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domingo, dezembro 03, 2006

Arredores de Lisboa – Por Norberto de Araújo

Caminho que leva aos arredores

O meu bisavô Norberto, homem de letras, conhecedor e profundo amante da cidade de Lisboa, deixou este testemunho sobre os arredores de Lisboa, qual premonição sobre os despautérios que viriam acontecer alguns anos depois:

“(...) Os arredores de Lisboa não têm ainda a sua parte nova. É certo que aqui e ali os ricos principiam a erguer palacetes e casas de campo dum péssimo gôsto, que nem salva a arte nem salva a poesia, mas os arredores são ainda quási tal e qual: Arieiro, Bemfica, Carriche, Cabo Ruivo, Porcalhota, Linda-a-Velha, nomenclatura ingénua de terrinhas onde o eléctrico chega e pára, com mêdo de andar para diante, e o combóio para, passa, a deixar gente em apeadeiros, que oxalá nunca cheguem a dar estação.

Façam de Sintra, de Cascais, dos Estoris, sucursais de Lisboa, com palacetes para políticos, agência de troca de libras, clubes de pano verde, que isso não é arredores, e deixem sossegadíssimas as povoações saloias, circundando a cidade com o seu anel de lirismo, a sua ronda invejável de saúde, os seus retiros para gente de gôsto velho, o seu murmúrio de cantigas em noite de luar.

(...)

Arredores de Lisboa são propriedade da gente humilde, que ama sem pedir licença ao mundo, logradoiro da sua imaculada vontade de viver livre, e os automóveis quando por lá cortam os campos vão apressados, apressados, porque bem sabem que aquilo não é dêles.”

Norberto de Araújo, In: Novela do Amor Humilde (Livrarias Aillaud & Bertrand). Páginas 157-158 (1925)
PS: Recomendo leitura de outro trecho desta bela novela no blogue "Dias que Voam".

quinta-feira, novembro 17, 2005

A propósito do terramoto de 1755

Reproduzo aqui um texto publicado no público pelo Presidente da Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas
Ainda a propósito do Terramoto de 1755 e das suas consequências em Lisboa quanto tempo mais será necessário para aprendermos que se deve ter cuidado com as construções em zonas de risco. A aprovação de grandes projectos imobiliários como o Alcântara XXI, numa zona classificada em cartografia da própria Câmara Municipal de Lisboa como de forte vulnerabilidade à inundação e de intensidade sísmica escala 10 (Mercali modificada) em terrenos lodosos e arenosos dá que pensar. É preciso convidar arquitectos de renome para tentar dissimular este erro monumental? Espero que não morra ninguém, mas julgo que a natureza e a Ribeira de Alcântara vão um dia mostrar que aquele espaço lhes pertence. Veja-se o exemplo de Nova Orleans, a natureza reclamou de novo para si o seu espaço. Para quando uma cidade de Lisboa à escala humana bem ordenada, com espaços verdes de qualidade e não a caricatura que fazem deles, com passeios para as pessoas e não para os carros, pistas de bicicletas e um excelente sistema de transportes urbanos que desincentive o uso de veículo próprio? Os lisboetas merecem uma cidade construída com o respeito e manutenção dos ciclos naturais e não uma das cidades mais poluídas da Europa. O incentivo a políticas baseadas na construção civil não desenvolveu o país, antes pelo contrario continua a asfixiar o seu desenvolvimento sustentável. Como os fundamentalistas do betão continuam a vencer em todas as frentes e por todo o lado, para reconhecer este facto basta andar pelo país, muitas vezes os projectos não são pensados devidamente quer ao nível da arquitectura e da arquitectura paisagista e como o interesse é o lucro imediato e máximo, esquecendo-se a qualidade, não são equacionadas as diferentes opções nem são realizados com profundidade e rigor os necessários estudos. A preservação do perfil tradicional da cidade de Lisboa, que considero um património paisagístico de interesse mundial, não obstante erros do passado como as torres das Amoreiras, que um dia serão provavelmente implodidas como um qualquer prédio Coutinho, é um valor essencial a ser defendido pelos alfacinhas. As boas noticias para Lisboa deviam ser as relacionadas com a construção de mais espaços públicos, verdes ou outros, da criação de corredores verdes, de novos Monsantos, da diminuição da poluição atmosférica e não das sempre renovadas e sem imaginação noticias de novos empreendimentos imobiliários fomentando a continuada política do betão.
Henrique Tato Marinho Presidente da Direcção
APAP - Associação Portuguesa dos Arquitectos Paisagistas