EVIL: RAÍZES DO MAL (Ondskan, 2003, Moviola Film, 113min) Direção: Mikael Hafstrom. Roteiro: Hans Gunnarsson, Mikael Hafstrom, Klas Ostergren, romance de Jan Guillou. Fotografia: Peter Mokrosinski. Montagem: Darek Hodor. Música: Francis Shaw. Direção de arte: Anna Asp. Produção executiva: Kim Magnusson. Produção: Ingemar Leijonborg, Hans Lonnerheden. Elenco: Andreas Wilson, Henrik Lundstrom, Gustaf Skarsgard, Linda Zilliacus. Estreia: 16/5/03 (Festival de Cannes)
Indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro
Como normalmente acontece, o título em português de "Evil: raízes do mal" dá a impressão errada a respeito desse drama sueco indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Ao contrário do que pode parecer, a produção dirigida por Mikael Hafstrom não é um filme de terror sobre a existência do demônio e tampouco uma obra de suspense que investiga as origens da violência na alma humana. Baseado em um romance de Jan Guillou inspirado em suas próprias experiências dentro de um colégio interno masculino na Suécia, "Evil" é apenas o retrato (mais um) do ritual de passagem da adolescência para a fase adulta, centrado basicamente na luta de um jovem contra a agressividade que o cerca e frequentemente o domina. Sem maiores novidades no roteiro ou na direção, o filme de Hafstrom sustenta-se principalmente no carisma de seu ator central, Andreas Wilson, que bateu 120 concorrentes para ficar com o papel principal, o angustiado Erik Ponti.
Expulso de sua escola depois de uma briga com outro aluno, Erik - que é constantemente espancado pelo padrasto (Johan Rabaeus), com a complacência da mãe (Marie Richardson) - é matriculado em um tradicional internato masculino, cujos alunos vem de famílias abastadas ou importantes. Disposto a terminar seus estudos sem envolver-se em confusões desnecessárias, ele faz amizade com seu colega de quarto, Pierre (Henrik Lundstrom), e entra para o time de natação da escola, destacando-se rapidamente. Porém, conforme o aviso de Pierre - filho de pais ricos mas pouco popular entre os colegas - seu sucesso chama a atenção de Otto Silverhielm (Gustaf Skarsgard), um dos alunos mais antigos e líder de um grupo que determina certas regras de conduta que, mesmo abusivas, são tratadas com condescendência pelos diretores. Com inveja do sucesso de Erik, Otto começa a tentar, de todas as maneiras, forçar situações de violência que o façam romper sua carapaça pacífica - usando, inclusive, de seu conhecimento a respeito do romance entre o rapaz e Maria (Linda Zilliacus), uma das funcionárias da instituição.
Com uma narrativa linear e discreta que vai construindo gradualmente sua tensão até o clímax final - que abdica da violência pura e simples para ser coerente com sua proposta - "Evil" é um filme que tem na simplicidade um de seus maiores méritos. Ao centrar seu foco quase exclusivamente na vida escolar de Erik - com raros momentos fora do ambiente educacional - o diretor Mikael Hafstrom cria uma atmosfera claustrofóbica que permite ao espectador acompanhar, passo a passo, a trajetória do personagem rumo à maturidade emocional. Para isso, recorre tanto ao clichê mais básico (a amizade do protagonista com alguém mais frágil fisicamente) quanto a referências culturais, como a menção ao filme "Juventude transviada" (54), cuja temática de gangues adolescentes dialoga diretamente com sua trama. Discreto e inteligente, Hafstrom não exagera nem mesmo na dose de violência das brigas juvenis, apesar de serem elementos cruciais para o desenvolvimento da trama, e apresenta a relação entre Erik e Pierre com a sensibilidade adequada, sem forçar nenhuma dubiedade sobre sua natureza fraternal, como um diretor menos seguro poderia ser tentado a fazer. Erik e Pierre são amigos e parceiros leais que se veem diante de uma força que parece maior que ambos - a crueldade pura e simples - e tentam derrotá-la com suas próprias armas, mesmo que isso talvez lhes destrua a pureza ou a integridade física. E esse detalhe é que faz de "Evil" um filme acima da média.
Ao contrário do que normalmente ocorreria se fosse uma produção realizada nas entranhas da indústria hollywoodiana, "Evil" não recorre a epifanias miraculosas ou tragédias anunciadas para conquistar a simpatia da plateia para seu protagonista. Na pele de Andreas Wilson - um ator capaz de ir da tormenta à calmaria apenas com o olhar - o protagonista Erik Ponti é o reflexo perfeito de uma juventude perdida, que tenta encontrar seu eixo, mas se vê constantemente ameaçada pelo mundo que a cerca. Mikael Hafstrom trata seus personagens com o perfeito equilíbrio entre a delicadeza e o realismo, evitando interferir na dinâmica entre eles e deixando sua câmera apenas como testemunha do embate inevitável - que acontece como uma espécie de catarse, no momento certo e da maneira menos óbvia possível. Até mesmo o final (feliz?) é dúbio, agridoce e quase melancólico, uma prova de que, apesar da vitória, sempre há cicatrizes que insistem em permanecer no corpo e na alma. Não se pode deixar enganar pelo subtítulo de "Evil: raízes do mal": eis aqui um belo drama europeu sobre os conflitos da juventude, e não um subproduto de terror.
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