terça-feira, janeiro 25, 2005

Eólicas, Paisagem e Impacto Ambiental

Uma opinião de José Carlos Marques


Que a energia eólica é uma das melhores alternativas a outras energias de impacto ambiental mais pesado, parece ser relativamente consensual entre organizações de ambiente e até noutros sectores. Entre os mais ardorosos defensores das eólicas contam-se duas das mais respeitadas e intervenientes organizações ambientais mundiais, a Greenepeace e os Friends of the Earth (Amigos da Terra).

Quer isso dizer que as eólicas são sempre boas? Seria bom de mais, não é verdade?

Como qualquer outro empreendimento, as eólicas, sobretudo quando concentradas em grandes parques, têm impactos ambientais que devem ser estudados. Se forem elevados num determinado caso concreto, esse parque concreto não deve ser construído, por razões idênticas às de outros empreendimentos de outro tipo, energéticos ou não, sujeitos a estudo de impacto ambiental. Se os impactos forem moderados ou diminutos, devem ser feitas diligências para os mitigar mais ainda.

Foi citado o exemplo da Galiza. No entanto, em determinados casos concretos de parques implantados em paisagens ou ecossistemas de especial interesse, as organizações ecologistas galegas (sobretudo a ADEGA, a mais activa delas, e também a Federação Ecologista Galega, que agrupa as principais associações ecologistas galegas) têm-se pronunciado criticamente e até oposto, nalguns casos com empenho, a determinados empreendimentos eólicos. De forma mais esporádica, o mesmo tem feito entre nós o FAPAS.

Há razões relacionadas com a preservação de ecossistemas valiosos, de espécies vegetais e mesmo animais, sobretudo aves. A construção de acessos em zonas antes remotas, o que permitia mantê-las mais ao abrigo da devastação, acessos exigidos pelos parques eólicos, é um dos mais graves problemas que podem ser levantados pela construção. Claro que o impacto de uma grande barragem é superior. Mas esse critério não deveria ser suficiente para passar um cheque em branco definitivo aos parques eólicos independentemente do seu impacto ambiental concreto.

Vejamos agora o aspecto estético. Pessoalmente, creio que o aspecto estético é um indicador seguro de considerações que ultrapassam em muito a simples estética. É por isso que sinto (tendo conhecido o mundo nos anos 1950) que a nossa actual civilização, cada vez mais feia nas suas manifestações externas, tem também necessariamente algo de profundamente errado no seu mais íntimo impulso. Isto apesar de progressos inegáveis, alguns dos quais no entanto pouco menos que ilusórios ou conseguidos a um preço desproporcionado. Mas essa é uma outra questão.

Ora, de uma forma geral, as eólicas, e embora isso seja algo dotado de uma vertente inevitavelmente subjectiva, parecem-me esteticamente interessantes e às vezes até belas, quer isoladalmente, quer em agrupamentos, neste último caso porém dependendo fortemente (como é regra em construções agrupadas) do enquadramento no meio construído e no meio natural.

É por isso inevitável considerar o elemento "paisagem". A beleza de uma paisagem é muito menos subjectiva do que possa parecer. Sendo esse um tema muito complexo e que me levaria longe do tema mais preciso de agora, deixo-o de lado, apenas o refiro para memória. Sem deixar de assinalar que existem estudos aturados sobre a questão (há mesmo uma Sociedade de estudo da paisagem em Portugal, que organiza congressos, e cujo nome exacto não recordo), sem já falar da tradição literária e pictórica que nos permite ir além do simples subjectivismo em matéria de estética da paisagem, pois a literatura e a arte são formas de conhecimento e fixação de valores estéticos tendencialmente universais, para além das contradições que inevitavelmente contêm.

Ora, nesse domínio, se há paisagens que não perdem, e até podem ganhar, com a implantação de agrupamentos de eólicas, o mesmo já se não pode dizer de outras. Uma paisagem que se caracterize pelo seu isolamento e carácter bravio ou quase incólume, que tenha um valor especial e como tal reconhecido (como o são as áreas de paisagem protegida e os parques naturais e nacionais que, eles também, encerram paisagens especialmente valiosas, um dos motivos, por vezes o principal, do seu estatuto de protecção) não deveria ser perturbada pela construção de eólicas, ainda que, abstractamente, o aspecto estético não fosse prejudicado. É que a paisagem resultante seria já outra, não aquela que foi valorizada a ponto de lhe ser dado estatuto de protecção, ou, se o não tem ainda, de o merecer. Por essa razão, penso que foi um recuo importante terem-se aberto as portas (com a oposição de alguns directores de parques, obviamente depressa apelidados por alguns de "fundamentalistas") à construção de parques eólicos em áreas protegidas.

O mais doloroso desse processo é que ele é feito em nome da ecologia e do ambiente. Assim, em casos extremos, a ecologia e o ambiente tornam-se a justificação para uma ocupação implacável de todos os espaços ainda relativamente não sobrecarregados de construções humanas e da sua sujeição à lógica industrial, económica e mercantil, que são as expressões actuais da penetração humana no âmago de territórios que ainda possuíam algum carácter de espontaneidade e não utilitário. Ora, é indispensável, para a própria sanidade mental e sobrevivência física da humanidade, que sobrem vastas
áreas, ainda que minoritárias, que escapem à lógica simplesmente utilitária e produtivista.

Voltando ao aspecto estético e à paisagem, inventei um teste para propor àqueles que insistem em negar qualquer prejuízo estético provocado pelas eólicas agrupadas: alguém imagina a Serra da Arrábida repleta de eólicas nas suas cumeadas? Imaginar nem é difícil, mas confesso que, a quem possa conceber o resultado como tolerável, eu diria não pertencermos, eu e ele, à mesma espécie de hommo sensibilis... É claro que a cimenteira que lá está é má, muito má, e não só esteticamente, mas é cá em baixo, numa área limitada e há-de um dia dali sair...

Por isso não se podem comparar a Torre dos Clérigos ou a Torre Eiffel com os impactos estéticos dos parques eólicos. O enquadramento físico, estético e histórico são diferentes, e essenciais.

Finalmente, o aspecto energético e civilizacional. Nos anos 1960-70, os primeiros movimentos ecológicos modernos eram entusiastas das eólicas mas sobretudo como solução associada a uma revalorização da civilização rural e local, pois permitiam fornecer energia a quintas isoladas, aldeias, lugares remotos, sem os inconvenientes e até os custos de outras soluções. As eólicas concebidas como estruturas de grande dimensão e ocupação concentrada do espaço para fornecer energia a um sistema global caracterizado por uma concentração patológica e por disfuncionamentos graves tornam-se muito menos interessantes. Creio que não há solução ao problema energético/ambiental (os dois juntos) se nos limitarmos a aplicar às energias alternativas os mesmos modelos de concentração e gigantismo que até hoje se aplicaram a outras formas de energia, em associação com uma concentração urbana excessiva, que as apela e por sua vez só elas permitem. Se pretendemos um outro tipo de ordenamento territorial, teremos que conceber a produção de energia de uma outra forma que não a concentração por sistema. O que já levou mesmo ao projecto de energia solar de Moura concebido como "o maior do mundo" (ou será da Europa?), quando do que precisávamlos era de numerosos pequenos e médios projectos solares, sobretudo nos próprios edifícios das cidades e no povoamento remoto e disperso.

Diz-se que as alternativas energéticas têm que avançar para substituir as formas fósseis e concentradas. Mas o que verificamos é que, pelo menos nalguns países, todas aumentam: a eólica e a solar não substituem o petróleo e o nuclear (nem sequer tendencialmente) mas adicionam-se a eles. Não é obviamente esse o caso nos países que têm (até agora) uma decisão de abandono do nuclear, como a Alemanha, mas creio ser o caso, por exemplo, em Espanha (embora o abandono do nuclear já comece também a fazer o seu caminho em Espanha).

As formas de economia de energia e de produção combinada são tão ou mais importantes que as simples alternativas energéticas. E provavelmente mais importante do que tudo isso seria o abandono da obsessão pelo crescimento energético constante (que é uma consequência da obsessão pelo crescimento económico ilimitado). Mas, mais uma vez, isso leva-nos a uma outra questão, que é a de uma civilização e de uma economia que se regeriam por critérios de estabilidade ("steady state"; existe uma ampla literatura sobre este assunto, produzida por economistas ecologistas) e já não por critérios de crescimento constante (que os economistas convencionais tomam como um dogma, e que nós poderíamos antes considerar como uma eterna "fuga para a frente").

Também se pode chamar a essa perspectiva, na terminologia francesa, "décroissance". No fundo é a problemática do famoso relatório do Clube de Roma, hoje semi-esquecido e entretanto muito atacado, mas que, em última análise, mais século menos século, é inapelável.

8 comentários:

Fernando disse...

Há um impacto causado pelos grandes geradores eólicos e que é ignorado pelo vosso texto. A produção de ruido de baixa frequência que ainda que pouco divulgado é causador de grande perturbação aos seres vivos. A questão estética tem a ver essencialmente com adequação não é um indicador simples mas muito complexo que pode ser utilizado como sintese mas nunca como ponto de partida.

João Soares disse...

Viva, Miguel
Curioso que escolhi Jose Carlos Marques como opinião mais sensata acerca do trinómio eólicas/paisagem/impacte ambiental!
Um abraço

Patricia Silva disse...

Bom dia.
Chamo-me Patrícia Silva e estudo Economia na Universidade do Minho. Desde já felicito pela existência deste espeço.
Acabei de me inscrever no fórum AMBIO e deixo agora esta mensagem neste blog porque estou a efectuar pesquisas para um projecto sobre novas fontes energéticas, nomeadamente: energia eólica no mar e bio-diesel a partir de algas.
Agradecia qualquer informação que me possam ajudar neste projecto.
Obrigada.

Anónimo disse...

Emprendimentos de geração de energia eólica estão se disceminando no nordeste brasileiro, ameando os sítios de dunas móveis e fixadas por vegetação (áreas de preservação permanente). As empresas deixam de apresentar alternativas locacionais e os órgãos ambientais de exigí-las. A SEMACE licenciou um desses empreendimentos para instalar-se no distrito do CUMBE, município de Aracati, estado do Ceará: agressão ao meio ambiente (dunas, lagoas interdunares, dinâmica costeira, aqüíferos subterrâneos), a um sítio arqueológico (maior achado do estado), a um cemitério etc.

Anónimo disse...

"A contaminação é sempre que existe uma grande concentração de uma matéria mum espaço confinado"

Anónimo disse...

Oi,
Acho que nem sempre o que é feito em nome do meio ambiente, é para o bem do mesmo. Temos que pensar com cautela, pois as vezes "é bom demais pra ser verdade". Nada é 100% perfeito...temos de avaliar bem para ter certeza de não estarmos cegos, pela beleza, pelo dinheiro...etc.

Paulo disse...

Sortelha,
Aldeias históricas portuguesas cercadas e vencidas pelo «progresso»,
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:CasteloSortelha2011.JPG

Unknown disse...

Boa tarde

Com todo este investimento ao longo da paisagem portuguesa, ainda me intriga o porquê de tanto dinheiro(nosso), gasto nestas "cicatrizes" na paisagem.
Já me deparei com diversas barragens, com equipamentos de produção de energia, completamente abandonados... Barragens com agua em abundância todo o ano com apenas um gerados a produzir. Já para não falar em muitas outras que nem produção.
Não seria mais justo para todos nos, para a paisagem, fauna e flora, investir no que já temos e melhorar, em vez de se construir de novo??