O Vandalismo Da Arte Publica
O Vandalismo Da Arte Publica
O Vandalismo Da Arte Publica
Ficha Técnica
A
– CONVOCARTE Nº.1 | EDITORIAL
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3. A última parte incorpora um conjunto de cia para o sincretismo e para a proximidade
críticas de exposições e eventos artísticos com a produção artística se tornam naturais.
decorridos ao longo do ano anterior, procu- Essa aproximação a dilemas da produção e
rando desenvolver uma plataforma de rela- a sua teorização está patente em vários co-
ção com eventos artísticos concretos. Este laboradores deste número, com formação
espaço crítico e de reflexão, de ligação do artística e alguns com produção regular –
espaço universitário à comunidade cultural e aspecto a que se pretende dar seguimento
artística em geral, procura contribuir com um em futuros números.
espaço dialogante de produção de fortuna
crítica das mais diversas actividades artísticas A constituição de um Conselho Científico
correntes, sobretudo afins às artes visuais. Editorial procura salvaguardar a qualidade
científica da revista, tendo esta as funções
– CONVOCARTE Nº.1 | EDITORIAL
Entre estas partes que a revista compõe, tem de sugestão de autores e de revisão de en-
centralidade o dossier temático que carac- saios com apreciações qualitativas, com
teriza cada número. Sendo mais alargado possíveis sugestões de melhoria. Uma das
e aprofundado, procura abordar um tema suas primeiras funções é essa proposta dos
especial no campo das artes. Para cada nú- ensaístas. O sistema de convites procura
mero há um especialista convidado para a orientar a harmonia e equilíbrio dos conteú-
sua coordenação desse dossier temático e dos, propondo pluralidade de perspectivas,
que vai integrar o Conselho Científico Edi- mas evitando tanto redundâncias como au-
torial. O sistema de solicitação de textos é sências de questões relevantes do tema.
por convite e com base na confiança cien- Em futuros números, o Conselho Científico
tífica de outros especialistas, funcionando Editorial aceitará propostas exterior, não no
o Conselho Científico Editorial não como modelo de call for papers, mas de vontade
modo de escrutínio (não há submissão de de adesão e participar na discussão de um
textos), mas de disposição de um espaço tema no âmbito das artes. Fica assim anun-
de discussão a todos os textos. É com estas ciado, no final, o tema seguinte no final de
coordenadas que convidámos a participar cada Convocarte.
no nosso primeiro número, com coordena-
ção especial do dossier-tema em torno da Relativamente à revisão de pares, não
questão da arte pública (Arte Pública: No- seguimos a generalização recente do mode-
vas Práticas e Fronteiras), o Professor José lo de origem anglo-saxónica e das Faculda-
Pedro Regatão, com recente doutoramento des de tradição mais positivista, declinando
nesta área. que este modelo se apresente como único
nas Ciências em geral. Consideramos que
Se as Ciências das Artes têm afinidades este modelo, que se vem insinuando com
óbvias com o campo universitário das Ar- parca discussão nas artes e humanísticas
tes e Humanidades, elas devem considerar- (ou nas Ciências do Espírito)3, tem dimen-
-se no modo como se desenvolvem numa sões perniciosas nesta área, onde a tradição
Escola de Belas Artes, onde a sua tendên- da discussão e da crítica têm sido, desde há
muito, essenciais nos seus mecanismos de tas orientações únicas têm servido para
funcionamento. Assim, o que pretendemos arrancar às humanísticas as suas tradições.
foi criar um modelo de discussão de pares E, pela nossa experiência universitária nas
(mais do que revisão) insistindo da aprecia- humanísticas, consideramos que os siste-
ção qualitativa (e não quantitativa). A necessi- mas, e até as normas, podem ser escolhidos
dade de certa protecção científica por parte com oportunidade específica consoante as
das ciências do fenómeno ou dos números, características de cada texto. A defesa desta
ou se quisermos, das ciências naturais ou pluralidade produz em nós uma coerência
das exactas, perante interesses particulares, bem mais importante que a uniformidade.
sobretudo de âmbito económico, lançan- Nos textos em português, também optámos
do produtos que invadem o espaço público por deixar à consideração de cada autor
como pseudociência, criaram um necessá- outras decisões de funcionamentos: como
rio modelo de call por papers e peer-review a aceitação ou não do acordo ortográfico
que nas artes e humanidades tem menos (que nos recusamos a impor), e a tradução
pertinência – porque nestas as ameaças do (ou não) de citações noutras línguas utiliza-
mercado são menos; e porque estas não se das nos trabalhos, etc.
desejam exactas, emergindo da discussão e
da crítica, para funcionarem com outra den- Nesta mesma linha de questões, considera-
sidade de planos históricos (que não coinci- mos prejudicial às tradições e fundamentos
de com o plano mais recente de um «estado das artes e humanísticas, o recente domínio
da arte», outra expressão aqui desajustada) do inglês como língua da Universidade Eu-
e de graus de subjectividade. Não procuram ropeia. Defendemos a multiplicidade das
o rigor do fenómeno ou da função, mas es- línguas, onde o inglês é uma língua entre
peculam nos conceitos. O mundo da arte, so- outras, na mesma linha com que Gadamer
bretudo no plano teórico em que aqui mais louvou o projecto Europeu: «Pode, decer-
se manifesta, está bem perto desta tradição to, prever-se uma língua única para o futuro
– afinal, arte não é (apenas) um fenómeno fí- das ciências naturais, mas a questão é dife-
sico, mas (sobretudo) simbólico. rente no caso das ciências do espírito»4. A
revista está aberta a textos noutras línguas
Na mesma ordem de ideias, e contra a ten- que circulam com facilidade no nosso âm-
dência de implementação de normas das bito universitário (espanhol, francês, inglês),
mesmas origens universitárias, a invadirem mas com o princípio de que cada autor pen-
as humanísticas, assumimos a opção edi- se e escreva na sua língua natural.
torial da liberdade de escolha, por parte
de cada autor, de sistemas (autor/citação Agradecemos a todos os colaboradores
ou autor/data) e normas (ISO-690; EP-405; neste arranque de mais um projecto que
APA, MLA, Chicago, etc.) na indicação de procuramos que seja um contributo positi-
bibliografia e documentação. Esta recu- vo para a área das artes e humanidades e
sa de imposição de apenas uma norma, é a FBAUL: ao Conselho Científico Editorial,
também porque consideramos que cer- pelo modo exemplar como trabalhou este
9
diálogo entre pares; aos ensaístas, por nos tacar: Investigação em Artes
cederem o seu trabalho, por vezes de vários – Ironia, Crítica e Assimilação
anos, dispondo-o a este espaço de diálogo dos Métodos (coordenação
com ao Conselho Científico Editorial; aos de Fernando Rosa Dias, José
designers pelo modo como entenderam Quaresma, Alys Longley), Lis-
em modo gráficos, na paginação e na estru- boa: Escola Superior de Tea-
tura, o espírito da revista; aos colegas, pro- tro e Cinema; The University of
fessores e investigadores, de Ciências da Auckland: Creative Arts ans In-
Arte e do Património e da secção Francisco dustries Dance Studies, 2015;
d´Holanda do CIEBA, mesmo aos que não Investigação em Artes – A Osci-
estão neste número, por apoiarem este tra- lação dos Métodos (coordena-
balho; e aos diferentes serviços da Faculda- ção de José Quaresma, Fernan-
– CONVOCARTE Nº.1 | EDITORIAL
de, com destaque às Relações Públicas, que do Rosa Dias), Lisboa: Centro
nos ajudaram na melhor inserção editorial de Filosofia da Faculdade de
desta edição no site da FBAUL e na sua di- Letras, 2015; Investigação em
vulgação pelas plataformas institucionais. Arte e Design: Fendas no Méto-
do e na Criação (Vol.II) (coorde-
A Coordenação Geral nação de Fernando Rosa Dias,
José Quaresma, Juan Carlos
Guadix), Lisboa: Universidade
de Lisboa, Faculdade de Belas
— Notas
Artes, 2011; Investigação em
1
Cf. Fernando Rosa Dias, Fer- Arte – Uma Floresta, muitos ca-
nando António Baptista Perei- minhos (coordenação de Fer-
ra, «Ciências da arte e criação nando Rosa Dias, José Qua-
artística: solidariedades para resma, Juan Carlos Guadix),
uma investigação em arte», in Universidade de Lisboa, Fa-
Investigação em Arte e Design: culdade de Belas Artes, CIEBA,
Fendas no Método e na Cria- 2010.
ção (Vol.II) (coordenação de 3
A que Gadamer chama Ciên-
Fernando Rosa Dias, José Qua- cias do Espírito (Alemanha),
resma, Juan Carlos Guadix), Lis- Lettres (França), Moral Sciences
boa: Universidade de Lisboa, ou Humanities (cultura an-
Faculdade de Belas Artes, 2011, glo-saxónica). Cf. Hans-Georg
pp.215-228. Gadamer, «O Futuro das Ciên-
2
Veja-se a linha editorial, nasci- cias do Espírito Europeias»
da na FBAUL em 2010, de pu- (1983), in Herança e Futuro da
blicação universitária de cola- Europa, Lisboa: Edições 70,
boração internacional sobre a 1998, p.29.
Investigação em Artes, a des- 4
Ibidem, p.29.
José Guilherme Abreu
Herbert Rolim
Mário Caeiro
José Pedro Regatão
Victor Correia
Joaquim Saial
José Francisco Alves
Pedro Neves
Sérgio Vicente
Cristina Tavares
Daniela Simões
Ângela Ancora da Luz
Marta Traquino
Cristina Cruzeiro
Sílvia Câmara
Mauro Trindade
Ar te Pública
Introdução
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
A
o longo de mais de meio século de
produção teórica dirigida ao estu-
do da arte pública, podemos hoje
identificar várias linhas de pensamento que
originaram diferentes perspetivas e abor-
dagens ao tema. À luz dessa investigação
produzida em diversas partes do mundo,
foi possível constituir um quadro teórico
específico para a compreensão e análise
deste fenómeno. Isto permitiu obter algu-
mas respostas para as questões que se co-
locavam sobre o assunto, nomeadamente
a questão de fundo que se prende com a
origem e significado da arte pública, mas
também com a sua função na cidade con-
temporânea. Sabemos hoje que as cidades
enfrentam diversos desafios não só em ter-
mos urbanísticos e arquitetónicos, com a
necessidade de planificar e organizar o es-
paço, mas também no campo da sustenta-
bilidade, da preservação do património e
da sua estética urbana.
13
As Origens Históricas da Arte Pública
Our study states the role that applied arts, as they were
meant by Arts and Crafts movement’s socialistic ideario,
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Foi na Bélgica e nos Estados Unidos, em fi- Tentado encontrar uma correspondência
nais do séc. XIX, que pela primeira vez sur- histórica, uma revolução similar, ou pelo
giram sociedades que explicitamente se menos equivalente, ocorreu no século XIX
designavam como promotoras da Arte Pú- com a delimitação das cidades, depois de
blica, devendo por isso situar-se aí as ori- terem sido suprimidas as suas muralhas. De
gens do ciclo da Arte Pública moderna: espaços bem definidos e confinados, as ci-
aquele em que a Arte Pública se opõe ao dades tornaram-se espaços difusos. Abri-
sistema de coleções mercantilizadas e/ou ram-se ao território circundante, perderam
institucionalizadas de obras de arte. o aspeto de estruturas fechadas, mas como
é evidente não desapareceram. Pelo contrá-
2. Complexo conceptual da Arte Pública rio, expandiram-se, tornando-se metrópoles
e agregando-se em extensas conurbações.
Como refere José Bragança de Miranda, a
noção de espaço público presentemente Assim sendo, um primeiro problema surge:
encontra-se em crise, pois se não é contro- sem poder usar a regra da delimitação to-
verso o seu significado, mais problemático pológica, o que poderá em seu lugar servir
se torna proceder à sua delimitação, pois de critério para delimitar o conceito de Arte
como o autor afirma “o que está entrando Pública?
em crise é a noção de um espaço públi-
co bem definido, um espaço entre outros, Para o fazer, a nossa proposta é utilizar um cri-
como seria o sector privado, o governo, ou tério, por assim dizer, programático. Em vez
o estado”1. de um critério único e exclusivo, preferimos
reunir uma série de aspetos e de premissas
Importa tirar desta circunstância as devidas (uma organização sistémica) que permitam
ilações, pois não sendo o conceito de espa- estabelecer um corpus coerente e que resul-
ço público, pelo menos atualmente, um con- tem de um modus operandi comum.
ceito bem delimitado, tornam-se destituídas
de valor epistemológico todas as definições Ou seja, em vez de definir um conceito, es-
que se estabeleçam, tomando como ponto tabelecer um complexo conceptual.
de partida esse critério, facto que serve para
evidenciar desde logo o carácter equívoco E esse complexo conceptual formula-se como
da expressão “Arte no Espaço Público”. corpus e modus operandi de um ideário.
“The first Dutch publication in which William E o historiador, logo a seguir, introduz dois
Morris was mentioned dates from 1874. In novos aspetos que são determinantes para
that year a textbook on English literature for a fundamentação da tese de que a Arte Pú-
secondary education introduces Morris as a blica moderna tem a sua origem nas Artes
lesser known though gifted author. In 1890 Aplicadas:
‘A kings’s lesson’ (‘De les van eenen koning’)
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
appears in the popular weekly De Amster- “Un des artistes venus après Morris, dont le
dammer. This first translation of Morris’s was nom s’identifie le mieux avec le mouvement
followed by translation of News from Nowhe- dont il s’agit, fut Henry Van de Velde. Dans
re, to be published in installments in the so- le vaste domaine de l’art appliqué, aucune
cialist magazine in Recht voor Allen. This pu- branche n’a échappé à son action. Le meuble,
blication was not finished, but a complete l’appareil d’éclairage, le bijou, le papier
translation was published as a book in 1897. de tenture, voire la céramique et la reliure
By then Morris was already a rather well-k- appartiennent à son domaine. Tous ont été
nown figure in socialist and artistic circles. de sa part l’objet de combinaisons non seu-
The bibliography shows that also during the lement ingénieuses, mais d’un goût délicat”7.
20th century a small but constant stream of
publications on his life and work has appea- O pintor e arquiteto belga Henry van de
red in the Netherlands and Flanders”5. Velde foi um recetor atento da literatura
(e do ideário) do movimento Arts and Cra-
Outro testemunho coincidente, e mais anti- fts e, logo em 1894, publicava um artigo
go, encontra-se na obra, por assim dizer clás- na revista La Société Nouvelle com o título
sica, do historiador da arte de nacionalidade “Déblaiement d’Art”8 (Depuração da Arte),
belga Henry Adriaan Hymans, que citando onde anunciava o fim da “pintura de cavale-
um artigo da revista francesa L’Art Décoratif, te”, pois esta havia-se tornado decadente e
publicado em 1 de outubro de 1898, refere: de mau gosto, por se colocar ao serviço da
“corrompida e caduca” sociedade burgue-
“L’Angleterre, qui donne le signal du départ sa, como explica:
dans la voie des transformations, s’est arrê-
tée en chemin successeurs de Morris et de “Ce qui ne profite qu’à un seul est bien près
Crâne s’immobilisent dans l’œuvre de ces d’être inutile et dans la société prochaine, il
premiers apôtres de l’art nouveau. Leurs vrais ne sera considéré que ce qui est utile et pro-
continuateurs sont les Belges qui, reprenant fitable à tous. Et quand les artistes songeront
le mouvement anglais à l’origine, surent en à faire œuvre utile, ce qui ne les déconsidé-
rera aucunement, ce sera la fin du tableau,
de la statue qui sont des expressions épui-
sées et scrofuleuses”9.
Sob a sua inspiração, em 1893 foi cria- No artigo L’Art Régénérateur é utilizada,
da em Bruxelas uma sociedade de artes provavelmente pela primeira vez, a ex-
decorativas com a designação de “L’Œu- pressão Arte Pública para designar um
vre de l’art appliqué à la rue et aux ob- segmento de produção artística destinada
jets d’utilité publique”, que teve como a todos os cidadãos, expressão essa que,
promotor inicial o pintor Eugène Broer- segundo Marcel Smets, surgia como abre-
man, e que logrou obter a colaboração viatura do nome da referida Sociedade,
dos arquitetos Victor Horta e Edmond demasiado longo para ser usado comoda-
de Vigne, do pintor Alfred Cuysenaar, do mente como designação. Por outro lado,
a ideia apresentada no referido artigo de
Broerman11 não era inédita, tendo colhido
a sua origem em Saint-Simon, como já foi
observado por Marguerite Thibert12.
Acessível em URL: http://dspace. Violência na Cultura Contempo- tada somente pelo autor, indepen-
universia.net/handle/2024/931. rânea. Lisboa: Edições Colibri, 1997. dente da reprodução do intérprete,
ARENDT, Hannah – A Condição REMESAR, Antoni – Para una Teoría como por exemplo, a arte da pin-
Humana. Lisboa: Relógio de Água, del Arte Público. Proyectos y Len- tura; e as artes alográficas, que
2001. guajes escultóricos. Memoria para importam em compreensão e repro-
ARMAJANI, Siah – Manifiesto La el concurso de cátedra. Barcelona: dução, sendo imprescindível para
Escultura Pública en el Contexto de Universitat de Barcelona, 1997. apreciação da obra a mediação do
la Democracia Norteamericana, in SMETS, Marcel – Charles Buls. Les intérprete; como exemplo temos o
AA.VV, Espacios de Lectura. Barce- Principes de l’Art Urbain, Liège : teatro e a música”.
lona: Museu d’Art Contemporani de Pierre Mardaga, 1995. 3
REMESAR, Antoni – Para una Teoría
Barcelona, 1995, pp. 35-37. THIBERT, Marguerite – Le Rôle Social del Arte Público. Proyectos y Len-
BROERMAN, Eugène – «L’Art Régé- de l’Art d’Après les Saint-Simonians. guajes escultóricos. Memoria para
nérateur», in La Fédération artis- Paris: Librairie des Sciences Econo- el concurso de cátedra, Universitat
tique, n.os 2-5, 6-20 novembre 1892. miques et Sociales, [1920]. de Barcelona, 1997, Barcelona, p.
BROERMAN, Eugène (coord.) – TIBBE, Lieske – Art and the Beauty 206.
L’Art Public. Revue de L’Institut Inter- of the Earth. The Reception of News 4
“William Morris”, In, DE BEER, Taco
national de L’Art Public, nº I a XII, from Nowhere in the Low Coun- H. – The Literary Reader. A Rea-
Bruxelles, Institut International de tries – English version of: Nieuws ding-book for the higher classes
l’Art Public, (1907-1912). uit Nergensoord. Natuursymboliek in schools and for home teaching.
CHERON, Céline – L’Œuvre de en de receptie van William Morris in Part II. The nineteenth century Part II.
l’art appliqué à la rue et aux objets Nederland en België, In, De Negen- Kuilenburg: Blom & Olivierse, 1887,
d’utilité publique (1894-c.1905): tiende Eeuw, (The Nineteenth Cen- p. 294.
étude d’une société bruxelloise tury), nº 25, Leyden: Nederlandse 5
TIBBE, Lieske, Art and the Beauty
d’art décoratif, in VIIIème Congrès Letterkunde, (The Society of Dutch of the Earth. The Reception of News
de l’Association des Cercles franco- Literature), 2001, pp. 233-251. from Nowhere in the Low Coun-
phones d’Histoire et d’Archéologie VELDE, Henry van de – Déblaie- tries – English version of: Nieuws
de Belgique, 28-31, Namur, Août ment d’Art. Bruxelles: Archives d’Ar- uit Nergensoord. Natuursymboliek
2008, pp. 699-713. chitecture Moderne, 1979 (1895). en de receptie van William Morris in
Nederland en België, In, De Negen- Bruxelles: Académie Royale des
tiende Eeuw, (The Nineteenth Cen- Beaux-Arts, [s.d.], p. 17.
tury), nº 25, Leyden: Nederlandse 14
Ibidem, p. 18.
Letterkunde, (The Society of Dutch 15
Presidida por Enrique Fort, profes-
Literature), 2001, p. 233. sor na Escuela Superior de Arquitec-
6
HYMANS, Henry – L’Art au XVII et XIX tura de Madrid.
Siècle dans les Pays Bas. Bruxelles : 16
AA.VV., Premier Congrès Interna-
Académie Royale de Belgique, vol. tional de l’Art Public tenu a Bruxelles
IV, 1921, p. 345. du 24 au 29 septembre 1898. [S.l.,
7
Idem, ibidem. Académie Royale des Beaux-Arts.,
8
Título de una conferencia pronun- s.d.] ; AA.VV., IIIe Congrès Interna-
ciada, en 1894, por Henry van de tional de l’Art Public tenu à Liège
Velde, durante la exposición anual 12-21 Septembre 1905. [S.l., Aca-
del grupo artístico de Bruselas “La démie Royale des Beaux-Arts., s.d.]
Libre Esthétique”. 17
SMETS, Marcel – Charles Buls. Les
9
VELDE, Henry van de – Déblaie- Principes de l’Art Urbain, Liège :
ment d’art. Bruxelles: Archives d’Ar- Pierre Mardaga, 1995, p. 146.
chitecture Moderne, 1979 (1895), 18
ARMAJANI, Siah – Manifiesto: La
p. 20. Escultura Pública en el Contexto de
10
CHERON, Céline – L’Œuvre de l’art la Democracia Norteamericana, in
appliqué à la rue et aux objets d’uti- AA.VV, Espacios de Lectura. Barce-
lité publique (1894-c.1905): étude lona: Museu d’Art Contemporani de
d’une société bruxelloise d’art déco- Barcelona, 1995, pp. 35-37.
ratif, in Actes du LVe Congrès de la 19
SMETS, Marcel – Charles Buls…,
Fédération des Cercles d’Archéolo- p. 147.
gie et d’Histoire de Belgique, 28-31
Août. Namur, Presses universitaires
de Namur, Belgique, 2011, p. 701.
11
BROERMAN E. – «L’Art Régénéra-
teur», in La Fédération artistique, n.os
2-5, Bruxelles, 6-20 novembre 1892,
pp. 15-16; 27-29; 39-41; 51-52.
12
Vd. THIBERT, Marguerite – Le
Rôle Social de l’Art d’Après les
Saint-Simonians. Paris: Librairie des
Sciences Économiques et Sociales,
[1920], p. 53.
13
AA.VV., Premier Congrès Interna-
tional de l’Art Public tenu a Bruxelles
du 24 au 29 septembre 1898.
– HERBERT ROLIM 29
Embora não haja um senso comum quanto Com estas observações iniciais, introduzi-
à sua definição, esta ambivalência de con- mos o relacional na arte pública, ponto de
ceitos não é excludente, pelo contrário, tem partida para uma compreensão da fecundi-
como base a mesma estrutura que se forma dade desse fenômeno, de sua penetração
a partir de um entendimento de espaço pú- vinculada às formas de significação estéti-
blico onde se operam as correlações entre cas com base nas relaçoes convivais.
“lugar”, como espaço compartilhado; “públi-
co”, que são seus agentes interlocutores; e Paradigmas, mediações e variáveis da
“identidade”, pela qual se acionam as rela- arte pública
ções sociais e simbólicas. A crítica de arte Li-
sette Lagnado diante das mais de trinta res- No texto Arte pública: alguns paradigmas,
postas do que é arte pública, lançada pelo o antropólogo e curador José António Fer-
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
site “trópico” aos artistas, críticos, historiado- nandes Dias (2007, pp. 103-111) procu-
res e curados, chega à conclusão que: ra distinguir três paradigmas em torno da
ideia de arte pública que, segundo ele,
trata-se de uma vontade de deselitizar a pro- “têm vindo a acontecer” e que são:
dução artística, abrindo-a para a participa-
ção coletiva, em resposta aos intoleráveis 1 – “arte em espaços públicos”: a preocupa-
processos de exclusão em curso na socieda- ção do artista está em evidenciar as qualida-
de contemporânea. Cresce o tom de defesa des estéticas do objeto artístico, enquanto
da interdisciplinaridade entre as esferas es- obra autônoma, em que a paisagem, na qual
téticas e sociopolíticas, debate que envolve está inserida, funciona mais como uma mol-
artistas e não-artistas. dura, “sem que as características particula-
res do sítio como entidade física, arquitetô-
Em oposição à ideia de espaço privado, pre- nica ou geográfica tenha outra importância
cisamos entender que há no espaço públi- que não os desafios formais de composição
co um sentido de “«lugar comum» de absor- que põem ao escultor” (p. 105).
ção, presentificação, captação e restituição
que comporta a ideia de «domínio público» 2 – “arte como espaço público”: a obra aqui
para a qual, na opinião do investigador José leva em conta as relações entre o ambiente
Guilherme Abreu (2003, pp. 1-2), deve haver e o público, o que tem a ver com a especi-
uma intencionalidade de entrecruzamento ficidade do sítio (site-specific) e o desloca-
dos “níveis de percepção que visam à realida- mento do espectador, recursos inicialmente
de, com os níveis de representação visados explorados pelo minimalismo que podem
pela consciência (...)” com os quais as expe- tanto ser no sentido integrativo e assimilati-
riências e os hábitos culturais específicos são vo como interruptivo e intervencionista.
ativados e compartilhados. Por outro lado, no
espaço privado o comportamento intencio- 3 – “arte no interesse público”: as relações
nal se dá no sentido inverso restringindo seu entre o ambiente e os agentes culturais são
alcance para o âmbito do particular. de outra ordem, para além das questões de
fisicalidade e, normalmente, estão ligados manas sejam proclamados, há referências
a projetos temporários em que o público ao divino nessas crônicas visuais, como se
é componente de sua poética, “neste sen- o poder vigente a ele estivesse associado.
tido, é parte de uma problemática espacio- Este fenômeno, de forma mais ou menos
-política, é um discurso que combina ideias persistente, estendeu-se até o Renascimen-
acerca da arte, da arquitectura e do design to (Séculos XIV-XVI) quando a arte no seu
urbano, com teorias da cidade, do espaço campo mediador de relações passa a vol-
social e do espaço público” (p. 109). tar-se também para os espaços de interli-
gação entre homem e mundo, que dizem
Estamos nos referindo a uma arte que mi- respeito ao lugar do indivíduo diante da ex-
gra do monumental para o conceito, da tensão do universo.
forma para a (form)ação, do lugar especí-
fico para a impermanência da arte desen- Estamos falando do segundo modo de pro-
raizada e efêmera, das relações espaço/ dução de arte quanto ao caráter relacional,
tempo fechadas para as zonas de convi- ou seja, do homem e dele mesmo como
vência sócioespaciais, abertas, próprias da sujeito do mundo, na condição de obser-
arte pública relacional de nossos dias, em vador e de sujeito/objeto observado, isto
que conta as relações inter-humanas. Em graças aos avanços das ciências e das artes
face do modo como as relações são obje- com a perspectiva e o naturalismo anatô-
tivadas, nas palavras de Bourriaud (2009, mico de Leonardo da Vinci (1452-1519). A
p. 38) “seria possível escrever uma história ideia de que a terra não era o centro do uni-
da arte como a história desta produção de verso e se movia num espaço contínuo, de-
relações com o mundo, levantando inge- fendida por Galileu, foi fundamental para
nuamente a questão da natureza das rela- que as concepções de espaço avançassem
ções inventadas pelas obras”, alçando seu em direção ao século XVIII e alcançassem
valor como propriedade singular e origem depois seu sentido moderno, notadamente
de sua razão de ser. Dessa forma é possível no que diz respeito aos aspectos naturais e
delinear um panorama histórico conforme organizacionais da vida em sua abrangên-
o vetor para o qual se incline o foco da arte: cia. Não que a presença do divino se tives-
como mediador entre humanidade e divin- se esvaziado, no entanto sua representação
dade, humanidade e mundo (objeto) e hu- havia se humanizado.
manidade e relações-humanas.
Para o fílósofo francês Michel Foucault
No primeiro caso, a mediação da arte en- (1998) o grande valor desta descober-
tre homem e desígnios divinos se dá nas ta está na passagem da noção de espaço
relações do indivíduo com o que se expan- como “localização”, em forma de fixação e
de para além dos limites ordinários, numa hierarquização quanto às especificidades
ordem do relacional com o divino. Mesmo de natureza moral dos lugares (sagrado/
em se tratando de obras em que os acon- profano, divino/humano, permitido/proi-
tecimentos, o engenho e as conquistas hu- bido etc.) assim pensada na Idade Média
– HERBERT ROLIM 31
(séculos V-XV) para o sentido de “exten- do que, no entanto, o que se altera agora é
são” face a amplitude e abertura do espa- o grau de sentido de “relação”, sofrido pe-
ço descoberto pelo homem, até chegar à los modos de pensamento e produção his-
compreensão de espaço hoje e aí não mais tórica da arte, que, sucessivamente, vão se
como extensão, mas como um conjunto de alterando ao longo do tempo, num deslo-
pontos ou elementos especializados e in- camento contínuo, em que as relações, an-
dividualizados que se conectam em rede, tes almejadas como fim, na atualidade, pas-
site, conforme sua ativação (privado/públi- sam a ser percebidas também como meio
co, doméstico/social, lazer/trabalho, local/ formal, isto é, enquanto forma relacional. É
universal, etc.), pela qual a organização da o que se vê neste terceiro delineamento, a
vida se realimenta. que chamos “humanidade e relações inter-
-humanas” – a socialidade em forma de arte.
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
– HERBERT ROLIM 33
Simultânea à pop art, lembremos que, 1986), levou às últimas consequências, cuja
numa direção oposta a esta, havia também prática tinha por princípio pensar “relações”
uma plena ativação do movimento político, como forma de arte, educação e política, in-
social, artístico e cultural, movida pela Inter- tercambiáveis no sua forma de efetivação,
nacional Situacionista, que, desde 1957, na dialógicas enquanto prática ativista da arte,
Itália, vinha se pronunciando sob a influên- em função de que pautou sua vida/perfor-
cia do marxismo, cujo agitador mais co- mance de artista/professor/pesquisador ao
nhecido foi o teórico libertário, cineasta e fundar a Universidade Livre Internacional
escritor Guy Debord (1931-1994) autor de (F.I.U.) e estruturar um pensamento a que
A sociedade do espetáculo, sua obra mais chamou “escultura social”.
conhecida, escrita em 1967. No âmbito da
arte, ele fala em “superação da arte” para A maneira Fluxus de agir esteve presente
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
– HERBERT ROLIM 35
físico e à experiência visual do espectador fatores importantes que iriam caracterizar
em tempo real (aqui-agora), em que o con- as alterações estéticas da década de 1970.
teúdo e significado se completa na prática Um deles é a conjunção de arte, natureza e
relacional do sujeito com o objeto e o lugar. realidade. Disto resulta a penetrabilidade
Para a teórica Miwon Kwon (2008, p. 168): da obra, com implicações diretas na expe-
riência/reação ao praticá-la.
A (nova-vanguardista) aspiração de exce-
der as limitações das linguagens tradicio- Considerando o caráter efêmero desta obra
nais, como pintura e escultura, tal como e sua localização invulgar, havia interesse,
seu cenário institucional; o desafio episte- do artista, “em desenvolver uma teoria da
mológico de realocar o significado interno relação entre um local particular no meio
do objeto artístico para as contingências ambiente (que ele chamava ‘sítio’) e os es-
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
– HERBERT ROLIM 37
de vários artistas e colaboradores. O termo o trânsito livre dos pedestres, obrigando-os
“zero” que encabeça o título da exposição a circundá-la. Diante da recusa do artista à
original expressa o zero inicial, como pon- sugestão de sua remoção para outro lugar
to demarcatório da ruptura com o moderno uma vez que, enquanto site-specific, sua es-
e a abertura para uma nova postura crítica, cala, tamanho e localização só tinham sen-
que passa pelo processo de conceituação, tido naquele contexto, como ele mesmo
desmaterialização do objeto artístico, que- disse: “removê-lo é destruí-lo”, o fato é que,
bra dos suportes, desconstrução do sentido depois de uma luta judicial de quatro anos,
de originalidade e autonomia, reformula- o trabalho foi considerado pela General Ser-
ção da experiência estética, abrangendo ar- vices Administration (GSA), sua financiadora,
tista, obra e espectador, num estreitamento como “opressor do espaço”, razão pela qual
da relação “arte-vida”. foi removido e desmontado em 1989.
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
– HERBERT ROLIM 39
por três anos consecutivos, no começo da em favor da ideia de uma cidadania ativa e
década, como exemplo de intervenção ar- participativa” (CAEIRO, 2001, p. 10).
tística de caráter relacional. Para o pesquisa-
dor Telmo Garção Lopes (2005/2006, p. 19), Chegamos, assim, ao cerne da estética rela-
no entanto foi com o evento Lisboa 94, Ca- cional, vista na perspectiva da dimensão hu-
pital Européia da Cultura que Portugal ini- mana, graças a participação e colaboração
ciou um processo “de dotar de importância intersubjetiva de um corpo coletivo, interes-
significativa os impactos da Arte Pública no sado em produzir espaços-tempos convivais.
Design Urbano e nas tensões da estrutura
da cidade a uma escala territorial”, aconteci- Considerações em continuum
mento que iria refletir, de forma mais proe-
minente, com a Exposição Mundial de 1998 É preciso dizer que, mesmo dando-se a pas-
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
(Expo98) quando a arte pública “monumen- sagem, ascensão e declínio dos modelos de
taliza a periferia urbana a oriente da cidade” produção de relações, na história da arte,
e traz novos contributos para suas transfor- presenciamos a permanência embaralhada
mações no cenário local. destes fatores, na atualidade, o que não in-
valida o grau significativo dos aspectos rela-
Por fim, no contexto português, chegamos cionais, assumidos na contemporaneidade,
ao caso da “arte pública como intervenção com mais ênfase, da década de 1990 para
comunitária”, propriamente dita, cuja mar- cá, cujos conceitos estéticos continuam sen-
ca principal é o caráter colaborativo, parti- do acrescidos e pouco a pouco assentados,
cipativo, com que as formas relacionais tra- mudanças estas que vem chamando mais
tam de temas sociais e questões urbanas. atenção nestas duas últimas décadas.
Encaixa-se nesta vertente, por exemplo,
o projeto Lisboa Capital do Nada – Marvi- Cabe aqui reiterar a participação do públi-
la 2001, entre 1 e 30 de outubro de 2001, co nos desígnios da arte relacional, como
com coordenação de Mário Caeiro, Luiz parte ativa da obra, o que denota envolvi-
Seixas e Daniela Brasil, contando com a co- mento da comunidade nas questões levan-
laboração de vários artistas, profissionais tadas, percursos traçados, mediação e difu-
e a participação comunitária. Chamamos são, já que não depende, necessariamente,
atenção para o valor relacional desta prá- da presença física de objetos artísticos no
xis e para sua dimensão tanto transforma- território acionado, mas das relações que se
cional como discursiva, pelas quais artistas, movem por fatores sociais, políticos, econô-
arquitetos e urbanistas, educadores, desig- micos etc., de interesse comum.
ners, ambientalistas, moradores etc. refleti-
ram e intervieram: “Não é de lugares físicos De sorte que estes breves apontamentos
que falamos, mas desta instância da cria- nos ajudam a pensar a arte pública hoje,
ção em que os limites entre intervenção ar- deslocando o significado da arte do obje-
tística, conhecimento técnico, sentido éti- to para os processos de sociabilidade, da
co e envolvimento afectivo se desvanecem forma puramente estética para a realidade
social, da autoria para o coletivo, da mera — Bibliografia
contemplação para a consciência crítica.
Precisamos ter em mente que ações artís- ABREU, José Guilherme. Um
ticas desta natureza, efetivamente, não ob- modelo fenomenológico para a
jetivam resolver problemas sociais, mas sim escultura pública. Revista Faculdade
problematizar mecanismos de intervenção de Letras Ciências e Técnicas do
e criar meios relacionais de como lidar com Património, Porto, vol. 2, pp. 385-
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– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
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pelos_registos_de_imprensa>. 2015.
Acesso em: jul 2013. 3
Autor do ensaio Des espaces
NOGUEIRA, Isabel. Anos 70 – autres (Espaços outros) datado de
atravessar fronteiras. Disponível em 1967, citado pela tese de douto-
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php?ref=90>. Acesso em: ago de Ana Maria Tavares (2000, p. 48-53)
2015. Armadilhas para os sentidos: uma
TAVARES, Ana Maria. Armadilhas experiência no espaço-tempo da
para os sentidos: uma experiên- arte, e pela publicação investigativa
cia no espaço-tempo da arte. Tese de Marta Traquino (2010, p. 35-37)
(doutorado em Artes)- Escola de A construção do lugar pela arte
Comunicações e Artes- Uniniversi- contemporânea.
dade de São Paulo, São Paulo, 2000. 4
(FRIEDMAN, Ken. Forty years of
Deambulação pela Arte (como Coisa) Pública
Catherine Grout
– MARIO CAEIRO 43
dição sine qua non para poder produzir-se pos, 2011). A partir desta evidência procura
o acontecimento urbano, que vejo como o mostrar como certas ideias ganham corpo
encontro da cidade consigo própria através na forma e no meio urbanos, precisamen-
da arte. Por outras palavras, parto da ideia te porque resultado aferível de um conjunto
fundamental do espectador em Hannah de tensões – identificar vs. agir; imaginar vs.
Arendt e articulo-a com uma abordagem fazer; apreciar vs. reflectir… – que são resol-
potencialmente transformativa1 (Collins e vidas como que por magia na obra de arte
Goto, 2005) da obra-espectáculo que é a ci- – chamemos-lhe pública ou urbana… – que
dade; laboro no seio da ideia lefèbvreana funciona então, enquanto fragmento de/na
do espaço(-tempo) citadino como historica- cidade, como um enunciado ensaístico e,
mente produzido, hipersocializado (Delga- ao limite, como aforismo urbano.3 Nesta óp-
do, 2013), que encaro como a própria ma- tica, a arte é a afirmação poética da cidade
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
– MARIO CAEIRO 45
Quando passo, posso fingir que isto não a ver. Nesta metaforologia visual não excluo
me afecta nem ao meu mundo, como se – pelo contrário, incluo – os restantes senti-
não fosse comigo. Ou posso achar que tal dos em toda a sua interrelação, aliás seguin-
espécie de nano-performance é da ordem do um guião de Charles Landry: a paisagem
do puro vandalismo. Mas lá está, como esta- sensorial da cidades. Mas outra coisa é cer-
belecer o nexo crítico para dizer a pequena ta: se a arte na cidade começa pelo saber
distância que vai entre encararmos a cena olhar, ela tem de basear-se numa perspec-
como simples vandalismo (afinal, não tarda, tiva ética de onde partamos para pensar (e
vai haver cacos pelo chão…?!?) ou uma es- depois arriscar) a acção. Em suma e noutros
pécie de natureza morta anónima – ocorre- termos, no discurso de uma obra ou situa-
-me essa obra-prima da ressonância entre o ção o modo de participação para que so-
lixo e a paisagem que é Island Within an Is- mos convocados pode ser ou não propício
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
– MARIO CAEIRO 47
adequada aos seus objectivos (que entre-
tanto pesquisei): uma homenagem sensí-
vel a um processo colectivo extraordinário,
cujos principais protagonistas nunca procu-
raram a glória pessoal.
– MARIO CAEIRO 49
Quando desço das Amoreiras a caminho do
Rato o que me sobra do mais belo dos gra-
ffitis é não mais que a memória remota des-
te… POOW!! BOOM! Assim rezava a pare-
de, tirando partido de um ‘acidente’ viário
contra um muro para criar uma efémera afir-
mação tautológica que era ao mesmo tem-
po, porque onomatopeica, uma instalação
sonora. Sinestesia incrivelmente oportuna,
deve ter colocado uns milhões de cidadãos
Pantónio, POOW!! BOOM!, Lisboa, 2011. automobilizados a pensar na sua vida.
Fotografia de Target.
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
In http://www.vice.com/pt/read/as-cidades-tambem-podem-ser-
galerias-a-ceu-aberto O que importa então é que a arte urbana
possa rejeitar as grandes mensagens ou os
grandes discursos (o aspecto mais datado
dos cânones), já para não dizer o habitus con-
sumista, e aderir à pura comunicação da sua
própria consistência informacional. No caso
do autor de POOW!! BOOM! (2011) – Pantó-
nio –, a arte funciona como contradispositivo
imaginativo – não confundir imaginação com
fantasia, diria o romântico Schiller! Ela mate-
rializa-se no real do dispositivo urbano (onde
carros vão contra muros, destruindo-os…),
espécie de imagem-resto que deixa transpa-
recer uma dança, a do corpo do writer com
o muro, palco vertical do seu craft. Afinal, du-
rante meses foi virtualmente impossível es-
capar ao humor e à graça anónima da acção
‘vandalizadora’ (recorrendo, cirurgicamente,
ao registo universal da BD para ‘dar luta’ às
imagens high-res dos outdoors publicitários
em volta). Arriscando a perturbação do tráfe-
go, ‘pisando o risco’ e reflectindo a realidade
em toda a sua contingência12 este é o tipo de
arte urbana que vale a pena a todos os níveis
– pelo menos é o que se me oferece dizer
quando, passando de novo aqui, evoco a sua
ausência-presença.
Procuro ir demonstrando que a arte públi-
ca é menos um género que um estado de
consciência. Certamente que sem a pro-
dução pelos artistas de obras, a arte como
coisa pública seria algo de diferente (e por-
ventura não tão instrumental ao nível do de-
senho da cidade), mas o essencial é que, no
âmbito da arte-como-coisa-pública, o artis-
ta e os agentes à sua volta entendam que
a recepção por parte do público é aspecto
essencial do seu trabalho. Com a ‘agravan-
te’ de que se trata na maioria das vezes de
um público que tem mais do que fazer do
que apreciar arte ou aderir ao que poderá
muito bem ser entendido como uma abso-
lutamente supérflua aparição do estético no
seu quotidiano.
– MARIO CAEIRO 51
estratégias de apropriação do imaginário No texto de fecho da mais recente edição,
colectivo e de marketing autopromocional, sintetizei o carácter da iniciativa:
funcionam no meio urbano como legítimas
presentificações de debates culturais que VICENTE é um pequeno laboratório de ima-
se resolvem precisamente na participação gens onde cabem paradoxalmente muitos
opinativa do público, desde logo e por ve- pensamentos, um filosofar. À Travessa do
zes espectacularmente, no aceso comen- Marta Pinto aportam artistas, autores e suas
tário que nos últimos se tem generalizado obras, uns vindos de longe outros de perto,
sobre o trabalho. Claro que, em termos de todos de algures, trazendo as mensagens
implantação na forma urbana, decerto que do outro, mensagens do mundo. Assim
Portugal a Banhos ao Terreiro do Paço não como em tempos aportou à capital das che-
tem a mesma amplitude retórica que quan- gadas o corpo de S. Vicente, assim como
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
do reaparece nas Docas de Alcântara, mas essa chegada fundamental definiu um des-
continua a impelir-nos a opinar. tino para a cidade e a enobreceu, hoje uma
arte contemporânea de todos os tempos
Criar espaço público mítico procura explorar dimensões emergentes
de uma sensibilidade: lisboeta, universal,
A criatividade e a cultura são isso mesmo, daqui. Para chegar a algum lado.
ousar desarrumar as ideias e encontrar-lhes
novas caras […] novos caminhos. Podíamos, O VICENTE assume na cidade um papel
por exemplo, pegar num urinol, virá-lo ao próximo do placebranding, desenvolven-
contrário, chamá-lo “fonte”. Não sei se al- do-se como contributo independente para
guém já se lembrou disso. a identidade contemporânea não apenas
da Capital mas de Belém em particular. Os
Afonso Cruz seus conteúdos (esculturas, instalações ur-
banas, instalações vídeo, performances,
O dever chama-me. Tenho artistas em edição…) convidam o público a regular-
Belém à minha espera, precisamente para mente aferir da evolução do conceito face
arrancar com a programação de mais um VI- a cada momento presente. Este tipo de
CENTE. Reinventando o mito, desde 2011 é opção passa por uma lógica de storytelling
a frase com que gosto de fazer o pitch da que tem naturalmente a ver com o facto de
iniciativa, anualmente promovida pelo Pro- o mito de São Vicente ser de uma densida-
jecto Travessa da Ermida. A ideia é abrir um de tal, que seria irresponsável tocar o tema
espaço para o Espaço Público Mítico, con- – uma narrativa fabulosa – sem lhe dar um
ceito que permite que se possa promover o enquadramento suficientemente amplo,
conhecimento perdido acerca de um mito inclusivo, universal.
fundamental da cidade de Lisboa, epitomi-
zado na chegada das relíquias do Mártir em Daqui infiro que a melhor arte pública é
1173 – e ao mesmo tempo promover novas aquela em que percebemos que a mensa-
leituras da Contemporaneidade. gem é para todos – senão em absoluto (o
que destruiria a eficácia de qualquer con- um termo para dizer o que esta arte faz à ci-
ceito como conjunto de opções discretas dade: a batida do desassossego.
no âmbito de um plano de comunicação),
pelo menos como princípio e hipótese de Na oportunidade específica criada pelo VI-
trabalho. A ideia por detrás do VICENTE é o CENTE (o projecto teve a origem no dese-
Todos – não por acaso o nome de outro fes- jo, por parte do seu patrono, de ‘voltar a fa-
tival, esse camarário, com evidentes traços lar-se dos Corvos de Lisboa’…), procuro que
de arte pública. a performatividade de um mártir cristão do
séc. IV pudesse entrar em diálogo com a da
Os eventos de VICENTE são assim quase criação e da cidadania dos nossos dias. O
sempre exemplarmente públicos – decor- resultado mais ‘1:1’ deste desejo – a insta-
rendo ‘na rua’ –, e à escala de uma pequena lação dando lugar ao corpo-a-corpo do tea-
travessa lá vamos fazendo pela posteridade tro – foi a dada altura um conjunto de irreve-
de São Vicente mas também – qual labora- rentes performances – passeios pela cidade
tório para se experimentar o (im)possível – pelo performer polaco Krzysztof ‘Leon’
– elaborando um discurso tangível acer- Dziemaszkiewicz – que levei a atravessar a
ca das possibilidades da cidadania criativa cidade durante três dias sucessivos interpe-
(no caso, antes do mais, a de uma entida- lando todas as suas potenciais ‘vítimas’.
de privada que partilha no espaço públi-
co uma estratégia local de regeneração do Entre senhoras idosas de um bairro popular
tecido e da oferta culturais). Em duas pala- e os alt skaters à Praça da Figueira, o que o
vras, humildade e ambição em doses idên- público viu foi a recodificação (Flusser, 2007)
ticas pode permitir a um conceito, como a dos trajes e dos atributos do Santo (dimen-
uma obra, estabelecer com os cidadãos um são eminentemente visual), constituindo o
acordo: vamos pensar o impossivelmente conjunto dos percursos uma ‘via sacra’ in-
grande através do possivelmente pequeno. dividual capaz de desafiar os vendilhões da
sociedade do espectáculo. Um dos figurinos
Na prática, faço questão que no VICENTE que Leon realizou integralmente em Portu-
– pequeno ‘carrinho de linhas’ no meio das gal, durante uma escassa tarde de corte e
‘rodas dentadas’ gigantes que se encon- costura, foi por exemplo uma dalmática de
tram em volta (património edificado, insti- Vicente, feita de… sacos do Pingo Doce.
tuições e equipamentos culturais) – a arte
apareça como coisa natural da matéria ur- Este tipo de acção urbana é da ordem do
bana, isto é, como uma recodificação do es- que Thierry Davila chama de cineplástica.14
tável e do conhecido, e até do expectável, Isto é, o artista, já não mero performer, tor-
mais ou menos inusitada conforme o âmbi- na-se por essência móvel e as suas pere-
to de cada conceito tratado. A propósito da grinações o fundamento para novas rea-
irreverência deste tipo de projectos, que se lizações, num quadro operativo15. Mais, a
abre a uma performática do urbano, o histo- cidade, vasto processo, conjunto de veloci-
riador José Sarmento de Matos encontrou dades (Davila), como que se pedonaliza.
– MARIO CAEIRO 53
O texto como poética, o rabisco arisco
– MARIO CAEIRO 55
sua vez que, sem retórica – o poder-se e sa-
ber-se falar sobre aquilo que vale a pena – a
arte pública aparece como uma actividade
criativa dolorosamente desprezível.
– MARIO CAEIRO 57
para novos desafios, já que se o contexto rece. Desde que as olhemos através da len-
muda, não muda (pelo menos para já!) algo te da arte pública – um mix de ética comuni-
de essencial, o problema de criamos senti- tária, saber colectivo, literacia projectual e,
do para a nossa vida. já agora, jargão técnico.
tiva Zero (1977), de Ernesto de Sousa (que ção de traços geometrizantes que funciona
por sua vez trazia para Portugal as inovado- como pórtico e marco urbano num enqua-
ras visões de Harald Szeemann ou Joseph dramento urbanístico e paisagístico muito
Beuys…). É nestes termos que a questão particular – espécie de oblonga ‘praça ver-
da genealogia da arte pública é criticamen- de’. Não seria pouco, até pela clareza com
te essencial, pois há aspectos conceptuais que está implantada no território, conside-
e propriamente metodológicos que impor- rando perspectivas visuais e a significativa
ta conhecer ao longo da história, para hoje circulação viária.
operarmos com maior propriedade.
Mas a peça – de 1995, cuja designação de-
Não deixando de ser verdade que é qua- nuncia a sua localização original, Ribeira
se sempre nos Museus – e não no terreno das Naus – torna-se muito mais significante
– que vamos recarregar baterias (teóricas), se nos informarmos acerca de como apa-
a própria possibilidade da arte como coisa rece ali. Quantos dos transeuntes saberão
pública e urbana obriga-nos a estar atentos que resultou do orçamento participativo da
ao que acontece e à forma como partilhar CML, e que portanto foram cidadãos que
essa atenção. É uma questão de saber reco- determinaram que a obra, que antes havia
nhecer ‘os nossos’ em qualquer época – no estado noutro lugar, haveria de encontrar
meu caso, de Schiller a Lefèbvre, de Wag- o seu poiso permanente aqui, na Alameda
ner a Debray, Nancy, Latour ou Sloterdijk; das Universidades?
uma questão de partilhar olhares (ao limi-
te, como em Chantal Mouffe, agónicos), fa- É esta a via para o comum que a arte pública
zendo de cada oportunidade o acontecer advoga: promover um saber sobre os ob-
de um potencial de informação urbana que jectos e os processos da arte na cidade; im-
ora é deliberadamente intangível, ora uma plicitamente também sobre as paisagens e,
concreção exemplar e retoricamente eficaz nestas, os nossos corpos, tanto individuais
dos possíveis da cidade. Por isso as obras como colectivos; a arte tornando-se assim
dizem quase sempre muito mais do que pa- matriz do nosso próprio olhar. A arte urba-
na mais tradicional torna-se concomitante- a visibilidade do que urge comunicar-se e
mente partenaire da mais radicalmente al- um tabuleiro de xadrez (dispositivo), sobre
ternativa, o nano imiscui-se nas narrativas o qual se joga – supremo ludismo – a nossa
do macro, todas as decisões de projecto im- formação – a Bildung a que se refere Schiller
plicando, num certo grau de transparência nas suas Cartas sobre a educação estética
e escrutínio, possibilidades outras, tal qual do homem (de 1795).
como acontece no discurso – que é de to-
dos, não pertencendo a ninguém. Plano do poder cidadão, cenário de so-
nhos, discurso exploratório da utopia, a
E daí que quando passeio pela cidade há arte pública transforma a cidade num veí-
obras que voltam sempre, como fantasmas culo para todas as sensibilidades se senti-
de um futuro que a arte afirma na singeleza rem mais próximas do seu próprio destino.
dos seus processos (e na frontalidade com A arte pública torna tangível a comunidade
que lida com as modalidades, como diria e, nela, a participação (nomeadamente a
Wagner), mas ao mesmo tempo na capaci- do povo no seu próprio destino). Antes de
dade de dizer o imediato da cidade no aqui tudo mais, ela promove a conversação. Ela
e agora dos seus dispositivos. Regresso é nos seus mais surpreendentes momentos
mais uma vez à Luzboa para dar um par de a orquestração criativa de encontros colabo-
exemplos: tivémos uma empresa de men- rativos e conversações, bem para além dos
digos (Javier Núñes Gasco), a lua na terra confinamentos institucionais da galeria ou
(Bruno Peinado) e até eléctricos – na altura do museu (Kester, 2004) A obra de arte total
bem menos photo-opportunities que hoje que é a arte na cidade – Wagner, I wish you
– iluminados (Yann Kersalé). O que mostra were here – é em suma um factor de produ-
como os artistas trabalham os limites de to- ção de imaginação colectiva e de activação
das as (des)codificações, sobretudo quan- instrumental dos mecanismos urbanos. Ela
do assumem um desígnio: o de manifesta- é por isso sempre… do futuro. Precisamen-
rem a graça social, implícita no idear mais te como Richard Wagner antecipou no seu
nobre e profundo da Cidade. ensaio de 1849.
Cabe à arte pública crítica (aproprio-me do Em suma: a arte da cidade começa num
termo cunhado por Krzysztof Wodiczko), sa- olhar sobre a coisa urbana, a cidade na sua
ber ora diluir-se tacticamente entre o espec- quotidianeidade e na sua multidimensiona-
táculo e a provocação, ora aderir ao belo lidade (conceitos lefebvrianos). Aí, formas,
para celebrar o Social Humano, ou ainda, fi- usos, códigos, imagens, paisagens, quais-
nalmente, procurar um compromisso com o quer pretextos servem para inspirar uma
desconhecido, em total entrega ao impon- consciência que cuida do que na cidade
derável (algo que ‘não dá lá muito jeito’ às queremos preservar, mudar e/ou proble-
indústrias criativas). É esta gramática fun- matizar. Ética portanto, que diz muito da
damental que subjaz ao discurso sempre- maturidade de cada comunidade. E que se
mergente que faz da cidade um palco para realiza – o que é raro, senão raríssimo… –,
– MARIO CAEIRO 59
quando é radicalmente interpretada como tir da problemática da localidade, e porven-
uma fusão da arte com o socius, que é o que tura inspirando-se na noção de que certos
acontece em projectos de estética dialógica lugares estão simplesmente à espera de
(Kester, 2004) como os de Stephen Willats, activação: A cidade pode portanto ser vista
que encara o seu trabalho como a produção como localidade, mas uma localidade defi-
de cultura socialmente interactiva.22 nida pela proximidade, em termos de aces-
sibilidade e interface, não necessariamente
Dito isto, quando o/caro leitor/a passar pela associada à localização espacial. (Nawratek,
Av. Infante Santo (agora não me dá jeito…), 2012)
dê valor aos azulejos de Maria Keil (figura-
ção da maior qualidade…) mas também Uma rua mais criativa, laboratórios de
aos painéis abstractos de Eduardo Nery, ce- invenção
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
– MARIO CAEIRO 61
vida urbana, pessoas, ideias, iniciativas, num Barrento, João; O género intran-
mosaico de culturas locais. Façamos a car- quilo: anatomia do ensaio e do frag-
tografia intangível de todas essas ruas. Voilá mento, Assírio & Alvim, 2010.
uma Europa de pequenos factos urbanos a Caeiro, Mário; «A arte pública está
que acedemos por via de critérios próprios, na maneira de olhar», in Smart Cities
como o genuíno, o vintage, o emergente, o – Cidades Sustentáveis, #8, Set-Out
excecional. Seria uma rota 24/24h com pro- 2015.
tagonistas e figurantes sempre renovados, a Caeiro, Mário; Arte na Cidade –
vivência dos diversos lugares enquanto pal- História Contemporânea, Temas e
cos de atmosferas, estórias, valores.26 Debates/Círculo de Leitores, 2014.
Caeiro, Mário; «Ruas criativas?
Em suma, tem de continuar a abrir-se – Vamos lá! O novo desafio de uma
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
– MARIO CAEIRO 63
Mundos Sociais, 2011. exemplos que temos em Lisboa é pement d’une sucession, d’une
7
O arquitecto Gonçalo Ribeiro mesmo este de Pantónio, entre as addition d’événements, qui pro-
Telles é autor, entre outros, do Cor- Amoreiras e Campo de Ourique. duise quelque chose comme la mise
redor Verde de Monsanto; da inte- Tão bom que já foi feito em 2011, en forme d’un mouvement.
gração da zona ribeirinha oriental e outros murais vizinhos já chegaram 16
Street-artist que se tem celebri-
ocidental na Estrutura Verde Princi- e saíram, e a parede nunca sequer zando-se pelas suas frases sempre
pal de Lisboa; dos jardins da sede foi arranjada. E tão bom que trans- assinadas ‘+-‘. Cf. http://maismenos.
da Fundação Calouste Gulbenkian formou um acidente – literalmente, net/
(com António Viana Barreto) e dos porque foi uma carrinha que se des- 17
http://inscriptionproject.
projectos do Vale de Alcântara e da pistou e subiu pelo passeio como blogspot.pt/2012/04/objet-trouve.
Radial de Benfica, do Vale de Che- se estivesse para entrar numa gara- html
las, e do Parque Periférico. gem – no nosso próprio momento 18
Em Portugal, Kornacki apresen-
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
8
Directamente inspirada pelo Roy Lichtenstein à beira da estrada. tou-se: na Plataforma Revólver, na
movimento das águas, Fernanda O mais bonito é que muitas vezes exposição colectiva Objet Trouvé
Fragateiro concebeu o projecto de vejo um senhor aproveitar os des- (2012), onde instalou duas letras (I
um jardim totalmente relvado, em troços para se sentar a descansar à e P) da palavra ‘IZBA PRZYJĘĆ’ [Ser-
que a modelação do terreno em sombra, e nem me importo de parar viço de Urgências] (http://inscrip-
rigorosas curvas de nível, simula nos semáforos vermelhos lá ao lado tionproject.blogspot.pt/2012/04/
o ritmo do oceano, com o fazer e todo o santo domingo. Ana Dias objet-trouve.html); em perfor-
desfazer das ondas. In http://www. Ferreira in https://cabecacoracao. mance freestyle em frente à Assem-
portaldasnacoes.pt/item/fernan- wordpress.com/category/olhos/ bleia da República, no mesmo
da-fragateiro-jardim-das-ondas/ arte-urbana/ ano, com a palavra ‘CRISE’ escrita
9
Cf. http://www.cm-lisboa.pt/equi- 13
Foi entretanto ‘trasladada’ para em ossos adquiridos num talho (
pamentos/equipamento/info/ a Doca de Santo Amaro. Cf. http:// https://vimeo.com/89400206); no
liberdade-monumento-a-revolu- joanavasconcelos.com/info. âmbito do ‘combóio artístico’ Cos-
cao-de-abril aspx?oid=511. mic Underground (2013), com uma
10
Pouco depois da inauguração, 14
Davila: Car tel est, dans le domaine reconfiguração teatralizada da pala-
o povo de Lisboa baptizou aliás de l’art, le destin de la déambulation: vra ‘UNIWERSAM’ (https://www.you-
a polémica peça, quase carinho- ele est capable de produire une ati- tube.com/watch?v=gYnpxxvkpi0) e
samente, de mamarracho, mas tude ou une forme, de conduire à mais recentemente no contexto do
é curioso como, com o tempo, o une réalisation plastique à partir du Festival LUMINA, em Cascais (2015),
choque se atenuou. mouvement qu’elle incarne, et cela onde três palavras – ‘KOSMOS’,
11
In http://www.jn.pt/PaginaInicial/ en dehors ou en complément de la ‘UNIWERSAM’ e ‘VICTORIA’ – foram
Interior.aspx?content_id=935682 pure et simple représentation de la apresentadas simultaneamente sob
12
Se pensarmos que a melhor defi- marche (iconographie du déplace- a forma de uma instalação de luz.
nição de arte urbana é algo que ment), ou bien ele est tout simple- 19
Artista na Cidade [de Lisboa]
interage com a rua e que é pen- ment elle-même l’attitude, la forme. 2014, projecto que consistiu na ins-
sado para um espaço em particular 15
Ao limite, ainda com Davila: Défi- crição de dez frases em outros tan-
como os anéis são pensados para nir un cadre, un protocole, un dis- tos locais de Lisboa, realizado em
os dedos, então um dos melhores positif, qui encourage le dévelop- colaboração com o Gabinete de
Arte Urbana (GAU). Cf. http://www. potential self-organizing richness of GRÁFICOS DE ROMA, IV ENCON-
artistanacidade.com/2014/inter- people within a reductive culture of TRO DE HISTÓRIA DA ARTE – IFCH
vencoes-na-cidade-uma-colabora- objects and possessions. In a society / UNICAMP, 2008.
cao-com-a-gau/ which reduces people I’m working 25
Stephen Johnstone: The every-
20
A ideia partiu da Galeria de Arte to celebrate their richness and com- day is human. The earth, the see,
Urbana (GAU) da autarquia, que plexity. […]”. In his projects, Willats forest, light, night, do not every-
convidou Tim Etchells “a escre- shifts the focus of art from the phe- dayness, which belongs first of all to
ver 10 frases para Lisboa, 10 frases nomenological experience of the the dense presence of great urban
que interpelem os lisboetas e tran- creator fabricating an exemplar phy- centres. We need these admirable
seuntes e os convidem a desco- sical object to the phenomenologi- deserts that are the world’s cities for
brir este artista”. […] O certo é que cal experience of his co-participants the experience of the everyday to
alguém terá levado o programa à in the spaces and routines of their begin to overtake us. The everyday is
letra e se deixou interpelar pelas daily lives. not at home in our dwelling-places,
frases, ao ponto de tomar a inicia- 23
Maria Luisa Zanatta: Em Da it is not in offices or churches, any
tiva de sobre elas intervir. Por cima Fabrica que falece à cidade de Lis- more than in libraries or museums.
dos ditos idealizados pelo artista boa (1571) o teórico retoma vel- It is in the street – if it is anywhere.
inglês, sempre com um carácter has questões insistindo nas urgên- Here I find again one of the beautiful
mais ou menos programático sobre cias urbanas. Apresenta uma série moments of Lefèbvre’s books. The
o sentido da arte – “art that hurts”, de imagens, isto é, lembranças de street, he notes, has the paradoxi-
“art that opens eyes” ou “art that melhoramentos para Lisboa: por- cal character of having more impor-
remembers”-, foram feitos riscos tas, pontes, calçadas, igrejas, palá- tance than the places it connects,
em graffiti e, acima ou abaixo delas, cios e fortificações que conferiram more living reality than the things it
apostas inscrições sem aparente a Holanda a condição do arquiteto reflects. The street renders public.
ligação ou outro propósito que o da que pensa a cidade. Analisando sua ‘The street tears from obscurity what
mera sabotagem. In http://ocorvo. obra, encontramos elementos que is hidden, publishes what happens
pt/2014/11/17/murais-de-artis- nos auxiliam a compreender suas elsewhere, in secret; it deforms it,
ta-homenageado-sabado-pela-ca- ideias de Arquitetura e de Cidade. but inserts it in the social text.’ And
mara-de-lisboa-vandalizados/ 24
Cristiane Maria Rebello Nasci- yet, what is published in the street
21
A peça ganhou a sua designação mento: Da Fábrica que falece à is not really divulged; it is said, but
final, ‘L.O.V.E’, durante o processo cidade de Lisboa não é propria- this ‘is said’ is borne by no word ever
da sua realização. O título inicial- mente um tratado de arquitetura, really pronounced, just as rumours
mente previsto havia sido ‘omnia mas uma admoestação ao rei D. are reported without anyone trans-
munda mundis’ – significando lite- Sebastião a propósito da importân- mitting them and because the one
ralmente ‘para os [homens] puros, cia de dar à cidade uma condição who transmits them accepts being
todas as coisas [são] puras’. Cf. à altura do império marítmo por- no one.
http://www.designboom.com/ tuguês. Cf. Nascimento, Cristiane 26
Cf. Caeiro, Mário; «Ruas criativas?
art/maurizio-cattelans-middle-fin- Maria Rebello; DA FÁBRICA QUE Vamos lá! O novo desafio de uma
ger-displayed-in-milan/ FALECE À CIDADE DE LISBOA: Europa en route, a caminho de si
22
Kester: As he [Willats] writes, “My FRANCISCO DE HOLANDA ENTRE própria», in Arqa – Arquitetura e
practice is about representing the OS MIRABILIA E OS GUIAS TOPO- Arte, n. 119, julho-agosto 2015.
– MARIO CAEIRO 65
Do Monumento Público Tradicional à Arte
Pública Contemporânea
interação recíproca entre a obra e o espec- ções criadas entre a escultura e o seu contex-
tador, de uma forma original e sem prece- to […]”.interdependência da obra e do local,
dentes na história. os trabalhos site-specific dirigem-se critica-
mente ao conteúdo e contexto do seu lugar.
Para que a relação descrita possa ocorrer As propostas site-specific permitem obser-
na sua máxima eficácia, os artistas tiveram var, simultaneamente, as novas relações cria-
que se adaptar a esta nova realidade, alte- das entre a escultura e o seu contexto […]”25.
rando os seus procedimentos na conceção
da obra pública, rompendo, antes de mais, Deste modo a obra torna-se interdependen-
com o “paradigma modernista”22 responsá- te do local para onde se destina, redesenha
vel pela preservação da autonomia da obra e organiza o espaço em seu redor, criando
perante o seu meio envolvente. um novo campo de significados que alte-
ra a perceção do espaço urbano. Para Lucy
Com o advento do minimalismo, durante o Lippard, a arte site-specific deverá “(…) ter
final da década de 60, assistimos à rutura uma ligação orgânica com o seu lugar (…)” e
dos conceitos tradicionais de escultura: a re- ser encarada como um objeto que faz parte
dução formal em contraponto à representa- do quotidiano do espectador26.
ção, a rejeição do processo de modelação
dos materiais, a oposição ao uso do pedestal Esta ligação próxima entre a obra, o espa-
como elemento de suporte da obra, a con- ço e o próprio espectador representa na
quista do espaço em redor da escultura e o realidade um dos principais fundamentos
reposicionamento do lugar do espectador23. do conceito de arte pública, cuja estrutu-
ra se define por este novo conjunto de re-
Outro aspeto importante que define a arte lações intrínsecas entre a obra de arte e o
pública, é a noção de site-specific que de- espaço urbano.
signa as obras concebidas para um lugar
específico tendo como base as qualidades Enquanto no passado o monumento públi-
físicas desse espaço, através de um profun- co nos ofereceu uma estética formal bem
definida, a partir de cânones académicos cados que lhe foram atribuídos ao longo
que privilegiavam, em grande parte dos da história, este conceito designa todo o
casos, a representação mimética da rea- conjunto de intervenções artísticas, da es-
lidade, utilizando para esse efeito deter- cultura à instalação, do graffiti à performan-
minadas tipologias artísticas, a arte públi- ce (entre outras formas de expressão), rea-
ca contemporânea, pelo contrário, não só lizadas no espaço público (ou relacionadas
introduziu profundas alterações formais, com o mesmo), cuja conceção rejeita a for-
como procurou alargar o seu universo de ma e a função comemorativa tradicional,
referências. Tornou-se, assim, cada vez procurando estabelecer uma relação es-
mais multidisciplinar, assimilando os pro- pecífica com o meio ambiente e o público.
cessos de trabalho e as linguagens de dis- Por outras palavras, este conceito marca o
ciplinas, como a arquitetura, o design de fim da era do monumento público tradicio-
equipamento, a publicidade, a sociologia, nal e abre caminho a uma nova conceção
entre outras. estética, onde a participação e a perceção
sensorial do espectador é cada vez mais
O coletivo composto por artistas, desig- solicitada como parte integrante da obra.
ners e arquitetos designado por Atelier Em relação ao espaço envolvente, outro-
Van Lieshout27 será provavelmente um dos ra entendido como mero cenário, ganha
exemplos mais interessantes desta prática protagonismo, não só enquanto material
multidisciplinar, ao reunir no mesmo proje- plástico mas como elemento gerador da
to uma diversidade de meios provenientes própria forma artística. É, por isso, conside-
de várias disciplinas que vieram problema- rado um elemento fundamental para a ex-
tizar uma série de questões entre a arte e periência fruitiva do observador.
as ciências sociais. É o caso das unidades
móveis auto-suficientes criadas para alber- No domínio temático observa-se o aban-
gar um grupo de cidadãos, este work in dono dos temas clássicos de âmbito na-
progress propõe uma sociedade alterna- cional-historicista, por uma incursão por
tiva à existente, com regras mais flexíveis poéticas pessoais e assuntos do quotidia-
e uma filosofia de vida mais participativa, no, abrangendo, em determinados casos,
aberta à criatividade e à responsabilida- questões sociais (new genre public art).
de individual. Neste sentido, para o Atelier Acresce ainda referir, o modo como ultra-
Van Lieshout não existem limites entre as passou as fronteiras tradicionais entre as
disciplinas, e muito menos “(…) fronteiras disciplinas, apropriando-se da linguagem
entre a arte (pública) e a vida”28. formal e dos elementos operativos de dis-
ciplinas tão díspares entre si, como a arqui-
Chegados praticamente ao termo das nos- tetura, o design ou a sociologia.
sas reflexões, cabe agora resumir as nossas
premissas que definem a arte pública: não Para concluir, a arte pública contemporâ-
obstante as interrogações em redor do ter- nea acompanhou as mudanças profundas
mo “arte pública” e dos diferentes signifi- que ocorreram na relação entre a arte e a
tory of Art).
CRIMP, Douglas – Redefining
site specificity. In FOSTER, Hal;
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LIESHOUT, Atelier Van – The public Editorial inquérito, 2003. (Coleção Editorial Inquérito, 2003. (Colec-
art of AVL.Ville. In MATZNER, Flo- Ideias Feitas; n.º 7). ção Ideias Feitas). p. 32.
rian, ed. Lit. – Public art: a reader.2.ª SELDES, Gilbert – The public arts. 7
Esta mudança de paradigma já
ed. Rev. Munich: Hatje Cantz Publi- New York: Simon and Schuster, tinha sido, de certa forma, esbo-
shers, 2004. 1956. çada por Auguste Rodin.
LIPPARD, Lucy R. – The lure of the 8
RAVEN, Arlene ed. – Art in public
local: senses of place in a multicen- — Notas interest. New York: Da Capo Press,
tered society. New York: New Press, 1993. p. 1. “public art isn’t a hero on
cop. 197. 1
Uma das polémicas mais discu- a horse anymore”.
MADERUELO, Javier – La pérdida tidas no contexto internacional foi 9
MICHALSKI, Sergiusz – Public
del pedestal. Madrid: Círculo de a obra Tilted Arc de Richard Serra, monuments: art in political bon-
Belas Artes 1994. instalada na Federal Plaza em Nova dage 1870-1997. London: Reak-
MATZNER, Florian, ed. Lit. – Public Iorque, em 1981, e demolida oito tion Books, 1998. (Essays in Art and
art: a reader.2.ª ed. Rev. Munich: anos depois pela entidade que a Culture). p. 156.
Hatje Cantz Publishers, 2004. encomendou. Também em Por- 10
IDEM, Ibidem., p. 157.
MICHALSKI, Sergiusz – Public tugal, e mais concretamente na 11
O escultor inglês Reg Butler
monuments: art in political bon- cidade de Lisboa surgiram obras obteve o primeiro prémio neste
dage 1870-1997. London: Reak- controversas, como por exemplo concurso, com uma proposta
tion Books, 1998. (Essays in Art and a Homenagem ao 25 de Abril, da semi-abstracta constituída por
Culture). autoria de João Cutileiro, insta- uma estrutura metálica evocativa
O’DOHERTY, Brian – Inside the lado em 1989 no alto do Parque de uma torre de vigia e três figu-
white cube: the ideology of gallery Eduardo VII. ras humanas. Cumpre dizer que a
space. Expanded Edition: Berkeley 2
ABREU, José Guilherme Ribeiro obra de Jorge Vieira acabou por
[etc.]: University of California Press, Pinto de – Escultura pública e ser concretizada em Beja quase
1999. monumentalidade em Portugal quarenta anos depois do concurso.
RAVEN, Arlene ed. – Art in public (1948-1988). Lisboa: Faculdade de 12
RIEGL, Alois – El culto moderno
interest. New York: Da Capo Press, Ciências e Humanas da Universi- a los monumentos: caracteres y ori-
1993. dade Nova de Lisboa, 2006. Tese gen. Madrid: Visor, 1987. (La Balsa
REYERO, Carlos – La escultura com- de doutoramento. p. 2. de la Medusa; 7) p. 23.
memorativa en España: la edad 3
IDEM, Ibidem., p. 3. 13
GOFF, Jacques Le – Memória. In
de oro dele monumento público, 4
SELDES, Gilbert – The public arts. ROMANO, Ruggiero. Enciclopé-
1820-1914. Madrid: Ediciones New York: Simon and Schuster, dia Einaudi. [S.l.]: Imprensa Nacio-
Cátedra, cop. 1999. (Cuadernos 1956. p. 298 e 301. nal – Casa da Moeda, 1984. Vol. I,
Arte Cátedra). 5
O’DOHERTY, Brian – Inside the p. 46-47.
ROBINETTE, Margaret A. – Out- white cube: the ideology of gallery 14
REYERO, Carlos – La escultura
door sculpture: object and environ- space. Expanded Edition: Berkeley commemorativa en España: la
ment. New York: Whitney Library of [etc.]: University of California Press, edad de oro dele monumento
Design, 1976. 1999. p. 14. público, 1820-1914. Madrid: Edi-
ROUGE, Isabelle de Maison – A 6
ROUGE, Isabelle de Maison – A ciones Cátedra, cop. 1999. (Cua-
arte contemporânea. Mem Martins: arte contemporânea. Mem Martins: dernos Arte Cátedra). p. 219-220.
17
Cfr. Art Almanac: the essen- kell Publishing, 1993. p. 1098.
tial guide to Australia’s Galleries 26
LIPPARD, Lucy R. – The lure of the
(February 2006). local: senses of place in a multicen-
18
CAUSEY, Andrew – Sculpture tered society. New York: New Press,
since 1945. Oxford, New York: cop. 197. p. 263.
Oxford University Press, 1998. 27
O Atelier Van Lieshout (AVL), foi
(Oxford History of Art). p. 87. fundado pelo artista holandês Joep
19
ELSEN, Abert E. – Rodin’s thinker van Lieshout em 1995, reunindo
and the dilemas of modern public uma vasta equipa de colabora-
sculpture. New Haven and London: dores no campo das artes plásti-
Yale University Press, cop. 1985. p. cas, arquitetura e design.
101. 28
LIESHOUT, Atelier Van – The
20
ROUGE, Isabelle de Maison – Ob. public art of AVL.Ville. In MATZNER,
cit., p. 33. Florian, ed. Lit. – Public art: a rea-
21
ECO, Umberto – A obra aberta. der.2.ª ed. Rev. Munich: Hatje Cantz
Lisboa: Difel, imp. 1989. p. 197- Publishers, 2004. p. 56.
198.
22
Por “paradigma modernista”
referimo-nos à arte auto-referen-
cial colocada em espaços públi-
cos sem reflectir as características
físicas desse lugar. KWON, Miwon
– One place after another: site-spe-
cific art and locational identity.
Cambridge, Massachusetts: Lon-
don, England: The MIT Press, cop.
2002. p. 11.
O Vandalismo da Arte Pública
– VICTOR CORREIA 77
de arte. O termo vandalismo surgiu no século
XVIII, em França, e foi criado pelo abade Hen-
ri Grégoire, bispo de Blois, como crítica em
relação à atitude destrutiva duma parte da ar-
mada republicana de então, que destruía o
património artístico do Antigo Regime.
Copenhaga, Dinamarca
Foto : AP/BJARNE LUETHCKE
relação ao catolicismo, assim como a guerra
http://www.telegraph.co.uk/culture/art/art-features/9593748/When-art- das imagens, que dividiu em grupos a igreja
gets-vandalised.html
cristã de Bizâncio. Politicamente, temos por
exemplo as destruições de obras de arte, na
sequência da Revolução Francesa, ou mais
recentemente a destruição de esculturas er-
guidas em praças, representando Marx, En-
gels, Lenine, e Estaline, na Europa de Leste,
na sequência da queda do muro de Berlim.
– VICTOR CORREIA 79
zação, pois a obra de arte foi concebida e to como pouco adequado para um monu-
realizada para um local específico. mento. Uns defendiam que a Revolução do
25 de Abril merecia uma monumento mais
No século XX um dos exemplos mais co- grandioso, outros defendiam que uma cida-
nhecidos foi o da escultura Tilted Arc, de Ri- de como Lisboa merecia um monumento
chard Serra, que foi retirada pelas autorida- melhor, outros defendiam era a própria arte
des municipais, da Federal Plaza, em Nova que estava em causa, que merecia ser mais
Iorque, em 1989, depois de pública contro- dignificada, e outros contestavam que o 25
vérsia, devido ao facto de “impedir” a pas- de Abril precisasse de um monumento. So-
sagem das pessoas na praça onde foi co- bretudo obras de arte como essa, devido à
locada, e também devido à sua linguagem sua linguagem artística inusitada, e encon-
estética, mas outros casos se podem referir trando-se no espaço público, podem pôr
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
– VICTOR CORREIA 81
do portanto de um contexto de localização
específica para o seu reconhecimento en-
quanto arte. Associado ao facto do espec-
tador da arte pública ser um espectador
involuntário está a posição social e econó-
mica do homem comum, a sua formação e
a sua educação. O espaço público é um es-
paço frequentado por todos, mas ao con-
trário das galerias, dos salões de arte, e dos
museus, é maioritariamente frequentado
por pessoas com formações diversas e por
vezes opostas, pessoas que não são conhe-
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
– VICTOR CORREIA 83
bancos de jardim, sinais de trânsito, assim rocratizado ou tão viciado pelo clientelismo
como a arte pública, que é um dos alvos político, que os critérios para a seleção de
mais cobiçáveis, e também o mais lamentá- artistas, os procedimentos de adjudicação
vel, por se tratar de obras de arte. da obra, o seguimento de projetos ou o
controle da execução, conduzem a uma infi-
Todavia, fora das convulsões sociopolíti- nidade de procedimentos aleatórios ou de
cas, ou desportivas, os principais motivos, irregularidades, que levam a que as obras
no que diz respeito à arte pública, são os de arte executadas sejam de qualidade ar-
de carácter estético, e que por vezes têm a tística duvidosa, e que provoquem a dece-
ver com a própria obra de arte, o que aliás ção por parte do público. Além disso, tam-
sucede por vezes também a propósito do bém sucede o facto da pobreza artística
design urbano em geral, que não se integra ou da insignificância de muitas das obras
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
– VICTOR CORREIA 85
Têm sido tomadas diversas medidas pe-
las autarquias, no que diz respeito a outros
exemplos de arte pública espalhada pelo
país, que têm sofrido atos de vandalismo.
Em casos mais drásticos, como o do furto
de esculturas, tem-se substituído essas es-
culturas por uma réplica, como sucedeu por
exemplo com o furto do busto de António
Nobre, no Penedo da Saudade, em Coim-
bra. Mas isto são medidas não preventivas,
mas de solução face ao já sucedido. Ora,
“The Watch’s Statues”, de autoria de Hebru Brantley, em há algumas medidas que poderão even-
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
– VICTOR CORREIA 87
imobiliária, e a fraca qualidade dos proje- principalmente a contemporânea, tenderá
tos urbanos e das obras de arte. a suscitar uma reação de estranheza ainda
maior, pois os cidadãos tenderão a consi-
Em termos concretos estas comissões re- derar inútil, impertinente e supérflua a sua
presentativas poderão por exemplo apre- implantação, pelo que o ideal será, tanto
ciar a seleção de artistas, à luz do mérito quanto possível, essa educação e forma-
artístico e da equidade de oportunidades ção dos cidadãos, que embora não anule
no concurso público, o controle de prazos e as reações populares de vandalismo, pelo
custos, a adequação e pertinência da obra, menos tenderão a diminui-las.
a sua visibilidade e acessibilidade, e outros
aspetos como os referidos atrás, acompa- Certamente que estas e outras medidas
nhando por conseguinte os mecanismos de são discutíveis. Nem todos os cidadãos es-
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
– VICTOR CORREIA 89
Escultura Pública Portuguesa em 1940,
Fora da Exposição De Belém
por Joaquim Saial
Mestre em História da Arte pela UNL; Diploma de Estudos Superiores da Univ.
de Salamanca; Investiga arte pública portuguesa e a história e arte de Vila
Viçosa e Cabo Verde; ex-docente do INP e UCL; publicou vários livros e artigos.
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
– JOAQUIM SAIAL 91
de, inaugurada em 24 de Junho. As alusões
ao fim trágico do retratado, barbaramente
morto por chineses revoltosos, são óbvias
na movimentação do conjunto, cavalo
de patas dianteiras alçadas e cavaleiro
defendendo-se dos seus assassinos apenas
com um bastão, esquema nunca antes uti-
lizado nas poucas estátuas desta tipologia
erigidas em Portugal11. A do Rei D. João IV,
para Vila Viçosa, configurou-se como a este-
ticamente mais erudita. Realizada pelo esc.
Francisco Franco e com pedestal do arq.
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
Guerras e militares
– JOAQUIM SAIAL 93
de impor a ordem a um grupo aguerrido
de indígenas”. E que ele fora “erguido por
iniciativa e contrato dos habitantes de Ca-
nhambaque que assim quiseram prestar a
justa homenagem à mãe-pátria e ao repre-
sentante do governo de Lisboa, sr. tenente-
-coronel Carvalho Viegas” . O monumento-
-padrão do Amboim reportava revolta mais
de 20 anos anterior, em registo ideológi-
co semelhante . Este modelo simples era
Monumento aos mortos da Grande Guerra, Abrantes o mais ou menos comum relativo aos pa-
drões do Ultramar, sobretudo os alusivos a
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
– JOAQUIM SAIAL 95
Outras figuras jos Teixeira. Porém, a morte do escultor em
1935 fez com que a obra não se concreti-
A 2 de Fevereiro, Duarte Pacheco recebia zasse e o monumento ao autor de “Amor
uma comissão que lhe foi pedir para inter- de Perdição” acabou por ser executado por
ceder junto da Câmara Municipal de Lisboa, António Duarte em 1950, para o sítio pre-
a fim de que esta designasse local para a visto, com ganhos de sensibilidade certeira
erecção de um monumento à memória de e discreta sobre o complexo grupo literário
Sidónio Pais, de preferência na zona do Par- de Teixeira.
que Eduardo VII, à qual ele respondeu po-
sitivamente . Contudo, o monumento não Entretanto, António Sardinha, escritor e
teve seguimento. doutrinário filosófico do Integralismo Lusi-
tano tivera inauguração de busto em Mon-
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
Poucos dias depois, lembrava-se a oferta forte, em bronze de Raul Xavier, inaugura-
que o Brasil iria fazer a Portugal, no âmbito do a 16 de Agosto. Um grupo de amigos
das comemorações centenárias, de um gru- organizou a homenagem que incluiu vestir
po estatuário figurando Pedro Álvares Ca- 23 adultos indigentes e o baptismo de um
bral e companheiros . Da autoria de Rodolfo quarto de hospital com o nome de António
Bernardelli, é réplica de outro existente no Sardinha na Misericórdia local…
Rio de Janeiro, inaugurado em 1900. Obra
complexa, nas suas diversas personagens e Por subscrição proporcionada pelo jornal O
bandeira ondulando ao vento , é claro que Povo da Barca que atingiu elevado montan-
nada de novo trouxe à estatuária portugue- te e foi acrescido com donativo camarário,
sa. Veio de barco para Lisboa, tem pedestal concretizou-se o padrão com interessan-
em mármore cinzento feito no Porto e inau- te baixo-relevo alusivo a Frei Agostinho da
gurou-se a 30 de Novembro, junto ao Jar- Cruz e Diogo Bernardes, irmãos, poetas e fi-
dim da Estrela, Lisboa, mais tarde que o pre- lhos de Ponte da Barca, feito por artista por-
visto, por atrasos na chegada dos bronzes . tuense cuja identificação desconhecemos e
inaugurado em 1940 .
Pela mesma altura, a comissão executiva do
monumento a Camilo Castelo Branco para Viriato, o herói primordial, que fora pensa-
Lisboa reunia-se no Museu do Carmo, sob do pelo esc. Júlio Vaz Júnior, acabou por ter
a presidência de Eloy do Amaral. Tratava-se feitura oferecida pelo esc. espanhol Maria-
de apreciar um ofício da Câmara Municipal no Benlliure, casado com uma portuguesa
propondo que o memorial fosse colocado de Viseu, cidade onde o conjunto escultóri-
algures entre a avenida Duque de Ávila e co constituído por figuras em bronze fundi-
as ruas Rodrigues Sampaio e Camilo Caste- das no Porto representando o herói lusitano
lo Branco e sugeria-se como material a pe- e seus assassinos foi erigido sobre blocos
dra e não o bronze . Com concurso falhado de granito aparelhados pelo canteiro norte-
em Janeiro de 1926 e outro conseguido em nho Francisco Moreira. Os trabalhos tiveram
Julho do mesmo ano, a vitória fora para An- comparticipação de 200 contos entregues
por Duarte Pacheco para ajudar a cobrir as nacional dessa figura e nesta terra a Câma-
despesas com materiais e fundição . Mas tal ra Municipal, que o patrocinava, continuava
como acontecera com o monumento a Pe- a receber donativos para a sua feitura. En-
dro Álvares Cabral, este não trazia novidade tre os 30.367$35 angariados até finais de
digna de registo, pese embora a qualidade Março, mil eram oferta da Rainha D. Amé-
naturalista e fama internacional de Benlliure. lia que os enviara em carta onde dizia do
Condestável: “É a figura primordial da nos-
Também em Viseu, previa-se em Maio a sa independência e o símbolo mais puro do
inauguração de um busto ao capitão Almei- patriotismo, da intrepidez, lealdade e gene-
da Moreira, criador e primeiro director do rosidade da raça portuguesa” .
Museu Grão Vasco .
De igual modo militar, para além de explo-
Em 9 de Julho inaugurava-se em Tomar o rador e administrador colonial, Serpa Pin-
monumento ao templário Gualdim Pais. to tinha em início de Novembro prometi-
Com primeira pedra lançada em 1895, a es- do busto na terra natal, Tendais, Cinfães,
tátua ao fundador da cidade levou 45 anos do esc. Lima Machado Pereira . Anunciava-
para ter concretização . Inicialmente previs- -se que maqueta, já pronta, iria ser passada
ta para o cinzel de Anjos Teixeira, também a bronze , o que efectivamente aconteceu,
aqui a desaparição do escultor deu a auto- realizando-se a inauguração do monumen-
ria a outro nome, desta feita Macário Diniz, to apenas em 1946 .
escultor que terminara o curso na Escola de
Belas-Artes do Porto com alta classificação . No mesmo dia em que se inaugurou a es-
O batalhador ostenta um documento escri- tátua equestre do governador Ferreira do
to enrolado na mão direita – que se presu- Amaral em Macau, anteriormente referida
me ser o da fundação da cidade ou seu fo- (24 de Junho), foi descerrada uma outra, do
ral –, perna do mesmo lado avançando, mão segundo-tenente de artilharia Vicente Nico-
esquerda repousada entre montante e es- lau de Mesquita, heróico atacante do Forte
cudo. Nada de novo, mais uma vez, pese o de Passaleão tomado por chineses pouco
ar fero e decidido do homenageado. Acon- depois do assassinato do governador. Eri-
tece que a estátua foi colocada no pedestal gida por subscrição pública, com o auxílio
em Março de 1938 mas esperou por inau- do governo da colónia, tal como a de Ama-
guração oficial a 9 de Julho de 1940 inte- ral esta era da autoria de Maximiano Alves . A
grando assim em Tomar as comemorações atitude decidida e valente do militar impos-
oficiais do duplo centenário. ta pelo escultor e o seu historial biográfico
fizeram com que fosse muito danificada em
Para Abrantes, que como vimos inaugurou 1966 durante a revolução cultural chinesa
um dos melhores monumentos aos mortos que tinha seguidores militantes no território.
da Grande Guerra neste ano de 40, também
se previa outro ao Condestável Nuno Álva- Demorava então o monumento sem valor
res Pereira. A época era de forte valorização artístico ao general espanhol José Sanjurjo.
– JOAQUIM SAIAL 97
Previsto comandante da revolta que deu lu- Um Cristo-Rei
gar à guerra civil naquele país, morrera num
desastre de aviação em Cascais, quando se Na área religiosa, sobressai a estátua a Cris-
preparava para seguir para Burgos encabe- to-Rei em Paços de Ferreira , da autoria do
çar o movimento que depois teve como che- portuense Henrique Moreira. A cerimónia
fes o general Mola e finalmente Francisco de inauguração a 6 de Outubro é elucidativa
Franco. Em inícios de Maio na Quinta da Ma- do modelo seguido na altura, na generali-
rinha, por iniciativa do Dr. Joaquim (ou Alber- dade das cerimónias deste tipo: procissão,
to) Madureira estava a erguer-se um bloco missa, discurso, descerramento. No final da
de pedra mais ou menos em bruto, com cer- missa, “o bispo do Porto regozijou-se com
ca de 14 toneladas, encimado por uma cruz, a inauguração do monumento a Cristo-Rei
que lembrava o funesto acontecimento . e com o facto de aquela cerimónia ter sido
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
– JOAQUIM SAIAL 99
Agosto, receberam padrões semelhantes
aos da Guarda e Almeida . A Póvoa de Var-
zim seria contemplada em inícios de Setem-
bro e Viseu a 16, mesmo dia da inaugura-
ção do monumento a Viriato.
Um caso particular
1
Diário de Notícias, 24.06.1940,
p. 4.
2
Diário Popular, 05.07.1943, p. 1:
o padrão inicial, provisório, foi des-
mantelado em Julho e Agosto de
— Bibliografia 1943 por operários da empresa
União de Sucatas que assim obteve
FRANÇA, José-Augusto – A Arte 170 toneladas de ferro e 200 de
em Portugal no Século XX, ed. madeira. O actual, em pedra, data
Livraria Bertrand, Lisboa, 1974. de 1961.
MATOS, Lúcia Almeida – Escultura 3
A escultura da exposição está
em Portugal no Século XX (1910- razoavelmente estudada no nosso
1969), Col. Textos Universitários livro Estatuária Portuguesa dos
de Ciências Sociais e Huma- Anos 30 (1926-1940), Bertrand
nas, ed. Fundação Calouste Gul- Editora, Lisboa, 1991.
benkian, Fundação para a Ciência 4
Anjos Teixeira, António da Costa,
e a Tecnologia, Ministério da Ciên- António Duarte, Barata Feyo, Canto
cia, Tecnologia e Ensino Superior, da Maia, Euclides Vaz, Francisco
Lisboa, 2007. Franco, Hein Semke (alemão radi-
PEREIRA, José Fernandes (direc- cado em Lisboa), Irene Lapa, João
ção) – Dicionário de Escultura Por- Fragoso, Leopoldo de Almeida,
tuguesa, ed. Caminho, SA, Lisboa, Maximiano Alves, Martins Correia,
2005. Raul Xavier e Ruy Gameiro eram os
PORTELA, Artur – Salazarismo e nomes mais sonantes das quase
Artes Plásticas, Biblioteca Breve, duas dezenas de escultores com
ed. Instituto de Cultura e Língua trabalhos presentes na exposição.
Portuguesa, Ministério da Educa- Franco, por estar a realizar a está-
ção e das Universidades, Lisboa, tua de D. João IV para Vila Viçosa,
1982. particularmente citada no pro-
REGATÃO, José Pedro – Arte grama das comemorações, como
Pública e os Novos Desafios das veremos.
Intervenções no Espaço Urbano – 5
Actual Maputo, capital de
Bond, Books on Demand, Quimera Moçambique.
mos, de reduzidas dimensões, não haja cortejo nem foguetes, imagens feitas pelo processo de
foi inaugurada em 08.06.1940 em atenção ao actual momento talhe doce (inovador em Portu-
no Portugal dos Pequenitos, em internacional, mas apenas uma gal) comemorativos das festas dos
Coimbra. Ver Diário de Notícias, concentração das entidades ofi- Centenários: maqueta da Exposi-
09.06.1940, p. 1. ciais e particulares.”, ver Diário de ção do Mundo Português, D. João
10
E também atirou ao Tejo a está- Lisboa, 04.04.1940, p. 3. IV (Vila Viçosa), Padrão dos Des-
tua em gesso do Infante D. Hen- 16
A vasta parte de escultura foi cobrimentos (Lisboa) e a referida
rique do primitivo e provisório completada por Henrique Moreira de D. Afonso Henriques de Gui-
Padrão dos Descobrimentos. e Sousa Caldas. marães.
11
A estátua equestre do “Tejo” na 17
Praça de D. Afonso III. Ver Diário 35
Ainda se vê no Diário de Lisboa,
Fonte Monumental da Alameda de Notícias, 17.05.1940, p. 1. 06.11.1940, p. 5, em cerimónia
de D. Afonso Henriques, Lisboa 18
Ibidem, 07.06.1940, p. 1. alusiva ao “Dia do Condestável”.
(fonte plan. em 1938 - inaug. 19
Ibidem, 14.06.1940, p. 1. Erigido 36
Ocidente, n.º 41, Setembro.1941,
30.05.1948) também tem confi- em Castro Verde. p. 436.
guração rampante. É da autoria do 20
Ibidem, 22.07.1940, p. 4. Inaug. 37
Diário de Notícias, 05.04.1940,
esc. Diogo de Macedo. A estátua cerca desta data. p. 2.
de Ferreira do Amaral veio para 21
Ibidem, 17.07.1940, p. 6. 38
Ibidem, 03.02.1940, p. 5. A
Lisboa por altura da passagem 22
Ibidem, 22.07.1940, p. 4. comissão era constituída pelo
da soberania efectiva de Macau, 23
Ibidem, 17.07.1940, p. 6. coronel Álvaro César de Men-
de Portugal para a China. Encon- 24
Devido ao empenho de Grant, o donça e pelo capitão Teófilo
tra-se colocada sobre modesto desfecho do pleito em 1870 deu Duarte.
pedestal na Alameda da Encarna- razão a Portugal sobre a tutela da 39
Ibidem, 17.02.1940, p. 1.
ção, Olivais, Lisboa. ilha. 40
A bandeira foi derrubada pelo
12
FRANÇA, José-Augusto. A Arte 25
Diário de Notícias, 07.08.1940, ciclone de 1941 e em Junho de
em Portugal no Século XX, p. 256, p. 2. 1948 caiu de novo… ver Diário
ed. Livraria Bertrand, Lisboa, 1974. 26
Ibidem, 07.08.1940, p. 5. Popular, 16.06.1948, p. 5.
13
Inaug. em 11.11.1935. Pro- 27
Ocidente, n.º 30, Outubro.1940, 41
Diário de Notícias, 25.06.1940,
jecto de Francisco Soares Lacerda p. 133. p. 2.
42
O articulista da notícia queria tração, 16.06.1938, p. 24. 65
Um “Jogador de disco” (estátua
dizer Duque de Loulé. 53
Ibidem, 24.03.1940, p. 2. de José Netto, inaug. 13.11.1931,
43
Diário de Notícias, 18.02.1940, 54
De seu nome verdadeiro na Avenida da Liberdade, Lisboa,
p. 5. António Joaquim Fernandes Lima. depois no Pavilhão dos Despor-
44
Ibidem, 01.01.1926, p. 7 e 55
Diário de Notícias, 06.11.1940, tos), um monumento ao profes-
06.01.1927, p. 2. p. 2. sor de Educação Física Luís da
45
Ibidem, 12.05.1935, p. 4. Já nesta 56
Fotografia do gesso pode ser Costa Monteiro (estátua de Anjos
altura, através da voz do vogal Pas- vista no espólio de Abel Salazar, Teixeira, inaug. 15.05.1932, tam-
tor de Macedo, a comissão discu- na Fundação Mário Soares, Lisboa. bém na Avenida da Liberdade,
tia o local, caso o monumento não 57
Que assim se via representado depois na portaria do Ginásio
pudesse vir a ser erigido no Par- em mais uma colónia, depois da Clube Português) e o monumento
que Eduardo VIII, o primeiro pre- de Cabo Verde (estátua jacente a Pepe, precocemente falecido
visto. no jazigo da família Serradas, no jogador de futebol de “Os Bele-
46
Ibidem, 17.08.1940, p. 1 e cemitério do Mindelo, e busto nenses” (padrão com baixo-relevo
Gazeta dos Caminhos de Ferro, n.º do médico militar Dr. Lereno, na de Leopoldo de Almeida, inaug.
1265, 01.09.1940, p. 587. cidade da Praia), para além de 23.09.1932, no antigo estádio das
47
Diário de Notícias, 25.03.1940, uma estátua de Afonso de Albu- Salésias e depois no novo estádio
p. 5. querque em Nova Goa, no Estado do clube no Restelo) são alguns
48
Inaug. em 16 de Setembro. da Índia, e o apostolado da cate- parcos antecedentes próximos
49
Diário de Notícias, 03.09.1940, dral de Nova Lisboa (actual deste de Aveiro.
p. 1. Huambo), Angola (1945). 66
Diário de Notícias, 25.11.1940,
50
Ibidem, 18.05.1940, p. 14. 58
Ibidem, 07.05.1940, p. 4. p. 5.
Não conhecemos o desenvolvi- 59
Diário de Notícias, 12 e 67
Este ainda está no lugar onde foi
mento desta planeada homena- 15.06.1940, p. 4 e 1, respectiva- erigido (Rua de Coco, na cidade
gem que também compreendia mente. do Mindelo) e bem estimado.
colocação de lápide toponímica 60
Na realidade no Monte do Pilar, 68
Diário de Notícias, 07.08.1940,
em artéria viseense com nome a cerca de quatro quilómetros de p. 2. Posto no adro da igreja de
do militar. Em http://fotosviseu. Paços de Ferreira. Nossa Senhora da Arrábida, nesta
blogspot.pt/2015/06/a-casa-mu- 61
D. António Augusto de Castro cidade angolana.
seu-almeida-moreira.html (visto Meireles. 69
Ibidem, 30.07.1940, p. 1.
em 29.08.2015) diz-se que em 62
Diário de Lisboa, 08.12.1943, p. 70
Ibidem, 27.07.1940, p. 1.
25.11.1973, em comemoração do 4. 71
Ibidem, 29.07.1940, p. 1.
centenário de nascimento desta 63
Ibidem, 07.10.1940, p. 5, O 72
Ibidem, 18.07.1940, p. 1 e
figura, foi inaugurado no jardim da Século Ilustrado, 12.10.1940, p. 9 e 31.07.1940, p. 2.
Casa Museu Almeida Moreira um Ocidente, Novembro.1940, p. 267. 73
Ibidem, 05.08.1940, p. 2.
busto do capitão esculpido pelo 64
Encontrámos como datas de 74
Ibidem, 05.08.1940, p. 6 e
“seu amigo Mariano Benlliure”. destruição na Internet a do ciclone 18.08.1940, p. 4.
51
Ibidem, 22.02.1938, p. 9. Fun- de 1942 e na Wikipedia a de tem- 75
Ibidem, 09.09.1940, p. 5 e ibi-
dida em Vila Nova de Gaia. poral de 1960 com reconstrução dem, 17.09.1940, p. 2.
52
Ibidem, 10.07.1940, p. 1 e Ilus- em 1961 (versão mais repetida). 76
Desenho de António Lino e
Temos no exemplo deste notável projeto tou-se à divulgação desta arte, em seguida
três características a destacar, em razão de introduzindo em grau elevado a politização
seu contexto enquanto obra de arte e elabo- e a polêmica nos discursos. Entre essas re-
ração comunitária: o caráter de monumento, ferências sobre o assunto, podemos ver al-
o processo participado e a autoria coletiva. guns exemplos a seguir.
A obra de arte pública enquanto marco re- A primeira reflexão crítica sobre esta nova
ferencial de uma cultura ou comunidade es- produção pode ter sido o artigo de Amy
pecífica foi uma discussão bastante profícua Goldin, na prestigiada revista Art in Ame-
quando a arte em espaços urbanos passou rica: “O Gueto Estético: algumas reflexões
a fazer seriamente parte do discurso teórico, sobre a Arte Pública” (1974). Conforme a au-
a partir de princípios da década de 1970. A tora, aquilo que era oferecido então como
produção que determinou este novo cam- arte pública seria “na maior parte... ampla
po instaurou-se a partir da inclusão de obras decoração”. Goldin também dava a partida
de arte icônicas em projetos de revitaliza- da grande corrente que começou a definir
ção urbana. Podemos delimitar este históri- criticamente a arte pública: “o problema
co período entre 1969 e 2006, de La Grande verdadeiro é explicar porque, no momento,
Vitesse (cidade de Grand Rapids; artista Ale- virtualmente [arte pública] é uma classifica-
xander Calder) a Cloud Gate (cidade de Chi- ção vazia”.1 Penso que esta autora percebeu
cago; artista Anish Kapoor), ambas escultu- com firmeza – e isso é válido até o presen-
ras públicas nos Estados Unidos da América. te – “que há tão pouca arte pública genuína
em razão justamente de nossa descrença na
Neste período, uma produção numerosa e realidade da própria esfera pública”.
diversificada de obras ao ar livre de câno-
nes moderno e contemporâneo surgiu na Então, conforme o contexto era propício,
América (Estados e Canadá) e Europa. Mes- os que que começaram a teorizar sobre a
mo timidamente, houve reverberação na arte pública politizaram ao máximo os pon-
América Latina, a exemplo de São Paulo, tos de vista. As considerações mais corren-
tes foram aquelas as quais apontavam que No livro que organizou, “Arte na Esfera Pú-
a maior parte da arte pública não represen- blica”, J. W. Mitchell em seu texto introdu-
tava aspectos ligados às comunidades as tório refletiu sobre legitimação, violência e
quais era dirigida e que as novas obras em público, e ponderou que a arte pública é um
espaços urbanos continuavam a ser a mes- meio significativo de violência simbólica.8
ma arte “privada” das galerias e museus. Entretanto, o questionamento teórico mais
Com o tempo, surgiram mais artigos bem comum e prolongado acabou sendo em
como livros específicos que ampliaram es- torno da própria condição “pública” de uma
ses questionamentos. obra de arte pública. Ou seja, se esta pas-
saria a adquirir tal caráter por sua simples
Uma análise crítica muito citada sobre arte colocação em espaços públicos. Nesse sen-
pública até o presente parece ser o contun- tido, Harriet Senie ponderou: “Como algo
dente artigo “Inoperante: a Máquina da Arte pode ser ambos, público (democrático) e
Pública” (1988), de Patricia Phillips. Nele, arte (elitista)?” (1992).9 Uma reflexão similar
a autora atacou a mera condição “pública” fez o artista Daniel Buren: “Porque, quando
desta arte ser exclusivamente em função de falamos sobre um trabalho ao ar livre [...] a
sua propriedade pública (governo) ou de palavra ‘arte’ é juntada ao termo ‘público’?
sua localização (local público), pois “o con- O que está implícito nessa união?”.10 Outro
ceito de ‘público’ é difícil, mutável, talvez autor de referencia no período foi Malcolm
um pouco atrofiado, mas o fato é que a di- Miles, com “Arte, Espaço e Cidade” (1997),
mensão pública é uma construção psicoló- o qual também debruçou-se mais ou me-
gica em lugar de física ou ambiental”.2 Mais nos nas mesmas reflexões.11
adiante, Phillips publicou o artigo “Constru-
ções Públicas” (1995), em um livro coletivo, A par desta infindável discussão teórica em
no qual voltou a questionar: “De onde vem o torno da questão da propriedade ou loca-
público da arte pública de se a vida pública lização da obra como sendo definidora da
está assim, tão perigosamente esgotada?”3 condição de um trabalho pertencer ou não
Este livro em questão, “Mapeando o terre- à tipologia arte pública, Javier Maderuelo,
no: um novo tipo de arte pública” (1995)4 em 1990, já observava esta situação sob
esteve com três outros entre as coletâneas o prisma do público e não da obra, já que
de textos mais difundidas na década de “trata-se de um tipo de arte cujo destino
1990, as quais buscaram novas e múltiplas é o conjunto de cidadãos não especialista
abordagens, em especial problematizan- em arte contemporânea e cuja localização
do os aspectos comunitário e crítico que a é o espaço público aberto” (grifo nosso).12
arte pública deveria refletir: “Arte no Interes- E este “destino”, afinal, é o maior desafio
se Público” (1989),5 “Arte na Esfera Pública” desta tipologia de arte uma vez que, ain-
(1992),6 “Questões críticas em Arte Pública: da segundo Maderuelo, “a cidade hoje foi
conteúdo, contexto e controvérsia” (1992).7 transformada num campo aberto, cenário
de variadas manifestações estéticas que se
deslocaram dos espaços das galerias e mu-
simples colocação de uma obra de arte em cificidade do lugar). Assim, “a arte place-s-
seus caminhos quotidianos. pecific” teria “uma ligação orgânica com a
sua localização e, principalmente”, não po-
Entre esse maciço teórico produzido sobre deria “ser vista como um objeto fora da vida
arte pública, do qual pinçamos as referên- dos habitantes/espectadores”.18
cias acima por serem os primeiros ques-
tionamentos a enfocarem preocupações Com a instauração ou identificação desta
concernentes ao nosso Monumento Mul- nova tipologia de arte (a place-specificity),
ticulturalidade, a crítica de arte Lucy Li- Lucy Lippard elaborou uma apropriada de-
ppard14 produziu talvez o aporte mais signi- finição de Arte Pública:
ficativo sobre a necessidade de participação
– decisiva – do público na definição de uma Qualquer tipo de arte acessível que se preo-
arte erigida em seu nome. Em 1997, ela pu- cupa, desafia, envolve e consulta o público
blicou “A atração do local – sentidos do lu- para/ou no qual ela seja feita, respeitando a
gar em uma sociedade multicêntrica”,15 um comunidade e o meio ambiente. As outras
denso livro que aprofundou questões apre- coisas – a maioria combustível para as con-
sentadas anteriormente em artigo seu no já trovérsias e a retórica dos meios de comu-
mencionado “Mapeando o terreno [...]”, sob nicação sobre a arte pública – ainda é arte
o título “Olhando em volta: onde estamos, privada, não importa o quanto seja grande,
onde poderíamos estar”.16 exposta, intrusa ou sensacionalista. Perma-
nente e efêmera, objeto e performance, de
Lippard dedicou-se a teorizar sobre a no- preferência interdisciplinar, democrática, às
ção de local, localização e localidade, com vezes funcional ou didática, uma arte públi-
o objetivo de problematizar sobre o lugar ca existe nos corações, mentes, ideologias e
na arte, buscando, inclusive, conceitos da educação de seus públicos, bem como em
geografia e do meio ambiente. De seus en- suas experiências física e sensual.19
foques, questionou o célebre site-specific
(a especificidade do local), ou seja, a ques-
Conforme o final dos anos 1990 se aproxi- front.22 Não é sem razão, inclusive, que no
mava, o complexo teórico sobre arte públi- âmbito da influência deste largo trabalho
ca refreou no sentido de discussões menos da Universidade de Barcelona encontra-se
polêmicas e críticas. Passou-se também a também, efetivamente, o próprio projeto
uma fase de maior interesse por autores e Monumento Multiculturalidade. Enquanto
investigadores que não atuavam no mundo o corpo teórico antes exemplificado (ma-
da arte, oriundos de vários campos, como joritariamente americano) seja majoritaria-
a história, filosofia, sociologia, urbanismo e mente voltado às questões das relações
psicologia social, entre outros. A perspecti- dos projetos com os seus públicos, e por
va de que a arte pública não era somente isso se constituem também em referência
pertencente ao campo artístico coincidiu, para abordarmos o assunto presente, creio
por um lado, com a academização da dis- que os projetos efetivados por meio da
ciplina em universidades; por outro, ao tre- Universidade de Barcelona aportem sub-
mendo boom de legislações (obrigatorie- sídios mais apropriados ao nosso caso em
dade) e incentivos para a colocação de arte tela, um projeto conjunto entre universida-
ao ar livre, em especial na Europa, EUA, Ca- de e câmara municipal.
nadá e Austrália. Nesse quadro, a iniciativa
acadêmica mais efetiva e duradoura ocor- Temos em conta que nos Estados Unidos,
reu na Universidade de Barcelona, que insti- ou, mais amplamente, no dito “primeiro
tuiu à época o Observatório de Arte Pública mundo”, o rol teórico mencionado – além
(atual paudo).20 Posteriormente, o Observa- de outros obviamente – em muito tenha in-
tório desdobrou-se em cursos de mestrado fluenciado a criação de centenas de proje-
e doutorado com enfoque em Arte Pública, tos municipais de arte pública permanente.
Patrimônio Cultural, Regeneração Urbana O mais conhecido desses casos é Nova Ior-
e Espaço Público, a partir de um centro de que, cujo programa municipal de arte pú-
pesquisa, o crpolis.21 blica há décadas tem alocado trabalhos em
comunidades afastadas de Manhattan, mui-
A par da necessidade de investigação e di- tas estigmatizadas devido aos seus vernizes
vulgação teórica, o paudo/crpolis passou multiculturais, cujos processos de comis-
a realizar projetos concretos (ou seja, nas sionamento levam em conta a obrigatorie-
ruas) com administrações municipais (os dade de uma demorada negociação entre
entes que afinal de contas enfrentam a arte os artistas e moradores. Porém, é bom que
pública), em Espanha e Portugal. Também se frise, a politizada – e até mesmo ativis-
ampliou a sua influência por meio de proje- ta – produção teórica americana (e de sua
tos conjuntos, em universidades europeias influência direta: Inglaterra, Canadá e Aus-
e, incluso, nas américas do Sul e Central. trália) é de difícil compreensão e interesse
Isso, sem mencionar a realização de sim- daquilo que ocorre fora de sua órbita. As-
pósios de arte pública em ambos os lado sim, restam à margem desse universo co-
do Atlântico e a edição de publicações, en- mentado, criticado, interessantes experiên-
tre as quais a principal é a On The W@ter- cias em Espanha, Portugal, América Latina,
Barcelona.
Imagem em <fernandofuao.blogspot.com.br>
Entre as iniciativas da Rede paudo conjun-
tamente a câmaras municipais em Espanha
e Portugal destacamos o projeto desenvol-
vido no bairro Baró de Viver,24 Distrito de
Sant Andreu, nordeste de Barcelona. Foi le-
vado a cabo com efetivo envolvimento co-
munitário, em meio à regeneração urbana
participada do local, iniciada por volta de
2004, tais como uma nova rambla, praça
cívica e estação de Metro. No sentido sim-
bólico, este amplo projeto foi também pen-
sado para melhorar a autoestima do bairro,
estigmatizado por sua história ligada às ca-
sas populares (“casas baratas”), construídas
pelo governo em torno de 1928, quando a
região era uma periferia distante de Barce-
lona. No amplo projeto, emergiram dois tra-
balhos de arte pública, o Mural da Memória
e a escultura Casa Barata, (ambos de 2011).
O mural, com 524 m2, ocupa o paredão
acústico que protege o entorno (Passeio de
Santa Coloma) do cruzamento de viadutos
e avenidas expressas; trata-se de um painel
ilustrativo, como um livro gigante, que con-
ta a história do bairro por meio de memó-
rias, fotografias e interesses compartilhados
pelos próprios moradores. A escultura em
homenagem às Cases Barates (casas bara- Entretanto, de tempos em tempos, pode-
tas, em castelhano, ou, casas populares, no mos perceber que fatos e situações podem
português brasileiro), por sua vez, nos re- fazer o sentido do monumento sentir-se re-
porta ao Monumento Multiculturalidade vigorado e a sociedade parece voltar a ne-
por ser uma obra de arte de autoria coleti- cessitar deles. Corrobora para isto a visão
va, comunitária. Foi instalada na extremida- do historiador Andreas Huyssen de que a
de mais elevada da Rambla Ciudad d’Asun- “memória”, no mundo inteiro, tornou-se nas
sión, na junção com o Passeio Santa Colona, últimas décadas “uma obsessão cultural
e ergue-se na forma de uma singela casa, de monumentais proporções”27 e que a “a
realizada em betão, como um verdadeiro noção de monumento como memorial ou
monumento, sem, no entanto, reivindicar evento comemorativo público vem conhe-
essa condição comemorativa. cendo um retorno triunfante”.28 Este ponto
de vista Huyssen vinha observando em ra-
Este aspecto, assim, nos remete à primeira zão das celebrações da memória do Holo-
das três características que queremos des- causto, da queda do Muro de Berlim e do
tacar no Monumento Multiculturalidade, ou fim das ditaduras militares sul-americanas.
seja, a opção pela ereção de um monumento. Essa “obsessão”, ao que tudo indica, mos-
trou-se fortalecida a partir dos aconteci-
A par de toda a controvérsia em torno do pa- mentos de 11 de setembro de 2001, em as-
pel do monumento na história da arte e da sunto que esse próprio autor debruçou-se
cidade – e Antoni Remesar nos resume que posteriormente, sob essa mesma ótica.29 Se
o mesmo pode ser visto como um “conceito formos pensar em “memórias traumáticas”
maldito, ou bendito, conforme e como o ob- (termo também de Huyssen), quando elas
servamos”25 –, eu creio que não restam dúvi- tomam forma para uma sociedade em par-
das de que o monumento é a forma mais re- ticular o são de modo geral na condição de
conhecível pelo “público geral” daquilo que monumentos públicos.
inequivocamente seja o mais típico exem-
plar de arte pública. Assim, a morte anuncia- Se o culto moderno aos monumentos30 mos-
da várias vezes desta categoria já não pode tra-se atual, em que medida se situa, nessa
mais ser levada a sério. O flutuar do dia-a- perspectiva, o Monumento Multiculturalida-
-dia da História nos demonstra que a neces- de? Podemos começar pelo próprio contex-
sidade dos monumentos vai e vem e cada to imediato, a própria cidade de Almada.31
contexto requer novas abordagens. Néstor
Canclini observa o presente de uma mega- Almada, hoje uma cidade com numeroso
lópole de 22 milhões de pessoas (a Cidade conjunto de arte pública, numa proporção
do México) na qual ali os “monumentos es- elevada de obras de arte ao livre aos pa-
tão cansados”; não podem mais ser vistos e drões europeus, se considerarmos a sua
não podem competir com o que hoje se en- população e área, surpreendentemente
contra agregado ao espaço urbano.26 teve o seu primeiro monumento instalado
ao ar livre recentemente, somente cinco
para Lisboa. Porém, seria forçoso crer que sociativismo, Trabalho, Paz, Vida, Liberdade,
esse destino de peregrinação religiosa seja Solidariedade, etc.). Em muitos desses co-
um “monumento de Almada” pelo simples missionamentos observamos o expediente
fato de estar fixado em seu município, uma do concurso aberto a projetos de artistas,
vez que seu objetivo é fitar a capital e ser com financiamento predominantemente
visto de lá, bem como os visitantes que o público. A maioria das obras pertence ao
procuram ignoram solenemente a cidade. campo da escultura, mas também encon-
Esse é um fato que revela a antiga sina de tramos painéis cerâmicos e em relevo, além
Almada durante um largo período de sua de mobiliário urbano diverso (luminárias,
história, a ausência de monumentos, como abrigos, objetos lúdicos), com elaboração
se os monumentos da capital, do outro plástica artística. A linguagem quase abso-
lado do Tejo, suprissem essa deficiência. luta das obras de arte utiliza procedimen-
tos, materiais e cânones contemporâneos,
A partir da redemocratização (1974), Alma- numa exceção às habituais demandas por
da adquiriu o direito de ter um poder au- tradições predecessoras, a exemplo de es-
tônomo e passou a ditar os seus destinos. tatuas ou obeliscos.
Este fato permitiu que finalmente a cidade
passasse a instalar os seus monumentos e Sendo Portugal perfeitamente integrado no
obras de arte. Entre outras iniciativas, a arte espírito da comunidade europeia e mais di-
pública passou a cumprir um papel interes- retamente ao contexto ibérico, como men-
sante na autoestima dos moradores e na cionado antes a Câmara de Almada tem
construção de memória e imaginários cole- participado de projetos de arte pública no
tivos próprios. Se não totalmente represen- âmbito da Universidade de Barcelona. O
tativos – e a arte pública jamais consegue ser exemplo anterior a destacar, nesse sentido,
representativa para toda uma população, a foi “En els marges / nas margens”, iniciativa
maior parte dos monumentos dessa cidade integrada como troca de experiências entre
vinculou-se aos interesses de grupos que projetos artísticos comunitários dos bairros
positivamente buscaram o espaço público Pica-Pau Amarelo (Almada) e Baró de Viver
(Barcelona), em 2011. Para Almada, este foi uma comemoração tradicional (monumen-
mais um incentivo para um passo adiante, to), “não só se dava a oportunidade à comu-
a realização de um projeto de arte pública nidade de participar numa acção concreta
permanente, o Monumento Multicultura- dirigida ao seu território, como se potencia-
lidade, definido de forma participada pela va um maior diálogo e entrosamento social
comunidade do Raposo, junto ao Centro Cí- no seio de uma comunidade bastante com-
vico do bairro Monte de Caparica. plexa e culturalmente diversificada”.33
sobrepõem-se e por esta razão surgem su- adição ao Graffiti subcultural; em suma,
gestões de novas designações na tentati- uma contribuição que permite uma gran-
va de maior clarificação da especificidade de diversidade cultural5.
do Graffiti de origem subcultural dos anos
1960. Por exemplo, Joe Austin, numa pers- Será necessária uma interpretação esba-
pectiva mais académica, propõe o termo tida das fronteiras do significado dos ter-
graffiti art2, do interior da subcultura tam- mos Graffiti e Street art para o melhor en-
bém surgem propostas como a de Phase2 tendimento do conceito de Arte Urbana
que propôs aerosol art em entrevista publi- adoptado a partir de 2008 em Lisboa. Es-
cada na On the Run de 1993, revista Alemã tes devem ser observados como campo
dedicada a esta subcultura. Porem estas e expandido indo ao encontro da propos-
outras sugestões de novas designações não ta de Rosalind Krauss, que aliás partilhou
demonstraram capacidade de substituir a o mesmo espaço de apresentação (Artist
utilização do termo Graffiti, quer no contex- Space Soho em Nova Iorque) com os Uni-
to académico, quer no contexto subcultural. ted Graffiti Artists em Setembro de 19756,
Subcultura é um conceito vasto e complexo o que nos leva a suspeitar de ligações por
dentro dos estudos teóricos sócio-culturais. identificar entre a proposta de campo ex-
Está associado à Universidade de Birmin- pandido e as problemáticas associadas ao
gam, mais especificamente ao CCCS (Cen- Graffiti subcultural.
ter for Contemporany Cultural Studies), con-
ceito que são revisitados e contestados em 1.1 Produção internacional de
parte por novas gerações de investigadores conhecimento sobre Graffiti subcultural e
que os confrontam com realidades como o Street Art
Punk ou o HipHop . O local exacto de onde
se encontram as fronteiras do que se desig- A produção de conhecimento sobre Graf-
na por Graffiti esbatem-se ou tornam-se rí- fiti e Street Art desenvolve-se há aproxima-
gidas conforme a abordagem. damente 4 décadas. Para o melhor enten-
dimento do leitor sugerimos dividir esta
produção em duas grandes componentes: A abordagem da área da criminologia
(1.1.1) a componente académica e (1.1.2) (cultural) ganha vigor após o trabalho de-
a componente não académica. senvolvido por Jeff Ferrel13, e a primeira
publicação académica originária do cam-
1.1.1 - Dentro da componente académi- po disciplinar da História da Arte surge
ca existem trabalhos de investigação que por Jack Stewart que propõe uma aborda-
provêm das mais variadas áreas do conhe- gem do ponto de vista pedagógico (au-
cimento, como, por exemplo, da sociolo- to-didáctico, arte popular) e analisa a sua
gia, etnografia, criminologia, historia cul- evolução estilística integrada na Historia
tural e historia da arte. da Arte14.
lidade comercial da expressão Urban Art dos tons cinzentos nos bairros das classes
abriu caminho para que o facto de que a altas e principais eixos (por exemplo a Ave-
colocação de trabalhos na rua e, por vezes, nida da Liberdade).
só a referência a esta, se terem tornado veí-
culos para uma carreira comercial. Esta si- Apropriações gráficas informais ocorreram
tuação veio tornar pouco clara a relação sobre esse predominante “cinzentismo”
mesmo de quem espontaneamente produz com a revolução democrática de 1974. Esta
Street Art, pois esta rapidamente se trans- época foi prolífica (por todo o país mas em
forma na vertente de marketing da Urban particular em Lisboa) no que toca à produ-
Art que potencialmente mais tarde a irá co- ção de murais e colocação de cartazes po-
mercializar. líticos. Neste período particular da história
recente de Portugal os muros das cidades
2 – Em Lisboa foram, por excelência, a plataforma para a
comunicação38.
2.1 – Breve introdução
Estas actividades abrandaram de ritmo e con-
A cor das fachadas de Lisboa tem sido fru- finaram-se a meios mais convencionais após
to de controvérsias e diversos contributos a entrada de Portugal na CEE (depois UE) em
ao longo do tempo33. O tema foi o assun- 1983. Já no fim da década de 1980 os murais
to central num ciclo de conferências orga- que resistiram foram-se degradando.
nizado pelos Amigos de Lisboa em 1949,
convidando conhecidos intelectuais, ar- No início da década de 90 começaram a sur-
tistas plásticos e arquitectos para discutir gir assinaturas do tipo “tag” a par com ex-
normas municipais34. pressões gráficas mais ou menos criativas,
como stencil. Inicialmente em locais especí-
O branco – enquanto cor global na (e da) ficos como ao longo das linhas de comboio
cidade de Lisboa – parece em geral resi- suburbanas, auto-estradas, etc. Surgiram
dir na sua frequente referência por antigos também a colagem “selvagem” de cartazes
de concertos, touradas, circos e políticos. peza de Graffiti e Street Art no Bairro Alto
(Chiado e Bica) que, após alguns concursos
Com o evento Lisboa Capital Europeia da públicos para remoção e limpeza durante
Cultura em 94 e a Expo 9839 estas ocorrên- 2009, integra um conjunto de acções mais
cias diversificaram-se em escala e forma, vastas, o plano de pormenor da Reabilita-
ocupando locais de vivência boémia noc- ção urbana do Bairro Alto e Bica43.
turna como a 24 de Julho, Santos ou Bair-
ro Alto. Coincidência ou não esta dinâmica Um momento crucial44 para a criação do
ganhou particular força em Lisboa quan- projecto que se veio a designar de Galeria
do em 2003 a autarquia de Barcelona fez de Arte Urbana - GAU foi o encontro de-
aprovar a “ordenanza de convivencia pací- nominado Qual o Futuro das Paredes do
fica” que aborda a questão das apropria- Bairro Alto?. Este encontro ( que ocorreu
ções gráficas informais numa perspectiva em Julho de 2008 na Galeria ZDB) possibi-
de confronto e erradicação40. litou a partilha de opiniões dos principais
actores deste território, incluindo morado-
De 2004 (Campeonato Europeu de Fute- res, artistas plásticos, jornalistas, autores
bol em Portugal) a 2008 (data de despacho de Graffiti e Street Art, presidente da Jun-
municipal que implicou remoção de graffiti, ta de Freguesia da Encarnação presidente
street art, cartazes e ou outras inscrições41) da Associação de Comerciantes do Bairro
foram os anos em que se tornava por de- Alto, e técnicos municipais. Destes encon-
mais evidente a intensidade e presença das tros surgiu a conclusão de que seria impor-
camadas de vários anos de apropriações tante dar espaço a algo mais do que me-
gráficas informais em Lisboa, particular- ramente um projecto de limpeza, teria de
mente no Bairro Alto. existir uma componente de mediação cul-
tural no projecto de reabilitação urbana.
2.2 Bairro Alto 2008
2.3 Arte Urbana
Em Outubro de 2008, através do já referido
despacho, a CML decidiu reduzir o horário A necessidade de incorporar desvios im-
nocturno dos cafés e bares do Bairro Alto, previsíveis que ocorrem ao longo do tem-
horário que tinha sido alargado em a titulo po conduziu a uma maior flexibilidade nos
excepcional em 1994 a propósito de Lisboa planos urbanísticos a qual culminou na mu-
ser Capital Europeia da Cultura e que des- dança de representação de planos–imagem
de então não se tinham alterado. para planos de gestão que em Portugal
ocorreu a partir de 195445. Este facto ocor-
A redução de horário, medida danosa para reu a uma escala global e ajudou a fazer cair
os comerciantes, tem como “medida de em desuso o termo Arte Urbana que até en-
compensação” a limpeza, melhor ilumina- tão se tinha usado com um sentido estrita-
ção e qualificação geral do espaço públi- mente urbanístico.
co42. Esta situação levou a acções de lim-
ção da Galeria de Arte Urbana na Calçada tipos de aplicação da expressão Arte Urba-
da Glória foram colocados um conjunto de na como desenho da cidade (dos pré ou
painéis que serviram de suporte a inter- urbanistas culturalistas), e signos visuais no
venções plásticas que visavam segundo os território que em maior ou menor escala
seus co-responsáveis “confirmar o graffiti e são sinais do uso do e no território.
a street art como reconhecíveis e reconhe-
cidas expressões de arte urbana, como uma A tipologia pré-formal, estável bem defini-
subcultura artística globalmente presente da que compreende o graffiti subcultural e
nas metrópoles mundiais”48. a Street Art nas suas vertentes não comissio-
nadas, tipos de Arte Urbana em permanen-
A este propósito foi publicada uma peque- te negociação de distancias e afinidades.
na brochura49 que contem uma proposta
de justificação da utilização do termo Arte A tipologia formal é a da institucionaliza-
Urbana, neste texto é feita a referência à ção, onde há a ruptura dos pressupostos
prática “artística” de desenhar a cidade, não comissionados, surgem aqui tipos de
de pré-urbanistas culturalistas como John Arte Urbana que se podem designar de mu-
Ruskin ou William Morris e posteriormente ralismo contemporâneo, ou arte pública.
ao urbanismo culturalista de Camillo Sitte e
Ebenezer Haward50. Seguindo este padrão propõe-se uma
subdivisão da Arte Urbana em Lisboa
Ou seja, se por um lado, no contexto da rea- (2008–2014) por: 2.3.1 Arte Urbana como
bilitação urbana do Bairro Alto, na aplicação desenho da cidade e signos visuais; ; 2.3.2
do termo Arte Urbana é clara a intenção de Arte Urbana como Graffiti e Street Art;
afastar a relação direta com a Street Art ou 2.3.3 Arte Urbana como Street Art Murals,
Graffiti subcultural, por outro lado tentando Murais de Arte contemporânea, Arte Pú-
manter-se a ligação aos aspectos não co- blica e ou Urban Art.
missionados do fenómeno desassocia-se
de práticas próximas da escultura pública
2.3.1 Arte Urbana como desenho da observando sim quais as qualidades do su-
cidade e signos visuais porte em função por exemplo: dos signos
visuais identificados, qualidades de visibili-
Esta proposta de tipologia de Arte Urbana dade, da textura da superfície, acessibilida-
é a menos definida, mas todavia será a mais de, simbolismo, entre outras.
preponderante durante o nosso quotidiano.
Indo ao encontro das designações da ten- 2.3.2 Arte Urbana como Graffiti e Street
dência urbanística culturalista, do desenho Art
das cidades como desenhos com “arte”, in-
clui-se aqui também a dimensão do dese- Nesta categoria enquadram-se as designa-
nho pelo uso, pela necessidade, da arqui- ções de Graffiti subcultural e Street Art con-
tetura sem arquitetos51, que no contexto forme descrito supra, Graffiti da subcultura
português poderá apoiar-se em referências já referida dos anos 60, já que a designação
tão distintas como Orlando Ribeiro52, Raul Graffiti no sentido atribuído pelos arqueólo-
Lino53 ou o Inquérito à Arquitetura Popular gos de Pompeia enquadra-se no ponto an-
Portuguesa54. terior (2.3.1).
Signos visuais nas suas vertentes, isoladas É evidente que as produções de Graffiti e
ou conjugadas, de: ícones, índices (sinto- Street Art, com as suas formas e acções, são,
mas) e símbolos55. em grande medida, efémeras, destacando-
-se, sobretudo, pela sua visibilidade mo-
O âmbito espacial da produção informal mentânea; por este facto aumentando os
de signos visuais reflecte-se sobretudo na aspectos relacionados a acção e não tanto
dimensão de proximidade, aquela que é com a forma. Todavia, existem também ele-
alcançável fisicamente pelo utilizador na mentos que persistem ao tempo, padrões
sua vivência quotidiana. Nesta dimensão e locais de constante utilização, autores e
a arte urbana para além de ser de autor mundos relacionais do Graffiti da Street Art
anónimo, o próprio autor poderá estar na a analisar.
condição de não estar consciente da sua
produção. Esta tipologia é central na medida em que é
a partir dela que se justificam e estruturam
Arte Urbana como signo visual é abrangen- as restantes. É pela prevalência de Graffiti e
te, e inclui: caminhos de pé posto; carta- Street Art nas cidades em geral e em parti-
zes sem autorização; desgaste de escadas cular em Lisboa (quantidade anónima e de
causado pela passagem de utilizadores; qualidade questionável) que pressiona o
profusão de assinaturas (tags) em superfí- debate, análise e abordagem ao tema.
cies várias; etc. A identificação do seu valor
nesta dimensão será possível sobretudo Existe bastante informação disponível em
olhando para as características do suporte, termos internacionais, e também alguma
descurando a interpretação da mensagem, informação, em termos nacionais apesar
revista Subworld. Para além de artigos vá- e contacta com a dimensão imediatamente
rios que durante os últimos anos de 1990 inteligível da Arte Urbana, que por vias que
foram animando a comunidade de prati- reconhecivelmente levaram a uma discutí-
cantes em franco crescimento, nos primei- vel valorização do Graffiti subcultural e da
ros anos de 2000 inicia-se um conjunto de Street Art (categoria descrita em 2.3.2).
publicações dedicadas e maior seriedade
com a Visual Street Pefromance, de 2007, É importante aqui esclarecer a dimensão
publicação que contou com prefácio de claramente consentida, comissionada, e
Martha Cooper58. Publicações com carác- ou suportada por instituições ou empre-
ter misto que abordam tanto a vertente sas, associada com maior ou menor intensi-
não comissionada como produções or- dade ao contexto de produção e consumo
ganizadas e apoiadas (por marcas, como, da “arte instituída” dialogando diretamente
por exemplo a Redbull). com agentes, galerias, colecionadores, mu-
seus, etc. Apesar de distinta na origem as
Também com carácter misto, encontra-se obras e autores são em tudo semelhantes
a publicação regular da GAU, apesar de, aquilo que se propõe afirmar no contexto
na generalidade, tratar informações de da arte contemporânea.
tipo comissionado inclui uma rubrica de
1 página denominada “observatório” com A produção académica nacional existente
obras não comissionadas. Da mesma for- de forma direta e exclusiva sobre esta ca-
ma, tendencialmente obras comissiona- tegoria é vaga, encontram-se alguns arti-
das com pequenos apontamentos de não gos isolados60, ou compilações pontuais61
comissionadas, já surgem edições recen- que, de certa forma, esbate-se com as ou-
tes de carácter comercial59. tras tipologias sugeridas. No âmbito das
abordagens a partir das problemáticas as-
Esse modelo de texto e publicação vai en- sociadas à Arte Contemporânea, existem
contrando veículo sobretudo em exposi- discursos próximos mas não coincidentes
ções temáticas e ou através de monogra- quer pelo angulo de pesquisa quer pela
abrangência da abordagem (como no Concretamente no contexto da interpre-
caso de Marta Traquino62). tação da Urban Art associada ao Graffiti
subcultural e à Street Art, a expressão sur-
O material publicado e informação dispo- ge identificada pela actividade comercial,
nível sobre esta categoria existe, principal- ligada à venda de obras de Street Art jun-
mente, editado numa perspectiva não aca- to de colecionadores, museus, galerias
démica e, em grande medida, constitui uma e agentes instituídos no mundo da arte.
vasta quantidade de informação por anali- Esta característica comercial da designa-
sar em bases de dados, online, ou em pu- ção Urban Art, fruto de ruptura dentro do
blicações impressas. A este nível há infor- mundo da Street Art, poderá ser analisa-
mação gerada no contexto da promoção da através do vasto conjunto de publica-
comercial de autores, obras, festivais e ex- ções apresentadas que estruturam o pen-
posições, mas também por instituições pú- samento em torno do Graffiti subcultural
blicas, privados dinamizadores e participan- e a Street Art.
tes do mundo da Arte Urbana.
Ficou claro que a interpretação de Arte
É de facto esta a categoria mais tangível e Urbana no contexto nacional é distinta
perceptível ao nível da facilidade de con- conforme os momentos como por exem-
servação, porem é simultaneamente a que plo a Arte Urbana de 1998 e a de 2008.
demonstra a homogeneidade clássica e tra- Se no contexto da Expo98 a Arte Urbana
ços distintivos do Graffiti e Street Art em re- estaria mais próxima de um sinónimo de
lação a outras vias de criação de artefactos. Arte Pública ou Escultura Pública (ou até
Por esta razão, sem o referente do Graffiti mesmo design urbano), já em 2008 a in-
subcultural ou Street Art (categoria descri- terpretação tem outros contornos.
ta em 2.3.2), dissolve-se em transformações
que a vão gradualmente tornando outra De forma distinta à da interpretação da
coisa (exemplo: Arte Pública, Arte Contem- designação internacional Urban Art a
porânea). Arte Urbana de 2008 não se afirma ini-
cialmente no contexto comercial, mas sim
3 – Conclusão no contexto institucional, especificamen-
te do Município de Lisboa.
Afinal do que se trata quando se refere Arte
Urbana? Em termos internacionais a desig- No assumir da expressão Arte Urbana em
nação tem um significado disperso por vá- 2008 é clara a intenção de englobar na
rias áreas de actividade, como, por exemplo, interpretação do termo significados pro-
em associação ao urbanismo, constituída venientes do modelo de urbanismo cultu-
tangivelmente sobretudo por planos dese- ralista, assim como é evidente englobar o
nhados e por um mundo de ideias e ideais Graffiti e a Street Art, deixando em aberto
relacionados com o modelo de urbanismo a relação com os termos Urban Art que à
culturalista. época carecia de desenvolvimento.
45
Lobo, Margarida Sousa (1995) cato Nacional dos Arquitectos, Lis-
Planos de Urbanização. A Época de boa.
Duarte Pacheco, Porto: DGOTDU/ 55
Schaff, Adam (1968) Introdução
FAUP. p. 13 à semântica. Coimbra: Almedina.
46
José Manuel Ressano Garcia p.158
Lamas (2000) Morfologia Urbana e 56
Campos, Ricardo (2007) Pin-
desenho da cidade. 2ª ed., p. 152. tando a cidade. Uma abordagem
47
Regatão, José Pedro (2007) Arte antropológica ao graffiti urbano,
Pública e os Novos Desafios das Dissertação de Doutoramento em
Intervenções no Espaço Urbano. Antropologia, especialidade de
Lisboa:.Bond. Antropologia Visual, Lisboa, Uni-
48
Carvalho, Jorge Ramos; Câmara, versidade Aberta.
Silvia (2014) Lisboa, Capital da Arte 57
Ferro, Lígia (2011)
Urbana, revista On the W@terfront, 58
AA.VV. (2007) Visual Street Pefro-
nº30, Barcelona mance. Lisboa.
49
Esta brochura acompanha uma 59
Galeria de Arte Urbana de Lisboa
caixa com postais que reproduzem (GAU) (2014) Street Art Lisbon - Vol.
paineis executados na calçada da 1”, Zest, Lisboa.
glória, actividade promovida pela 60
Neves, Pedro Soares; Simões, D.
CML com o apoio da marca de ves- (Coord.) (2014) Lisbon Street Art
tuário Friday’s project em Outubro & Urban Creatvity, International
de 2008. Conference. Lisboa: Faculdade de
50
Choay, Françoise (2003) O Urba- Belas-Artes da Universidade de Lis-
nismo: Utopia e realidades de uma boa, CIEBA, FCT.
antologia; São Paulo: Editora Pers- 61
Quaresma, José (2013) Do Graf-
pectiva. p.115, p.203 fiti, Passado e Presente de uma
51
Rudofsky B (1964) Architecture Expressão de Risco, coord.. Lisboa:
without architects: A shoort intro- Faculdade de Belas-Artes da Uni-
Escultura e a Re-Simbolização do Espaço
Público no Pós-25 de Abril: A Evocação de
“Os Perseguidos” em Almada
através da substituição do nome das arté- a sua dinâmica popular, levar à comunidade
rias conotadas com o tempo da ditadura o esclarecimento político e o debate sobre
por novos nomes identificados com a resis- o planeamento urbano local em novas for-
tência antifascista e ou evocativos dos valo- mas de organização comunitárias.
res da Revolução. E não foi por acaso que as
primeiras esculturas fossem colocadas no Foi neste momento de profundas alterações
centro cívico de Almada em 1974 e 1979. nos modos de relacionamento, de aproxi-
mação à realidade social, que se atuou na
Em Almada sentiu-se bem toda a capacida- transformação direta do espaço urbano. As
de de iniciativa do período revolucionário. equipas que trabalharam no terreno eram,
A descentralização do aparelho de Estado em muitos casos, multifuncionais nas quais a
e a operacionalidade técnica do Município componente de animação cultural ganhava
contribuíram para que o ‘poder autárquico’ sentido interventivo junto das populações.
fosse consolidado em sintonia com a ‘mobi- O período revolucionário moldou a visão
lização popular’, de modo a serem implan- e a ação de muitos artistas comprometidos
tadas medidas mais focadas na procura de com as profundas alterações da realidade
formas alternativas de gestão administrativa social portuguesa a partir de 1974. Metafo-
com pendor participativo: um movimento ricamente, os resultados das ações coletivas
impulsionador de grandes avanços na salu- de grupos de artistas plásticos ou popula-
bridade e qualidade de vida mediante um res sobre esculturas públicas depois do 25
trabalho conjunto com as populações. Deu- de Abril, poderão ser encarados como o iní-
-se assim um primeiro passo para o contro- cio e fim de um período de ‘arte com a revo-
lo do processo de urbanização clandesti- lução’. Falamos do ato público do amorta-
na do concelho, aprovaram-se medidas de lhar da estátua de Salazar no Palácio Foz, “A
contenção das políticas urbanas herdadas arte fascista faz mal à vista”, no dia 28 maio
do antigo regime e, por outro lado, pro- de 1974, pelo Movimento Democrático dos
moveram-se políticas de infraestruturação Artistas Plásticos4. E no lado oposto da revo-
e saneamento em áreas problemáticas do lução, em fevereiro de 78 a tentativa de re-
colocação da cabeça na estátua de Leopol-
do de Almeida alusiva a Salazar, em Santa
Comba Dão, por um grupo de cidadãos, um
ano depois de Portugal ter pedido oficial-
mente a adesão à CEE (5 de abril de 1977)5.
Por outro lado, está presente nesta nova Em Almada, o processo de urbanização do
realidade a dimensão política, e por con- Centro Cívico foi sinónimo da hierarquiza-
seguinte de expressão de poder, que as ção funcional e morfológica da vivência da
potencialidades de efabulação simbólica cidade. Isto é, a visão planificadora de De
do espaço vão permitir ao novo regime, Gröer previu o assento das classes sociais
já que a identidade coletiva encontrou os segundo critérios de estratificação social.
seus ecos na forma como o espaço se reor- As classes trabalhadoras e porventura mais
ganizou ao nível simbólico. pobres, que procuravam as rendas baixas
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
tivos inspirados nos símbolos das ex FEPU e função dos usos sociais do espaço urbano.
APU, ou seja, losangos e argolas38. E foi no Pol & Valera (1999: 6) apontam ainda que
embasamento da escultura que se inscre- a identidade constitui-se como uma ação
veu, ‘Aos que deram a liberdade e até a pró- de mediação, interação entre o sujeito e o
pria vida pela liberdade dos outros’. espaço. Neste sentido, a identidade social
urbana (Brandão, 2008: 15) constrói-se no
Constata-se que o monumento é ainda sentimento e na relação de pertença a um
hoje referência identitária por todos aque- ambiente, seja o lugar ou a cidade que re-
les que se vêem representados nos valores conhecemos. E no caso de Almada, a au-
democráticos que a revolução despoletou tarquia foi o agente que forçou a recons-
em Almada (Vicente, 2006: 12). A Praça é trução da identidade urbana depois de 74.
hoje o espaço no qual as manifestações
coletivas ganham maior carga emocional O monumento impôs-se durante muito
nas comemorações anuais da data da re- tempo como um pilar urbano da identida-
volução de 1974, tal como continua a ser o de pós-25 de Abril. Num momento em que
local onde uma franja da população se ma- para algumas franjas da população a obra
nifesta em momentos de crise política. O ainda enaltece e glorifica um sentimento
monumento veio assumindo deste modo comum de uma história de lutas e resistên-
uma posição urbana de inequívoco valor cia, as obras do metro de superfície realiza-
identitário. das a partir de 2003 no concelho de Almada
e Seixal, provocaram profundas alterações
Ou como refere Ribeiro (2005: 44), a obra nas avenidas Dom Afonso Henriques e Dom
de Pedro Anjos Teixeira continua a ser o Nuno Álvares Pereira, obrigando ao desvio
monumento mais representativo do con- do monumento para uma lateral da Praça
celho, no qual a autarquia reconhece uma do MFA em 200739. Passados 28 anos e com
herança histórica que é fundamental re- base em opções técnicas de desenho urba-
cordar. E facilmente reconhecemos que no, o monumento aos Perseguidos perdeu
a ritualização de determinados compor- irremediavelmente o peso simbólico da sua
centralidade inicial, passando agora a com-
petir com os outros equipamentos do espa-
ço público por um protagonismo identitário
e urbano de outros tempos.
– SÉRGIO VICENTE
léxico próprio ao qual subjaz a expressão ou cebemos a imposição de símbolos como
construção cultural de uma comunidade. uma acelerada experiência constitutiva da
identidade do espaço urbano, a qual sub-
Veja-se o Fernão Mendes Pinto, de António entende, uma conflituosa troca entre ex-
Duarte, uma encomenda do Estado Novo periência e novas narrativas inerentes à con-
para homenagear o navegador e escritor strução do espaço público.
no primeiro aniversário da cidade de Alma-
da em 1974, que inicialmente foi concebido Em Almada, ainda hoje, a identidade dos
para ser colocado sobre um aparato céni- lugares é indissociável do fortalecimento
co de jorros de água de uma fonte monu- de uma ‘memória histórica’, sendo deter-
mental e na Praça S. João Baptista, no prin- minante o domínio simbólico do espaço
cipal eixo da cidade, onde se construiriam público pela autarquia, ao implantar mon-
os novos Paços do Concelho. Ali apresen- umentos de cariz politizado, influenciando
tava-se como um objeto impositivo na ci- e estabelecendo parâmetros significantes
dade, ou seja, a afirmação local, política e para a construção de uma memória do lu-
pública de uma instituição administrativa gar. Ou seja, a administração local foi con-
vital para o Estado Novo. E depois, já nos struindo ao longo de 40 anos uma narrativa
anos 80, o monumento acabou sobre um histórica própria, adequada à afirmação dos
plinto em betão vigoroso e simples, numa valores democráticos que o novo regime
relação compositiva aprovada provavel- em 1974 manifestou de forma contundente
mente por António Duarte e de acordo com sobre o espaço público.
os postulados compositivos do monumen-
to maquetado dez anos antes. Pressupondo
obrigatoriamente uma leitura do conjunto
de baixo para cima. E, agora localizado fora
do lugar de celebração do regime (o Cen-
tro Cívico), no sítio onde Fernão Mendes
Pinto terá vivido e morrido em 1583, no Pra-
gal, valorizou-se com a sua implantação a
dimensão humanizada do homenageado,
contrariando o inicial pendor historicista e
celebratório da ditadura.
p o r C r i s t i n a Ta v a r e s
Professora Associada de Ciências da Arte e do Património na FBAUL e no
PD-FCTAS da FCUL, Investigadora integrada do CFCUL, Head de Arte e
Ciência, investigadora colaboradora do CIEBA.
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
uma exposição individual, e no Clube Ale- nessas figuras de mulheres: a que se afin-
mão uma exposição com o escultor alemão ca na escrita da carta e a que se deleita na
Hein Semke, chegado a Portugal um anos leitura da carta recebida» (...).1 Entre 1939
antes, e o designer suíço Fred Kradolfer, e 1940 realizou os frescos com temas varia-
que desde 1928 estava instalado no nosso dos desde o planisfério e quatro alegorias
país. Ainda em 1933 Almada desenha dois a Portugal e à Imprensa para o edifício do
cartazes para o filme de Cotinelli Telmo «A Diário de Notícias na Av. da Liberdade da
Canção de Lisboa» e um para o Secretaria- traça de Pardal Monteiro.
do de Propaganda Nacional («Votai a Nova
Constituição»), marcando a sua colabora- Em 1941 tem lugar a exposição individual
ção com o Estado Novo. “Almada-Trinta Anos de Desenho”, reali-
zada pelo S.P.N. e também participa na 6ª
Em 1935 projeta um painel decorativo para Exposição de Arte Moderna do S.P.N. en-
a Casa da Moeda convidado pelo arquite- tre outras. No ano seguinte a consagração
to Jorge Segurado, mas que não vem a ser é reconhecida amplamente através da atri-
executado, e no ano seguinte, estuda o pai- buição do Prémio Columbano na 7ª Exposi-
nel decorativo para o Café Arcadas no Esto- ção de Arte Moderna do S.P.N. com a pintu-
ril em colaboração com o arquiteto Carlos ra “Mulher” (Lisboa).
Ramos. Com este mesmo arquiteto e o es-
cultor Leopoldo de Almeida realiza o proje- O ano de 1943 traz a encomenda dos
to que concorre ao II Concurso para o Mo- frescos para a Gare Marítimas, através do
numento ao Infante de Sagres. Eng. Duarte Pacheco apreciador da obra
de Almada(segundo o testemunho de
Em 1938 Almada conclui os vitrais de índole Sara Afonso). Iniciam-se os primeiros es-
mais naturalista e inspirados nos textos bí- tudos dos frescos que seriam terminados
blicos para a Igreja de Nossa Senhora de Fá- em 1945 e o tema escolhido pelo pintor
tima na Av. de Berna em Lisboa, edifício de para um dos trípticos foi a lenda da Nau
linhas modernas, projetado pelo arquiteto Catrineta, romance popular, que segundo
Rui-Mário Gonçalves, o pintor considera- pelas mesmas dimensões 6,20 metros de
va que unia a “tradição popular” ao tema altura por 4 de largura. No primeiro fres-
do “mar”2. Almeida Garrett tinha-o incluído co o capitão e o gajeiro do alto dos mas-
no seu Romanceiro (1843-1851) e a prove- tros procuram ver com um óculo as terras
niência tem a ver com o relato da História de Portugal, enquanto os marinheiros de-
Trágico- Marítima em que se narra o nau- sesperados olham para as solas cozidas. A
frágio de um barco vindo do Brasil que fica mesa tem um tambor pousado e cartas de
à deriva por ser atacado por corsários. “A jogar espalhadas, e nas velas está o diabo
Nau Catrineta” evoca a vida dos marinhei- e um esqueleto simbolizando a morte. No
ros portugueses embarcados e à deriva, segundo fresco vemos apenas uma par-
comendo sola que estava de molho desde te dos mastro principal e a as velas com o
a véspera. É uma narrativa com um fundo anjo da guarda a proteger a nau. Ao longe
real misturada com a fantasia, que encarna numa falésia está um cavalo branco, e mais
a luta do bem contra o mal e a saudade. distantes as três filhas do capitão, uma a co-
O gajeiro transforma-se na figura do diabo zer, outra a fiar e a última a chorar. Por fim
que não aceita casar com umas das filhas o terceiro fresco mostra-nos o final, a nau
do capitão - a mais formosa - pois preten- varada, o capitão salvo abraçando as três fi-
de roubar-lhe a alma, mas o capitão res- lhas, rodeado pelos marinheiros e popula-
ponde-lhe: «Renego de ti demónio/Que res, incluindo um marujo e uma mulher de
me estavas a tentar!/A minha alma é só de vermelho que Almada teria visto anterior-
Deus;/O corpo só do mar»3. É a vez do anjo mente e retratou aqui, e no topo esquerdo
bom intervir evitando que o capitão se afo- o anjo da guarda em pé triunfando sobre
gue, e assim a Nau Catrineta acaba por va- o demónio vencido, espezinhado no chão.
rar em terra, terminando num final feliz.
Do outro lado, o tríptico é constituído por
Com esta narrativa, que evoca a epopeia de imagens de Lisboa representando três vis-
um povo, e a presença dos seus valores mo- tas da cidade. Todas elas partem da zona do
rais, Almada apropria-se de um discurso de rio para a urbe e descrevem tarefas carac-
cariz popular- sabendo que essa apropria- terísticas da vida à beira Tejo: no primeiro
ção do popular genuíno era parte consti- fresco, no primeiro plano, mulheres robus-
tutiva do porta estandarte do modernismo tas, as varinas, «seus troncos varonis recor-
por toda a Europa fora - mais do que expor dam-me pilastras»4 cantadas assim por Ce-
um dos aspetos defendidos pela «política sário Verde no poema O sentimento dum
do espírito» de António Ferro, a quem falta- ocidental I Avé- Marias e também Almada,
vam poucos anos para ser destronado. varinas carregando à cabeça canastas de
carvão empilhado em pirâmide, e percor-
A lenda da Nau Catrineta é apresentada rendo descalças um passadiço, tendo por
em três frescos estabelecendo uma conti- pano de fundo os barcos; no segundo fres-
nuidade narrativa que não existe na outra co, em primeiro plano uma vista das trainei-
parede oposta, aliás suportada também ras de chaminés listadas a vermelho e bran-
através da experiência sensorial e atribuição O papel central dos transportes nas cida-
de significado que o primeiro lhe confere6. des, verdadeiras artérias de comunicação,
responsáveis por fluxos diários de passagei-
Porém, este reequacionar da relação entre ros, cujas estruturas se destacam e impõem
indivíduo e espaço público que a arte públi- ao longo do traçado urbano, tem levado a
ca promove parte, frequentemente, de uma que, nas últimas décadas, sejam encarados
atitude crítica por parte de artistas (também como locais privilegiados para a criação de
verificável nos campos da arquitectura, ur- obras de arte pública. Tal opção, quer por
banismo e design) em relação à descone- parte de artistas, quer das entidades res-
xão entre corpo e espaço que caracteriza ponsáveis pelas comissões, baseia-se não
o dia-a-dia na cidade contemporânea. Esta só no elevado número de indivíduos que,
desconexão apresenta a sua génese no sé- por via da utilização do transporte, contac-
culo XIX, aquando da formação da cidade tarão com as obras, mas também porque
oitocentista7, caracterizada pela sensação a presença de obras de arte em estações
de anonimato entre os seus habitantes, mas (comboios, metro), cais (fluviais, marítimos),
também pela ideia de movimento contínuo, terminais (rodoviários) e aeroportos fun-
fruto não só da crescente velocidade dos cionam em muitos casos como um factor
transportes, como do aumento demográ- de encorajamento para a sua utilização, ao
fico no espaço urbano. O indivíduo é, por tornarem os seus espaços arquitectónicos
isso, embalado num ritmo que é o da pró- mais atractivos visualmente, enfatizando as-
pria cidade, tão rápido quanto fragmenta- sim, para além da dimensão física, a com-
do, deixando poucas oportunidades para o ponente social do local (MILES:1997, 132)8.
exercício da experiência sensível. Tal como
apontado por Richard Sennett, este ador- Em Portugal, a criação da rede do Metropo-
mecimento dos sentidos é um resultado litano de Lisboa9, cujo autor do projecto foi
of the physical experience which made the o arquitecto Francisco Keil do Amaral (1910-
new geography possible, the geography of 1975) reflecte esta atitude na opção pelo
speed (....) As urban space becomes a mere emprego do azulejo na decoração de todas
as estações, familiarizando, deste modo, os Eduardo Nery (1938-2013), Rolando Sá No-
utentes com o novo transporte através da gueira (1921-2002), Querubim Lapa (1925-
presença de um material caro à tradição ar- ), João Abel Manta (1928-), Júlio Pomar
quitectónica nacional. Para além da neces- (1926-), Manuel Cargaleiro (1927-), entre
sidade de tornar as novas estações visual- vários outros. No contexto do presente ar-
mente apelativas e acolhedoras, restrições tigo considera-se relevante salientar a obra
orçamentais estiveram na base da opção de Eduardo Nery, uma vez que, tal como os
de Keil do Amaral pela integração do azu- revestimentos azulejares criados por Ma-
lejo no revestimento das paredes dos átrios, ria Keil para a rede de metropolitano de
escadarias gares de cada estação, tendo o Lisboa, também os da autoria deste artista
arquitecto escolhido Maria Keil (1914-2012) apresentam polos de contacto com as pro-
para a concepção dos respectivos projectos postas de Catarina e Rita Almada Negreiros.
cerâmicos. Estes deveriam aliar a compo-
nente artística à da funcionalidade do local Eduardo Nery foi um dos primeiros artistas
que os acolhia, segundo os novos pressu- portugueses cuja obra apresentou, ao lon-
postos modernistas, pelo que uma das di- go das décadas de 60 e 70, preocupações
rectrizes impostas foi a do predomínio de semelhantes às do movimento Op Art, no-
uma decoração geométrica, uma vez que, meadamente no questionamento da ambi-
porque os espaços a animar eram zonas de guidade perceptiva do objecto através da
passagem, não deveria haver lugar para mo- exploração e inclusão de jogos de trompe
tivos que provocassem a paragem dos uten- l’óeil suas nas telas e, posteriormente, nas
tes (CASTEL-BRANCO: 2000, 14). Maria Keil tapeçarias e painéis azulejares concebidos.
concebeu assim composições assentes na Com uma régua rodando geometricamen-
sua maioria em padrões geométricos cujos te sobre si própria ou em vários sentidos da
ritmos e dinâmicas não só se adaptassem superfície – como processo despertador de
às características arquitectónicas dos espa- imagem – cria paisagens de abstracta, e ao
ços a revestir (átrios, lanços de escadas, ...), mesmo tempo, lírica espacialidade. (…) O
como ao ritmo apressado dos passageiros10. princípio da economia na aplicação de co-
res (…), o seu limitado uso em degradé, e
Para além destes aspectos, o emprego do os jogos geométricos puros, as figuras pu-
azulejo em grande escala permitiu reabili- ras (círculo, o triângulo, o quadrado, a linha
ta-lo no contexto do movimento moderno recta), os volumes autênticos ou sugeridos
na arquitectura, resgatando-o da secunda- virão estruturar, depois, um alfabeto próprio
rização a que havia sido votado no período e, seguidamente, um discurso, ou mesmo
inicial do Estado Novo. Esta atitude de va- vários discursos, inovador. No qual, ou nos
lorização e exploração das potencialidades quais, o espaço, a condição da espacialida-
do azulejo no espaço urbano encontra-se de, do plano, da profundidade, é sempre o
patente em várias intervenções de arte pú- dispertar da acção visual11 ou de diversas
blica ao longo da cidade de Lisboa (e não acções e, simultaneamente, os seus ecrãs
só), das quais se destacam os trabalhos de (AZEVEDO:1997, 20-21).
Como motivo principal da composição Eléctrico realizando o percurso ascendente, o qual parece ser
sugerido pelo padrão de setas presente no painel.
destaca-se a sucessão de setas que, numa
perspectiva ilusionística de estruturas pe-
riódicas20, parecem não só apontar os dois
sentidos do percurso – vai/vem – mais tam-
bém acentuar a inclinação do mesmo, numa
aproximação à sinalética de trânsito que an-
tecipa os diferentes acidentes de percurso.
Catarina e Rita Almada Negreiros optaram
pelo uso exclusivo do preto e do branco21,
assim como pela alternância entre azulejo
liso e “azulejo cinético”22 cujo relevo pare-
ce simular uma gradação de tons cinzentos,
ainda que se trate de uma entre as várias ilu-
Considerações Finais
tura azulejar. In Dinheiro Vivo, modos de pensar e fazer (num sen- Public Space), tratamento plástico
04/05/2012. Disponível em: tido lato), as diferentes colabora- da Estação de Metro de São Sebas-
http://www.dinheirovivo.pt/faz/ ções concorrem para um enriqueci- tião (revestimento azulejar em par-
pessoas/interior.aspx?content_ mento de cada área específica. (…) ceria com Maria Keil, 2012), Vai
id=3913881&page=2 Neste “atelier de arquitectura” nem Vem (painéis de azulejo nos muros
http://redeazulejo.fl.ul.pt/noti- todos os trabalhos desenvolvidos anexos ao Ascensor da Bica, 2013),
cias,0,589.aspx são os “habituais” projectos de Reminiscência (escultura, Avenida
arquitectura. Mas ainda que o não Ribeira das Naus, Lisboa, 2014).
– Notas sejam são, na realidade, quer deter- Website: http://can-ran.com/
minantes na identidade do objecto 3
A problematização do conceito
1
Como exemplo destas propostas arquitectónico em que se inse- de espaço público e das suas dife-
destacam-se a Op Art, Kinetic Art rem, quer veículos de uma ideia e rentes leituras e significados é
(Arte Cinética), Colour Field Pain- arquitectura em que os aspectos abordada por Victor Correia em
ting, Minimal Art (Minimalismo), sensitivos são como fundamen- Arte Pública, seu significado e fun-
Performance Art, Hiper Realismo, tais. Fundamentais na caracteriza- ção. Lisboa: Fonte da Palavra, 2013.
entre outras. Contudo, as pesqui- ção do espaço: potencializa-se a Partindo da proposta de defini-
sas relacionadas com as implica- capacidade própria da arquitec- ção deste autor, o espaço público
ções do movimento na obra artísti- tura, de alterar – (re)criar – o indife- é entendido como um espaço em
ca e do seu impacto na percepção rente, o vago: ou seja, a capacidade que a vida dos cidadãos se desen-
haviam já sido afloradas ao longo do “desenho” adjectivar as formas rola e se efectiva, ou potencial-
da primeira metade de novecen- (GONÇALVES:2011, 14). Como mente, concedendo à componente
tos, com as propostas do Cubismo, principais intervenções da autoria social urbanística um lugar central
Futurismo, Construtivismo, Orfis- de Catarina e Rita Almada Negrei- na constituição das práticas sociais
mo e em alguns trabalhos dadaís- ros destacam-se Lustre 177 (inter- e culturais. Ou seja, trata-se de um
tas, em particular na obra de Mar- venção no átrio do edifício de habi- espaço físico e material, aberto, de
cel Duchamp (1887-1968). tação Lisboa Loft, 2003), Estratégia inter-ligação e controlo das diferen-
2
Catarina e Rita Almada Negreiros de Iluminação (projecto de ilumi- ças sociais, étnicas e culturais, que
fundaram os Ateliers de Santa Cata- nação inserido no conjunto resi- se condensa sobretudo na cidade
contemporânea (CORREIA:2013, 9). mas características e interesses), (1863) da autoria de Charles Bau-
4
Como exemplos de espaços de mas vários tipos de público, pelo delaire (1821-1967), no qual o
acesso público citam-se ruas e que a concepção de intervenções autor descreve a Paris haussema-
praças, edifícios administrativos de arte pública com base numa niana, “capital do mundo”, intro-
e governativos, parques e jardins, visão generalista do público a que duzindo o leitor à figura do flâ-
escolas, hospitais, tribunais, esta- esta se destina leva frequente- neur. Para este, eleger domicílio no
ções de comboio e metro, entre mente a uma falta de interesse e meio da multidão, no inconstante,
outros. A instalação de obras participação na recepção e interac- no movimento, no fugitivo e no
nestes espaços resulta frequente- ção com a obra, já que esta apenas infinito, constitui um imenso gozo.
mente de actividade mecenática, parece apelar e ser acessível a uma Estar fora de casa e, no entanto,
mas também de encomendas reali- minoria. Não obstante a importân- sentir-se em todo o lado em casa;
zadas pelos órgãos administrativos cia de tais questões, o presente ver o mundo, estar no centro do
(de cariz público ou privado), muni- texto opta por deixa-las de parte, mundo, permanecer escondido do
cipais ou mesmo estatais. Ainda devido a serem outras as que pre- mundo, tais são alguns dos peque-
que do ponto de vista da proprie- tende abordar. Para uma leitura nos prazeres destes espíritos inde-
dade, estas obras de arte possam mais aprofundada sobre as contra- pendentes, apaixonados, impar-
estar situadas em espaços priva- dições da arte pública no que se ciais, que a língua apenas pode
dos (não pertencentes ao Estado), refere aos seus públicos e recep- definir de um modo imperfeito
se estes forem concebidos para ção sugere-se a leitura do capítulo (BAUDELAIRE:1992,18)
usufruto público, as criações artís- The contradictions of public art, 8
Tal atitude havia já sido preconi-
ticas neles presentes deverão ser parte integrante da obra Art Space zada por Hector Guimard (1867-
consideradas como manifestações and the City (MILES:1997). 1942), aquando da concepção das
de arte pública. 6
Neste contexto vale a pena relem- entradas e respectivas estruturas
5
No entanto, muitos são os exem- brar Umberto Eco quando na sua decorativas art nouveau do Metro-
plos de arte pública criada à mar- publicação seminal A Obra Aberta politano de Paris, inaugurado
gem das encomendas institucio- (1962) afirma que uma obra de entre 1899 e 1900. Os metropo-
nais, funcionando muitas vezes arte, forma acabada e “fechada” na litanos de Londres e Nova Iorque
como uma crítica ao próprio modo sua perfeição de organismo per- (inaugurados ainda no século XIX)
de funcionamento das mesmas, feitamente calibrado, é também demarcaram-se igualmente pela
assim como da própria sociedade aberta, isto é, passível de mil inter- atenção que foi dada à decora-
que, na sua tentativa de unifor- pretações diferentes, sem que isso ção das gares, plataformas e cor-
mização de gostos e comporta- redunde na alteração da sua irrepro- redores, através do emprego de
mentos, segrega comunidades duzível singularidade. Cada fruição azulejo, essencialmente de pro-
e grupos pelo seu “não encaixe” é, assim, uma “interpretação” e uma dução industrial, cujo vocabulário
nos padrões dominantes (Graf- “execução”, pois em cada fruição a oscilou entre o do Modern Style e
fiti, Street Art, Performance, …). obra revive dentro de uma perspec- o da Arte Deco.
Esta questão traduz-se igualmente tiva original (ECO:1991, 40). 9
O início da construção do
numa outra, isto é, nos públicos da 7
No contexto da formação da primeiro troço do projecto teve iní-
arte pública, dado que não existe cidade oitocentista destaca-se o cio em Agosto de 1955, tendo as
um público (uniforme, com as mes- texto O Pintor da Vida Moderna primeiras estações sido inaugura-
como apontado pela artista, cada ção e memória exactamente (AZE- 1970, 99).
revestimento é concebido como VEDO:1997, 21). 14
Neste caso o tempo que é o
uma arquitectura cenográfica ins- 12
Tal como apontado por Cyrill Bar- necessário para realizar o percurso,
tauradora de um espaço lugar rett, where the elements are simple isto é, a deslocação no espaço.
autónomo, por articulação de seg- and continuously repeated over the 15
Ainda que o carácter de site-spe-
mentos de padrões, dispostos de surface, where the surface pattern cific seja uma das marcas mais
modo irregular e dinâmico, em fun- is homogeneous and no element is comuns da arte pública, nem
ção dos ritmos de utilização, ascen- dominant, the eye is bluffed by its sempre esta especificidade se
dente e descendente, dos lances vain attempts to organize the data verifica, podendo o artista realizar
das escadas, com evidente mas before it. (…) The Op artist, there- várias reproduções da mesma obra
fundamental recusa do padrão fore, “provokes” the spectator. But e integra-la em contextos arquitec-
em tradicional disposição serial, the initial situation which he pre- tónicos e urbanísticos variados.
criando uma “obsessiva constru- sents is “pre-planned” and confines Outro aspecto associado à arte
ção por sobrearticulação de planos the spectator’s activity to more or pública é a sua presença quoti-
– redes de movimento, como se a less optical response. Neverthe- diana na vida das populações,
parede se desmultiplicasse numa less, it is impossible for the specta- embora muitas das manifestações
espacialidade imaterial de cortinas tor to remain inactive: he must react artísticas deste tipo se definam
entreabertas (CASTEL-BRANCO: (BARRETT: 1970, 102-104). essencialmente pelo seu carácter
2000, 14). A intensidade cromá- 13
Ainda que seja possível argu- efémero, como é o caso do graffiti,
tica e o brilho que caracterizam o mentar que tal dimensão temporal do cartaz, da performance, entre
azulejo, aliados à malha reticular se verifica aquando do processo outros.
em que assentam intervêm acti- de recepção de qualquer objecto 16
O revestimento azulejar ocupa
vamente no diálogo pretendido, artístico, no caso das obras de cariz uma área total de 480m2.
acentuando ainda mais a concep- op art e cinéticas tal dimensão tem- 17
“Moiré” is a French Word mea-
ção global da decoração de cada poral deriva da noção de movi- ning “watered” and was first
espaço, partindo do todo para as mento, uma vez que this kind of applied to fabrics known in English
diversas partes, e da necessidade movement is not always apparent as “watered-silk”. The water –like
de não apagar o azulejo enquanto at once. It usually requires a certain effect is produced by doubling a
glossy fabric with a parallel weave achieved by the use of black and
so that the parallel cords are nearly white alone. By excluding colour,
aligned, and pressing the surface the artist can produce the effects he
together (BARRETT: 1970, 65). wants without the added complexi-
18
Segundo as autoras, no revesti- ties which colour brings with it. (…)
mento do tecto foram utilizados Secondly, black and white is more
dez tons – os mais claros – e nas dramatic in its effect. It is more dyna-
colunas os restantes dez – mais mic; it carries more punch; it affords
escuros (http://can-ran.com/#/ a greater contrast. Black and white
cota-zero/). act like complementary colours
19
Num total de 52m2 de reves- but with greater effect because of
timento azulejar, articulando-se the strong contrast between them.
com o projecto de requalificação The contrast also helps to make the
da Bica, da autoria da arquitecta forms clear-cut and incisive, and
Teresa Nunes da Ponte. clear definition of form is essential
20
O movimento ilusionista conhe- for certain kinds of optical effect
cido na Psicologia das For- (BARRETT: 1970, 38).
mas como “periodic structures” 22
O azulejo cinético havia já sido
define-se como functions which empregue no revestimento da
repeat the same values at regular estação de metro de São Sebas-
intervals, as the variable increases tião, realizado em 2009.
or decreases uniformly. In less
technical language, they consist of
a repetition of simple geometrical
elements – lines, squares, circles,
triangles, etc. The characteristic fea-
ture of a periodic structure is that
the elements are virtually anony-
mous; that is, one can observe them
individually with difficulty or not at
all. (…) They merge or fuse together
to form a recognizable image in
black and white and various shades
of grey (…) (BARRETT:1970, 38).
21
Citando novamente Cyrill Barret,
the use to which Op artists put their
visual effects can most easily be
demonstrated in black and white.
(…) The reason for this is twofold.
First, most optical effects can be
Anos mais tarde, em março de 2011, novo O cumprimento da promessa se iniciou com
projeto de restauração é elaborado, como a sua preservação, pois, os três pilares que
presente pelo aniversário para a cidade. estavam na área da demolição tiveram ape-
Desta vez, o movimento “Rio com Gentile- nas a parte superior, chamada de tabulei-
za”, que fora criado em 1999, na Universi- ro, retirada, sendo mantidos os pilares que
dade Federal Fluminense (UFF), reúne uma guardam as mensagens e proclamações de
equipe formada por dois restauradores e Gentileza. Os demais estavam fora da área
quatro pintores assistentes que levam a prevista para a demolição.
vel José Datrino (nome verdadeiro de Gen- xas horizontais as letras adquirem a estatura
tileza), todavia, será derrubada [...] A idéia é de figuras que se ajustam lado a lado e vão
preservá-las de qualquer jeito, com um tra- criando um tecido rigoroso. As palavras, or-
tamento urbanístico, mas ainda não há uma denadoras das imagens, não estão subme-
definição do que será feito».8 tidas ao rigor ortográfico, elas são figuras
repletas de significados, não apenas no que
O que faz uma obra pública adquirir tal força concerne ao entendimento da própria pa-
de permanência, apesar de exposta a todas lavra, mas elas são plurívocas e simbólicas.
as possibilidades de agressão e desapare-
cimento? O que mobilizou o povo a se unir Em suas imagens surgem outros entendi-
pela preservação dos murais? O que deter- mentos revelados apenas aos que alcan-
minou que, após ser coberta pela tinta cinza, çam a mesma sintonia espiritual de Gentile-
quando deixou de existir na concretude visí- za. “UNIVVVERRSSO” está assim registrado
vel dos passantes pudesse continuar a pro- porque a repetição das letras não se deu
clamar sua mensagem de AMORRR com três por descuido ou erro, mas pela carga da
“erres”9 e com tal força, que ressurgiu restau- mensagem que o profeta desejava procla-
rada por ordem da própria prefeitura? mar. As letras repetidas, como por exemplo,
os ‘três vês’ de ‘univvverso’, sinalizavam uma
A arte pública tem como cenário a cidade existência superior e não a comum. Assim,
e existe no imaginário do povo que transita para cada alteração ortográfica criada pelo
por suas ruas e logradouros. Não podemos artista a palavra continuava a revelar o seu
pensar em cidade apenas como um conjun- significado primeiro, mas passava, também,
to de edificações que estão dispostas nos a emitir novos significados para os que do-
traçados regulares de um espaço delimita- minavam os códigos do profeta.
do e que possuem organização e distribui-
ção ordenadas de funções públicas. Para Os painéis eram coloridos em função das le-
Argan, a cidade é muito mais do que isto10. tras e das faixas que delimitavam o espaço.
Para ele a arte tem as explicações para os Verde, amarelo, azul, preto, branco eram as
mais utilizadas. Havia o vermelho, menos uti-
lizado, mas presente em alguns pequenos
textos, como fundo a destacar as palavras.
Diferente de outros artistas que têm patroci- veiculação das mesmas. A importância do
nadores para realizarem a arte pública, Gen- viaduto na zona portuária, junto à rodoviá-
tileza não aceitava dinheiro por seu trabalho. ria era a escolha acertada. Gentileza intui a
Era uma espécie de missionário que deveria força do local escolhido, como pólo de di-
distribuir gratuitamente o que havia recebido. vulgação de seu discurso visual.
Por outro lado, a arte pública possibilita ao A zona portuária era uma região de grande
artista uma experiência mais dinâmica e so- permissividade moral, de baixa qualidade de
cial do que aquele que cria no interior de seu vida, de expressivo volume de pessoas que
ateliê. Ele não está preocupado em “vender” se misturavam heterogeneamente aos que
sua obra. Se for patrocinado ele vai receber chegavam de minuto a minuto na Rodoviá-
pelo trabalho o valor acordado, mas, se for ria Novo Rio. Além disso, o viaduto da Ave-
trabalhar por conta própria vai arcar com os nida Brasil, no trecho do Caju, era um lugar
custos. É este o caso de Gentileza. sombrio, próximo aos grandes cemitérios
da cidade. Uma área que não acolhia o tran-
Deve ser lembrado que o artista que cria seunte. O tom cinza das pilastras despertou
na rua, já está imerso no ambiente que lhe em Gentileza o desejo de recobri-las com
solicita a obra, não por uma encomenda suas mensagens coloridas. Como hera que
contratada, mas por uma necessidade de se apega ao muro e o cobre, mudando suas
diálogo permanente com o espaço públi- características, a intervenção visual provoca-
co e o povo. da pelo artista ao longo de um quilômetro
e meio na via pública seduziu os que passa-
José Datrino percebe que o Rio é a gran- vam diariamente pelo local e trouxe curiosos
de metrópole com força necessária para que se impactavam com as mensagens.
divulgar sua arte e mensagem em todo o
território nacional. Como andarilho ele vai Na arte pública o observador deixa de ser
a muitos lugares, mas volta para o Rio. um espectador distanciado e se torna parte
integrante da própria obra. Ele não vê, ape-
nas, ele é apreendido pela obra e a leva em plena solidão tornamo-nos parte do seu re-
sua memória. A superposição de experiên- pertório total, e todos os nossos sentidos
cias visuais experimentadas a cada vez que entram em perfeita sincronia com o seu
passa pelos locais em que ela se encontra universo”.18 Para o escultor, quando somos
vai construindo “a sua obra”, presente, im- apreendidos pela obra ela não nos deixa
possível de ser desfeita, mesmo que a origi- mais e, para reforçar sua reflexão, Moriconi
nal venha a ser destruída. nos diz que a obra é mais fiel que o homem,
pois ela não nos esquece e nos procura.
O entendimento de “sua obra” se dá a partir
da apreensão de cada fruidor, uma vez que Mesmo no curto espaço de tempo em que
é quase impossível que ele apreenda toda a ela foi coberta de tinta cinza a obra conti-
obra em seus detalhes e informações. É com nuou a procurar os seus alvos, ou seja, “a
o que ele experimenta do objeto, no caso da nós” e a força com que o público se levantou
arte pública, que “a sua obra” é construída. em direção a ela, que já não estava lá, tor-
nou possível sua restauração e seu retorno
Didi-Hubermann destaca o poder da obra ao local de origem, porque efetivamente
de arte quando ela “nos olha”: “nós” éramos parte de seu repertório e não
podíamos desaparecer.
O que vemos só vale – só vive – em nossos
olhos pelo que nos olha. Inelutável, porém é a A arte pública deve ser inicialmente estuda-
cisão que separa dentro de nós o que vemos da no contexto da modernidade. Um dos
daquilo que nos olha. Seria preciso assim par- primeiros grandes movimentos que desta-
tir de novo desse paradoxo em que o ato de camos neste sentido é o do muralismo me-
ver só se manifesta ao abrir-se em dois.17 xicano que se inicia após a revolução de
1910. É certo que, se nos detemos a obser-
A força da obra de arte em relação ao frui- var a arte dos murais percebemos que ela
dor deve ser considerada, no caso de José é talvez a mais antiga expressão artística do
Datrino, na medida em que ele se lança no homem no planeta, isto pensando nas pin-
espaço público e vai ao encontro das pilas- turas parietais da Pré-História que já testifi-
tras cinza. Diferente do impacto de um ou- cavam a necessidade do homem em se ex-
tdoor, cuja linguagem é predeterminada pressar utilizando as paredes e muros como
em função do consumo, a obra de Gentile- suportes naturais para sua arte. Mas a arte
za nos alcança pela necessidade íntima de pública sobre a qual trazemos algumas re-
uma ética esquecida e de uma desesperan- flexões é uma prática social que vai buscar
ça crescente nas grandes metrópoles. Para no espaço urbano o veículo de mudanças
Roberto Moriconi, escultor performático que deseja promover a partir de poéticas,
que viveu no Brasil até sua morte em 1993, escultóricas ou pictóricas, capazes de plas-
“olhar é uma opção de altíssimo risco”, por- mar idéias e constituir intervenções neces-
que podemos ser introjetados pela obra e sárias a criação de um campo em que as
passamos de observadores para alvos. “Em fronteiras entre a política, a sociedade, a
– Sites visitados:
<http://oglobo.globo.com/rio/
rio-450/pinturas-de-gentile-
za-vao-ser-mantidas-com-des-
monte-do-elevado-da-perime-
tral-13283522> em 28 de agosto
de 2015
<http://www.cultura.rj.gov.br/arti-
gos/livro-urbano-de-gentileza> em
28 de agosto de 2015.
<http://sociologiaemdebatemeta.
blogspot.com.br/2012/02/profe- 3
https://www.youtube.com/ 13
Guelman, Leonardo Caravana
ta-gentileza-sera-que-ele-estava. watch?v=mpDHQVhyUrY – Univvversso Gentileza. Rio de
html> em 1 de setembro de 2015. 4
https://www.youtube. Janeiro: Ed.Mundo das Idéias.
<http://www.tipomakhia.com/arti- com/watch?v=j5cewnEzc- 2009. P.48
go-blog/ghentileza-regular-e-ori- FY&list=RDj5cewnEzcFY#t=82 SILVA, Fernando Pedro da – Arte
14
faleceu em Mirandópolis-SP em 28 7
http://oglobo.globo.com/rio/ DIDI-HUBERMAN – O que vemos,
17
de maio de 1996. Cresceu no cam- rio-450/pinturas-de-gentile- o que nos olha. São Paulo: Editora
po, trabalhando na roça e aman- za-vao-ser-mantidas-com-des- 34, 1998. P.29
sando burros. Por volta dos doze monte-do-elevado-da-perime- LUZ, Angela Ancora da – Roberto
18
anos passou a ter visões premo- tral-13283522 Moriconi. Vida e obra. Rio de
nitórias de sua missão o que levou 8
http://www.cultura.rj.gov.br/arti- Janeiro: Editora Caligrama, 2012.
seus pais a buscarem tratamen- gos/livro-urbano-de-gentileza P.125
to com curandeiros locais. Mais 9
Para Gentileza, AMOR com um A palavra ‘museu’ tem origem
19
tarde fugiu para o Rio de Janeiro. “erre” era o amor material, já com grega. ‘Mouseion’ era o templo das
Casou-se e teve cinco filhos. Tor- três erres era o Amor da Trin- nove musas filhas de Zeus e Mne-
nou-se um pequeno empresário dade, ou seja, do Pai, do Filho e do mosine, a deusa da memória. Era
de transportes até que, com o in- Espírito Santo, portanto completo. o local destinado à contemplação,
cêndio do Gran Circus Norte-Ame- 10
ARGAN, Giulio Carlo – História da aos estudos científicos, literários e
ricano em Niterói, ocorrido em 17 Arte como História da Cidade. São artísticos, pois as musas eram liga-
de dezembro de 1961, ele vai para Paulo: Martins Fontes, 1992. das às artes e à ciência. Como eram
o local do incêndio que vitimou 11
Há muitas controvérsias em rela- filhas de Mnemosine, o local estava
cerca de 500 pessoas dirigindo um ção ao comportamento do profeta, associado á guarda da ‘memória’.
de seus caminhões. A tragédia tem pois, apesar de todo o discurso em
enorme impacto em José Datri- que pregava a gentileza, em mui-
no, que afirmava ter ouvido vozes tas vezes ele era “agressivo, mora-
orientando que largasse tudo, se lista e desbocado [...] Vociferava,
desapegasse dos bens materiais, ofendia e ameaçava espancar tran-
do mundo capitalista e cumprisse seuntes” (http://sociologiaemdeba-
sua missão na terra. Ele parte para temeta.blogspot.com.br/2012/02/
Niterói e faz no local das cinzas do profeta-gentileza-sera-que-ele-es-
incêndio uma plantação de flores. tava.html)
Nascia ali o Profeta Gentileza. 12
http://www.tipomakhia.com/
2
Companhia Municipal de Limpeza a rt i g o - b l o g / g h e n t i l e z a - re g u -
Urbana (COMLURB) lar-e-original
p o r M a r t a Tr a q u i n o
Artista e investigadora em arte contemporânea. Em 2013 iniciou
investigação teórica e prática em pós-doutoramento ao abrigo da FBAUL
com o apoio da FCT.
– CONVOCARTE Nº.1 | ARTE PÚBLICA
José Luis Guerin, En Construccìon, 2001 (fotogramas do filme). sociam conotações positivas. Este facto é
© José Luís Guerín.
evidente, por exemplo, na publicidade de
Fonte: http://cineyarquitectura.blogspot.pt/2008/08/en-construccin-
1998-director-jos-lus.html produtos que tanto se pode referir com os
mesmos termos ao corpo, como a um car-
ro ou a um ambiente. Também na arquitec-
tura das últimas décadas predomina uma
tendência que valoriza a dissolução do peso
ou da desmaterialização dos limites, a qual
na prática se traduz, sobretudo, pela ex-
ploração dos efeitos visuais nas superficies
dos edifícios. Uma das vias pelas quais esta
tendência se tem desenvolvido é a que esta-
bele analogia entre a arquitecutra e o têxtil,
nomeadamente através do efeito da ‘pare-
de cortina’. Desde meados do século XIX,
enquanto novidade introduzida pela en-
José Luis Guerin, En Construccìon, 2001 (fotogramas do filme). tão emergente arquitectura do ferro e do
© José Luís Guerín.
vidro, a ‘parede cortina’ começou a ser um
Fonte: http://cineyarquitectura.blogspot.pt/2008/08/en-construccin-
1998-director-jos-lus.html termo comum na linguagem arquitectónica
para definir o sistema de cobertura exterior
de um edíficio no qual as paredes não têm
necessariamente carácter estrutural. Rela-
cionado com funcionalidades e modos de
produção específicos possibilitados pela
Revolução Industrial, desde então o termo
tornar-se-ia uma das metáforas mas suges-
tivas da arquitectura. Ao longo do século XX
a ‘parede cortina’, a par das evoluções tec-
nológicas, sobretudo as digitais que abri- de rede metálica) que sugerem tratar-se de
ram novos caminhos para a concepção de uma matéria têxtil de grandes dimensões
formas curvas e dinâmicas, tornou-se con- em permanente mutação formal. Efeito que
ceptualmente e esteticamente um tema se efectiva visualmente a partir de uma cer-
estimulante na obra de alguns arquitectos ta distância física do edifício. Esta cobertura
consagrados. A partir de finais da década de pode também, por vezes, estender-se deste
oitenta do século XX, ganhou novos contor- à área que o envolve exteriormente, funcio-
nos na relação com a orientação das teorias nando como um toldo. Área que é contem-
do espaço rumo ao paradigma da ‘liquidez’, plada no projecto com o objectivo de ser
sobre o qual assenta, segundo o sociólogo uma zona de transição, geradora de vários
Zygmunt Bauman (2007), a contemporanei- ‘níveis’ de espaço público, entre o edifício e
dade. Movimento, flexibilidade, fluidez, in- a cidade propriamente dita. Tomemos como
teractividade, transitoriedade, leveza, são exemplo desta descrição o Grand Theatre
conceitos aos quais a arquitectura desde D’Albi concluído em 2014.
então procura dar forma através da analo-
gia com a tecnologia e a semântica do têx- ‘Envelope’, ‘vestimenta’, ‘curvas e contra-cur-
til, tornando-se assim representativa de uma vas’, ‘pele’, são termos utilizados no sumário
sociedade na qual, como refere Bauman, de apresentação do projecto do teatro pelo
as vidas dos homens e mulheres decorrem ateliê de Perrault (publicado em 2012 no
mais no sentido de ‘procurar e experimentar seu website). Termos que apelam a uma
sensações’ do que no de ‘fazer coisas’. dimensão táctil mas que, no entanto, pela
monumentalidade do edifício só podem ser
Um dos arquitectos cuja obra explora a ‘interpretados’ pelo olhar sugestionado a
tendência com base na ‘parede cortina’, des- atribuir leveza ao que na realidade tem peso,
de o final da década de oitenta do século XX, liberdade de movimento ao que é fixo, liris-
é Dominique Perrault. O seu ateliê foi o pri- mo ao que é da ordem do rigor e da razão.
meiro a desenvolver e a utilizar rede metálica, Pretende-se assim, segundo as intenções
o elemento chave para a qualidade emotiva de Perrault, realizar a ‘monumentalidade’ e
que Perrault (2006) diz procurar na arquitec- a ‘desmaterialização’ em simultâneo, uma
tura através da pesquisa dos jogos de luz. obra arquitectónica que se torne um símbo-
Permeabilidade, inter-relação, transição, ou lo identitário da cidade estando sempre em
movimento são conceitos que funcionam actualização, como uma ‘obra-acontecimen-
como directrizes na sua obra por relação to’, a conciliação entre a ordem e o acaso.
com um entendimento da ‘parede’ enquanto Contudo, alguma contradição parece estar
elemento ‘não separador’. A materialização contida na relação entre estas intenções e
destes subentende-se pelos efeitos de a sua efectiva concretização. Para Perrault, a
uma cobertura construída sobre o primeiro questão essencial é a de como conseguir li-
corpo do edifício, com características de gar a disposição de um volume no espaço
textura, maleabilidade e penetrabilidade com o seu contexto. A rede metálica, pelo
pela luz (como as possibilitadas pelo ‘tecido’ efeito análogo ao de um ‘tecido’, é o mate-
Fonte: http://archcase.com/dominiqueperrault/portfolio/grand-
theatre-dalbi/ ideia de Perrault de uma arquitectura ‘aber-
ta’ e ‘mutável’, impermanente. No entanto,
trata-se na realidade da sobreposição de um
invólucro a outro. O mesmo será dizer que
se trata, efectivamente, da sobreposição de
uma arquitectura a outra, sobretudo se for
tida em conta a relação formal (e funcio-
nal) que existe entre a cobertura de rede
metálica e uma tenda (sendo a tenda uma
modalidade de arquitectura que ainda hoje
se pratica, como é o caso das tendas dos
nómadas na Mongólia ou, num exemplo até
Dominique Perrault, Grand Theatre D’Albi, 2009-14 (simulação mais próximo do teatro, o caso das tendas
do edifício). © Dominique Perrault Architecture.
de circo). O Grand Theatre D’Albi sugere a
Fonte: http://archcase.com/dominiqueperrault/portfolio/grand-
theatre-dalbi/ analogia com uma tenda gigante contendo
um edíficio. Poderá, como defende Perrault,
este efeito ser representativo, mesmo num
plano metafórico, da ligação entre o edifício
e o seu contexto envolvente? Ou não resul-
tará afinal numa ‘dilatação’ dos limites do
edifício em causa? Porque ainda que a acção
da luz sobre a rede metálica possa sugerir
ao olhar a impermanência e a fluidez, as pro-
priedades dos materiais utilizados garantem
resistência a longo prazo, são pesados, não
são propriamente mutáveis a um toque de
mão como pode acontecer com a parede
de uma tenda verdadeira.
Na verdade, trata-se de uma arquitectu- que se mostram abertos à vista de todos po-
ra com duplo sistema de parede exterior, dem não ser efectivamente ‘públicos’, como
pois a rede metálica, à parte das suas analo- acontece com muitos dos espaços amplos
gias técnicas e metafóricas com as proprie- que circundam edíficios monumentais, sím-
dades do têxtil, constituí inevitavelmente bolos de identidade local e nacional, con-
um imponente limite físico. No Grand The- trolados por sistemas de vigilância que ga-
atre D’Albi observamos uma ‘duplicação’ rantem o nivelamento dos modos de estar.
da fachada do edíficio e não propriamente
a sua ‘diluição’, o que é contrário ao que É nas cidades que, actualmente, se
sugere Perrault (2006) quando refere que identificam as novas modalidades de
a utilização do ‘tecido’ metálico na sua ar- fronteiras. Por exemplo, é curioso ter em
quitectura confere a ligação desta à geogra- conta como paralelamente aos processos
fia do sítio. Paradoxalmente, é pretendida a de abertura das fronteiras territoriais en-
desconstrução da separação entre interior tre os países europeus ao longo do século
e exterior que habitualmente caracteriza XX, as cidades têm vindo a tornar-se cada
a arquitectura quando, de facto, o edifício vez mais fragmentadas pela criação no seu
em causa se destina a funções, usos e con- interior de territórios que praticam a segre-
teúdos cuja efectivação implica necessar- gação e, consequentemente, o conflito. Os
iamente o distanciamento e protecção em mais fáceis de se circunscrever, pela sua evi-
relação ao exterior. Os limites físicos têm dência física, são os territórios murados des-
aqui de existir, são um facto imprescindível tinados a habitação, derivados de escolhas
do modelo da arquitectura em causa. De- residenciais praticadas por certas catego-
vem até ser facilmente identificáveis, pois rias sociais, economicamente mais favore-
em edifícios de tal sofisticação e imponên- cidas. O sociólogo Richard Sennett (2005)
cia a vigilância não se faz apenas à entrada considera que cada vez que uma comuni-
mas em toda a sua área envolvente. Contu- dade murada se ergue um novo gueto pas-
do, o que importa aqui salientar é a nature- sa a existir, tornando-se necessário analisar
za da relação entre o discurso e a prática a cumplicidade deste tipo de construção
nesta tendência da arquitectura, pois não com a violência e a insegurança na cidade,
podendo ser concretamente ‘aberta’ é con- pois trata-se de um modo de habitar que
tudo sustida por argumentos e por efeitos recusa o civismo, que pressupõe que as dif-
visuais que evocam a sugestão da ‘desma- erenças devem ser policiadas. Nesta prática
terialização’ das suas propriedades físicas. de muralhar voluntário, as fronteiras que as
Em causa está uma ‘camuflagem’ dos lim- paredes são devem ser entendidas como
ites do edifício que provoca um efeito ilu- dispositivo simultaneamente de territorial-
sionista na percepção da diferenciação e idade e de visibilidade. Como refere o so-
separação entre espaço privado e espaço ciólogo Andrea Brighenti (2009), quando os
público, ou mesmo a criação de espaços territórios são definidos por paredes, é a di-
‘pseudo-públicos’ que tendem a predomi- mensão da verticalidade destas que está em
nar cada vez mais nas cidades. Os espaços questão e, consequentemente, o seu sig-
silenciou a voz dos políticos como era habi- riculturalidade característica da população
tual, a memória dos discursos das suas ja- de qualquer actual cidade europeia e a sua
nelas, o levantamento das bandeiras alemã relação com o fosso cada vez maior entre
ou soviética no telhado e a retórica política ricos e pobres. Exercícios, como tal, ten-
oficial no interior. Assim, abriu um espaço dencialmente configurantes de espaços
para reflexão e contemplação, bem como que sendo designados de públicos são no
para a memória. A transitoriedade do even- entanto de acesso restrito, não necessari-
to em si — os artistas recusaram prolongar a amente pelo controlo através de barreiras
mostra sob demanda popular — era tal que de ordem física mas por outras aparente-
iluminou a temporalidade e a historicidade mente mais leves como, por exemplo, o fil-
do espaço construído, a relação ténue en- tro selectivo da capacidade de poder de
tre lembrar e esquecer.” (Huyssen, 2003: 36) compra face à tipologia das actividades de
consumo que acolhem e promovem. Tor-
Uma alusão à representação do paneja- na-se fundamental questionar do que tra-
mento na História da Pintura e da Escultu- ta exactamente uma prática de arquitectura
ra Ocidentais parece estar presente nesta e de planeamento urbano quando intenta
relação do têxtil (e a sua opacidade) com ‘diluir’ os limites entre espaços, pois neg-
o edifício. Ao envolver os corpos, o pane- ligenciar a factual existência destes pode
jamento não distrai o olhar da interpre- levar tal prática a colaborar na criação de
tação das formas que oculta. Pelo contrário, um modelo de cidade onde a ‘indiferença’
faz perscrutar mais sobre estas, sobretudo face à ‘diferença’ predomine. Torna-se en-
quanto mais elaborado for o trabalho do tão urgente a identificação dos ‘limites’
claro-escuro, ou seja, a representação dos na cidade, a sua confrontação, a sua inter-
efeitos da luz sobre a matéria. Pode tam- rogação através da experiência de os at-
bém acentuar a sugestão do movimento ravessar, para que se possa conhecer o que
dos corpos, sem no entanto sugerir a sua está em cada um dos lados, ambos partes
‘desmaterialização’. Num entendimento da mesma urbanidade.
oposto segue a relação entre o têxtil e a
No seu documentário In Comparison “In Comparision apresenta o tijolo como
(2009), Harun Farocki aborda de modo su- uma metáfora global para a interacção hu-
preendente e essencial os processos de mana nos processos de construção e resul-
construção de paredes enquanto espelho tados finais construídos. O filme começa em
de diferença e diversidade culturais, partin- Gando, Burkina Faso — uma aldeia num dos
do da consideração do elemento básico países mais pobres do mundo. Os tijolos
da sua estrutura: o tijolo. Observou pro- para um pequeno hospital estão a ser ma-
cessos de produção de tijolos em diver- nufacturados pela comunidade da aldeia,
sos países, cuja sequência na estrutura do simplesmente através do uso das mãos e
documentário se organiza de modo cres- dos pés. Homens, mulheres e crianças fa-
cente em função da situação económica, lam e riem juntos através do processo (…)
dos países mais pobres aos mais ricos. O A meio do filme (…) imagens de uma nova
primeiro acontece em Burkina Faso (Fig. 6) fábrica de tijolos alemã com processos de
com os esforços colectivos de uma comuni- produção totalmente automatizados. A úni-
dade de pessoas com diferentes gerações ca pessoa que ainda está na imagem é um
que realiza todas as etapas da construção operário sentado de braços cruzados junto
de um edifício pelas suas próprias mãos, at- a um computador rodeado por máquinas.
ravés da acção conjunta com base na coor- Durante todo o processo, o ser humano
denação espontânea dos movimentos dos nunca toca o material básico, a terra, nem
corpos. O último decorre no contexto de o produto concreto, o tijolo.” (Lepik, 2010)
produção industrial de tijolos tecnologica-
mente mais avançado, na Alemanha, onde Modos de observação em torno do enfor-
as poucas pessoas necessárias ao proces- mar das paredes dão ênfase à dimensão
so trabalham isoladas com as máquinas, de temporalidade que estas subentendem.
desempenhando poucos gestos quase re- Não a temporalidade apenas por sugestão
stritos apenas ao movimento dos olhos. visual que, por exemplo, pode derivar das
Farocki cria assim um incisivo retrato glob- metamorfoses de cor e textura nas suas su-
al no qual diferenças culturais, sociais e perficies, mas a temporalidade que é ac-
económicas se revelam pela duração es- tivada pelo movimento do corpo que ousa
pecífica do modo de produção de tijolos indagar sobre o que ‘oculta’ aquilo que se
e, consequente, do modo de construção dá a ver, sobre o que pode um limite mostrar
de paredes que praticam. Uma metáfora através de si mesmo, no seu ‘porquê’ e
poderosa sugerindo que as diferenças en- ‘como’. A existência de limites no espaço
tre as culturas se determinam pelo ‘tempo físico, como os constituidos por paredes, é
do tijolo’ que produzem. Para Farocki os inerente à efectiva limitação ou restrição de
tijolos ‘ressoam’ os fundamentos das nos- movimentos. De um modo ou de outro, é
sas sociedades, mas ainda não aprendem- como a imposição de distância ideológica
os a ouvi-los. Andres Lepik (2010), curador na proximidade espacial, mas movimentos
e historiador de arte, refere o seguinte na não expectáveis do olhar ou do corpo po-
análise que faz deste documentário, dem questionar e revelar a natureza destes
artists selected provide different models of ideológico que importa conhecer. Tradicio-
practice and ideology.” (1995, p.13). nalmente, os artistas com uma intervenção
social de relevo – fosse enquanto cidadãos
Para Suzanne Lacy, as características que ou enquanto artistas – estavam maioritaria-
uniam determinadas práticas e em simul- mente afectos ao marxismo. Mas durante as
tâneo as distinguiam das restantes centra- décadas de setenta e de oitenta, ao mesmo
vam-se na sensibilidade relativamente à au- tempo que a reconstrução teórica da obra
diência, à estratégia social e à sua eficácia de Marx era abundante e dirigida por orien-
real (Lacy, 1995, p.20). Ainda assim, a auto- tações filosóficas distintas como as de Györ-
ra destacava de entre elas o ‘público’ como gy Lukács, Ernst Bloch, Antonio Gramsci ou
a componente essencial do trabalho, con- Louis Althusser, diferentes organizações po-
siderando que a relação entre o artista e a líticas de fundamento marxista colapsavam.
audiência poderia, em si mesma, tornar-se Simultaneamente, assistia-se de forma glo-
a obra de arte (Lacy, 1995, p.20). Para Lacy, balizada à privatização de todos os aspec-
estas práticas apenas podiam ser relacio- tos da existência social e da dominação do
nadas com as do espectro político em ter- poder capitalista (Bidet e Kouvelakis, 2008,
mos teóricos, uma vez que as áreas sociais p.5 e 6). Com a queda do Muro de Berlim
em que actuavam – por exemplo a oposição em 1989 e o fim da URSS em 1991, sucede-
ao racismo, a violência sobre as mulheres, a ram-se os vaticínios de morte do marxismo.
Sida ou a ecologia – “are as much a recoun- A eles, juntaram-se os discursos analíticos
ting of a traditional leftist agenda as they do pós-modernismo, as teorias do fim da
are the subject matter of new genre public História e as da derrota do marxismo sobre
art.” (Lacy, 1995, p.30). A autora sugeria a o capitalismo como, entre outros, Francis
existência de campos de actuação distintos Fukuyama defendeu em ‘The End of History
entre as práticas artísticas abrangidas pela and the Last Man’, de 1992.
nova designação e as restantes práticas ar-
tísticas assentes numa intervenção social e Esta conjuntura, onde “this theoretical tra-
política. A diferenciação tinha em conta os de-off made in the name of deconstructing
grand historical and political narratives came ‘Hegemony and Socialist Strategy: Towards
at the very moment when capitalism emer- a Radical Democratic Politics’, publicada em
ged as the totalizing world system” (Shole- 1985, onde propõem que os objectivos de
tte, 2011, p.15), não foi coincidência. Não uma nova esquerda assentem na criação de
obstante, determinou uma alteração subs- uma democracia radicalizada e plural que
tancial no panorama do pensamento crítico, articule a luta de diferentes grupos e formas
das ideologias e também da sua influência de subordinação como a classe, a raça, o
sobre críticos, artistas e práticas artísticas. sexo, assim como as causas dos movimen-
tos ecológicos, antinucleares ou anti-institu-
A incidência nos conflitos gerados fora do cionais (Laclau e Mouffe, 1987, p.6).
contexto económico ganhou bastante ex-
pressividade a partir da segunda metade A influência destes autores para o pensa-
do século XX, sobretudo nos EUA. Estes mento crítico produzido no contexto das
conflitos, associados ao contexto cultural – artes, durante os anos noventa, raramen-
como as questões de género, de raça, de te tem sido equacionada no que se refere
identidade – procuraram com frequência à reflexão que determinados autores fize-
instalar-se num ‘novo’ pensamento de es- ram durante este período sobre a relação
querda veiculado ao feminismo e/ou ao das artes com a Política. Não obstante, esse
pós-colonialismo, afastando-se da análise equacionamento é fundamental para o en-
social marxista. quadramento ideológico de algumas tipo-
logias artísticas inseridas no perímetro da
Durante este período, o pensamento filosó- Arte Pública, assim como o é para caracte-
fico ‘pós-marxista’ e ‘neo-marxista’3 de Er- rizar a re-focagem do contexto artístico na-
nest Laclau e Chantal Mouffe, Paulo Freire e quele período em matéria de intervenção
Henry Giroux ou ainda de activistas associa- social e política.
dos às teorias feministas como bell hooks,
tornou-se uma referência para alguns círcu- No mesmo ano em que Chantal Mouffe e
los e tipologias artísticas, nomeadamente ao Ernest Laclau publicaram o volume atrás
‘novo género de arte pública’. Nele, a con- referido – 1985 –, Hal Foster publicou ‘For
vergência com o marxismo assenta apenas a Concept of the Political in Contemporary
na forma “in which Marx discloses the shor- Art’, onde propunha fazer uma reflexão so-
tcomings of modern democratic theory (…) bre a conjuntura político-artística dos anos
namely, free and equal development of a oitenta a partir de uma revisão das relações
self-determining community.” (Tønder e Tho- entre os domínios cultural e político e en-
massen, 2005, p.2). As divergências são mais tre o social e o económico (Foster, 1985,
profundas, assentando num pensamento p.140). Neste ensaio, que se aproxima às
que considera o marxismo desactualizado considerações tecidas no contexto do pós-
na sua estruturação e análise social, eco- -marxismo, Foster reiterava que o modelo
nómica e política. É isso que, por exemplo, social marxista, baseado na luta de classes,
Ernest Laclau e Chantal Mouffe sustêm em estava ultrapassado. A definição de clas-
litical forces is as much the cultural code of paço conflitual onde era possível oferecer
representation as the means of production, resistência e interferir com os sistemas de
as much homo significans as homo œcono- produção simbólica e com os processos de
micus. (Foster, 1985, p.142). circulação que controlam as representações
culturais. Era esse o lugar possível para tra-
Hal Foster formulava então a questão: “if it balhar no sentido da transformação social.
can no longer be conceived as representa-
tive of a class, materially productive or cul- O ensaio de Hal Foster terminava sugerin-
turally vanguard, how and where is political do uma distinção entre ‘arte política’ e ‘arte
art to be posed?” (Foster, 1985, p.140). Em com uma política’. Para o autor, a primeira
resposta, afirmava que o poder não pode- mantinha-se encerrada num código retóri-
ria continuar e ser exercido exclusivamente co, pelo que reproduzia representações
ou maioritariamente através do controlo dos ideológicas enquanto que a segunda, im-
meios de produção, mas através do controlo plicada com um posicionamento estrutural
dos meios de representação (1992, p.260). de pensamento, procurava uma prática ma-
Desta forma, a arte política não poderia con- terial efectiva com a totalidade social (1985,
tinuar a ser concebida apenas “as a repre- p.155). Dadas as estratégias de actuação,
sentation of a class subject (…) or an instru- o autor considera que a última procurava
ment of revolutionary change (…).” (Foster, produzir um conceito de ‘político’ relevante
1985, p.143), valores transversais à socie- para a época (Foster, 1985, p.155), evitan-
dade, tendo antes que ser concebida para do dessa forma a apropriação e dominação
“specific uses and material effects (...)” (Fos- pelo poder.
ter, 1985, p.143). Para que isso acontecesse,
tornava-se necessário “see in the social for- Em 1996, Hal Foster clarificava a sua per-
mation not a “total system” but a conjuncture spectiva, publicando o texto ‘The artist as
of practices, many adversarial, where the cul- etnographer’. A partir da recuperação do
tural is an arena in which active contestation pensamento que Walter Benjamin expres-
is possible.” (Foster, 1985, p.149). sou em 1934 no texto ‘Der Autor als Produ-
zent’ (O autor enquanto produtor), o autor Lugares e considera que “When this kind
considerou que a partir dos anos oitenta of research into social belonging is incor-
vários artistas e críticos começaram a tra- porated into interactive and participatory
balhar em versões contemporâneas do par- art forms, collective views of place can be
adigma aí expresso. Mas a par do modelo arrived at. It provides ways to understand
do ‘autor enquanto produtor’, Hal Foster how human occupants are also part of the
identifica o nascimento de um novo par- environment rather then merely invaders
adigma, o do ‘artista enquanto etnógrafo’ (but that too).” (Lippard, 1995, p.116). As-
(1999, p.172). Estruturalmente similares, sim, no seu entender, as práticas artísticas
os dois consideram que o lugar da trans- comprometidas com o contexto social –
formação política é simultaneamente o lu- por ela denominadas de “art of place” (Lip-
gar da transformação artística (Foster, 1999, pard, 1995, p.119) – deviam trabalhar com
p.173). O que os distingue é o sujeito pelo as particularidades humanas geradas nos
qual o artista comprometido luta, uma vez Lugares, centrando-se nesse microcosmos
que no modelo do artista como produtor para dele retirar as dimensões práticas, so-
o sujeito é definido em termos da relação ciais e políticas da comunidade.
económica e no modelo do artista como
etnógrafo é definido em termos da identi- As práticas artísticas compreendidas nes-
dade cultural (Foster, 1999, p.173). ta tradição teórica são várias e os propósit-
os que as movem também. Não obstante,
O paradigma etnográfico identificado por o seu eixo central – o contacto directo com
Hal Foster, de onde se destaca o carácter determinadas comunidades – é tenden-
antropológico das práticas artísticas, é tam- cialmente entendido como o elemento de
bém evidenciado no volume editado por maior significância política. De tal forma que
Suzanne Lacy como sendo uma característi- “a community art project has only ‘succeed-
ca do ‘novo género de arte pública’. Lucy ed’ when it realizes an interaction between
Lippard, no texto ‘Looking around: where we participants and the artist and wider com-
are, where we could be’, aí incluso, propõe munity at which it was aimed.” (De Bruyne
que se volte a olhar em redor, ao que está e Gielen, 2011, p.21). Para o enquadramen-
ao alcance dos olhos e do corpo. Conside- to da questão, é importante referir que as
ra a autora que “because we have lost our metodologias colaborativas e participativas
own places in the world, we have lost re- estavam a assumir neste período uma forte
spect for the earth, and treat it badly.” (Lip- proeminência. Por exemplo, na mesma al-
pard, 1995, p.115). A noção antropológica tura em que o perímetro de actuação con-
de Lugar é definida por Lippard como um ceptual do ‘novo género de arte pública’
espaço social com conteúdo humano, at- estava a sedimentar-se, Nicolas Bourriaud
ravés do qual se podem compreender as in- escrevia ‘Esthétique Rélationnel’ (publica-
terligações pessoais, sociais e culturais. Pos- do em 1997), dedicado à arte centrada nas
tula por isso a necessidade de aprofundar interacções humanas e no seu contexto so-
a reflexão sobre a experiência pública dos cial (Bourriaud, 2008, p.13). Tal como Lip-
jections. The “others” are not only poor and fect all of these positions [as posições de
disadvantaged, they are also representati- conflito social] because capitalism is not a
ves of what is genuine and real, so that they totality, it is instead a text with a multiplici-
are at once both needy and a source of in- ty of interpretive possibilities that generate
spiration (1998). merely local conflicts of power and temporal
moments of subjectivity (2011, p.14).
O discurso de Lacy, de Foster, de Lippard
e de outros autores como Rosalyn Deut- Naturalmente que este debate não está en-
sche4 ou Nicolas Bourriaud relevava uma cerrado e dele tem resultado uma extensa
intervenção social segmentada face a uma profusão de relacionamentos da Arte Públi-
intervenção social dirigida ao contexto ca com o Político. Um dos efeitos mais evi-
económico e político hegemónico. Chris- dentes tem sido o crescimento de propos-
tian Kavragna considerou por isso que tas terminológicas e sub-tipologias dentro
“What is noticeable about the programma- do tecto abrangente da Arte Pública, cu-
tic writings by Lacy and Jacob, but also by jos propósitos se enunciam como políti-
Lucy Lippard, Suzi Gablik and Arlene Raven, cos5. Mas a questão essencial passa pela
is that political analysis is largely missing, dimensão ideológica que esses propósitos
even though there is much talk of social têm, assim como pela interrogação acer-
change at the same time.” (1998). Contudo, ca da sua relação com o sistema capitalista
a omissão da análise política dos discursos neoliberal e com a Política.
críticos sobre arte destes autores não era
casual. Acontecia porque eram enformadas O BAVO, um colectivo sediado em Roter-
por teorias políticas ideológicamente alin- dão, fundado pelos arquitectos-filósofos
hadas com um pensamento sobre as dinâ- Gideon Boie e Matthias Pauwels, tem de-
micas sociais marcadamente niilista e em senvolvido uma investigação nesta matéria,
muitos aspectos anti-marxista. A este res- designando as práticas artísticas sem pro-
peito, por exemplo, o artista Gregory Sho- pósitos políticos dirigidos para o comba-
lette sustenta que toda a teoria política de te às estruturas hegemónicas de poder de
“NGO art”, ou seja, arte ONG (Organização e De Roo, 2011, p.289). O objectivo passa
não governamental). Este colectivo centra por “do what can be done within the realms
a sua pesquisa e acção na dimensão polí- of possibility and to offer instant relief or em-
tica da arte, na arquitectura e planeamento powerment through a concrete project or
urbano, através da filosofia e psicanálise e intervention” (De Cauter, L. e De Roo, 2011,
sustenta que: p.291) e não por “initiating long-term politi-
cal processes in which ‘the impossible is de-
It is no doubt noble and much-needed that manded’ and of which no one knows wheth-
artists undertake some direct action in the of- er they will ultimately produce a concrete
ten harrowing social situations that continue improvement for the social groups in ques-
to exist in our current societies (...). When it tion.” (De Cauter, L. e De Roo, 2011, p.291).
comes to gauging the effectiveness of the-
se socially committed practices in tackling Para o colectivo, a questão do enquadra-
the problems at hand in a more fundamen- mento num projecto social de fundo aca-
tal sense, however, they are often found la- ba por ser essencial no momento de aufer-
cking. (...) They reason and operate more like ir sobre a intervenção política das práticas
humanitarian organizations or NGOs: rather artísticas contemporâneas. Isto determina
than addressing the larger, political issues, uma actividade político-artística prolonga-
they focus on what they can do immediately da, pelo que se torna impossível a obtenção
for the affected individuals or groups within de efeitos a curto prazo, como diferentes
the limitations of the feasible. With these or- práticas artísticas comunitárias e relacionais
ganizations they share a high measure of pretendem. O BAVO sustém inclusive que a
self-censorship. It is a known fact that huma- compulsão em atingir resultados imediatos
nitarian organizations deliberately avoid ta- não só condena os artistas comprometidos
ckling head-on controversial political issues a uma neutralidade política como os torna
for fear that the relief effort might be com- extremamente vulneráveis politicamente
promised (...). NGO-art is in fact characteri- (De Cauter, L. e De Roo, 2011, p.291).
zed by a denial of politics: the question of
what can be done here and now, and how Em certa medida, a análise deste colectivo
this can be achieved most efficiently is more coloca em destaque a importância que as di-
important than exposing and combating ferentes concepções de intervenção política
more underlying structures – which should no espaço social têm na concepção e estru-
be the essence of politics. (De Cauter, L. e turação da prática artística. Em relação à
De Roo, 2011, p.291). Arte Pública na sua dimensão comunitária,
a análise do investigador Pascal Gielen con-
O colectivo artístico destaca a acção direc- tribuí para uma melhor compreensão desta
ta, uma característica essencial das práticas problemática. Em ‚Mapping Community Art‘
artísticas de carácter colaborativo, participa- (2011), o autor considera que “an engaged
tivo e relacional, como denotadora do prag- artist, who sincerely wishes to make a po-
matismo próprio das mesmas (De Cauter, L. litical statement, forces himself into a par-
‘Reclaim The Streets! From Local to Modernism: The art of social ima- Enterprise Culture. London and
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dadnomada.net/spip.php?ar- terrain: New Genre Public Art. oitenta. Jacques Bidet e Stathis
ticle188&varrecherche=Ingre- Washington: Bay Press. ISBN: Kouvelakis distinguem os termos
dientes%20de%20una%20 0-941920-30-5. da seguinte forma:
4
Although it is not always easy to com mobilidade limitada (Gene-
distinguish between the two, they bra, 2008), com pessoas desmo-
are differentiated in principle in bilizadas ou deslocadas (Colôm-
as much as the one seems to pro- bia, 2009-2010), com saharauis
claim the exhaustion of the Marxist em campos de refugiados (Argé-
paradigm, whereas the other intro- lia, 2009-2011), com pessoas
duces problematics which, while com deficiência visual (Barcelona,
maintaining a special relationship 2010-2011), com imigrantes em
with certain ideas derived from Nova Iorque (2011-2013) e com
Marx, reinterpret them in new pessoas com mobilidade reduzida
contexts or combine them with (Montréal, 2012-2014).
different traditions. (Bidet e Kou- 8
No website da Internet do projecto
velakis, 2008, p.XIII). (http://www.megafone.net) é pos-
5
A este respeito ver por exemplo sível aceder aos patrocínios e apoios
os textos ‘Evictions: Art and spa- financeiros de cada trabalho.
tial politics’ (1996), ‘Men in Space’
(1989) e ‘Agoraphofia’ (1996).
6
Como Miwon Kwon fez em ‘One
Place After Another: Site-Specific
Art and Locational Identity’, publi-
cado em 2002, propondo que as
diversas noções surgidas nas últi-
mas quatro décadas em relação à
arte pública fossem organizadas
em três distintos paradigmas: arte
em espaços públicos, arte como
espaço público e arte como inte-
resse público.
6
É possível acompanhar todo o
projecto no website http://www.
megafone.net/site/index
7
Até ao momento foram desenvol-
vidos treze trabalhos: com taxistas
(México, 2004-2014), com ciganos
(Lleida e Léon, 2005), com prosti-
tutas e prostitutos (Madrid, 2005),
com imigrantes nicaraguenses
(Costa Rica, 2006-2007), com
motociclistas (motoboy) (São
Paulo, 2007-2015), com pessoas
percorrem as posturas de toda esta comu- plinas sociais, como a antropologia visual, a
nidade, perante os desafios que presente- sociologia urbana, muito mais recentemen-
mente lhe são colocados. O pontual ape- te pela história da arte8, e por uma crescen-
lo das galerias e da curadoria, a resposta te vaga de publicações ligadas ao tema.
às encomendas, a atracção pelas marcas, a
sujeição ao processo de legalização, até a Perante o exposto, qual a relevância desta
opção por certos suportes, técnicas e plas- temática na análise da actuação artística na
ticidades, são encaradas por alguns criado- esfera pública? O fenómeno encerra uma
res como processos de “domesticação”, de vertente vandálica que atinge claramente
aniquilação da rebeldia e do descompro- outras expressões plásticas presentes no
metimento (com excepção das regras gera- espaço público, componente que mais do
das pelos pares) que pautou o espírito ori- que se combater cegamente, apenas atra-
ginal das práticas do graffiti e de uma certa vés de vastas campanhas de limpeza, urge
“deontologia” concebida pelos writers6. Se também ser compreendido pelas orgãos
em Lisboa, se encontram cada vez mais ar- responsáveis pela salvaguarda do patrimó-
tistas a trabalharem exclusivamente num nio, enquanto forma de expressão, gesto de
campo autorizado, surgem também auto- rebeldia, sinal de afirmação, acto de demar-
res a produzirem somente registos ilegais, cação do território, perante as condições de
em meios como carruagens de comboios, vida na urbe contemporânea, por parte de
a pièce de résistance do universo ligado ao uma camada adolescente da população9,
graffiti7. Estas facetas, entre outras, espe- estrato aliás cada vez mais jovem. Muitas ci-
lham bem a complexidade do terreno que dades, têm acolhido uma crescente presen-
estamos a percorrer, expondo a subtileza e ça de obras predominantemente parietais,
a delicadeza das matérias em causa. nem sempre de cariz site-specific, criadas
por esta comunidade, produções que trou-
Por outro lado, o estado coevo, conjugado xeram para o espaço público, todo um novo
não só com a natureza efémera da arte ur- grupo composto por artistas emergentes,
bana e a origem de praxis ilegal, mas tam- traduzindo-se numa efectiva regeneração
da intervenção estética na malha urbana, A consignação das liberdades primordiais
processo que importa compreender para espoletada pela transição à Democracia,
mais proficuamente se integrar. Tais ma- trouxe intrinsecamente para os muros da ci-
nifestações aportam igualmente múltiplas dade, uma explosão de revindicações pro-
repercussões, de diferentes índoles tão di- postas por movimentos políticos, partidos,
versas como as sociais, as urbanísticas, as sindicatos, artistas. Quebrar o jugo do regi-
culturais, as políticas, as económicas, as me- me ditatorial que havia governado o país du-
diáticas, complexidade de impactos que se rante cerca de quatro décadas, denotava-se
torna premente ser apreendida para a ac- igualmente numa nova ocupação do espaço
tual administração do território10. Enfim, não público, por parte dos cidadãos, agora livres
reflectir e estudar tais registos artísticos, sig- no pensamento e na expressão das suas pa-
nificaria negligenciar e discriminar um vi- lavras e da sua iconografia11. As obras então
goroso panorama plástico, que de algum concebidas derivavam mais de um esforço
modo, tem enformado o mais recente esta- provindo das estruturas políticas e menos de
do da arte em espaço público. um ensejo concretizado por certa elite criati-
va, apesar de algumas intervenções produzi-
II das por artistas plásticos, como o vasto mural
conjunto, realizado na Galeria Nacional de
A interrogação subjacente a este artigo, Arte Moderna, em Belém, no ano da Revo-
nasce do interesse em descortinar quais as lução e no qual participaram nomes presti-
principais razões para o fenómeno da arte giados, como Júlio Pomar, Nikias Skapinakis,
urbana ter adquirido a presente expres- Vespeira, entre outros12, ou ainda a interven-
são em Lisboa, identificar alguns dos facto- ção executada no piso da Rua do Carmo, em
res que estimularam este tipo de interven- Agosto de 1974, envolvendo o grupo Acre13.
ções artísticas, alimentando a pujança que O património estético trabalhado, emanava
as manifestações do graffiti e da street art essencialmente de uma linguagem gráfica
hoje patenteiam nas ruas da cidade. Nes- delineada pelo marxismo-leninismo e pelo
se reconhecimento, constatámos que há maoismo, quer em termos formais, quer cro-
causas que se tornam efeitos e efeitos que máticos, adaptada tão mimética ou espon-
se tornam causas, dialéctica presente num taneamente, quanto permitia a capacidade
processo pautado pelo dinamismo, pela ex- técnica e imagética dos seus autores. Consis-
ponenciação da comunidade, dos eventos, tiam em peças com claros fitos políticos, que
dos trabalhos, dos lugares onde se inscreve portanto procuravam ser eficazes na comu-
este universo plástico, como foi apontado. nicação, ao despertar, consciencializar, enga-
jar, activar comportamentos nos indivíduos,
Antes de mais, julgamos ser relevante refe- através de mensagens de assinalável impac-
rir a herança do muralismo propagandísti- to visual, com frases imperativas de interpre-
co, eclodido imediatamente após o 25 de tação imediata14. Tal acervo original de mu-
Abril de 1974 e prolongando-se durante rais encontra-se hoje, totalmente perdido,
todo o Processo Revolucionário em Curso. entre as vicissitudes construtivas e urbanísti-
quanto patrocinador, e de Pedro Soares Ne- que recua até à Revolução de 1974 e avan-
ves, elemento ligado à comunidade. Nesse ça até à actualidade, inventário divulgado
núcleo de suportes, realiza-se em Outubro permanentemente pela Galeria em diferen-
do mesmo ano, uma primeira exposição tes meios, como o Google Art Project28. O
que reúne alguns dos mais notáveis artis- apoio ao debate, à investigação e à publica-
tas portugueses, de distintas gerações. E ção, através da organização de seminários,
no princípio de 2009, o Departamento de da participação em aulas, conferências e
Património Cultural da edilidade, assume a congressos, de parcerias com investigado-
tutela daquele espaço, delineando uma es- res e editoras, o caso de Ricardo Campos,
tratégia para a arte urbana que versava não para a sua obra “Porque Pintamos a Cida-
apenas aqueles painéis, mas ponderava ou- de? Uma Abordagem Etnográfica do Graffiti
tros territórios na cidade, passíveis de rece- Urbano” publicada pela Fim de Século ou a
berem intervenções de arte urbana27. Ra- edição de “Street Art Lisbon”29, lançada pela
pidamente, no contexto dessa actuação, a Zestbooks. A animação e pedagogia, orga-
Galeria giza uma abordagem do problema nizando e apoiando entre outras iniciativas,
que para além de pugnar pela salvaguar- o projecto “Lata 65” no âmbito do progra-
da e a preservação do património artístico ma municipal do “Orçamento Participativo”,
e cultural de Lisboa, procura promover e em colaboração neste caso, com Lara Seixo
sensibilizar para o fenómeno da arte urba- Rodrigues, projecto que se propõe aproxi-
na, defendendo que poderá ser compatí- mar a população sénior destas tendências
vel, frutuosa e harmoniosa uma convivência visuais30. Ainda as relações internacionais,
entre os discursos artísticos até então utili- estruturando candidaturas e projectos inter-
zados nas produções ligadas à arte pública nacionais, integrando redes ligadas à arte
patente na cidade e outras intervenções de- urbana, como a Urban Creativity Alliance31
rivadas do universo do graffiti e da street art. e a RAIU- Rede Luso-Brasileira de Pesquisa
Para tal, inicia um diálogo com a comunida- em Artes e Intervenções Urbanas32.
de, reforçando relações de confiança com
algumas das figuras prestigiadas do meio.
No contexto do apoio às actividades de
produção artística, concebidas pela comu-
nidade, realçamos dois dos eventos mais
emblemáticos da cidade de Lisboa – o pro-
jecto “Crono” e a plataforma “Underdogs”.
O primeiro, idealizado por Vhils, Pedro Soa-
res Neves e Angelo Milano, notabiliza-se a
partir das monumentais intervenções rea-
lizadas num conjunto de três imóveis, loca-
lizado na Avenida Fontes Pereira de Melo,
um dos principais eixos viários da cidade,
por parte de alguns dos reconhecidos no- Sainer, Projecto “Underdogs”,
Av. Afonso Costa, 2015,
mes da street art estrangeira, referimo-nos a © CML | DPC | José Vicente 2015
OsGémeos33, Blu, Sam3, EricaIlCane e Lucy
McLauchlan34. Será a sua escolha como uma
das mais importantes obras de arte urbana a
nível mundial, num artigo da autoria de Tris-
tan Manco, publicado pelo The Guardian35,
que começa a oferecer a Lisboa uma posi-
ção de destaque no cenário internacional.
p o r M a u r o Tr i n d a d e
Doutor pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de
Janeiro e professor do Departamento de História e Teoria da Arte do
Instituto de Artes da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
“A rua é de todo mundo. Às vezes tem um Demorou muito tempo para que diversas
moleque doidão que sai pichando tudo. E instituições públicas e privadas passas-
usam o suporte do desenho alheio. Não há sem a dar espaço para o graffiti, ao mes-
regras, não há moral, picha tudo. A regra mo que livros a respeito de arte urbana
é não respeitar ninguém, igreja, prédio. É fossem lançados em diversos países e es-
anarquia.”6 tudos acadêmicos dessem atenção ao fe-
nômeno. Alguns livros e ensaios chegaram
Durante todos esses anos, o graffiti continuou a ser publicados de forma esparsa em anos
a ser qualificado pela imprensa como uma anteriores, desde artigos sobre Pompeia e
forma de vandalismo e dificilmente era en- Roma antiga até igrejas medievais rabis-
carado de maneira artística pelas instituições cadas per saecula saeculorum. Em um tra-
e pela população em geral. Desde 1998, pi- balho pioneiro, o pesquisador norte-ame-
chação ou graffiti sujeitam-se à Lei N.º 9.605, ricano Robert Reisner, procurou preservar
a Lei dos Crimes Ambientais, que incrimi- e reavaliar o graffiti, até então considera-
do pornográfico, estúpido e destrutivo. fiteiros ainda era considerada degradante
Reisner realizou uma pesquisa aprofunda- do espaço urbano e do mobiliário público.
da que apontou diferenças entre o graffi- Em uma reportagem na Esquire de maio
ti tradicional e as novas modalidades que de 1974, Mailer dedicou 17 páginas a Cay
passaram a ser praticadas nas grandes ci- 161, pertencente a uma das primeiras ge-
dades. Em Graffiti: Two thousand years of rações de desenhistas nova-iorquinos a co-
wall writing (1971) e, mais tarde, em En- brir os muros e os vagões do metrô daque-
ciclopedy of graffiti (1974), ele analisa es- la cidade com tags – assinaturas grafitada
ses desenhos e escritos em diversos espa- nas paredes. O autor de Os nus e os mor-
ços sociais, em particular, onde e quando tos não economizou elogios ao artista e o
o grafiteiro podia deixar suas mensagens comparou ao melhor do Trecento:
sem temer censuras por abordar temas
“muito mais viscerais” (Reisner, 1971: 4). “...tão famoso no mundo dos graffitis de mu-
Com o interesse em alcançar visibilidade ros e metrôs quanto Giotto pode ter sido
para seus escritos, os grafiteiros procura- quando seu nome começou a circular nos
vam escrever e pintar em espaços abertos, circuitos das oficinas que levaram de Masac-
cujas mensagens, sugere Reisner, traziam cio, através de Piero della Francesca, a Boti-
informações vitais a respeito da indiscipli- celli, Michelangelo, Leonardo e Rafael.”8
na, sobre o funcionamento de mentes de-
bilitadas, de ególatras ou entediados (Reis- Mailer traça um longo perfil não apenas de
ner 1974: 8). Suas pesquisas centradas em Cay 161, mas de toda uma geração de ar-
graffitis latrinários e de rua apontaram pela tistas, cujo trabalho até então era classifica-
primeira vez para o contexto onde se reali- do como vandalismo puro e simples. Para
zam os graffitis e as implicações que a am- o escritor, as palavras escritas nas tipolo-
biência imprime aos conteúdos. gias originais do graffiti eram o sinal de um
apocalipse cultural, indicativas de um no
Coube a Norman Mailer, porém, ser a voz future que se tornaria frequente na litera-
tonitruante em defesa do graffiti. Ele o di- tura e no cinema dos anos seguintes. Em
fundiu em uma nova perspectiva dentro da uma prosa abundante e caudalosa de ima-
revista Esquire, que gozava de forte acei- gens, o escritor identifica nos rabiscos das
tação na intelligentsia dos Estados Unidos. ruas de Nova Iorque a ascensão de uma
Na década de 1930, escritores do porte de arte ainda indecifrável e profética.
Ernest Hemingway, F. Scott Fitzgerald, Al-
berto Moravia e André Gide já figuravam “Estamos no fim possível da civilização. Nos-
em suas páginas. E, durante os anos 1960 so instinto, exausto e cabalmente poluído,
e 1970, a revista apoiou o chamado New sonha com algum tipo de limpeza ou puri-
Journalism, com a publicação de longas ficação que não encontramos; impulsos tri-
reportagens de caráter literário de Gay Ta- bais despontam no mundo inteiro. A linha
lese, Tom Wolfe, Tim O’Brien e do próprio genealógica de artistas isolados e da obra
Mailer. Há cerca de 40 anos, a ação dos gra- solitária atravessa toda extensão de Miche-
uma herança do Renascimento, que che- dam na porta dos nossos metrôs como um
ga às performances de Chris Burden e ao memento daquilo que eles bem podem ter
“artista de computador”, expressão precá- sido, nossa primeira arte do karma, como
ria para os novos experimentos mais tarde se, com efeito, todas as vidas jamais vivi-
classificados como “arte digital”. O caráter das soassem agora como as trombetas dos
anônimo, grupal e desvinculado das insti- exércitos em toda a cordilheira invisível.”10
tuições artísticas dessa primeira geração
de grafiteiros espanta Mailer, que aponta A valorização do graffiti parece igualmen-
para a vitalidade do graffiti em relação à te uma consequência lógica dos desdo-
arte contemporânea exposta nos grandes bramentos da arte moderna e contempo-
museus. Para o escritor, são as letras desses rânea. Essa ampliação do campo artístico
nomes inescrutáveis que anunciam o fim de pode ser apontada como resultado dire-
uma era e, talvez, o início de uma nova arte: to da descategorização da arte ocorrida a
partir do dadaísmo e do surrealismo, com
“Não obstante, ainda há um mistério. De seus ready-made e object trouvé, operação
que combate vêm as letras curiosas dos de ressignificação dos objetos do cotidia-
graffitis, com suas caligrafias chinesas e no como, dez anos antes da reportagem de
arábicas; de que conexões com o passa- Mailer, defendia Arthur Danto em seu céle-
do são essas luzes e fulgores de chama tão bre artigo Artworld, a respeito exposição de
semelhantes ao alfabeto hebreu, onde a Andy Warhol na Stable Gallery, com caixas
própria forma da letra era adorada como de sabão Brillo Box.
manifestação do Senhor; não, não basta
pensar no desejo infantil de ver seu nome Se o mercado de arte ainda não absorvia os
passar em letras grandes o bastante para trabalhos desses primeiros writers, o mundo
fazer seu ego ecoar por toda a cidade, não, da arte mostrou-se mais amplo e tolerante
é quase como se tivéssemos que voltar a al- com eles. Do outro lado dos Estados Uni-
gum sentido primevo da existência, àquela dos, o artista e curador nicaraguense Rolan-
curiosa sugestão de como nossa existência do Castellón vai realizar uma das primeiras
exposições inteiramente dedicadas à nova A aceitação do graffiti como forma artísti-
arte. Aesthetics of Graffiti foi apresentada no ca é exemplar nesse contexto. Enquanto os
Museu de Arte Moderna de São Francisco rabiscos de nomes e frases emergiam do
entre abril e julho de 1978, com nada me- metrô de Nova Iorque, a pintura tradicional
nos que 94 artistas envolvidos, desde grafi- enfrentava uma profunda crise deflagrada
teiros mais ou menos anônimos até nomes desde a chegada dos textos críticos de, en-
de destaque na arte americana, como Ro- tre outros, Joseph Kosuth e Sol LeWitt, pu-
bert Rauschemberg e Edward Ruscha. A ex- blicados em 1969. Sob a influência da filo-
posição representava ainda uma tentativa sofia de Wittgenstein e uma interpretação
de artistas latinos conquistarem um espaço particular da Crítica do Juízo, de Kant, Kosu-
dentro do universo artístico norte-america- th rejeita a compreensão da arte em bases
no, com formas e práticas mais populares. morfológicas e que as obras de arte não se-
Em seu texto de apresentação, Castellón riam mais do itens de colecionador. “As pin-
afirmava esperar que, fora de seu ambiente turas de Van Gogh não valem mais do que
costumeiro, as pichações pudessem ser vis- sua palheta”13, escreve.
tas por suas qualidades visuais e estéticas
e que, “através do processo de integração Sol LeWitt, por sua vez, ataca a categoriza-
consciente com artistas de estúdio, o graffi- ção da arte com suas Sentenças sobre arte
ti, assim, tornar-se oficialmente sancionado conceitual, nas quais afirma que quando pa-
como ‘belas artes’”11. lavras “como ‘pintura’ e ‘escultura’ são usa-
das, elas conotam toda uma tradição e em
Hans Belting nota, em seu seminal O fim da consequência implicam uma aceitação des-
história da arte, que a arte multiplicou-se e sa tradição, impondo assim limitações ao
“se dissolveu num espectro de fenômenos artista, que relutaria em fazer uma arte que
opostos que há muito tempo aceitamos fosse além das limitações.”14
como arte, antes mesmo de termos forma-
do um conceito a seu respeito”12. Além de O graffiti anárquico, inculto e desrespei-
museus, galerias, surgem feiras e centros toso com objetos sagrados da arte, como
culturais espalhados em todo o mundo, edi- monumentos e prédios históricos, lenta-
ções cada vez mais frequentes de livros de mente começou a ser tratado como uma
arte e uma proliferação de artistas em toda prática artística nova e cheia de vitalidade.
parte. A arte e a experiência estética estão Mesmo a repetição de seus escritos e de-
nas ruas e praças, na alimentação e no ves- senhos passou a ser visto dentro de uma
tuário, no trabalho e no lazer. De seus tem- perspectiva da história da arte. A seriali-
plos privilegiados, dos monumentos e dos zação industrial, assunto frequentemente
locais de troca, a arte se irradia sobre todos abordado pela arte pop, também seria te-
os campos da vida, em ações, produtos cul- matizado pelo graffiti. Não demora muito
turais e uma incessante produção de ima- tempo para que galerias de arte passas-
gens midiáticas que envolvem a noosfera. sem a convidar alguns grafiteiros para ex-
por seus trabalhos, desta vez feito sobre
e da pintora japonesa Chiho Aoshima. Em nova classificação, pois nem material nem
2008, em Belo Horizonte, o grafiteiro Bi- ideologicamente ela necessita dos apre-
nho Ribeiro organizou a 1ª Bienal de Graffi- ciadores da “arte contemporânea erudita”,
ti, com alguns segmentos artísticos que se como define Toz:
tornariam recorrentes nestes encontros e
festivais pelo Brasil: música – rap e hip hop “É uma cultura mundial muito forte que não
–, dança – break –, poesia – com os MCs – depende dos meios normais da arte. Não há
e, naturalmente artes visuais, com o grafite. críticos de arte nem curadores. Ela sobrevi-
veu e sobrevive pelas próprias pernas, pelo
Hoje já é rotineira no Brasil a realização de próprio público. Os livros e as revistas de
feiras e festivais nos quais a fórmula da cul- graffiti são financiados por quem as compra.
tura hip hop é repetida. Entre muitos ou- Ele é tão forte de público que não se preo-
tros exemplos, em 2015, ocorreu o 7º Re- cupa com o mercado de arte contemporâ-
cifusion, no Recife, com oficinas de “live nea. Tem um público que vai à Homegrow,
paint” e “produção de graffiti”. Em Salva- que é uma loja-galeria em Ipanema (no Rio
dor, o Bahia de Todas as Cores promoveu de Janeiro) que vende graffitis. E em São
a pintura de um mural gigante na comu- Paulo há várias delas.”16
nidade de Itinga, com a produção de um
gigantesco painel de graffiti. Em São Pau- A criação de uma economia própria, com
lo, é comemorado desde 2004, o Dia do seus próprios agentes e instâncias revelam
Graffiti. Ele foi instituído em São Paulo pela que os processos de institucionalização do
Lei Municipal 13903, que homenageia graffiti realizam-se em uma relação de po-
Alex Vallauri, morto em 1987. Em Maceió, der com o mundo da arte, onde seu valor
Rio de Janeiro, Joinville, São João Del-Rey, de troca e seu valor cultural estão até certo
Campos de Goytacazes, Corumbá, Chape- ponto desgarrados. A apreciação estética
có e diversas outras cidades realizaram fes- do graffiti parece, assim, constituir-se fora
tivais com grafitagens e oficinas de street do campo da arte, através de uma retórica
art. Tanto Rio de Janeiro, quanto São Pau- distinta e em um meio social igualmente
distinto, o que explica a dificuldade e talvez lares por pessoas para absorver calorias.
até o desinteresse de sua inclusão na arte. Mas por um feito estético”. Com a crescen-
Talvez por isso as ações de institucionaliza- te estetização da alimentação, refeições rá-
ção do graffiti passem menos pelos museus pidas oferecidos em kombis e vans pelas
e galerias de arte do que por políticas de ruas das cidades, agora garbosamente tra-
cultura oficiais que disciplinam os espaços tadas como food trucks, transformam um
públicos a serem grafitados, em uma legis- reles sanduíche em uma experiência com-
latura do louvável e do interdito. parável a jantar no El Bulli, do chef Ferran
Adrià, cujo lema era “comer conhecimen-
Em recente palestra no Rio de Janeiro, o crí- to para alimentar a criatividade”. Há me-
tico Hans Ulrich Gumbrecht apresentou al- nos de um ano, esses veículos eram conhe-
gumas das ideias contidas em seu novo li- cidos pelos moradores do Rio de Janeiro
vro Nosso amplo presente, no qual comenta como “podrões”, tanto devido ao mau esta-
a estetização da vida cotidiana, na qual tudo do de conversação quanto à qualidade de
está sujeito a um “olhar estético”. O escritor seus produtos. A descrição de seus ingre-
pressupõe que não existem mais quaisquer dientes – “carne de vitela cuidadosamente
diferenças entre a experiência estética e a moída e acrescida de ervas finas, sal mari-
vida cotidiana, exatamente ao contrário do nho e pimenta negra moída na hora” – e de
pensamento fundado na terceira Crítica seu preparo – “grelhada por vinte minutos
kantiana e sua concepção de desinteresse em temperatura alta o bastante para selar
e autonomia da arte. Hoje a experiência es- a peça de carne e evitar a perda dos sucos
tética estaria presente em todos os aspec- e da maciez” – evidencia o esforço em im-
tos da vida, sem que a interpretação herme- primir às refeições ligeiras uma dimensão
nêutica supere o aspecto fenomenológico de experiência estética digna de Brillat-Sa-
do acontecimento, em uma situação precá- varin. Dessa forma, bolinhos doces transfor-
ria que marca toda a experiência estética mam-se em cupcakes, picolés – sorvetes em
ocidental da atualidade. Assim ela estaria Portugal – em paleta mexicana, e doses de
imbricada ao cotidiano e ao mercado. “Não aguardentes em shots.
existe, por exemplo, roupa para comprar
que não ofereça algum efeito estético. Até a Gumbrecht acredita que a estetização do
roupa profissional conta com certos efeitos cotidiano ocorre de três maneiras. Primei-
estéticos”, observa. ro, com sua irrupção no próprio cotidiano,
quando em situações aparentemente ba-
Gumbrecht incluiu em suas observações a nais e costumeiras, surge algo com dimen-
crescente “gourmetização” do mundo, na são estética. Segundo, com o aumento da
qual uma refeição nunca é uma simples ab- funcionalidade dos objetos – à exemplo da
sorção de calorias. “A comida tem de ter sa- Bauhaus – que transformam nossa relação
bores específicos e também uma apresen- com o que está à nossa volta. Terceiro, de
tação linda em um restaurante lindo. E você forma epifânica, quando passamos a olhar
não vai a um restaurante que custa 500 dó- objetos do cotidiano de forma diferente,
tamente vista com bons olhos pela Igreja mentel, tenha publicado o Método Lusitano
contra-reformista. de Desenhar as Fortificações das Praças Re-
gulares e Irregulares, Fortes de Campanha e
No entanto, algumas excepções existem outras obras pertencentes à Arquitectura Mi-
a esta situação, uma delas rara ou mes- litar, sendo esta a primeira obra teórica que
mo única no contexto europeu, que é a consagra a arquitectura e engenharia mili-
homenagem a Bento Coelho da Silveira tares portuguesas, cuja história se continua
promovida pela Academia dos Singulares, para além do Terramoto de 1755, e que se
organizada e compilada em 16705. Prova- concretizou em obras como as praças de El-
velmente tratava-se de criar um ambiente vas, Valença ou Almeida, mas também no
favorável à criação de uma Academia a ser Aqueduto das Águas Livres.
dirigida pelo próprio Bento Coelho, como
sugere Luís de Moura Sobral, o que não se Face a esta situação, não havia um mecenato
veio a concretizar. expressivo nem da Casa Real nem da nobre-
za, embora após as Guerras da Restauração,
É exactamente neste contexto que nos tenham surgido algumas obras patrocina-
surge o texto manuscrito de Félix da Costa das pelos membros da nobreza envolvidos
Meesen, Antiguidade da Arte da Pintu- na guerra, como é o caso dos Marqueses de
ra, datado de 1696, mas que só viria a ser Fronteira, que não só construíram uma casa
publicado no século XX por George Ku- nobre nos arredores de Lisboa (S. Domingos
bler. Félix da Costa (1639-1712), pintor e de Benfica) como a decoraram com azulejos
teórico, pretendia o reconhecimento da nacionais e importados e com esculturas em
sua profissão como liberal e procurava mármore também importadas.
demonstrar não só a excelência da pintu-
ra, mas também a sua antiguidade. Deve A qualidade das obras pictóricas então rea-
ter redigido a sua obra entre 1685 e 1688, lizadas revela claramente a falta de conhe-
tendo a intenção de a imprimir o que não cimentos a nível do desenho, da anatomia
aconteceu. Tem consciência plena da situa- e até da perspectiva, ensinamentos que na
época se obtinham a nível de academias Teixeira, Fernão Gomes, Simão Roiz (Rodri-
como a de Florença, fundada por Vasari, a gues), Amaro do Vale, Afonso Sanches, Do-
de S. Lucas em Roma, de Zuccaro, ambas mingos Vieira, Francisco Nunes, Diogo da
remontando ao século XVI, ou a mais próxi- Cunha, André Reinoso, Diogo Pereira, Jose-
ma Académie Royale de Peinture et Sculptu- fa de Ayala, Marcos da Cruz, entre outros,
re, fundada em 1648 em França. Para Félix todos da segunda metade do século XVI e
da Costa a fundação da Academia era uma XVII com excepção de Gregório Lopes que
necessidade urgente, embora não tivesse a faleceu em 1550. É curioso que tendo risca-
compreensão da sociedade portuguesa de do em 1693 o retábulo de pedraria para a
então, pelo que no resumo final altera a sua Capela de S. Vicente na Sé de Lisboa (Cae-
posição, afirmando que se não for possível tano, 1989, 288) não faça qualquer referên-
criar uma Academia ao menos seja designa- cia a Nuno Gonçalves.
do um pintor – chefe que tivesse a missão de
velar pela qualidade das obras realizadas. A título de exemplo, transcrevemos o que
diz de Campelo (fl. 106):
Tal como Holanda – e procurando demons-
trar a nobreza e liberalidade da pintura António Campelo Pintor, que seguio em
– afirma que Deus foi, como criador, o pri- muita parte a Escola de Michael Angelo Bo-
meiro dos pintores, e traça uma história, di- narrote, assim na força do debucho, como
remos internacional, da pintura que inicia parte do colorido; se bem já com outra in-
com Tubalcano, na 6ª geração de Adão (ou teligência no mexido das cores. Do qual se
seja, recorre ao Antigo Testamento) e pros- vem suas obras em Belém no claustro e hum
segue para a Grécia com os muito citados painel de Cristo com a cruz às costas prodi-
Zeuxis e Apeles, recorrendo igualmente à gioso,6 que merecia outro lugar, e outro tra-
ideia de que as invasões bárbaras puseram to, que o que tem e várias pinturas suas em
fim à pintura que ressurgiria com Cimabue outra Igrejas. Floreceu em tempo del Rey
e prosseguiria a sua evolução ascendente Dom João o Terceiro.
até Miguel Ângelo e Rafael. Procura tam-
bém acentuar as honras que muitos pinto- Esta breve contribuição de Félix da Costa é
res receberam, inspirando-se não só em Va- uma das fontes utilizadas por Cirilo Volkmar
sari mas noutros autores. Machado que exalta a sua contribuição para
os inícios da história da pintura, do que fala-
Relativamente à pintura portuguesa acres- remos num próximo artigo.
centa uma série de Memorias de 19 Pintores,
enriquecidas com alguns dados biográficos No entanto nem D. Pedro II nem seu filho
e artísticos e portanto com mais conteúdo D. João V, apesar do manifesto patrocínio às
do que as Tábuas de Holanda, embora cin- artes, chegaram a fundar uma Academia de
gindo-se à pintura. Refere os pintores que Artes em Portugal, mas esse é outro tema a
receberam protecção régia como Gregório abordar.
Lopes, José de Avelar, Gaspar Dias, Diogo
– Notas
1
Obra manuscrita que veio a ser
publicada pela Câmara Municipal
de Lisboa em 1950, com advertên-
cia de Durval Pires de Lima.
2
Destacamos o Tomo Primeyro Que
compreende as Imagens de Nossa
Senhora, que se venerão na Corte,
& Cidade de Lisboa, publicado em
1707, e o Tomo VII – História das
Imagens milagrosas de Nossa Sen- Património. Jornal do Património.
hora E milagrosamente aparecidas, Direcção de José Hormigo. Nº 1.
& suplemento daquelas que nos Janeiro Fevereiro Março de 1985
ficarão por referir em os seis tomos Os manuscritos originais encon-
antecedentes por falta de inteyra tram-se no Arquivo Nacional da
noticia, publicado em 1721 Torre do Tombo onde podem ser
3
Giorgio Vasari é o autor de Le Vite consultados.
de’ più eccelenti Architetti, Pittori e 8
Fernando Portugal e Alfredo
Scultori Italiani da Cimabue insino Matos – Lisboa em 1758. Memórias
a’ tempi nostri, com 1ª edição em Paroquiais de Lisboa. Lisboa, 1974
1550 e 2ª em 1568, obra conside- 9
Francisco Vieira Lusitano – O
rada a primeira história da arte, já Insigne Pintor e Leal Esposo. Histo-
referida a propósito de Francisco ria Verdadeira que elle escreve em
de Holanda Cantos Lyricos. E oferece ao Illus. E
4
Karel van Mander (Meulebeke, Excellent. Senhor José Da Cunha
1548 – Amesterdão, 1606) foi um Gran Ataíde e Mello, Conde e Sen-
pintor que a exemplo de Vasari hor de Povolide, do Conselho de
publicou Schilder-Boeck (O livro da Sua Magestade Fidelissima, Gen-
Pintura), cuja primeira edição data til-Homem de sua Real Camara,
de 1604 e de que existe uma edi- Comendador da Ordem de Cristo,
ção seleccionada Vidas de Pintores Alcaide Mor da Vila de Sernan-
Flamengos, Holandeses e Alemães. celhe, etc. Lisboa, 1780
Madrid: Casimiro, 2012 10
Caetano Beirão – Cartas da
5
Esta homenagem foi exaustiva- Rainha D. Mariana Vitória para a sua
mente estudada por Luís de Moura família de Espanha. Apresentadas e
Sobral em Pintura e Poesia na época anotadas por… Vol. I (1721-1748).
barroca. A homenagem da Acade- Lisboa: Empresa Nacional de Publi-
mia dos Singulares a Bento Coelho cidade, 1936
da Silveira. Lisboa: Estampa, 1994
6
Trata-se da obra de cerca de
1570, um óleo sobre madeira hoje
no Museu Nacional de Arte Antiga,
proveniente da escadaria monu-
mental da portaria do Mosteiro de
Santa Maria de Belém e que foi res-
taurada para a exposição «Jeróni-
mos – 4 séculos de Pintura». Sobre
o assunto ver o artigo de Joaquim
de Oliveira Caetano «Campelo
nos Jerónimos: os Fragmentos da
Fama» publicado no Catálogo da
Exposição (p. 96)
7
Sobre o tema publiquei um
pequeno texto cuja referência
deixo: Margarida Calado (1985) –
Portugal detentor da segunda mais
antiga legislação da Europa sobre
3.º Artes, e Officios; o esmero a que tem Este artigo sobre escultura é, recorde-se,
chegado algumas Artes, e Officios em Por- talvez a primeira tentativa para fazer uma
tugal; novos inventos; meios de excitar a in- síntese da história desta expressão artísti-
dustria; nomes, e moradas dos principaes ca em Portugal. Cavroé esboça uma breve
Artistas em Lisboa; suas obras, etc. história da escultura nacional em 5 pági-
nas. Como exemplo mais antigo no territó-
– CONVOCARTE Nº.1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA
4.º Poezias; Composições não impressas de rio nacional, evoca a cidade de Évora como
Authores acreditados; reimpressão de algu- os capitéis coríntios do seu célebre Tem-
mas rarissimas, etc. plo de Diana (que não foram importados
de Atenas ou Roma, mas antes obra de es-
5.º Curiosidades; Indicação das cousas dig- cultores locais que testemunham que “na
nas de serem attendidas dos curiosos, e via- Lusitania havia bons Escultores”10. É igual-
jantes; seu merecimento, etc. mente apresentado o exemplo de Beja,
com as suas cimalhas, frisos, estátuas e lá-
6.º Anecdotas, Historias, e Ditos sentencio- pides, achadas nas escavações ordenadas
sos, nos quaes se encontrem, ou elogio á pelo prelado da diocese, D. Fr. Manuel do
Nação, ou aquella agudeza natural, e pró- Cenáculo11. Durante a Idade Média, Cavroé
pria da lingua Portugueza.”6 destaca a escultura (e a arquitectura), em
Alcobaça, nos Túmulos de Pedro e Inês de
Grande parte do conteúdo do Jornal de Castro, no Convento de Cristo em Tomar,
Bellas-Artes ou Mnémosine Lusitana. Redac- no Mosteiro da Batalha e nos Jerónimos
ção Patriótica versa as histórias de Portugal, (Bellem), “talvez no género ghotico os me-
recentes - como, por exemplo, episódios das lhores do mundo”, citando Murphy12. Refe-
Invasões Francesas -, e passadas, descrições re ainda o Mosteiro de S. Vicente de Fora e
de edifícios e monumentos, procurando va- o Claustro dos Filipes em Tomar (“de 1580
lorizar o património edificado, inclusivamen- a 1640”) como exemplos, apesar de “nunca
te com algumas gravuras, mas também mui- tão brilhantes, e honrados” como as obras
ta literatura, como poesias, odes, sonetos e nos reinados de D. João V, D. José I e D.
as prometidas anedotas, algumas delas so- Maria I (ideia de manifesto pendor nacio-
bre jesuítas, e ainda curiosidades. nalista). Do século XVIII, o autor menciona
Alexandre Giusti (Justi), José de Almeida,
Do 1.º volume, destaca-se, por exemplo, a Machado de Castro, João José de Aguiar,
descrição da Praça do Comércio e da sua Amatucci, Faustino José Rodrigues, Joa-
Estátua Equestre7, uma pormenorizada des- quim José de Barros, Alexandre Gomes,
Francisco Leal Garcia e António Ferreira,
recordando as principais obras de cada
um deles. Por fim, lembra que “de todos
os nossos Estatuários o mais famoso he o
immortal Manoel Pereira” que “Em Itália he
tão conhecido o seu nome, como entre nós
pôde ser o de Bernini.”13 O texto de Cavroé
é muito interessante, pois refere e comple-
ta por vezes obras de todos estes escul-
tores, sendo uma espécie de esboço, para
as entradas que Cyrilo Volkmar Machado
publicará na conhecida Colecção de Me-
mórias (1823)14.
Em termos de gravuras de página inteira, A par das gravuras de página inteira, o Jor-
é ainda interessante constatarmos que as nal das Bellas-Artes apresenta ainda algu-
duas primeiras reproduzem dois quadros mas composições gráficas muito interes-
atribuídos ao mítico Grão Vasco (Epipha- santes no meio do texto, com composições,
nia e S. João Baptista), um de Domingos algumas não assinadas, e letras iniciais. Des-
Sequeira (S. Bruno em oração), a reprodu- tas, destacam-se as gravuras desenhadas
ção do Túmulo de D. Dinis, em Odivelas, e por Bordalo Pinheiro e gravadas por José
um quadro de Rafael de Urbino. Todos es- Baptista Coelho30 que ilustram os romances
tes quadros pertenciam, como se informa, à Rei Ramiro e Miragaia de Garrett com letras
Academia de Belas-Artes de Lisboa. e composições fantasistas, povoadas de
personagens da Idade Média. Na primeira
O aparecimento no início do Jornal das composição gráfica, na qual se observa um
Bellas-Artes de duas obras que se pensava, R, surge mesmo uma janela manuelina com
na época, serem de Grão Vasco é sintomá- duas cordas atadas na zona superior31.
tico do papel que este mítico pintor portu-
guês tinha no imaginário artístico nacional Também as ilustrações do artigo O Castello
de Oitocentos. Aliás, Almeida Garrett evoca d’Almourol, escrito pelo conde de Mello, são
Grão Vasco no fim da sua Introdução, refe- muito interessantes, sobretudo a última, com
rindo não poder ser deste pintor todos os uma varanda de inspiração manuelina, com
quadros que se lhe atribuem, como Homero dois medalhões, sobre o castelo do Tejo32.
poderá não ter escrito todas as rapsódias da
Ilíada e da Odisseia. Contudo, Garrett pro- De temática manuelina é a ilustração do ar-
mete estar atento a esta questão e irá entrar tigo Porta lateral da Egreja de S. Julião, em
(1855), este pintor voltou ao tema e colocou vez, uma gravura, ao centro, chega mesmo
pequenas figuras sobre linhas imaginárias, a reduzir cada uma das colunas66.
como que suspensas no texto e a voarem62
à frente de plantas semelhantes a cascatas Conclusão
de água63. Literalmente, algumas das figu-
ras de Metrass pairam por entre as palavras. Num país habitualmente pouco dado ao
A última imagem do Jornal de Bellas-Artes universo das artes plásticas, o simples fac-
como que se despede de nós, numa dia- to de alguns autores pensarem em jornais
gonal ascendente, fugindo do texto, em di- dedicados às Belas-Artes era, por si só, um
recção ao espaço em branco da página e feito notável. Também a precocidade, a
da nossa imaginação... Com um manto por qualidade e o arrojo gráficos devem ser va-
cima do corpo nu, a figura parece estar de lorizados nas duas publicações, principal-
partida do periódico. Uma das composi- mente no Jornal de Bellas-Artes. Convém
ções mais complexas, com várias figuras fe- sublinhar ainda que os desenhadores das
mininas, quais ninfas numa floresta, chegou gravuras não eram quaisquer ineptos ar-
a ser repetida64. tistas, gravadores ou tipógrafos, mas toda
uma geração de pintores e de escultores
O Jornal de Bellas-Artes representa, deste que se fizeram representar no quadro Cinco
modo, um grande avanço em relação ao Artistas em Sintra. Se esta tela é o manifes-
anterior jornal, em termos gráficos e na im- to plástico da geração romântica, o Jornal
portância que a imagem começou a revelar. de Bellas-Artes é, inequivocamente, o seu
Se os hors-texte são em número semelhan- manifesto e testemunho gráfico. Não pode-
te (16 e 17, respectivamente), o número de mos, portanto, estar de acordo com a críti-
gravuras pequenas subiu bastante (de 16 ca ligeira e injusta de que o resultado não
para 41). foi brilhante67. Aliás, se dúvidas existissem,
periódicos posteriores, como Artes e Le-
Em suma, podemos afirmar que foi com o tras (1872-1875), O Ocidente (1878-1915),
Jornal de Bellas-Artes que as imagens co- A Arte (1879-1881) continuaram a usar e a
explorar a imagem, mas apenas trinta, quin- se pretendia apresentar e estudar a histó-
ze anos, respectivamente, depois dos dois ria da arte nacional e do estrangeiro, mas
periódicos analisados. igualmente pela defesa do património artís-
tico português.
Recorde-se, ainda, que em relação ao ante-
rior O Panorama (1837-1868), o Jornal das Também as questões ligadas ao design de
Bellas-Artes e o Jornal de Bellas-Artes apre- comunicação nestes periódicos revelam
sentavam uma componente gráfica e uma uma cada vez maior presença de gravuras
sistematização ao nível da imagem muito que são fundamentais como ilustração de
superior ao célebre periódico publicado peças artísticas, antigas ou contemporâ-
pela Sociedade Propagadora dos Conhe- neas, e das narrativas literárias e poéticas.
cimentos Úteis. De facto, a qualidade das Da Mnémosine Lusitana, com poucas mas
imagens de O Panorama era, por vezes, me- esforçadas gravuras, passando pelo Jornal
díocre e estas ocupavam invariavelmente das Bellas-Artes, no qual estas começam a
metade da página (com mancha de texto ter um maior protagonismo até ao grafica-
também a duas colunas) ou hors-texte. mente surpreendente Jornal de Belas Artes,
observamos que as imagens parecem au-
Mesmo um jornal dedicado às Belas-Ar- tonomizar-se no periódico e dialogar, cada
tes francesas e internacionais, como a Ga- vez mais, com a mancha de texto, ganhan-
zette des Beaux-Arts. Courrier Européen de do, desta forma, vida própria. Nas Belas-Ar-
l’Art et de la Curiosité, fundada em 1859 por tes e nos seus jornais a imagem começava
Charles Blanc (1813-1882)68, não tem a qua- a ter tanta ou mais importância que o texto.
lidade gráfica do Jornal de Bellas-Artes. O
periódico francês, a uma coluna de texto, os-
tenta gravuras hors-texte e outras inseridas
na mancha do texto. Como seria de esperar,
a maior parte das suas gravuras tem grande
qualidade formal e técnica. Contudo, talvez
o que mais surpreenda neste periódico fran-
cês é a quase total subordinação das ima-
gens ao texto, que é graficamente muito
denso. A Gazette des Beau-Arts é um enor-
me livro, exibindo muito pontualmente algu-
mas imagens e letras iniciais trabalhadas.
tura surrealista de 1940 na Casa Repe com França, Júlio Pomar ou Fernando Azevedo.
António Pedro, após colaboração com tex-
tos e ilustrações nos periódicos Acção, Va- Por razões de doutrina estético-ideológica,
riante e Panorama (nesta faria alguma crítica sobretudo após a saída do regime no se-
de arte), teria nas páginas do Diário Popu- gundo pós-Guerra, alguns artistas plásticos
lar o seu primeiro trabalho regular de críti- ligados ao neo-realismo, tiveram grande
co de arte15. A primeira crónica crítica sua necessidade de praticar a crítica, com orien-
publicada neste diário vespertino saia a 27 tações doutrinais próprias.
de janeiro de 1943; a 9 de abril de 1947
passou a efetuar crónicas a partir de Paris A actividade crítica e intervencionista do
(para onde partia como uma bolsa de um pintor Lima de Freitas (1927-1998) atra-
ano onde continuaria, ficando a morar em vessou décadas e periódicos, em vários
França o resto da vida); a última, para o Diá- com regularidade, tais como Átomo (des-
rio de Lisboa, será a 16 de Agosto de 1950 de 1951), Mundo Literário (1952, neste caso
mais pontual), Vértice (desde 1953), Diá-
Começaria depois a colaborar no jornal bra- rio Popular (cerca de 1972), Artes Plásticas
sileiro O Estado de São Paulo, com crónicas (1974) ou no suplemento Ao Km Zero (su-
culturais de Paris a partir de 1955 (a primei- plemento de Reconquista) (cerca de 1970),
ra crónica seria a 27 de novembro de 1955; além de colaborações dispersas em Seara
a última a 28 de novembro de 1980), fazen- Nova, Arquitectura, Portucale, Jornal de No-
do parte de um círculo de colaborações de tícias, Jornal Novo ou Século Ilustrado. Em
portugueses no jornal brasileiro que tinha finais dos anos 50, os seus textos seriam de
ainda os nomes dos amigos Adolfo Casais particular violência contra a abstracção, tor-
Monteiro, Novais Teixeira ou José-Augus- nando-o um dos mais activos críticos, em
to França. Esta longa prática de escrita de desejo de querela aberta, com esta via esté-
crónicas críticas (entre 1943-1980) sobre tica – que exactamente se vinha dificilmente
arte e cultura (no Diário Popular e n’O Esta- impondo ao longo da década.
do de São Paulo) levou à interrupção qua-
Assumindo-se como «um pintor que nunca xão teórica sobre o sentido da arte e das
acreditou na pintura pura», posicionando- suas práticas éticas e estéticas, que já an-
-se na «querela da forma e do conteúdo», tes trabalhava, mas agora com maior auto-
«contra a arte “abstracta”»16, Lima de Freitas nomia, como um ensaio paralelo de escla-
criticou e resistiu ao que chamou a falsa li- recimento e guia da sua própria prática. Na
berdade criadora dos puristas da forma e a fase neo-realista colaborou em vários perió-
sua «metafísica da forma», acusando a des- dicos, tais como A Tarde, no qual dirigiu a
confiança e o desprezo pelo tema que estes página cultural A Arte (1945), Mundo Lite-
viam como impuro17. Defendendo a profun- rário (1946), Seara Nova (a partir de 1946),
didade do tema, para lá da superficialidade Arquitectura Portuguesa (1952) ou Vértice
do motivo prévio, como «profusão inespe- (a partir de 1953). Por vezes os seus textos
rada de valores» «que surdamente coman- surgiam reproduzidos em periódicos do an-
dam a energia das formas»18, encontrava tigo Ultramar, como foi o caso de Itinerário
aí a «razão última da obra». Vendo na abs- de Lourenço Marques (1948).
tracção uma incomunicação vaidosa, onde
a forma se encerra na sua própria interio- Pertencendo já ao panorama cultural entre
ridade, defendia que «a arte» era antes «a as décadas de 1950 e seguintes, Mário de
formação de conteúdos» «emergindo em Oliveira (n.1916), arquitecto e pintor, teria
formas»19. A liberdade procurada pela mo- actividade regular como crítico, sobretudo
dernidade, que levou ao extremo da «liber- no Diário Popular (1952-1961), depois no
dade de não ter tema», revelou-se no se- Diário de Notícias (1965-1973) ou ainda em
gundo pós-Guerra de uma «extremidade O País (1978). Faria parte da secção portu-
patológica»20: «Os cultores do gratuito em guesa da AICA.
arte esquecem que a originalidade reside
na reestruturação dos temas, e não na cria- Fernando de Azevedo (1923-2002), pin-
ção ex nihilo, fora dos temas»21. Mais tarde, tor inicialmente ligado ao neo-realismo,
entre os anos 70 e 80, o pintor desenvolvi mas com uma obra desenvolvida no âmbi-
o simbolismo do tema, reencontrando-lhe to do surrealismo português (desde cerca
uma produndidade abstracta por assimila- de 1948) na altura em que iniciava também
ção de uma geometria sagrada, tendo para uma actividade de crítico de arte (desde
isso criado afinidades com teorias de An- cerca de 1947). Começou por exercer uma
tónio Quadros (Poeta), Gilbert Durand e o actividade de crítico e ensaísta em Unicór-
último Almada Negreiros. nio, Mundo Literário (1946-1947) e Horizon-
te, mas a sua intervenção mais regular foi ao
O pintor Júlio Pomar (n.1926) teve assinalá- longo das décadas de 1960 e seguintes, na
vel actividade crítica enquanto enquadrado colaboração com as revistas da FCG, Coló-
na estética neo-realista, depois enfraqueci- quio e Colóquio Artes. Além deste exercício
da com a crise desta orientação estética na crítico em periódicos, teve uma vasta cola-
segunda metade dos anos de 1950. Passa- boração em textos de apresentação para ca-
va então a centrar-se no texto como refle- tálogos de exposições em diferentes gale-
da Fundação Calouste Gulbenkian e com a Nos anos 30 e 40, a geração presencista ti-
revista Colóquio, com notório prejuízo da nha tido uma marcante acção e teorização
sua produção artística. Ele envolve-se as- da actividade da crítica, centrada na literatu-
sim com as alterações e dinâmicas trazidas ra, mas com abordagens no âmbito do cine-
com os anos 60, em grande parte derivadas ma ou das artes plásticas, sobretudo, José
do aparecimento da FCG. Outros nomes de Régio, João Gaspar Simões e Casais Mon-
artistas plásticos com regular prática crítica teiro. Nas páginas da Presença, foi marcante
surgiam nesta década, dando continuidade a defesa da 1ª Exposição do Independen-
a esta linha, caso de Júlio Giraldes (n.1923), tes de 193026. João Gaspar Simões também
Rocha de Sousa ou Eurico Gonçalves, que deixaria um dos primeiros textos a debater
deixaremos para outro ensaio. a questão da abstracção, a propósito de ex-
posição de Vieira da Silva27.
Críticos homens de letras
(poetas e escritores) No início dos anos 40, o escritor Carlos
Queiroz (1907-1949)28 deixaria um ensaio
Outra linha tradicional na actividade de crí- de síntese da história da Arte Moderna por-
ticos de arte surgia da prática da escrita de tuguesa que fazia das primeiras resenhas
poetas, nomes da literatura, ou ainda por da história da arte moderna portuguesa29,
formação variada no domínio das ciências tal como no âmbito da Exposição de Ilus-
sociais e humanas que seguiam as origens tradores Modernos no SPN, faria uma breve
do século XVIII da actividade de crítico de história do desenho moderno30. Faria várias
arte, enquanto mediadores de uma prática crónicas de críticas de arte nos primeiros
especializada a um público anónimo e não tempos do Diário Popular ou, ao longo da
especializado (alguns não deixavam de se década na Panorama.
apresentar como jornalistas)24. Esta proxi-
midade nas ciências humanas flectia uma Mais recentemente, a aparecer em finais da
actividade que já não era propriamente de década de 1950, temos o exemplo de Fer-
jornalista, mas de cronista, como base da nando Guedes (n.1929)31, poeta e crítico
de arte activo entre as décadas de 1950 e com Claridade (prefaciado por Aquilino Ri-
1960. Tendo sido director do Tempo Pre- beiro), tendo depois escrito o romance An-
sente entre 1959 e 1962, e crítico regular jo-Demónio, os livros e novelas Filhos do
de artes plásticas do Diário da Manhã, teve Diabo (prémio Fialho de Almeida) e Filhos
ainda colaboração de carácter teórico-críti- de Deus. Teve representadas as peças Ca-
co em periódicos como Graal, Rumo, Pano- milo e Fanny e Má sorte. Foi um dos funda-
rama, Praça Nova, Diário Ilustrado ou Diário dores e directores do Centro Português de
de Notícias32 Interessado pela arte abstrac- Escritores e redactora de República e Diá-
ta, publicaria ensaios que defendiam a im- rio de Lisboa e chefe de redacção de Vida
portância dos artistas plásticos do Porto na Mundial, Vida Mundial Ilustrado. Mas sobre-
sua genealogia na arte portuguesa33. tudo, e durante muitos anos, foi redactora
no Diário de Notícias, onde exerceu funções
Também escritor, Alfredo Margarido de crítica de teatro, bailado e artes plásticas,
(n.1928)34 colaborou como crítico de ar- com especial actividade nas décadas de
tes plásticas na Seara Nova (1958), no 57 1960 e 1970.
(1958), no Diário Ilustrado (1959) dirigindo
o suplemento literário ou ainda no Diário de Sellés Paes (Joaquim Sellés Paes de Villas-
Notícias (1963). Teria maior relevância e re- -Boas), nascido em Madrid em 1913, foi di-
gularidade ao substituir Rui Mário Gonçal- rector-fundador da revista de Arqueologia
ves nas críticas de artes plásticas do Jornal Boletim do Grupo Alcaides de Faria, e publi-
de Artes e Letras, a partir de Dezembro de cou vários estudos de etnologia e de artes
1963, e até Outubro de 1964, altura em que plásticas. Desenvolveu uma regular activida-
partia como bolseiro da FCG, regressan- de de crítico de arte em vários periódicos,
do Fernando Pernes, primeiro crítico regu- entre finais da década de 1950 e inícios da
lar do periódico que tinha sido substituído seguinte, tais como O Debate, de orienta-
por Rui Mário Gonçalves também devido a ção monárquica, depois no Diário Ilustrado
uma bolsa35. Era habitual em Alfredo Mar- (desde 1956) e na segunda metade dos nú-
garido introduzir em cada crítica, uma pré- meros da terceira série da revista Panorama
via e autónoma reflexão teórica em torno (1959-1961). Numa defesa histórica da acti-
da prática crítica. Partindo da antropologia, vidade do SPN-SNI, procurava efectuar um
e estendendo-se à sociologia e à história, olhar crítico sobre a arte contemporânea
interessava-se por várias manifestações ar- portuguesa como sua continuadora, numa
tísticas além das artes plásticas, tais como a articulação que deixaria explícita em ensaio
literatura e o cinema. Faria carreira de do- de 1962: Da Arte Moderna em Portugal37.
cência Universitária em Paris.
Foi no cruzamento destas vias, onde o pro-
No Diário de Notícias foi bastante regular a fissionalismo se desejava mais ou menos
actividade de Manuela de Azevedo (M. A.) que, ao longo dos anos da década de 1960,
(n.1911)36, sobretudo na crítica de teatro e se definiu um grupo de críticos de arte
artes plásticas. Começou a carreira literária com vontade de assumir uma dimensão
mos artísticos, ao tornarem possível uma me, a tomada de consciência por parte da
maior abertura ao exterior, que teve como sociedade civil, a construção de uma demo-
consequência a descoberta (apesar de tar- cracia consolidada assente nas liberdades e
dia) da arte conceptual. direitos dos cidadãos e a própria redefini-
ção do ensino, poderão ter sido as causas
Outro aspeto que durante este período se mais diretas para a escassez de atenção de-
começa a destacar é o papel das mulheres dicada ao estudo e teorização das questões
na sociedade e, em particular, na produção do feminismo no meio académico.
artística. Durante um longo período, a arte
feita por mulheres ao contrário de inexis- Contudo, fora do contexto académico as
tente, foi uma “arte sem história”5, descon- mudanças vão-se fazendo sentir. Ernesto de
siderada pelos historiadores de arte tanto Sousa, por exemplo, surge como figura cen-
no contexto português como internacional. tral na compreensão daquilo que foi a dé-
Em Portugal, são escassos os casos de mu- cada de 70. Artista, cineasta, crítico de arte,
lheres-artistas consagradas no decurso de organizador de exposições, foi o responsá-
séculos e séculos de história de arte. Pou- vel pelo aparecimento de uma geração de
cos são os nomes que conseguimos referir; artistas com uma produção artística diferen-
vem-nos à memória Josefa de Óbidos (du- ciada e inovadora, a que a Alternativa Zero
rante o período Barroco), Maria Helena Viei- (1977) deu visibilidade e projeção e na qual
ra da Silva (após a II Guerra Mundial), Paula Clara Menéres participou com a sua Mulher-
Rego e Lourdes Castro (a partir de 60/70) -Terra-Vida (um torso feminino, inteiramente
e, mais recentemente, Joana Vasconcelos. moldado com relva plantada, criado especi-
É de notar, contudo, que apesar de escas- ficamente para a mostra).
sos, todos estas artistas são personagens in-
contornáveis no estudo da história de arte A agitação política, social e cultural senti-
portuguesa, assumindo-se como figuras de da no pós-25 de Abril ultrapassou todas
destaque tanto a nível nacional como inter- as previsões, havendo uma grande adesão
nacional. por parte dos criadores artísticos (operado-
res artísticos, conforme Ernesto de Sousa), cultural antifascista, e representantes reais
que se organizaram na apresentação de dos interesses de artistas e críticos de arte.
propostas e reformas. Entre 1974 e 1977
foi possível a integração de representantes É assim, neste contexto, e um pouco
de artistas e críticos de arte, nas comissões em reação à situação que se fazia sentir,
consultivas da Secretaria de Estado da Cul- que na segunda metade da década de
tura, com o intuito de contribuir, de forma 70 se generalizam as ações de carácter
ativa, na definição de uma política cultural coletivo, que resultam num conjunto muito
para o País. significativo de exposições8, happenings e
pinturas murais de carácter interventivo, de
A situação começa, contudo, a mudar a par- que é exemplo o painel realizado a 10 de
tir de 1977, sendo percetível uma diminui- Junho de 1974, pelo Movimento Democrá-
ção na liberdade de ação por parte dos in- tico de Artistas Plásticos, e que contou com
telectuais. Rui Mário Gonçalves refere-se a a participação de diversas mulheres artistas,
este período como «uma temporada em entre as quais Teresa Dias Coelho, Teresa
que a palavra «silenciamento» parece ser a Magalhães, Fátima Vaz, Ana Vieira, Helena
mais recorrível para descrever o que rodeou Almeida, Alice Jorge, Emília Nadal, Menez
oficialmente a vontade de expressão.»7 É e Maria Velez.
nesta altura que se mandam apagar pare-
des e desfazer comissões consultivas, en- Os anos 70 apresentam-se, assim, como um
tre outras ações representativas desta des- período conturbado, mas libertador, criati-
vitalização. É notório o real desinteresse vo e aberto a novas possibilidades, construí-
governamental pela cultura. A liberdade do com o apoio de uma sociedade artística
de expressão e o espírito crítico são os mo- ativa (e reativa perante a inércia e imprepa-
tores fundamentais para a manutenção de ração institucional) na qual as mulheres tive-
uma cultura viva, contudo podem gerar in- ram um papel fundamental.
cómodo aos decisores políticos. Assim, a
ausência de uma política cultural compe- ARTISTAS PORTUGUESAS – o início
tente manteve-se ao longo dos anos, dan- da revolução cultural no rescaldo da
do origem a ações contraditórias por par- Revolução de Abril
te dos sucessivos governos, incapazes de
definir programas coerentes para a cultura. Liberation – 14 Artistas Americanas.
As grandes iniciativas que foram ocorrendo
durante este conturbado período, foram or- Em Dezembro de 1976, no Centro de Arte
ganizadas por instituições culturais com um Contemporânea do Museu Nacional de
grande know-how cultural, como era o caso Soares dos Reis, teve lugar uma exposição,
da Sociedade Nacional de Belas Artes e proveniente dos Estados Unidos da Amé-
da Association Internationale des Critiques rica, denominada Liberation – 14 Artistas
d’Art, entre outras; instituições democrati- Americanas. Esta exposição, no seguimen-
camente organizadas, polos de resistência to do programa de itinerância que cumpria,
17 de Fevereiro | 21.30 – «A mulher e a cria- afirmar (ou confirmar) a sua presença, des-
tividade» | Maria Antónia Fiadeiro, Maria de sempre, no espaço artístico português;
Antónia Palla, Maria José Paixão, Salette mostrar que o silêncio a que foram votadas
Tavares e Teresa Ambrósio: o papel da mu- se deveu, um pouco no seguimento do re-
lher na arte e quais as razões do seu discre- ferido por Coffelt, ao facto de não terem
to aparecimento no seio do meio artístico. «acesso a uma educação que as preparasse
para isso.»23
Devido à programação diversificada organi-
zada em paralelo com as três exposições, o A exposição de 1977 revelava assim uma
evento realizado na Sociedade Nacional de «multiplicidade de tendências e técnicas
Belas Artes atingiu um nível de complexida- de expressão características da arte
de bastante maior, tornando-se num espa- contemporânea»24 fazendo deste evento
ço de discussão e reflexão sobre a condição uma ótima oportunidade de confronto dos
da mulher na sociedade portuguesa e so- contrastes existentes entre as diferentes
bre a sua produção e presença na vida artís- formas de expressão artística no feminino
tica em Portugal. (contrapondo a produção nacional com a
produção proveniente dos Estados Unidos
O IMPACTO DO EVENTO CULTURAL da América) e de debate de diversas ques-
ORGANIZADO NA S.N.B.A. – Ecos e tões ligadas ao ser-se mulher e artista, na
repercussões de 1977 aos dias de hoje década de 70, em Portugal. Da mesma for-
ma, e segundo José Luís Porfírio, foi ainda
Conforme referido pela crítica de arte ame- uma das mais interessantes tentativas de
ricana, Beth Coffelt, na conferência Mulheres contrariar a tendência instalada de realiza-
Artistas, realizada a 26 de janeiro na Socie- ção de «exposições individuais, bem como a
dade Nacional de Belas Artes, a arte no fe- organização de salões colectivos que [resul-
minino, enquanto movimento político e cul- tavam] invariavelmente numa confusão de
tural, nasceu com Gloria Steinem no início critérios e de propostas estéticas que mu-
da década de 70. No final da década, con- tuamente se [anulavam]».25
Como já foi referido, apesar de, de acordo questões referindo Virgínia Woolf em Um
com o defendido pela Comissão Organi- quarto para si própria, para quem a subtile-
zadora26, este evento não ter a intenção de za, descrição e acessibilidade que o uso do
ser uma ação com carácter feminista, dado papel e do lápis permitiam, era por si só jus-
as artistas participantes não sentirem a sua tificativa de uma preferência feminina por
condição feminina como motivo de discri- este meio de expressão em detrimento de
minação face aos seus pares masculinos, qualquer outro, em especial a pintura, que
sentindo-se acarinhadas e recebidas, pelo requeria uma disponibilidade de espaço e
público e pela crítica, com a mesma aber- tempo muitas vezes inacessíveis à mulher.30
tura que os demais artistas, a verdade é que
nos anos 70 (e à semelhança do que ainda Apesar de não vedada ao sexo feminino, a
hoje se verifica) as mulheres permaneciam cultura permaneceu durante muito tempo
uma minoria no seio do grupo dos artistas sob a “jurisdição” masculina. Segundo Fi-
mais cotados27. lipa Lowndes Vicente «ter nascido mulher
foi sempre um entrave ao ser artista: da
Para Maria Antónia Palla esta negação do falta de acesso ao ensino artístico ou às
feminismo por parte das mulheres, justifi- possibilidades de viajar, das condicionantes
cava-se pelo medo de perder o poder e/ sociais à profissionalização feminina, sem
ou privilégios que julgavam ter conquis- esquecer o peso das responsabilidades
tado, adotando um posicionamento qual familiares.»31 Dada a incontestável qualida-
«escravo que [adopta] a ideologia do se- de da produção artística feminina e na im-
nhor».28 Partindo deste pressuposto Palla possibilidade de controlar a presença das
lança a questão já anteriormente aflorada mulheres no meio artístico, houve sempre
por Coffelt: «[…] porque razão, na história uma tentativa de a minimizar sob o pretex-
de arte portuguesa, as pintoras são raras?»29 to das obrigações e responsabilidades para
Não tendo, por isso, a pretensão de ser uma com o lar e a família, forçando à mulher
ação feminista, o evento organizado veio apenas à única opção de se dedicar a uma
possibilitar o refletir sobre problemas que tipologia de produção: a doméstica. Numa
as artistas portuguesas insistiam em não época de suposta liberdade (pós-25 de
considerar, quer fosse por hábito ou inércia: Abril) e de direitos igualitários para todos
o posicionamento da sociedade face a cria- os cidadãos, o papel da mulher na socieda-
tividade no feminino. de continuava confinado às tarefas do lar,
sendo-lhe quase sempre vedado o acesso a
Seria a posição subalterna da mulher, na uma formação especializada e a um empre-
sociedade, limitação a uma expressividade go condigno e remunerado.
criativa plena? Como justificar a prolifera-
ção de mulheres no campo da literatura ex- Tendo a mulher como tema central, este foi,
tremamente contrastante com a sua exígua certamente, um evento de extrema relevân-
presença em áreas como a pintura ou a mú- cia no abrir de portas e no mudar de mentali-
sica? Maria Antónia Palla responde a estas dades, que possibilitaram à mulher um papel
Assim, podemos concluir que, independen- PORFÍRIO, José Luís - Carta de Lis-
boa. Colóquio Artes. Lisboa: Fun-
temente da recetividade e entendimento
dação Calouste Gulbenkian, nº 31,
das verdadeiras intenções, da presente ex-
fevereiro de 1977, p. 64-65
posição, pelo público, este foi um evento in- (Biblioteca da Faculdade de Belas
tegrado num período que marcou o início Artes da Universidade de Lisboa/
de um difícil e lento processo de libertação COTA: PER)
de estereótipos e de reconhecimento da “A mulher como artista” na Socie-
dade de Belas-Artes. Diário de
mulher enquanto força motora da socieda-
– CONVOCARTE Nº.1 | ESTUDOS DE HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA DE ARTE PORTUGUESA
A Coordenação Geral
303
Fátima Mendonça –
Operando (Com) O Medo
«[O medo] acompanha-me a vida toda. […] aos poucos, ele instala-se e não o
consigo mandar embora. Tenho medo, tenho medo. […] Fujo do medo, mas é
ele que me faz pintar e ser quem sou da forma que sou.» - Fátima Mendonça
entrevistada em entrevista à 30 Dias|Oeiras.
Foi nas Belas-Artes de Lisboa, através da pintura, que Fátima Mendonça encon-
trou forma de lidar com esse medo; um medo que, por todas as razões que lhe
são intrínsecas, é criador e criativo e que se permite ser transposto para a tela
em emaranhados difusos (e confusos) de linhas, redes, tricotados, contornos,
cromatismos vibrantes e palavras. Muitas palavras.
Através de séries como A casa do desarranjo, Eu tenho medo; lá, lá lá, lá, lá...,
Para te fazer não tem nada que saber, Assim... assim... assim... para gostares mais
de mim, Para Cegar o Medo, Casa-Carrossel, entre outras, é nos apresentada
uma evolução iconográfica em crescendo, cada vez mais exacerbada, que é re-
presentativa dos estados de alma da artista, mas que nos toma também a nós,
espectadores, e nos contrai sobre aquela que é a nossa própria realidade, ao
ponto de quase nos sentirmos implodir.
Numa das salas centrais surgem-nos quatro telas gigantescas, que ocupam todo
o espaço e o fecham sobre nós. Sentimo-nos invadidos, tomados pelo mesmo
medo que ao longo dos anos tem amedrontado a artista. Somos, assim, forço-
samente transportados para o seu universo e obrigados a ver o mundo pelos
seus olhos (ou forçados a ser alvo da observação dos inúmeros olhos presentes
nalguns dos seus trabalhos).
«Defendo-me muito pouco, confesso que não sou uma pessoa de grandes
tapumes.» - entrevista à 30 Dias|Oeiras.
– CONVOCARTE Nº.1 | CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E EVENTOS CULTURAIS
Nos seus trabalhos a tónica não se coloca tanto ao nível da técnica ou do modo
de representação. Muitas vezes o desenho, de carácter recorrentemente infan-
til, extravasa os limites do suporte, e aquilo que nos é dado é apenas uma pe-
quena parcela do pensamento compulsivo da artista. O que é verdadeiramente
relevante é o grafar desse pensamento no suporte e a rapidez com que o mes-
mo é transposto para a tela; quase como se a artista sentisse uma necessidade
premente e constante de purga, de purificação do seu corpo de impurezas ou
matérias indesejáveis (o medo). Neste contexto, as palavras que se inscrevem
na tela resultam de uma escrita automática; são ladainhas, preces a que a artista
recorre para exorcizar esse medo.
No interior, as cinco salas do primeiro piso são espaços amplos que albergam as
instalações que nos contam a primeira parte da história. Na primeira sala, a peça
“Marinetti Il Desinfectadore”, Ferrando introduz o mote futurista da narrativa e faz
uma homenagem ao Futurismo italiano. Com especial destaque para Marinetti,
personalizado na figura central, os percursores do futurismo são representados
pelas malas de viagem flutuantes. Contudo, esta afirmação de influências é revela-
da numa imagem depressiva, que recorda o que foi abandonado nos campos de
concentração nazis após a chegada dos Aliados. É uma partida para um novo lu-
gar, que não se sabe se é bom ou mau, deixando uma terra abandonada, solitária.
Na segunda sala, Ferrando cria uma instalação que tem como intenção dar
dimensão material ao Movimento Fluxus, em que normalmente é o artista o
próprio suporte da arte. Esta peça é descrita como um pedido de ajuda para
pôr fim à fome especialmente dirigido ao presidente dos EUA, Barack Oba-
ma. Contudo, esta intenção nem após a leitura da folha de sala se torna clara,
talvez porque a estética do artista é muito pessoal e é especialmente virada
para o seu próprio sentimento e não se parece preocupar em comunicar com
o público.
Ferrando sugere com as últimas duas peças uma colonização de Marte, após
a destruição da Terra - a narrativa das primeiras peças. A estética torna-se mais
acessível nos últimos dois momentos, o que nos leva a perguntar se não de-
veriam ser, por isso, as primeiras peças a apresentar - é uma questão para a
curadoria.
reutilização de materiais úteis, ou seja materiais com um outro fim que não o
estético-artístico, é um elemento que aumenta a sensação de abandono e de
desumanização presente em toda a exposição. Mesmo nos últimos momen-
tos da exposição - em que, segundo a narrativa, a Humanidade se expande,
chega mais longe e ocupa outros planetas - o sentimento de desumanização
ainda está presente: a humanidade não é mais humana, é metálica, vazia.
Ivo” de 1963.
Ainda neste espaço, está presente uma montra, onde se encontram os es-
tudos para as obras desenvolvidas por Salette Tavares ao longo dos anos, e
alguns livros que inspiraram estas criações. Existe também uma mesa onde
podemos observar fotografias que parecem fazer parte da infância da artista.
Entende-se que ao ser uma exposição retrospetiva, possa existir um certo ca-
rácter biográfico na forma como as obras são apresentadas, a presença de
uma mesa com fotografias da autora acaba por se mostrar bastante acessória,
pois não está ligada à noção da poesia espacial, nem se liga organicamente
com as obras expostas, não enriquece o espólio da exposição.
Em lugar algum.
Antes de mais, a galeria virtual deste Post-Screen Festival tem o efeito de tor-
nar o ecrã visível. Não será esta afirmação uma mera banalidade se pensar-
mos que um dos grandes objetivos da indústria da tecnológia áudio-visual,
tem sido justamente o de criar aparelhos que pelo seu desenho e atributos
técnicos permitam uma experiência em que o ecrã se torne cada vez mais
um elemento invisível, imperceptivel ao olho nu. A visibilidade ou invisibili-
dade do ecrã, torna-se patente em muitas das peças da exposição: Encontra-
mos trabalhos como Researching the Eichman trial (session nº 01), de Kineret
Lourie, ou Resolution Transformation de Laurus Edelbacher, que evidenciam
essa moldura visual mediante o recurso a múltiplas projeções ou a ecrãs di-
vididos; outros que fazem uma utilização de cariz cinematográfico, mais pró-
ximas do enquadramento, ou “janela” tradicional como All that is Solid Melts
into Data (Boaz Levin e Ryan Jeffery); e ainda outras assumindo a eliminação
da moldura, como no hipnótico God, the Devil in the Detail.
Mas talvez seja preciso voltar a recuar no tempo para encontrar aquela que na
minha opinião continua a ser uma chave mestra para compreender a extensão
das transformações que os desenvolvimentos tecnológicos introduziram na
arte feita no último século, e nas quais uma exposição como a que nos é trazi-
da pelo Post-screen Festival, está evidentemente implicada. Refiro-me ao texto
clássico de Walter Benjamin A Obra de Arte na Era da sua Reprodutibilidade
Técnica, escrito em 1936. Não por acaso o título já foi inclusivamente readap-
tado ao contexto dos meios digitais, e rebatizado como A Obra de Arte na Era
da Reprodução Digital (título de um ensaio de Douglas Davis, publicado na
revista digital Leonardo (Vol. 28, No. 5).
“Quem são, como vivem, o que sonham, o que têm a dizer os 7 mil milhões
de habitantes do planeta? O que os une e os separa? Uma exposição que é
o retrato vivo da humanidade dos nossos dias.”
Vagueando pelo espaço, como quem salta de sala para sala, de tema para
tema, saltamos de espaços como quem salta de realidades, percorrendo um
labirinto de memórias.
A importância desta exposição pode não ser óbvia, contudo apresenta uma
profunda reflexão sobre a condição humana e a condição tecnológica cor-
rente. São estas tecnologias que levam á globalização e um conjunto de fe-
nómenos ligados a isso. É uma exposição que está a ser muito bem recebida
e tornou-se popular entre as novas gerações, pois um mundo sem jogos de
vídeo, efeitos especiais de computador, internet, telemoveis etc., é inconce-
bível.
Este tipo de projetos ganha relevância no mundo da arte, contudo, a sua au-
tenticidade e unicidade continua a ser questionada, recusando por vezes a
sua essência enquanto obra de arte. Alexandre Melo, em Sistema da arte con-
temporânea, chega a afirmar que o que é ou não considerado arte varía de
uma sociedade e de uma época para outra, no tempo e no espaço, havendo
mesmo épocas e sociedades em que tal noção não existe. E acrescenta, se um
objeto for consensualmente comentado, transacionado e exposto como se
fosse uma obra de arte, na sociedade e na situação onde se insere, ele é uma
obra de arte.
Num espaço organizado de forma complexa, a ocupação total das paredes das
salas principais e das zonas de passagem entre elas, reforça a multiplicidade
dos olhares dos treze artistas presentes.
O circuito desta exposição inicia-se com a obra mais antiga, Elementos 20 de José
M. Rodrigues, em destaque, de frente para a entrada. De notar, que não existe um
itinerário ou cronologia definidos, podendo-se passar, livremente, de sala para
sala. A restante obra de José M. Rodrigues distribui-se por mais três espaços: uma
sala com as fotografias dispostas em redor de um objecto, um pequeno espaço de
passagem com uma instalação e uma fotografia, e outra instalação, sobre a bacia
com água, existente na galeria. Na primeira sala, todos os trabalhos fotográficos, a
cores, são emoldurados a dourado, tendo todos a mesma dimensão. Estas fotogra-
fias relacionam-se com o objecto no centro da sala, um coração no interior de uma
redoma. Se algumas das imagens têm ligações cromáticas óbvias entre elas, o con-
junto apresenta fortes discrepâncias que dificultam a leitura. Porém, a unidade cria-
da pela montagem cuidada cria um ambiente propício à evocação e à narrativa.
No pequeno espaço, entre a primeira sala e uma das salas que se seguem, en-
contra-se um instalação e uma única fotografia. A instalação, sem título, realiza-
da em 2014, conjuga a fotografia a preto e branco, de um céu nublado, com um
placa de acrílico com algumas aplicações douradas. Do lado oposto da divisão,
pode-se observar uma fotografia a preto e branco de um caracol com uma mol-
dura, tal como as da sala anterior, dourada. Esta divisão, possuí a sua própria
narrativa, e por ser um espaço tão fechado, a imagem das nuvens no céu esta-
belece uma abertura ao mundo exterior.
Os restantes doze artistas têm a sua obra distribuída por duas salas. As suas fo-
tografias apresentam-se com formatos muito variados, dispostas em conjuntos
ou isoladas, com molduras de distintas cores e materiais, que exaltam a dife-
rença e a multiplicidade de “olhares”.
Na outra sala, domina a obra de Trevor Appleson, uma série de sete retratos
individuais (sobre fundo negro) que ocupa toda uma parede. As duas fotogra-
fias, de Paul Graham, da série Television Portrait, com as suas tonalidades escu-
ras e um personagem que se destaca, conjugam-se facilmente com as obras
anteriores. A iluminação nestes trabalhos é um factor determinante para a exal-
tação da personagem. No entanto, as restantes imagens contrastam com esta
Catherine Bertola, Keanu And I (2001) Toda esta diversidade parece confrontar as teorias
e métodos expositivos considerados paradigmá-
ticos: ao invés de paredes quase vazias, de obras
organizadas de forma cronológica, por dimensão e/ou formato, por proposta
temática – assiste-se a um acumular de visões, que surgem simultaneamente,
provocando no observador alguma perplexidade...
140x180cm
real em que as notícias são dadas num tempo cur-
to e numa forma deturpada. Numa luta contra es-
tes poderes maliciosos e dramáticos nascem as
imagens como se fossem gritos de esperança.
Por detrás de cada imagem existirá, sempre, uma diferente melodia da esta-
ção de rádio pública: melodias trágicas, cómicas, alegres, saudosas, depri-
midas, nostálgicas. Cada música é uma emoção e uma história, cabendo ao
espectador construir uma sequência lógica de forma a criar um ritmo próprio,
para assim, compreender e rever-se no ambiente originado por estas imagens
que nada trazem de novo a não ser um reconhecimento daquilo que se deu e
quis eternizar na memória. Deixá-las cair na indiferença ou no silêncio é como
se o rádio tivesse, por fim, deixado de tocar e a morte finalmente se desse
num último e derradeiro ato de vitória.
“Levado pela minha desejosa vontade, vagueio para ver a grande cópia das
várias e estranhas formas feitas pela natureza artificiosa, retorcendo-me ainda
mais por entre os sombreados escolhos, cheguei à entrada de uma grande ca-
verna, ante a qual, fiquei assaz estupefacto e ignorante de tal coisa, os meus rins
dobrados em arco, e posada a mão cansada sobre o joelho, e com a direita fiz
sombra às pestanas baixas e fechadas; e continuamente dobrando-me aqui e
ali para ver se dentro se discernisse alguma coisa; e isto vetando-me a grande
obscuridade que lá dentro havia. E tendo estado <assim> demoradamente, sú-
bito crescem em mim duas coisas: medo e desejo: medo pelo ameaçante e es-
curo antro, desejo de ver se lá dentro houvesse alguma coisa milagrosa.”
Francisco Tropa, tem na natureza do seu ato criativo, uma relação privilegiada
com os jogos da imaginação. Tesouros Submersos do Antigo Egipto é o fruto
dessa imaginação fortemente marcada pelo uso de códigos e processos artísti-
cos, algum deles declaradamente duchampianos. Também Raymond Roussel e
Julio Verne emergem do mapa de referências do artista, assim como as relações
encriptadas com a matriz judaico-cristã da cultura ocidental, presentes através
de conceitos como: céu/terra; alma/corpo; purgatório/inferno.
A Palavra Arquivada é o álbum número seis da série O Que Ficou Do Que Foi
criada por Carla Cabanas (Lisboa, 1979). Desde o passado recente de 2010,
a imprecisão da memória e a inevitabilidade do tempo são aspectos funda-
mentais no trabalho que a artista tem vindo a desenvolver na forma de colec-
ção de imagens. Em 2013, os conjuntos de fotografias deram lugar a conjun-
to de postais e é agora, na sua mais recente exposição patente no Arquivo
Fotográfico Municipal de Lisboa, até 14 de Março de 2015, que a intervenção
manual deixa de o ser, aperfeiçoando a sua precisão com a introdução do au-
tomatismo do recorte a laser.
A Tosca “pela máquina em si, que tem uma aparência tosca” é uma câmara ar-
tesanal estenopeica, ou seja, pinhole, e através dela é captada a relação entre
Magda Fernandes, fotógrafa de formação, e José Domingos, argumentista de
profissão e fotógrafo por paixão, criadores da máquina em questão.
Contudo, alguns aspectos poderiam ser melhorados, como por exemplo a dis-
tribuição do Bartô, as mesas e as cadeiras poderiam ser retiradas, dando aos
espectadores a liberdade de se aproximarem mais das imagens, havendo tam-
bém mais espaço para circular, o que facilitaria a observação das fotografias.
Em breve irá ser publicado o nº1 da TOSCAzine, onde muito provavelmente
será possível visualizar as imagens apresentadas nesta exposição Os Diários
da TOSCA.
A exposição é composta por oito peças autênticas, e mesmo sendo numa ga-
leria, o intuito não é a venda, mas a partilha com o público do trabalho deste
artista de street art. Os trabalhos vão desde escultura, a pintura e instalações,
mesmo as pinturas são um misto de escultura em madeira (MDF) trabalhadas
em baixo e alto relevo. Para além das peças expostas, também, foi realizada
uma obra exterior, na rua de Manica 3, Olivais Sul, Lisboa, peça que integra a
exposição, demonstrando o trabalho do artista fora das quatro paredes.
O tema da exposição, como o próprio nome indica, está relacionada com ri-
tuais de crença de raiz espiritual, religiosa e popular de grande influência sin-
crética. Rituais não só de origem brasileira mas também portuguesa. Esta liga-
ção é reflectida pela peça composta por quatro balões de ar quente, obra sem
título (fig. 1). Representam os balões lançados nas festividades portuguesas
dos Santos Populares, mais precisamente no São João no Porto, prática tam-
bém realizada no Brasil em várias celebrações. Esta peça dá as boas vindas à
exposição, sendo a obra que mais se destaca devido a ser composta por qua-
– CONVOCARTE Nº.1 | CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E EVENTOS CULTURAIS
Ao todo são cento e dez imagens, sem contar com os quatro retratos dos auto-
res, cada um colocado de forma cuidada no começo das suas representações
naturalistas ou citadinas. As fotografias estão, portanto, divididas por autor e
igualmente separadas por temas. Os autores encontram-se ainda distribuídos
ao longo da exposição, estranhamente, pelo seu óbito e não nascimento, jun-
tamente com os diferentes estilos fotográficos: José Medeiros, o fotojornalista
da classe superior e da classe operária; Marcel Gautherot, claramente interes-
sado na beleza da floresta amazónica, nos populares e nas suas festas e no
quotidiano dos mais desfavorecidos; Thomaz Farkas, um apaixonado pelas
formas, não só de prédios, como também de pessoas; e Hans Gunter Flieg, o
fotografo da precisão técnica, com imagens industriais, teatrais e misteriosas.
O circuito tem então início em José Medeiros, figurado pelo seu retrato, senta-
do a beber um chá. Estão representadas trinta e duas fotografias deste autor,
separadas por quatro paredes, sendo que primeiro são visíveis dez, do outro
lado da taipa estão seis, de frente encontram-se mais dez, e na retaguarda
apresentam-se ainda seis, criando portanto um segmento duplo de imagens
de dez por seis. Thomaz Farkas é o próximo nome da lista, retratado com a
sua máquina fotográfica na mão. É visível um desfasamento de imagens com-
parativamente ao autor anterior, sendo que agora são apenas representadas
setenta e duas, mais uma vez fragmentadas em dez por seis, mas com a par-
Catarina Patrício
Two days before the day after tomorrow
SÃO MAMEDE – Galeria de arte
26 Maio 15 – 23 Junho 15
– CONVOCARTE Nº.1 | CRÍTICA DE EXPOSIÇÕES E EVENTOS CULTURAIS
Emília Nadal
O Tempo e a Forma
SÃO MAMEDE – Galeria de arte
26 Maio 15 – 23 Junho 15
Numa das obras patentes na exposição somos confrontados, pela artista, com
a questão: Et ta délivrance? A pergunta leva-nos a refletir sobre se serão as
máquinas a razão da nossa moderna escravidão ou se, pelo contrário, serão a
razão da nossa tão desejada liberdade? Fica a questão…
Emília Nadal já não se rege por esse andar (ou correr?) do tempo. O seu tem-
po, hoje, é o da contemplação, da observação, do ver. José-Augusto França, no
texto que redigiu para a exposição fala-nos, a propósito do desenhar de outro
artista, que este «andava cansado da imaginação e apetecia-lhe uma humil-
dade que não tinha». E, de facto, é situação que muito bem se aplica aqui. A
Calendário (junho)
Desenho a tinta s/ tela, 23 x 80 cm, 2010
Água de Transcendencia
Após o convite da Galeria VIA IDEA, Guilherme Parente propôs uma exposi-
ção mista, com pinturas e aguarelas, mostrando assim duas técnicas e mate-
riais. E subsequentemente a variação preços, permitindo uma maior amplitu-
de de público na aquisição das obras.
Guilherme Parente foi descrito por Augusto França como um “pintor lírico e
fora do tempo”.
Lírico com certeza, pelo universo poético da sua pintura e fora do tempo,
não porque tenha nascido aquém do tempo, ou para além deste mas por-
que, o tempo é um conceito desconhecido e inexistente neste mundo das
ideias imaginadas.
Expôs, na VIA IDEA, uma tela enorme de 2.10 X140 sem engradamento com
o título: “Por mares nunca antes navegados” e uma outra “a travessia “, so-
bre madeira de pau-santo com a figura de um barco, com um elemento tri-
dimensional colado: “escantilhão” incorporando na pintura incorporando a
ondulação da bandeira presa na vela, esta temática não é mágoa das atlânti-
das perdidas, ou do saudosismo dos Descobrimentos que anima, mas a es-
perança, ou desejo de uma recriação da sua expressão.
No próprio trabalho ele usa uma simplicidade semelhante à usada por elas,
empregando cores intensas inspiradas por uma viagem ou por um sonho re-
criando um mundo através da imaginação
Seu professor e Mestre Cid dos Santos, conjuntamente com Anthony Gross,
reconheceram nele um “artista sensível, dotado de imaginação”.
Estamos perante um artista que viaja do sonho para a matéria. Usa o seu liris-
mo para narrar um mundo simbólico, onde os objetos e figuras, são muito mais
que meras representações gráficas. Elas representam signos e mitos que reve-
lam um pensamento profundo de Ser.
É uma pintura onde o sonho é tornado visível, onde não existe tempo porque
as emoções, afetos e imaginação não se quantificam, só se sentem.
O nome que intitula a exposição é ambíguo, se por um lado tem uma referên-
cia direta às águas reais, à memória histórica de um Povo de navegadores e
descobridores, onde eramos o Povo Rei do Mar, por outro podemos pensar
que a utilização da folha de ouro nas suas pinturas confere uma analogia à,
“Água-régia”, (líquido capaz de dissolver metais nobres) porque como ela, a
sua pintura também dissolve o observador na sua narrativa simbólica e trans-
forma-o, alcançando a verdade e curando-o dos males da vida.
353
âmbito museográfico, tendo sido director durante vários anos do Museu
de Arte Antiga, apresentou o seu diálogo com a prática crítica, que tem
exercido regularmente desde os anos 60, transportando essa experiência
de décadas, desde tempos dinâmicos da actividade até à sua derrisão ac-
tual. Sandra Vieira Jürgens, representando gerações mais recentes, apre-
sentou envolvimentos da crítica com a curadoria e o uso de plataformas
digitais para as quais se tem deslocado a crítica de arte, abrindo espaços
de discussão sobre a actividade nestes novos suportes. Sílvia Chicó iniciou
a sua apresentação com reflexões sobre a vasta actividade de Rui Mário
Gonçalves, tendo numa segunda parte, apresentado o seu percurso pes-
soal, enquanto crítica, professora e curadora, com atenção ao lugar do fe-
minino nestas áreas.
– CONVOCARTE Nº.1 | ACTIVIDADES CONVOCARTE
11 de maio – https://educast.fccn.pt/vod/clips/1680fq51w7/link_box
18 de maio – https://educast.fccn.pt/vod/clips/1ojgjnzd3g/link_box
25 de maio – https://educast.fccn.pt/vod/clips/2khzgjmdri/link_box
Procedimentos e Orientações de
Publicação em Convocarte
355
O Espírito da Revista Convocarte
É uma revista com Leitura e Revisão de Pares (peer review), sem chamada de textos
(call for papers) mas com base na discussão e sugestão. A principal função é criar um
espaço de discussão e publicação de questões múltiplas do mundo (plural) das artes.
Processos Editoriais
Não há submissão de textos, e é nesse espírito que deve actuar o Conselho Científico
Editorial. A relevância deste método de revisão de pares (com espírito de discussão
de pares) é criar um espaço de debate e partilha científicos pré-editorial, que preten-
de ser uma forma aberta e dialogante entre especialistas das Ciências da Arte em ge-
ral. Por isso, a revisão não é duplamente cega, mas apenas para os autores. Qualquer
membro do Conselho Científico Editorial que apresente texto para o Dossier Temá-
tico, terá que colocar o seu trabalho também em processo de revisão. Nenhum ele-
mento do Conselho Científico Editorial faz revisão do seu texto ou de um autor que
tenha proposta. É apenas a Coordenação que tem a função de organizar e distribuir
os textos para revisão.
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e) Competência argumentativa e crítica.
f) Domínio de conhecimentos artísticos, históricos, estéticos, e filosóficos.
Cada texto do Dossier Temático será apreciado por dois revisores do Conselho
Científico Editorial.
1. Texto geral de c.30.000 (ou entre 20.000 e 35.000) caracteres sem espaços
2. Um resumo (abstract) em inglês ou francês de c.850 caracteres sem espaços
3. Até ao máximo de 8 imagens para reprodução, com devida indicação das respectivas
legendagens (as imagens poderão ser a cores; os processo de autorização e a responsabi-
lidade dos direitos de reprodução das imagens são da responsabilidade do autor do texto)
4. Direitos de autor: dentro do abrigo das edições da Universidade de Lisboa. Cada
autor será responsabilidade por qualquer acto de plágio ou de indevida autorização
de reprodução de imagens ou trechos que escapem à supervisão do Conselho Cien-
tífico Editorial.
5. Utilização coerente de princípios universitários de indicação das fontes documen-
tais e bibliográficas (o sistema e norma adoptados serão da opção de cada autor, mas
o Conselho Científico Editorial pode pronunciar-se sobre a sua adequação e rigor).
6. A redacção dos textos em português a Coordenação deixa a cada autor a liberdade e
responsabilidade de escolha da utilização do acordo ortográfico ou da antiga ortografia.
7. Os textos podem ser apresentados nas seguintes línguas, adequadas à origem e
formação dos respectivos autores: português, espanhol, francês e inglês.
Qualquer outra excepção será apreciada pelo Conselho Científico Editorial e fará par-
te do seu comentário. A decisão final dessas excepções caberá à Coordenação Geral
e ao Coordenador do Dossier Temático.
Os comentários do Conselho Científico Editorial são devolvidos aos autores tal como
chegam à Coordenação Geral e Temática, mantendo-se todas as opções pessoais da
apreciação qualitativa. Embora sejam sugestões, sublinha-se uma sua leitura atenta por
parte dos autores. Pretende-se depois que, perante estas análises críticas, estes ponde-
359
rem necessárias alterações: revendo, corrigindo, justificando, cortando, acrescentando,
deslocando, etc. A principal intenção da apreciação qualitativa, destaque-se, é a melho-
ria qualitativa dos textos através de um plano intersubjectivo de funcionamento.
Sendo aceite pela Coordenação, os trabalhos seguem os processos gerais dos ou-
tros textos, para leituras e sugestões do Conselho Científico Editorial.
Também podem ser propostos textos para as restantes pastas da revista Convocarte,
ficando neste caso à responsabilidade da Coordenação Geral, com possíveis con-
sultas a membros do Conselho Científico Editorial ou a Coordenadores de linhas de
investigação do CIEBA.
Apresentação do Dossier Temático
do nº2 de Convocarte: «Arte e
Geometria»
Isto faz com que o estudo abrangente das várias formas de aplicação da Geometria
na Arte seja essencial. Aceitando que a bibliografia existente no campo da análise
geométrica e composicional de pintura, arquitectura ou escultura é considerável, é
inevitável notar que a mesma deve mais à iniciativa individual dos seus autores do
que a uma linha metodológica estabelecida, como acontece por exemplo na história
da arte ou outros campos de análise da imagem (casos de Charles Bouleau, Matila
Ghyka, Robert Lawlor ou Martin Kemp).
Reunir estratégias de investigação mais recentes sobre o tema contribuirá para cla-
rificar e enriquecer metodologias no campo da Geometria aplicada à Arte. Estudos
de caso podem incluir ainda artistas plásticos contemporâneos que fazem uso de
361
propriedades geométricas na sua obra, aplicações que entrecruzam ciências e per-
cepção visual (como o caso da cartografia) ou mesmo o estudo da relação da Geo-
metria com a simbologia.
Contudo, o tema, com vasta profundidade histórica, artística e cultural, tem estado
esquecido nos debates recentes do mundo universitário, como que fora de moda,
pelo que a sua convocação de estudos actuais, se apresente um desafio particular a
que a Convocarte resolveu avocar. Apresentamos alguns motes, com exemplos ge-
néricos, de desenvolvimentos possíveis de propostas de texto. Longe de ser exclusi-
va, esta é uma amostra das potencialidades do tema:
363
– CONVOCARTE Nº.1 | PROCEDIMENTOS E ORIENTAÇÕES DE PUBLICAÇÃO EM CONVOCARTE