Mostrar mensagens com a etiqueta Estado. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Estado. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, fevereiro 09, 2011

Da acédia como estado natural

Nas minhas deambulações à procura de informação sobre comboios, passei pela entrada da wikipedia sobre a CP.
O artigo é mais ou menos indigente e merece ser comparado com a entrada espanhola sobre a RENFE.
Até aqui nada de especial. Os conteúdos portugueses da wikipedia reflectem a relativa pequenez de Portugal, acentuada por alguma timidez nestas coisas de contribuir em projectos colectivos.
Mas verdadeiramente o que me escandalizou foi o quadro que reproduzo abaixo, precedido por estas frases extraordinárias:
"O presidente do Conselho de Administração é o responsável pela empresa, liderando um conselho que geralmente é constituído por cinco membros, contando com o próprio presidente. Os membros do conselho são nomeados directamente pelo ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, e exercem geralmente um mandato trianual.
Sendo um cargo de confiança política, os nomeados são geralmente membros ou independentes próximos dos dois partidos que se alternam na chefia do Governo de Portugal, o
PS e o PSD".
Nunca contribuí para a Wikipedia, nem vou fazê-lo neste caso, por isso terei de me incluir nos dez milhões de portugueses que, podendo contribuir para um artigo da wikipedia equilibrado sobre os caminhos de ferro portugueses, acabam por aceitar a normalização da ideia de que transportar pessoas e bens de forma eficiente é um trabalho de confiança política que deve ser entregue a militantes partidários.
São estas coisas que definem o nosso estado natural como país: a acédia (describes a state of listlessness or torpor, of not caring or not being concerned with one's position or condition in the world. It can lead to a state of being unable to perform one's duties in life).
henrique pereira dos santos, que não faz parte da lista (mas tem pena) e se limita a assinar este post

segunda-feira, janeiro 31, 2011

rir e chorar


Um jovem. Uma mão cheia de vontade, outra de dinamismo. Um apoio de uma câmara do Portugal rural, tão frequentemente esquecido. Mistura-se tudo com um punhado de trabalho, e lança-se o I Encontro de Fotografia de Natureza e Vida Selvagem em Portugal. Aconteceu no passado sábado, dia 29 de Janeiro, em Vouzela. O anfi-teatro local encheu-se com bem mais de uma centena de fotógrafos - amadores e profissionais - e outros amantes da natureza para uma tarde de convívio. Apresentaram-se palestras e fotos, trocaram-se contactos e experiências, combinaram-se sessões e viagens conjuntas. Ao fim, todos crescemos um pouco.

Vieram-me à memória um par de posts – Quanto vale uma foto?  e O saqueador - que aqui publiquei há um par de anos atrás, sobre as taxas que o Estado tentou implementar sem a mínima noção da realidade, com vista a sacar mais umas massas para sustentar o seu despesismo. Procurei à minha volta e não vi aqueles que, fechados nos seus gabinetes e ofuscados pela luminosidade estonteante das suas verdades, debitam legislação variegada e, desta forma ligeira, condicionam a vida dos outros. E foi pena, ganhávamos todos com isso…

com um abraço ao João Cosme, pelo Encontro
Gonçalo Rosa

quinta-feira, janeiro 27, 2011

Transportes, comboios e sustentabilidade

Na sequência das discussões, quer aqui no blog, quer na lista de discussão, sobre o comboio e a sustentabilidade, resolvi fazer um post que espero que seja mais claro sobre o que defendo nesta matéria.
Para atalhar caminho, deixo já claro que enquanto utilizador acho a gestão da CP (conheço ainda pior a da REFER, e por isso não me pronuncio) razoavelmente incompetente. Mas isso é um pequeno problema quando comparado com o grande problema: a gestão da CP é politicamente dependente de gente ainda mais incompetente.
A discussão tem sido despoletada pelas recentes decisões de fecho de algumas linhas, gerando duas posições pavlovianas: os que defendem o Governo, sempre e em qualquer altura, qualquer que sejam os argumentos necessários; os que defendem a manutenção de linhas de comboio, sempre e em qualquer altura, quaisquer que sejam os argumentos necessários.
Misturar a linha da Lousã (que é uma pura estupidez de decisores que deviam ser julgados por gestão danosa e abuso de dinheiros públicos), com a linha do Tua não tem pés nem cabeça.
No primeiro caso alguém decidiu pegar numa coisa que funcionava (bem, mal, com prejuízo, tudo isso podemos discutir, mas funcionava), desmantelá-la, e depois de desmantelar dizer que afinal se enganou nas contas e já não tem dinheiro para fazer nada do que pensou, portanto fica tudo desmantelado.
No segundo caso há uma linha que passa em sítio nenhum, que ninguém usa e que é o exemplo típico das situações em que o comboio não é a boa solução de mobilidade.
Comecemos pelo princípio: o comboio é um meio de transporte pesado que se justifica quando existem grandes números (de pessoas, de carga ou dos dois) a deslocar de um ponto a outro. Nessas circunstâncias o comboio é útil e bem mais sustentável que o transporte rodoviário. Noutras circunstâncias não é assim. À grande vantagem na capacidade de transporte o comboio alia uma baixíssima flexibilidade. Ao relativamente baixo vaor de investimento, o comboio alia um elevado custo de operação.
Ora sustentabilidade inclui sustentabilidade económica.
Faz por isso sentido perguntar se os recursos de investimento disponiveis na REFER devem ser usados na linha do Tua ou no ramal do Porto de Aveiro. Faz sentido perguntar se os recursos na CP devem ser usados na melhoria da eficiência económica dos suburbanos de Lisboa e Porto ou no ramal de Cáceres.
Sim, eu sei que me falarão do facto dos transportes públicos não terem de dar lucro, sim, eu sei. Mas isso não significa que sejam um poço sem fundo, pelo contrário, implica uma definição ainda mais clara de prioridades. E implica que seja a eficiência das linhas que podem ser economicamente sustentáveis a pagar outras onde pode haver um prejuízo sensato. E implica que o Estado seja claro no que quer dos transportes públicos, o que implica disponibilizar os recursos financeiros necessários à execução da sua política (não os necessários à existência de transportes públicos).
É claro que me fez confusão descer ontem na estação (apeadeiro?) de Paialvo e ver uma estação totalmente renovada, não há muito, e fechada. Parece ser um erro de investimento (e está longe de me parecer o único do género).
Dou de barato que existem milhares de erros desses nas políticas de investimento da REFER e da CP, que passam a vida a mudar de vida (como se demonstra com o processo da Lousã).
Mas o facto de ser possível apontar erros, o facto de ser possível apontar um monte de investimentos alternativos ainda mais estúpidos, como algumas auto-estradas vazias (um post que gostaria de ter escrito) ou coisas que não sei classificar como aquele descampado também conhecido por aeroporto de Beja não invalida que não se faça um esforço para evitar a armadilha de defender o comboio sempre e em toda a parte, defendendo-o para funções que ele nunca poderá desempenhar satisfatoriamente.
Essa é uma bela maneira de o enterrar definitivamente.
henrique pereira dos santos

terça-feira, janeiro 25, 2011

Não é o Estado, somos nós

Um dia destes foi publicada esta portaria.
Não concordo com o seu conteúdo, como já não concordava com a portaria anterior que viola o artigo Artigo 13.º da Constituição: "Princípio da igualdade 1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser ... isento de qualquer dever em razão de ... território de origem."
Não tenho qualquer dúvida em considerar que isentar do pagamento de taxa pela passagem na estrada de Albergaria os naturais do concelho de Terras de Bouro é inconstitucional. O mesmo não se dirá dos residentes, que é perfeitamente razoável que sejam isentos, admitindo que poderão ter de circular por ali nos seus afazeres.
Mas não contente com esta flagrante inconstitucionalidade, o Governo resolveu, numa cedência à demagogia dominante sobre os prejuízos das áreas protegidas para os residentes, isentar os residentes (mas não os naturais) de todos os concelhos do PNPG e mais os galegos de Lobios.
Até aqui é uma questão de opção política, eventualmente uma ilegalidade. Não concordo, mas é a vida.
O que me chateia mesmo é a justificação:
"tendo em conta a evolução legislativa, em especial a alínea b), do n.º 3 do artigo 38.º do regime jurídico da conservação da natureza e biodiversidade aprovado pelo Decreto -Lei n.º 142/2008
2008, de 24 de Julho, ... , justifica-se o alargamento dessa isenção a todos os residentes no Parque Nacional da Peneda -Gerês".
Ora vejamos o que diz a dita alínea:
"3 — Estão isentos do pagamento da taxa de acesso referida no n.º 1: ... b) Os residentes dos concelhos abrangidos."
Para nos certificarmos do que estamos a falar, vejamos finalmente o que é o tal número 1:
"A autoridade nacional pode cobrar taxas pelo acesso e visita às áreas integradas no SNAC que sejam da titularidade do Estado e que se encontrem sob a sua gestão, destinadas a contribuir para o financiamento da conservação da natureza e biodiversidade e para regular naquelas áreas o impacte da presença humana."
Ou seja, a menos que se considere que o concelho de Melgaço é abrangido por uma estrada em Terras de Bouro, a justificação que é usada para a decisão tomada é pura e simplesmente uma mentira. É defensável para Lobios, mas Melgaço, Arcos, Ponte da Barca, Montalegre?
Aliás, mais que uma mentira é uma ilegalidade, porque a considerar-se que Melgaço é abrangido pela estrada de Albergaria, o que a dita norma legal diz é que deveriam ficar isentos os habitantes do concelho e não da parte do concelho que é área protegida (claro está que isto não é para levar a sério porque não há maneira expedita de verificar se a pessoa reside ou não no Parque Nacional).
O que se passou é que se resolveu ceder ao xarivari destes rapazes que se intitulam representantes dos povos do PNPG, e a referência à norma do regime jurídico é feita para dar um ar de normalidade, em vez da evidente arbitrariedade, cedência e cobardia da decisão.
Há gente que não conhece o ditado que começa dizendo que "quanto mais a gente se baixa...", mas com esses não estou preocupado.
Parece é que todos nós acabamos por aceitar, quanto mais não seja por omissão, que a mentira se instale desta forma no Diário da República.
E isso sim, preocupa-me.
Por isso acabei de apresentar uma queixa na Provedoria de Justiça sobre o assunto.
Porque o assunto é grande e muito importante para a conservação? Não, porque é uma questão de princípio manter a confiança dos cidadãos nas referências objectivas para que são remetidos pelos Diário da República.
henrique pereira dos santos

terça-feira, dezembro 28, 2010

O princípio do utilizador pagador e o dinheiro público

A propósito do efeito económico positivo das touradas na conservação de ecossistemas relevantes para a prestação de serviços ambientais, ou a propósito da recente discussão sobre o financiamento do ensino privado pelo Estado, encontro sempre a mesma questão: por que razão devem os impostos dos mais pobres financiar a prestação de serviços individuais aos mais ricos?
Na verdade a questão é um dos fundamentos teóricos mais esquecidos do movimento ambientalista: o pagamento pela utilização de bens (públicos ou privados) é sempre um forte estímulo ao seu uso racional.
Chama-se a isto o princípio do utilizador-pagador.
Nesta querela sobre o financiamento público de escolas privadas (nem vou discutir a querela religiosa que lhe resolveram acoplar, de tal maneira fico envergonhado por ser de um país que por duas vezes na sua história destruiu o melhor do ensino que tinha com base nessa mesma querela religiosa e que hoje parece não ter aprendido nada com as duas expulsões dos Jesuítas e a destruição das melhores escolas do país de então) há um conjunto de pessoas que pura e simplesmente acham que o ensino deve ser gratuito, como se existissem almoços grátis.
Na verdade não existe ensino gratuito, existe sim ensino pago pelos contribuintes e pagos pelos seus utentes, mas em qualquer caso é sempre um ensino pago. Ora o dinheiro público inclui o dinheiro dos impostos dos mais pobres e é por isso da maior exigência ética no seu uso (João César das Neves tem razão neste particular).
Argumentar que o ensino deve ser gratuito para todos os seus utentes é forçosamente admitir que o dinheiro que exigimos de todos, incluindo os mais pobres, deve ser usado num investimento com efeitos individuais muito concretos (a educação não é um bem abstracto ou difuso, é um benefício concreto para as pessoas concretas que o recebem), mesmo para aqueles que poderiam pagar esse serviço. O que deve ser discutido é a forma como o Estado garante um acesso universal à educação, mesmo para aqueles que não podem pagar esse serviço que lhe é prestado.
O projecto escola na natureza (Deus o tenha em sua companhia) é um bom exemplo da forma como a ideia de gratuidade de serviços públicos conduz a lógicas perversas ineficientes.
Quando na altura se resolveu desfazer o imbróglio em que tinha mergulhado a execução do projecto escola na natureza, optou-se por uma abordagem economicamente sustentável.
O que implicaria o pagamento dos serviços de alojamento, transporte e alimentação por parte das famílias dos miúdos participantes no programa.
Sabendo isso todo o esforço foi posto na redução desses custos, por várias vias, e o preço anual para a família era bastante moderado para uma participação de duas noites, quatro refeições e transporte.
O Ministério da Educação imediatamente se colocou fora do projecto porque não era gratuito. Não se dispôs a pagar as despesas mas recusava-se a participar num programa que violava o princípio da gratuididade do ensino.
Por mais que se explicasse que a opção não era entre o projecto ser pago pelas famílias ou pelo Estado, porque nenhum dos organismos do Estado tinha 10 milhões de euros por ano para o programa, mas sim entre haver o programa voluntariamente pago pelos seus beneficiários (com uma situação excepcional para os beneficiários do apoio escolar) ou não haver programa nenhum, nada fez demover o Ministério da Educação da sua posição de princípio, mesmo sabendo que muitos e muitos meninos com famílias que podiam pagar iriam criar rendimentos e trabalho para zonas economicamente deprimidas.
O programa jaz morto e arrefece, não tendo criado mercado para as estruturas de alojamento existentes no interior (e hoje sub-utilizadas), para os produtores de refeições, para os produtores de serviços e ainda para os fornecedores dos produtores de refeições, que se poderia ir dirigindo no sentido de serem produtores locais com mais valias de biodiversidade.
O exemplo serve para a factura energética (com o movimento ambientalista adormecido face aos preços administrativamente deprimidos da electricidade, nomeadamente para as empresas) ou qualquer outro bem ou serviço.
Hoje parece absurdo, mas quando em 1997 se determinou que todas as visitas às áreas protegidas teriam de ser pagas (incluindo as das escolas) foi um clamor enorme, com direito a notícias de jornal, sem que nenhum dos opositores a esse pagamento explicasse por que razão deveria estar o ICNB a desviar verbas dos programas de conservação para a visitação de pessoas que na sua maioria poderiam pagar esse serviço.
Substituir actividades económicas por pagamentos do Estado (isto é, também com o dinheiro dos mais pobres) é uma má solução, de maneira geral.
Seria bom que se percebesse em toda a sua extensão o princípio do utilizador-pagador, cuja aplicação razoável e sensata diminuiu em 50% o uso de sacos de plástico no Pingo Doce, só para dar um exemplo caro ao movimento ambientalista.
É que na área da gestão das áreas protegidas sempre que se pretende usar este princípio base parece que alguém está a cometer um sacrilégio, porque prevalece a ideia que área protegida quer dizer área necessariamente financiada pelo dinheiro público, em todas as suas actividades, mesmo naquelas em que é possível materializar o princípio do utilizador pagador, como a visitação, a fotografia de natureza, a prestação de serviços na emissão de licenças e por aí fora.
henrique pereira dos santos

quinta-feira, novembro 25, 2010

A utopia da assépsia e a sustentabilidade

A referência a uma famosa entrevista do responsável máximo da ASAE no auge da sua fase Rambo. A entrevista pode ser lida aqui e apesar de antiga retrata bem a auto-satisfação da paranóia higienista
Um leitor, conhecedor e informado, continua agastado por eu usar hipérboles que contendem com o seu rigor técnico.
Fora essa embirração, tem dito várias coisas acertadas que me obrigam a corrigir os meus dois posts sobre a paranóia higienista.
Embora eu não esteja certo de que a legislação da segurança alimentar aplicada em Portugal (há os regulamentos comunitários, mas há a legislação nacional) seja tão inocente como é dito pelo leitor, doutra forma a actuação da ASAE já teria dado mais confusão que a que deu, a verdade é que os regulamentos comunitários sobre a matéria são bastante mais equilibrados que a prática em Portugal faria supôr.
Faz pois sentido corrigir os posts no sentido de diminuir a responsabilização da legislação e aumentar a responsabilização de práticas socias (incluindo a aplicação da lei) na questão da sustentabilidade associada à paranóia higienista.
Repare-se que o regulamento 852/ 2004, relativo à higiene dos alimentos, diz explicitamente que não se aplica "c) Ao fornecimento directo, pelo produtor, de pequenas quantidades de produtos de produção primária ao consumidor final ou ao comércio a retalho local que fornece directamente o consumidor final;". Mas logo a seguir diz: "3. Ao abrigo da legislação nacional, os Estados-Membros estabelecem regras que regulamentem as actividades referidas na alínea c) do n.º 2. Essas regras nacionais devem assegurar a realização dos objectivos do presente regulamento.".
Pois bem, o que faz o DL 113/ 2006, que adopta legislação nacional complementar a este regulamento? Não faz a menor menção a esta excepção prevista no regulamento e, se bem leio a legislação, acaba por aplicar a todos, incluindo os que o regulamento expressamente isenta, as normas do regulamento (é ler o regime sancionatório que aparentemente se aplica a toda a gente sem excepção, volto a dizer, se li bem, do que não estou certo).
Eu de facto conheço muito mal esta legislação. Mas como qualquer pessoa conheço a prática da actuação do Estado nesta matéria. Que, devo dizer, tem algumas virtudes.
Que a actuação do Estado português nesta matéria é um excelente exemplo da paranóia higienista que persegue a utopia da assépsia, lá isso é.
Não garanto que tenha feito uma leitura certa do que li, e sobretudo não tenho consciência do que não li que em matéria de enquadramento legal.
Posso ter escrito umas infantilidades sobre o assunto e merecer ser tratado como um infante, mas pelo menos que seja um infante com idade para ter aprendido a ler, quer o que está no diário da república, quer o que se passa à volta.
Volto a dizer, o custo social e ambiental desta paranóia está muito mal avaliado, mas suspeito que é terrível, tanto do ponto de vista da sustentabilidade, como do ponto de vista do desenvolvimento local, como ainda do ponto de vista do empreendedorismo.
Do ponto de vista do consumo o nosso movimento ambientalista, infelizmente, não se tem libertado do mantra dos três erres e tem descurado a análise dos mecanimos económicos que conduzem à insustentabilidade. Seria tempo de arrepiar caminho, nomeadamente no que diz respeito à alimentação, em que nos refugiamos numa defesa acéfala do modo de produção biológico.
Anteontem, numa conferência, Carlos Aguiar caracterizou muita da produção biológica como sendo a colocação de uma planta, ou de uma planta e um animal, entre o saco de adubo e a produção.
É apenas um exemplo de como o olhar ambientalista sobre o consumo, e em especial sobre o consumo de alimentos, precisa desesperadamente de ser refrescado e reforçado com mais e melhor informação.
henrique pereira dos santos

quarta-feira, novembro 24, 2010

Pode não haver dinheiro...

... mas parece que não faltam palhaços.
Li hoje o despacho 17477/ 2010 que nomeia a sub-directora do Fundo para a Conservação da Natureza.
Pensando bem é uma verdadeira parábola sobre a administração pública e o estado de miséria moral que a caracteriza cada vez mais.
Nada disto, diga-se em abono da verdade, é muito importante porque o dito Fundo é uma coisa estranha que não se sabe bem que dinheiro tem, para o que serve, nem como funciona.
E esta nomeação é a ilustração disso.
A nomeada é Maria João Burnay. Com um longo curriculum no ICNB, é a principal responsável pela estruturação inicial do Turismo de Natureza (nos seus aspectos formais e legais). Essa estruturação está longe de ter sido consensual e foi posteriormente profundamente alterada por não servir os propósitos que se pretendiam atingir com a sua criação. Uma das características essenciais dessa estruturação era o seu carácter profundamente estatista e prescritivo, cheio de normas e regras que não batiam certo com a realidade. Mas este é o principal contributo conhecido de Maria João Burnay para a gestão da conservação da natureza e da biodiversidade. De resto, do que fez nos outros sítios por onde passou como dirigente, é difícil perceber o que foi a sua acção e não penso que lhe sejam reconhecidas especiais competências de gestão.
O despacho que a nomeia agora para principal responsável operacional do Fundo de Conservação não explica as razões desta nomeação. Era um hábito que havia (decorrente aliás das regras do procedimento administrativo, que implica a fundamentação das decisões), o de fundamentar nomeações com base no curriculum das pessoas. Isso agora é mais raro. Nomeia-se porque sim e está o assunto encerrado. A menos que se considere que dizer que uma pessoa tem aptidões é fundamentação, do que tenho as mais sérias dúvidas.
Portanto não é possível perceber por que razão foi escolhida aquela pessoa e não outra. Eu acho uma péssima escolha, outras pessoas acharão óptima, mas a verdade é que a discussão não pode passar daí por se tratarem de percepções subjectivas.
O mais curioso é que é uma nomeação por substituição (por substituição de uma coisa que não existia), que aliás se tornou regra em boa parte da administração.
Quem desconhece os meandros da administração pública em Portugal, na sua concreta existência, e não no que diz a lei, dificilmente compreenderá o que vou dizer a seguir.
O cargo para que foi nomeada Maria João Burnay, por livre escolha, só pode ser preenchido por concurso, de acordo com a lei. Mas a lei permite que se nomeie uma pessoa em substituição enquanto o concurso não produz resultados. E mais, a lei diz que esta nomeação não pode exceder os seis meses, não podendo ser prolongada. Mas a administração fez um interpretação criativa da lei e diz que como não pode haver vacatura de lugar (isto é, não pode haver vazio no preenchimento dos lugares de chefia, o que aliás é treta, porque neste caso a situação de partida era a da inexistência do lugar).
Portanto não pode ser cumprido o prazo máximo de seis meses de exercício do cargo em substituição se do seu cumprimento resultar vacatura do lugar. Ou seja, se entretanto o concurso não tiver produzido resultados, é preciso que a pessoa nomeada faça o sacrifício de se manter no lugar (ou seja substituída por outra nas mesmas circunstâncias) até que existam resultados dos concursos. Ora se os concursos não existirem, ou tiverem sido abertos mas se eternizarem (não têm prazos imperativos), a pessoa em substituição vai ficando, ficando, ficando. Em abono da verdade, se vier a haver concurso, a pessoa tem uma vantagem notável por reunir uma grande experiência de exercício de funções semelhantes à do cargo a que concorre.
Daí que os lugares atribuíveis por concurso sejam na prática preenchidos por nomeações tão discricionárias como esta. E tão mais discricionárias quanto a sua suposta limitação no tempo, apenas para resolver a vacatura do lugar, não justifica procedimentos pesados de verificação e escrutínio da nomeação.
É esta portanto a administração que o país tem.
Às vezes até dá bons resultados, mas milagres há sempre, em todas as organizações.
henrique pereira dos santos

sábado, novembro 20, 2010

Da mentira como técnica de condicionamento de um Estado fraco

Imagem retirada daqui
A discussão gerada pelos meus posts desmontando a suposta oposição das populações residentes às áreas protegidas obedece aos padrões do costume.
Um dos padrões mais consistentes é o do recurso sistemático a mentiras repetidas vezes sem conta.
Para não cansar muito os leitores vou apenas referir uma: a suposta proibição de produção de energia eléctrica de origem fotovoltaica e de biomassa.
Essa mentira vem muitas vezes embrulhada na pergunta "mas qual é o problema de instalar um painelzinho no telhado da minha casa".
Vejamos em concreto o que diz a proposta de plano em discussão.
"Artigo 7.º Actividades interditas ... "d) A instalação de novas infra-estruturas ou equipamentos de produção de energia eléctrica utilizando recursos hídricos ou eólicos, excepto em sistema de microgeração;"
Onde está a proibição da fotovoltaica? Onde está a proibição da biomassa? Onde está a demonstração da afirmação, falsa, de que apenas pode ser instalada micro-geração?
Em lado nenhum.
O que está proibido é a eólica e as mini-hídricas, e mesmo essas com excepção da microgeração ("l) Microgeração – actividade de produção de energia eléctrica em baixa tensão destinada predominantemente a consumo próprio, através de equipamentos autónomos de produção como motores, microturbinas ou pilhas de combustível, que utilizem geradores síncronos ou assíncronos, painéis solares fotovoltaicos e outros equipamentos autónomos de produção de energia eléctrica, cuja potência a entregar à rede pública não exceda os 150 kW;").
Não se pense que se trata de uma mentireta de quem leu mal.
É uma das dezenas de mentiras sobre este plano que gente bem intencionada repete por não ir consultar os documentos, como sejam as proibições ou taxações de apanha de lenha, a proibição de pastoreio e dezenas de outras que têm sido usadas.
A mentira é uma estratégia usada de forma consciente por esta gente cujo objectivo central é condicionar os agentes do Estado nas suas obrigações de controlo da legalidade.
É gente que tem interesse pessoal nas eólicas, nas mini-hídricas e na gestão destemperada dos baldios (ler os posts de Carlos Aguiar sobre a nebulosa das gestão dos baldios aqui, aqui e aqui). Esta gente não defende os interesses dos povos das áreas protegidas, esta gente defende o seu rendimento privado retirado de bens colectivos.
E a mentira e outros argumentos ad terrorem (ou seja, argumentos de apelo ao medo) visam apenas condicionar a actuação do Estado e dos seus agentes.
Devo dizer, com imenso êxito.
Esta gente tem conseguido manter reféns da sua estratégia os agentes do Estado com maior responsabilidade, de que é exemplo o Director do Departamento do Norte que acaba por falar em regras sufocantes para as populações, colocando-se demagogicamente no lado dos que usam a crítica injusta (porque há muita crítica justa a fazer à gestão das áreas protegidas) para minar a autoridade do Estado na reposição e controlo da legalidade.
Esta gente tem conseguido arrebanhar para o campo de discussão que definiu um monte de outra gente bem intencionada, um monte de jornalistas e calar as ONGAs que têm medo de dizer, com toda a clareza e legitimidade, que o rei vai nu, que esta gente não representa ninguém e que os seus argumentos são falsos, na grande maioria das vezes.
Como quiz deixar claro agora com este post.
Se alguém tiver dúvidas posso fazer uma série de posts a desmontar um por um os argumentos usados por esta gente, que não está preocupado com a gente do Gerês, mas sim com o Gerês para a gente.
henrique pereira dos santos

domingo, novembro 14, 2010

Ainda o IVA para uma alimentação sustentável

Motivado pela crónica do Ricardo Garcia (e pelo pedido subsequente de uma ONG para colaborar numa discussão sobre o assunto) olhei para o IVA de uma factura de compras de hoje.
É uma factura pouco característica cá de casa porque se trata de uma ida a um supermercado a que normalmente não vou, motivado por objectivos específicos.
Mas ainda assim surpreendente.
O IVA de 23% ficou reservado a um frasco de pimenta (nós que demos a volta ao mundo para a trazer para cá, agora consideramo-la um produto de luxo) e a uma mão-cheia de camarão com que irei dar gosto a um molho branco mais daqui a pouco. Razoavelmente justo, mais no camarão que na pimenta, perfeitamente aceitável do ponto de vista da sustentabilidade (o camarão provavelmente até mereceria uma taxação maior).
O IVA mais pequenino reflecte a ideia de que os produtos lácteos, que são tudo menos sustentáveis, são muito importantes na alimentação, nomeadamente das crianças. Do ponto de vista da sustentabilidade é um absurdo. Mas vamos admitir que seria preciso encontrar um equilíbrio com o pessoal do nutricionismo (ninguém conhece alguém ligado ao ensino desta coisa, agora que até há uma ordem profissional da profissão? É que tenho a ideia de que andam completamente a Leste do que seja a sustentabilidade). Seria por isso razoável taxar o leite simples no mínimo. Mas uns iogurtes claramente excessivos que comprei? Francamente não vejo razão para isso. Os iogurtes simples, ainda vá, mas os outros?
O peixe goza do mesmo estatuto de IVA reduzido. Nada a apontar se eu não tivesse comprado peixe congelado. A congelação é o método mais insustentável de conservação que conheço, por mim todos os congelados iam para o IVA máximo.
O mais curioso está no IVA intermédio.
Tremoços. Não costumava comprar, mas um dia o Chef António Alexandre serviu-me uma salada de sapata seca (sapata, não sapateira, inclui-se na procupação do Chef António Alexandre recuperar produtos desvalorizados, como o peixe seco) onde se incluíam uns tremoços. Passei a incluir tremoços em muitas das saladas que faço e por isso os comprei. Uma cultura pobre, que normalmente entra na rotação para azotar a terra (como as outras leguminosas), ou seja, uma clara muleta de uma gestão sustentável na agricultura a quem os teóricos das finanças atribuem o estatuto de marisco pobre para acompanhar cervejas, e portanto não taxam como o camarão, porque pobre, mas taxam a mais que os iogurtes, uma coisa totalmente insustentável nos nossos sistemas produtivos.
Mais estranho, as azeitonas (também entram muitas vezes nas saladas). Azeitonas? As azeitonas em Portugal estão no IVA intermédio? Taxadas acima do peixe e da carne e do leite? Alguém consegue explicar? Deve ser por serem consideradas um aperitivo.
Parece-me que vale a pena começar a olhar para o assunto numa óptica de sustentabilidade.
henrique pereira dos santos

segunda-feira, novembro 01, 2010

o estrito cumprimento da lei



Há uns dias o Público noticiava uma história de ursos apreendidos. Há mais de duas décadas que ouço histórias deste género com intérpretes diversos. Umas vezes com macacos, outras com tartarugas e várias outras com outra bicharada qualquer. No essencial a história repete-se. Há uma situação ilegal qualquer e o Estado, por vezes empurrado pela pressão mediática, aparece. Apreende e, até ver, torna fiéis depositários os responsáveis. O impasse eterniza-se. As condições de higiene e de segurança mantêm-se, os “direitos” dos animais também. Não parece existir qualquer ganho ao nível da conservação da natureza. Pontualmente, um dia mais tarde, muitos anos depois, lá aparece outra vez a comunicação social a apontar o dedo, agora definitivamente ao Estado.
Quando um Estado apreende, por uma qualquer ilegalidade e durante anos a fio mantém os animais nas mesmíssimas condições que os encontrou, quando um Estado depende da pressão mediática para actuar… resta-lhe, eventualmente, a sua legitimidade legal. Porque quanto à moral, estamos conversados.
Gonçalo Rosa

quinta-feira, outubro 28, 2010

O fundo do Sabor

Ontem sairam mais notícias sobre este fundo.
Aos poucos vai-se percebendo melhor o puzzle e o despacho original pode ser visto aqui.
Estamos a falar de um valor que, conforme as notícias, andará pelos 400 mil e o milhão de euros anuais. Estranharia esta incerteza se não conhecesse a opacidade deste tipo de processos.
Mas não me conformo com a pobreza do trabalho jornalístico que se limita a citar a fonte de que tem o número de telefone em vez de efectivamente ir saber preto no branco qual é o valor.
Mas isso é apenas um pormenor que trago como sinal da falta de confiança que o processo me merece, como aliás já expliquei aqui.
Como disse nessa altura, este fundo tem tudo para criar corrupção.
Não estão em causa as pessoas envolvidas, que calculo que sejam todas excelentes pessoas e estejam todas apenas a trabalhar pelo bem comum.
O facto dos autarcas estarem furiosos porque o fundo é gerido pelo presidente do ICNB, no que aliás têm alguma razão mas não toda, é um sinal evidente de que com as regras existentes, o fundamental é saber quem toma a decisão de afectação dos dinheiros disponiveis.
Ora quando num fundo público (alimentado ou não por privados, isso é irrelevante) a principal questão é a de saber quem toma as decisões só uma conclusão é possível: as regras estão mal feitas.
Há muitos processos de afectação de verbas públicas em que é mais ou menos indiferente quem toma as decisões. Pode ser uma pessoa mais eficiente ou menos eficiente, pode ser um melhor ou pior angariador de fundos, pode ser mais trabalhador ou menos trabalhador, mas as regras impedem-no de ser determinante na afectação das verbas, dificultando a aplicação do princípio geral da governação em Portugal: "proteger os amigos, perseguir os inimigos e aplicar a lei aos restantes".
Na verdade estes fundos (e para quem tiver dúvidas o melhor mesmo é estudar aprofundadamente a aplicação do Fundo Florestal Permanente, essa fonte permanente de canalização de dinheiro ineficiente para o Estado, do qual a floresta não beneficia quase nada) deveriam ter processos concursais com júris de avaliação independentes e apoiados na definição prévia muito clara dos critérios de selecção de projectos e com regras taxativas de interdição de financiamento de entidades públicas e entidades privadas em que o Estado detenha mais de 25% do capital. E transparência, prestação de contas, transparência, prestação de contas, transparência, prestação de contas, tudo coisas ausentes do processo.
Como estão os regulamentos é de esperar o pior.
Melhor seria ter entregue a gestão do fundo à Fundação EDP, pelo menos era tudo mais claro.
henrique pereira dos santos

sábado, outubro 09, 2010

Projectos estruturantes

Miguel Araújo, no contexto das discussões de posts recentes, sobre o ponto em que estamos, responde à minha provocação em que digo que não sei o que são projectos estruturantes: "Um projecto estruturante é um projecto que ajuda a lançar as bases de uma economia. Que cria condições para aumentar a competitividade dos agentes económicos através da criação de infraestruturas que dificilmente seriam pagas por agentes privados.".
Percebo o que o Miguel diz e nem sequer estou assim tão em desacordo.
Mas tenho mesmo muito medo da facilidade com que se afirma (aliás sempre suportados em estudos de custo/ benefício que concluem sistematicamente o que o dono da obra pretende que se conclua) que um projecto é estruturante.
Vou tentar explicar porquê (as minhas desculpas pela extensão do post, agravada pelas imagens).
Ora aqui temos um projecto estruturante em pleno trabalho de parto.



Sobre este projecto já disse aqui o pensava: um forte candidato à decisão mais estúpida de ordenamento do território que conheço.
Este projecto é por si considerado estruturante, mas integrado num outro mais estruturante, o Portugal Logístico, a que felizmente a crise veio pôr alguma contenção que dá mais alguma esperança de travar a destruição do vale do Coronado com outra plataforma logística.

Ora na realidade existem, do Trancão à Castanheira do Ribatejo, milhares de metros quadrados disponiveis, assentes das ruínas da indústria e logística que faliu, e a versão aprovada do Portugal logístico identifica bem essa potencialidade ao localizar ali a plataforma de Lisboa Norte. .



Na verdade o que vamos fazer é manter as ruínas como ruínas, num sub-aproveitamento das capacidades instaladas, para ocupar áreas produtores de bens e serviços transacionáveis (e no caso português, escassos, como são os bens agrícolas competitivos), destruindo património nacional relevante (os solos agrícolas) e aumentando os riscos pela ocupação do leito de cheia.
Razões? O promotor queria ali. Razões? O Estado não tem dinheiro para dizer que ali não pelas razões evidentes, expropriar os locais adequados e estruturar o território. Ou em alternativa, limitar-se a dizer que não e o mercado que empurre os operadores logísticos para as soluções racionais.
Mas o operador é irracional? Não, de maneira nenhuma, comprou terreno agrícola ao preço da chuva (mesmo que seja uma chuva mais grossa face à qualidade do solo e à expectativa) e vai vender ao preço do solo urbanizado, o que corresponde a um poderosíssimo apoio financeiro atribuído pelo Estado através de decisões administrativas irracionais (e injustas para o proprietário original, diga-se de passagem, bem como para os proprietários dos actuais terrenos entre o trancão e Castanheira do Ribatejo que face à oferta da nova plataforma ficam sem procura de justifique a reconversão dos seus terrenos, que continuarão ao abandono).
O projecto contribui para alterar a economia?
Sim, sem dúvida.
Desse ponto de vista é estruturante.
Mas Portugal tem um problema logístico sério e excedentes agrícolas abundantes que justifiquem o esforço do Estado em reforçar a distribuição, diminuindo a capacidade de produção agrícola?
Acho que nem a brincar alguém admite isso. Só mesmo a sério os estudos sobre logística conseguem justificar que a economia portuguesa, em que a distribuição é um dos sectores mais desenvolvidos e modernizados, que na região conta com inúmeras plataformas (desde do Luís Simões, às empresas mais conhecidas da distribuição, aos terminais de contentores, à antiga fábrica da opel na Azambuja, todos estão fortemente na região), porque os palhaços querem-se sisudos para serem eficazes, como a isso estava contratualmente obrigado o Buster Keaton.
Os projectos estruturantes com forte intervenção do Estado, seja por via do dinheiro real investido pelos contribuintes, seja pela venda de licença, como acontece neste caso, têm a estranha mania de serem contaminados por esta irracionalidade de não se perceber bem como há tanta coisa estratégica e afinal, passados anos, nem as moscas mudaram assim tanto.
A tradição vem de longe e continua: Porto de Sines, Ponte Vasco da Gama (que assinala a viragem recente decisiva para chegarmos onde estamos, ao libertar-se das amarras do dinheiro efectivamente existente, ou do crédito que pesa na dívida presente, para usar a dívida das gerações futuras através do complexo processo de project finance que inaugura as parcerias publico privadas), os célebres PIN, o Conrad Hotel, Alqueva, o aeroporto de Beja (uma coisa extraordinária, um aeroporto que se conclui sem que seja possível receber vôos e que suporta uma estrutura de gestão que custa o que custa ao contribuinte) e muitos e muitos outros exemplos, maiores ou menores, de coisas que por serem consideradas estratégicas pelo Estado nos levaram até aqui.
Eu estou farto de projectos estruturantes que querem resolver os problemas das empresas com o dinheiro que os contribuintes entregam ao Estado e ao mesmo tempo, uma chuvita da treta, desestrutura a vida da capital do país porque não parece haver muita gente a preocupar-se com os pequenos problemas do quotidiano comum, como ter as sarjetas limpas e um sistema de escoamento da água da chuva minimamente eficiente (esquecendo o tempo em que Lisboa tinha esgotos, cem anos antes de Londres ou Paris).
henrique pereira dos santos

quarta-feira, outubro 06, 2010

A crise e o gasto militar em Portugal

A discussão sobre a dívida e o que fazer suscitou um debate interessante. Este debate surgiu da minha perplexidade pelo montante dos investimentos em submarinos. Basicamente os dois submarinos que vamos pagar custam aproximadamente 2/3 da receita calculada com as medidas extraordinárias anunciadas recentemente pelo governo. Ou seja, grande parte dos sacrifícios que os Portugueses farão durante o ano de 2011 são para pagar estes investimentos em equipamento militar. Não se contabiliza aí a aquisição de "novos" aviões à Holanda (mais 200 milhões de euros) que foram hoje divulgados na imprensa.

Questionar os gastos da defesa nacional é quase um tabu em Portugal. Os comentários que foram feitos aqui e ali deixam antever que existe a percepção de que este é um debate ideológico. Ser de esquerda é ser contra estes gastos e ser de direita é ser a favor. Não podia estar em maior desacordo. Eu considero-me uma pessoa de difícil classificação pois estou no centro do espectro político. Nuns aspectos serei classificável como de esquerda, noutros de direita. Na verdade estas classificações interessam-me pouco pois o mundo de hoje não se compadece com a classificação das pessoas num único eixo de abcissas. O que me interessa é a racionalidade das escolhas. E por isso questiono a opção estratégica deste e de outros governos para situar Portugal à cabeça dos países Europeus em matéria de gasto militar.

Portugal gastou em 2008, 2% do seu produto interno bruto (PIB) em despesas militares. Este valor aumentará no ano em que se pagarem os submarinos. Mas quanto gastam os nossos parceiros Europeus?

Aqui vão os dados retirados da wikipedia: Itália (1.7%); Roménia (1.5%); Dinamarca (1.4%); Alemanha (1.3%), Finlândia (1.3%); Noruega (1.3%); Belgica (1.2%); Espanha (1.2%); Hungria (1.2%); Austria (0.9%); Suiça (0.8%); Luxemburgo (0.7%); Islandia (0.1%).

Gastam mais do que nós, ou o mesmo que nós, a Grécia (3.5%), o Reino Unido (2.5%), a França (2.3%), e a Polónia (2%).

A Grécia pela relação conflituosa que têm com a Turquia (ainda que seja pouco provável que a Turquia ousasse atacar território Europeu, sendo aliás parceira da Grécia na NATO). O Reino Unido e a França pelo importante papel internacional que desempenham, nomeadamente no quadro do Conselho de Segurança da ONU. A Polónia pela idiossincrasia nacional, forjada por invasões recorrentes por parte da Alemanha e Rússia.

A menos que nos queiram convencer que o gasto militar Português se justifica pelo medo da invasão Espanhola (um absurdo nos dias de hoje), não se entende a racionalidade da escolha dos sucessivos governos do bloco central. Não se entende que nos estejamos a hipotecar até às orelhas, ao ponto de comprometermos a sociedade de bem estar que fomos construindo, para manter um nível de gasto militar muito acima da média Europeia (e quase o dobro do gasto Espanhol).

Não entendo que os comentadores e autores deste blogue achem isto normal.

terça-feira, outubro 05, 2010

O dinheiro do público (prioridade e urgência)

O Miguel diz:
"Eu manifesto perplexidade por se deprimir a economia cortando salários, congelando pensões, aumentando impostos, etc, mantendo investimentos, desnecessários, em submarinos" e continua, especificamente para mim: "não percebo a tua complacência com os gastos em submarinos e a tua animosidade a investimentos estruturarais, como é o caso do TGV."
Tudo começou por eu questionar a forma como o Miguel coloca a discussão, exactamente por achar que não se pode discutir alternativamente cortar salários e etc., e pagar ou não um investimento contratado.
Primeiro as questões práticas, depois as de substância.
Que o Estado está falido é uma evidência (e é arrepiante olhar para os compromissos futuros já assumidos e não constam da dívida para já).
Como todos os dias, a todas as horas estamos a consumir 110 quando produzimos 100, naturalmente precisamos que alguém nos empreste dinheiro.
Claro que quem tem dinheiro apenas empresta se tiver ums expectativa razoável de vir a receber o dinheiro mais tarde, sendo que o juro que nos cobra por esse empréstimo está directamente relacionado com o risco que associa à possibilidade de não ser pago.
A situação neste momento é a de uma urgência: temos contas para pagar amanhã e o cofre está vazio. Como continuamos alegremente a gastar 110 e a produzir 100, o emprestador está a cobrar-nos um risco elevado e a diminuir a sua disponibilidade para nos emprestar dinheiro.
Cortar salários, aumentar impostos e etc., tem um efeito recessivo inegável. Com isso diminuímos a nossa capacidade de honrar a dívida. Mas tem como resultado uma diminuição sensível e imediata dos gastos do Estado que, aos olhos de quem nos empresta dinheiro, aumenta a confiança em que venhamos a pagar a dívida.
Imaginemos que em vez de fazer isto, resolvíamos não pagar compromissos jurídicamente claros. Para além de ser duvidoso que não tivessemos de qualquer maneira que pagar, obrigados pelo tribunal, a verdade é que demonstrar que os compromissos titulados internacionalmente (e tanto faz que sejam submarinos ou chupa-chupas) eram letra morta para nós, só faria aumentar a desconfiança, tendo como resultado o fecho da torneira do crédito ou o pagamento de juros exorbitantes (ou um mix das duas coisas). O resultado seria ainda mais desastroso para uma economia completamente viciada no crédito.
Acresce que cortar salários na administração coloca o patamar para a evolução futura mais abaixo, não pagar um submarino tem um efeito pontual nas contas de um ano, mantendo inalteradas todas as condições que nos levam à falência do Estado.
Portanto não se podem discutir as alternativas no termos em que o Miguel as pôs porque uma responde ao problema, a outra não.
Passemos às questões de substância.
O que tenho dito sobre os submarinos (para além da questão prática de ser um compromisso juridicamente forte) é que não sei discutir o assunto porque não sei o suficiente de defesa nacional nem das modernas funções de defesa, nem das modernas possibilidades dos submarinos.
Se, como afirma o Miguel, os submarinos forem inúteis, só tenho de lamentar que vários Governos e vários ministros e vários primeiros-ministros tenham sempre mantido e garantido a sua utilidade e imprescindibilidade.
Vamos então à questão dos investimentos estruturantes.
Quando um Estado tem dinheiro, é livre de fazer opções. Quando está falido, faz as opções que quem tem dinheiro lhe permite. Quando é o Estado português governado por um inimputável, toma decisões absurdas e culpa os outros pelos resultados.
Tomemos um exemplo.
As parcerias publico privado foram criadas para as situações em que as melhorias de eficiência de uma gestão privada de um determinado projecto (por exemplo, a operação de um hospital) eram suficientemente grandes para cobrir os sobrecustos decorrentes do financiamento privado ser mais caro (o risco é maior com os privados que com o Estado) e ter de incluir a remuneração do capital.
O Estado português resolveu inovar, usando as parcerias para criar dívida futura sem aumentar o déficit presente, baseando-se em conceitos de economia voodoo. Estes conceitos postulam que os projectos vão gerar uma economia cujos impostos vão servir para pagar a dívida no futuro. Pura roleta, pura economia de casino, porque se as previsões estiverem mal feitas (e em Portugal têm estado sempre) quem fica com os custos operacionais é o Estado (outra das inovações do Estado português, porque nas parceira público privado o risco fica sempre do lado do concessionário, sendo esse o motor da melhoria da eficiência, mas em Portugal o Estado assume o risco em dezenas de situações).
Uma coisa é fazer um ponte (um dos dois exemplos que George Soros dá hoje no Financial Times a propósito dos Estados Unidos) cujos custos de operação são marginais. Outra coisa é operar comboios, cujos custos operacionais existem sempre e são muito relevantes.
Se o Estado português fizesse a linha e concessionasse a operação com o risco do lado do concessionário, a discussão sobre o TGV prender-se-ia apenas com questões de oportunidade (há ou não dinheiro para isso? Hoje não, mas amanhã haverá. Encantado, faz-se amanhã). Só que não é isso que está em cima da mesa (por isso dei o exemplo de outro projecto estruturante, Alqueva, com problemas semelhantes).
O que está em cima da mesa é não só criar dívida para construir (atirando para as gerações futuras o seu pagamento), como ao contrário do que diz o Rui Tavares no seu texto, não é garantido que haja crescimento futuro porque uma exploração deficitária não só não paga a dívida como a agrava.
Daí que o dinheiro do público deva ser muito parcimoniosamente usado, não para deprimir ou estimular a economia (essa é a função das empresas, não do Estado), mas para criar condições para o desenvolvimento da economia (boa e eficaz justiça, segurança de pessoas e bens, defesa nacional proporcionada, diplomacia eficaz, património colectivo bem gerido,etc.), ou para a resolução dos problemas que o mercado não resolve eficazmente (apoio social aos excluídos, resolução de falhas de mercado e por aí fora).
Projectos estruturantes, Miguel, não sei o que são. Só conheço investimentos com retorno positivo (e não é necessariamente económico ou financeiro, pode ser simplesmente a escolha social, como boas áreas protegidas, por exemplo) e investimento sem retorno (na verdade, desperdício), que para além de ser delapidador da riqueza nacional, ainda cria impactos negativos (muitas vezes ambientais, mas não só), apreciáveis em muitos casos.
Se num momento em que o Estado para resolver uma crise económica quiser investir, sabendo que é a fundo perdido, pois que o faça, mas que o faça em coisas que não obriguem a exploração deficitária, mas que tenham utilidade social. Submarinos não é a coisa mais óbvia para mim (embora não exclua a modernização das forças armadas, prefiro, por exemplo, a compra de terrenos com interesse para a conservação e que não necessitem de gestão activa), mas pior que isso são os projectos deficitários que para cumprirem a sua função social precisam de uma gestão activa e uma operação deficitária.
Olhar para o gráfico do último post e ver o peso que estamos a pôr em cima dos nossos filhos, de forma consciente, devia levar-nos a pensar como é possível que seja essa a opção do Governo.
E há três opções: ou somos governado por um indivíduo completamente irresponsável, incompetente e inconsciente; ou somos governados por um indivíduo absolutamente cínico e aldrabão que não hesita em sacrificar o futuro dos outros ao seu poder imediato; ou somos governados por um alienado que vive numa realidade paralela, com vagas ligações com o mundo das pessoas comuns.
Porque independentemente das opções entre submarinos e tgvs, a verdade é que a compromissos anteriores dificilmente suportáveis se foram somando de forma indecorosa mais e mais compromissos, sem outra base que não a contabilidade criativa, até à situação de depressão económica em que estamos a entrar.
E fomos nós que optámos por isso, não foi uma fatalidade inevitável.
henrique pereira dos santos