdade de julgar”. Tendo essa concepção do
conceito, o que Kant chama de categorias são os diversos modos com que o intelecto uni ca e
sintetiza, ou seja, são também categorias mentais; são as 12 formas possíveis de se fazer uma
síntese ou juízo, ou 12 modos de se uni car o múltiplo.
Assim como as coisas, para ser conhecidas sensivelmente, devem se adequar às formas da
sensibilidade, do mesmo modo, para ser pensadas, as coisas devem necessariamente se adequar
às leis do intelecto. Os conceitos puros ou categorias, portanto, são as condições pelas quais e
somente pelas quais é possível que algo seja pensado como objeto de experiência, assim como o
espaço e o tempo são as condições pelas quais e somente pelas quais é possível que algo seja
captado sensivelmente como objeto de intuição.
A conclusão de toda essa loso a de Kant é de que o fundamento do objeto está no sujeito. A ordem
e a regularidade que os objetos têm na natureza supõe um sujeito que, pensando, introduz essa
mesma ordem e realidade na natureza. Aquilo que, nesse sujeito, dá a unidade suprema que guia
todo esse processo do conhecimento é o que Kant chama de “Eu penso” ou apercepção
transcendental (do latim ad-, "para, em direção a" e percipere, "perceber, ganhar, garantir,
aprender ou sentir"). É aquilo pelo qual cada sujeito empírico é sujeito pensante e consciente. É o
fundamento de todo conhecimento, mas não é o “EU” individual de cada pessoa humana.
Com essa noção do “Eu penso” a resposta à pergunta “como são possíveis os juízos sintéticos a
priori?” chega à sua forma nal: é possível pelo fato de nós termos as formas puras da intuição do
espaço e do tempo a priori, e também por nosso pensamento ser atividade uni cadora e
sintetizadora, que se explicita através das categorias, culminando na apercepção originária, que é o
princípio da unidade sintética originária, a própria forma do intelecto.
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3. A faculdade da razão e a Dialética Transcendental
Razão, para Kant, signi ca o intelecto para além dos fenômeno, isto é, o intelecto que tenta
investigar os objetos que estão além de suas capacidades. O nome da obra de Kant, “Crítica da
razão pura”, diz respeito à crítica dessa faculdade da razão.
A dialética transcendental é uma parte da lógica transcendental que lida com o noumeno em vez
do fenômeno (este já foi estudado pela estética e analítica transcendental). É a resposta da ânsia
natural que existe no homem de descobrir coisas que estão além da cognição.
Razão Pura, para Kant, é a faculdade da cognição humana que não se dirige aos objetos da
experiência condicionados pela estrutura a priori do conhecimento. A razão se refere a objetos
incondicionados, ou seja, não determinados por qualquer categoria mental. A razão pura visa esses
objetos que estão distantes da experiência, objetos dos quais ela não pode falar, embora anseie
conhecer.
Num silogismo nós partimos de um juízo universal para chegarmos em um juízo particular.
Kant diz que, na prática, nós fazemos um silogismo inverso: vemos que João morreu e procuramos
uma teoria para explicar esse fato e daí dizemos que todo homem é mortal.
Quando o homem faz um julgamento, é normal que ele depois queira encontrar uma lei genérica
que explique tal julgamento. O homem está sempre em busca das premissas maiores.
Quando fazemos um julgamento como o de que “há uma reação quando faço uma ação” , nós não
camos contentes e buscamos conceitos mais gerais pelos quais possamos fazer um raciocínio e
chegar a uma lei, como a lei de Newton. A mente vai elaborando conceitos até alcançar uma
realidade que não passou pela experiência. A pessoa não se contenta, por exemplo, em saber que
existe um mecanismo que junta 2 conceitos (“eu penso”) e então cria a ideia de uma alma. A ideia
de universo também foi montada para ser uma premissa maior que enquadre premissas menores
que estão atreladas ao sensorial, mas o universo em si não é objeto sensorial. A ideia de Deus é a
mesma coisa. A mente humana é obrigada a enxergar isso como uma exigência para ter premissas
maiores. Elas são construções gratuitas da inteligência e não podem ser vistas na realidade.
É natural que Kant pense assim, pois Deus só pode ser deduzido e provado pelo movimento, que é
um dos 3 princípios que o intelecto apreende por intuição, algo que Kant descarta completamente.
No fundo a prova da existência de Deus depende da apreensão do conceito de ser. Assim, é
impossível Kant enxergar pela razão que a alma, Deus e o universo possam existir. Ele não nega a
existência dessas 3 realidades, mas nega que seja possível conhecê-las. O problema, mais uma vez,
é o nominalismo de Kant que faz com que ele não enxergue o ser, mas postule, em primeiro lugar, o
espaço e o tempo. Ele constrói toda uma cosmovisão a partir do princípio de que o que por
primeiro a mente intui é o espaço e tempo, que são categorias mentais, e não o ser, o
movimento e a verdade.
Para a surpresa de todos, ele escreveu depois “A Crítica da Razão Prática” e a “Crítica do
Julgamento” como continuação do seu processo de desconstrução da mente humana.