Guacira Waldeck (Org.) - Coleção Mario Schenberg

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pintura coleção Mario Schenberg

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Vamos voltar à minha

filiação à poesia. Você

tem aí uma intuição que

ciência nenhuma pode dar.

Ver, no outro, um artista

criador, que você tem de

olhar como uma pessoa,

um indivíduo, com o seu

universo, o seu mundo,

os seus símbolos – toda a

sua história de vida.

Lélia Coelho Frota (1937-2010), acervo CNFCP

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Ministro da Cultura Luminotécnica
Juca Ferreira Arnaldo Costa Filho

Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico Edição de vídeo e imagens


e Artístico Nacional Alexandre Coelho
Luiz Fernando de Almeida
Conservação do acervo
Diretora do Departamento de Patrimônio Imaterial Vanessa Moraes Ferreira
Márcia Sant’Anna Carolina Pontim
Daniele dos Santos da Silva
Diretora do Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular
Claudia Marcia Ferreira Documentação do acervo
Vânia Dolores Estevam de Oliveira
Coordenação Técnica Luciana Lacombe Magoulas (estagiária)
Lucia Yunes Mariana Gomes Lameu (estagiária)

Coordenador do Setor de Pesquisa Reproduções fotográficas das obras


Maria Elisabeth Costa Francisco Moreira da Costa|Acervo CNFCP

Coordenadora do Museu de Folclore Edison Carneiro Agradecimentos


Elizabeth Bittencourt Paiva Pougy Centro Mario schenberg de documentação
da pesquisa em artes|Eca-usp
Coordenadora da Biblioteca Amadeu Amaral
Marisa Colnago Coelho Realização
Coordenadora do Setor de Difusão Cultural Centro Nacional de Folclore e Cultura
Lucila Silva Telles Popular|Iphan

Coordenação Administrativa
Luiz Otávio Monteiro

pintura coleção Mario Schenberg


Apoio
Associação Cultural dos Amigos do
Museu de Folclore Edison Carneiro

EXPOSIÇÃO

Concepção, pesquisa e textos


Guacira Waldeck

Projeto expográfico
Luiz Carlos Ferreira
Talita de Castro Miranda (assistente)

Edição e revisão de textos


Lucila Silva Telles P659 Pintura : coleção Mario Schenberg / texto e organização:
Ana Clara das Vestes Guacira Waldeck. -- Rio de Janeiro : IPHAN, CNFCP, 2010.

Programação Visual 56 p. : il.


Rita Horta e Lígia Melges

Produção e montagem ISBN: 978-85-7334-181-2


Cristiane de Lima Ferreira
Jorge Guilherme de Lima Catálogo da exposição realizada na Galeria Mestre Vitalino,
Leila Teles no período de 14 de dezembro de 2010 a 30 de janeiro de 2011.
Luiz Carlos Ferreira
Talita de Castro Miranda 1. Pintura popular – Brasil. 2. Pintura – Coleções e colecionadores. II.
LCG Produções Waldeck, Guacira, org.

CDU 75(81)

cnfcp | iphan | minc | 2010


Apresentação Escritora, poeta, museóloga, historiadora da arte e antropóloga, Lélia (1938-2010) exerceu
com paixão e competência a crítica da arte, rompendo com cânones estabelecidos para o estudo
As telas que compõem esta exposição integram a Coleção Mario Schenberg e foram doadas da produção artística das classes populares, “colocada à margem por norma ‘culta’ da sociedade,
por ele ao acervo do Museu de Folclore Edison Carneiro em 1983. A incorporação destas obras que paternaliza ou ignora uma espécie de criatividade que, por seu caráter mitopoético, escapa a
ao patrimônio público deve-se à visão e gestão de Lélia Coelho Frota, que dirigiu o então Instituto seu rigor intelectualista” (idem, pág.56).
Nacional do Folclore, que hoje, com nova denominação, temos orgulho e prazer de representar.
Como historiadora da arte, publica dois trabalhos de especial interesse para entendermos os
É a primeira vez que são expostas em conjunto, e cabe dizer que se trata de uma pequena artistas e as obras da Coleção Mario Schenberg. O primeiro, e talvez mais importante pelo ineditis-
parte da coleção de pinturas “primitivas” do renomado físico brasileiro de expressão internacional mo da abordagem antropológica sobre a produção estética que privilegia a narrativa dos próprios
e crítico de arte com destacada atuação nacional. artistas, é Mitopoética de 9 artistas brasileiros, editado em 1978, com prefácio de Clarival do Prado
A mostra estava planejada para uma edição especial, com a curadoria de Lélia Frota. La- Valladares. Nesse livro Lélia dá voz aos nove artistas ‘liminares’ entre a origem popular e a criação
mentavelmente a saúde debilitada da poeta superou sua incrível força e disposição de seguir de indiscutível valor estético aceita em nichos sociais que não lhes são familiares ou acessíveis,
produzindo, indagando, instigando a crítica e os meios, a realidade e os conceitos, os indivíduos ao tempo que analisa suas obras com densidade e propósito explícito de “contribuir para a sua
e as coletividades, para projetar os artistas, a arte e a cultura de seu mundo, de seu trabalho, correta conceituação no âmbito das artes plásticas que denominamos de cultas”. O outro livro, de
de sua vida. Ficamos tristes e sós nessa empreitada. E sua falta se projeta em homenagem, em especial importância como obra de referência, é o Pequeno dicionário da arte do povo brasileiro, que
reconhecimento, que prestamos na apresentação desta mostra. Difícil tarefa, pois o espaço e o apresenta 150 verbetes de artistas, tendo estabelecido, com muitos deles, permanentes trocas,
tempo da perda são ainda curtos para expressar o muito que ela nos enriqueceu com ideias e resultado de fôlego de mais de 30 anos de pesquisa. Este é seu último trabalho, publicado em 2005.
questionamentos, com artigos e discussões, com projetos e posturas. Os pintores que integram a Coleção Schenberg pertencem exatamente ao universo estudado e
Sem dúvida alguma, a curadoria inicialmente ensaiada ofereceria uma oportunidade ímpar, qualificado por Lélia. Mario certamente reconheceu e prestigiou sua iniciativa de negociar a doação, e
posto que Lélia e Mario comungavam dos mesmos interesses na análise e crítica da arte e em sua selecionou pessoalmente, no seu apartamento-museu na cidade de São Paulo, as 221 obras para doar
importância cultural e política para a formação da sociedade brasileira. Certamente, o conheci- ao Museu, que se constituiu, nesse mesmo período, no grande palco das transformações conceituais
mento e respeito mútuos foram determinantes para tornar pública esta coleção. Partilhavam do que marcaram a direção de Lélia Frota no Instituto Nacional do Folclore.
entendimento de que estudar e valorizar as expressões artísticas e suas diferentes visões de mun- De lá para cá, o Museu de Folclore Edison Carneiro ganhou prestígio e importância, e sua
do é essencial para compreender e reconhecer uma sociedade, uma nação que se projeta na ação atuação, integrada ao hoje denominado Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular, permite o
de seus indivíduos criadores, inovando e alimentando os processos sociais e o desenvolvimento desenvolvimento do programa de exposições temporárias da Galeria Mestre Vitalino.
humano. O interesse pela cultura do país que acena para uma sociedade de base humanista deter-
mina as contribuições intelectuais desses dois expoentes da história e da crítica da arte brasileira. Abrimos, mais uma vez, as portas da GMV para propor leituras e aproximações do mundo da
arte e do universo dos artistas instigadas pela curadoria da pesquisadora Guacira Waldeck, museo-
Em nossos dias não se pode julgar a importância efetiva de um povo pelo produto nacional bruto, pela grafia de Luiz Carlos Ferreira e atuação de muitos outros profissionais deste Centro, que se orgulha
renda nacional per capita e nem mesmo pelo nível tecnológico e científico. É preciso avaliar a sua de sua história e daqueles que contribuíram de modo tão especial para a vitalidade institucional.
capacidade de criação cultural radicalmente inovadora.
Mario Schenberg Obrigada, Lélia, por tudo que nos legou. Nossa homenagem vai junto com as pinceladas, textu-
ras, motivos, perspectivas, composições e cores dos artistas desta coleção. Vai junto com a emoção,
Mario Schenberg (1914-1990) constituiu sua coleção de pintura em meio às atividades a intenção, a intuição e o desejo de expressão estética de diferentes indivíduos, de visões singulares.
científicas da teoria da física e da atuação no campo da política, onde foi eleito duas vezes para
deputado estadual pelo Estado de São Paulo - pelo PCB em 1946 e pelo PTB em 1962 -, embora
Claudia Marcia Ferreira
nunca tenha exercido mandato porque foi cassado nas duas ocasiões. Impregnado pelos estudos
da arte e envolvido com expoentes das artes e da cultura brasileira, dos quais podemos destacar diretora | Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular
Volpi e Oswald de Andrade, dentre muitos outros, propagou, insistentemente, o entendimento
integrado das perspectivas científica e artística, rompendo fronteiras em busca de uma sociedade
humanista.
O grande impasse de nossa época, que se reflete no campo do comportamento, e por conseguinte no de todas
as artes, parece ser a incompatibilidade entre ciência e humanismo, que deveriam idealmente completar-se,
como prefigura a paidéia dos gregos. A causa dessa desarmonia reside no endeusamento e glorificação da
tecnologia, apanágio das civilizações cumulativas, compreendendo problemas sociais tão contemporâneos
como a contaminação das águas, o ruído, o congestionamento urbano, a destruição da natureza.
Fontes: http://shenberg.vilabol.uol.com.br/biografia.htm e http://jornalopcao.
Lélia Frota; “Criação individual e coletividade”, catálogo exposição 7 Brasileiros e seu universo, pág.54,1974
com.br/index.asp?secao=Reportagens&idjornal=358&idrep=3029. Acesso
em agosto/2010.
Coleção Mario Schenberg
A ideia desta exposição nasceu nesses momentos em que percorre-
mos a reserva técnica para seleção de peças de acervo. De um lado, telas
que ali estavam sempre me pareceram pertencer a uma classe de seres
totalmente absorvidos pela quietude e sombra tão características dos
acervos, das reservas, desses sagrados domínios de guarda e memória.
Havia, contudo, quem poderia retirá-las desse silêncio, lhes dar corpo e
alma, fazendo ecoarem a voz e a presença de cada um dos artistas.
Foi em 2009 que levei a Lélia Coelho Frota a proposta de que escre-
vesse o catálogo para a exposição das telas da coleção do físico, crítico
de arte e colecionador pernambucano Mario Schenberg (1914-1990),
doadas durante a sua gestão do então Instituto Nacional do Folclore,
em 1983. Seu rosto iluminou-se – “é um enorme prazer”. Já sabia que
cumpria seus incontáveis compromissos de trabalho, com sua proverbial
energia e entusiasmo, travando duelo com a doença. Sempre adiei a con-
versa, com a esperança de que ela, plenamente recuperada, pudesse,
com calma, sem a pressão de prazos, escrever sobre a coleção. Infeliz-
mente, sua ausência malogrou nosso propósito, mas decidimos prosse-
guir, como forma de homenageá-la.
O físico pernambucano Mario Schenberg (Recife, 1914 – São Paulo,
1990) distinguiu-se no meio acadêmico por relevantes pesquisas nos
campos da física e da matemática. De 1948 a 1953, lecionou na Univer-
sidade de Bruxelas. Foi diretor do Departamento de Física da Faculdade
de Filosofia, Ciência e Letras da USP, de 1953 a 1961; na década de 60,
lecionou no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, no Rio de Janeiro. Foi
membro da Academia Brasileira de Ciências, membro da Academia de
Lélia Coelho Frota e Gilberto Freire

Cerimônia Comemorativa dos 50 anos de Casa Grande e Senzala, 1983


Ciências do Estado de São Paulo, bem como da Academia de Ciências
Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular da América Latina, em Caracas. Entre 1978 e 1981 ocupou a presidência
da Sociedade Brasileira de Física. Trabalhou em importantes centros de
pesquisa no exterior, tendo sido colaborador de cientistas laureados com
Prêmio Nobel de Física e, entre seus alunos, no Brasil, destacaram-se os
físicos César Lattes, José Leite Lopes, entre outros. Em 1983, recebeu,
na área de física, o Prêmio Nacional de Ciência e Tecnologia, do CNPq.
Em seu currículo artístico, afirma que, na meninice, as viagens ao
exterior, as visitas a museus e a exposições despertaram o interesse pela
arte. Registra, em 1939, em Paris, o encontro com Di Cavalcanti, começa

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a estudar história da arte e conhece o físico e crítico de cinema Plínio No ofício 461/[19]83, de 4 de novembro daquele ano, Lélia, então,
Sussekind Rocha, e o historiador e crítico de cinema Paulo Emílio Sales escrevia ao amigo, solicitando dados complementares fundamentais: “É
Gomes. Sua iniciação, digamos, como crítico de arte, concretiza-se em da maior importância para nós possuir dados relativos aos artistas e bio-
1944, quando fotografa as telas, organiza e escreve para o catálogo da grafias, bem como aqueles referentes às obras propriamente ditas.”
primeira exposição do pintor Alfredo Volpi. Selou elos com diversos artis- Ainda em 83, era inaugurado o projeto pioneiro da Sala do Artista
tas, como Lasar Segall, Flávio Carvalho, Candido Portinari, José Pancetti, Popular, e Lélia deixava em texto de apresentação do primeiro catálogo
Bruno Giorgi, Mira Schendel, Roberto Moriconi, Waldomiro de Deus, o testemunho de sua visão modernista, abrangente, da arte como habili-
Aloísio Siqueira, Hélio Oiticica, Antonio Dias, Rubens Gerschman, entre dade envolvida nos saberes associados à vida cotidiana, às celebrações,
outros. Conviveu com importantes críticos de arte, como Lourival Gomes como reinvenção individual, personalíssima, fruto de encontro, nego-
Machado e Mário Pedrosa. ciação de tradições culturais diversas, como resultado de processo de
Mario Schenberg colaborou em periódicos e revistas de arte, tendo urbanização e migrações em direção às metrópoles.
escrito textos de apresentação em catálogos de vários artistas de reno- Ao procurar pistas sobre o acervo, identifiquei um projeto que se es-
me. Integrou a comissão nacional de seleção das bienais de 1965, 1967 tendeu de 1984 a 1986, intitulado Projeto Estudo de Coleção: Pintura, coor-
e 1969. Foi membro da Associação Internacional de Críticos de Arte e da denado por Ricardo Gomes Lima, que contou com a especial colaboração
Associação Brasileira de Críticos de Arte. da artista plástica e então funcionária Maria Lúcia Luz. São ao todo 10 fitas
No artigo “Waldomiro de Deus por Mario Schenberg”, a historia- de gravação e fotos realizadas em São Paulo, Embu e Atibaia. A presen-
dora de arte Alecsandra Matias de Oliveira (2007) assinala que o físico ça de Lélia se destaca na memorável entrevista que realiza, em 1984, em
pernambucano inicia-se na crítica analisando o pintor Alfredo Volpi, em Osasco, na casa de Waldomiro de Deus.
1944, e que os anos 60 e 70, fase em que sofreu perseguição política, fo- O Projeto expressa a filosofia de trabalho que Lélia então implan-
ram o período em que mais se dedicou à crítica, figurando como impor- tara, o seu propósito de dar conta do contexto de vida, “da cultura dos
tante mediador de ditos artistas primitivistas. O então Instituto Nacional produtores e usuários”, buscando captar o objeto como “centro irradia-
do Folclore recebeu, em 1983, o total de 221 “obras de arte primitivistas”, dor polissêmico da cultura que o gerou” e assim retirá-lo daquela condi-
entre telas e desenhos, segundo o termo de responsabilidade firmado ção em que jaz nas reservas – “muda, em termos de valor como objetos
entre a Funarte – Fundação Nacional de Artes – e Mario Schenberg. documentos” (Frota, 2006: 161).
Dessa coleção fazem parte A. Peixoto, Agostinho Batista de Freitas, Alo-
Em linhas gerais, a iniciativa ampliava a atuação pioneira da pes-
ísio Lucas Siqueira, Bajado (Euclides Francisco Amâncio), Farid Gerber,
quisadora e crítica, que, em 1975, publicou Mitopoética de 9 artistas po-
Descartes Marques Gadelha, Edson Pereira Lima, Ernesto Meyer Filho,
pulares. “A arte, para eles, faz parte do fluxo da vida” (Frota, 1975: 22) é
Djanira Maria Volpi, Elza Maria de Souza, Ivoneth Gomes Miessa, Lour-
um dos argumentos centrais da autora, ao questionar certos rótulos que
des Guanabara (Maria de Lourdes Araújo), Marcia Tabôa, Maria Isabel
vêm a reboque do termo “artistas primitivos”, como se eles pertences-
dos Santos, Mozinha (Guiomar Job Guerra), Neuton Freitas de Andrade,
sem a um mundo totalmente separado – “rústico, pitoresco ou trágico”.
Violette Fernezlian, Pery (Pedro Ricardo Soares de Oliveira), Raquel Kam-
Sua atividade consiste em sair em defesa da dissipação de fronteiras que
binda (Raquel Trindade de Souza), Rita, Waldomiro de Deus, entre outros.
erguem hierarquias e, assim, redefinir o lugar que artistas e objetos então
Entre os objetivos do termo de compromisso, constava o propósito de
ocupavam, conforme é possível observar na passagem em que afirma
“editar um catálogo das obras doadas contendo reproduções de pelo
ter esperança de que “a arte ínsita tenha respeitada a sua fisionomia e
menos uma obra de cada um dos artistas”, bem como de dar o seu nome
que, com apoio adequado, o indivíduo criador não se veja premido a al-
[Mario Schenberg] “a um dos principais espaços do referido Museu”.
terar comercialmente o seu modo de ser e a sua representação plástica”

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(Idem: 23). Nesse sentido, Lélia sugere a oposição entre a “criatividade sobre quem as produziu, verificar, se houvesse, títulos de obras, datas.
genuína que deriva da tensão equilibrada entre o inconsciente e a realida- Na fala de Ricardo, entrevemos que o Projeto resultaria na edição,
de, e a produção que já nasce consumida pelo mercado de arte, dirigida à pelo INF/Funarte, de um catálogo de todo o acervo de pintura, com um
cultura de massa e que leva o nome de primitivista” (p. 33) [grifo da autora]. verbete de cada artista, bem como o endereço, a fim de que o leitor in-
A oposição entre “criatividade genuína” e “produção que já nasce teressado pudesse contatá-lo diretamente. Certamente o elenco de difi-
consumida pelo mercado” possui certa afinidade eletiva com as ideias culdades cotidianas da instituição – escassez de recursos, de quadro de
de Edward Sapir (1884-1939), em “Culture: genuine and spurious”, publi- pessoal – somado ao desmonte das instituições federais de cultura, nos
cado em 1924. De acordo com o historiador George Stocking Jr. (1985), a anos 1990, adiaram o projeto.
edição pode ser considerada o “documento fundador” da “sensibilidade É interessante ressaltar que o ingresso da pintura nessa coleção de
etnográfica nos anos 1920”, nos Estados Unidos. O linguista e etnógrafo certa maneira difere de algumas concepções que orientavam os estudos
discípulo de Franz Boas propunha uma linha que distinguisse as categorias do folclore – tecnologias tradicionais, ênfase em materiais como o barro,
civilização e cultura, “cultura genuína” e “cultura espúria”. Percebe-se, da madeira, fibras naturais, objetos do cotidiano –, o que não significa igno-
plataforma de Sapir em Lélia, que a cultura espúria estaria inteiramente rar a emergência desse novo campo de pintores. Em “Artes populares:
inclinada aos apetites incoercíveis do mercado ou, nos termos de Sapir, seu universo e diversidade”, um dos textos de apresentação do Dicioná-
aos fins práticos imediatos, mecânicos que transfiguram homens e mu- rio das artes plásticas no Brasil, Edison Carneiro (1912-1972), diretor da
lheres em apáticos apêndices de máquinas, destituídos de espaço para o Campanha de Defesa do Folclore Brasileiro de 1961 a 1964, destacava
exercício da criatividade livre, que seria para esse autor um valor universal. que ainda havia “um mundo por descobrir”, mencionando o “sentimento
A criatividade genuína supõe a possibilidade de expressão livre, individual, coletivo” que se oculta “nas formas e nas cores”. Não por acaso destaca
um vínculo harmônico entre o indivíduo e a cultura. os “milagres”, ex-votos pintados para serem depositados na igreja como
testemunhos de fé e gratidão. Feitos por encomenda, eles expressam a
Projeto Estudo de Coleção: Pintura
devoção e trazem a voz que se ergue suplicante ao céu, não sendo con-
O objetivo do Projeto Estudo de Coleção: Pintura era cobrir as lacu- feccionados, portanto, para a contemplação silenciosa, desinteressada.
nas do acervo doado pelo físico pernambucano; um trabalho de detetive. Para ele, a criatividade individual corresponde a fatos corriqueiros,
Na agenda, uns poucos endereços, a partir dos quais se pretendia então cotidianos, aos festejos coletivos: “a pintura responde por murais de
desvendar uma rede bem maior de pintores que se concentravam em botequim, letreiros de barraca de feira, anúncios de festejos populares e
São Paulo, identificando os artistas da coleção e, por intermédio destes, efígies de santos, no levantamento de mastros”. Chega até a mencionar
outros. Entretanto, nem todos os artistas presentes na coleção foram acervos como o do Museu Nacional, que abriga “painel pernambucano
documentados – alguns nem em São Paulo residiam. Além das casas de aviso de bumba-meu-boi”. Entretanto, não ignora a emergência de
visitadas, alguns pontos emblemáticos da efervescência da vida cultural pintores, sobretudo no eixo Rio–São Paulo:
de São Paulo tornaram-se, assim, itinerários obrigatórios para os pesqui-
Desenho e pintura mais livres de vínculos diretos com outras atividades
sadores em campo: a feira da Praça da República, bem como a localida-
artísticas populares começam a desenvolver-se no centro sul, e sobretudo
de do Embu, onde alguns pintores então residiam e expunham. Na baga- em São Paulo, com o pintor José Antônio Silva e o desenhista Tio Quincas
gem, gravador, câmera fotográfica e um conjunto de imagens, em slides, (Joaquim Garcia Lopes, de Patrocínio Paulista, nascido em 1885), entre outros.
do acervo de pinturas do Museu de Folclore, para mostrá-las aos artistas
A “emergência de pintores, sobretudo nos centros Rio e São Paulo”,
entrevistados. Ricardo Gomes Lima, ao justificar sua presença na casa
é indissociável da atividade de outros artistas, colecionadores, folclo-
das pessoas, que tão bem o recebiam, mencionava a coleção de Mario
ristas e instituições como o Masp – Museu de Arte de São Paulo Assis
Schenberg, a exigência da instituição de documentá-la, de saber mais

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Chateaubriand. Convém assinalar que esse museu, numa fase ainda Internacional de São Paulo que recebia Heitor dos Prazeres. A ativida-
tão rarefeita de instituições museológicas no país, então presidido pelo de de Lélia Coelho Frota, de Mario Schenberg, de Pietro Maria Bardi,
italiano Pietro Maria Bardi (1900-1999) desde sua criação, em 1947, foi a de Rossini Tavares de Lima (1915-1987) corre nessa esteira de redefinir
primeira instituição a receber, em 1949, uma exposição de arte popular: como artistas aqueles sem iniciação formal, que vinham de longe, da
Arte Popular Pernambucana, organizada pelo artista plástico pernam- zona rural para a cidade.
bucano Augusto Rodrigues (1913-1993), que a considerou a “exposição Entre as fitas gravadas pelo Projeto Estudo de Coleção, assoma a
oficial” (apud Mello, 1995). Era uma mostra diversa de arte popular, com menção calorosa a Edison Carneiro na fala de Raquel Trindade, filha do
esculturas de cerâmica, ex-votos esculpidos em madeira, bonecos de poeta Solano Trindade (1908-1974), ao citar sua colaboração na então Co-
apresentações de mamulengo (Waldeck, 2009). missão Nacional de Folclore, para a criação, em 1950, do Teatro Popular
Em 1947, Augusto Rodrigues havia organizado, no Rio de Janeiro, Brasileiro2. Mais tarde, em 1975, participa do “movimento de arte coletivo
a exposição Cerâmica Popular Pernambucana, interpretada na literatura do Embu”, que previa a criação de um ateliê de arte e de uma biblioteca
como marco da “descoberta das artes populares” e “revelação de Mestre que reunisse acervo sobre cultura popular. Seria a Biblioteca Edison Car-
Vitalino” (Frota, 2005). O Museu de Arte de São Paulo abrigou, em 1948, neiro, segundo Raquel. Ele defendia naqueles anos, portanto, a criação de
a 1ª Exposição de Arte do Hospital do Juqueri, organizada pelo psiquia- um ateliê que pudesse ser o ponto de encontro e trabalho de todos os pin-
tra e crítico de arte Osório César, responsável pela criação da seção de tores do Embu, uma espécie de Ponto de Cultura 3 avant la lettre.
artes plásticas para os internos daquela instituição. A realização dessa Nas entrevistas dos artistas, são recorrentes as menções ao “pro-
mostra pode ser entendida em parte como eco da atuação do pintor e fessor Mario Schenberg”, à categoria “pintor primitivo”, a exposições em
escultor francês Jean Dubuffet (1901-1985), que, em 1945, com o termo galerias, na Praça da República e no Embu. Em comum, a maioria migra
art brut, constituiu como arte as criações que considerava livres de dita- da zona rural para São Paulo, embora Raquel Trindade tenha vivido na
mes acadêmicos, fruto de impulso espontâneo, inconsciente, de crian- cidade do Rio de Janeiro, e, quando se volta para a pintura, já havia, em
ças, prisioneiros e portadores de doença mental. 1955, participado de um circuito de apresentações de dança pela Europa
Lélia Coelho Frota assinala uma série de mediações, mudanças de com o grupo do pai. Bajado passou a vida em Pernambuco, e Meyer Fi-
mentalidade, atividades de artistas modernistas, com suas “descober- lho, em Santa Catarina; Farid Gerber era interno do Complexo Hospitalar
tas”, sem esquecer os processos institucionais que demarcam a adesão Juqueri, na cidade de Franco da Rocha, SP.
a padrões estéticos dissonantes daqueles de armadura acadêmica. Para “Riscos no chão e nas árvores com um graveto”, como em Agos-
as vanguardas europeias, um desses marcos simbólicos foi a presença tinho Batista Freitas, “uso de carvão para desenhar nas calçadas”, em
do aduaneiro Henri Rousseau (1844-1910) no Salão dos Independentes, Edson Lima, e o temperamento distraído que se revelava no desenho nos
em Paris, em 1886. No Brasil, a autora destaca a realização, em 1931, do cadernos, durante as aulas, para quem chegou a ter assento nos bancos
Salão Revolucionário – 38ª Exposição Geral de Belas Artes –, da Escola escolares, eram apenas brincadeiras e travessuras de meninice que os
Nacional de Belas Artes, presidido pelo poeta, tradutor e crítico Manuel entrevistados mencionam na tentativa de justificar o interesse futuro por
Bandeira (1886-1968), indicado pelo diretor da instituição, Lúcio Cos- tintas, telas e pincéis.
ta (1902-1998). Nela, Cardosinho1, que recebeu o estímulo de Portinari
Ao se classificarem como “pintores primitivos”, esses artistas da
(1903-1962), expõe pela primeira vez, ao lado de pintores como Tarsila
coleção Mario Schenberg certamente trazem consigo a atribuição de
do Amaral (1886-1973), Cícero Dias (1907-2003), Victor Brecheret (1894-
valor a seu trabalho feita por críticos de arte e galeristas. Não cabe aqui
1955), Anita Malfatti (1889-1964), entre outros. Ainda nos anos 40, Chico
discorrer sobre “primitivismo” e “primitivo”, termos tão caros à revolução
Silva (Francisco Domingos da Silva, 1910-1985) fora “descoberto” pelo
estética empreendida desde o final do século 19 por artistas europeus
crítico e pintor suíço Pierre Chabloz (1910-1984). Em 1951, era a 1ª Bienal

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modernistas. Em linhas gerais, é uma fase em que, para usar um concei- (Oliveira, 2007). De início, Mario Schenberg foi essencial na abertura de
to do historiador norte-americano James Clifford (1994), a categoria arte espaço para o artista no exterior. Seu trabalho em desenhos e telas, “a
se expande além das regras ditadas pelos cânones acadêmicos, além um tempo irreverente e místico”, diz Lélia, revela um homem atento às
das fronteiras eruditas do mundo ocidental. questões de seu tempo, inquieto, que subverteu inteiramente a icono-
Essa expansão passava então a incluir o “outro”, estivesse ele num grafia religiosa ao pintar imagens de santos como se fossem pessoas
território supostamente intocado pela civilização, e também os campo- comuns de sua época:
neses e crianças europeias. Expressões como a arte do vitral, os impres- Nossa Senhora Aparecida de minissaia. Aí deu um escândalo. (...) Pintei
sos populares, os ex-votos, entre outras, eram fontes de inspiração de Jesus Cristo de bermuda, “A ceia baiana”. São Pedro tocando guitarra (…).

artistas eruditos. O que perseguiam era o “frescor do olhar”, para usar A igreja ficou louca comigo.

a expressão de Kandinsky (1866-1944) (Rhodes, 1994:56), a nostálgica (entrevista a Lélia Coelho Frota, São Paulo, 1984)

crença na atividade criativa revestida com o halo da simplicidade e da Em sua estada em Israel, reata com a religiosidade tão intensa na
espontaneidade. O “primitivismo”, contudo, não produz os contornos de infância no interior da Bahia – “de sábado a domingo a gente fazia reza
uma tendência, de um estilo, nem identifica um grupo de artistas (p. 7). em casa”. Telas povoadas de anjos e templos religiosos, um caminho
Nas entrevistas, não identificamos um denominador comum quanto para a comunhão entre todos os homens do planeta. Essa preocupação
à iniciação na pintura, tampouco a origem rural pode indicar espectro cósmica, planetária, o embate entre o bem e o mal, ele passa para a tela
temático. Há passagens de encontros que foram essenciais, conforme é definindo as figuras com traços negros, lembra Lélia (2005: 417), como as
possível observar, por exemplo, no percurso de Waldomiro de Deus, que composições dos vitrais:
nasceu em Itagibá (BA), em 1944, e sozinho, aos 14 anos de idade, migrou O marquês preferia temas como danças do interior e folclore, com saci-
para São Paulo, onde trabalhou como jardineiro e engraxate. Em entrevis- pererê, mula-sem-cabeça e lobisomem, enquanto o professor Mario me
ta a Lélia Coelho Frota, o artista rememora uma passagem significativa, estimulava a seguir minha criatividade. Nessa época, quando terminava
quando, expondo tinta guache sobre cartolina no Viaduto do Chá, chamou cinco, seis quadros, levava para o professor ver.

a atenção do compositor Teodoro Nogueira, que lhe sugeriu procurasse (D’Ambrosio, 1999)

na redação do jornal Gazeta o folclorista Rossini Tavares de Lima, atuante Se Waldomiro de Deus parte para uma escala de toda a huma-
personalidade do “movimento folclórico brasileiro” (Vilhena, 1997): nidade, uma escala planetária, e subverte certos temas considerados
O professor Rossini Tavares de Lima (...) me indicou para uma exposição tabus, temos em Ivoneth Gomes Miessa, que se inicia em 1976, a busca
na Feira de Água Branca. Foi em 62, 63. Aí, logo depois da Feira de Água nostálgica de trazer para a tela em óleo a meninice vivida no município
Branca, apareceu o Marquês della Stuffa, que hoje já é morto. Ele chegou paranaense de Reserva, que se instaura em sua trajetória quando se
assim: ‘que beleza! Por que você não pinta a óleo?’.
mudou para Brasília e percebeu que, em eventos de folclore, faltavam
(1984, acervo CNFCP)
“coisas do Paraná” – o que, para ela, significava o registro, por exemplo,
O decorador italiano Marquês Torre della Stuffa reconheceu o po- dos migrantes poloneses, russos. Pinta “vários casamentos, todos dife-
tencial de Waldomiro, abrindo-lhe as portas para que pudesse se dedicar rentes um do outro, você vê que é de lá”. É notável o seu interesse pelo
à pintura. E foi em sua residência que conheceu Mario Schenberg – que, valor que homens do campo, da localidade em que passou a infância,
de acordo com Alecsandra Matias de Oliveira (2007), o considerou “a atribuíam, por exemplo, às carroças. Lá estavam elas, presentes em mui-
maior revelação entre primitivistas brasileiros” –, além de Pietro Maria tos momentos da vida cotidiana, como meio de transporte das pessoas,
Bardi, a arquiteta Lina Bo Bardi e a família Matarazzo. Quando se mu- essencial na atividade da lavoura e em ritos de casamento e morte, quan-
dou para a Rua Augusta, nos anos 1960, a casa de Waldomiro tornou-se do ganhavam ornamento especial de flores colhidas no campo. Chegou
ponto de encontro de “tropicalistas, hippies e todas as tribos urbanas” a retornar ao seu torrão natal para fotografar e “entrevistar 20 velhinhos”,

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numa paisagem já inteiramente transformada, irreconhecível: “com carro desenvolveu habilidade para confeccionar brinquedos e móveis em
na garagem”, “trator”. Em uma de suas telas doadas, “Três camponesas: madeira. Aos 17 anos, mudou-se para São Paulo, onde trabalhou como
Erica-Erna-Ola”, conta que completou o rosto depois do quadro termina- ajudante de pedreiro e eletricista, e sua passagem para a pintura foi me-
do, motivada pelo comentário de que não detalhar o rosto era a “manha diada por Pietro Maria Bardi, quando expunha trabalhos no Viaduto do
do primitivo”. Entre os críticos que foram importantes em sua trajetória, a Chá. Pensou que fosse o “rapa”, quando se deparou com aquele “senhor
pintora destaca Walmir Ayala e Mario Schenberg. de terno” recolhendo seus desenhos para colocá-los numa mala: “daqui
Cartazes de filmes de faroeste e letreiros foram o início do trabalho para frente você vai pintar só para mim”, disse-lhe o então diretor do Mu-
do pernambucano de Marinal, Bajado – ou Euclides Francisco Amâncio seu de Arte de São Paulo. “Bardi dava tinta, pincel, me ajudava.” Ricardo
(1912-1996) –, bilheteiro de cinema que obteve notável ressonância nos Lima, na entrevista, surpreendeu-se com o talento de Agostinho como
círculos eruditos. Alcançou projeção quando se mudou de Recife para fotógrafo, atividade que era a base de seu trabalho, em que sobressai o
Olinda, passando a assinar “Bajado, artista de Olinda”, o que de certa gosto pelas paisagens, pela cidade: “Luminoso para cá, letreiro para lá;
maneira dá a medida da popularidade alcançada na cidade que o aco- naquilo estuda tanta coisa na cabeça, né?” (Frota, 2005: 46).
lheu e onde adorava brincar carnaval. Seus trabalhos povoaram espaços Na época em que eu trabalhava na roça, eu fazia uma pintura riscada no
públicos – lojas, restaurantes, botequins, murais, fachadas, agremiações chão, riscando na areia, em madeiras, carvão, pedra, qualquer coisa que a
carnavalescas –, e ocuparam paredes de residências. Lélia Coelho Fro- gente tinha na ocasião, terra vermelha (…) e ia aparecendo qualquer coisa.

ta (2005: 118) reservou-lhe um espaço no verbete sobre o carnaval, do (Edson Lima, apud Souza, 1988: 8)

qual o artista participava ativamente fazendo a ornamentação da cidade, Era essa a distração do filho de agricultores Edson Pereira Lima,
tendo deixado também registros notáveis, “com muito sabor e poder de que nasceu numa família de 13 irmãos, em Boa Nova (BA), em 1936.
descrição”, sobre a folia em pinturas, a maior parte em eucatex. Aprendeu o ofício de marceneiro e mudou-se para São Paulo em 1963.
Importante mediador na trajetória do pernambucano foi o colecio- O espanhol proprietário da marcenaria possuía uma galeria, onde expôs
nador, artista plástico e marchand italiano Giuseppe Baccaro, que, na um quadro seu com a imagem de uma igreja, que foi vendido para um
década de 1960, em sociedade com Pietro Maria Bardi, movimentava a estrangeiro. A exposição na Galeria Artécnica selava o encontro com
galeria e casa de leilões Mirante das Artes. No vídeo “Bajado, um artista Mario Schenberg, que, de acordo com Roberto Pontual, observou sobre
de Olinda”, Baccaro assinala o quanto o artista apreciava passar horas o artista: “um senso cósmico surpreendente próximo ao da antiga pintu-
na janela vendo a ebulição, os passantes na rua. Destaca o movimento ra do extremo Oriente” (apud Frota, 1975: 312). Como tantos outros, foi
de figuras, a economia no uso da cor, o traço preciso no contraste entre frequentador da Praça da República e do município do Embu, onde en-
o preto e branco como recursos desse artista cujas telas transmitem contrava outros pintores, como Waldomiro de Deus e Maria Auxiliadora.
adesão inarredável à alegria, ao humor. A partir da “descoberta” do co- Por lá passavam também intelectuais e críticos como Solano Trindade,
lecionador italiano, Bajado realizou exposições na Casa da Cultura e na Almeida Prado, Quirino da Silva e Mario Schenberg (Souza, 1988: 2).
Fundação Joaquim Nabuco, tendo também participado de um circuito de Marina de Mello e Souza – que em 1988 foi responsável pela pes-
exposições no exterior. Quando convidado a mudar-se para São Paulo e quisa de campo e elaboração do catálogo para a Sala do Artista Popular
continuar trabalhando, foi sucinto: “Não, porque eu gosto de Olinda.” dedicada a Edson Lima – considera que temas da vida rural prevalecem
Se Bajado pertence àquele circuito de pinturas populares definido em suas telas, como o gado movimentando-se na paisagem rural, por
por Edison Carneiro e também presente na concepção de Lélia – pintura exemplo. A autora assinala que o casario multicolorido não deixa de lem-
de murais, letreiros e anúncios de festejos populares –, a arte de Agosti- brar o geometrismo que marca as telas do pintor Alfredo Volpi.
nho Batista de Freitas resulta da atenta observação de postais e revistas. Em entrevista a Ricardo Lima, o artista afirma, sobre os matizes
Nascido em Paulínia (SP), em 1927, onde trabalhou na roça, Agostinho de sua tela, que “o degradê dá o que falar”. Uma das obras da coleção

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parece evocar o pintor belga James Ensor (1860-1949) em sua série de Começou a pintar em 1963, por acaso, na barbearia onde trabalha-
máscaras, numa deformação de teor expressionista. va, em Osasco, São Paulo, frequentada pelo pintor Américo Mondanez,
Geralmente eu não vou a algum lugar assim para eu pintar: às vezes, olhar
que, a pedido do barbeiro, trouxe-lhe “tábuas de eucatex e restinho de
uma casa e pintar. Eu pinto aqui dentro do meu quarto (…). Então é criação, tinta, no domingo”. Quando para lá retornou na segunda-feira, observou:
né? Tem pintor aí que vai debaixo de pé de arvoredo, vai arrodeando e vai “Nossa! Você tem jeito para a coisa.” Cássio M’Boy deu-lhe telas e tintas,
pintando. Eu não faço isso: eu crio os meus arvoredos. e, na primeira exposição, Mario Schenberg o aconselhou a prosseguir:
(Edson Lima, apud Souza, 1988: 5)
– Você devia deixar a barbearia.
Neuton Andrade, que veio ao mundo em 1938, em Timbuí, no Pa-
– Como? Eu vivo do Salão!
raná, e aos 19 anos mudou-se para São Paulo, teve sua iniciação em
Osasco; “depois partimos para o Embu”. Em sua trajetória, teve o apoio – Pode deixar que todo mês eu compro um quadro; e tenho vários amigos e
do cônsul americano Alan Fischer. É possível perceber como a presença, eles vão comprar alguma coisa sua.

durante os anos 60 e 70, na feira da Praça da República, de artistas, co- (entrevista a Ricardo Lima, 1986)

lecionadores e críticos de arte, aos poucos diminui. Na praça, aberta ao Nas formas ondulantes em que cria a natureza morta de flores num
encontro de grupos sociais diversos, onde se vê de tudo, é possível ca- vaso, ou na simetria de linhas geométricas, temos em Aloísio a busca de
minhar e parar numa barraquinha para comprar alguma coisa e continuar síntese e o uso controlado no contraste de cores. Um clima onírico surpre-
o percurso comendo, bebendo, conversando, mas ende na representação da mãe loba – o corpo animal com rosto feminino
Não deu mais para ir à Praça da República. Comecei a trabalhar para alimentando a ninhada, um pássaro no dorso –, a figura horizontal tomando
galeria. As galerias não querem que a gente vá para a praça porque acham a tela finca o símbolo telúrico e se opõe ao casario dos homens ao fundo.
que tira um pouco o nome do artista. Eu não acho que tira não, porque arte
é para todo mundo ver, em qualquer lugar. Eles acham que desvaloriza. Eles
Filha do poeta, dramaturgo e pintor Solano Trindade, uma das fi-
não aceitam esse tipo de exposição. guras que se destacaram em movimentos de afirmação afro-brasileira,
(entrevista a Ricardo Lima, 1986) tendo participado, com Abdias Nascimento, do Teatro Experimental do
Negro, atividades artísticas e atmosfera intelectual instigante desde tenra
Contrariando a proverbial imagem de que a tela possa condensar
idade foram constantes na vida de Raquel Trindade, que nasceu em Re-
significados que se constituem a partir de uma experiência de vida a que
cife e, aos cinco anos, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde cursou até
se recorre, o artista mostra que revistas eram fontes correntes para novos
o segundo ano do segundo grau. Em 1961, mudou-se para o Embu, onde
quadros, como é possível observar numa passagem da entrevista em que
deu continuidade ao grupo de danças folclóricas, ali fundando, em 1975,
Ricardo Lima quer referências sobre a tela da Bandeira do Divino, pressu-
o Teatro Popular Solano Trindade.
pondo que fosse festa da localidade onde cresceu: “não pertence à zona
Oito quadros na coleção do MFEC de temas como samba, bumba-
em que nasci”, e completa, “o Brasil é muito rico de folclore.” Sobre estilo,
meu-boi e mulatas pouco revelam de sua iniciação, num período em que
assinala: “o povo fala que somos naïf”. Neuton morreu em 1997.
começou a desenhar quando se recuperava de acidente doméstico. Seus
Pernambucano de Serra Talhada, Aloísio Lucas de Siqueira afirma
primeiros experimentos, num caderno, foram expostos na Feira de Água
que “nem assinava no começo”. Considera-se “quase um retirante”:
Branca, onde vendeu para “uns estrangeiros”. O pai a aconselhou a usar o
“arrisquei vir para São Paulo”. Afirma que “nordestino, boa parte dele, já
dinheiro para a compra de material. Um dia, a artista decidiu enviar uma car-
nasce artista”. Nunca tinha visto um desenho na meninice, mas gostava
ta para a seção “Claudia realiza o seu sonho”, da revista mensal Claudia:
de “riscar a areia”, fazendo boizinhos e cavalinhos. “A turma falava: você
vai ficar louco. Porque lá quem risca o chão é louco, entendeu?”

18 19
Escrevi dizendo que meu sonho era fazer uma exposição, [mas] tinha “observação pura e simples de artistas de cinema da época, que serviam
dificuldade de comprar material. A Editora Abril mandou o professor Mario para treino” (Damião, 1996). Adotou o nanquim para suas composições
Schenberg ver os trabalhos. Ele gostou muito e fez uma crítica. A editora
em 1944. No final dos anos 50, foi um dos principais articuladores do
mandou uma pessoa numa kombi cheia de material.
Grupo de Artistas Plásticos de Florianópolis. Em 2004, foi criado o Ins-
(entrevista a Ricardo Lima, 1986)
tituto Meyer Filho, com sede no Centro Cultural de Florianópolis, e parte
do acervo do artista é exibida na sala Memorial Meyer Filho. De sua obra
Adiante, afirma: “O professor Mario Schenberg, no começo de minha tão diversa, de paisagens a seres fantásticos, na coleção Mario Schen-
vida, me ajudou muito. Não sabia por que comprava tantos quadros.” berg sobressai um dos temas marcantes: a série de galos e pássaros,

“A gente é suicida, né? Vive de arte, não tem nenhum apoio”, disse pela qual ficou conhecido como “pintor de galos” (Meyer, apud Damião,

Raquel em entrevista a Ricardo Lima. Sem desistir, com afinco, pros- idem). Investigando publicações técnicas, como a Enciclopédia de avicul-

seguiu mantendo um grupo que difunde expressões afro-brasileiras, tura, identificou “somente 20 tipos de cristas de galo”; todavia, “inventei

tornando-se assim uma referência em todo o país e realizando o sonho algumas centenas” (p. 82).

do pai e do amigo da família, Edison Carneiro. Meus galos são diferentes entre si, claro que todo ele é parecido. Não
posso fazer um galo com cara de bode ou com chifres de vaca. Tem que
Como o Projeto Estudo de Coleção: Pintura se restringiu a São
ter rabo, papo, crista, aquelas coisas. Mas os detalhes em nenhum são os
Paulo, a pesquisa não chegou a cobrir artistas como o pintor, escultor e mesmos que em outro. Não preciso me inspirar num quadro para fazer mais
músico Descartes Gadelha, que nasceu em 1943, em Fortaleza, e estu- um. Esboço o galo, e daí vão surgindo as variações, espontaneamente.
dou com o pintor, escultor e mestre em vitrais autodidata Zenon Barreto Afinal, eu sou um artista.
(1918-2002), também cearense, no início de 1960. Expôs suas telas na
Para pintar esses galos, o artista tem que ter olhar de lince, paciência de Jó
mostra coletiva Paisagem cearense, em 1963, no Museu de Arte da
e saco de filó.
Universidade Federal do Ceará – Mauc; no ano seguinte, participou da (Idem: 81)
mostra Pintores do Nordeste, no Museu do Solar do Unhão, em Salvador,
BA. Cenas cotidianas, fragmentos da vida popular em seus afazeres, fla- Desses animaizinhos de fundo de quintal, o pintor, em guache e nan-
grantes nas ruas fazem parte do quadro temático desse artista que, em quim sobre papel, dissipa inteiramente vestígios de inclinação realista e
1976, com base na leitura de Os sertões, de Euclides da Cunha, realizou recria galos estilizados, em cores puras, com intenso cromatismo, gigan-
a primeira versão da Guerra de Canudos, em “Cicatrizes submersas”. tes, opulentos, quase bichos de culto. Pontual cita o crítico de arte João
Evangelista de Andrade, na revista Habitat de novembro de 1959, que
Na coleção doada ao MFEC, há apenas a tela “São Francisco e os
destaca em Meyer o trabalho “minucioso, analítico, por vezes, decorativo”
gatos”, de 1973, em que sobressai o contraste entre a vegetação verde
(1969: 260), e ainda ressalta a sua série incomparável da festa do “boi-de-
em fundo amarelo, como se o santo, de face escavada, combalido pelo
mamão”, “marco inicial de sua produção, em 1951” (Damião, 1996: 22).
cansaço, fizesse uma pausa numa paisagem sob sol inclemente, em al-
gum lugar no sertão. Confrontando a marca visual corrente de São Fran- Do artista Farid Geber, cujo nascimento supõe-se ter sido no ano de
cisco, com os pássaros, o pintor escolheu a figura felina, marcada pela 1918, a coleção conta apenas com a tela “Cena de pesca”. Ele foi um dos
ambiguidade entre a vida doméstica e a vida selvagem, indômita. internos do Complexo Hospitalar de Juqueri, em Franco da Rocha (SP), e
participou da Seção de Artes Plásticas criada pelo médico Osório César,
Ernesto Meyer Filho nasceu em 1919, na cidade de Itajaí (SC). Aos
que a institucionalizou como Escola Livre de Artes Plásticas do Juqueri
três anos de idade, migrou com a família para Florianópolis, onde se
em meados dos anos 50. Convém lembrar que em 1946 a psiquiatra Nise
fixou, tendo morrido em 1991. Bancário, iniciou-se no desenho explo-
da Silveira instalou ateliês de pintura e modelagem no Centro Psiquiá-
rando livros, materiais, frequentando exposições, sobretudo partindo da
trico Pedro II (atual Instituto Municipal de Assistência à Saúde Nise da

20 21
Silveira), no Rio de Janeiro, resultando, em 1952, na criação do Museu de Nem sempre esses encontros e o trânsito das obras para galerias
Imagens do Inconsciente. significavam para esses artistas maior facilidade de comercialização de
De acordo com Andriolo (2006), gravuras e desenhos de Farid Ger- seus trabalhos. Um episódio narrado por Neuton de Andrade a Ricar-
ber, na década de 50, deixam o registro de “cenas rurais e religiosas”, do Gomes Lima evidencia a dificuldade nas negociações para a venda:
e sua notável série de pássaros merece destaque. De uma proposta “você nem sabe como entrar na casa do indivíduo”, ao comentar o valor
concebida para fins terapêuticos, essa produção passou a circular e a que lhe fora oferecido, abaixo do combinado. “A pessoa vai lá numa sali-
ser vendida, integrando acervos de instituições, como também sendo nha reservada e te faz um cheque. – Não era esse o valor!” Perplexo, as-
comentada por artistas e críticos. Além da 1ª Exposição de Arte do Hos- sistiu ao comprador rasgar então o cheque. A decepção, contudo, não o
pital Juqueri, em 1948, no Masp, o Museu de Arte Moderna de São Paulo esmoreceu, pois “a recompensa maior é saber que meus quadros estão
abrigou, em 1951, a Exposição de Artistas Alienados. Por ocasião das enfeitando o mundo”.
comemorações do IV Centenário da cidade, em 1954, o Masp realizou O Projeto Estudo de Coleção não chegou a documentar todos os
a exposição dos alunos da Escola Livre de Artes Plásticas do Juqueri, e artistas que ingressaram no acervo em 1983, mas o propósito desta ex-
ainda hoje, assim como o Instituto de Estudos Brasileiros da Universida- posição foi, sobretudo, preencher uma lacuna, pois tinha sido planejada
de de São Paulo – IEB/USP, abriga coleção de internos que participaram como espaço para a historiadora de arte Lélia Coelho Frota. Ao final,
das atividades artísticas-terapêuticas. consideramos que a Coleção Mario Schenberg é uma marca da presença
Embora as entrevistas do Projeto Estudo de Coleção: Pintura te- renovadora de Lélia na instituição. As entrevistas deixam pistas da fase de
nham se concentrado em São Paulo, a coleção doada pelo físico e crítico efervescência em feiras, como a Praça da República, e no município do
de arte pernambucano reúne trabalhos de artistas que se destacavam em Embu, bem como da atividade de intelectuais, artistas, críticos, galeristas.
suas regiões de origem – como Marques Gadelha, Meyer Filho e Bajado. Temos no Pequeno dicionário da arte do povo brasileiro – século XX
A documentação consultada, ainda que escassa, sugere um projeto mais a paixão da autora que aos 17 anos publica seu primeiro livro de poemas,
amplo de colecionamento de pintores que não passaram por formação fase em que descobre e se encanta com as esculturas de Mestre Vitalino
em escolas. Como toda coleção, esta é um fragmento da atividade das (entrevista à Revista Raiz, 2007), o que provavelmente prenunciava uma
redes de relações sociais que envolvem exibições, instituições e galerias. vida dedicada às atividades de editar, estudar, idealizar exposições e
As fontes para este catálogo foram essencialmente as entrevistas programas institucionais pioneiros; enfim, de militar em favor do reconhe-
disponíveis em nosso acervo, dicionários de arte, como o de Lélia Co- cimento das artes populares.
elho Frota, e a investigação em sítios na internet. Entretanto, ainda há Lélia foi, sobretudo, a rara combinação de estudiosa e artista de olhar
muito a fazer em incursões na imprensa, revistas, acervos pessoais, iluminado, dotado de uma concepção contemporânea das artes visuais que
arquivos institucionais. não deixa de trazer a presença do iconoclasta artista alemão Joseph Beuys
A atividade da crítica especializada, a realização de exposições e (1921-1986), para quem “todo homem é um artista”. Numa passagem de seu
edição de catálogos são, na concepção de diversos autores, práticas es- Pequeno dicionário, entrevemos essa visão abrangente quando afirma que
senciais na constituição da moderna concepção do artista e sua obra. Da “todo folião é um artista” (p.114), o que revela a personalidade tão atenta à
coleção doada por Mario Schenberg não foi possível ainda identificar todos espontaneidade colorida que toma as ruas no carnaval, o improviso criativo
os artistas. Uma das dificuldades é o fato de nem todos constarem de dicio- no melhor espírito de bricolage, de aproveitar, “com o gesto criador”, o que
nários tais como o de Lélia Coelho Frota ou de Roberto Pontual. Um viaduto está ao alcance, com criteriosa escolha. As pinturas de encomenda para
em São Paulo e a feira da Praça da República dos anos 1960 e 1970 eram a bares e padarias, espaços privilegiados da pintura popular, conforme assina-
um só tempo lugares para mostra de trabalhos e reduto de encontro entre lava Edison Carneiro, receberam de Lélia um verbete.
indivíduos afastados social e geograficamente na cartografia da cidade.

22 23
Com a categoria “sistema arte-cultura”, o historiador americano
James Clifford (1994) analisa a constituição de valor de objetos fora de
seus contextos de origem, e esta pode ser uma peça chave para iluminar
a atividade empreendida por Lélia Coelho Frota e Mario Schenberg, bem
como de outras figuras que aparecem na fala dos artistas, notadamente
Pietro Maria Bardi, Rossini Tavares de Lima e Edison Carneiro. Diferente
dos exemplos de Clifford, em que a apropriação de um objeto, em geral
resultado de expedições, apagava inteiramente a presença do interlocutor
nativo, aqui temos o diálogo entre Lélia e Waldomiro de Deus, em Osasco.
Ouvimos a voz da poeta interrompê-lo. Não se tratava apenas de, numa
atitude distanciada, ouvir, observar, anotar, mas, por meio do diálogo, com
generosidade, provocar no outro a possibilidade de suspeitar dos rótulos.
Waldomiro: – Acho que o pintor primitivo, ou ingênuo ou autodidata é ele se
preocupar em criar o trabalho.

Lélia: – Você é um pintor brasileiro. Sem diferença. Você já chegou e sua


obra vale por si mesma. Você não precisa de rótulos.

Waldomiro: – É verdade.

Lélia: – Quando a gente se refere aos pintores eruditos, você fala que o
Volpi é um pintor erudito? Não! Quando você fala da Tarsila, você fala:
pintora erudita Tarsila? Não!

Waldomiro: – Não precisa.

Lélia: – Então, no seu caso, no caso de Chico Silva, de Antonio Poteiro,


falam pintor primitivo? A meu ver, isso é uma forma de discriminação.

Waldomiro: – Isso é verdade, é verdade. Tá certa!

Essas mudanças, contudo, demarcavam alguns limites, mostrando


Mario Schenberg em meio a seus quadros s/d
que reconhecimento nos circuitos das coleções, de museus e galerias,
acervo Centro Mario Schenberg de Documentação da Pesquisa em Artes | ECA-USP
exposições realizadas no Brasil e exterior não foram, por exemplo, cre-
denciais suficientes para que se aceitasse a presença de Waldomiro na
comissão de jurados do Salão de Arte Contemporânea. Waldomiro ainda
assim não se abateu, pois se via numa escola sem fronteiras:
– Foi uma briga danada. Umas seis pessoas diziam: “Como um pintor autoditada
vai ser jurado de um salão contemporâneo?” Posso não ser um pintor que teve
estudo, mas o mundo é uma escola maior ainda que todas, compreende?
(1984, Osasco, São Paulo)

24
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peças da coleção Mario Schenberg doada ao Museu de Folclore Edison Carneiro. Conjunto depo-
sitado na Biblioteca Amadeu Amaral/CNFCP, sob o n. FK0029.

26 27
s/ título
Aloísio Lucas de Siqueira
tinta óleo em tela
60cm x 80,8cm

29
s/ título s/ título
Aloísio Lucas de Siqueira Aloísio Lucas de Siqueira
óleo s/ tela tinta óleo em tela
1,20m x 59cm 1,20m x 60cm

30 31
São Francisco e os gatos
Descartes Marques Gadelha
óleo s/tela
81,1 x 64,8cm

33
s/ título Igreja e casal
Mozinha, Guiomar Job Guerra A. Peixoto
óleo s/ eucatex tinta s/ tela
66,5 x 49.5cm 32,9 x 40,7cm

34 35
As mulatas do Ferreira Vaso com flores
Raquel Kambinda, Raquel Trindade de Souza Maria Isabel dos Santos
óleo s/ tela óleo s/ tela
49 x 70cm 56,7 x 39,8cm

36 37
Os três grandes de Recife
Bajado, Euclides Francisco Amâncio
tinta s/ eucatex
21,1 x 41,5cm

Palhaço de circo
s/ título
Bajado, Euclides Francisco Amâncio
Neuton Freitas de Andrade
tinta s/ eucatex
49,8 X 61cm 21,1 x 41,5cm

38 39
s/ título
Elza Maria de Souza
esmalte s/ tela
52,5 x 63cm

41
s/ título Portas verdes
Djanira Maria Volpi Djanira Maria Volpi
óleo s/ tela óleo s/ tela
59 x 39,8cm 61,5 x 41cm

42 43
Boiada Figurativo fantástico
Edson Pereira Lima Edson Pereira Lima
óleo s/ tela óleo s/ tela
50 x 59,5cm 60,8 x 49,9cm

44 45
s/ título s/ título
Márcia Tabôa Agostinho Batista de Freitas
óleo s/ tela tinta s/ tela
38,4 x 46,2cm 51,05 x 71,03cm

46 47
Três camponesas: Erica-Erna-Ola
Ivoneth Gomes Miessa
óleo s/ tela
100,3 x 79,7cm

49
s/ título s/ título
Ernesto Meyer Filho Ernesto Meyer Filho
tinta guache e nanquim s/ papel tinta guache e nanquim s/ papel
84,2 x 63cm 66,5 x 48cm

50 51
Cena de pesca s/ título
Farid Geber Waldomiro de Deus
óleo s/ tela óleo s/ tela
49,5 x 61cm 41 x 33cm

52 53
Os três grandes de Recife
Bajado, Euclides Francisco Amâncio
tinta s/eucatex
21,1cm x 41,4cm

55
s/ título
Waldomiro de Deus
óleo s/tela
40,6 x 33 cm

58 59
60

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