Fichamento de Kant 2
Fichamento de Kant 2
Fichamento de Kant 2
“Seria naturalmente muito mais difícil para a razão seguir a via segura da ciência, tendo
de tratar não somente de si, mas também de objetos; eis porque, enquanto propedêutica,
a lógica é apenas como a antecâmara das ciências e, tratando-se de conhecimentos,
pressupõe-se, sem dúvida, uma lógica para os julgar, mas tem que procurar-se a
aquisição destes nas ciências, própria e objetivamente designadas por esse nome.” (p.
5).
Comentário: Kant está fazendo uma distinção entre a lógica como um campo de estudo
e as ciências que tratam de objetos específicos.
“Porque será então que ainda aqui não se encontrou o caminho seguro da ciência?
Acaso será ele impossível? De onde provém que a natureza pôs na nossa razão o
impulso incansável de procurar esse caminho como um dos seus mais importantes
desígnios? Mais ainda: quão poucos motivos teremos para confiar na nossa razão se,
num dos pontos mais importantes do nosso desejo de saber, não só nos abandona como
nos ludibria com miragens, acabando por nos enganar! Ou talvez até hoje nos tenhamos
apenas enganado no caminho; de que indícios nos poderemos servir para esperar, em
novas investigações, sermos melhor sucedidos do que os outros que nos precederam?”.
(p. 8).
Comentário: Kant questiona por que ainda não descobrimos um caminho seguro para a
ciência e se isso é realmente possível. Ele está preocupado que nossa razão, ou seja,
nossa capacidade de pensar e entender as coisas, possa nos enganar quando tentamos
aprender coisas importantes.
“Com efeito, o que nos leva necessariamente a transpor os limites da experiência e de
todos os fenômenos é o incondicionado, que a razão exige necessariamente e com plena
legitimidade nas coisas em si, para tudo o que é condicionado, a fim de acabar, assim, a
série das condições. Ora, admitindo que o nosso conhecimento por experiência se guia
pelos objetos, como coisas em si, descobre-se que o incondicionado não pode ser
pensado sem contradição; pelo contrário, desaparece a contradição se admitirmos que a
nossa representação das coisas, tais como nos são dadas, não se regula por estas,
consideradas como coisas em si, mas que são esses objetos, como fenômenos, que se
regulam pelo nosso modo de representação, tendo consequentemente que buscar-se o
incondicionado não nas coisas, na medida em que as conhecemos (em que nos são
dadas), mas na medida em que as não conhecemos, enquanto coisas em si; isto é uma
prova de que tem fundamento o que inicialmente admitimos à guisa de ensaio” (p. 11).
Comentário: Kant diz que nossa razão busca algo incondicionado, mas não podemos
entender isso sem contradição quando nos baseamos apenas na experiência e nos
fenômenos. A contradição desaparece se considerarmos que nossa percepção é sobre
como as coisas aparecem para nós, não como elas são em si mesmas. Portanto, devemos
buscar o incondicionado além da nossa experiência direta.
“A tarefa desta crítica da razão especulativa consiste neste ensaio de alterar o método
que a metafísica até agora seguiu, operando assim nela uma revolução completa,
segundo o exemplo dos geômetras e dos físicos. É um tratado acerca do método, não um
sistema da própria ciência; porém, circunscreve-a totalmente, não só descrevendo o
contorno dos seus limites, mas também toda a sua estrutura interna.” (p. 12).
Comentário: Kant está comentando que a tarefa da sua crítica da razão especulativa é
mudar completamente o método que a metafísica usou até agora, seguindo o exemplo
dos geômetras e físicos.
“O único verdadeiro acrescentamento que poderia citar, embora se trate apenas da forma
de demonstração, é aquele pelo qual fiz uma refutação nova do idealismo psicológico e
dei uma prova rigorosa (a única possível, segundo creio) da realidade objetiva da
intuição externa. Por muito inocente que se considere o idealismo em relação aos fins
essenciais da metafísica (e na verdade não é), não deixa de ser um escândalo para a
filosofia e para o senso comum em geral que se admita apenas a título de crença a
existência das coisas exteriores a nós (das quais afinal provém toda a matéria para o
conhecimento, mesmo para o sentido interno) e que se não possa contrapor uma
demonstração suficiente a quem se lembrar de a pôr em dúvida.” (p. 21).
Comentário: Kant considera um escândalo para a filosofia que a existência das coisas
externas a nós seja aceita apenas como crença e que não haja uma demonstração contra
quem duvida disso. Ele acredita que provar a realidade das coisas externas é importante,
pois elas fornecem toda a matéria para o conhecimento.
“Não resta dúvida de que todo o nosso conhecimento começa pela experiência [...]
porém, todo o conhecimento se inicia com a experiência, isso não prova que todo ele
derive da experiência. Pois bem poderia o nosso próprio conhecimento por experiência
ser um composto do que recebemos através das impressões sensíveis e daquilo que a
nossa própria capacidade de conhecer (apenas posta em ação por impressões sensíveis)
produz por si mesma, acréscimo esse que não distinguimos dessa matéria-prima,
enquanto a nossa atenção não despertar por um longo exercício que nos torne aptos a
separá-los.” (p. 25).
Comentário: Kant afirma que todo nosso conhecimento começa com a experiência, mas
isso não significa que todo ele venha da experiência. Nosso conhecimento pode ser uma
combinação do que recebemos pelas impressões sensoriais e do que nossa própria
capacidade de conhecer produz.
“Há pois, pelo menos, uma questão que carece de um estudo mais atento e que não se
resolve à primeira vista; vem a ser esta: se haverá um conhecimento assim,
independente da experiência e de todas as impressões dos sentidos. Denomina-se a
priori esse conhecimento e distingue-se do empírico, cuja origem é a posteriori, ou seja,
na experiência.” (p. 25-26).
Comentário: Os conhecimentos para Kant se resumem em a priori – não necessita da
experiência, mas o resultado é extraído por pura análise – e o a posteriori – é necessário
a experiência para sua validação.
“os juízos (os afirmativos) são analíticos, quando a ligação do sujeito com o predicado é
pensada por identidade; aqueles, porém, em que essa ligação é pensada sem identidade,
deverão chamar-se juízos sintéticos.”
Comentário: Kant apresenta o juízo analítico é o predicado é apresentado de forma
imediata no sujeito. O juízo sintético o predicado não está contido no sujeito.
“I) O espaço não é um conceito empírico, extraído de experiências externas. [...] II) O
espaço é uma representação necessária, a priori, que fundamenta todas as intuições
externas. [...] III) O espaço não é um conceito discursivo ou, como se diz também, um
conceito universal das relações das coisas em geral, mas uma intuição pura. [...] IV) O
espaço é representado como uma grandeza infinita dada.” (p. 53-54).
Comentário: Kant procurou delimitar o conceito de espaço, sendo impossível
mensurá-lo (empiricamente); o conhecemos a priori; sendo captado por intuição; e não
se sabe o seu limite.
“I) O tempo não é um conceito empírico que derive de uma experiência qualquer [...] II)
O tempo é uma representação necessária que constitui o fundamento de todas as
intuições [...] III) Sobre esta necessidade a priori assenta também a possibilidade de
princípios apodíticos das relações do tempo ou de axiomas do tempo em geral [...] IV)
O tempo não é um conceito discursivo ou, como se diz, um conceito universal, mas uma
forma pura da intuição sensível [...]; V) A infinitude do tempo nada mais significa que
qualquer grandeza determinada de tempo é somente possível por limitações de um
tempo único, que lhe serve de fundamento. (p. 59-60).
Comentário: Para Kant o tempo não é derivado de experiências empíricas; o tempo
existe de forma fundamental de todas as coisas; o conhecemos a priori; é uma forma
pura captada pela intuição; o tempo é infinito por sua própria determinação.
“Eis-nos de posse de um dos dados exigidos para resolver o problema geral da filosofia
transcendental: como são possíveis proposições sintéticas a priori? Referimo-nos a
intuições puras a priori, o espaço e o tempo. Nestas intuições, quando num juízo a priori
queremos sair do conceito dado, encontramos aquilo que pode ser descoberto a priori,
não no conceito, mas certamente na intuição correspondente, e pode estar ligado
sinteticamente a esse conceito; mas tais juízos, por esta razão, nunca podem ultrapassar
os objetos dos sentidos e apenas têm valor para objetos da experiência possível.” (p.
76).
Comentário: Kant propõe as intuições puras a priori, o espaço e o tempo, para resolver o
problema da possibilidade das proposições sintéticas a priori na filosofia transcendental.
“A crítica da razão acaba, necessariamente, por conduzir à ciência, ao passo que o uso
dogmático da razão, sem crítica, leva, pelo contrário, a afirmações sem fundamento, a
que se podem opor outras por igual verossímeis e, consequentemente, ao cepticismo.”
(p. b23)
Comentário: Kant está dizendo que a crítica da razão (análise de como a razão funciona
e quais são seus limites) é essencial para alcançar um conhecimento seguro e científico.
Sem essa crítica, o uso da razão pode levar a dogmas não fundamentados que são
facilmente questionáveis, resultando em um ceticismo generalizado onde nada pode ser
conhecido com certeza.
Ele está, portanto, defendendo uma abordagem crítica e reflexiva em relação ao uso da
razão como meio para estabelecer conhecimentos sólidos e confiáveis.
“Na divisão desta ciência dever-se-á, sobretudo, ter em vista que nela não entra conceito
algum que contenha algo de empírico, ou seja, vigiar para que o conhecimento a priori
seja totalmente puro. Daí resulta, que os princípios supremos da moralidade e os seus
conceitos fundamentais, sendo embora conceitos a priori, não pertencem à filosofia
transcendental, [porque, não obstante não serem por si mesmos os fundamentos dos
preceitos morais, os conceitos de prazer e desprazer, de desejos e inclinações, etc.” (p.
b29)
Comentário: Kant está definindo o escopo da filosofia transcendental e estabelecendo
limites claros sobre o que ela deve investigar. A filosofia transcendental deve focar
apenas nos conceitos a priori puros, sem elementos empíricos. Por outro lado, conceitos
morais, embora baseados em princípios a priori, estão ligados a experiências e
elementos empíricos (como desejos e inclinações) e, portanto, não pertencem ao
domínio da filosofia transcendental.
Ele faz essa distinção para manter a filosofia transcendental como uma disciplina
puramente racional, sem a influência dos aspectos práticos e empíricos que caracterizam
outros tipos de conhecimento a priori, como a moralidade.
“Por esta razão designaremos, doravante, por juízos a priori, não aqueles que não
dependem desta ou daquela experiência, I mas aqueles em que se verifica absoluta
independência de toda e qualquer experiência. Dos conhecimentos a priori, são puros
aqueles em que nada de empírico se mistura. Assim, por exemplo, a proposição,
segundo a qual toda a mudança tem uma causa, é uma proposição a priori, mas não é
pura, porque a mudança é um conceito que só pode extrair-se da experiência.” (p. b3)
Comentário: Kant está diferenciando claramente entre juízos a priori puros e impuros. A
proposição "toda a mudança tem uma causa" é um juízo a priori porque é uma
necessidade lógica e não depende de uma experiência particular, mas não é puro porque
o conceito de mudança é algo que entendemos através da nossa experiência do mundo.
Com essa distinção, Kant está delineando a estrutura de como nosso conhecimento é
formado, enfatizando que, embora possamos ter conhecimentos que não dependem de
experiências específicas (a priori), muitos desses conhecimentos ainda têm raízes na
experiência sensível e, portanto, não são puramente racionais.
“A ciência da natureza (physica) contém em si, como princípios, juízos sintéticos a
“priori”. Limitar-me-ei a tomar, como exemplo, as duas proposições seguintes: em todas
as modificações do mundo corpóreo a quantidade da matéria permanece constante; ou:
em toda a transmissão de movimento, a ação e a reação têm de ser sempre iguais uma à
outra. Em ambas as proposições é patente não só a necessidade, portanto a sua origem a
priori, mas também que são proposições sintéticas.” (p. b18)
Comentário: Kant está mostrando que a física contém juízos sintéticos a priori.
Os exemplos que Kant fornece demonstram como princípios fundamentais da física
(como a conservação da matéria e a lei de ação e reação) são necessariamente
verdadeiros e, ao mesmo tempo, aumentam nosso conhecimento ao introduzir novos
conceitos que não são apenas definições analíticas. Isso exemplifica a estrutura do
conhecimento científico na visão kantiana, onde certos princípios básicos são
necessários e conhecidos independentemente da experiência, mas ainda assim
enriquecem nossa compreensão do mundo natural.
“O tempo não é um conceito empírico que derive de uma experiência qualquer. Porque
nem a simultaneidade nem a sucessão surgiriam na percepção se a representação do
tempo não fosse o seu fundamento a priori. Só pressupondo-a podemos representar-nos
que uma coisa existe num só e mesmo tempo (simultaneamente), ou em tempos
diferentes (sucessivamente).” (p. a31)
Comentário: Kant está argumentando que o tempo é uma condição necessária para a
experiência, uma forma a priori da sensibilidade. Isso significa que o tempo é uma
estrutura mental que organizamos nossas experiências. Sem a noção de tempo
pré-existente em nossa mente, não poderíamos perceber ou compreender eventos como
simultâneos ou sucessivos.
“O tempo não é um conceito discursivo ou, como se diz, um conceito universal, mas
uma forma pura da intuição sensível. Tempos diferentes são unicamente partes de um
mesmo tempo. Ora, a representação que só pode dar-se através de um único objeto é
uma intuição. E também não se poderia derivar de um conceito universal a proposição,
segundo a qual, tempos diferentes não podem ser simultâneos. Esta proposição é
sintética e não pode ser unicamente proveniente de conceitos. Está, portanto,
imediatamente contida na intuição e na representação do tempo.” (p. a32)
Comentário: Kant coloca o tempo como uma condição a priori da sensibilidade humana,
essencial para a organização e entendimento das nossas experiências, sendo uma
intuição direta que precede e possibilita qualquer conhecimento empírico.
“Mas como poderá haver no espírito uma intuição externa que preceda os próprios
objetos e que permita determinar a priori o conceito destes? E evidente que só na
medida em que se situa simplesmente no sujeito, como forma do sentido externo em
geral, ou seja, enquanto propriedade formal do sujeito de ser afetado por objetos e,
assim, obter uma representação imediata dos objetos, ou seja, uma intuição.” (p. b42)
Comentário: Kant está argumentando que nossa capacidade de perceber e formar
conceitos sobre objetos externos não é apenas resultado de interações empíricas, mas
depende de uma estrutura mental a priori que organiza essas percepções. Essa estrutura
é o que ele chama de forma do sentido externo, uma propriedade formal do sujeito que
possibilita a intuição dos objetos antes de qualquer experiência concreta.
“Do mesmo modo, nenhum princípio de geometria pura é analítico. Que a linha reta
seja a mais curta distância entre dois pontos é uma proposição sintética, porque o meu
conceito de reta não contém nada de quantitativo, mas sim uma qualidade. O conceito
de mais curta tem de ser totalmente acrescentado e não pode ser extraído de nenhuma
análise do conceito de linha reta. Tem de recorrer-se à intuição, mediante a qual
unicamente a síntese é possível” (p. b16)
Comentário: Kant argumenta que os princípios da geometria pura são sintéticos, pois
adicionam algo novo ao nosso conhecimento que não está contido na análise dos
conceitos envolvidos. Ele ilustra isso com o exemplo da linha reta sendo a distância
mais curta entre dois pontos, destacando que essa proposição requer a síntese entre o
conceito de linha reta e a qualidade de ser a distância mais curta, que só pode ser obtida
através da intuição.
“Antes de mais, cumpre observar que as verdadeiras proposições matemáticas são
sempre juízos a priori e não empíricos, porque comportam a necessidade, que não se
pode extrair da experiência. I Se não se quiser admitir isso, pois bem, limitarei a minha
tese à matemática pura, cujo conceito já de si exige que não contenha conhecimento
empírico, mas um conhecimento puro e a priori”
Comentário: Kant está enfatizando que as verdadeiras proposições matemáticas são
conhecimentos a priori, independentes da experiência, e são fundamentadas na
necessidade. Ele ressalta que mesmo que alguém discorde disso, a matemática pura, por
sua própria definição, é um conhecimento que não depende da experiência empírica,
mas é baseado puramente na razão.
“”
Comentário: