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domingo

A CEIA DOS ACUSADOS

A CEIA DOS ACUSADOS (The thin man, 1934, MGM Pictures, 91min) Direção: W. S. Van Dyke. Roteiro: Albert Hackett, Frances Goodrich, romance de Dashiel Hammett. Fotografia: James Wong Howe. Montagem: Robert J. Kern. Música: Dr. William Axt. Direção de arte: Cedric Gibbons. Produção: Hunt Stromberg. Elenco: William Powell, Myrna Loy, Maureen O'Sullivan, Nat Pendleton, Minna Gombell, Porter Hall, Henry Wadsworth, William Henry, Harold Huber, Cesar Romero, Natalie Moorhead. Estreia: 25/5/34

4 indicações ao Oscar: Melhor Filme, Diretor (W. S. Van Dyke), Ator (William Powell), Roteiro Adaptado

Um dos escritores policiais mais aclamados da literatura norte-americana, Dashiel Hammett tornou-se conhecido principalmente por suas tramas repletas de personagens amorais, diálogos secos e enredos mirabolantes - é ele o autor, por exemplo, do livro que deu origem ao aclamado "Relíquia macabra", estrelado por Humphrey Bogart em 1941. Antes, porém, de tornar-se um roteirista indicado ao Oscar - por "Horas de tormenta", de 1943 -, Hammett ficou conhecido dos executivos de Hollywood através de um casal dos mais adorados pelo público de cinema. Nick e Nora Charles, os protagonistas do filme "A ceia dos acusados", são criações suas, inspirados, segundo ele mesmo, em sua relação intermitente com a dramaturga Lilian Hellman. Personagens principais do romance que deu origem ao filme dirigido por W. S. Van Dyke, os dois acabaram por se tornar uma mina de ouro para a MGM: além do sucesso de bilheteria e crítica do primeiro episódio, eles ainda sobreviveram por outros cinco capítulos e confirmaram a estrela de seus astros, William Powell e Myrna Loy.

Powell chegou a ser indicado ao Oscar de melhor ator por seu desempenho em "A ceia dos acusados" - que ainda foi lembrado em outras três importantes categorias (melhor filme, diretor e roteiro) - e ficou marcado pelo personagem, um detetive aposentado, chegado em um copo e apaixonado pela sofisticada e sarcástica esposa. Com uma vida pessoal marcada por dramas bastante duros, Powell encontrou o tom exato para seu personagem, assim como a química exata com a atriz Myrna Loy, a ponto de ambos serem constantemente confundidos como marido e mulher pelo público. Culpa do diretor Van Dyke, que insistiu em reunir a dupla depois de seu primeiro filme juntos, "Vencido pela lei", também de 1934: Louis B. Mayer, o poderoso chefão da MGM, achava que o ator era velho demais para o personagem e a atriz não era a mais adequada por ser conhecida das plateias como femme fatale. Van Dyke insistiu e levou. Com a condição de terminar as filmagens em apenas três semanas (tempo disponível antes que Loy começasse a trabalhar em seu próximo projeto), o cineasta acabou surpreendendo a todos: não apenas gastou apenas 231 mil dólares como encerrou os trabalhos em apenas doze dias. A surpresa foi ainda maior quando o filme estreou e arrecadou mais de um milhão somente nos cinemas norte-americanos e acabou indo parar na lista de indicados ao Oscar (perdeu em todas as categorias a que concorreu para "Aconteceu naquela noite", um dos maiores sucessos de Frank Capra).


Quem vê a interpretação de William Powell, baseada em um fino senso de humor e ironia, nem imagina por tudo que o ator iria passar em anos vindouros. Era noivo da atriz Jean Harlow quando ela morreu precocemente, aos 26 anos, em 1937. No ano seguinte, foi diagnosticado com câncer no reto (do qual se recuperou mas que revelou somente anos mais tarde). E, para completar o ciclo de tragédias, seu filho (do qual era bastante próximo) cometeu suicídio em 1968, aos 43 anos, depois de passar por uma séria depressão e problemas de saúde que o impediam de continuar sua carreira de roteirista. A essa altura, Powell já estava aposentado, mas tal histórico deixa ainda mais impressionante perceber o quanto de sua persona cinematográfica diferia de sua vida nos bastidores. Já Myrna Loy, sua parceira de cena, não passou por tantas desgraças - seu maior desafio foi passar de símbolo sexual a atriz respeitada, o que, de certa forma, só aconteceu graças aos filmes em que interpretou Nora Charles, um tipo diferente do que fazia até então e que lhe deu a oportunidade de mostrar um lado cômico e inteligente que não se podia vislumbrar em seus trabalhos anteriores. Não à toa, Loy ficou eternamente marcada pela personagem, a mais importante de sua carreira, premiada com o conjunto da obra pelo National Board of Review (em 1979), pelos críticos de Los Angeles (em 1983), e finalmente pela Academia de Hollywood (em 1991, dois anos antes de sua morte).

Se tanto se fala em William Powell e Myrna Loy e pouco a respeito de "A ceia dos acusados" em si, é justamente porque a dupla de protagonistas suplanta até mesmo a trama criada por Hammett. Um tanto confuso e com excesso de personagens, o enredo gira em torno do desaparecimento de um cineasta - velho amigo de Nick - e um assassinato que ele pode ter cometido. Se a história não empolga, a química entre os atores centrais e seu cachorrinho de estimação (um velho conhecido de Hollywood, chamado Skippy, que participou também dos outros filmes da série) vale uma conferida, principalmente para perceber o estilo econômico e direto do cineasta W. S. Van Dyke, um nome hoje pouco lembrado mas que transitava com conforto entre policiais, musicais (como "Canção de amor", de 1938), dramas históricos ("Maria Antonieta" foi lançado também em 1938) e até filmes sobre desastres naturais, antes que o gênero virasse moda ("São Francisco: a cidade do pecado" lhe rendeu a segunda indicação ao Oscar de diretor). Mesmo que hoje soe um tanto ultrapassado e até um pouco cansativo, "A ceia dos acusados" permanece como um filme essencial - no mínimo por ter unido o cinema à literatura noir e criado personagens que marcaram gerações de cinéfilos.

quinta-feira

ACONTECEU NAQUELA NOITE

ACONTECEU NAQUELA NOITE (It happened one night, 1934, Columbia Pictures,105min) Direção: Frank Capra. Roteiro: Robert Riskin, conto de Samuel Hopkins Adams. Fotografia: Joseph Walker. Montagem: Gene Havlick. Música: Howard Jackson. Figurino: Robert Kalloch. Direção de arte: Stephen Goosson. Produção: Frank Capra. Elenco: Clark Gable, Claudette Colbert, Walter Connolly, Roscoe Karns, Jameson Thomas. Estreia: 22/02/34

Vencedor de 5 Oscar: Melhor Filme, Diretor (Frank Capra), Ator (Clark Gable) Atriz (Claudette Colbert), Roteiro

Na primeira metade da década de 30, a Columbia Pictures não era exatamente uma grande potência dentre os estúdios de cinema de Hollywood – sua situação era tão humilhante que os presidentes da MGM e da Warner à época costumavam emprestar alguns de seus maiores astros para seus filmes como forma de castigá-los por alguma travessura. Foi assim, por exemplo, que Clark Gable (ainda antes de forjar sua eternidade no mundo do cinema com o épico “... E o vento levou”, lançado em 1939) acabou no elenco de “Aconteceu naquela noite”, uma produção barata e sem maiores ambições que, dirigida por Frank Capra, acabou por tornar-se um estrondoso sucesso de público e crítica – e, de quebra, foi a primeira produção da história a ganhar os cinco principais Oscar (filme, diretor, ator, atriz e roteiro). Pagando pena devido a seu escandaloso romance com Joan Crawford - que não agradou nem um pouco à MGM – Gable entrou no filme já com o pé esquerdo (à sua primeira reunião com Capra ele chegou bêbado e nem se deu ao trabalho de ser simpático) mas hoje é difícil ver outro ator no papel do cínico jornalista Peter Warne – e nessas horas é bom agradecer ao acaso o fato de ele ter sido recusado por Claude Rains e Robert Montgomery.

Aliás, o acaso jogou muito bem na montagem da equipe de “Aconteceu naquela noite”. Se a recusa de Carole Lombard em viver a mimada Ellie Andrews adiou em alguns anos seu casamento com Gable – se é que eles se apaixonariam de verdade durante as filmagens – ela serviu para que o papel caísse no colo de Claudette Colbert, que, aliás, não estava nem um pouco interessada em voltar a trabalhar com Frank Capra depois do fracasso comercial de seu primeiro encontro, “Filhos da fortuna” (27). Seu desinteresse pelo projeto acabou minado pela insistência do cineasta, que lhe prometeu o dobro de seu salário na Paramount por apenas quatro semanas de filmagens – a atriz não apenas acabou aceitando o papel em um filme que não lhe agradava (“acabei de fazer o pior filme da minha vida!”, ela confidenciou a uma amiga no último dia de trabalho) como passou a perna em ninguém menos que Bette Davis, interessadíssima em participar do projeto mas impedida pela Warner, com quem tinha contrato.


O interesse de Davis, diga-se de passagem, era uma surpresa, já que praticamente ninguém em Hollywood parecia muito entusiasmado em fazer parte da comédia romântica de Capra. Colbert, por exemplo, foi a sexta atriz sondada para o papel central – nomes como Loretta Young, a já citada Carole Lombard e Myrna Loy já haviam declinado do convite – e Robert Montgomery chegou a anunciar a quem quisesse ouvir que o roteiro era o pior que ele já havia lido. Foi aí que Capra entrou na jogada e chamou Robert Raskin para reescrever tudo do começo. Baseado em um conto chamado “Bus stop”, escrito por Samuel Hopkins Adams e publicado na revista “Cosmopolitan” (a “Nova” dos EUA), Raskin acabou criando uma deliciosa e divertida história de amor que acabou por se tornar a maior das referências do gênero “comédia romântica” – uma influência sentida até os dias de hoje.
Dono de um frescor e de uma inteligência que se mantém intactas mesmo depois de mais de sete décadas, “Aconteceu naquela noite” deve muito de seu ritmo ágil e de sua capacidade de empatia à direção elegante e esperta de Frank Capra, que mais tarde se tornaria um dos cineastas mais importantes dos EUA ao equilibrar um otimismo à toda prova e doses discretas de cinismo em filmes como “A felicidade não se compra” e “O galante Mr. Deeds”. Imprimindo à sua narrativa um tom moderno e algumas ousadias nada ameaçadoras, Capra conta a história de um amor nascido das diferenças, mas o faz com um olhar impiedoso e paradoxalmente carinhoso. Ellie Andrews (Claudette Colbert) é a herdeira de um empresário milionário que briga com o pai porque ele não aceita seu casamento com o playboy King Westley (Jameson Thomas). Para fugir do domínio paterno, ela pega um ônibus em direção à Nova York e se torna alvo de uma caçada nacional – há até uma recompensa para quem conseguir encontrá-la. Quem a encontra, por acaso, é Peter Warne (Clark Gable), um jornalista recém demitido que vê na jovem a chance de uma volta por cima. Uma série de imprevistos na viagem acaba por juntar os dois – sem que ela sequer desconfie que ele tem interesses financeiros por trás de sua gentileza um tanto rude. Logicamente, porém, as cartas acabam se embaralhando quando ele se apaixona por ela – e passa a ser correspondido mesmo sem saber.
A trama simples de Riskin é levada com humor e leveza da primeira à última cena, e o Oscar de roteiro é plenamente justificado graças às inúmeras sequências antológicas preparadas pela trama. É nesse filme, por exemplo, que Colbert mostra as pernas para conseguir uma carona e que os dois atores são obrigados a comer cenouras cruas para matar a fome. É de “Aconteceu naquela noite”, também, a famosa cena em que Gable mostra o peito nu debaixo de sua camisa: à época era comum que se usasse uma outra camisa por baixo da primeira e tal cena fez com que a venda das camisas de baixo caísse a níveis alarmantes, a ponto de uma empresa ter pensado em processar a Columbia (mal sabia ela que tudo aconteceu apenas porque o ator não conseguia dizer o texto tirando mais de uma peça de roupa).
No final das contas, “Aconteceu naquela noite” passou de azarão a campeão. Lançado em cinemas secundários nos EUA, aos poucos o filme começou a demonstrar uma popularidade surpreendente, e a Columbia aumentou o número de salas para ver-se alçada, ao final da temporada, a um nível superior dentro da hierarquia dos estúdios. Vencendo os cinco Oscar a que concorria – Colbert nem esperava ganhar e foi pega de surpresa com a vitória no mesmo ano em que tinha outros dois filmes na disputa, “Cleópatra” e “Imitação da vida” – a pequena obra-prima de Frank Capra é hoje um exemplo mais do que acabado de tudo que uma comédia romântica pode (e deve) ser.

JADE

  JADE (Jade, 1995, Paramount Pictures, 95min) Direção: William Friedkin. Roteiro: Joe Eszterhas. Fotografia: Andrzej Bartkowiak. Montagem...