4 Descartes Da Dúvida À Certeza - Doc - 20231108 - 090306 - 0000

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Descartes

1. Descartes e o Racionalismo

Significado de racionalismo: teoria filosófica que nega a veracidade do conhecimento


empírico e considera a razão como a única fonte de conhecimento verdadeiro.
Pontos a destacar:
1. A razão é a única fonte de conhecimento verdadeiro, através da razão é possível chegar
aos princípios ou ideias inatas
2. Existem ideias ou princípios inatos;
3. O conhecimento verdadeiro é logicamente necessário e universalmente válido (2+2=4;
tem que ser assim e é válido para todos e em todos os lugares).
4. O modelo do conhecimento verdadeiro é dado pela matemática.

Para o racionalismo, a razão é a fonte principal do conhecimento. O conhecimento


sensível é considerado enganador. Por isso, as representações da razão são as mais certas e
as únicas que podem conduzir ao conhecimento logicamente necessário e universalmente
válido.
A razão é capaz de conhecer a estrutura da realidade a partir de princípios puros da
própria razão. A ordenação lógica do mundo permite compreender a sua estrutura de
forma dedutiva. O racionalismo segue, neste aspeto, o modelo matemático de dedução a
partir de um reduzido número de axiomas.
Os racionalistas partem do princípio que o sujeito cognoscente é ativo e, ao criar uma
representação de qualquer objeto real, está a submetê-lo às suas estruturas e assim surgem
as ideias.

Entre os filósofos que assumiram uma perspectiva racionalista do conhecimento,


destacam-se Platão (427 a. C -327 a. C.), René Descartes (1596-1650), Spinoza (1632 -1677)
e Leibniz (1646-1716).

Descartes foi considerado o fundador do racionalismo moderno. Deu grande relevo à


razão, considerando-a a única fonte de conhecimento verdadeiro. Fez uma análise do
sistema de conhecimentos e constatou duas graves deficiências estritamente ligadas: falta
de solidez ou firmeza e desorganização. Estas deficiências resultam do facto do modelo do
conhecimento se basear na experiência. Assim, o projeto filosófico de Descartes foi o de
encontrar fundamentos sólidos, organizados e seguros para o conhecimento e assim
mostrar aos céticos que estavam enganados e que era possível encontrar verdades
indiscutíveis ou absolutas. (pág. 60 do Manual)
2. A Orientação da Razão na Procura da Verdade: significado, importância, regras e
características do método cartesiano (Manual, págs. 60 a 85)

Para Descartes, a razão, bom senso ou a capacidade de bem julgar e de distinguir o


verdadeiro do falso, está presente em todos os homens. Assim, o problema não está em
termos ou não razão, mas antes o modo como a aplicamos ou a conduzimos – o método. E
qual deve ser o método a seguir para alcançar a verdade? Esse método é a dúvida metódica
e hiperbólica. Trata-se de um método inspirado na matemática, onde as verdades são de
caráter evidente e de natureza puramente racional.
Qual a importância do método? (ver textos da págs. 61 e 63 do Manual)
Que regras devem ser consideradas ao nível do método? Descartes responde na obra “O
Discurso do Método”, segunda parte:

1. Evidência: evitar precipitações e só aceitar como verdadeiro aquilo que for claro e
distinto ao espírito e deste modo não ofereça qualquer razão para duvidar.
2. Análise: dividir uma dificuldade nas parcelas necessárias de modo a melhor a resolver.
3. Síntese: conduzir por ordem os pensamentos, dos mais simples para os mais
complexos.
4. Enumeração: fazer revisões gerais de modo a ter a certeza de nada omitir.

Estas quatro regras permitem orientar a razão, sendo as operações fundamentais do


espírito a intuição (ato de apreensão direta e imediata das noções evidentes e indubitáveis)
e a dedução (encadeamento das intuições desde os princípios mais simples às suas
consequências necessárias). Esta orientação acompanha a aplicação da dúvida metódica e
hiperbólica.
Mas, o que é a dúvida cartesiana e como é que se caracteriza? (ver página 62 do Manual)
Descartes reconhece que é preciso destruir as falsas crenças ou opiniões para começar
verdadeiramente a aprender. Mas será necessário e possível destrui-las uma a uma? Não.
Na prática, isso seria uma tarefa impossível.
“Não será necessário mostrar que todas as opiniões são falsas, o que possivelmente eu
nunca iria conseguir. Não tenho de percorrê-las uma a uma em particular, trabalho que
seria sem fim: porque uma vez destruídos os fundamentos, cai por si tudo o que está sobre
eles edificado, atacarei imediatamente aqueles princípios em que se apoiava tudo aquilo em
que anteriormente acreditei”.
Meditações Sobre a Filosofia Primeira
Pondo em prática a dúvida, Descartes vai destruir as bases do sistema de conhecimentos
da sua época e com eles todos os falsos conhecimentos. E quais são esses pilares?
1. A opinião de que os sentidos são a base do conhecimento e que podemos confiar neles;
2. A crença de que existe um mundo físico que pode ser objeto de conhecimento;
3. A crença de que a nossa razão não se engana quando descobre determinadas verdades.

Há necessidade de estabelecer uma ordem e fundamentos sólidos e seguros dos


pensamentos e dos conhecimentos. Esta necessidade surge devido ao reconhecimento da
unidade da ciência, simbolizada por uma árvore em que a metafísica corresponde à raiz, a
física ao tronco e as outras ciências aos ramos (medicina, mecânica e moral), tal como o
reconhece na obra Princípios de Filosofia. Assim, Descartes dá um relevo especial à
metafísica, ela é a base pois é lá que se encontram os fundamentos do conhecimento
humano. Mas, como é que podemos lá chegar?

Para chegarmos à verdade temos que partir da dúvida e levá-la às últimas


consequências. A dúvida é um meio de que se serve Descartes para chegar à verdade, pelo
que não é absoluta ou sistemática, mas apenas metódica - consiste em tomar como falso
tudo aquilo que ofereça a menor dúvida. A utilidade da dúvida é encontrar algo
absolutamente indubitável. Descartes não é, pois, um cético. O cético duvida sistemática e
permanentemente da possibilidade de alcançar a verdade e por isso não procura o que
pensa não ser possível encontrar. Descartes duvida mas acredita que o exercício metódico e
hiperbólico da dúvida o pode levar a alcançar certezas.

Quais serão as razões para duvidar?

1. Devido aos preconceitos e aos juízos precipitados formulados na infância;


2. Devido aos erros dos sentidos (se nos enganam algumas vezes, não devemos confiar
neles);
3. Devido à dificuldade que podemos ter em discernir o sono da vigília e assim podermos
estar a sonhar quando estamos acordados;
4. Devido ao facto de alguns homens se enganarem mesmo nas demonstrações
matemáticas;
5. Pela possibilidade de existir um Deus enganador ou uma espécie de génio maligno que
nos iluda sistematicamente, até mesmo nas verdades matemáticas.

A dúvida assume assim as seguintes características: é metódica e provisória (trata-se de um


meio para atingir a verdade); é hiperbólica (vai ao extremo de rejeitar como se fosse falso
tudo aquilo em que se note a mínima suspeita de incerteza); é universal e radical (incide não
só sobre o conhecimento em geral, mas também sobre os seus fundamentos ou raízes) e
ainda voluntária (só a pratica quem quiser). Ela pretende libertar a razão dos erros que a
podem perturbar no processo de procura da verdade. Trata-se de um processo de
autonomia e exercício voluntário da razão na libertação em relação aos erros e
preconceitos e na procura de construção de um edifício do saber assente em bases sólidas e
seguras. (pág. 62 do Manual)
3. Da Dúvida à Primeira Verdade

Levando a dúvida às últimas consequências, encontramos uma verdade indiscutível: a


existência de um ser que pensa e que duvida. “Mesmo que um génio maligno me engane,
ele não conseguirá nunca que eu seja nada enquanto eu pensar que sou alguma coisa”. São
assim postas em causa as crenças a posteriori (através dos argumentos do sonho e da
ilusão) e também as crenças a priori (através do argumento do génio maligno (ver págs. 64
a 68 do Manual). A dúvida metódica e hiperbólica é levada assim às últimas consequências
para finalmente encontrar a primeira verdade evidente, clara e distinta, o Cogito. (pág. 69
do Manual)

“Enquanto rejeitamos deste modo tudo aquilo de que podemos duvidar, e que fingimos
mesmo que é falso, supomos facilmente que não há Deus, nem céu, nem terra, e que não
temos corpo; mas não poderíamos igualmente supor que não existimos, enquanto
duvidamos da verdade de todas as coisas: porque temos tanta repugnância em conceber
que aquele que pensa não existe verdadeiramente ao mesmo tempo que pensa que, não
obstante todas as mais extravagantes suposições, não poderíamos impedir-nos de crer que
esta conclusão, PENSO, LOGO EXISTO é verdadeira e, por conseguinte, a primeira e a
mais certa que se apresenta àquele que conduz os seus pensamentos por ordem.”
Descartes, Princípios de Filosofia

Mas, qual a natureza e características desta primeira verdade? (pág. 70 do Manual)


O cogito (penso, logo existo ou cogito, ergo sum), constitui um ponto de partida seguro
para o conhecimento. Trata-se de uma afirmação evidente e indubitável, obtida por
intuição e não por dedução. É uma ideia clara e distinta que me mostra que para duvidar é
necessário existir como pensamento que duvida. Trata-se de uma crença fundacional, a
priori, indubitável e puramente racional – apenas e só uma res cogitans.

Mas, ainda não foi afastada a hipótese de um deus enganador. Como provar então a
existência de Deus?

4. O Papel de Deus no Sistema Filosófico de Descartes

Apesar de evidente, o cogito como verdade solipsista não é suficiente para uma
fundamentação absoluta do conhecimento. Temos que encontrar o suporte e fundamento
do pensamento e também desta primeira evidência ou ideia inata.
Mas, que tipos de ideias pode ter a nossa mente? (págs. 73 e 74 do Manual)
Reconhecemos que não existem apenas ideias inatas (provenientes da razão como por
exemplo: o cogito) mas existem ideias adventícias (provenientes dos sentidos como por
exemplo: cão, gato ou barco) e ideias factícias (fabricadas pela imaginação como por
exemplo: sereia ou dragão). Entre as ideias inatas encontramos a de um ser omnisciente,
omnipotente e sumamente perfeito – Deus. Mas como provar a sua existência? (pág. 75 do
Manual)
São três as provas da existência de Deus:

1. Na ideia de ser perfeito estão incluídas todas as perfeições, sendo a existência uma
dessas perfeições. Assim, Deus existe. Existir é inerente à essência de Deus. Este é o
argumento ontológico.

1. A causa da perfeição não pode encontrar-se num ser imperfeito. O ser pensante, sendo
finito não pode ser a causa do infinito, logo só Deus pode ser a causa em mim da ideia
de Deus. Assim Deus existe. (argumento da causalidade)

1. Qual a causa da existência de um ser pensante, contingente e imperfeito? Essa causa


não é o sujeito pensante pois se o fosse daria a si próprio as perfeições das quais possui
uma ideia, o que não acontece. Deus é a causa do ser pensante, logo Deus existe.
(argumento da relação entre o criado e o criador).

Provando a existência de Deus supera-se o solipsismo do Cogito. Mas ainda não está
provada a existência do mundo físico? Como fazê-lo?
Vamos continuar a acompanhar o raciocínio de Descartes. Deus, como ser perfeito, não é
enganador e, como tal, é a garantia de que podemos confiar na razão e no que ela conhece
clara e distintamente. Assim, a existência de Deus nega a hipótese do génio maligno,
garante as verdades claras e distintas e a confiança na razão. E, teremos nós ideias claras e
distintas sobre o mundo físico? A resposta só pode ser afirmativa. Com efeito, se Deus
existe e se temos em nós as ideias de casas, árvores ou montanhas e se Deus não nos
engana, então não poderemos dizer que essas ideias são ilusões. Pelo contrário, são essas
realidades físicas a origem das ideias que delas tenho, logo o mundo físico existe. E qual é a
natureza ou essência deste mundo físico? É a extensão (altura, largura e profundidade). E
poderei ter conhecimentos certos e seguros sobre este mundo físico? Descartes está
convencido que não, mas não nega a crença natural, viva, intensa e digna de confiança em
relação a este mundo físico e aos seus objetos mas não ao ponto de os considerar como
conhecimento claro e distinto.

Conclusão:

Se Deus existe, não há génio maligno que nos possa enganar, todas as ideias claras e
distintas são verdadeiras. Está encontrado assim o fundamento certo, seguro e inabalável
do conhecimento – Deus. Deste modo, poderemos ter ideias claras e distintas de três tipos
de substâncias:
1. Substância pensante (res cogitans) – atributo essencial é o pensamento.
2. Substância extensa (res extensa) – atributo essencial é a extensão.
3. Substância divina (res divina) – atributo essencial é a perfeição.
O ser humano é constituído por duas substâncias: o corpo (substância extensa) e a alma
(substância pensante). É através do pensamento, da razão devidamente orientada pelo
método, que é possível alcançar verdades universais bem como os fundamentos ou
princípios fundamentais do conhecimento. Estes princípios são: a existência do
pensamento; a existência de Deus e a existência dos corpos extensos (com comprimento,
altura e largura). Deus é fundamento de toda a realidade e também do conhecimento.
Quanto aos erros, eles são produto do mau uso da liberdade (o sujeito dá o seu
consentimento a juízos que não são evidentes) e de uma incorreta orientação da razão e
precipitação da vontade.
A filosofia de Descartes começa por uma dúvida metódica, supera o ceticismo e mostra
razões para defender conhecimentos certos e seguros.

E que criticas poderemos fazer a Descartes? (ver págs. 81 e 82 do Manual

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