REVELAÇÃO (What lies beneath, 2000, 20th Century Fox/DreamWorks Pictures, 130min) Direção: Robert Zemeckis. Roteiro: Clark Gregg, história de Clark Gregg, Sarah Kernochan. Fotografia: Don Burgess. Montagem: Arthur Schmidt. Música: Alan Silvestri. Figurino: Susie DeSanto. Direção de arte/cenários: Rick Carter, Jim Teegarden/Karen O'Hara. Produção executiva: Joan Bradshaw, Mark Johnson. Produção: Jack Rapke, Steve Starkey, Robert Zemeckis. Elenco: Harrison Ford, Michelle Pfeiffer, Miranda Otto, James Remar, Diana Scarwid, Katharine Towne. Estreia: 18/7/2000
Em 2000, quando dirigiu "Revelação", o cineasta Robert Zemeckis já tinha no currículo uma comédia adolescente ("Febre de juventude"), um clássico da ficção científica juvenil ("De volta para o futuro" e suas continuações), um marco na interação entre live action e animação ("Uma cilada para Roger Rabbit"), um vencedor de múltiplos Oscar ("Forrest Gump: o contador de histórias") e uma adaptação de Carl Sagan ("Contato"). Faltava ainda exercitar seu músculo hitchcockiano e a oportunidade chegou na pausa das filmagens de "Náufrago" - enquanto Tom Hanks sofria para emagrecer o necessário para a segunda etapa dos trabalhos do filme que lhe daria mais uma indicação à estatueta, Zemeckis mergulhou em seu desejo de assustar os espectadores com uma trama que mistura fantasmas, assassinatos... e um Harrison Ford deixando de lado a persona heroica para dar vida a um personagem no mínimo dúbio.
A um custo estimado de cem milhões de dólares - recuperado facilmente nas bilheterias ao redor do mundo, seduzido pela presença de Ford e da estrela Michelle Pfeiffer -, "Revelação" é uma exibição das técnicas de Zemeckis como diretor, um filme repleto de jogos de câmera, cortes rápidos, uso generoso da trilha sonora e exploração inteligente do som e da fotografia. Mas é, também, um filme com sérios problemas de roteiro e um desfecho atolado em clichês - problemas disfarçados por uma embalagem luxuosa proporcionada pelo orçamento milionário e por seus astros fotogênicos. Pfeiffer, linda e exuberante, brilha a maior parte do tempo - mesmo quando o roteiro apela para explicações sobrenaturais pouco críveis para uma trama que se propõe séria. Ford, por sua vez, só é devidamente aproveitado na segunda metade da história - mas não consegue fugir do tom monocórdio da maioria de seus trabalhos que não Indiana Jones. A dupla de atores - escolhas únicas do cineasta desde a concepção do projeto - apresenta uma química interessante que vai crescendo a cada sequência, mas ambos esbarram na preferência de Zemeckis em abusar de seus virtuosismos visuais em detrimento da consistência da história que deseja contar.
"Revelação" gira em torno do casal Spencer. Ele, Norman, é um cientista respeitado que tenta desesperadamente fugir da sombra do pai, igualmente prestigiado pela comunidade. Ela, Claire, é uma violoncelista que abandonou a carreira para cuidar do marido e da filha e que, um ano depois de um violento acidente de carro, se vê diante da solidão causada pela viagem de sua filha adolescente à universidade. Sozinha e entediada, Claire começa a acreditar que seu vizinho (James Remar) assassinou a esposa (Miranda Otto), a quem testemunhou chorando através da cerca de sua propriedade. Tal certeza coloca seu casamento em crise - agravada ainda mais quando a bela dona-de-casa passa também a ouvir vozes misteriosas e sentir presenças ameaçadoras em sua bela casa à beira de um lago de Vermont. Norman tem certeza de que sua esposa está passando por uma séria crise de nervos, mas a situação muda completamente quando tais eventos começam a remeter à identidade de uma jovem estudante desaparecida - cujo destino parece intimamente ligado à mansão dos Spencer.
A história concebida pelo também ator Clark Gregg - que coescreveu o roteiro com Sarah Kernochan - apresenta várias possibilidades para o espectador, mas infelizmente não consegue equilibrá-las a contento. Ao mesclar uma narrativa policial tradicional com elementos do mais puro terror sobrenatural, o filme parece derrapar em dois gêneros que, em mãos mais seguras, podem ser complementares - mas que sob o comando de Zemeckis nem sempre conseguem dialogar entre si. De talento mais que comprovado, o cineasta perde a mão ao enfatizar o suspense visual e deixar de lado o desenvolvimento de seus personagens - talvez mais uma homenagem a Hitchcock, que privilegiava a manipulação dos nervos do público através de artifícios narrativos visuais e sonoros. Em especial no ato final, a tensão assume um protagonismo tal que a trama em si soa ainda mais insignificante, como se servisse unicamente como vitrine das peripécias estilísticas de seu diretor. No final das contas, "Revelação" se mostra um filme de suspense acima da média, mas que fica aquém do talento de seu time - ao menos em termos de roteiro e consistência.