Por vezes utilizo o “metro” em Lisboa. Sem ser um utente assíduo, por comodismo de ter transporte próprio, não deixo no entanto de ser um cliente de quando em quando (aos utentes do metro chamam-se clientes). Nessas viagens costumo estar atento e classificar os tipos de clientes.
O grupo mais numeroso é sem dúvida o dos “ cara para a frente”. Composto pelos clientes que sentem desconforto se viajam de costas viradas ao sentido em que vai a carruagem do metro. Crêem que isso os mareia. Pessoalmente gosto de viajar de costas, e ainda me dá a possibilidade de ocupar um assento duplo sem ter outro cliente a meu lado. Apenas o volume corporal, fora de padrões de alguém, me poderá provocar algum incomodo.
Este detalhe leva-nos a outro tipo de clientes classificado de “ volumoso”. Normalmente ocupam mais de metade de um assento duplo. Uns fazem-no por um imperativo iniludível do seu volume e outros por comodidade, obrigando o companheiro de assento a viajar com desconforto e nalguns casos até em desequilíbrio. Quando escolho um assento, costumo ter em conta este pormenor e calculo, a olho, o espaço livre para me sentar comodamente, apesar de não ter problemas de espaço devido ao meu biótipo.
Tenho igualmente em conta, no momento de escolher o lugar, outro tipo de clientes que são os “beijocões”: casais com muita necessidade de expressar a sua fogosa paixão nos lugares públicos e utilizando estas viagens de metro e a proximidade dos outros para se beijocarem, oferecendo um happening amorosos em directo.
Nalguns casos nem se tem a possibilidade de olhar para outro lado, pois utilizam um tipo de ósculos tão sonoros que não há outro remédio senão fazer parte do espectáculo como observador e ouvinte. Se tiver de escolher entre companheiros de viagem “volumosos” ou “beijoqueiros”, prefiro os primeiros. Apesar de não ser cómodo, é preferível viajar com aperto, que suportar um espectáculo que não foi solicitado.
Viajar no “metro” permite classificar os viajantes, porque tal como em todas as partes existem cidadãos que se destacam pelo seu comportamento, também nestas aulas de convivência social como são os transportes urbanos, isso acontece.
Apesar dos muitos tipos que poderia catalogar, vou fixar-me num tipo de viajante muito concreto e que nunca passa despercebido durante a sua “ performance” no espaço público. Para defini-lo numa palavra, designo-o pelo passageiro “comunicativo”.
Este faz da carruagem do metro uma sala de conferências, e aproveita o encontro com algum “cliente” de viagem para falar de cátedra sobre os seus costumes, os seus gostos, as suas ideias políticas, as soluções concretas que tem para ajudar os governantes a superar a crise, e outras curiosidades quer da sua vida familiar, quer social.
Há dias ficou perto de mim um destes passageiros “comunicativos” obrigando-me a deixar o meu passatempo habitual de quando viajo, que é a leitura do jornal, porque a conferência que o bom do senhor decidiu dar em voz alta, impedia, qualquer outra actividade intelectual que não fosse ter de ouvir a sua palestra. Era tanta a ênfase que lhe punha que fiquei a saber que era viúvo, que tinha várias filhas e não tinha filhos varões, que tinha trabalhado toda a vida, que o governo não o ajudava, que não tinha subsídios, que criou a suas filhas sem ajuda alguma e que quando viu que todos os seus descendentes eram do género feminino, decidiu terminar a produção. Agora que a esposa tinha morrido eram as filhas que cuidavam dele. Procurava divertir-se honestamente e ia bailar (na explicação ilustrou com uns movimentos de ancas) a um desses centros onde vão reformados e reformadas conviver etc…etc… Porque a conferência era inacabável. Tão inacabável que quando se apeou o seu amigo de banco, o passageiro comunicativo cedeu o assento a uma senhora e aproveitou a circunstância para repetir a conferência com a passageira desconhecida, que substituiu o seu auditório directo (o indirecto, éramos nós o resto dos ocupantes do vagão), o amigo que se acabava de apear.
Apesar de impedirem que me dedique à leitura, que é um dos meus passatempos habituais no “metro”, aprecio mais os passageiros comunicativos, porque animam o ambiente e põem uma nota típica de certos costumes na monotonia dos transportes urbanos.
Recomendo-os.