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quarta-feira, julho 15, 2009

Qualidade dos dados Portugueses de biodiversidade


Não vou repetir os argumentos expostos nos comentários a este post mas gostaria apenas de ilustrar o que digo com um mapa que produzimos no meu laboratório há pouco tempo. O que vêm é a conjugação dos dados de distribuição de mamíferos existentes nas bases de dados (Estatais) Portuguesas e Espanholas. As cores reflectem diversidade biológica de mamíferos. Podem ser feitas duas interpretações: 1) a diversidade é maior em Espanha que Portugal; 2) a ausência de diversidade em Portugal reflecte a ausência de dados. Esta última interpretação é a correcta.

A discussão sobre quem tem de recolher os dados é mais ou menos inútil porque a questão de fundo é que para tomar decisões em matéria de conservação, é necessário ter dados sobre os objectos que se pretendem conservar e tanto a obtenção de dados como o processo de decisão em matéria de conservação se encontram claramente definidos:

"O Instituto [ICNB] prossegue atribuições do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, sob superintendência e tutela do respectivo ministro. São suas atribuições:

a ) Exercer as funções de autoridade nacional para a conservação da natureza e da biodiversidade;

b ) Assegurar a preservação da conservação da natureza e da biodiversidade e a gestão sustentável de espécies e habitats naturais da flora e da fauna selvagens, promovendo a elaboração e implementação de planos, programas e acções, nomeadamente nos domínios da inventariação, da monitorização, da fiscalização e dos sistemas de informação;

(...)"

Também poderia produzir um mapa equivalente para invertebrados mas a humilhação para Portugal seria ainda maior.

sábado, maio 23, 2009

O Lince e o Pai Natal


Li as notícias que ontem correram sobre a inauguração do centro de reprodução do Lince.
Sobre esse assunto a informação que tenho é a que está disponível ao público.
Procurei documentar-me para não ser injusto no que queria escrever sobre este assunto.
Em primeiro lugar tentei perceber qual é o modelo de gestão do centro de reprodução.
Confesso que não percebi e foram várias as fontes que consultei (todas da internet, não fiz perguntas a ninguém sobre o assunto).
Percebi sim que o centro vai ser gerido directamente pelo ICNB em vez de o ser pelas Águas do Algarve, que as Águas do Algarve vão contribuir com 300 000 euros anuais e que o centro terá nove técnicos e cinco vigilantes (acredito que o conceito de técnico é alargado e inclui tratadores, por exemplo).
Percebi que haverá um plano de recepção dos fundadores, mas ainda não há nem fundadores, nem plano.
O centro é uma medida compensatória pela construção de Odelouca e havia uma comissão de acompanhamento ambiental da obra, que incluía o acompanhamento da execução das medidas ambientais, mas desconheço se ainda há, se funcionou ou se morreu.
Se não está a funcionar não está a ser cumprida a DIA da barragem e não percebo como ninguém é responsabilizado por isso (ou melhor, percebo, porque quando fiz parte dessa comissão e exactamente reportei os continuados e reiterados incumprimentos ambientais do promotor da obra, nessa altura o INAG, fui chamado pelo então Secretário de Estado da tutela porque tinha uma queixa do então, e actual, Presidente do INAG dizendo que eu estava a prejudicar o interesse nacional. Lá tive eu de explicar que não era eu quem não cumpria a DIA, que não era eu quem tinha lançado um concurso de concepção/ construção de uma barragem, que não era eu quem não tinha nomeado a tempo e horas a comissão que era suposto existir desde o início da obra, que era melhor discutir o assunto dos incumprimentos com o ICNB que com a Comissão Europeia, se o assunto fosse levantado por quem quer que seja, e etc., e lá fui mandado em paz. Percebo por isso que nem toda a gente está para aturar acusações, chatices e prejuízos pessoais só por ter brio profissional e portanto é natural que quase ninguém seja responsabilizado pelo facto de haver incumprimentos de DIAs). Se a dita comissão está a funcionar não percebo a quem recomendará que se levantem autos por incumprimento da DIA se o centro não funcionar: se ao destinatário da DIA, isto é, o promotor da barragem, neste caso as Águas do Algarve, se ao gestor do centro, a partir de ontem, o ICNB, que faz parte da dita comissão que fiscaliza o centro. Mas acredito que seja eu que seja esquisito e tenha a estúpida mania de achar que a lei e as regras são para ser levadas a sério. Passemos pois por cima desta minha idiossincrasia e avancemos no que aqui me trouxe.
Nove técnicos e cinco vigilantes (que irão entrar ao serviço no dia 1 de Junho), mesmo considerando o conceito alargado de técnico, não custam menos de 200 000 mil euros anuais. Acresce que a função pública tem regras de contratação que são bastante rígidas. Portanto, e essa é a minha primeira questão, os 300 000 euros anuais são excluindo ou incluindo pessoal? Se são incluindo pessoal, como são contratados? Diz o site sobre o plano de acção do lince, que foi lançado para comemorar o primeiro ano do plano de acção, que o procedimento está em curso. Esta informação é actualizada? Não pode ser mais desactualizada que 2 de Maio, quando foi aberto o site, mas ontem era afirmado que o pessoal tinha recebido treino ao longo de meses para trabalhar no centro.
Em qualquer caso, conhecendo o historial de contratação na função pública, é perfeitamente possível que se tenha arranjado uma solução provisória qualquer, fortemente sustentada politicamente (basta ter a noção de que nunca foi possível criar uma única área protegida dotada de pessoal desde o início, e muito menos de tanta gente, começando por cinco vigilantes, que são mais que em várias áreas protegidas, incluindo algumas das mais importantes para a conservação in-situ do lince).
Acredito que tudo isto esteja resolvido. Acredito que exista um modelo de gestão claro, com todas estas questões adequadamente tratadas, desde os orçamentos de funcionamento do centro perfeitamente estabelecios, às fontes de financiamento adequadas no montante e adequadas às regras aplicáveis na administração pública, porque evidentemente que se assim não fosse, com tanto jornalista na cerimónia de ontem, alguém teria feito perguntas sobre isso.
E também acredito no Pai Natal.
henrique pereira dos santos

segunda-feira, março 02, 2009

Perseguição directa

foto retirada do Público Online

O Público de hoje publicou a notícia: "Encontrado morto o macho do único casal de águia-imperial que nidificou no país". Ainda que o título assim não sugira, refere-se logo no primeiro parágrafo que se tratava do único casal que nidificou com êxito em Portugal, no ano de 2008. É falso. Este casal teve 1 cria em 2008, mas houve um outro, que nidifica na zona do Tejo Internacional, que conseguiu criar dois jovens com êxito. Minudências à parte, parece-me interessante ponderar sobre o que fazer para minimizar estes episódios.

Se é certo que ao longo dos anos vi muitas aves de espécies ameaçadas comprovadamente abatidas a tiro ou envenenadas, raras foram as vezes que os culpados foram identificados e muito mais raras as situações em que estes foram julgados e condenados (na verdade, não me lembro de nenhum caso!). O que é lamentável, até porque, estou convicto que a perseguição directa representa um factor de mortalidade, no mínimo, não desprezável, pelo menos entre aves de rapina de maior porte.

Não duvido que a sensibilidade da sociedade civil para estas e outras questões da temática ambiental, seja hoje outra. Entre esta, creio que caçadores, guardas e gestores de caça são hoje grupos mais conscientes. No entanto, persistem (e provavelmente persistirão sempre) alguns indivíduos cujas atitudes, completamente ilegais e absolutamente intoleráveis sobre o ponto de vista ético, põem em causa os esforços de todos aqueles que trabalham na conservação destas aves.

Encontrar e punir legalmente o culpado e responsabilizar Zona de Caça onde se localiza o ninho por este abate, são os passos a seguir. Mas não será difícil imaginar a dificuldade de identificar o primeiro e de penalizar o segundo...

Em espécies muito ameaçadas e no caso particular da Águia-imperial, reduzir este tipo de episódios, passa por trabalhar em duas vertentes bem distintas. A primeira, mais eficaz no curto prazo, protegendo activamente dos seus ninhos, com condicionantes claras a algumas actividades na sua envolvência e com vigilância sistemática nesta área, à semelhança do que se faz noutros países. Assim como com a criação de legislação efectivamente dura sobre quem cometa este tipo de crimes. A segunda, não menos importante, com a valorização ambiental deste património natural, ao invés de um enorme secretismo que investigadores, ICNB e ambientalistas muito gostam de fazer, na pretensão de evitar precisamente este tipo de episódios. Nada mais errado.

Independentemente da revolta que este tipo de crimes nos provoca, há atitudes que o movimento ambientalista deve repensar e acções concretas a tomar para os minimizar. Um sinal bem positivo é o facto de que, ainda há uma curta meia dúzia de anos nem sequer existia um casal de Águia-imperial a nidificar em Portugal. Hoje há pelo menos quatro. À custa de Espanha, é certo.

Gonçalo Rosa

domingo, fevereiro 22, 2009

Balada das Salinas do Samouco

imagem das salinas do samouco roubada ao blog o bzz do lusco fusco
Foi ao procurar informação sobre "The ballad of John and Yoko" que me dei conta de um significado tradicional de balada: poesia narrativa que reproduz narrações ou lendas.
Não sendo poesia este post, a balada que uso no título deste post remete para uma narração, mas neste caso muito pouco lendária.
O motivo primário deste post é, mais uma vez, uma notícia do Público de hoje onde se relatam as actividades de Carlos Guerra como prestador de serviços de Manuel Pedro, algum tempo depois da aprovação do Freeport.
Mas o cerne do post é mesmo uma narração sobre a Fundação das Salinas do Samouco.
A expropriação das salinas do Samouco é um erro que decorre do Estudo de Impacto Ambiental da ponte Vasco da Gama que identifica esta expropriação como medida compensatória da construção da ponte. Naturalmente os donos das salinas fizeram imediatamente multiplicar por seis ou sete o preço da sua venda no momento em que perceberam que o Estado Português, pressionado pela Comissão Europeia e pelo movimento ambientalista, não tinha alternativa se não comprar a salina.
Esta situação deu origem a um processo complicado de expropriação e por aí fora, com fortes prejuízos para a afectação eficiente de recursos.
Na verdade o que era importante era manter o uso das salinas como salinas (ou pelo menos com uma gestão dos níveis de água favorável à avifauna) sendo a questão da propriedade uma questão acessória e instrumental já que manutenção do uso podia ser obtida com os proprietários, contratualmente, a custos muito mais baixos e com clara separação da execução e da fiscalização, condição sine qua non para que as coisas funcionem eficientemente.
Lembro-me de ter estado numa reunião com os então ministros João Cravinho e Elisa Ferreira onde o ICN propunha uma redefinição desta (e doutras) medida compensatória no sentido de garantir meios e mecanismos de gestão de conservação eficazes que nos pareciam que não eram atingidos pela via da expropriação (e da expansão da ZPE) porque isso significava colocar mais responsabilidades nas entidades de tutela da conservação que já estavam para além do limite dos meios de gestão de que dispunham. Mas nunca foi possível resolver grande coisa porque a pressão do movimento ambientalista sobre a Comissão Europeia era noutro sentido e o Governo Português queria encerrar o contencioso comunitário o mais rapidamente possível.
Algum tempo depois, com a saída da então presidência do ICN, foi inventada a solução da fundação para gerir as salinas, com financiamentos repartidos entre as obras públicas e a conservação (solução que sempre tinha sido rejeitada pela anterior presidência do ICN por se entender que as medidas compensatórias competem aos promotores dos projectos e o ICN não era promotor da ponte).
O movimento ambientalista aprovou e rejubilou com a solução e o Governo contratou para presidir à fundação um anterior presidente da QUERCUS, José Manuel Palma (tive com o José Manuel Palma, nessa altura, uma discussão na lista Ambio a propósito das razões para essa nomeação, defendendo eu que não conhecia nada no seu curriculum que aconselhasse a nomeação a não ser a possibilidade de suavizar as críticas das ONGAs ao processo da ponte Vasco da Gama, o que naturalmente foi contestado pelo José Manuel Palma, que expôs as suas razões razoáveis para essa nomeação mas que até hoje não consegui entender).
Depois a fundação contratou Manuel Pedro para a assessorar juridicamente, Manuel Pedro contratou Carlos Guerra, entretanto saído da presidência do ICNB onde tinha aceitado a fundação como boa solução, para colaborar nos projectos da Barroca D'Alva, também na zona de Alcochete, e contratou José Manuel Palma para lhe fazer os EIAs dos seus projectos para as secas do bacalhau, também na zona das salinas.
E a fundação foi-se afundando sem honra e sem glória, sem que até hoje se saiba muito bem o que daí resultou para o bem público e para a compensação dos impactos da ponte Vasco da Gama.
Durante esse tempo de vez em quando o movimento ambientalista protestava contra o facto da fundação estar sub-financiada porque a conservação não entregava a sua metade do financiamento anual à fundação, como tinha ficado previsto.
Que tudo isto, por mais legal que seja, e acredito que o seja, revele demasiada endogamia e falta de avaliações sérias de resultados pareceu não preocupar demasiado o movimento ambientalista.
Eu, que sempre me pronunciei contra esta medida compensatória, contra o modelo da fundação, contra o modelo de financiamento da fundação, contra o modelo de gestão da fundação e contra a opacidade dos seus resultados, por razões abstractas de transparência na gestão de bens públicos, nunca imaginei que, infelizmente, a realidade viesse a demonstrar de forma tão clara e concreta as razões abstractas que me moveram.
henrique pereira dos santos

sexta-feira, fevereiro 06, 2009

Quanto vale uma foto?


Declaração de interesses: há cerca de 15 anos que não vendo uma única foto

Há já algum tempo que ando para escrever um post sobre Fotografia de Natureza. Tinha na calha escrever sobre as credenciais que o ICBN anda a passar e desta necessidade daquele Instituto controlar tudo e desconfiar de todos, mas acontecimentos recentes levaram-me a deixar esta temática para um próximo post que publicarei posteriormente.

Há alguns dias atrás, um amigo chamou-me a atenção para um "preçário de serviços de visitação do ICNB", publicado no site do ICNB. Neste documento, são estabelecidos preços a cobrar por aquele Instituto nas visitas, utilização das suas estruturas, filmagens e sessões fotográficas (associadas a actividades económicas) e acções promocionais. Refira-se, desde já, que quando visitei este documento pela primeira vez a informação de apoio era praticamente inexistente, o que potenciou (e potencia) a polémica expectável que este documento iria ter, como se pode ver aqui ou aqui. Alguma informação de apoio foi entretanto introduzida aqui, bem como na própria tabela, mas permanecem diversas dúvidas sobre quando e como se aplicam estas taxas.

Quanto à Fotografia de Natureza, as questões que me inquietam estão, no entanto, a montante da aplicabilidade daquela tabela. Em primeiro lugar, questiono-me se é aceitável que se cobrem valores para fotografar dentro de áreas protegidas (deduz-se que o preçário é exclusivamente para aplicar em áreas protegidas, mas nem isso é claro)? Será justo que um fotografo de Natureza, que pretenda utilizar comercialmente as fotos que faz, seja taxado por isso, para além de ser tributado através dos seus impostos? Tenho dúvidas. E é aceitável que, em tempos de crise financeira, enquanto nuns países se procuram baixar impostos, tentando revitalizar a economia, outros, passem completamente ao lado, agravando a tributação?

Quanto ao valor... terão tido em consideração a realidade nacional? A mim, parecem-me verdadeiras exorbitâncias. Foram minimamente auscultados aqueles que serão os principais afectados por esta medida? E as suas opiniões tidas em consideração?

Compreendo as motivações financeiras do ICNB, mas temo que, se se persistir nesta lógica de obtenção de receitas a todo custo, o que terão, da parte da comunidade de fotografos de natureza portugueses será (já é) seguramente uma boa dose de má vontade e de falta de colaboração. Ainda menos solicitarão as referidas credenciais para fotografar "espécies sensíveis". Quanto às receitas, no futuro veremos o que esta política, aliada à enorme falta de capacidade de fiscalizar, produz. Um tiro no pé.

Gonçalo Rosa

Nota: De acordo com o disposto no site do ICNB, entende-se por sessões fotográficas, enquanto actividade económica, todas aquelas que se destinam a fins comerciais, não estando por isso contempladas as fotografias tiradas pelos visitantes em actividades de lazer. Valha-nos isso...

segunda-feira, fevereiro 02, 2009

Boys for the jobs!


Pelo menos nesta fase, prefiro não contribuir para alimentar a presunção de culpabilidade que, à menor suspeita, lançamos sobre tudo o que é político. Refiro-me, obviamente, às suspeitas de "luvas", corrupção e favores políticos. Se é verdade que muitos dos nossos governantes são responsáveis por este clima de suspeição generalizado presente na nossa sociedade, creio que este tipo de julgamentos desembocam amiúde noutros fundamentalismos que minam a democracia.

No entanto, creio igualmente importante discutir os "procedimentos administrativos" tomados, aliás, hoje bastante mais conhecidos que os eventuais crimes anteriormente referidos. Os últimos posts do Henrique Pereira dos Santos, que acompanhou parte considerável deste e de muitos outros processos são bastante elucidativos. O Público de 31 de Janeiro passado, publicou uma notícia - "Técnicos que deram parecer negativo afastados pelo ICN do licenciamento do Freeport" - que evidencia um dos mecanismos criados há cerca de uma década atrás se a memória não me falha, que facilita que algum "expediente administrativo" seja executado à medida do desejado pelas cúpulas políticas que governam o país.

Da referida notícia, saliento estes dois parágrafos:

No parecer daqueles dois técnicos de Junho de 2001, citado no "Expresso", é dito que "o projecto não poderá ser viabilizado", tendo em conta que "contraria formalmente o previsto no Plano Director Municipal (PDM) de Alcochete (...) e Reserva Ecológica Nacional (REN). Diziam que por isso não faria sentido prosseguir o processo de Avaliação de Impacte Ambiental (AIA).

Mas alguns dias depois o director do DSAAP, Carlos Albuquerque, dizia que discordava não fizesse sentido prosseguir o processo e a 11 de Setembro passou a conduzi-lo directamente.


O mecanismo a que me refiro é o dos cargos de chefias intermédias terem passado a ser por competência técnica (sujeitos a concurso público) quando anteriormente eram de nomeação política. O que até parecia fazer todo o sentido. Mas na prática, este procedimento foi permitindo, em diversos casos, controlo político (através de concursos feitos "à medida"), transparecendo para a opinião pública que os responsáveis haviam sido nomeados por critérios meramente técnicos. Em muitos casos, mantiveram-se as nomeações políticas agora camufladas por aparentes critérios de competência técnica.

Desde já refiro que não faço julgamentos de circunstância, muito menos quando nem sequer tenho dados objectivos para tal. Mas são, em boa parte, procedimentos administrativos pouco claros como este que potenciam as suspeitas existentes na sociedade civil. E não deviam, porque também eles minam a democracia.

Gonçalo Rosa

domingo, fevereiro 01, 2009

O empreendimento do Meco



O empreendimento do Meco foi o símbolo político escolhido para mostrar um empenho político na contenção dos desmandos na gestão do território e a independência e coragem face aos interesses, nomeadamente os da construção civil, tradicionalmente apontados como um cancro ambiental para o país.
Era um projecto com todas as licenças e mais algumas (faltava apenas um alvará que a Câmara se recusava a passar, mesmo depois do tribunal a instar nesse sentido) mas situado numa zona onde hoje dificilmente seria aprovado (pelo menos da forma como tinha sido há muitos anos atrás).
Hoje provavelmente seria apresentado como um investimento externo estruturante de capitais estrangeiros (o investidor era alemão), um verdadeiro projecto de interesse nacional face aos critérios vigentes.
Mas na altura era a face visível de como os direitos adquiridos e os interesses obscuros nos roubavam o direito à conservação e à fruição do património ambiental de todos.
Pessoalmente achava na altura o que acho hoje: não se devia executar aquele projecto naquele local e o Estado, tendo claramente reconhecido, inclusivamente por via judicial, os direitos do promotor, deveria pura e simplesmente retirar as autorizações e pagar as respectivas indeminizações.
Várias vezes em vários sítios defendi este ponto de vista, muito mal visto pelo movimento ambientalista por se considerar inaceitável que o dinheiro dos contribuintes servisse para enriquecer os malandros que tinham licenças que nunca deveriam ter tido (algum tempo antes tinha havido grande polémica pelo custo da paragem da pedreira do Galinha por causa das pegadas de dinossauro).
Os mesmos protagonistas do caso Freeport (com a troca de secretários de estado, se não me engano) adoptam a mesma lógica de resolução do problema:
definição clara de objectivos, pressão política sobre a administração (devo dizer que esta pressão é razoavelmente legítima, se feita cumprindo as regras) e recurso a todos e quaisquer argumentos legais e administrativos para contrariar os direitos efectivamente existentes sem pagamento de indeminizações, chegando-se ao recurso do ICNB comprar uma pequeníssima parcela de um terreno (não sei a que preço e com que métodos) que não pertencia ao promotor para invocar a invalidade do alvará, visto que assim nem todos os donos de terrenos envolvidos estariam de acordo com o projecto.
A diferença substancial e relevante é a natureza diametralmente oposta do objectivo face ao Freeport: aqui não se tratava de aprovar o projecto mas de o inviabilizar.
E resistindo a todo o tipo de pressões, incluindo as diplomáticas por parte do Estado alemão, a posição foi mantida pelo Estado Português até à mudança de Governo.
O novo Governo optou por outra solução: negociar com o promotor compensando-o pela não construção naquele local mas dando-lhe capacidade contrutiva noutro local (a mata de Sesimbra) sendo que hoje está tudo embrulhado numa investigação judicial, acho eu (a ideia de que conceder capacidade construtiva onde ela não existe como pagamento seja do que for é uma prerrogativa legítima dos decisores é uma maiores fontes de corrupção no país, diria eu sem ter dados, mesmo parecendo a solução ideal em que todos ganham e ninguém perde).
Na altura quase toda a gente de que me lembro bateu palmas à firmeza e à coragem de inviabilizar o empreendimento, quer na imprensa, quer no movimento ambientalista.
Já nessa altura eu disse desse processo (que conheço pior por não ter estado envolvido nele) o mesmo que tenho dito do Freeport: tal como no design, a função e a forma das decisões de política pública não podem ser dissociadas e, indepentemente do resultado ser o que se pretendia porque efectivamente não se construiu naquele local, a adopção dos métodos errados para a obter é um risco elevado para o Estado e para a gestão da res publica (como aliás acho que o tempo veio demonstrar).
Refira-se que grande parte disto resulta do facto de haver uma opinião pública que acha que a conservação do património é uma actividade essencialmente regulamentar que se obtém pelo exercício da autoridade do Estado e não uma opção da sociedade que exige recursos e tem custos que obrigam a uma permanente avaliação do equilíbrio entre a lógica regulamentar e a lógica negocial e de parceria entre o Estado e os cidadãos.
Espero que para os que associam imediatamente "originalidade" processual a corrupção no caso em concreto, fique demonstrado que o mundo é mais complicado do que parece e que entre branco e preto há muitos tons de cinzento.
E é exactamente por ser tão difícil distinguir em cada caso concreto o que separa o voluntarismo na defesa do bem comum, da esperteza a favor do bem privado que é fundamental não saltar etapas e não sair das regras processuais estabelecidas, por mais incómodas que possam parecer naquele processo em concreto.
E deixar à polícia o que é da polícia, deixando à política o que é da política.
Se as regras são más (e no ordenamento e ambiente muitas vezes são), que se mudem em abstracto, para todas as circunstâncias e pelo métodos normais em Democracia, mas que não se deixem de aplicar a cada caso concreto até que estejam formalmente alteradas.
henrique pereira dos santos

segunda-feira, janeiro 19, 2009

Por detrás das palavras



Na Conferência Natureza e Sociedade, organizado pela LPN, em Dezembro de 2008, o Presidente do ICNB fez um discurso intitulado "A perspectiva do ICNB. Que estratégias para a conservação da natureza", já conectado a este portal por Henrique Pereira dos Santos em post anterior a este.

É um discurso que revela diversos pontos preocupantes, realçando sistematicamente a competitividade do ICNB, que é algo que me causa arrepio, bem como a optimização de recursos e o combate ao desperdício, com o qual todos concordamos mas que, amiúde, parecem significar mais cortes orçamentais.

Evidencio o seguinte trecho: "O pagamento de um serviço de gestão dos ecossistemas não pode ter uma contraprestação de subsídio mas um contravalor que, no mix dos que derivam da venda de outros produtos e serviços torne equilibrado, digno e estável o modo de vida". Nos casos em que é possível transferir as mais valia de determinado produto/serviço para o seu preço, de acordo. E nos outros, em que isso não é possível? É aceitável que o Estado se alheie da sua responsabilidade de suportar/subsidiar produtos e serviços de grande relevo para a gestão e preservação de valores naturais?

Não questiono a importância da "participação dos agentes económicos e da sociedade civil em geral na gestão e preservação dos valores naturais". Mas aquele e outros trechos do texto revelam a outra face da moeda que é a desresponsabilização do Estado nesta (e noutras) área.

Tenho uma visão bastante liberal da execução de medidas de Conservação da Natureza, entendendo que várias das responsabilidades do Estado podem e devem ser transferidas para o mercado, o que é totalmente distinto de defender um total alheamento do Estado. A reboque da crise e do desequilíbrio das contas públicas.

Gonçalo Rosa

quarta-feira, janeiro 07, 2009

Perder dez para ganhar vinte


A partir de hoje e até ver deixei de ser funcionário do ICNB.
As razões para esta opção são várias:
gosto de mudar sempre, nem que seja para pior;
está chato trabalhar na função pública;
tenho dificuldade em encaixar-me no actual ICNB.
Aqui se pode ler uma espécie de programa do actual ICNB.
Não quero, nem devo fazer a análise crítica deste texto.
A minha clivagem pode talvez resumir-se neste parágrafo: “Se, ..., é necessário por vezes perder 10 para ganhar 20, em termos de valores, então que o façamos para salvaguardar que, mais tardar percamos tudo o resto, por ausência de actores ou pela sua resistência incompreendida.”
Conheço esta argumentação de anos a fio a procurar explicar que em matéria de conservação e biodiversidade as perdas são geralmente certas mas os ganhos são mais que incertos, sobretudo no longo prazo.
Sei como esta argumentação é sedutora para os decisores e agentes económicos.
Mas sei também como, por ser falaciosa, é liminarmente recusada pela Directiva Habitats que explicitamente refere que as medidas compensatórias (ou seja, o que permite ganhar vinte) não podem ser levadas em linha de conta na decisão de perder dez.
O que a Directiva Habitats explicita é que havendo a perda de dez, e sendo essa perda imprescindível por ausência de alternativa e corresponder a um interesse público sobreponível à política de conservação, então que se procure ao menos ganhar vinte através de medidas compensatórias, o que é bem diferente de defender a perda de dez para ganhar vinte no futuro.
Ao fim de anos a argumentar isto, muitas vezes numa situação difícil face à capacidade de sedução da ideia de compensação como mecanismo de harmonização de posições, de repente achei-me em sérios riscos de ser atingido por fogo amigo.
É possível, porque tudo é possível, que eu avalie mal a situação mas pelo sim pelo não achei que era tempo de admitir que estava como a Teresa Baptista, cansado da guerra.
E também por isso deixei de ser funcionário do ICNB por uns tempos, esperando sinceramente que eu esteja errado nos pressupostos da minha decisão.
henrique pereira dos santos

domingo, dezembro 14, 2008

Ordenamento e gestão de áreas protegidas III

Dante a beber água do lethes (o rio do esquecimento)
Sendo a questão da gestão dos guardas e vigilantes a pedra de toque de uma boa gestão das áreas protegidas espanta-me que a discussão não passe de dois temas: o seu número (toda a gente está de acordo em que há um déficit de vigilantes, com excepção de quem pode decidir a alteração da situação, isto é, o Ministério das Finanças e o Primeiro Ministro); a mercearia (melhoria de estatuto, melhoria remuneratória, progressões de carreira, fardas em condições, etc.).
Não estou a desvalorizar a mercearia nem a necessidade de aumentar o número e a presença dos vigilantes nas áreas protegidas, estou apenas a dizer que é preciso ir mais longe na discussão.
Por que razão é possível, mesmo nas actuais condições das finanças públicas, recrutar 2000 polícias e não é possível recrutar 200 vigilantes da natureza?
Uma parte da resposta pode ser dada dizendo que grande parte das funções de polícia que se consideraram como fazendo parte das funções dos vigilantes são actualmente mais eficazmente exercidas pelo SEPNA, pelo que se justifica reforçar o SEPNA e não um corpo específico de vigilância que nem é um corpo de polícia (se o fosse, como os guardas florestais, a esta hora estaria provavelmente integrado na GNR).
Mas a verdadeira resposta não é essa, a verdadeira resposta é que a opinião pública valoriza as questões de segurança (ou de insegurança) mas não valoriza a boa gestão das áreas protegidas que mais do que qualquer outro factor depende da capacidade e da presença dos vigilantes que se sentir no terreno.
E não valoriza porque em bom rigor a opinião pública não sente que a política de áreas protegidas seja uma política de defesa do património da nação. Ao contrário dos Estados Unidos, onde os parques nacionais sempre foram entendidos como uma parte do território que era reservado pelo Estado para o usufruto da nação e onde a designação de um parque nacional é feita pelo Senado, em Portugal as áreas protegidas nascem tarde e como expressão de interesses corporativos (antes do 25 de Abril, dos florestais, depois, como reacção, dos ambientalistas).
É isso que permite que responsáveis dos mais variados sectores digam oficialmente as barbaridades que dizem sobre o ICNB (a autoridade nacional a quem o Estado delega a execução de uma política nacional expressa na lei) sem que ninguém os demita.
Por ter este entendimento das coisas eu defendi em várias circunstâncias que a designação de áreas protegidas deveria ser feita na Assembleia da República.
Ideia que não tem o menor apoio, quer nos adversários da política de conservação da natureza, que acham que era o que mais faltava que a Assembleia perdesse tempo a tratar de passarinhos e ervas, quer do movimento ambientalista que acha que isso ia complicar muito a designação de uma área protegida, tornando quase impossível a sua designação.
Aqui chegado retomo a ligação com a questão dos vigilantes.
Reforçar o corpo de vigilantes é difícil, não só porque a nação não o valoriza mas porque as suas funções e utilidade estão muito mal definidas.
Em Portugal poderemos ter vigilantes a fazer de trabalhadores rurais e a fazer de biólogos que o tratamento remuneratório e de estatuto é sempre o mesmo. Por outro lado, se as funções de polícia foram de certo modo deslocadas para outros corpos, o que se pretende que os vigilantes façam? O que tem de específico a função de vigilante?
A verdade é que estas questões têm sido pouco trabalhadas, sendo que toda a gente diz que os vigilantes são fundamentais, todos os responsáveis lhes dão palmadinhas nas costas mas se quiserem progredir e se valorizarem profissionalmente a primeira coisa que pedem (com razão) é que os mudem para a carreira técnica.
O Estado não tem flexibilidade para ter uma política de contratação de vigilantes que permita ter os melhores recompensados e os piores com estatutos adequados ao que efectivamente fazem.
A minha opinião, de tão radical raramente a expresso por saber que é inútil, é que o estatuto de vigilante não deveria estar associado a uma carreira mas ser uma função que se exerce temporariamente, que deveria ser a elite de todas as carreiras.
Ser vigilante deveria estar ao alcance de qualquer das categorias da função pública mas ter uma remuneração suplementar, com obrigações suplementares e condições suplementares quanto ao acesso ao exercício da função, sempre temporário e sujeito a avaliação periódica das condições para o seu exercício.
Técnicos superiores, administrativos, trabalhadores rurais, especialistas, académicos deveriam poder ser vigilantes que basicamente seria uma função de presença no terreno, quer em vigilância propriamente dita, quer na proximidade das populações, quer na integração nos mecanismos de monitorização da biodiversidade.
Não tenho a menor expectativa ou esperança de nos dias da minha vida ver aplicada esta ideia.
Mas que faria bem mais pela boa gestão das áreas protegidas que os melhores planos de ordenamento, disso não tenho a menor dúvida.
Tanto mais que estaria verdadeiramente criado o mecanismo de retroacção que permitiria ir adequando cada vez mais os planos à realidade em cada uma das suas revisões, ao contrário do que hoje acontece em que cada revisão de um plano é sempre um novo e difícil renascimento que apaga da memória tudo o que se aprendeu antes.
A matéria aliás do meu próximo post.
henrique pereira dos santos

Ordenamento e gestão de áreas protegidas II


A questão que deixei pendurada era a de saber se todos os que reclamavam planos de ordenamento e os consideravam estratégicos para a gestão das áreas protegidas coincidiam no que esperavam obter através da sua existência.
A minha convicção é a de que havia, por trás da aparente unanimidade acerca da urgência de dotar as áreas protegidas com planos de ordenamento, uma enorme divergência de opiniões sobre a sua utilidade.
Haveria um posição com pouco interesse, mas que por ser largamente maioritária merece alguma atenção, e que era a dos que queriam dizer qualquer coisa sobre áreas protegidas, não percebiam grandemente do assunto e protestar contra a falta de planos de ordenamento era sempre uma boa solução. Para estes seria difícil responder para que os queriam e que problemas pretendiam que fossem resolvidos com os ditos planos mas raramente isso lhes era perguntado (até porque a maioria dos agentes mediáticos nem se lembraria de fazer a pergunta de tal maneira parecia evidente a necessidade de planos de ordenamento).
Esta posição é mãe de muitos equívocos, quer durante a elaboração, quer durante a discussão, dos planos.
O principal destes equívocos é querer condensar todos os problemas de gestão na questão do ordenamento, o que cria expectativas excessivas quanto ao que mudará com a sua aprovação e tem o seu corolário na actual indiferença ou desvalorização do facto de todas as áreas protegidas nacionais terem agora planos de ordenamento e afinal não ficarem resolvidos os seus problemas de gestão de um momento para outro.
Ora os planos de ordenamento são apenas uma peça da gestão das áreas protegidas. E estão longe de ser a peça chave para uma boa gestão das áreas protegidas.
Eu não tenho dúvidas de que se tivesse de optar entre ter um bom plano com uma má gestão ou um mau plano com um boa gestão seria esta última que escolheria.
O bom governo das áreas protegidas poderia resumir-se a partir dos seguintes factores chave:
Uma base legal, de que os planos são apenas uma parte, embora relevante;
Um planeamento, de que os planos de ordenamento são apenas uma parte a quem muitas vezes se pede mais do que se devia, procurando que os planos de gestão e coisas que tal se encaixem forçadamente no que não passa de um regulamento administrativo, que é o que os planos de ordenamento são;
Um equilíbrio sensato de funções, evitando a armadilha de procurar que as áreas protegidas sejam olhadas como a chave para resolver problemas que não são a sua razão de existir, como o desenvolvimento local, mas também a armadilha do autismo conservacionista que o impede de se relacionar positivamente com as pessoas e a sua economia;
Recursos adequados e sustentáveis, matéria de clara competência política, o que em Democracia quer dizer sobretudo sensível ao ambiente social, razão pela qual é útil explicar que a subdotação de recursos para a área da conservação em Portugal (não necessariamente do ICNB) é apenas o resultado do que pensamos que sejam as prioridades de afectação de recursos do país;
Uma correcta identificação de parceiros e aliados;
Programas de avaliação permanente, matéria em que todos sabemos que Portugal tem um déficit abismal;
Liderança e transparência
E, por fim, o que o consenso sobre os factores chave para uma boa gestão das áreas protegidas refere como sendo a pedra angular: guardas, vigilantes, vigilantes, guardas, guardas, vigilantes, vigilantes, guardas.
Existem várias formas de organizar este factor, a portuguesa tem aspectos interessantes, como a articulação entre os aspectos mais estritamente policiais, em que o SEPNA, e a meu ver, bem, tem vindo a ganhar peso e todas as outras funções específicas da função de vigilante, e aspectos dramáticos como a forma como a contratação pública trata este factor chave para o sucesso das áreas protegidas.
Será esse o tema do post seguinte.
henrique pereira dos santos

Ordenamento e gestão de áreas protegidas


Um comentário ao post anterior merece, pelo conjunto de questões que levanta, algum detalhe nas explicações que não caberiam na caixa de comentários.
Na medida em que conseguir gostaria de ir respondendo com alguns posts sempre com o mesmo título, de que este seria o primeiro.
Começo por reafirmar o que o meu post anterior pretendeu dizer: havia várias áreas protegidas nacionais sem planos de ordenamento. Esta questão era considerada estratégica e era insistentemente reclamada. Está resolvida e aparentemente as pessoas que a reclamavam desinteressaram-se e desvalorizam-na.
Esta é uma atitude frequente em Portugal onde muita gente só está bem onde não está e só quer ir onde não vai.
O normal seria as pessoas que se interessam pela gestão das áreas protegidas terem uma agenda e avaliar o cumprimento dessa agenda, protestando quando não se cumpre, apoiando quando se cumpre.
Lembro-me, penso que já o disse, que quando a presidência do ICNB de que fiz parte reuniu com as principais ONGs (depois reuniu muitas vezes com todas as que quiseram) e lhes pediu que enviassem a sua agenda em matéria de conservação foi para nós um verdadeiro balde de água fria.
O resultado não só era confrangedor como variava permanentemente. Dessa altura (há mais de dez anos) até hoje penso que não se alterou muito a situação: não é fácil saber qual é a agenda na área da conservação de qualquer das grandes ONGs.
O mesmo se passa em relação ao ICNB, diga-se de passagem. Apesar de por imposição comunitária e por ter uma maior estruturação haver mais estabilidade no desenvolvimento de alguns assuntos, também não é fácil perceber qual é a agenda que se mantém ao longo das diferentes direcções do ICNB (já não falo em cada direcção visto que algumas têm agendas mais ou menos definidas, infelizmente muito pouco públicas e muito pouco escrutinadas, condições essenciais para a sua estabilização e manutenção ao longo do tempo).
Ora sem agenda clara e estável é muito difícil obter resultados: não há ventos favoráveis para quem não sabe para onde quer ir.
O que se passa é que o cumprimento deste objectivo era dos poucos pontos estáveis na agenda de toda a gente.
E está cumprido, o que merece que se registe que está cumprido.
Questão diferente, que ficará para outro post, é a de saber se toda a gente pensava o mesmo quando reclamava o cumprimento deste objectivo, isto é, se toda a gente tinha a mesma percepção do que significaria o cumprimento deste objectivo.
henrique pereira dos santos

sexta-feira, outubro 03, 2008

A mulher de César

"Porque é que, em seu entender, "era difícil aceitar a proposta de adesão ao Business and Biodiversity e manter o princípio de que o ICNB não beneficiava directamente dos recursos gerados pela iniciativa"?Porquê este princípio?"
Num comentário a um post anterior surge este comentário que merece comentário.
Este princípio da iniciativa Business and Biodiversity portuguesa não é, de todo, consensual. Até agora, pesem as sugestões em sentido contrário, tenho (e digo tenho porque tenho a plena consciência do meu papel pessoal neste ponto) conseguido mantê-lo como característica essencial da iniciativa na sua versão portuguesa, ao menos até a iniciativa ter ganho credibilidade suficiente, como têm afirmado alguns responsáveis que defendem a sua abolição a prazo.
As razões que me levam a defender com unhas e dentes este princípio prendem-se com questões de fundo (a credibilidade da iniciativa e do ICNB na iniciativa) e com questões pragmáticas.
As questões de fundo prendem-se com a separação de funções que é bom que exista permanentemente entre execução e avaliação. Se o ICNB passar a ser beneficiário da iniciativa imediatamente a iniciativa será rotulada como uma manobra do Estado para se financiar sem aumentar impostos e sem ter de fazer escolhas. Como consequência o ICNB estaria permanentemente sob a suspeita de que o fundamental seria ter recursos abundantes e portanto a relevância da iniciativa para a Biodiversidade (e sobretudo para a integração do conceito de biodiversidade na gestão empresarial, que é o que verdadeiramente norteia a iniciativa) seria provavelmente substituída pela interesse do ICNB em ter recursos. Daí até o ICNB ser acusado de aceitar, se não mesmo promover, o uso da iniciativa para estrito "green washing" das empresas seria um passo.
Se é certo que desde o início o ICNB deixou claro que a iniciativa não teria outro sistema de escrutínio e de validação dos compromissos das empresas que não o público, é também certo que a opção do ICNB nunca ser beneficiário directo da iniciativa lhe permite estar numa posição de neutralidade e de distância que aumenta as probabilidades de sucesso das iniciativas de reforço da transparência que tem tomado para facilitar o escrutínio público da iniciativa.
As razões pragmáticas são simples: muitas empresas, e muitas das que actuam mais seriamente no mercado, detestam dar dinheiro ao Estado porque acham que já pagam impostos que cheguem e o Governo que faça as suas opções na aplicação dos recursos públicos. O facto de desde o início o ICNB não querer ser receptáculo de recursos tem permitido aproximar empresas que doutra forma não estariam disponiveis para pensar na biodiversidade.
E eu admito que tenham razão. Basta olhar para a gestão do fundo florestal permanente, que deveria financiar as alterações estruturais da floresta de modo a torná-la mais resiliente aos fogos mas que tem sido usado sobretudo no financiamento do Estado, apesar de mais de 90% da floresta ser privada ou comunal.
Por último pessoalmente fico muito satisfeito por se ter optado por este princípio porque me parece que um dos problemas centrais do sector da conservação em Portugal, desde há muitos anos, é o peso excessivo do ICNB no sector (por isso, quando passei pela Presidência do ICNB como ajudante, optámos por não candidatar projectos do ICNB ao life, libertando esta fonte de financiamento totalmente para outros agentes de conservação como autarquias, associações, empresas). Ora com esta opção não só não se contribui para esse peso excessivo do ICNB como tem havido um número muito interessante de parcerias entre empresas, ONGAs e centros de investigação (em função das opções das empresas) que obriga a um reposicionamento do sector já que a maior vantagem competitiva era a capacidade de influência junto do ICNB (modelo que algumas ONGAs aliás tentaram usar para aceder aos recursos criados pela iniciativa) e agora passa a haver mais e mais fortes fontes de recursos para a conservação que obrigam a redefinir o modo de actuação.
Subsiste uma fragilidade estrutural da nossa sociedade: a iniciativa BB obriga a que exista um escrutínio público forte e a situação de várias ONGAs que têm receio de assumir o seu apoio à iniciativa por causa dos seus sócios que não veêm com bons olhos a ligação a empresas mas em simultâneo são das mais beneficiadas por parcerias com empresas, leva-as a querer passar entre os pingos da chuva não gostando sequer de falar do assunto. E isso diminui muito a capacidade de escrutínio público daquilo que fazem as empresas, o que é um risco elevado.
Felizmente esta é uma iniciativa global e a academia começa a olhar para ela como objecto de investigação. O que é bom e aumenta o escrutínio. Infelizmente ainda existe o hábito de escrutinar mais intensamente as empresas aderentes à iniciativa sem avaliar o posicionamento dos seus concorrentes que não fazem nada.
E isso é profundamente injusto para as empresas que assumem o risco de se comprometer publicamente com a conservação da biodiversidade.
henrique pereira dos santos

sexta-feira, maio 02, 2008

Novo Presidente do ICNB

Por estes dias tomou posse um novo presidente do Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade.
Este foi o seu discurso de tomada de posse:
"Exmo Senhor Ministro do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional, Senhores Secretários de Estado, minhas senhoras e meus senhores:
Apenas duas breves notas neste momento em que assumo a responsabilidade de conduzir os destinos do ICNB.
A primeira para agradecer a confiança profissional e pessoal que o Senhor Ministro e o Senhor Secretário de Estado do Ambiente depositaram em mim ao convidarem-me para aceitar a concretização deste projecto.
A segunda para manifestar-vos a minha firme disposição de sair vencedor deste desafio, o desafio de contribuir para que o ICNB se afirme como uma organização competitiva:
- competitiva desde logo no core business da sua actividade: a gestão da conservação da natureza e da biodiversidade – para tanto conto com todo o saber e toda a dedicação dos seus colaboradores; uma gestão que se deseja mais activa, mais inovadora, nos domínios não apenas técnicos e científicos, mas também organizativos e financeiros
- competitiva na capacidade de atrair todos os actores do desenvolvimento sustentável fomentando a cooperação e a parceria na concretização de projectos e iniciativas que contribuam para essa gestão activa. Sempre convictos mas sempre disponíveis para encontrar os equilíbrios que permitem as soluções.
- finalmente, dando passos significativos na mobilização desse autêntico exercito adormecido que, no futuro, garantirá que a conservação da natureza e da biodiversidade fará, de forma natural, parte da atitude de todos nós perante a vida. Refiro-me, aos cidadãos, aos nossos jovens, à nossa população. “Levar a natureza à cidade para que a cidade possa conservar a natureza” A abertura do ICNB ao exterior é uma condição para a sua competitividade.
Assumirei este projecto com o mesmo profissionalismo que noutras ocasiões e em outros projectos de outras actividades sempre o fiz
Muito obrigado!
Tito Rosa"

domingo, março 16, 2008

Escola na natureza

Declaração de interesses: este projecto está neste momento sob a minha responsabilidade.

O ICNB tem um projecto que irá terminar a sua fase piloto neste ano e entrará num ano zero de desenvolvimento no próximo ano lectivo. Nesta fase piloto terá tido a participação de cerca de seis a sete mil alunos divididos pelos quatro anos que durou esta fase.
O projecto descreve-se em poucas linhas: consiste em levar todos os meninos do oitavo ano de escolaridade a passar três dias (duas noites) numa área protegida usada como recurso para a escola leccionar o programa lectivo normal.
Em relação à fase piloto há diferenças significativas: o tempo, que passa de dois dias (uma noite) para três dias, a alteração do acompanhamento dos alunos que passa a ser dos professores e não do ICNB e a alteração da origem de financiamento do ICNB para a escola.
E sobretudo a diferença de ambição: atingir anualmente 130 000 mil alunos em vez dos mil a dois mil alunos.
O projecto constitui uma enorme operação logística (deslocar mais de 130 000 pessoas, assegurar mais de 250 000 mil dormidas e mais de meio milhão de refeições em áreas maioritariamente economicamente deprimidas e com poucas infra-estruturas de suporte) e consequentemente tem um custo de operação enorme (estimam-se 10 milhões de euros anuais, não contando o investimento em infra-estruturas, sobretudo de alojamento).
Está fora de causa olhar para estes números e esperar que os orçamentos do ICNB ou do Ministério da Educação suportem o projecto em fase de cruzeiro (a atingir em cinco a dez anos, dependendo da capacidade de mobilizar o alojamento em áreas protegidas).
Mas está também fora de causa resignarmo-nos à apagada e vil tristeza de poucos alunos em Portugal terem a oportunidade de usar as áreas protegidas como recurso pedagógico, ao menos uma vez na vida.
Estes números apontam para custos per capita de 70 a 80 euros, o que estará ao alcance de muitas famílias mas não de todas. O objectivo é conseguir uma participação média de financiamento directo pelas famílias de 50% do custo do programa, sendo que umas pagarão 100% e outras zero.
Este projecto só é possível se for verdadeiramente um projecto nacional e não do ICNB. Conseguir isso é o principal desafio que o ICNB tem pela frente para pôr de pé o projecto (para além de capacitar as áreas protegidas para este uso, apoiar os professores na exploração pedagógica das áreas protegidas e apoiá-las no duro trabalho de auto-financiamento da actividade).
Todas as indicações que temos neste momento, quer de prestadores de serviços contactados e que provavelmente nos permitem descer as estimativas de custo, quer de empresas que queremos envolver no financiamento do projecto quer mesmo da dinâmica das escolas na angariação de fundos (apoiadas pela dimensão nacional do projecto e pelo trabalho de base feito pelo ICNB) permitem olhar para o projecto com optimismo.
Será uma boa oportunidade para os professores, peça central neste projecto de participação voluntária, demonstrarem o seu empenho num ensino diferente e mais rico.
Não tenho nenhuma razão para pensar que não será possível.
Nem para pensar que será fácil.
henrique pereira dos santos

sábado, dezembro 04, 2004

ICN tem novo Presidente


O blog da ambio tem o prazer que publicar, em primeira mão, trechos seleccionados do discurso de tomada de posse do novo Presidente do ICN, João Menezes. A publicação deste discurso, com devida autorização, é particularmente oportuna dado o espaço que recentemente dedicámos à reforma do ICN. Comentários e opiniões serão, como sempre, bem vindos.

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"Tomei posse como Presidente do Instituto da Conservação da Natureza, com sentimentos de gratidão, de responsabilidade e de confiança.

Estou grato pelo convite honroso que Vossa Excelência, Sr. Ministro Secretário de Estado, me fez, em consonância com o Sr. Secretário de Estado. O convite é porventura generoso na apreciação das minhas qualidades pessoais e profissionais. E sou talvez imodesto no meu juízo de poder ser útil nas funções em que fui investido.

É inevitável referir que o convite foi feito em circunstâncias políticas muito diferentes das actuais. Contudo, nada se alterou quanto à natureza da Gestão Pública e quanto às necessidades e aos problemas da Comunidade.

“O Governo é o mecanismo social que usamos enquanto comunidade para actuar de forma conjunta na solução de problemas colectivos. O serviço público é apenas uma das suas instituições.

A fixação dos objectivos do ICN cabe pois aos titulares governamentais, os únicos com legitimidade democrática para tal. À Presidência cumpre propor estratégias, coordenar a actuação, que se pretende eficaz e eficiente, e liderar a mudança.

Assim, em linha com os objectivos e as prioridades designados por Vªs Excªs, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, a Presidência do ICN prosseguirá as políticas de conservação da Natureza e da biodiversidade no âmbito de uma estratégia de desenvolvimento sustentado, onde a articulação e integração dos objectivos de conservação e valorização do património natural, cultural e paisagístico se assume como factor estruturante do território e dos diferentes sectores da actividade económica e social.

Estou ciente do momento e da responsabilidade que assumo neste contracto de gestão. O ICN é uma componente nuclear do Sistema da Conservação da Natureza, com uma missão crucial, em particular quando o País enfrenta múltiplos, difíceis e inadiáveis ajustamentos estruturais.

A forma como olhamos e estamos no planeta tem vindo a mudar à medida que a percepção que temos sobre o desenvolvimento da sociedade e sobre a qualidade de vida a que aspiramos se tem alterado.

Hoje, esta qualidade de vida já não é vista somente como sendo apenas dependente do desenvolvimento tecnológico e do crescimento económico. Emerge fundamentalmente de como nos integramos com o ambiente que nos envolve. Estamos assim perante a construção de um Novo Paradigma Ecológico na sociedade.

A Conservação da Natureza, a gestão das reservas, dos parques e a defesa da biodiversidade e das paisagens e sítios tem que ser assumida como aposta nobilíssima do exercício da cidadania, como atitude individual e como esforço colectivo, como instrumento essencial do desenvolvimento sócio-económico de um povo e de um país.

A missão pública que a Constituição incumbe ao Estado faz parte integrante deste esforço, não lhe é estranha, não pode ser desempenhada em conflito e não deve usar à partida a coacção e o impedimento. Deve sim, esta missão, ser prosseguida com os cidadãos, através dos cidadãos, envolvendo-os numa participação activa e não apenas meramente consultiva.

Como instrumentos fundamentais para a concretização desta aposta realço entre vários, as acções que terão de ser projectadas e desenvolvidas para a implementação da Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade; o Plano Sectorial para a Implementação da Rede Natura 2000, em fase final de aprovação; bem como os Planos de Ordenamento das Áreas Protegidas, em conclusão.

Ao ICN, desde a sua criação, então ainda denominado Serviço Nacional de Parques, Reservas e Património Paisagístico e ao labor de décadas, a todos quantos nele e com ele trabalharam e trabalham na execução deste esforço devemos todos nós, cidadãos, as Áreas Protegidas que temos e das quais desfrutamos.

Contudo, é hoje evidente a dificuldade acrescida do ICN para cumprir o essencial da sua missão, a Conservação da Natureza. Tal deve-se à não adequação da proposta de valor veiculada à evolução que a sociedade tem vindo a sofrer.

Esta incapacidade deriva essencialmente, no nosso entender, do facto de nas sociedades modernas, desenvolvidas e democráticas o poder formal e administrativo do Estado já não ser hoje, só por si, suficiente para atrair “energia positiva” para a defesa do Sistema. Isto conduz, em muitos casos, a uma postura defensiva, reactiva e inevitavelmente perdedora.

Consideramos assim, em consonância com Vªs Excªs, Sr. Ministro e Sr. Secretário de Estado, que o ICN terá de reformular a sua proposta de valor a fim de conseguir um posicionamento na sociedade que lhe garanta capacidade de resposta para actuar pro-activamente, aproveitando as novas oportunidades que se lhe deparam e assumindo um compromisso com os portugueses, assente em quatro vectores-chave interdependentes e indissociáveis:

§ Conservar a Natureza e defender a biodiversidade;

§ Disponibilizar o lazer na Natureza;

§ Desenvolver localmente a cultura, o emprego e a economia sustentáveis;

§ Posicionar internacionalmente Portugal, como país com Áreas Protegidas qualificadas e certificadas, e deste modo contribuir para a sua competitividade externa.

Esta oferta agregada deverá, no nosso entender, ultrapassar a lógica apenas da preservação, para se focalizar na da criação de valor. Para tal, torna-se necessário reequilibrar legitimidades internas e externas e apostar decisivamente na participação e envolvimento activo e permanente da Sociedade.

O envolvimento daqueles que usualmente designamos por stakeholders, neste caso externos, é, assim, uma prioridade na gestão do ICN, devendo-se procurar formas de interacção onde, entre outros, os agentes económicos, o poder local, as populações residentes intra-áreas protegidas, bem como as ONGA’s, encontrem um espaço de expressão dos seus interesses legítimos.

Para que esse espaço seja criado, devemos ter capacidade de ajustar não só o quadro referencial de prestação de serviços, como também o modelo de gestão, para que a missão e os objectivos do ICN possam ser cumpridos na sua plenitude.

Esta participação e visibilidade dos stakeholders na gestão é uma necessidade, e porventura a única via, para que os interesses da comunidade, em particular no contexto da conservação do património natural, sejam, de facto, defendidos de uma forma pro-activa e mobilizadora, com a necessária exposição à avaliação constante por parte dos nossos concidadãos.

É nosso propósito construir esse enquadramento de participação, não excluindo o desenvolvimento de projectos em comum, assente numa clara distinção entre o papel do Estado e dos privados, mas somando recursos e competências para financiar e desenvolver novos projectos, que permitam que a Conservação da Natureza, em Portugal, seja gerida no contexto de um ciclo virtuoso, onde mais interacção com os stakeholders seja sinónimo, igualmente, de mais conservação do património natural.

Até agora, referi intenções de fazer o quê e com quem, porém não posso deixar de abordar o como.

Pese embora o actual momento político que o país atravessa, é minha convicção profunda que um novo posicionamento do ICN passa por uma reforma significativa da sua organização e do seu modelo de gestão.

Há que passar de uma lógica pensada como autoridade para outra construída também em torno de competências. Passar de uma organização reactiva, centralizada e vocacionada para a análise, para outra com capacidade de resposta ágil, motivada e cujo foco é a acção em ajustamento contínuo com a sua envolvente.

Por outro lado, o quadro referencial de prestação de serviços deve agrupar, de forma indivisível, as áreas de gestão da visitação, do turismo ambiental, da educação ambiental e dos projectos de conservação do património natural.

Igualmente, o modelo de gestão deve ser orientado para uma lógica de remuneração dos serviços prestados, independentemente da origem dos respectivos financiamentos, vinculando a organização, e todos aqueles que nela se inserem, ao valor que, de facto, criar para a comunidade.

Deverá ser no contexto destes novos modelos que os stakeholders encontrarão esse espaço de participação na gestão da Conservação da Natureza, de uma forma progressiva e gradualmente mais eficaz, vislumbrando na proposta de valor do ICN a remuneração dos seus legítimos interesses.

Não posso, finalmente, deixar de referir nesta intervenção já longa o mais importante dos recursos: as pessoas – os colaboradores do Instituto, qualquer que seja o seu cargo, estatuto e a função.

A confiança, com que inicio as novas funções, decorre do apoio, que tenho por adquirido, dos dirigentes e funcionários do Instituto. Todos, mas todos, serão necessários para a nova vida desta casa, só se excluirão aqueles que se auto excluírem.

A Presidência a que presido estará atenta aos seus direitos e deveres, às suas condições de trabalho, necessidades de formação e às suas expectativas profissionais, para que todos contribuam, de forma esforçada, criativa e motivada para a melhoria do serviço público prestado pelo Instituto de Conservação da Natureza. (...)"

quinta-feira, novembro 18, 2004

Dotar o ICN de capacidade de desempenho técnico-administrativo

Por Mário Silva
biólogo

Gostaria de repescar aquilo que o Humberto Rosa teve a oportunidade de referir na sua intervenção: é necessário não confundir a política de conservação da natureza e da biodiversidade com a política do ICN. E discutir o ICN e a sua actuação sem o enquadrar numa reflexão sobre o que deverá ser a política de conservação é, necessariamente, insustentavel e pouco consequente a médio prazo. A política de conservação da natureza e da biodiversidade compete ao Estado, na sua globalidade (aos diversos sectores da Administração Central, às autarquias, aos privados, à política externa). Isto parece-me ser consensual, e não caberá aqui desenvolvê-lo. Ao ICN, caberia assumir um papel de agência nacional para a conservação, assumindo o estatuto de autoridade nacional (tal como a autoridade nacional florestal formalmente instituída na DGRF), responsável por exercer a política de conservação emanada do Governo e do acervo legislativo, articulando os diversos sectores.

Retrocedendo um pouco, não irei aqui produzir qualquer reflexão sobre o que deverá ser uma política de conservação da natureza (poderei opinar noutra altura), e darei de barato o paradigma de que equacionar o ICN sem equacionar aquela poderá comprometer os esforços que venham a ser feitos no sentido de dotar de eficácia e eficiência o papel institucional deste último. E isto porque, dados os problemas estruturais graves com que o ICN se debate, urge encontrar soluções para repor o seu papel institucional, credibilizando-o e dotando-o de uma eficácia e eficiência mínimas para assegurar que seja evitada a ruptura da actuação do Estado nesta área. E, a curto/médio prazo surgem duas necessidades substantivas e condicionantes: (i) assegurar a capacidade técnico/científica do Estado em matéria da biodiversidade; e isto apenas será possível com a intervenção de um laboratório do Estado; (ii) dotar o ICN de capacidade de desempenho técnico-administrativo. Concentrando-me exclusivamente na alínea (ii) parece-me que será urgente (e necessariamente enquadrado na trilogia "liderança, visão estratégica e organização" proposta pelo Henrique Pereira dos Santos):

1. manter o princípio da existência de uma agência nacional para a conservação da natureza, configurando o papel de autoridade nacional para esta área e enquadrando organicamente as áreas protegidas;

2. estabelecer um plano de acção de médio prazo (10 anos) estipulando as prioridades de actuação, designadamente tendo em atenção a Estratégia Nacional de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, que orientaria a necessária reformulação estrutural e orçamental do ICN;

3. alterar a estrutura de articulação entre os serviços centrais e as áreas protegidas, criando um patamar intermédio de responsabilidade, de base territorial, com cinco ou seis polos, que permitisse assegurar o cumprimento das actividades anualmente estabelecidas, planear o exercício físico e financeiro de cada um dos polos e monitorizar essa execução; este patamar seria intermédio entre os serviços dirigentes centrais e locais (os responsáveis directos por cada área protegida);

4. imputar "rigidamente" aos seviços centrais (necessariamente reorganizados) e desconcentrados do ICN a aplicação do plano atrás referido;

5. assegurar a capacidade dirigente do ICN, a todos os seus níveis, organizada em torno do cumprimento dos objectivos estabelecidos, não esquecendo ser vital uma gestão de topo altamente qualificada nas áreas administrativa e financeira, complementares à capacidade de interpretação do exercício de aplicação da política de conservação da natureza que, insisto, deverá ser planificado para além do exercício dos mandatos governativos.

Como prosseguir nestes cinco pontos (muito genéricos), é algo que carece de algum debate ulterior.

domingo, novembro 14, 2004

Por uma reforma gradual, sólida e inteligente do ICN

Miguel B. Araújo
Investigador

Um dado é certo: não há modelo de organização institucional, por muito virtuoso que seja, que resista à falta de liderança ou de vontade política. Ora, no ICN, estes dois males têm andado de mãos dadas. Poderia outro modelo de organização institucional [i.e., acabar com o ICN e criar novas estruturas] ajudar a contrariar o processo de letargia em que caiu o ICN? – Talvez. Mas para que a reforma do modelo institucional do ICN fosse credível seria necessário, primeiro, haver vontade política para fazer obra em conservação [facto pouco credível dadas as múltiplas iniciativas com vista à retirada de competências ao ICN]. Segundo garantir que a liderança do Instituto fosse, de uma vez e para sempre, definida em função do mérito e não de preclitantes conjunturas politico-partidárias [tendência pouco provável dado o compromisso de nomear directores de áreas protegidas em função do aval das autarquias]. Terceiro assegurar que a actividade do Instituto fosse avaliada sem medo de distribuir “cenouras a quem tenha dentes” e o “cacete a quem não os tenha” [só viável se efectuado no quadro de uma reforma da administração pública que tarda em chegar].

Sem que estas condições se verifiquem nada nos garante que a alegada reforma do ICN não constitua mais uma entre várias ou que, num cenário conspirativo, venha a abrir as portas ao derradeiro enfraquecimento da política de conservação no aparelho do Estado. Excluindo o cenário conspirativo resta-nos perguntar se precisamos de mais uma reforma feita em cima do joelho? Esta pergunta é legitima já que, tanto quanto se sabe, não foi feito qualquer diagnóstico objectivo sobre os alegados males do ICN. O que se sabe é que existe má gestão, falta de rumo, desmotivação. Onde e quando começaram estes males? Porquê? Como se distribuem as responsabilidades? Que medidas seriam necessárias para romper com os vícios e problemas actuais? Estas são perguntas que deveriam estar subjacentes a qualquer proposta de reformulação do modelo institucional do ICN. Sem que sejam feitas, sem que se obtenham respostas satisfatórias, uma nova reforma arrisca-se a ser apenas mais uma entre outras. Uma fuga para a frente e mais um sinal da nossa incapacidade de planificação prospectiva de políticas.

Esta forma de conduzir o destino do País, por tentativa erro, teve o seu “momentum” mas talvez seja tempo de escrever o seu epitáfio. Se não vejamos: - desde a instauração da democracia tivemos 22 governos, dos quais 16 de origem constitucional. Destes 16 governos constitucionais apenas 3 foram levados até ao final. Os outros foram dissolvidos antes do final do mandato. Esta instabilidade contrasta com a nossa vizinha Espanha que tem aproximadamente os mesmos 30 anos de democracia mas que teve apenas 4 Primeiros Ministros (nós tivemos 13). As comparações são perigosas mas não vale a pena continuarmos a fazer de conta que a instabilidade não tem custos graves. Um dos custos óbvios é que as reformas em Portugal ou não se fazem ou quando se fazem são apressadas, mal planificadas e muitas vezes revogadas na volta do ciclo eleitoral seguinte.

Esta forma, amadora, de conduzir os destinos do País é parcialmente responsável pelo nosso retardamento estrutural. Se se verificar que o modelo do ICN não serve, que seja alterado. O ICN pode ser dividido em 2 ou 3 instituições (seguindo, p.e., o exemplo do Reino Unido). Pode também manter a mesma denominação integrando estruturas semi-autónomas no seu interior (seguindo, p.e., o exemplo da Finlândia). Existem vários modelos alternativos e a experiência diz-nos que nenhum deles é perfeito e que a sua adequação depende do enquadramento político, tradições administrativas e lentos processos de maturação. Estes são caracterizados por reformas lentas e graduais mais do que por reformas rápidas e radicais.

Mas a experîencia também indica que se as reformas estruturais são sérias estas não devem ser feitas em ciclos de desinvestimento, sob pena de serem interpretadas como pretexto para enfraquecer o sector. O que precisamos não é de menos ICN mas de melhor ICN. Esse ICN pode e deve ser um Instituto que gira melhor os seus recursos. Um ICN mais eficiente será também um ICN mais eficaz. Por este motivo considero que seria mais apropriado, no quadro actual, avançar com reformas cirúgicas sem, no entanto, alterar o modelo institucional do ICN. Estas reformas poderiam incluir 3 eixos primordiais: a) clareza de objectivos; b) aposta na qualidade da liderança; c) transparência e avaliação de resultados.

A – Clareza de objectivos
Os objectivos de conservação proseguidos pelo ICN dividem-se em dois grupos: os banais, muitas vezes, contraproducentes e que emergem dos programas anuais de actividade dos serviços centrais e das áreas protegidas [ver artigo neste blog sobre política de conservação]; e os "grandiloquentes", muitas vezes irrealistas, que emergem dos documentos de estratégia aprovados e que pouco mais fazem do que ocupar o espaço de mesas e prateleiras poeirentas dos escritórios da administração pública. Um desafio importante seria o traduzir estes documentos estratégicos em não muito mais do que 10 planos de acção, com objectivos claros, acções concretas, calendarizadas e devidamente orçamentadas. Este modelo dos planos de acção [“action plan”] é adoptado com sucesso no Reino Unido. O que se poupa em verborreia, nestes planos, ganha-se em realismo e detalhe das medidas propostas. Um sistema destes teria pelo menos o mérito de forçar o desenvolvimento de pensamento estratégico e de promover a controlo democrático do mesmo: 10 medidas concretas são passíveis de discussão e controlo; 100 medidas vagas e de cariz filosófico não são.

B – Aposta na qualidade da liderança
Não há volta a dar. Se uma empresa pretende resolver os problemas de um sector contrata o melhor profissional que encontrar para a função. A administração pública é menos flexivel mas nada justifica que se abandone o primado do mérito em favor do primado do conluio político. A condução de uma política de ambiente é tão dependente das orientações globais, de cariz político, como da capacidade de as implementar através de uma mobilização inteligente dos recursos disponíveis. Um bom profissional da administração pública é, “ceteribus paribus”, tão competente sob adminstração de um Governo PS como de um Governo PSD. Se não o for, se boicotar a tutela, então o procedimento disciplinar é o mecanismo que o deve esperar. O seu substituto no posto de trabalho deverá entrar por concurso público, não por nomeação política. Em Italia, paradigma de instabilidade política, a separação entre o Estado e o Governo foi o mecanismo adoptado para assegurar a estabilidade do País. Os Italianos compreenderam que as chefias da administração pública não podem ser alteradas cada vez que muda o Governo sob pena de prejudicar a estabilidade das políticas do Estado que, na maior parte dos casos não são, ou não deveriam ser, radicalmente alteradas com as mudanças de Governo. Não há política, seja ela de ambiente ou outra, que resista à dança das cadeiras que Portugal tem assistido desde a instauração da democracia.

C – Transparência e avaliação de resultados
A definição clara de objectivos conduz à transparência na forma com que se gastam os impostos dos cidadãos. A aposta na qualidade da liderança promove a eficiência e a eficácia da implementação de políticas. Estes dois requisitos constituem ingredientes básicos para o regular funcionamento das instituições democráticas. No entanto, sem avaliação e controlo não estão garantidos os mecanismos de correcção de erros ou desvios na condução de políticas. Mas mais uma vez este é um problema que atravessa toda a administração pública sendo dificil tratar o ICN de forma isolada. Uma possibilidade a explorar seria, no entanto, contratualizar a gestão das áreas protegidas a entidades externas ao ICN. As áreas seriam financiadas na totalidade pelo orçamento do ICN e reguladas por planos de gestão definidos pelo ICN no âmbito de contratos programa a estabelecer com empresas privadas, públicas, autarquias, fundações, ou associações. Numa fase inicial o próprio ICN poderia promover a constituição de uma empresa pública por forma a assegurar a cobertura nacional da gestão das áreas. Com o tempo esta gestão poderia ser gradualmente transferida para agentes locais sob atento controlo por parte do Estado. Procedimentos semelhantes existem, por exemplo, no Reino Unido onde algumas áreas com figura especial de conservação são geridas mediante o estabelecimento de contratos programa com proprietários ou associações de proprietários. É possível que, em Portugal, nem todas as áreas beneficiassem de uma gestão deste tipo mas o simples facto de se avançar para um esquema de gestão por objectivos, avaliável em periodos regulares, com consequências práticas para os casos de má gestão, seria um passo fundamental para a regularização e melhoria das actividades de gestão da natureza no nosso País.

quinta-feira, outubro 28, 2004

O ICN visto de dentro...

Utilizando os meios internos do ICN, divulguei o debate na ambio sobre o seu futuro escrevendo no final da nota que enviei aos meus colegas uma frase provocatória “Não se esqueçam que responsáveis não são só os responsáveis, são também os que não pedem responsabilidades aos responsáveis”.

Na volta do correio recebi uma resposta cujos extractos que abaixo se reproduzem pedi ao gestor do Blog que fossem utilizados como comentários aos textos já enviados como ilustração de um estado de espírito que existe no interior da instituição. Não retrata o ICN todo, evidentemente, mas parece-me suficientemente expressivo de uma parte.

Henrique Pereira dos Santos

*****
“… Parece-me que há um equívoco na frase que utilizas: "são também os que não pedem responsabilidades aos responsáveis". A minha experiência, nos últimos anos diz-me que o que tenho feito é pedir responsabilidades a irresponsáveis. … É a estes que peço responsabilidades? Estou muito cansado de fazer isso e há mais vida e conservação da natureza "para lá" do ICN.

Quanto ao forum de discussão da Ambio, eu fico sempre mal disposto quando leio [algumas] coisas ... Isto porque são pessoas ligadas à conservação da natureza, a quem é dado crédito ao mais alto nível … mas que nada sabem da realidade da conservação no dia a dia (o que nós sofremos para fazer qualquer coisita, o que é esbanjado, a "corrupção" de forma dos processos, as irregularidades, os abusos cometidos por funcionários e os olhos fechados dos chefes, as incapacidades de dar respostas às coisas mais simples, o acumular e prolongar de dívidas que estes serviços têm em qualquer acção que fazemos, as vergonhas que passamos e um número infinito de coisas pequenas e grandes que impedem o ICN de cumprir os seus objectivos). E nem sequer conseguem perceber que a PAC fez mais conservação da natureza que o ICN, nos últimos dez anos e que talvez fosse este o caminho a tomar. Fazer com que o ICN trabalhasse com as pessoas pagando-lhes os serviços de conservação da natureza, mesmo que o serviço fosse não fazer.

… Desculpa lá o desabafo, … mas parece-me que isto, a solução, é muito maior que os forums de discussão. Devia era haver forums de reflexão em que tudo estava caladinho e só se pensava nas situações e nos factos que lhes seriam colocados. Por exemplo, o ICN nunca gerir a floresta nas APs, O ICN ter há muitos anos a possibilidade de fazer um calendário venatório para as Áreas Classificadas e nunca o ter feito; haver … funcionários … que ganham o ordenado como os outros e nunca cá põem os pés … O ICN pagar portos de pesca … mas não comprar dispositivos de prevenção de prejuízos e de preferir dar licenças de espantamento para matar abelharucos e outras espécies. Enfim, milhares de outras coisas, algumas das quais muito, muito mais graves do que estas e muito mais importantes para fazer um diagnóstico correcto dos problemas. Já agora aproveito para dizer que também me parece que não é a falta de dinheiro que faz o ICN andar mal. Acho que até foi o excesso de dinheiro, nos últimos anos, que levou a desvirtuar a missão do ICN.

Em relação ao resto, concordamos um com o outro com a excepção do forum de discussão da Ambio. … não estou com vontade de participar em forums de discussão, nem sequer me parece que seja perceptível aquilo que quero dizer. … a maioria das pessoas sabem de conversas, de boatos, mas não vivem aquilo que vivemos nós e por isso estão em comprimentos de onda (de comunicação) muito diferentes. E eu estou cansado, muito cansado. Imagina o que é dever … x euros … a um pastor … e ter que me deitar todos os dias a pensar como e quando é que isso se vai resolver. Provavelmente, … vamos ter que pagar [nós]… porque temos mais vergonha e mais respeito pelas pessoas do que o ICN
….

… Claro que podes por tu o texto [no blog] ou apresentá-lo como excertos, ou da forma que achares mais adequada. …

Tem que haver regras base para saber quais os meios humanos materiais, financeiros e outros para dotar uma AP, seja ela reserva natural, parque natural, tendo em conta se é uma área de montanha, de litoral, etc. (o mesmo se aplica a cada divisão e direcção de serviços). Mas não havendo esta base essencial … na organização do ICN, nada se pode fazer. Nem por muito boa vontade que haja, muito voluntarismo, muito amor à camisola, que de resto servem para desculpar tudo o que sai mal, o que é "irregular" ou apontado como mal feito … Por isso é que nesta discussão da Ambio eu nem sequer consigo tomar partido. Se é para acabar com o ICN e começar do zero fazendo este tipo organização que falta, então concordo plenamente, e o que vier, que venha com o nome o com a estrutura que entenderem mas com esta organização tão necessária! Se for para continuar, por amor de Deus, "organizem" este serviço. Para dizer a verdade, acho que nunca se vai organizar esta casa porque é extremamente conveniente, em termos políticos, dar mais dinheiro para ali, outras vezes para acolá e não havendo regras, nem meio das verificar ou de as fazer cumprir, isto é sempre possível fazer. Basta ver as dotações orçamentais de Esposende ao longo de muitos anos em comparação com as dotações orçamentais de Parques Naturais. Aqui, nem o estar no litoral é suficiente para as diferenças! Bem e depois há os objectivos. O único objectivo que conheço em todo o ICN é a famosa "execução financeira". O objectivo é gastar tudo o que se tem, independentemente se é bem ou mal gasto, se é em conservação da natureza, ou não pouco interessa. Por isso é que há o desenvolvimento e muitas outras coisas "convenientes" que fazem com que paguemos, portos de pesca, saneamentos … carros do lixo, etc, etc.


Bem, desculpa lá a seca. Nada disto é novidade para ti.”

terça-feira, outubro 26, 2004

O que fazer no ICN?

Por Henrique Pereira dos Santos
Ex-Vice Presidente do ICN e Arquitecto Paisagista

Do meu ponto de vista há claramente três níveis de actuação, correspondendo ao que penso serem as três fragilidades mais relevantes do ICN:

O nível da liderança que implica que a escolha das chefias seja feita com métodos claramente diferentes do que tem acontecido. Parece evidente que não é possível liderar uma organização de forma eficaz quando não se acredita nela e se a considera ingerível. Gostaria de lembrar os casos da TAP e da RTP como organizações durante anos a fio consideradas inevitáveis sorvedouros de dinheiro e que hoje, com base em lideranças realmente interessadas nas organizações, têm uma saúde organizacional razoável.

Ao nível da visão estratégica da missão do ICN. O ICN deve claramente assumir-se como a Direcção Geral da Biodiversidade, recentrando toda a sua actividade em função de objectivos de conservação da biodiversidade. A actual amálgama de boas intenções que se consideram a missão do ICN é de tal maneira alargada e abrangente que sob o seu chapéu se pode fazer tudo e o seu contrário. Ainda a este nível o ICN deve confiar em novos e fortes agentes de conservação, criando alianças estratégicas sólidas, sobretudo com o sector primário, mas também com outros sectores económicos e sociais assumindo-se cada vez mais como a autoridade nacional de conservação, mas não necessariamente como o executor de todas as acções de conservação. Basta lembrar que a forma de aplicação da PAC pode fazer mais pela conservação num ano que dez anos de actividade do actual ICN.

Ao nível da organização a linha base de qualquer reestruturação deve ser o reforço da responsabilização interna e da abertura ao exterior. Tal significa reforçar os mecanismos de planeamento, avaliação, fiscalização e auditoria ao nível central e reforçar a autonomia na execução. Embora extensível a toda a administração pública, o princípio básico do cumprimento das regras estabelecidas, hoje completamente menosprezado, é vital para qualquer hipótese de sucesso na gestão do ICN.

O estado de fragilidade actual da instituição não decorre de dificuldades de modelo mas mais prosaicamente de más práticas de gestão como o que se conhece dos resultados da avaliação no PN da Arrábida parece demonstrar. Práticas de incumprimento reiterado da lei, de que o mais mediático exemplo é o sistemático adiamento da aprovação de planos de ordenamento, mas que se estende a toda a actividade da instituição, começando pela aplicação da lei-quadro das áreas protegidas (dl 19/ 93), velhinha já de quase 12 anos, mas que ainda hoje não se aplica a um conjunto significativo de áreas protegidas porque não foram reclassificadas, e que não se aplica a todas as outras porque os órgãos de gestão ou não são convocados (o que acontece com várias comissões directivas de áreas e com todos os seus conselhos consultivos), ou porque sendo-o, não respeitam a lei no seu funcionamento. O facto de nem um só dos responsáveis do ICN ser responsabilizado por estas práticas (que são apenas uma face visível do desprezo pelas regras estabelecidas que se verifica no quotidiano) é bem demonstrativo do grau de dissolução da autoridade do Estado decorrente da mais completa ausência de prestação de contas aos cidadãos.

Não tenho dúvidas de que o ICN tem bons e maus gestores mas as suas práticas de gestão rudimentares não permitem distinguir uns dos outros, o que só será possível com avaliação, avaliação e mais avaliação.

A permanente discussão acerca dos escassos recursos disponíveis tem servido sobretudo para criar uma cortina de fumo em relação às responsabilidades concretas que cabem a cada dirigente do ICN na situação actual (que é sobretudo de má utilização dos recursos), embora abra aqui uma excepção em relação aos meios de vigilância e fiscalização que são uma pedra de toque basilar a reforçar sem qualquer margem para dúvidas.

Alguns comentários pontuais aos textos já existentes no blog.

A questão financeira, que sem dúvida existe no ICN, não pode ser analisada apenas pelo lado da receita, pelo contrário deve ser seriamente auditada pelo lado da despesa. Não tanto na óptica da legalidade dos procedimentos, mas sobretudo na óptica da sua racionalidade face a objectivos estratégicos. Acredito que os recursos disponíveis, com excepção dos meios de vigilância, são basicamente suficientes, embora pontual e transitoriamente a questão dos recursos para o funcionamento e pagamento de salários deva ser objecto de um “contrato programa” entre o Ministério das Finanças e a Direcção do ICN. Apenas uma nota para o facto completamente absurdo de ser mais fácil obter informação financeira detalhada de qualquer parque americano na Internet que a de qualquer área protegida em Portugal, mesmo estando dentro da própria instituição.

A questão do planeamento é vital (incluindo no ciclo do planeamento a avaliação) mas esta é mais uma consequência da falta de cumprimento da lei: existem regras claras e boas sobre planos e relatórios de actividades mas nunca são cumpridas.

Naturalmente existem contas bancárias em todas as áreas protegidas, a questão central é de procedimento contabilístico e mais uma vez de responsabilização. A conta de gerência do ICN é da responsabilidade do seu conselho administrativo, e os seus membros (Presidente, Vice-Presidente e Director de Serviços Administrativos e Financeiros) são pessoalmente responsáveis pela legalidade de todas, repito, todas as acções nela contidas. Assim sendo os responsáveis intermédios podem cometer irregularidades ou ilegalidades (a contabilidade pública é complexa e cheia de normas absurdas) que a responsabilidade final por esses actos é sempre das três pessoas citadas. Percebe-se pois a sua posição balançando entre a evidência da melhoria de eficácia resultante de uma descentralização de procedimentos e o risco do abrandamento dos mecanismos de controlo central da legalidade.

A dissociação entre o futuro da conservação da natureza e o futuro do ICN parece-me uma questão prévia central para a utilidade do debate. Felizmente quem faz conservação todos os dias são os agricultores e pastores, mais que quaisquer outros e esses dependem pouco do ICN. A este respeito deixo aqui a minha perplexidade pela aparente calma social com que se aceita que o mesmo Instituto (incluindo as áreas protegidas que sistematicamente se demitem dessa responsabilidade nos seus planos de actividade) que gasta o que gasta a fazer centros de interpretação, recuperação de castelos ou moinhos ou pedreiras, portos de pesca, estacionamentos, etc. etc., seja simultaneamente devedor de milhares de euros a pastores que sustentam a nossa população de lobos. A inexistência de qualquer alarme social em relação a esta evidente imoralidade é para mim um sintoma claro de que o problema não é apenas interno ao ICN, mas que o ICN reflecte uma sociedade civil abúlica e pouco exigente.