Caminho que leva aos arredores
O meu bisavô Norberto, homem de letras, conhecedor e profundo amante da cidade de Lisboa, deixou este testemunho sobre os arredores de Lisboa, qual premonição sobre os despautérios que viriam acontecer alguns anos depois:
“(...) Os arredores de Lisboa não têm ainda a sua parte nova. É certo que aqui e ali os ricos principiam a erguer palacetes e casas de campo dum péssimo gôsto, que nem salva a arte nem salva a poesia, mas os arredores são ainda quási tal e qual: Arieiro, Bemfica, Carriche, Cabo Ruivo, Porcalhota, Linda-a-Velha, nomenclatura ingénua de terrinhas onde o eléctrico chega e pára, com mêdo de andar para diante, e o combóio para, passa, a deixar gente em apeadeiros, que oxalá nunca cheguem a dar estação.
Façam de Sintra, de Cascais, dos Estoris, sucursais de Lisboa, com palacetes para políticos, agência de troca de libras, clubes de pano verde, que isso não é arredores, e deixem sossegadíssimas as povoações saloias, circundando a cidade com o seu anel de lirismo, a sua ronda invejável de saúde, os seus retiros para gente de gôsto velho, o seu murmúrio de cantigas em noite de luar.
(...)
Arredores de Lisboa são propriedade da gente humilde, que ama sem pedir licença ao mundo, logradoiro da sua imaculada vontade de viver livre, e os automóveis quando por lá cortam os campos vão apressados, apressados, porque bem sabem que aquilo não é dêles.”
Norberto de Araújo, In: Novela do Amor Humilde (Livrarias Aillaud & Bertrand). Páginas 157-158 (1925)
O meu bisavô Norberto, homem de letras, conhecedor e profundo amante da cidade de Lisboa, deixou este testemunho sobre os arredores de Lisboa, qual premonição sobre os despautérios que viriam acontecer alguns anos depois:
“(...) Os arredores de Lisboa não têm ainda a sua parte nova. É certo que aqui e ali os ricos principiam a erguer palacetes e casas de campo dum péssimo gôsto, que nem salva a arte nem salva a poesia, mas os arredores são ainda quási tal e qual: Arieiro, Bemfica, Carriche, Cabo Ruivo, Porcalhota, Linda-a-Velha, nomenclatura ingénua de terrinhas onde o eléctrico chega e pára, com mêdo de andar para diante, e o combóio para, passa, a deixar gente em apeadeiros, que oxalá nunca cheguem a dar estação.
Façam de Sintra, de Cascais, dos Estoris, sucursais de Lisboa, com palacetes para políticos, agência de troca de libras, clubes de pano verde, que isso não é arredores, e deixem sossegadíssimas as povoações saloias, circundando a cidade com o seu anel de lirismo, a sua ronda invejável de saúde, os seus retiros para gente de gôsto velho, o seu murmúrio de cantigas em noite de luar.
(...)
Arredores de Lisboa são propriedade da gente humilde, que ama sem pedir licença ao mundo, logradoiro da sua imaculada vontade de viver livre, e os automóveis quando por lá cortam os campos vão apressados, apressados, porque bem sabem que aquilo não é dêles.”
Norberto de Araújo, In: Novela do Amor Humilde (Livrarias Aillaud & Bertrand). Páginas 157-158 (1925)
PS: Recomendo leitura de outro trecho desta bela novela no blogue "Dias que Voam".