domingo

HOMEM DE FERRO 2


HOMEM DE FERRO 2 (Iron Man 2, 2010, Paramount Pictures/Marvel Studios, 124min) Direção: Jon Favreau. Roteiro: Justin Theroux, personagens criados por Stan Lee, Don Heck, Larry Lieber, Jack Kirby. Fotografia: Matthew Libatique. Montagem: Dan Lebental. Música: John Debney. Figurino: Mary Zophres. Direção de arte/cenários: J. Michael Riva/Lauri Gaffin. Produção executiva: Louis D'Esposito, Susan Downey, Jon Favreau, Alan Fine, Stan Lee, David Maisel, Denis L. Stewart. Produção: Kevin Feige. Elenco: Robert Downey Jr., Gwyneth Paltrow, Mickey Rourke, Scarlett Johansson, Samuel L. Jackson, Jon Favreau, Don Cheadle, Sam Rockwell, John Slattery, Clark Gregg, Paul Bettany, Kate Mara. Estreia: 26/4/2010

Indicado ao Oscar de Efeitos Visuais

Não foi surpresa para ninguém quando, mesmo com o primeiro "Homem de ferro" ainda em cartaz, um segundo capítulo foi confirmado pela Marvel. Com uma renda doméstica superior a 300 milhões de dólares (e uma bilheteria mundial de quase o dobro), a adaptação das aventuras de Tony Stark, o bilionário tornado super-herói, deu o pontapé inicial para a criação de um universo cinematográfico próprio, que daria origem a uma série de filmes extremamente bem-sucedidos em termos comerciais e de crítica. Confirmando a regra de quem em time que está ganhando não se mexe, o estúdio manteve Jon Favreau na direção, Robert Downey Jr. no papel-título (dessa vez com um salário compatível com sua importância no projeto) e Gwyneth Paltrow na pele de sua secretária/interesse amoroso Pepper Potts. A única baixa foi a substituição de Terrence Howard por Don Cheadle - uma intriga de bastidores que foi assunto por um bom tempo em publicações sobre o tema. Com um orçamento um pouco mais generoso que o primeiro filme e as expectativas nas alturas, "Homem de ferro 2" chegou às telas na primavera norte-americana de 2010 e, novamente para nenhuma surpresa, transformar-se em um dos campeões de bilheteria do ano. A boa notícia é que, apesar de seguir quase à risca o manual de roteiros de Hollywood, o filme de Favreau conseguiu manter o frescor do material original e revelou-se um entretenimento à altura, graças, em boa parte, ao enxuto e bem estruturado roteiro de Justin Theroux

Indicado por Downey Jr., com quem havia trabalhado no script da comédia "Trovão tropical" (2009), Theroux teve a vantagem de não precisar voltar às origens do personagem, tão bem contadas no primeiro capítulo. Dessa vez, a história se ampara em três frentes: na primeira, Stark precisa lidar com a pressão do governo norte-americano que insiste para que ele compartilhe de sua tecnologia para colaborar na defesa do país. Na segunda, ele se vê frente a frente com o desgaste de sua saúde, prejudicada por sua exposição ao material radoiativo que o mantém vivo. E, por fim, uma parte do passado de sua família vem à tona quando o físico russo Ivan Vanko - filho de um cientista que fora sócio de seu pai nas indústrias Stark - chega ao país para unir-se a Justin Hammer, seu principal rival nos negócios, e vingar-se do fato de ter sido deportado do país, acusado de traição. As três tramas caminham paralelamente durante o filme, para se encontrarem no ato final - que consegue ser mais empolgante que o original graças aos efeitos indicados ao Oscar e por sua integração natural ao enredo.


 E se a saída de Terrence Howard por questões salariais e artísticas - o estúdio sugeriu um corte de 80% do seu cachê, em relação ao primeiro filme, quando o ator teve um pagamento maior que o de Robert Downey Jr., e diminuição de seu personagem devido à insatisfação do diretor com seu desempenho - os acréscimos a essa segunda parte da saga do Homem de Ferro fizeram a festa para os espectadores.Na pele do principal vilão, Ivan Vanko, o primeiro acerto: em alta depois de sua indicação ao Oscar de melhor ator por "O lutador" (2008), Mickey Rourke entrou no elenco como um grande atrativo - mas depois da estreia reclamou a quem quisesse ouvir que suas melhores cenas haviam sido cortadas, e que tal situação havia tornado inútil toda a sua preparação anterior às filmagens (o que incluiu uma viagem à Rússia e treinamento físico específico). Para viver o rival de Stark, o empresário Justin Hammer, a escolha inicial de escalar Al Pacino foi substituída pela presença de Sam Rockwell, mais jovem e de maior diálogo com a plateia juvenil. E por fim, o melhor da festa: a presença de Scarlett Johansson como Natasha Romanov - que, como todo fã dos quadrinhos sabe, é o nome civil da Viúva Negra, personagem cuja importância vai se tornando cada vez maior no decorrer do lançamento dos outros filmes da Marvel. Anteriormente reservado para Emily Blunt, o papel ficou vago quando a atriz não conseguiu conciliar o trabalho com as filmagens de "As viagens de Gulliver", e não faltaram nomes cogitados para seu lugar: Angelina Jolie, Jessica Biel, Gemma Arterton e Jessica Alba estavam entre os boatos - assim como Natalie Portman (que depois estrelaria "Thor", de Kenneth Branagh) e Brie Larson (a Capitã Marvel em pessoa). Johansson tingiu os cabelos de ruivo, envolveu-se em treinamentos físicos antes e durante as filmagens, e surgiu como mais um elo do Homem de Ferro com a S.H.I.E.L.D. - que se tornará ponto crucial nos filmes seguintes da série.

Mais do que apenas um filme realizado para encher os cofres da Marvel - a esta altura já bem recheado -, "Homem de ferro 2" é, mais do que tudo, uma produção que estabelece ainda mais as fundações do universo cinematográfico da produtora, oferecendo ao público tudo que uma superprodução escapista e milionária pode oferecer. Tem bons momentos de humor (em boa parte graças ao carisma de Downey Jr., cada vez mais à vontade no papel principal), cenas de ação caprichadas e personagens coadjuvantes que não estão em cena como meros figurantes. Para quem gosta do gênero é um programa dos mais satisfatórios - em compensação, os detratores do cinemão comercial hollywoodiano continuarão torcendo o nariz para seus efeitos mirabolantes, piadas irônicas e mitologia própria. É uma questão de gosto - e os mais de 620 milhões de dólares arrecadados ao redor do mundo deixa bem claro que muita gente aprova as aventuras de Tony Stark.

sábado

PRIMAVERA PARA HITLER


PRIMAVERA PARA HITLER (The producers, 1967, Alied Artists, 88min) Direção e roteiro: Mel Brooks. Fotografia: Joseph Coffey. Montagem: Ralph Rosenblum. Música: John Morris. Figurino: Gene Coffin. Direção de arte/cenários: Charles Rosen/James Dalton. Produção executiva: Joseph E. Levine. Produção: Sidney Glazier. Elenco: Zero Mostel, Gene Wilder, Dick Shawn, Kenneth Mars, Estelle Winwood, Christopher Hewett, Andreas Voutsinas, Lee Meredith. Estreia: 27/11/67 

2 indicações ao Oscar: Ator Coadjuvante (Gene Wilder), Roteiro Original

Vencedor do Oscar de Roteiro Original 

Parte do público o considerava vulgar a ponto de comentar a opinião diretamente com o diretor. Uma das atrizes do elenco chegou a falar dele como um filme terrível a que ela mesma não conseguia assistir - e que ele apenas comprovou que não se pode subestimar o mau gosto do público. E até mesmo seu produtor executivo chegou a afirmar que não iria lançá-lo por ter dúvidas a respeito de seu humor e pensar que ele iria causar mais problemas do que dinheiro. Por incrível que pareça, uma das comédias mais cultuadas de Hollywood correu sério risco de jamais ver a luz dos refletores - e de nunca ter se tornado uma das maiores surpresas da cerimônia do Oscar de 1968, ao levar a estatueta de melhor roteiro original, batendo o prestigiado "2001: uma odisseia no espaço", de Stanley Kubrick. Primeiro filme dirigido por Mel Brooks, "Primavera para Hitler" derrubou o preconceito da Academia em relação a comédias e foi o tom mais ameno de uma temporada recheada de petardos dramáticos como "O bebê de Rosemary", de Roman Polanski, "Romeu e Julieta", de Franco Zefirelli, e ""O leão no inverno", de Anthony Harvey.

Bem antes do ouro do Oscar, porém, a trajetória de "Primavera para Hitler" em direção ao prestígio passou por maus bocados. O maior responsável por suas dificuldades era, sem dúvida, seu tema: pouco mais de vinte anos depois do fim da II Guerra, uma comédia que citava o nome do chanceler alemão em tom de brincadeira não parecia algo muito auspicioso em termos comerciais - em especial quando um dos personagens era explicitamente nazista e não era condenado pelo roteiro (apesar de soar bastante patético, como aliás todos os demais personagens). Além disso, mostrar Hitler dançando ao lado de seus fiéis aliados não parecia uma boa ideia quando se pensava que (como aconteceu, mais tarde, por um tempo) países, como a própria Alemanha, poderiam banir o filme de seu território. Brooks, um diretor estreante com total controle criativo sobre sua obra - um caso raro na indústria -, não abriu mão de suas decisões e foi adiante com o projeto, desafiando o produtor executivo Joseph E. Levine inclusive na escolha do jovem Gene Wilder para um dos papéis cruciais para o filme. Levine não gostava do trabalho de Wilder e chegou a oferecer um extra de 35 mil dólares para que o cineasta escolhesse outro ator para viver o tímido contador Leo Bloom - mas de nada adiantou, para sorte do filme.

Bloom, o segundo personagem masculino mais importante do filme, chegou a ser oferecido a um iniciante Dustin Hoffman - que tinha preferência em outro papel, o do dramaturgo Frank Liebkind (que ficou com Kenneth Mars). Hoffman acabou por ser escolhido para liderar o elenco de "A primeira noite de um homem" (1967), o que possibilitou que Mel Brooks confirmasse o convite feito a Gene Wilder três anos antes das filmagens, quando o ator ainda era apenas um amigo e colega de Anne Bancroft (mulher do diretor) na peça "Mãe Coragem", de Brecht. Wilder quase não pode acreditar na sorte - estava praticamente falido e ainda não tinha um único filme no currículo, já que "Bonnie & Clyde: uma rajada de balas", no qual faz uma pequena participação, ainda não havia estreado - e aceitou, sem pestanejar, uma parceria que ainda lhe renderia bons momentos nas telas. O que Wilder não poderia imaginar, então, era que seu maior medo - ser recusado pelo protagonista da produção, Zero Mostel - não tinha o menor fundamento: assim que deu de cara com o apavorado jovem ator, Mostel imediatamente tornou-se seu protetor, contrariando sua fama de ditatorial e agressivo. O resultado foi uma química explosiva e rara, que deu ao filme um trunfo dos mais brilhantes.


 

Mas se a relação entre Mostel e Wilder era das melhores, o mesmo não poderia ser dito de sua rotina com Mel Brooks: frequentes embates a respeito de decisões criativas tornaram o relacionamento entre ambos um tanto difícil, ainda que respeitoso. Mostel, um experiente astro dos palcos e das telas, dava vida a Max Bialystock, um produtor de teatro que, em eternas dificuldades financeiras, encontrava no contador Leo Bloom o parceiro ideal para um golpe infalível: montar uma peça teatral (a pior possível) para que ela fracasse e lhes possibilite ficar com o dinheiro das financiadoras - um grupo de idosas com quem ele se relaciona por interesse. O texto escolhido, "Primavera para Hitler", é de autoria de um autor com sérios problemas mentais, e o diretor, Roger De Bris (Christopher Hewett), tem no currículo uma série de fracassos de bilheteria. Com uma equipe selecionada a dedo - entre os piores de cada função - e com um tema polêmico, não tem como dar certo. Mas nem sempre teatro é um investimento previsível, e os dois produtores podem ver sua fraude ir por água abaixo quando o público leva tudo na brincadeira - e tornam o espetáculo um surpreendente hit.

Pronto para ser lançado, "Primavera para Hitler" sofreu um baque inesperado: decepcionado com o humor pouco sofisticado do filme, seu produtor executivo ameaçou desistir da estreia. A decisão já estava praticamente tomada quando a sorte sorriu para Brooks e seus colegas. Cotado para interpretar Leo Bloom no começo da produção, o ator Peter Sellers não pode aceitar o papel, mas acabou por se tornar imprescindível na história do filme. Em uma de suas sessões de cinema privadas, com um grupo de amigos, o popular astro da série "Pantera cor-de-rosa" assistiu a uma cópia do filme, gostou muito do que viu e, ciente de que ele corria o risco de nunca ser lançado, conseguiu convencer a Allied Artists a estreá-lo. O fraco resultado das bilheterias até poderia ser a confirmação de que o instinto do executivo estava correto, mas o Oscar subsequente (e uma indicação a Gene Wilder como ator coadjuvante) e sua metamorfose em um cult movie, a partir dos anos 1970, deram a palavra final. Divertido, infame e construído a partir de um roteiro milimetricamente estruturado, "Primavera para Hitler" - rebatizado como "The producers" em seu lançamento - é uma das comédias mais insanas já feitas em Hollywood. Uma pérola que sobrevive ao tempo - e que deu origem a um musical da Broadway, que, por sua vez, rendeu uma versão para o cinema estrelada por Nathan Lane, Matthew Broderick e Nicole Kidman, lançado em 2005 e sem o mesmo impacto.

quinta-feira

MULHER NOTA MIL


MULHER NOTA 1000 (Weird science, 1985, Universal Pictures, 94min) Direção e roteiro: John Hughes. Fotografia: Matthew F. Leonetti. Montagem: Chris Lebenzon, Scott Wallace, Mark Warner. Música: Ira Newborn. Figurino: Marilyn Vance. Direção de arte/cenários: John W. Corso/Jennifer Polito. Produção: Joel Silver. Elenco: Anthony Michael Hall, Kelly LeBrock, Ilan Mitchel-Smith, Bill Paxton, Robert Downey Jr., Suzanne Snyder, Judie Aronson, Robert Rusler. Estreia: 02/8/85

Não houve adolescente dos anos 1980 que não tenha sido afetado por John Hughes. Diretor de filmes seminais como "Gatinhas e gatões (1984) e "Curtindo a vida adoidado" (1986), ele não apenas virou referência obrigatória a qualquer cineasta com pretensões de adentrar o terreno das comédias românticas teen como revelou nomes que atravessaram a década extremamente populares - como Molly Ringwald e Matthew Broderick. Nenhum filme com sua assinatura, porém, foi tão bem-sucedido em retratar as dúvidas, dores e amores juvenis quanto "Clube dos cinco" (1985), hoje considerado um clássico do gênero. O que pouca gente sabe, no entanto, é que, se não fosse uma de suas comédias menos ambiciosas, sua obra-prima poderia nem existir. Explica-se: "Clube dos cinco" só foi aprovado pelos executivos da Universal Pictures mediante a promessa de Hughes dirigir, antes, um filme de apelo mais fácil junto às plateias. Surgia assim, "Mulher nota mil", uma comédia que pode ser descrita como uma mistura de "Frankenstein" com "Porky's" - por mais que essa cruza possa soar estapafúrdia.

Os dois protagonistas de "Mulher nota mil" são Gary (Anthony Michael Hall) e Wyatt (Ilan Mitchel-Smith), estudantes do ensino médio, nerds de carteirinha e, como não poderia ser diferente, totalmente sem jeito quando se trata de relações amorosas. Frustrados em suas tentativas de serem percebidos pelo sexo oposto como algo mais que alvos dos valentões da escola, os dois adolescentes aproveitam um fim de semana sem os pais na casa de Wyatt para fazer uma experiência no computador do rapaz. Inspirados por uma sessão antiga de "Frankenstein", eles alimentam o aparelho com imagens do que consideram a mulher dos seus sonhos. O que parecia não estar funcionando, porém, se converte em realidade depois de uma tempestade elétrica que faz nascer a estonteante Lisa (Kelly LeBrock, a dama de vermelho em carne e osso): a encarnação dos sonhos lúbricos dos garotos, a bela e pouco recatada nova hóspede acaba por servir como mestre de cerimônias de um mundo completamente desconhecido por eles, repleto de festas, bebidas e uma autoconfiança com a qual eles apenas sonham.

 

Com o roteiro escrito em apenas dois dias, "Mulher nota mil" é, logicamente, nada mais do que uma diversão rápida e despretensiosa. O que faz dele especial é justamente o toque de mestre de Hughes em fazer de seus personagens tipos adoráveis e de fácil identificação com o público. Anthony Michael Hall, que colaborou com o diretor em "Gatinhas e gatões" e "Clube dos cinco", antes de fazer uma série de escolhas erradas que o levaram ao ostracismo, é a perfeita imagem do nerd adolescente desesperado, enquanto Ilan Michael-Smith (que abandonou a carreira nos anos 1990 para assumir como professor de Inglês em uma universidade do Texas) representa um lado mais doce e gentil. A química dos dois jovens atores com Kelly Le Brock é precisa - LeBrok, que ganhou o papel para o qual também foram testadas Demi Moore e Robin Wright, não precisa fazer muito mais do que ser linda e atraente, o que ela faz sem esforço. No elenco jovem não deixa de ser curioso perceber Bill Paxton e Robert Downey Jr. em papéis secundários - o primeiro como o irmão mais velho de Wyatt, e o segundo como um dos algozes da dupla de protagonistas.

"Mulher nota mil" é uma sessão da tarde à moda antiga. Seu visual oitentista, sua trilha sonora de rock e a presença de atores que eram a cara da época são deliciosamente cafonas, e a trama, que descamba para o escatológico e o surreal na segunda metade, impede que ele se leva a sério demais. Uma série de TV inspirada no filme e estrelada por Vanessa Angel, estreou em 1994 e durou cinco temporadas, apesar de não ser muito lembrada pelo público. Talvez porque sua essência pertença definitivamente aos anos 1980 e porque a mágica de John Hughes não funcione tão bem sem que ele esteja no comando criativo do projeto. Considerado um filme menor na carreira do cineasta, é um antídoto perfeito para qualquer filme que exija mais do cérebro do espectador.

quarta-feira

VAMPIROS DE ALMAS


VAMPIROS DE ALMAS (Invasion of the body snatchers, 1956, Walter Wanger Productions, 80min) Direção: Don Siegel. Roteiro: Daniel Mainwaring, série de Jack Finney. Fotografia: Ellsworth Fredericks. Montagem: Robert S. Eisen. Música: Carmen Dragon. Direção de arte/cenários: Edward Haworth/Joseph Kish. Produção: Walter Wanger, Walter Mirisch. Elenco: Kevin McCarthy, Dana Wynter, Larry Gates, King Donovan, Carolyn Jones. Estreia: 05/02/56

Não deixa de ser um tanto irônico que um filme constantemente lembrado como uma metáfora do macarthismo, que tantas baixas causou na indústria do cinema, não seja oficialmente uma obra com tais pretensões. Lançado em 1956, quando a política de caça aos comunistas de Hollywood promovida pelo senador Joseph McCarthy ainda estava a pleno vapor, "Vampiros de almas" parecia a alegoria perfeita para o clima de paranoia que rondava o país. Porém, apesar de o diretor Don Siegel afirmar que era impossível fugir das conexões com a realidade, o ator central do filme, Kevin McCarthy, e o autor da história na qual o roteiro era baseado, Jack Finney, negavam qualquer ligação, classificando o filme como apenas mais um thriller de ficção científica a alcançar as telas. É inegável, no entanto, que, sabendo o contexto em que foi realizado, o clássico de Siegel assume um subtexto muito mais interessante e lhe confere uma aura de relevância histórica de que não muitos filmes podem se gabar.

Realizado com pouco mais de 500 mil dólares e filmado em 19 dias - já contando com o atraso causado pela teimosia do diretor em filmar cenas noturnas sem apelar para efeitos visuais, "Vampiros de almas" sofreu com o orçamento apertado. O desenhista de produção, Edward Haworth, por exemplo, esteve sempre à beira de um ataque de nervos: depois de trabalhar com Alfred Hitchcock em "Pacto sinistro" (1951) e "A tortura do silêncio" (1953) - e pouco antes de ganhar um Oscar por "Sayonara" (1957) -, ele chegou a escrever uma carta ao diretor do Allied Artists, preocupado com o destino do filme. De pouco adiantou: Haworth teve de multiplicar sua criatividade para fazer com que o principal elemento da trama - os casulos que abrigavam cópias dos habitantes da pequena cidade de Santa Mira - não fosse prejudicado pelos exíguos trinta mil dólares à sua disposição. Como a história mostrou, ele não apenas conseguiu, mas também forjou um visual que influenciou várias outras obras do gênero pelos anos seguintes - inclusive o remake, lançado em 1978.

 

A trama de "Vampiros de almas" é uma pérola do kitsch - e é tratada como tal por Don Siegel, que mais tarde se consagraria dirigindo Clint Eastwood em sucessos como "Perseguidor implacável" (1971) e "Alcatraz: fuga impossível"" (1979). Tudo se passa em uma típica cidadezinha norte-americana da década de 1950. É para lá que o médico Miles Bennell (Kevin McCarthy) retorna depois de um congresso, para encontrar parte da população sofrendo do que parece um surto de paranoia coletiva: vários de seus pacientes insistem em dizer que seus parentes foram substituídos por algum tipo de impostor. A princípio cético, Bennell leva um choque ao descobrir que todos estão falando a verdade, e que alienígenas estão tomando os corpos dos humanos. Ao lado de uma antiga namorada, Becky (Dana Wynter em papel para o qual foram consideradas Anne Bancroft, Kim Hunter, Vera Miles e Donna Reed), o médico fará o possível para avisar as autoridades a respeito da invasão, mas conforme avança em sua cruzada, percebe que talvez já seja tarde demais - e que não irá demorar para que ele e sua amiga se tornem vítimas.

O roteiro original de "Vampiros de almas" se assumia um pouco como filme trash, repleto de passagens cômicas que se intercalavam às sequências mais sérias da narrativa. Acreditando que a fórmula "humor + tragédia" seria um fator positivo para o sucesso do filme, Siegel, o roteirista Daniel Mainwaring e o produtor Walter Wanger fizeram exibições-teste às escondidas do diretor do estúdio. Realmente o público parecia aprovar a mistura de gêneros, mas Steve Broidy (o mesmo que recebeu a carta desesperada de Edward Haworth) nem considerou a ideia: para a estreia oficial, mandou editar o filme sem qualquer resquício dos momentos leves - uma espécie de contradição, já que foi justamente o estúdio quem exigiu mudanças no final da história original, deixando de lado o tom pessimista e acenando com uma esperança para os personagens e o público. Tais decisões, por mais ditatoriais que possam parecer, acabaram por funcionar: o filme é, hoje em dia, uma das ficções científicas mais conhecidas do cinema.

terça-feira

A ÚLTIMA SESSÃO DE CINEMA


A ÚLTIMA SESSÃO DE CINEMA (The last picture show, 1971, Columbia Pictures, 118min) Direção: Peter Bogdanovich. Roteiro: Peter Bogdanovich, Larry McMurtry, romance de Larry McMurtry. Fotografia: Robert Surtees. Montagem: Donn Cambern. Direção de arte/cenários: Polly Platt/Walter Scott Herndon. Produção executiva: Bert Schneider. Produção: Stephen J. Friedman. Elenco: Timothy Bottoms, Jeff Bridges, Cybill Sheperd, Ben Johnson, Cloris Leachman, Ellen Burstyn, Eillen Brennan, Sam Bottoms, Randy Quaid, Clu Gulager. Estreia: 02/10/71

8 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (Peter Bogdanovich), Ator Coadjuvante (Jeff Bridges), Ator Coadjuvante (Ben Johnson), Atriz Coadjuvante (Ellen Burstyn), Atriz Coadjuvante (Cloris Leachman), Roteiro Adaptado, Fotografia

Vencedor de 2 Oscar: Ator Coadjuvante (Ben Johnson), Atriz Coadjuvante (Cloris Leachman)

Vencedor do Golden Globe de Ator Coadjuvante (Ben Johnson)

Uma bela fotografia em preto-e-branco para sublinhar o tom melancólico e decadente. Personagens perdidos entre a busca por um futuro incerto e a nostalgia de um passado cálido. Uma atmosfera carregada de sensualidade e frustrações juvenis. Um diretor com olhar apurado e sensível aos detalhes. Um elenco equilibrado entre jovens promessas e talentos já consagrados. E um roteiro delicado, quase contemplativo e carregado de uma tristeza quase palpável. Com esses ingredientes certeiros, "A última sessão de cinema" tornou-se, quase de imediato, a obra-prima mais duradoura do cineasta Peter Bogdanovich. Adaptado do romance de Larry McMurtry - que ainda veria seu "Laços de ternura" fazer a limpa no Oscar de 1983 e sairia premiado pela Academia pela versão cinematográfica do conto "O segredo de Brokeback Mountain", de Anne Proulx em 2005 -, o filme de Bogdanovich surgiu, em 1971, como uma bem-vinda lembrança de que, a despeito das novidades formais que vinham chegando à Hollywood a reboque de uma nova geração de realizadores, nada é mais importante do que contar uma boa história, repleta de humanismo e sentimentos universais. Indicado a oito Oscar (incluindo melhor filme, direção e roteiro adaptado), "A última sessão de cinema" não demorou a virar cult e encontrar o caminho para o coração do público e da crítica. Em seu retrato carinhoso do fim de um período, não deixa de ser considerado uma espécie de irmão mais velho e mais sério de "Loucuras de verão" (1973) - em que George Lucas acompanhava um grupo de amigos em sua última noite antes da partida para a faculdade, no começo dos anos 1960. Porém, se a divertida obra de Lucas prima pelo bom-humor, a adaptação do livro de McMurtry opta por um viés mais desolado e dramático - e encontra em Bogdanovich o diretor ideal.

Em seu segundo longa-metragem - para efeitos práticos é conveniente deixar de lado sua experiência em "Viagem ao planeta das mulheres", de 1968, uma produção russa que ele reeditou e lançou sob o pseudônimo de Derek Thomas - e única indicação ao Oscar de melhor diretor, Bogdanovich demonstra uma segurança ímpar, assim como um senso de nostalgia que seus trinta anos de idade poderiam apenas imaginar (ou emular do romance de  Larry McMurtry, um escritor texano cujas reminiscências serviram de inspiração para a trama e que coescreveu o roteiro com o cineasta). Talvez a perda do pai durante as filmagens tenha um pouco de responsabilidade pela tristeza quase palpável das imagens fotografadas por Robert Surtees, mas o fato é que a história de amor, perda e ritos de passagem que tem lugar na empoeirada Anarene, Texas no período compreendido entre novembro de 1951 e outubro de 1952 toca fundo no coração - e fica com o espectador por um bom tempo após o fim da sessão. Poucas vezes em Hollywood uma adaptação cinematográfica encontrou correspondência tão fiel - tanto em termos de transposição da trama quanto em clima. Pode-se dizer que o ator Sal Mineo, responsável pelo encontro de cineasta e livro, fez um favor e tanto aos cinéfilos.


 

Mineo, apaixonado pela obra mas ciente de que não tinha mais idade para viver qualquer um dos protagonistas mais jovens, apresentou o romance a Bogdanovich, que também encantou-se pelos personagens e resolveu traduzir as palavras de McMurtry em imagens. Para isso, tomou uma decisão considerada arriscada comercialmente: filmar em preto-e-branco. Incentivado por Orson Welles em sua cruzada artística, o cineasta (quase) iniciante, desafiou as regras não escritas que condenavam à morte qualquer produção que fugisse do que se considerava um investimento seguro. Escolhendo a pequena Archer City como locação principal de seu projeto (não por acaso a cidade natal de McMurtry) e contando com um elenco de jovens atores praticamente iniciantes, o diretor cercou-se, no entanto, de talentos já consagrados na lista de coadjuvantes. Na impossibilidade de contar com James Stewart em um dos papéis cruciais da história (o veterano ator já estava comprometido com uma série de televisão), sua escolha recaiu sobre Ben Johnson, que, incentivado por John Ford, não apenas aceitou o desafio como fez uma limpa nas cerimônias de premiação da temporada: mesmo com pouco menos de 10 minutos em cena, Johnson levou o BAFTA, o Golden Globe e o Oscar. Sua colega de elenco, Cloris Leachman também conquistou a Academia e ficou com a estatueta de atriz coadjuvante por seu desempenho como Ruth Popper, uma mulher negligenciada pelo marido e que encontra consolo nos braços do jovem Sonny Crawford (Timothy Bottoms, uma grata revelação). Leachman, no entanto, contou com a sorte: seu papel seria de Ellen Burstyn, que preferiu viver Lois Farrow, uma beldade de outrora, mãe da moça mais cobiçada da cidade - interpretada pela estonteante Cybill Sheperd - e que tem nas lembranças do passado sua maior felicidade.

Mas se o elenco de veteranos é de encher os olhos, a sensação maior de "A última sessão de cinema" é  grupo de jovens talentos reunidos pelo cineasta. Jeff Bridges concorreu ao Oscar de coadjuvante por seu desempenho como Duane Jackson, o namorado da desejada Jacy - papel de estreia de Cybill Sheperd, que aproveitou as filmagens para ter um rápido namoro com o colega de cena e se envolver com o diretor, levando-o ao fim de seu casamento com a designer de produção Polly Platt. Timothy Bottoms quase rouba a cena na pele de Sonny, um rapaz perdido entre o presente sonolento e um futuro nebuloso, e de quebra arrumou trabalho também para o irmão, Sam, que conquista o público mesmo sem dizer uma palavra na pele de Billy - cujo destino trágico catalisa o memorável desfecho do filme. O equilíbrio alcançado por Bogdanovich, entre juventude e maturidade, entre presente, passado e futuro e entre sonhos e frustrações é o grande trunfo de "A última sessão de cinema". O carinho com que o roteiro trata seus personagens é plenamente perceptível nas belas imagens de Surtees e não é de surpreender que o cineasta os tenha revisitado em uma continuação temporã, o pouco visto e pouco lembrado "Texasville", lançado sem sucesso em 1990: assim como acontece com boa parte dos habitantes da pequena Anarene, o filme perdeu o trem da história e serviu apenas de encerramento (desnecessário, ainda que simpático) para um dos mais importantes filmes norte-americanos do começo dos anos 1970.

sábado

O ESCORPIÃO DE JADE


O ESCORPIÃO DE JADE (The curse of the Jade Scorpion, 2001, Dreamworks Pictures/Gravier Productions, 113min) Direção e roteiro: Woody Allen. Fotografia: Fei Zhao. Montagem: Alisa Lepselter. Figurino: Suzanne McCabe. Direção de arte/cenários: Santo Loquasto/Jessica Lanier. Produção executiva: Stephen Tenenbaum. Produção: Letty Aronson. Elenco: Woody Allen, Helen Hunt, Dan Ayckroyd, Charlize Theron, Wallace Shawn, Elizabeth Berkley, David Ogden Stiers. Estreia: 05/8/2001 (Hollywood Film Festival)

Nova York, 1940. CW Briggs trabalha há dezesseis anos como investigador em uma agência de seguros, e é considerado um dos melhores do ramo por, segundo gosta de afirmar, ter a mente criminosa necessária para o trabalho. Arraigado a seus métodos clássicos, Briggs vê em Betty Ann Fitzgerald, a mais nova contratada do escritório, uma ameaça à sua estabilidade profissional: cheia de ideias para renovar o ambiente, ela não faz a menor questão de esconder sua antipatia gratuita pelo veterano colega. A relação de total antagonismo entre os dois não é desconhecida pelos outros empregados, ao contrário do relacionamento secreto entre Betty Ann e seu chefe, Chris Magruder - que há tempos promete abandonar a família para assumir o novo relacionamento. Ambos frustrados - por motivos diferentes - e necessitados de momentos de diversão, os dois aceitam o convite para a apresentação de um mágico em uma casa noturna e tem suas rotinas transformadas: hipnotizados pelo misterioso Voltan, eles divertem a plateia ao se revelarem apaixonados quando em transe - e, à sua revelia e sem o conhecimento de mais ninguém, passam, a partir de então, a cometer, sob o comando do mago, uma série de roubos de joias que podem colocá-los em sérios problemas com a justiça. Além disso, tal situação acaba os aproximando mais do que gostariam de admitir.

Lançado em 2001 e distribuído pela Dreamworks Pictures, "O escorpião de jade" estabeleceu duas marcas numéricas para a carreira de Woody Allen: não apenas era o filme mais caro do diretor até então (com um orçamento de 28 milhões de dólares) como estreou em cerca de 900 salas nos EUA, um lançamento bastante generoso para um cineasta acostumado a circuitos bem mais modestos. Tal providência não foi suficiente, no entanto, para chamar a atenção do público, que não se deixou conquistar por seu humor inteligente e produção caprichada. Apresentando uma reconstituição de época cuidadosa e uma paleta de cores das mais elegantes, "O escorpião de jade" é uma espécie de homenagem do diretor às comédias românticas da década de 1940, estreladas por Cary Grant e Katharine Hepburn. Repleto de diálogos brilhantes e com uma trama original e imprevisível, o filme reafirma a fascinação de Allen por mágicos e afins (elementos com que já havia brincado em "Édipo arrasado" (1989) e "Simplesmente Alice" (1990)), além de oferecer a Helen Hunt um de seus raros bons papéis depois do Oscar por "Melhor é impossível (1997). Hunt, que teve o privilégio de ler o roteiro inteiro antes de aceitar o trabalho (e mesmo assim com um mensageiro esperando na sala ao lado para levar o script de volta), está nitidamente à vontade como Betty Ann Fitzgerald, uma mulher inteligente e sagaz, mas incapaz de se deixar envolver pela mais antiga das mentiras masculinas. Na pele de Briggs, porém, Allen não vai além do que se espera de uma atuação sua: não à toa, ele detesta seu desempenho no filme, frustrado pela recusa de suas duas primeiras opções, Tom Hanks e Jack Nicholson.

 

Não que Allen não esteja em boa forma. Como ele mesmo reconhece, seus dons como ator são bastante restritos, mas CW Briggs é um personagem que cabe em suas limitações. Levemente atrapalhado, metido a conquistador, cheio de manias e com uma saudável dose de neuroses, Briggs diverte a plateia com tiradas rápidas e repletas de um sarcasmo delicioso. Sua parceria com Helen Hunt é preciosa, e a participação mais do que especial de Charlize Theron (depois de uma rápida aparição em "Celebridades", de 1999) incendeia a tela em poucos minutos. Além disso, ao contrário do que acontece na maioria de sua filmografia, o roteirista Allen não se obriga a ter pressa: perto de sua média de 90 minutos de duração, as quase duas horas de "O escorpião de jade" soam como um épico - e, por incrível que pareça, não há nenhuma gordurinha na narrativa, que flui equilibrada entre a comédia romântica à moda antiga e um leve drama policial. Aliás, se há algo do que se reclamar é justamente o fato desse equilíbrio prejudicar o aprofundamento das duas histórias contadas, ainda que elas dialoguem profundamente: apesar da trama dos roubos render bons momentos, é a relação entre Briggs e Betty Ann que torna o filme notável.

Relegado a um segundo plano na carreira de Allen, "O escorpião de jade" estreou nos EUA pouco mais de um mês antes dos atentados ao World Trade Center e, em um gesto de simpatia, o cineasta pisou pela primeira vez no palco da cerimônia do Oscar no começo do ano seguinte para apresentar uma homenagem à Nova York. Em uma de suas tiradas geniais, ele começou seu discurso afirmando que, ao receber um telefonema da Academia, pensou que fosse para um pedido de desculpas por seus integrantes terem ignorado seu filme. Teria sido compreensível: mesmo que "O escorpião de jade" não seja uma obra-prima, seus valores de produção são inegáveis, e uma indicação à estatueta de roteiro original era mais que merecida. Pouco visto e pouco comentado, é um filme que precisa ser descoberto e alçado à lista dos melhores do diretor.

JADE

  JADE (Jade, 1995, Paramount Pictures, 95min) Direção: William Friedkin. Roteiro: Joe Eszterhas. Fotografia: Andrzej Bartkowiak. Montagem...