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sexta-feira, janeiro 14, 2011

Pacóvios, pirosos e parolos

Esta é uma ilustração que encontro frequentemente no blog "portugal dos pequeninos" e que me parece muito adequada à iliteracia ambiental do conselho de administração da nossa assembleia da república
Li no jornal que esta iniciativa do grupo parlamentar do PS foi chumbada pelo conselho de administração da Assembleia da República.
O argumento é de bradar aos céus, pretendendo fazer de nós estúpidos: não seria possível garantir da higiene desde a origem ao ponto de consumo se fosse substituída a água engarrafada por água da torneira, para além do problema da recolha, lavagem e etc., dos jarros individuais de água necessários.
Para além da estupidez e novo-riquismo que consiste em partir do princípio de que os senhores deputados não podem partilhar jarros de água, como o comum dos cidadãos que representam, o argumento invocado é completamente ridículo: actualmente ou os senhores deputados bebem todos água pela garrafa, ou evidentemente alguém recolhe copos, os lava e volta a colocar, ou a higiene dos copos também não consegue ser garantida pelo Conselho de Administração da Assembleia da República.
Temos então o principal órgão da democracia portuguesa amedrontado com a falta de higiene que seria servir jarros de água da torneira aos senhores deputados, sendo que a garantia de abastecimento de água de qualidade é uma responsabilidade do Estado.
Ora são estes deputados que querem garantir uma escola pública de qualidade, um serviço de saúde público de qualidade, e um abastecimento alimentar isento de riscos para a saúde pública os mesmos que não confiam no principal órgão de gestão da Assembleia da República para garantir a higiene dos jarros de água.
Imagino o que irá pelas casas de banho da Assembleia da República, onde garantir a higiene é muito mais complicado que em jarros de água.
São assim a nossas elites.
Parolas, novas-ricas, deslumbradas.
Enfim, uma república de asnos.
henrique pereira dos santos
PS Um mínimo de respeito pelo dinheiro dos contribuintes há muito teria imposto o uso de água da torneira, nem precisaria de ser invocada a evidente racionalidade ambiental da iniciativa

domingo, novembro 21, 2010

A paranóia higienista e a sustentabilidade

Fotografia tirada daqui
Há já algum tempo que tinha ideia de fazer um post sobre isto.
Uma mensagem na lista Ambio, com referência a esta petição, acabou por servir de pretexto.
Não está em causa, naturalmente, negar a importância das regras de higiene e saúde pública associadas à alimentação em locais públicos.
O que está em causa é a psicose com os procedimentos, em detrimento da avaliação concreta dos produtos.
O Estado, por opção ou por demissão, desisitiu de verificar a qualidade do que é servido, resolvendo o problema definindo com o maior rigor possível as condições de produção facilmente verificáveis.
E para o fazer assumiu a assépsia como um valor absoluto.
A primeira vez que tive consciência do imenso impacto ambiental desta opção foi quando uma vizinha minha, dona de um café, me explicou que todos os panos de cozinha e limpeza foram banidos do café, substituídos por sistemas descartáveis. Era indiferente a impecável limpeza existente no café e nos panos, papéis descartáveis é que tinha de ser.
Ainda recentemente, numa das acções de formação que tenho num projecto que visa aumentar o uso de produtos locais e produtores de biodiversidade, projecto esse orientado para os restaurantes da zona, um dos participantes dizia que não podia, se quisesse, ter um porco (ou mais) que criaria para garantir a qualidade do que servia. Ou melhor, poder, podia criá-lo, até era possível, embora com alguma complicação, ir abatê-lo ao matadouro, mas depois, se quisesse ter banha de qualidade no restaurante não podia. Ter um caldeiro de banha industrial ordinária, com certeza, isso podia, porque o processo de produção estava controlado. Mas ter um caldeiro próprio de banha de boa qualidade (devo dizer, um produto hoje muito difícil de obter) só se comprasse um caldeiro de banha ordinária, a deitasse fora, e enchesse o caldeiro da banha da sua produção, fingindo que era industrial (como ninguém controla verdadeiramente o produto a coisa passaria facilmente).
Se eu for um estudante que queira arredondar o meu orçamento fazendo umas bolachas que a senhora do quiosque venderia, não posso. Porque o produto não presta? Não, porque o Estado em vez de controlar o produto quer controlar o sítio onde se faz e as exigências são as da produção industrial.
Os exemplos seriam muitos.
Mas o mais chocante é mesmo o que se passa no encerramento dos supermercados, em que dezenas de pessoas esperam pelos caixotes do lixo cheios de alimentos em perfeitas condições que o supermercado não pode dar, mas pode pôr no lixo onde os interessados os vão buscar sem qualquer controlo.
Não ignoro as dificuldades práticas desta petição, mas faz sentido lutar contra o desperdício em nome de uma assépsia ideal que todos sabemos que não serve as pessoas, e dentro destas, muito menos serve as pessoas mais pobres.
henrique pereira dos santos

domingo, abril 18, 2010

As minas do Portelo

Imagem de Miguel Barbosa tirada daqui
Ouvi um dia destes que as escombreiras das minas do Portelo, carregadas de elementos tóxicos, incluindo arsénio, tinham sido arrastadas para o Sabor no fim do ano passado, princípio deste, continuando a drenar para o rio, sentindo-se os efeitos da situação até à foz do rio.
Não faço a menor ideia da consistência desta alegação, por isso dei uma volta (pequena) na net para saber informações.
Encontrei duas notícias que partilho, uma de quando se romperam as barreiras que separavam as escombreiras do rio, outra já deste mês.
A primeira é extraordinária no passa culpas administrativo (como se não fosse ilegal um funcionário público não reportar formalmente uma irregularidade, com base no argumento de que é com o vizinho do lado).
A segunda muito tranquilizante na superfície, mas na verdade dizendo que vão pensar num plano que pense no que vai ser preciso fazer.
Alguém conhece a situação concreta? Alguém sabe se tem razão a administração, que diz que está tudo bem com as análises da água, ou a pessoa que ouvi num contexto mais que público dizer que pelo contrário, é uma situação gravíssima a que ninguém parece estar a dar a atenção devida?

"Terça-feira , 05 de Janeiro DE 2010
Bragança: Areias das minas de Portelo invadem rio Sabor
Toneladas de areia das antigas minas de Montesinho, em Bragança, estão a ser arrastadas pelas chuvas, destruindo campos agrícolas e a fauna piscícola no rio Sabor. Leito transbordou e transformou campos agrícolas em autênticos areais.
A situação é grave. Na aldeia de Portelo a areia entupiu e fez rebentar as condutas com cerca de 1,20 metros de diâmetro por onde passava o rio, cujo leito transbordou e alagou vários campos agrícolas que se transformaram num areal.
A areia das minas é considerada poluente, resulta da extracção do volfrâmio. "Tem silício, queima tudo. Os lameiros e hortas estão cobertos de areia, nem se vêem os muros, nem o caminho", lamentou Lurdes Rodrigues. Os habitantes querem que alguém se responsabilize.
O problema pode agravar-se. Na antiga área mineira estão depositadas centenas de toneladas de areia, na iminência de continuarem a ser arrastadas pela chuva. O rio subiu dois metros e chegou a uma habitação. "A cozinha e a sala estão alagadas", contou Lurdes Rodrigues.
Em 2007, a EDM - Empresa de Desenvolvimento Mineiro - estabeleceu um protocolo com o Câmara de Bragança com vista à reabilitação do espaço da mina, orçamentado em 1,7 milhões de euros. A primeira fase já foi executada, consistiu em trabalhos de segurança: protecção de poços, selagem de chaminés e de galerias. A segunda fase previa a reabilitação global da zona, incluindo a limpeza do rio. Não foi realizada. Fonte da EDM adiantou, ao JN, que surgiram várias dificuldades. "Não conseguimos entendimento com a pessoa que explora o areeiro", disse, esclarecendo que a empresa nada tem a ver com a mina, e que a responsabilidade da areia é de quem a explora e das entidades que lhe atribuíram a concessão.
O autarca de Bragança, Jorge Nunes, clarificou que a extracção de areia foi licenciada pela Câmara em 1995, mas que em Maio de 2009 a edilidade solicitou ao Instituto de Conservação da Natureza e ao Ministério da Economia que verificassem se o areeiro estava de acordo com a nova legislação. "O ICNB não respondeu, o Ministério da Economia explicou que o assunto era da responsabilidade do ICNB, que tem a obrigação de verificar se o licenciamento da extracção está de acordo com as características da zona", justificou. Hoje, técnicos da Câmara vão avaliar os estragos e verificar se há relação com o arrastamento de areias.
Fonte: JN"

"Plano para adoptar medidas de remediação nas minas do Portelo
Escrito por Informação, Sim 14-04-2010 09:00
Vão ser tomadas medidas de remediação para ultrapassar alguns malefícios decorrentes do arrastamento de areias das minas na aldeia de Portelo, em Bragança.
Uma decisão tomada numa reunião que juntou à mesma mesa a câmara municipal, juntas de freguesia de França e Aveleda, Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN), Empresa de Desenvolvimento Mineiro (EDM), Direcção-geral de Energia e Geologia, Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB), GNR e a Administração da Região Hidrográfica (ARH) do Norte.
Estas entidades vão primeiro fazer um plano para definir as medidas a tomar, como adianta o vice-presidente da câmara.
“A EDM, Direcção-geral de Energia e Geologia, ICNB e ARH do Norte vão elaborar um plano de remediação que será um plano de intervenção, o mais urgente possível, tendo em vista a minorização de algum impacto negativo causado pelo arrastamento das partículas finas que criaram um problema de colmatação do solo, deixando de haver arejamento” refere.
Estas medidas vão constar de um relatório que tem de estar pronto até 30 de Abril para que a intervenção seja feita o mais rápido possível.
Rui Caseiro acredita que a população pode cultivar os terrenos, mas aconselha a que se faça primeiro uma limpeza. “Penso que as pessoas poderão cultivar, embora haja um problema que é a colmatação do solo pelas pequenas partículas, embora não sejam tóxicas”. Por isso, “a limpeza desses detritos seria conveniente” sugere.
Em relação ao consumo humano da água, Rui Caseiro assegura que as análises garantem a sua qualidade e que ela pode ser utilizada através das antigas captações para o abastecimento público da cidade de Bragança.
“As análises feitas pela ARH deram valores sem problemas alguns da qualidade da água, por isso a esse nível não há problemas. O problema será a questão das partículas mas que eu penso que também serão minorizadas naturalmente” refere.
O autarca adianta ainda que este Verão poderão também ser tomadas medidas para resolver o problema em definitivo.
“A EDM está a trabalhar com a CCDRN para obtenção de financiamento necessário para resolver o problema em definitivo, o que poderá ocorrer neste Verão” adianta.
Segundo a autarquia, a CCDRN está também a avaliar a responsabilidade que assiste à empresa que faz a exploração de areias naquela zona com vista à implementação de medidas.
Escrito por Brigantia "

henrique pereira dos santos

sábado, março 06, 2010

O aterro e o dinheiro no bolso


Leio hoje no Público (de onde retirei a imagem do post) que o aterro do Caldeirão rebentou e está a afectar a ribeira do Vascão.
Ou me engano muito ou cruzei-me com este aterro lá para 1996 (provavelmente) ou 1997 (possivelmente).
O meu contacto foi relativamente breve mas foi uma das primeiras vezes que tive a noção clara da forma de trabalhar de José Sócrates, sobre a qual escrevi aqui no auge da expressão pública do processo Freeport.
Nesse post digo que "A Sócrates cabe a responsabilidade de um método de actuação voluntarista, determinado por objectivos pré-definidos mas que desconsidera a forma da decisão e a sua correcção processual. ... que cria um clima favorável à decisão ineficiente a prazo e à corrupção imediata, embora permita decisões rápidas e focadas nos objectivos"
Na altura em que me cruzei com o processo deste aterro eu era vice-presidente do ICNB e chegou um pedido de parecer à localização deste aterro, numa área que estaria para integrar a rede Natura, mas que formalmente ainda não estava designada como sítio. Estaria o processo em discussão pública e não estava transposta a directiva Habitats (reconstituindo o processo de cabeça não garanto a correcção de todos os pormenores, como datas e coisas que tal).
Entre papéis e telefonemas (portanto, não sei quanto disto está registado em documentos mas pode ler-se aqui o que penso sobre a informalidade dos processos de decisão) penso que o ICNB referiu a legislação comunitária, referiu as obrigações dos estados europeus para com os sítios potenciais rede Natura e disse que só emitia parecer no quadro de um processo de avaliação de incidências ambientais.
Mas formalmente, de acordo com o direito interno, o parecer do ICNB não era ainda obrigatório.
A actual Ministra do Ambiente (Dulce Pássaro) e a actual presidentde da ARH do Algarve (Valentina Calixto) decidiram, juntamente com o seu então secretário de Estado de tutela (José Sócrates), que o direito comunitário era uma bagatela que não deveria interferir no calendário político definido e prescindiram do parecer do ICN e da respectiva análise de incidências ambientais do aterro, a troco de umas promessas às populações mais próximas do aterro. E avançaram.
A opção pelo calendário político em detrimento da robustez do processo de decisão (a análise de incidências ambientais teria permitido discutir mais profundamente o projecto e as soluções para a sua execução) tem consequências hoje à vista, mais de dez anos passados.
Não, não é a chuva ou o azar ou o imponderável que provocam a situação actual, é a forma de decisão escolhida.
O sobrecusto que agora vamos ter de suportar, a ineficiência das decisões a prazo, os riscos patrimoniais, quer para os meus impostos, quer para os bens difusos, tudo isso não são obras do acaso, são o resultado natural (embora nem sempre verificado, felizmente) de um modelo de decisão pública, executado por gente irresponsável que nunca vai ser obrigada a repôr os custos adicionais que todos teremos de suportar com esta situação, embora em teoria seja possível ao Estado apurar responsabilidades e exigir aos responsáveis pelas decisões que assumam os pagamentos em que incorre o Estado.
Simplesmente um dos responsáveis é hoje primeiro ministro, outra é ministra do ambiente e outra a presidente do organismo de tutela da ribeira que está a ser afectada.
Já foi há muito tempo que escrevi isto, mas volto a transcrever, linkando para o post completo que então escrevi sobre o chamado interesse nacional subjacente aos projectos PIN:
E não se pense que é só pela delapidação do nosso património ambiental, é mesmo uma questão de competitividade e de eficiência no uso dos recursos, isto é, é mesmo uma questão de dinheiro no bolso.
henrique pereira dos santos

terça-feira, outubro 20, 2009

Is less bad good enough?

Ecoponto no subúrbio de Santarém

Uma das questões relevantes na análise da sustentabilidade do uso dos recursos naturais se prende com a inversão da curva de consumo mundial, fortemente ascendente, não só em consequência da subida do nível médio de riqueza dos países em desenvolvimento como China, Índia, Brasil e Russia, mas também da alteração dos padrões de consumo no mundo ocidental. Verifica-se por um lado um multiplicar de apelos ao consumo racional e à redução do desperdício e por outro lado um esforço de muitos cidadãos em responder positivamente a esses apelos. No entanto, grande parte desse esforço é dedicada à minimização dos impactes a jusante do nosso consumo (reciclagem, tratamento de efluentes e emissões gasosas, reutilização etc.) e muito pouco a montante do consumo.
O tema da reciclagem de resíduos é um excelente exemplo e a foto acima mostra que o sistema de recolha de resíduos previamente separados pode tornar-se vítima do seu próprio sucesso. Com equipamentos cada vez mais práticos para a receção dos resíduos (já lá vai o tempo dos feios e infelizes caixotes castanhos com aberturas minúsculas, altas e frequentemente nojentas que dificultavam a colocação das embalagens), a aderência dos cidadãos é surpreendente e obriga as empresas de recolha a um trabalho suplementar para evitar o esgotamento da capacidade.
Se por um lado esse sucesso é francamente positivo (Portugal corre sérios riscos de atingir as metas estabelecidas por Bruxelas, o que não é mal para variar), ao mesmo tempo mostra o outro lado da medalha: as quantidades de resíduos que são produzidos em consequência do nosso consumo são inimagináveis. Eís um bom exemplo (entre muitos) da questão: será que o "less bad" (reciclamos entusiasticamente) é "good enough" para o consumo se tornar realmente sustentável? Ou será o consumo somente sustentável a longo prazo se consegue encarar a questão da sustentabilidade pelo lado a montante do consumo, da redução do consumo?

Henk Feith

quinta-feira, março 05, 2009

Morto e enterrado

Depois de algum tempo a dar saltos inexplicáveis nalguns filmes que tentava ver, levando-me, por várias vezes, a culpar a qualidade das gravações e a requerer troca das fitas na loja, o meu leitor de DVD's entregou, definitivamente, a alma ao Criador. Lembro-me que custara uns 40 euros, há três ou quatro anos atrás, o preço de um par de alguns dos DVD's que, entretanto, fui comprando, de uma jantarada ou de dois terços de depósito de combustível no carro. Nada de dramática, portanto, a decisão de o colocar num canto e fazer um rápida visita ao centro comercial.

Com nostalgia me lembrei do velho televisor a preto-e-branco na sala da minha avó, que demorava uns dois minutos a aquecer e a dar imagem após o ligarmos. Havia custado uma verdadeira fortuna para a época, seguramente muitos meses de poupança de diversos membros da família, empolgados com a ideia de ter cinema em casa, um jornalista que olhava para nós enquanto lia as notícias, fotonovela com movimento e, de quando em vez, futebolada sem pagarmos bilhete. Se avariasse, o que, se bem me recordo, nunca aconteceu, seguiria o rumo habitual de qualquer electrodoméstico naquela inútil condição. Uma visita à cave do Sr. Augusto que, para desespero de todos, demorava uma pequena eternidade a concertar fosse o que fosse, tal era a quantidade de pequenos electrodomésticos a necessitar de reparo que se empilhavam por todo o lado. Sem dó nem piedade, que nestes objectos afecto é coisa que não existe, acabou por ser substituido, muitos anos depois de novo, por um sedutor e elegante televisor a cores.

Se o muito baixo custo que este tipo de equipamentos hoje atinge teve o condão de democratizar a sua compra e uso - por exemplo, em 2000, 98% das famílias tinham pelo menos um televisor - o facto de frequentemente ser mais barato substituir um aparelho avariado que repará-lo, faz com que acabemos por possuir, ao longo das nossas vidas, de uma quantidade enorme de televisões, dvd's, aparelhagens, secadores de cabelos, máquinas de fazer sumo e de cortar a barba. Ainda que alguns dos seus componentes sejam recicláveis, boa parte destes objectos acabam por não serem mais que lixo, contribuindo para aumentar ainda mais os milhões de toneladas de resíduos que anualmente se produzem no país.

Dirigi-me assim, à grande loja, onde múltiplas opções e preços se alinhavam ao longo de várias prateleiras. Acabei por escolher um dos mais caros (ainda assim, em conta), de marca bem conhecida, na ingénua esperança que haja uma relação inversa entre preço e probabilidade de avariar, mas na certeza de que, se houver azar após a garantia, lá terei que procurar o Sr. Augusto, agora bem mais aliviado de trabalho que há uma vintena de anos atrás.

Gonçalo Rosa

sexta-feira, agosto 04, 2006

Co-incineração no Outão

Ouvem-se ecos sobre a recente decisão do Governo de dispensar de avaliação de impacte ambiental (AIA) a queima de resíduos perigosos na cimenteira do Outão (Arrábida). É obviamente lamentável que o Governo dispense de AIA os projectos polémicos que mais acarinha. Que mais não seja porque dá uma imagem de uso discricionário do poder que não convém.

Em democracia o processo é tão ou mais importante que o resultado. A pretexto da crise económica o Governo começa, perigosamente, a fazer tábua rasa dos fundamentos do Estado de Direito. É mau sinal e é um sinal que deve ser contestado utilizando todas as formas ao dispor dos cidadãos.

Além do mais, uma decisão defensável – independentemente da posição pessoal de cada um sobre a co-incineração – seria o encerramento da cimenteira do Outão.

Faz pouco sentido ter uma cimenteira a laborar dentro de um Parque Natural. Mais do que pelos impactes directos que pode causar, pela imagem de “dois pesos e duas medidas” que transmite aos cidadãos quando depois impõe restrições ao desenvolvimento de determinadas actividades económicas nas áreas protegidas.

Como defender a manutenção de uma fábrica de produção de cimento e de co-incineração de resíduos perigosos na Arrábida quando se limita, por exemplo, o estacionamento junto às praias, a construção de residências privadas, ou outras alterações de uso de solo, com o argumento de que prejudicam o ambiente no parque?

O Estado não deve defender para si e para meia dúzia de agentes económicos eleitos, aquilo que nega à grande maioria dos seus concidadãos.

É uma questão de principio mas é com princípios que se constróiem sociedades democráticas avançadas, como aquelas que o Primeiro Ministro gosta de usar como referêncial.

terça-feira, julho 11, 2006

Afaste, afaste o seu dedal

Lá dizia Gustave Le Bon a respeito da psicologia das multidões: quando entram em euforia passam a acreditar em qualquer sofisma, por absurdo que seja. Ora, aproveitando a euforia anti-ambientalista dos últimos dias uma importante figura da nossa política decidiu entusiasmar os portugueses pelas centrais nucleares, incutindo-lhes tranquilidade perante o risco a elas inerente. Num debate organizado pelo CDS, o vice-presidente do partido proferiu sem qualquer pudor esta extraordinária afirmação:

"Num quilo de resíduos radioactivos, 97% é reciclável. Dá um dedal de material radioactivo."

...e pelo que consta na reportagem ninguém na plateia esclareceu o preclaro orador quanto a pesos e medidas, nem desmascarou o sofisma. Como pôde o palestrante minimizar os riscos, argumentando que um quilo de resíduos resulta em um centímetro cúbico de material radioactivo, quando em Goiânia bastou um volume aproximado para provocar um dos maiores acidentes nucleares da História, segundo a Agência Atómica Internacional?

Por que motivo obnubilou o essencial, não enunciando a quantidade de curies emitidos por cada um desses centímetros cúbicos, e não a multiplicou pelo número deles a serem produzidos em Portugal caso vingue a central nuclear?

O perpicaz autor da frase, Dr. Sampaio Nunes, foi em tempos Secretário de Estado da Ciência e Inovação e director da Direcção-Geral de Energia da Comissão Europeia. Na qualidade de ex-ocupante de semelhantes cargos governamentais, tinha a obrigação de não confundir unidades de medida de massa com unidades de volume e unidades de radioactividade, sobretudo num discurso público supostamente pedagógico.

Mas nem só de vida política se deve fazer uma carreira, asseveram-nos os ideólogos liberais. Deve-se ser empreendedor, prosperar no mercado sem a interferência nefasta do Estado. Por isso, e num gesto de grande coerência nas suas opiniões políticas e técnicas, o liberal Dr. Sampaio Nunes defendeu neste encontro as centrais nucleares com a mesma vêemencia com que noutras ocasiões tem defendido projectos nucleares na qualidade de sócio da empresa energética de Patrick Monteiro de Barros.

A peculiar coerência do político-empresário Sampaio Nunes mantêm-se também na questão dos combustíveis fósseis. O entusiasmo com que vende ao Estado centrais nucleares "amigas" do Protocolo de Quioto é tão ardente quanto o entusiasmo com que vende ao mesmo estado refinarias de combustíveis violadoras do dito Protocolo. Dê por onde der, este empresário quer à viva força que os contribuintes portugueses comprem os seus produtos; pena que este probo negócio seja dificultado pelos ambientalistas...