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quinta-feira, janeiro 27, 2011

Transportes, comboios e sustentabilidade

Na sequência das discussões, quer aqui no blog, quer na lista de discussão, sobre o comboio e a sustentabilidade, resolvi fazer um post que espero que seja mais claro sobre o que defendo nesta matéria.
Para atalhar caminho, deixo já claro que enquanto utilizador acho a gestão da CP (conheço ainda pior a da REFER, e por isso não me pronuncio) razoavelmente incompetente. Mas isso é um pequeno problema quando comparado com o grande problema: a gestão da CP é politicamente dependente de gente ainda mais incompetente.
A discussão tem sido despoletada pelas recentes decisões de fecho de algumas linhas, gerando duas posições pavlovianas: os que defendem o Governo, sempre e em qualquer altura, qualquer que sejam os argumentos necessários; os que defendem a manutenção de linhas de comboio, sempre e em qualquer altura, quaisquer que sejam os argumentos necessários.
Misturar a linha da Lousã (que é uma pura estupidez de decisores que deviam ser julgados por gestão danosa e abuso de dinheiros públicos), com a linha do Tua não tem pés nem cabeça.
No primeiro caso alguém decidiu pegar numa coisa que funcionava (bem, mal, com prejuízo, tudo isso podemos discutir, mas funcionava), desmantelá-la, e depois de desmantelar dizer que afinal se enganou nas contas e já não tem dinheiro para fazer nada do que pensou, portanto fica tudo desmantelado.
No segundo caso há uma linha que passa em sítio nenhum, que ninguém usa e que é o exemplo típico das situações em que o comboio não é a boa solução de mobilidade.
Comecemos pelo princípio: o comboio é um meio de transporte pesado que se justifica quando existem grandes números (de pessoas, de carga ou dos dois) a deslocar de um ponto a outro. Nessas circunstâncias o comboio é útil e bem mais sustentável que o transporte rodoviário. Noutras circunstâncias não é assim. À grande vantagem na capacidade de transporte o comboio alia uma baixíssima flexibilidade. Ao relativamente baixo vaor de investimento, o comboio alia um elevado custo de operação.
Ora sustentabilidade inclui sustentabilidade económica.
Faz por isso sentido perguntar se os recursos de investimento disponiveis na REFER devem ser usados na linha do Tua ou no ramal do Porto de Aveiro. Faz sentido perguntar se os recursos na CP devem ser usados na melhoria da eficiência económica dos suburbanos de Lisboa e Porto ou no ramal de Cáceres.
Sim, eu sei que me falarão do facto dos transportes públicos não terem de dar lucro, sim, eu sei. Mas isso não significa que sejam um poço sem fundo, pelo contrário, implica uma definição ainda mais clara de prioridades. E implica que seja a eficiência das linhas que podem ser economicamente sustentáveis a pagar outras onde pode haver um prejuízo sensato. E implica que o Estado seja claro no que quer dos transportes públicos, o que implica disponibilizar os recursos financeiros necessários à execução da sua política (não os necessários à existência de transportes públicos).
É claro que me fez confusão descer ontem na estação (apeadeiro?) de Paialvo e ver uma estação totalmente renovada, não há muito, e fechada. Parece ser um erro de investimento (e está longe de me parecer o único do género).
Dou de barato que existem milhares de erros desses nas políticas de investimento da REFER e da CP, que passam a vida a mudar de vida (como se demonstra com o processo da Lousã).
Mas o facto de ser possível apontar erros, o facto de ser possível apontar um monte de investimentos alternativos ainda mais estúpidos, como algumas auto-estradas vazias (um post que gostaria de ter escrito) ou coisas que não sei classificar como aquele descampado também conhecido por aeroporto de Beja não invalida que não se faça um esforço para evitar a armadilha de defender o comboio sempre e em toda a parte, defendendo-o para funções que ele nunca poderá desempenhar satisfatoriamente.
Essa é uma bela maneira de o enterrar definitivamente.
henrique pereira dos santos

quinta-feira, outubro 28, 2010

O fundo do Sabor

Ontem sairam mais notícias sobre este fundo.
Aos poucos vai-se percebendo melhor o puzzle e o despacho original pode ser visto aqui.
Estamos a falar de um valor que, conforme as notícias, andará pelos 400 mil e o milhão de euros anuais. Estranharia esta incerteza se não conhecesse a opacidade deste tipo de processos.
Mas não me conformo com a pobreza do trabalho jornalístico que se limita a citar a fonte de que tem o número de telefone em vez de efectivamente ir saber preto no branco qual é o valor.
Mas isso é apenas um pormenor que trago como sinal da falta de confiança que o processo me merece, como aliás já expliquei aqui.
Como disse nessa altura, este fundo tem tudo para criar corrupção.
Não estão em causa as pessoas envolvidas, que calculo que sejam todas excelentes pessoas e estejam todas apenas a trabalhar pelo bem comum.
O facto dos autarcas estarem furiosos porque o fundo é gerido pelo presidente do ICNB, no que aliás têm alguma razão mas não toda, é um sinal evidente de que com as regras existentes, o fundamental é saber quem toma a decisão de afectação dos dinheiros disponiveis.
Ora quando num fundo público (alimentado ou não por privados, isso é irrelevante) a principal questão é a de saber quem toma as decisões só uma conclusão é possível: as regras estão mal feitas.
Há muitos processos de afectação de verbas públicas em que é mais ou menos indiferente quem toma as decisões. Pode ser uma pessoa mais eficiente ou menos eficiente, pode ser um melhor ou pior angariador de fundos, pode ser mais trabalhador ou menos trabalhador, mas as regras impedem-no de ser determinante na afectação das verbas, dificultando a aplicação do princípio geral da governação em Portugal: "proteger os amigos, perseguir os inimigos e aplicar a lei aos restantes".
Na verdade estes fundos (e para quem tiver dúvidas o melhor mesmo é estudar aprofundadamente a aplicação do Fundo Florestal Permanente, essa fonte permanente de canalização de dinheiro ineficiente para o Estado, do qual a floresta não beneficia quase nada) deveriam ter processos concursais com júris de avaliação independentes e apoiados na definição prévia muito clara dos critérios de selecção de projectos e com regras taxativas de interdição de financiamento de entidades públicas e entidades privadas em que o Estado detenha mais de 25% do capital. E transparência, prestação de contas, transparência, prestação de contas, transparência, prestação de contas, tudo coisas ausentes do processo.
Como estão os regulamentos é de esperar o pior.
Melhor seria ter entregue a gestão do fundo à Fundação EDP, pelo menos era tudo mais claro.
henrique pereira dos santos

quarta-feira, setembro 29, 2010

Como explicar o inexplicável?


Quando um País está à beira da falência e de perder, de uma vez por todas, a sua soberania, todos os cortes na despesa se justificam. Mas não deixa de ser díficil engolir que num dia se diga isto:

"Do lado da despesa, destacam-se, entre outras, além da redução dos salários, o congelamento das pensões e das progressões automáticas na administração pública, o fim do abono de família extraordinário, cortes na despesa com ajudas de custo ou a redução de 20% nos gastos com rendimento social de inserção e com a frota do Estado. O objectivo é conseguir um corte na despesa de 3420 milhões de euros." Tirado de aqui

Quando noutro, se diz isto:

"Os submarinos, a preços actuais, custam 1026 mil milhões de euros. E, cada um, será contabilizado quando for plenamente disponibilizado às autoridades militares portuguesas. O «Tridente» que agora chega a Portugal, vai entrar na conta do défice de 2011."
Tirado de aqui

PS. Os sublinhados são meus

sexta-feira, setembro 10, 2010

A preversidade potencial das compensações ambientais

Aconselho a leitura deste despacho saído ontem.
Trata do "Fundo do Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor". Este fundo é constituído por 3% valor líquido anual médio de produção do Aproveitamento Hidroeléctrico do Baixo Sabor.
Não sei a quanto monta este valor mas são vários milhões, suponho.
Conhecendo a estranha tendência do Estado Português para se aboletar com dinheiros supostamente destinados a fins específicos, bem como o seu grau de captura por interesses privados, olho com clara desconfiança para estes mecanismos financeiros cujo controlo público costuma ser muito deficiente.
Logo à cabeça, o gestor deste fundo acumula com o cargo de Presidente do ICNB. Mas desta vez ao menos há um conselho estratégico: a CCDRNorte (o Estado); A administração Hidrográfica (o Estado); o ICNB (que repete, visto o seu presidente também ser o presidente deste conselho estratégico, mas mais uma vez o Estado); A estrutura de missão do Douro (o Estado); a EDP (onde o Estado tem influência); a associação de municípios (o Estado); as agências de desenvolvimento regional (não sei do que falam); duas ONGS locais e regionais e duas instituições universitárias num processo que o portuguêss do despacho não me permite entender bem qual seja.
Os objectivos do fundo são bastante latos:
2 — Na prossecução da sua actividade, o Fundo visa os seguintes objectivos:
a) Apoiar projectos de conservação da natureza e da biodiversidade com incidência na região de implantação do AHBS e áreas naturais envolventes;
b) Apoiar projectos que contribuam para o desenvolvimento sustentável da região;
c) Apoiar a criação e gestão de áreas protegidas locais, regionais ou privadas, na região de implantação do AHBS e áreas naturais envolventes, nos termos do regime jurídico da conservação da natureza e da biodiversidade, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 142/2008, de 14 de Julho;
d) Apoiar acções específicas de investigação aplicada e de demonstração em conservação da natureza e biodiversidade;
e) Promover iniciativas de comunicação, divulgação e de visitação com vista à valorização e conhecimento do património natural;
f) Criar, ou contribuir para, mecanismos financeiros específicos de apoio ao empreendedorismo, com relevância para a conservação da natureza da biodiversidade e para o desenvolvimento sustentável da região.
E o fundo paga uma comissão de gestão ao ICNB de 1,5% das suas receitas, o que parece razoável.
Só não tem é a única regra que me interessaria ver consagrada: é interdito o financiamento de projectos do Estado ou em que entidades públicas tenham mais de 25% do capital.
É pena.
Também não tem obrigatoriedade de publicar relatórios de actividades e de disponibilização da informação ao público sobre os projectos aprovados e os beneficiários.
É pena.
Vai demorar tempo mas um dia estes fundos vão ter estas duas regras de forma sistemática.
Será depois de uma investigação judicial escandalosa à gestão de um deles, provavelmente.
A corrupção nasce das regras estabelecidas, não das boas ou más intenções dos seus promotores.
henrique pereira dos santos

sexta-feira, agosto 06, 2010

Perícia ambiental e urbanística do Freeport

Como expliquei aqui, participei no licenciamento do Freeport, emitindo um parecer negativo. Como expliquei também o meu parecer negativo não decorre dos supostos impactos ambientais dessa construção (que me parecem pouco relevantes e minimizáveis) mas sim da aplicação de normas imperativas de ordenamento do território (ao lado, quando participei num programa prós e contras sobre o freeport, José Miguel Júdice disse que a minha atitude tinha sido típica da administração, porque se pedia um parecer de conservação e eu tinha emitido um parecer de ordenamento. Deixando de lado o facto de que não emiti um parecer de ordenamento mas que decidi dentro do que me pareceu que era a lei, que é a obrigação dos funcionários públicos, José Miguel Júdice deu na altura o exemplo dos pareceres sobre o autódromo do Estoril emitidos pelo ICNB que supostamente se pronunciavam sobre as casas de banho. Naturalmente, porque estou cansado deste tipo de idiotices serem sistematicamente invocadas sem prova, pedi-lhe no fim do programa cópia dos ditos pareceres. De quando em vez, embora raramente, encontro-o e lembro-lhe sempre que está em falta com a promessa que imediatamente fez de me mandar o dito parecer. Até hoje o parecer não me foi mandado, e até ao fim dos tempos duvido que me seja mandado porque na realidade não deve existir nos termos então publica e indecorosamente referidos com o único objectivo, de advogado chico esperto, de diminuir a credibilidade do adversário e dos organismos de tutela da conservação).
Sempre disse, e disse-o quando fui prestar declarações à PJ, que não era jurista e que a minha interpretação das normas deveria ser revista por juristas, coisa que nunca foi.
Quando recentemente verifiquei que o Ministério Público concluía que havia perícias ambientais e urbanísticas que indicavam não haver ilegalidade procurei perceber o fundamento dessa conclusão.
O que vejo aqui descrito nesta peça da TVI é assustador.
Já tinha lido que a fundamentação era a mesma de sempre, usada para justificar a aprovação do projecto em violação de uma norma do Plano Director Municipal, e que tenho poucas dúvidas que está errada.
Verifico que o perito é Manuel Pinheiro, que conheço (os dois estivemos no Conselho Superior de Avaliação de Impacte Ambiental até eu bater com a porta ao perceber que nenhum decisor ligava nenhuma ao trabalho que lá se fazia), tenho consideração por Manuel Pinheiro, mas tem um problema para este aspecto: não é nenhum perito em ordenamento do território nem é jurista.
A forma como esta matéria tem sido tratada é apenas um exemplo da forma como as matérias de ordenamento são tratadas em Portugal, em que a lei é meramente instrumental (de tal maneira que quando a sua letra não tem forma de permitir o que se quer, suspende-se legalmente a lei, para a violar, como neste caso).
Lembro-me sempre de ter visto no caso dos empreendimentos da mata de Sesimbra (se não me engano) uma interpretação das normas de um plano, por entidades de tutela do ordenamento do território, que é de cabo de esquadra mas, apesar disso, aceite por toda a gente: num terreno com área edificável e área non aedificandi, aprova-se construção para a área edificável, para a qual o plano define um índice de construção. Mas a entidade de tutela, amiga, calcula o índice de uma forma extraordinária: em vez de aplicar o índice à área edificável e já está, aplica o índice a toda a área do plano (incluindo as áreas non aedificandi), e depois concentra o índice na área edificável, duplicando o índice de construção. Brilhante como processo de criação de riqueza.
A interpretação que é feita da norma do PDM de Alcochete que manda aplicar a essa zona do plano o regime da REN é do mesmo tipo. A norma manda aplicar o regime da REN, mas os peritos vão ao diploma da REN buscar o regime transitório (que é o adequado à aplicação das normas da REN, mas não tem nada com a norma do PDM que manda aplicar o regime da REN) e num passe de mágica concluem que a lei diz o contrário do que diz.
Brilhante.
henrique pereira dos santos

quarta-feira, junho 30, 2010

Ai flores do verde PINo


Os Verdes resolveram fazer prova de vida enquanto partido verde.
E fizeram-no com uma decisão acertada e que deveria estar a ter neste momento um entusiástico apoio do movimento ambientalista (e, já agora, dos movimentos de cidadãos que lutam pela transparência na administração pública).
aqui disse o que penso do sistema PIN. Na sequência aliás de outros posts com a mesma opinião.
Não tenho a menor simpatia pelo partido ecologista "Os verdes".
Há muitas razões para essa falta de simpatia, uma delas bem concreta, em Santarém, no início de uma difícil sessão de discussão pública do Plano de Ordenamento do Parque Natural das serras de Aire e Candeeiros (uma derrota amarga).
A sala tinha sido mudada para acomodar as dezenas de pessoas que tinham acorrido à sessão, na sua enorme maioria exploradores de pedreiras e outros contestatários de algumas normas do plano.
Francisco Madeira, deputado do partido ecologista "Os Verdes" entra na sala com a sessão já começada, interrompendo a intervenção em curso com a sua entrada espalhafatosa, instala-se e sem ter ouvido as intervenções iniciais, pede a palavra na fase de discussão. Faz uma intervenção vergonhosa e cobarde, nunca falando do conteúdo concreto do plano, dizendo que era favorável a uma política de gestão das áreas protegidas que garantisse a conservação dos recursos, mas que o facto da sala ter a assistência que tinha era uma demonstração de que as populações não tinham sido ouvidas e que era portanto preciso recomeçar o processo ouvindo as populações. E sem esperar a resposta à intervenção, sai mansamente.
Não esqueci esta intervenção ignorante (não tinha lido nada do que estava em discussão), demagógica e cobarde, e tenho muitas vezes a sensação de que é esta a trave mestra da intervenção dos verdes.
Mas desta vez estão carregados de razão: não há razão nenhuma para que a oposição, agora que tem a maioria, não revogue a regulamentação dos PIN.
Sigamos o processo com atenção.
henrique pereira dos santos

segunda-feira, março 29, 2010

Os PIN, o ordenamento do território e a corrupção


O Público de hoje tem várias páginas dedicadas à corrupção, na sequência das audições da Comissão Parlamentar sobre a questão. Numa delas identifica os principais pedregulhos que existem na engrenagem do combate à corrupção, para usar a linguagem do Público.
A uma delas o Público chama "Alto risco no urbanismo".
E depois é mais preciso: Carlos Anjos recordou que esteve ligado à investigação de casos que ocorreram na Câmara de Lisboa, referindo que numa reunião de Câmara foram aprovdos 50 processos e em 41 deles havia violação do PDM. Disto resultou nada.
Gostaria de lembrar que uma das condições para um processo ser considerado de Potencial Interesse Nacional é ter sustentabilidade territorial. Este nome estúpido não passa de uma maneira de dizer, estar de acordo com os planos de ordenamento.
Que interpretação faz a comissão PIN? Que podem ser totalmente ilegais à luz dos planos existentes, desde que haja uma vaga intenção de alterar os planos para passar a ser possível fazer o que a lei hoje não permite.
Basílio Horta põe muitas vezes (actualmente menos, coitado, que nem projectos tem para aprovar) o ambiente no papel de obstáculo ao desenvolvimento.
É tempo do movimento ambientalista dizer com todas as letras que todos os responsáveis que tomem decisões que concorram para o favorecimento da corrupção são os verdadeiros obstáculos ao desenvolvimento, de tal forma o fenómeno se tornou epidémico em Portugal.
É tempo de dizer que quem favorece projectos ilegais na expectativa de que venham a ser legais por alterações específicas dos planos é objectivamente um aliado da corrupção, mesmo que não seja, nem de perto nem de longe, corrupto.
É preciso dizer de forma muito clara que o sistema PIN é objectivamente favorável à corrupção e, nesse sentido, um fortíssimo entrave ao desenvolvimento económico do país.
henrique pereira dos santos

sexta-feira, dezembro 11, 2009

Presunção de inocência e cultura democrática

Devo dizer que me choca a facilidade com que se julgam pessoas na comunicação social e nos blogues. A mínima suspeita converte-se rapidamente em julgamento público e passam-se anos até que se esclareça a verdade dos factos (quando se esclarece) mas entretanto imagem pública das pessoas é arrasada sem que seja possível redimi-la no caso de se provarem infundadas as suspeitas transformadas em acusações. O caso do "climategate" é um exemplo mas em Portugal, nos últimos anos, este procedimento lamentável tornou-se uma espécie de desporto nacional. Por isso li com grande interesse, esta manhã, o artigo de opinião da Gabriela Bravo Sanestanislao no jornal "El País". O contexto em que discute este problema é distinto mas as analogias são óbvias para quem as quiser entender. Deixo-vos aqui o link para leitura e reflexão.

segunda-feira, outubro 05, 2009

100

Esta petição que lancei já tem mais de cem assinaturas.
Confesso que fico surpreendido.
Trata-se de uma petição sem qualquer suporte institucional, radicalmente liberal sobre uma matéria opaca, aparentemente marginal e pouco popular como é a reivindicação de que o dinheiro do Fundo Florestal não retorne ao Estado, a pretexto das mais piedosas políticas públicas como as do combate aos fogos, mas sim apoiar os produtores na gestão das suas propriedades.
Parece pouco que tenha atingido mais de 100 assinaturas até agora.
A mim surpreende-me. E dá-me esperança.
henrique pereira dos santos

sábado, junho 20, 2009

Freeport: ex-presidente do ICN suspeito de corrupção

O Diário de Notícias publica hoje a notícia abaixo transcrita. Segundo a mesma, o ex-presidente do ICN (actual ICNB), Carlos Guerra, foi constituído arguido por crime de corrupção passiva no processo de licenciamento do outlet Freeport.

Gonçalo Rosa

Freeport: ex-presidente do ICN suspeito de corrupção

Carlos Guerra foi interrogado na passada quarta-feira. O Ministério Público imputa-lhe um crime de corrupção passiva, mas a sua advogada diz que o arguido não foi confrontado com os factos que sustentam tal suspeita. O antigo responsável do Instituto da Conservação da Natureza é o quarto arguido do processo sobre o licenciamento do 'outlet' de Alcochete.

Corrupção passiva. Foi este o crime imputado, na passada quarta-feira, a Carlos Guerra, ex-presidente do extinto Instituto da Conservação da Natureza, no âmbito do caso Freeport. É o quarto arguido do processo. Os restantes são Charles Smith e Manuel Pedro, antigos sócios da empresa Smith &Pedro, e Capinha Lopes, o arquitecto responsável pelo projecto do outlet de Alcochete.

O interrogatório a Carlos Guerra decorreu no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP). Mas, segundo a sua advogada, Cristina Correia de Oliveira, o arguido não foi confrontado com os factos que sustentam a suspeita. "Foi dito que existem documento de onde emerge essa conclusão." A advogada confirmou ao DN que o antigo responsável do ICN foi constituído arguido pelo crime de corrupção, recusando prestar mais esclarecimentos. O DN procurou durante o dia de ontem ouvir Carlos Guerra, mas este esteve sempre incontactável.

Carlos Guerra era, em 2001, o responsável pelo ICN, entidade cujo parecer era fundamental para a aprovação do Freeport, dado que a construção do outlet ira ser feita numa área protegida. Em Janeiro deste ano - nas únicas declarações públicas que fez sobre o caso - Carlos Guerra garantiu ao DN que o processo de aprovação do Freeport foi completamente transparente e não foi alvo de qualquer tratamento de excepção: "O Freeport esteve sempre projectado para o interior da ZPE (Zona de Protecção do Estuário do Tejo). Por isso é que foram necessários vários estudos de impacte ambiental. Dois foram chumbados e só à terceira, depois do promotor cumprir as recomendações, é que o projecto foi aprovado", declarou.

Quanto a uma eventual "celeridade invulgar" no processo de aprovação - tal como é dito pelo primeiro juiz de instrução do processo - o antigo responsável pelo ICN também refutou esta tese: "O processo vinha de 1999. Era mais do que conhecido pelos serviços. Por isso, quando se verificou que todas as condições estavam cumpridas pelo promotor, foi aprovado".

Até à hora de fecho desta edição, não foi possível apurar quais os elementos que estão na posse dos procuradores Vítor Magalhães e Paes Faria, que investigam o caso, que sustentam a indiciação pelo crime de corrupção passiva. Genericamente, este crime acontece quando um decisor público recebe uma vantagem "patrimonial ou não patrimonial" a troco de uma decisão que favoreça um terceiro. Certo é que, dois anos após o ICN ter dado luz verde ao Freeport, Carlos Guerra foi trabalhar para Manuel Pedro. Terá sido esta a contrapartida? Fonte próxima do processo descarta tal hipótese: "Trabalhar para alguém é crime?".

A pairar sobre o caso Freeport está ainda a tese da prescrição dos crimes. Isto devido à diferença que a lei portuguesa faz entre tráfico de influências e corrupção para acto lícito e ilícito. Esta situação pode levar a que os crimes estejam já precritos (caso se trate de acto lícito). Para já, a tese do Ministério Público é que o acto administrativo de aprovação foi ilícito. Mas, até hoje o mesmo nunca foi contestado nos tribunais administrativos.

Diário de Notícias, 20 de Junho de 2009

sábado, junho 06, 2009

Um vento de loucura


Neste post, um comentário notável na sua crueza é bem o anúncio do que aí vem juntar-se à irracionalidade no uso do Fundo Florestal Permanente, quer com o fundo de conservação da natureza, quer com o fundo dos recursos hídricos.
Que mais não fosse, veja-se a latitude de objectivos do fundo de conservação:
"a) Apoiar projectos de conservação da natureza e da biodiversidade com incidência nas áreas que compõem a RFCN;
b) Promover projectos ou estudos que contribuam para o alargamento das áreas incluídas da RFCN;
c) Incentivar projectos de conservação de espécies ameaçadas a nível nacional;
d) Apoiar a aquisição ou arrendamento, por entidades públicas, de terrenos nas áreas que compõem o Sistema Nacional de Áreas Classificadas, ou fora delas quando os mesmos se revestirem de grande importância para a conservação da natureza;
e) Participar em fundos ou sistemas de créditos de biodiversidade;
f) Promover e apoiar acções de educação e sensibilização para a conservação da natureza e da biodiversidade;
g) Apoiar acções específicas de investigação aplicada e de demonstração em conservação da natureza e biodiversidade;
h) Promover iniciativas de comunicação, divulgação e de visitação nas áreas protegidas;
i) Criar, ou contribuir para, mecanismos financeiros específicos de apoio ao empreendedorismo nas áreas que compõem o Sistema Nacional de Áreas Classificadas com relevância para a conservação da natureza da biodiversidade;
j) Apoiar acções de renaturalização em áreas degradadas da RFCN.".
Veja-se como o mesmo Estado que se recusa a usar as verbas do Desenvolvimento Rural para pagar a produção de Biodiversidade aos agricultores, pastores e produtores florestais, o mesmo Estado que usa o dinheiro de um Fundo Florestal que pretenderia: "a) Promover, através dos incentivos adequados, o investimento, gestão e ordenamento florestais, nas suas distintas valências, incluindo a valorização e expansão do património florestal, e apoiar os respectivos instrumentos de ordenamento e gestão; b) Apoiar as acções de prevenção dos fogos florestais; c) Instituir mecanismos financeiros destinados a viabilizar modelos sustentáveis de silvicultura e acções de reestruturação fundiária, emparcelamento e aquisição de terra; d) Financiar acções específicas de investigação aplicada, demonstração e experimentação; e) Valorizar e promover as funções ecológicas, sociais e culturais dos espaços florestais e apoiar a prestação de serviços ambientais e de conservação dos recursos naturais; f) Desenvolver outras acções e criar instrumentos adicionais que contribuam para a defesa e sustentabilidade da floresta portuguesa." para financiar a compra de pás para as juntas de freguesia, o mesmo Estado que se recusa a definir um modelo de financiamento sério da conservação, o mesmo Estado que se recusa a seguir o modelo mais usado e mais racional de financiamento privado de conservação criando um regime fiscal adequado para contribuições voluntárias, é o mesmo Estado que delimita um âmbito imenso para o fundo mas tem o cuidado de excluir do seu âmbito a compra de terrenos por privados.
E é o mesmo Estado que pretende trocar a obrigação dos privados compensarem os efeitos negativos das suas acções por dinheiro vivo colocado num fundo sem fundo e, provavelmente, tendo em atenção a história do Fundo Florestal, sem controlo.
E perante isto a anomia da nação.
Um vento de loucura parece percorrer o país sem que a nação se sinta alienada por esta situação em que toda a gente participa, fingindo não participar.
henrique pereira dos santos

sexta-feira, junho 05, 2009

Um país, mas pouco recomendável


Diz o Expresso, citando a Lusa:
"O decreto-lei que institui o Fundo para a Conservação da Natureza e da Biodiversidade foi hoje aprovado num Conselho de Ministros especial, que assinalou o Dia Mundial do Ambiente com um pacote legislativo para o sector."
O portal do Governo confirma.
Mas:
"O ministro Nunes Correia não detalhou as fontes de financiamento, nem os montantes que irão garantir o funcionamento deste fundo, mas garantiu que "não será utilizado para custos de funcionamento ou administrativos do Instituto de Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB)".
Parte significativa deste fundo está associada a medidas de compensação, adiantou.
"Quando é acordado um projecto para compensar os impactos ambientais negativos, é acordado entre o promotor e o ICNB um conjunto de investimentos. Por exemplo, associado à construção da barragem de Odelouca estava o centro de conservação do lince", referiu.
O fundo vai também concentrar receitas próprias do ICNB como, por exemplo, o dinheiro resultante das entradas em parques."
É claro que é preciso esperar para ver o que realmente foi aprovado no Conselho de Ministros.
Mas misturando as receitas próprias do ICNB com compensações financeiras acordadas com o ICNB em projectos negativos para a conservação espera-se que seja a conservação a beneficiar?
Há anos que defendo a existência de fundos de conservação. Tentei várias vezes fazer um, quer com dinheiros privados, quer quando tinha responsabilidades públicas.
Sempre defendi duas ou três coisas básicas:
Independência em relação ao Estado na decisão; transparência de gestão; proibição de financiamento de acções do Estado; contribuições voluntárias (apoiadas fiscalmente pelo Estado se possível).
O que leio acima é exactamente o contrário disto: dinheiro por decisão administrativa para financiar quem toma a decisão administrativa.
Note-se como o Ministro Nunes Correia apenas deixa de fora o funcionamento administrativo do ICNB, não os seus projectos.
A corrupção é um problema grave em Portugal.
Não por causa dos corruptos, mas por causa dos bem intencionados que pensam que a decisão é mais importante que a forma como é tomada.
henrique pereira dos santos
PS vou pôr isto apenas na etiqueta da corrupção porque me parece que é o único sentido desta medida, que não tem nada de conservacionista

domingo, maio 17, 2009

De decisão em decisão, rumo à corrupção final

Tito Rosa, Presidente do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade, tem hoje uma entrevista publicado no Público.

Não quero comentar a entrevista excepto num ponto:

"Como está o Fundo da Conservação?
Apresentámos as primeiras propostas à tutela para reflexão. Não deve começar a funcionar este ano mas gostaríamos de, ainda em 2009, discutir o perfil do fundo e criar alguma legislação. Queremos evitar que se transforme num fundo orçamental, típico de muitos fundos que existem, que depois financiam entidades públicas. Queremos criar um fundo financeiro, com capacidade de auto-regeneração, envolvendo as entidades públicas e privadas. As medidas de minimização e compensação de projectos poderiam alimentar em parte esse fundo. Assim como algumas contribuições sobre serviços prestados pelo Estado."

O destaque é meu.

A ideia não aparece nesta entrevista mas está contida no actual regime jurídico da conservação.

Já a comentei aqui e por isso não me vou repetir mas apenas constatar que, tal como previ na altura, esta norma tem vindo a ser trabalhada no seu sentido inevitável: libertar os promotores das obrigações de compensação a troco de um cheque para a conservação.

Recordo que as medidas compensatórias (admitamos que a referência na entrevista a medidas de minimização, neste contexto, é um lapso) devem ter as seguintes características:

•Devem resultar da avaliação dos impactes do projecto nos valores protegidos
•Dirigir-se estrita e proporcionalmente à compensação desses impactes
•Ser definidas quanto:
•Ao seu alvo
•À forma como actuam sobre os valores em causa
•À sua extensão e dimensão
•À sua localização
•Aos seus tempos de execução
•Ser claras e compreensíveis para o público
•Garantir que os seus efeitos se mantêm no longo prazo.

Evidentemente nada disto é possível de garantir quando se dilui a responsabilidade da sua execução num fundo, que pode ser alimentado por quem afecta borboletas e aplicado na conservação de peixes.

Seguramente esta é uma solução errada.

Mas, muito mais grave, é uma auto-estrada para a corrupção porque cria a possibilidade de, por decisão administrativa discricionária, libertar qualquer promotor da responsabilidade de executar o que lhe compete, a troco de dinheiro.

henrique pereira dos santos

sexta-feira, fevereiro 27, 2009

O Freeport, a corrupção e os jornalistas


Um jornal, penso que o Expresso, resolveu ter um procedimento básico de investigação de um assunto: procurar falar com toda a gente que comprovadamente tinha tido alguma ligação com o processo de aprovação do Freeport.
Na sequência encontrou dois funcionários do ICN que tinham estado no processo e depois deixado de estar, um dos quais eu, e publicou qualquer coisa fazendo notar que estes funcionários tinham deixado de ter alguma ligação com o processo depois de terem emitido um parecer negativo.
Desde aí que volta não volta tenho jornalistas a ligar-me (sendo certo que muitos deles não faço a menor ideia de como têm o meu telefone mas eu não tenho grande problema com isso).
Eu já escrevi tudo o que sei sobre o assunto aqui no blog, digo-lhes sempre isso, mas insistem em conversar.
Das primeiras vezes pensei e repensei mas depois achei que tenho a obrigação cívica de não contribuir para um discurso subterrâneo que é frequente no país, no diz que disse, do sei alguém que disse, do conheço alguém que tem um primo que disse.
E passei a, de forma sistemática, aceitar conversar mantendo-me dentro do que são os factos e evitando interpretações e juizos de valor para que remetem perguntas frequentes do género mas acha que, mas o que pensa de fulano, mas é possível, do que conhece pessoalmente, que... e por aí fora.
Ao fim de não sei quanto tempo nisto, à volta do mesmo processo, dei por mim a perguntar-me se faz sentido o que está a passar.
Eu sou um fundamentalista radical do escrutínio público das decisões de política pública. Nesse sentido acho muito bem que os jornalistas perguntem, investiguem, estudem os papéis que digam respeito a um processo sobre o qual há dúvidas.
Talvez o que mais tenha notado nestas conversas é como as pequenas deficiências generalizadas da administração, como as reuniões sem actas, os pareceres que não existem, as decisões sem fundamentação e registo, os arquivos caóticos, ou seja, tudo o que permite e suporta a informalidade no processo de formação de decisão na administração pública parecem estranhos, inconcebíveis, distantes e mesmo irrelevantes, fora daquele processo em concreto, para a maioria dos jornalistas.
O que me surpreende é a sua falta de interesse em muitos outros processos sobre os quais se poderiam levantar o mesmo tipo de dúvidas, quer haja ou não indícios de luvas em dinheiro, desde que não digam respeito a alguém com magnetismo mediático.
A corrupção não se define apenas por haver dinheiro envolvido, nem mesmo vantagens materiais directas. A corrupção pode envolver apenas vantagens imateriais ou indirectas, um pequeno favor de amigo, um pedido resolvido, uma colocação mais vantajosa, uma nomeação, a facilitação de um contacto, o crescimento da rede de contactos, um telemóvel difícil de obter, um convite para um almoço, uma caçada, um passeio ou, simplesmente, uma imagem mais favorecida para o que der e vier.
Imaginemos por hipótese, e que seja claro que não acredito nesta hipótese, isto é, acho-a possível em abstracto, mas acho-a implausível em concreto, que de facto um primeiro ministro teria recebido luvas para tomar uma decisão.
Haveria uma perturbação institucional, uma substituição provável do primeiro ministro e depois tudo seguiria dentro do business as usual (mesmo que mudasse o partido no poder porque os partidos de poder em Portugal nem sequer são assim tão diferentes).
E depois a Democracia seguiria porque tem solução para estas situações, não sendo claro que diferença faria isto para o país (com excessão das clientelas partidárias, bem entendido).
Pelo contrário, o efeito larvar de uma corrupção demasiado presente na sociedade tem um efeito negativo, mesmo que seja a pequena corrupção da portaria do hotel que promove a empresa x em vez da y na prestação de serviços que podem interessar ao cliente, ou o funcionário que apressa a decisão e por aí fora.
O efeito corrosivo da corrupção não provém tanto de haver um grande corrupto mas de haver muitos pequenos corruptos.
E assusta-me ir percebendo que é possível mobilizar meios infindos para esmiuçar um caso que envolva alguém, mesmo que injustamente mas com presença mediática mas não há capacidade para escrutinar, de forma constante e mesmo sem suspeita, a decisão administrativa, o que limitaria muito o efeito real da corrupção mais ou menos generalizada e, não menos importante, limitaria muito a dúvida legítima que pode resultar de uma suspeita fundada na ausência de meios de verificação tão simples como, por exemplo, actas de reuniões.
Escrutinar até à exaustão o Freeport é bom, legítimo e razoável mas esquecer o contexto de informalidade que permite manter tanta dúvida em cima da mesa ao fim deste tempo todo torna o exercício muito pouco interessante para o futuro do país, qualquer que seja o seu desfecho, porque não contribuirá para uma administração mais responsável e cumpridora das regras de decisão estabelecidas.
henrique pereira dos santos

segunda-feira, fevereiro 09, 2009

Joanaz e o Freeport



Joanaz de Melo fez umas declarações sobre o caso Freeport bem ilustrativas da minha tese de que vivemos num caldo de cultura muito favorável à corrupção.
Insuspeito de querer defender a aprovação do Freeport, Joanaz de Melo diz:
"Claro que o ICN é tutelado pelo Ministério do Ambiente e se este diz que está ultrapassado o problema de ilegalidade, o ICN tem de seguir as orientações do Governo. E foi o que fez.".
...
"Sente três juristas a uma mesa e veja se não arranjam forma de contornar a lei. A questão do Freeport não deve ser jurídica, pois as leis fazem-se sempre com excepções e há sempre forma de ultrapassar as regras como as que proíbem licenciar um empreendimento desta dimensão numa zona sensível como é a de Alcochete. Temos visto vários casos nos últimos anos"
Resumindo, Joanaz de melo desvaloriza o valor jurídico intrinseco da discussão (é aliás curioso que havendo um parecer a defender a ilegalidade de aprovação do projecto face ao PDM se tenha até agora contraposto que a entidade de tutela do ordenamento não encontrou essa ilegalidade sem que até hoje, que eu tenha visto, alguém tenha analisado seriamente a fundamentação do parecer negativo e as razões que levaram as entidades de tutela do ordenamento a não o adoptar, como se fosse irrelevante para a discussão saber quem tinha razão nesse aspecto essencial para perceber os comportamentos de todos os envolvidos), desavaloriza os procedimentos e remete directamente para a discussão dos resultados.
Exactamente a posição que mais interessa aos que não desvalorizando os procedimentos se servem desta cultura de falta de respeito pela lei e pela regra para obterem os resultados que a aplicação rigorosa da lei e das regras nunca lhe teriam permitido obter.
Portugal tem um problema grave de corrupção e a questão não é tanto apanhar os corruptos mas sim adoptar a montante os procedimentos que dificultam a corrupção.
E como se vê, no mais absoluto insuspeito de estar ligado aos interesses do Freeport, como é Joanaz de Melo, é bem clara a sua complacência para com os procedimentos que ajudam à corrupção (volto a insistir que não faço a mínima ideia se existe ou não corrupção neste caso, limito-me a discutir a forma das decisões de política pública que em Portugal favorecem a existência de corrupção).
henrique pereira dos santos
PS Há nas declarações de Joanaz de Melo outra das confusões permanentes do movimento ambientalista neste tipo de discussões: a ideia de que os Ministérios do Ambiente têm agendas políticas próprias e não que se integram nas agendas globais dos Governos a que pertencem. Esta ideia bizarra é responsável pelo facto dos chefes de Governo em portugal estarem quase sempre automaticamente ilibados das suas responsabilidades em matéria de política ambiental. O que é um erro.
PS 2 Ainda sobre a questão das autoridades de ordenamento do território e o seu escrutínio público vale a pena lembrar um detalhe (e é de detalhes que se alimenta a apropriação privada ilegítima de bens públicos) de um plano, penso que era a Mata de Sesimbra mas não tenho a certeza. Os planos previam um determinado índice de construção. A opção das autoridades de ordenamento do território para o cálculo da área passível de ser construída foi a de considerar o índice para toda a parcela do terreno. Ora acontece que em grandes áreas da parcela não havia qualquer viabilidade de construção (estavam na REN ou tinham outras servidões). Ao optar pela aplicação do índice a toda a área do plano, embora só permitindo a construção nas áreas onde tal era possível pelos planos, estava-se a aumentar em muitos e muitos metros quadrados a área de construção passível de aprovação. Até pode haver, e haverá com certeza, eminentes juristas que defendem que isto faz sentido. Mas o direito é uma coisa demasiado importante para ser deixada apenas aos juristas e parece-me que faria todo o sentido constestar judicialmente este tipo de aplicações da lei (e garanto que não é caso isolado) onde áreas sem qualquer capacidade construtiva são usadas para aumentar a capacidade construtiva de outras áreas através de um detalhe no cálculo do índice de construção que é, seguramente, uma esperteza saloia.

segunda-feira, janeiro 26, 2009

Freeport e Conrad

Deixarei para outro post o comentário ao que hoje o Público traz sobre a QUERCUS e o Freeport para me concentrar na comparação processual do Freeport e do Conrad Hotel para se perceber que se houver corrupção no Freeport (e seguramente não vou discutir se existe neste caso em concreto e existindo quem poderá ter ganho com o assunto) não é para admirar, o que é para admirar é se for caso único (sem que isto envolva qualquer suspeição ou não para qualquer político, volto a frisar que os meus posts são de certa maneira "estruturalistas": pretendem discutir as condições em que as decisões públicas facilitam ou dificultam a apropriação de benefícios pouco transparentes por privados associados a prejuízos públicos, incluindo naturalmente o prejuízo ambiental).
Devo dizer que o meu envolvimento no Conrad foi muito marginal e tinha apenas a ver com a discussão da afectação ou não da tuberaria major (se não me engano), matéria importante mas não essencial para o que pretendo discutir.
No post que farei sobre a queixa da QUERCUS discutirei mais em pormenor a fundamentação desta minha opinião mas já afirmei que a aprovação do Freeport nas condições em que foi feito parece-me que violaria o Plano Director Municipal de Alcochete. Não foi esse o entendimento quer da Câmara Municipal, que sempre esteve fortemente empenhada na aprovação do empreendimento para fazer face aos problemas de desemprego decorrente do fecho de várias fábricas (uma delas da Firestone, no sítio onde está hoje o Freeport) nem da entidade de tutela do Ordenamento do Território, que aliás presidiu à comissão de avaliação ambiental.
Do mesmo modo, o Conrad Hotel só não violava o Plano Director Municipal de Loulé porque o plano foi legalmente suspenso exactamente para permitir tomar decisões que o contrariavam. Digamos que aqui não há ilegalidade, há sim uma alteração da lei (neste caso a suspensão de um regulamento administrativo, como é o PDM) feita à medida para um projecto específico.
E no entanto, em todas estas discussões, raramente se fala das entidades de tutela do ordenamento do território, ao contrário, por exemplo, do ICNB que é notícia nos jornais há pelo menos três dias seguidos, sendo mesmo hoje o sujeito da principal manchete do Público.
O que distingue o ICNB, que o torna tão querido para alguns e tão mal amado para outros, das entidades de tutela do ordenamento do território, onde se fazem os maiores atropelos às regras, ou, sendo mais preciso, se transformam excepções em regra com fundamentações obscuras e frágeis, sem que existe qualquer alarme social?
O que distingue estas duas políticas públicas é que existe uma política europeia de conservação da natureza e obrigações de Portugal para com a União Europeia que põem as decisões nesta matéria sob escrutínio do tribunal europeu mas não existe qualquer escrutínio legal exterior sobre o ordenamento do território.
E assim, sendo decisões como o do Conrad Hotel, tão discricionárias e fragilmente fundamentadas como as do Freeport, desaparecem na espuma dos dias e na fragilidade da nossa sociedade civil, sempre compreensiva para com o estacionamento proibido desde que não impeça o trânsito, sem que o risco de uma qualquer investigação externa aparecer perguntar por que razão se tomou uma decisão excepcional e tão de alto nível como seja suspender a aplicação dos regulamentos vigentes para dar resposta a pretensões concretas, formuladas desde o início com base na ideia de que as regras aplicáveis a todos não seriam aplicáveis a alguns.
henrique pereira dos santos

domingo, janeiro 18, 2009

O Freeport, os meios e os fins


Fotografia de João Palmela

Declaração de interesses: acompanhei intermitentemente este processo em várias alturas e trabalhei com alguma proximidade, mas sem ser directamente, com José Sócrates enquanto Secretário de Estado e depois Ministro do Ambiente, tendo deste essa altura um preconceito desfavorável face aos seus métodos de actuação, sem por isso deixar de lhe reconhecer qualidades.

Este post não é sobre o facto de existir ou não corrupção envolvida, se existem ou não luvas e etc..

Este post é, mais uma vez, sobre os meios e os fins.

Tive directas responsabilidades na discussão da revisão dos limites da ZPE do Estuário do Tejo, quer no acrescento que foi preciso fazer para garantir o financiamento comunitário à ponte Vasco da Gama, quer na discussão de acertos que mais tarde deram origem à polémica alteração de limites em cima das eleições e que se relacionam com a aprovação do Freeport.

Estive também directamente ligado a um processo de AIA (ou de incidências ambientais, confesso que não me lembro) relacionado com a aprovação do outlet, tendo em determinada altura explicitamente referido que me parecia ilegal a sua aprovação, não porque afectasse as aves mas porque, na minha opinião, violava o Plano Director Municipal (com ou sem alteração de limites da ZPE que sempre considerei uma questão marginal para a aprovação do outlet porque nada impedia a sua aprovação dentro da ZPE e porque mesmo fora se lhe aplicaria a norma que diz que todos os projectos susceptiveis de afectar a ZPE, mesmo situados fora dela, deverão ser avaliados desse ponto de vista, como efectivamente este foi).

Durante vários anos o movimento ambientalista foi acompanhando a questão sob o prisma do fantasma (e do ressentimento da sua derrota) face ao processo da ponte Vasco da Gama, no qual aliás estava carregado de razão.

Desesperadamente o movimento ambientalista queria obrigar a Comissão Europeia a bloquear o financiamento da ponte e portanto concentrou-se nos argumentos que lhe pareceria que teriam mais repercussão na Comissão Europeia, a maior parte deles questões formais sem qualquer relevância para a conservação das aves, a não ser como putativos precedentes de outros processos que viriam depois.

É assim que o movimento ambientalista se concentra em discutir o loteamento industrial do Passil (um loteamento num eucaliptal marginal para a ZPE, à ilharga de uma estrada nacional e sem qualquer relevância de conservação, ao loteamento dos moinhos (penso que será este o nome, mas não garanto), à ilharga de Alcochete, uma expansão mínima do aglomerado urbano, dentro da ZPE, mas claramente aceitável desde que garantidos alguns pressupostos razoáveis e no outlet que viria a ocupar as antigas instalações da Firestone, uma fábrica de pneus (enfim, como havia outra questão com uma antiga fábrica de cortiça pode haver neste detalhe alguma falta de rigor minha).

Como resposta o Estado Português adoptou também uma postura equívoca e formal, em vez de partir para uma discussão séria difícil mas possível, sobre o que verdadeiramente estava em causa, com medo das demoras que poderiam advir desta postura.

Os responsáveis quiseram atingir os fins que pretendiam (por boas ou más razões é matéria que não discuto, mas havia uma inequívoca pressão no sentido das coisas serem conduzidas no sentido da aprovação destes projectos, o que é mais ou menos frequente, diga-se em abono da verdade) usando o método que menos danos causasse e sobretudo que fosse mais rápido, isto é, que evitasse o confronto com a Comissão Europeia, pelo menos no curto prazo (os contenciosos demoram muito tempo e o paradigma era a Auto-Estrada para o Algarve, inaugurada por Jorge Coelho com declarações irresponsáveis acerca do direito comunitário, referindo que agora estava feita e queria ver quem viria depois arrancar o asfalto).

O Estado Português jogava pois no facto consumado (no fim), estando-se mais ou menos nas tintas para o processo para o atingir.

O movimento ambientalista jogava na capacidade de obrigar a comissão europeia a recorrer ao tribunal e suspender ou pedir o regresso do financiamento da ponte Vasco da Gama (no fim), estando-se mais ou menos nas tintas para a forma de o atingir e para solidez e importância real dos argumentos usados.

Aparentemente tudo isto está transformado no caso de polícia onde os fins últimos dos dois contendores é o que menos conta neste momento: o desenvolvimento económico do lado do Estado Português, a conservação das aves do lado dos ambientalistas.

E no entanto não tinha de ser assim. Mais atenção aos processos usados para chegar aos fins provavelmente teria evitado acabar tudo na esquadra, melhorado os efeitos na economia e garantido melhor a conservação das aves.

henrique pereira dos santos

sábado, julho 26, 2008

A porta aberta

Declaração de interesses: estive desde o primeiro momento envolvido na preparação do novo regime jurídico da conservação da natureza. Penso, embora não tenha a certeza, que terei mesmo redigido os primeiros esboços técnicos que procuravam sintetisar os objectivos que se pretendiam atingir, com certeza com base em discussões prévias envolvendo bastante mais gente.
Na medida que as propostas se iam densificando juridicamente e que a discussão se ia concentrando sobre opções políticas fui ficando cada vez mais distante da redacção concreta do diploma.
O resultado final, publicado há dois dias, é para mim muito próximo pelo meu profundo envolvimento inicial mas é para mim muito distante face às alterações que o desviaram, e muito, de algumas questões que me pareciam fundamentais.
Não quero com isto dizer que o diploma foi ficando pior, quero apenas dizer que, legitimamente, quem tinha de fazer opções as foi fazendo e essa é a natureza do processo.
Não tenciono pois falar muito de opções que me eram "queridas" e que não vejo consagradas nem das opções das quais discordo, e que vejo consagradas.
Do processo, como é frequente no processo legislativo em Portugal, retenho a sua pouca abertura e transparência cujas vantagens não percebo.
Estarei claramente ao lado do partido que pretender aprovar uma lei que aplique como regra a todos os diplomas legais os princípios de participação obrigatória que vigoram para os instrumentos de ordenamento do território, obrigando a publicitar o início do processo legislativo e conferindo aos cidadãos e suas organizações o direito de informação e acompanhamento desse processo através da publicitação obrigatória das suas fases intermédias e a publicitação dos diplomas por quinze dias antes de poderem ser agendadas para decisão.
Admito a discussão de todas as excepções que se entenderem mas o princípio deveria ser esse.
Tudo o que disse até agora não me faria fazer um post sobre o assunto, aproveitei apenas a oportunidade para dizer o que penso.
O que me aqui traz é esta norma do diploma:
"Artigo 36.º
Instrumentos de compensação ambiental
...
3 — Mediante iniciativa e financiamento pelo interessado, dependente de acordo com a autoridade nacional, a compensação ambiental pode também ser concretizada através da realização de projectos ou acções pela autoridade nacional.
4 — Sempre que nos termos do número anterior haja lugar a financiamento pelo interessado de projectos ou acções a realizar pela autoridade nacional, os pagamentos em causa ficam obrigatoriamente adstritos às finalidades de compensação ambiental que lhes subjazem."

Repare-se que a norma está no capítulo do regime financeiro da conservação da natureza.
No essencial o que esta norma quer dizer é que a responsabilidade pela execução das medidas de compensação ambiental decorrentes dos processos de AIA (isto é, decorrentes dos impactos negativos de projectos concretos) ou da legislação da rede natura pode ser transferida para o Estado mediante pagamento.
Acaba aqui o princípio da responsabilização integral dos promotores pela execução das medidas compensatórias, separando as funções de execução (integralmente da responsabilidade do promotor) das funções de fiscalização (inerentemente do Estado através da autoridade nacional de conservação).
Amanhã (como já aconteceu no passado, aliás, com péssimos resultados) qualquer promotor pode, a troco de um cheque, passar para a autoridade nacional de conservação a responsabilidade de execução das medidas compensatórias.
Se elas depois não forem executadas, ou o forem deficientemente ou parcialmente, não estou a ver como a autoridade nacional se vai fiscalizar a si própria, impondo a si própria sanções para que efectivamente sejam executadas.
Dir-se-á que isto só acontece se a autoridade nacional aceitar.
Claro, mas estando esta norma no capítulo do regime jurídico da conservação e estando a autoridade nacional pressionada para ter receitas próprias o que não será difícil será convencê-la, mesmo a troco de 10 ou 20% mais do custo das medidas compensatórias que essa diferença vale bem a tranquilidade que daqui advém para o promotor.
Esta norma, se bem a entendi e não duvidando nem um bocadinho de que não seja essa a intenção de quem a terá escrito, é a consagração da corrupção institucional em matéria de medidas compensatórias para a conservação da natureza.
henrique pereira dos santos

sexta-feira, janeiro 11, 2008

Compensações na OTA!?!

"Afirmando-se preparado para os protestos e críticas, Sócrates antecipou-se e anunciou logo ali "um programa de investimentos públicos" para minimizar o impacto de uma decisão contrária às expectativas da região do Oeste. "A região OTA-Oeste pagou um preço que é preciso compensar", justificou, sem adiantar o que tem em mente". in Público de 11-01-08

Acto 1
O Governo decide construir o aeroporto na OTA

Acto 2
Os especuladores da OTA esfregam as mãos e antecipam negócios com vista à recolha de mais valias elevadas

Acto 3
O Governo muda de opinião e afinal já não é na OTA mas em Alcochete

Acto 4
Os especuladores reclamam as perdas pois compraram caro e terão de vender barato

Acto 5
O Governo promete investimento público para compensar os especuladores defraudados

domingo, janeiro 06, 2008

A QUERCUS e o Procurador

Tenho inegável simpatia pela ideia da QUERCUS se reunir com o Procurador Geral da República para lhe apresentar os seus pontos de vista sobre a legalidade de muitas decisões em matéria de ordenamento do território.
De acordo com o site da QUERCUS a reunião tinha a seguinte agenda:
- A existência de acordos publico-privados na definição do ordenamento do território, nomeadamente ao nível dos Planos de Pormenor;
- A aplicação dos procedimentos de Avaliação de Impacte Ambiental na escolha da localização do Novo Aeroporto de Lisboa;
- O não cumprimento da legislação relativa aos sítios da Rede Natura 2000;
- O uso abusivo de excepções previstas na Lei no âmbito do desenvolvimento dos projectos de Potencial Interesse Nacional (PIN);
- A interpretação abusiva do conceito de utilidade pública.
Infelizmente acho que a boa ideia foi, masi uma vez, mal gerida pela ânsia mediática da QUERCUS.
Devo dizer que não tenho nenhuma objecção a uma gestão mediática das agendas das ONGAs, bem pelo contrário, acho uma questão fundamental. O que me preocupa é quando o mediatismo se assume como a questão central face às questões de fundo.
Neste caso concreto acho que a QUERCUS deveria ser muito sólida nos aspectos que pretenderia levar ao Sr. Procurador e na transmissão para o exterior do conteúdo da diligência.
A questão da promiscuidade entre os interesses dos privados e a actividade de ordenamento do território, que é um exclusivo do Estado, por enquanto, é muito bem colocada e deveria de facto constar da agenda. Por aí, nada a apontar.
Já a questão do aeroporto e, mais em geral, da obrigatoriedade de discussão de alternativas me parece mal equacionada pela QUERCUS há já bastante tempo.
Ou eu estou a ver mal a fundamentação legal ou a QUERCUS está errada quando diz que a lei obriga à discussão de alternativas.
Eu não sei onde a QUERCUS findamenta essa obrigatoriedade. Conheço um diploma que contém essa obrigatoriedade mas não para a generalidade dos processos. Essa obrigatoriedade existe no contexto de excepção de aprovação de projectos que têm impactos significativos sobre valores protegidos pelas directivas aves e habitats. Ou seja, é perfeitamente legal não discutir alternativas para projectos cuja avaliação de impacte ambiental não detecta impactos significativos. Se é de boa técnica de decisão ou não é outra história. Mas discutir a legalidade dos actos é uma questão jurídica, discutir a melhor forma de tomar decisões dentro da lei é uma questão política que não tem de ser discutida com o Sr. Procurador Geral da República.
Por maioria de razão o uso abusivo das excepções previstas na lei é uma matéria de natureza política. A menos que se entenda que esse abuso violou a lei e então não se está perante o uso das excepções previstas na lei mas sim perante o incumprimento da lei. Mas não é isso o que a QUERCUS diz.
Finalmente a questão do interesse público. A definição do interesse público é matéria claramente política. Pode estar consagrada na lei a limitação dessa definição (e até está em algumas circunstâncias, como bem tem dito a QUERCUS a propósito de alguns empreendimentos que afectam valores da rede natura) mas não me parece que seja ao Procurador que se deva ir pedir para definir o que é interesse público. Pode pedir-se que explicite o seu entendimento do que são os limites legais para a sua definição (e acho muito bem que isso seja pedido ao Procurador) mas não que o defina. É certo que a agenda da reunião refere o uso abusivo do conceito, o que remete para o que estou a dizer, mas parece-me que não foi bem isso que vi nos jornais e rádios que fui ouvindo e lendo sobre a matéria.
Fora da agenda ficou a questão das mais-valias, embora tenha sido referida depois no contexto das notícias sobre a reunião. É pena, porque era na investigação da ligação mais-valias urbanísticas - corrupção que a acção do procurador poderia ser mais interessante. E para mim essa deveria ser a trave mestra da discussão jurídica sobre a aplicação das excepções em matéria de ordenamento do território. Para agravar o presidente da QUERCUS (ou pelo menos o jornalista que o cita, que nem sempre é a mesma coisa) vem dar como exemplo de mais-valias os projectos da Pescanova e do IKEA o que me parece um tiro claramente ao lado: as mais valias não resultam de projectos industriais em que o solo não é revendido mas de projectos urbano-turísticos em que o solo é revendido incorporado (ou não, às vezes nem isso) no preço final de venda de casas.
Um comentário final para dizer que apoio inteiramente o combate jurídico das ONGAs a acções que lhes pareçam ilegais. Mas reprovo inteiramente o combate jurídico em acções de que se discorda mas cuja legalidade só muito arrevezadamente se pode questionar. Temo que a fúria jurídica associado às providências cautelares sempre e em qualquer projecto de que as ONGAs discordem acabe por levar o poder a considerar que a situação de excepção em que as ONGAs nunca pagam custas do tribunal, mesmo quando perdem, conduza na prática a uma litigância de má-fé e isso leve a acabar com esta situação, o que claramente enfraquecerá a possibilidade de acção jurídica das ONGAs que dá agora passos mais seguros que no passado.
O que é pena.
henrique pereira dos santos