Rodrigo, o moleiro, desapareceu certo dia na floresta. Fez-se busca tremenda! Familiares e amigos, policiais e caçadores, por semanas, bateram cada palmo de terreno. Um dia, passados alguns meses, apareceu na aldeia um chimpanzé salpicado de farinha. E uns e outros, felizes, correram a saudá-lo. Entre as muitas saudações pude ouvir: "Rodrigo, grande Rodrigo, seja bem vindo!".
Não me contive. "Mas esse não é o moleiro!", gritei.
Um rapaz, de não mais que dezesseis anos, chegou-se a mim e disse: "Então o senhor não sabe que as coisas não são as mesmas na ida que na vinda?".
Cocei a cabeça uns instantes e retorqui: "Está certo. Mas, devo dizer-lhe, nunca vi caso tão cabeludo".
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26 agosto 2014
17 agosto 2014
Dudu & Dadá
Capítulo 1 - A namorada de Deus
- Eu não aguento mais! Eu não tenho um minuto de privacidade! Não tenho! Você está lá sempre! Vou ao shopping, quem é que eu encontro? Você. Vou ao teatro... Você. Vou ao banheiro... Você. Vou dormir... Você. Abro a geladeira... Você! Poxa vida, assim não dá. Quero ter meus momentos só, curtir uma solidão de vez em quando... Sabe? Ficar no sofá pensando coisa nenhuma, assistindo tv, o som desligado. Sabe? Desligar total!... Sabe, claro que sabe. O pior é que você sabe. Você sabe tudo. Eu não posso nem pensar. Não posso. Tenho medo. Desculpa, D., mas não estou aguentando. Eu não preciso nem falar mais nada. Você sabe o que vai acontecer, né?
- Seu pai vai morrer.
- Meu pai?! Meu pai?! E você não vai fazer nada? Você vai deixar isso acontecer?
- Não sou um deus intervencionista.
- Não é um deus intervencionista? Que merda de papo é esse? Quer dizer que quando acabar a comida na geladeira você não vai fazer nada? Vamos morrer de fome, é isso?
- Vamos jejuar.
- Eu dizia onde você enfiava seu jejum. (De saída); Escroto! E não vem atrás de mim.
- Eu estou em toda a parte.
- Filho da puta!
10 dias antes:
- Quem é você?
- Sou eu. Venho como enviado do todo-poderoso. Trago-te uma coisa. (Tira um anel do ânus de uma galinha)
- Que é isso?
- O anel. O único, o primordial. Ele te guiará à luz e ao poder. Com ele serás Deus.
- Dudu Deus?!...
- É do Du-du caralho, né?
Dudu Deus abandonou a escola. Sabia tudo. Não procurou emprego. Tinha tudo. Dudu Deus criou o inferno: os subúrbios. Mas antes criou a cidade: o Rio de Janeiro. Criou os bandidos, os flanelinhas, os meninos de rua. E as escolas de samba. Teve coisa que deixou para terceiros: o diabo.
Depois do calçadão de Ipanema e do sambódromo acabou o trabalho. E descansou. Mas o ócio e a solidão venceram-no. Um dia depois criou Dadá, sua namorada. A namorada de Deus.
Dadá era uma moça humilde. Costureira. 40 horas de trabalho semanais. Porque Dudu Deus quis. Órfã de pai e mãe aos 8 anos, cresceu num orfanato em Madureira. Não teve tios, primos, avós. Família nenhuma. Dudu Deus quis assim.
Conheceram-se no metrô:
- Estou ligado na sua, bro. Tentando se aproveitar da moça... Zarpa daqui!
O outro saiu resmungando.
- Obrigada, moço. Seu nome?...
- D.
- D?
- D de Dudu, D de Deus...
- Noossa, fiquei com medo. Pensei que fosse de doido. D de doido.
Pausa. Ele fica sério.
- Brincadeira, moço, desculpa aí. (Pausa); Você está brincando, né? Você não é Deus, pois não?
- Por que é que você pensou em fritas?
Ninguém sabe se ela pensou em fritas, realmente. E porque é pensou em fritas. Ninguém sabe se tinham muito ou pouco sal. Se tinham maionese ou ketchup. Se eram muito ou pouco fritas. Sabe-se que o namoro deles começou naquele dia.
- Noossa, D, nunca ninguém teve uma conexão tão forte comigo. Sabe? É como se a gente estivesse ligado, como se já tivesse acontecido... E você fala tudo! O que eu quero ouvir, você diz. É perfeito! O tom, o jeito que você fala, como você adivinha as coisas. Noossa!... (Breve pausa); Você quer namorar comigo?
O que é que Dudu Deus faria?
Dudu Deus disse: Não estou preparado para namorar. Acho que nem daqui a uns mil anos. Desculpa. Isso de uma relação a dois... Sei não, sou muito individualista.
Hum, não era só isso. Dudu Deus sabe tudo. Dudu Deus vê tudo. Dudu Deus viu as idas ao shopping, os almoços de domingo na casa dos sogros, os orgasmos fingidos, as transas mal sucedidas, as esperas, ouviu os roncos dela, viu-a acordar de manhã...
- Não acredito. Isso não tem como estar preparado, D. Eu também não estou preparada. Mas... Vamos entrar de cabeça nisso? Vamos, se joga, D. Ou você não gostou de mim?
- Gostei...
- Eu não sou bonita, é isso?
- É sim, à minha imagem e semelhança.
- Então...
- Ok, mas sem transa no primeiro dia.
09 agosto 2014
Dos sonhos
Divirto-me imenso escutando os sonhos dos outros. É para mim como se me ouvisse. Sem rádio gravador e sem fita. Sonhos, eu tive muitos. Maiores ou menores. Honestos ou ridículos.
Quis ser de tudo um pouco. Poeta, ator, jornalista. Atleta, professor, quadrinista. Jogador, músico, cantor... Juiz, piloto, doutor. Maestro e psicólogo. Pintor. De tela. Fique escrito. Teve ocasiões até em que quis ser louco. Que vergonha! E faz já umas décadas ando nisto. E como eu outros mais. A gente suspira, ai!, grandes anseios! E não dá o sonho por findo. Os sonhos são infinitos. À morte de um, parimos um outro.
Os sonhos, há de diversas qualidades. Dois tipos são os mais distintos: os de ter e os de ser. Ter mesmo, eu nunca quis muita coisa. Não se anima minha alma em função do que levo no bolso. Ser, aí já é outra história. Quis sempre ser o bastante que vos ficasse na memória.
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02 agosto 2014
Poema de meias ações
Essa mudez entre a gente
Esse fala e não fala
É meio impertinente
Meio revólver sem bala
Essa nudez entre a gente
Esse falo e não falo
É o meio convergente
Meio paz, meio abalo
Ai, esse papo da gente
Esse fá-lo ou não fá-lo
Fosse meio inconsequente
Seria meio o enfado
31 julho 2014
Poemeu de primeiro encontro
No nosso primeiro encontro
Fico fitando seus olhos
E você dorme no ponto.
Faço manobras arriscadas,
Exercícios impraticáveis...
Arrisco meias palavras-
As emoções são instáveis.
No nosso primeiro encontro
Meu papel é o de bobo:
Um lance só de seus olhos
E eu sou perdido todo.
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29 julho 2014
Poemeu de morrer de amor
De amor, só de amor, de amor é que me matas.
Morrer de amor não é castigo.
Não será mau destino, não.
Pior morte é a sem brilho,
Nos olhos e coração.
De amor, só de amor, de amor é que eu morro.
Sou só de amor ungido.
De amor não perco ocasião.
Melhor morrer muito desdigo,
Melhor morte é na paixão.
E quando eu já falecido
Me levares a sepultar
Saibas vou convencido:
Se vivi foi por amar.
Soltes tu em estribilho:
Amou demais o meu marido,
Amei demais o meu marido.
Morrer de amor não é castigo.
Não será mau destino, não.
Pior morte é a sem brilho,
Nos olhos e coração.
De amor, só de amor, de amor é que eu morro.
Sou só de amor ungido.
De amor não perco ocasião.
Melhor morrer muito desdigo,
Melhor morte é na paixão.
E quando eu já falecido
Me levares a sepultar
Saibas vou convencido:
Se vivi foi por amar.
Soltes tu em estribilho:
Amou demais o meu marido,
Amei demais o meu marido.
26 julho 2014
Intermitência #7
No fundo, são uns tolos. Julgam por ser livre o direito de fazer tudo o que querem, e mais não fazem e dizem, e pensam, senão tolices. Tão tolos são que na ideia que fazem de ser livres não cabe respeito algum. E sua tolice é tanto maior quanto o desconhecimento de sua condição de tolos. De nada fazem ciência - são tolos. E ciência alguma devemos exigir-lhes. Sua ciência é só uma: a repetição inflamada do substantivo "liberdade".
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Vem!
O mundo todo me convence. Tenta convencer. De quê? Ora, de quê! De tudo. Olhe os outdoors publicitários, os discursos, as pichações nos muros das ruas, as religiões, as doutrinas filosóficas, a historiografia. O colono versus o anti-colonialista, o anti-semita e o sionista, o católico, o evangélico, o espírita. O islâmico e o budista. "Vem!" São certos e seguros.
A palavra é o que de mais poderoso têm as humanas gentes. Pela palavra o homem se excede. Não se basta. Pela palavra logra fazer a cabeça de outro alguém. Está certo. É sua convicção primeira.
Hoje mesmo meu intento é convencê-lo, a si, leitor: essa coisa é um erro. O homem mais feliz do mundo não tem tal preocupação.
Citando José Régio: "Quando me dizem: "vem por aqui!" / Eu olho-os com olhos lassos, / (Há, nos olhos meus, ironias e cansaços) / E cruzo os braços, / E nunca vou por ali..."
23 julho 2014
Morrer é um caso sério
E assim por diante, como criança brincando de "esconde-esconde". Eu não sou doido - não quero morrer. Morrer é um caso sério. Tão sério, tão sério que a cada vez que uma pessoa morre o mundo todo morre um pouco. Como hoje. Hoje o mundo morreu um pouco. O Brasil e o Nordeste muito mais.
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09 julho 2014
O mundo é a sério
O mundo é a sério, sabes? As dores, o tempo (às vezes o tempo é como uma dor), os espaços, sujos e repletos, o inverno, as chuvas, os cinzentos são deveras. Os amores não correspondidos, as bregas paixonetas, argh!, os poemas... Quem nunca se julgou poeta?
O mundo é a sério. É a sério o carinho de vovó, o gosto pelas histórias que contava, a lembrança dos provérbios. É a sério o beijo primeiro, como primeira era a ânsia de recebê-lo. São a sério as segundas-feiras, a enxaqueca e dor de dentes. São a sério os emails e telefonemas, as cobranças, as contas: luz, água, internet, celular, gás, tickets de transporte, feira do mês (a gente come).
O mundo é a sério. Cartas e convites. Casamentos e divórcios. Roubos, homicídios. Os crimes. São a sério as ilhas, desertas e paradisíacas, os sertões e planícies, matas e desertos, as areias, a água salgada, as copas verdes das árvores. São a sério pais e filhos, madrastas e padrinhos, soluções e sarilhos.
O mundo é a sério. E a gente ora perde, ora ganha, ora chora, ora disfarça tanta seriedade com sorrisos (sorrir é preciso). Perder, em absoluto, nunca perdemos. Que dizer do mundo a sério que diante de nós se materializa?
O tanto que se perde são sonhos e presenças, esperanças, torpes crenças. O tanto que se ganha, ausências. Tristes, costumeiras.
O mundo é a sério, sabes?, como a sério são minhas penas. As minhas, as tuas, as deles, as dos tantos que tanto sonham. Não é a alma pequena.
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