NÃO FALE O MAL (Speak no evil, 2022, Profile Pictures/OAK Motion Pictures/Det Danske Filminstitut, 97min) Direção: Christian Tafdrup. Roteiro: Christian Tafdrup, Mads Tafdrup. Fotografia: Erik Molberg Hansen. Montagem: Nicolaj Monberg. Música: Sune Kolster. Figurino: Louize Nissen. Direção de arte/cenários: Sabine Hvidd/Jeanett Brahe, Floris Eysink Smeets. Produção executiva: Ditte Milsted. Produção: Jacob Jarek. Elenco: Morten Burian, Sidsel Siem Koch, Fedja van Huet, Karina Smulders, Liva Forsberg, Marius Damslev. Estreia: 21/01/2022 (Festival de Sundance)
Em certa ocasião, enquanto passava férias na Toscana, o cineasta e roteirista dinamarquês Christian Tafdrup e sua família travaram conhecimento com uma família holandesa, com quem se deram imediatamente bem. Logo depois do final do período de férias, Tafdrup recebeu um convite dos novos amigos para que passassem um período em sua casa. O cineasta chegou a considerar a ideia, mas acabou recusando a oportunidade - afinal de contas, ficar por um período em outro país, com pessoas que ele mal conhecia, poderia ser um tanto estranho. Tal acontecimento, no entanto, nunca saiu de sua cabeça e, como bom roteirista, ele não demorou a imaginar o que poderia ter acontecido caso tivesse aceito o inusitado convite. Surgia, então, a história de "Não fale o mal", um dos filmes mais incômodos e perturbadores de 2022, e um sucesso imediato no Festival de Sundance do mesmo ano. Em pouco mais de 90 minutos, Tafdrup simplesmente aterroriza a plateia com um thriller psicológico que vai aos poucos construindo uma atmosfera de tensão - para chegar a um clímax desolador.
O ponto de partida de "Não fale o mal" é justamente o que aconteceu com o cineasta em suas férias: o casal dinamarquês Bjorn (Morten Burian) e Louise (Sidsel Siem Koch) conhece, durante um verão na Toscana, um casal holandês bastante simpático e agradável, Patrick (Fedja van Huêt) e Karin (Karina Smulders). Logo surge uma identificação entre as duas famílias e, um tempo depois, Bjorn e Louise são convidados para passar um tempo na Holanda - Patrick e Karin insistem no chamado, alegando que, além deles, seu filho pequeno, Abel (Marius Damslev), está com saudades da filha do casal, Agnes (Liva Forsberg). A princípio pouco propensos a aceitar a aventura, logo eles topam a viagem e chegam à casa dos amigos, uma bela propriedade afastada da cidade. Não demora, no entanto, para que as diferenças entre todos comecem a se mostrar maiores que sua identificação - enquanto os dinamarqueses são mais formais e sérios, os holandeses parecem mais dispostos a curtir a vida sem maiores preocupações. Sentindo-se pouco confortáveis - os anfitriões não demonstram cuidado ou atenção a suas particularidades -, eles decidem ir embora antes do previsto. E então descobrem que, para soarem educados e gentis, entraram em uma situação da qual é muito complicado sair.
Sem maiores spoilers: o que começa com pequenos incômodos - dirigir em alta velocidade e bêbado, música alta, carne servida a vegetarianos - vai se avolumando conforme o tempo vai passando. O fato do pequeno Abel ter uma condição médica que lhe impede de falar (ele não tem parte da língua) é a menor das aflições propostas pelo roteiro tenso criado por Christian Tafdrup e seu irmão, Mads: a cada cena, em cada momento de desconforto sublinhado pela trilha sonora impecável e pela fotografia claustrofóbica, o filme parece desnudar, aos olhos do espectador, um pesadelo cujas consequências são inimagináveis. Quase uma fábula a respeito da tendência do ser humano em ser sociável - independentemente do que isso pode acarretar -, o filme transforma a atmosfera festiva de seus primeiros minutos em um sombrio conto de horror, onde os monstros não são seres do além ou assassinos mascarados, e sim o vizinho, o amigo, o colega de trabalho. E para isso, conta com duas duplas de atores sensacionais, que extrapolam sua aparência civilizada em sequências de deixar qualquer um se retorcendo na poltrona.
Casados na vida real, assim como no filme, Fedja van Huêt e Karina Smulders brilham como o casal anfitrião, transitando entre a docilidade e a opressão com sutileza rara. Na pele dos dinamarqueses pegos de surpresa em uma viagem praticamente surreal, Morten Burian e Sidsel Siem Koch vão do constrangimento ao desespero - levando junto o espectador, descrente do turbilhão de violência emocional que se acumula diante de seus olhos. Assim como em "Violência gratuita", que Lars Von Trier lançou com controvérsia em 1997, a angústia que surge em "Não fale o mal" não vem do horror explícito ou do sangue escorrendo: é a sensação da maldade, a certeza de que algo irrecuperável irá irromper na tela é que constrói toda a estrutura do filme. Aqueles que preferem um ritmo ágil, com reviravoltas a cada quinze minutos certamente irá se aborrecer com a confecção precisa da direção de Tafdrup, mas aqueles que procuram formas mais sutis de mexer com os nervos não conseguirá tirar da mente seu final ríspido e seco como um bom soco no estômago.