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KANT E O REALISMO*

Kant and realism

Alfredo Pereira Jr.


Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
[email protected]

Resumo: Na nota acrescentada ao Prefácio à segunda edição da Crítica da Razão Pura, Kant se
apresenta aos leitores como defensor do Realismo Material, isto é, da posição filosófica que
defende a existência de objetos externos ao sujeito cognoscente. No entanto, a tese do Idealismo
Transcendental, que é apresentada como a solução para o problema cosmológico tratado na
primeira antinomia, parece dispensar a crença na existência “fundada em si” de objetos fora do
nosso pensamento. O objetivo deste artigo é caracterizar as duas teses que Kant assume,
tentando mostrar que elas não são incompatíveis, e que uma solução para as dificuldades nas
quais Kant parece estar enredado é oferecida por ele mesmo na Doutrina Transcendental do
Método, onde ele supera o ponto de vista puramente analítico, propenso ao dualismo de sujeito
e objeto, e enfoca a razão “em ação”, isto é, a pragmática. Uma breve revisão do tema na
Filosofia da Ciência contemporânea, fechando o artigo, demonstra a atualidade da discussão
kantiana.
Palavras-chave: Realismo Material; Idealismo Transcendental; Pragmatismo; Crítica da Razão;
Filosofia da Ciência.

Abstract: In the note added to the Preface to the second edition of the Critique of Pure Reason,
Kant presents himself to readers as a defender of Material Realism, that is, the philosophical
position that defends the existence of objects external to the knowing subject. However, the
thesis of Transcendental Idealism, which is presented as the solution to the cosmological
problem dealt with in the first antinomy, seems to dispense with the belief in the existence
“founded on itself” of objects outside our phenomenal mind. The purpose of this article is to
characterize the two theses that Kant assumes by trying to show that they are not incompatible,
and that a solution to the difficulties in which Kant seems to be entangled is offered by himself
in the Transcendental Doctrine of Method, where he surpasses the point of a purely analytical
view, prone to the dualism of subject and object, and focuses reason “in action”, that is,
pragmatics. A brief review of the topic in contemporary Philosophy of Science, closing the
article, demonstrates the actuality of the Kantian discussion.
Keywords: Material Realism; Transcendental Idealism; Pragmatism; Critique of Reason;
Philosophy of Science.

1. O realismo material e o objeto intensional


A nota acrescentada ao prefácio da segunda edição da Crítica da Razão Pura
(para a qual usamos a notação CRP B)1 é muito clara e seu tom muito assertivo, de

*
Agradecimentos: à FAPESP (Processo 13/22871-3), ao Prof. Zeljko Loparic pelo curso sobre Kant
ministrado em 1985, quando a primeira versão da primeira parte deste trabalho foi elaborada, e ao
parecerista anônimo, pelas sugestões apresentadas.

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modo que não pode ser tomada como um mero artifício retórico de Kant, a fim de
minimizar, aos olhos de seus contemporâneos, as consequências do “escândalo da
filosofia”. Não é do nosso interesse, aqui, reproduzir a “prova do Realismo Material”,
ou reconstruí-la para eliminar a possível obscuridade de certas passagens, mas apenas
lembrar que Kant, apesar de fazer algumas correções, não põe em dúvida a pertinência
ou eficácia desta prova; pelo contrário, toma-a como evidência que nos permitiria
“admitir a existência de coisas fora de nós” com base em algo mais do que a fé. Ou seja,
a prova seria um argumento racional em favor do Realismo Material, e contra o
Idealismo, subjetivo ou psicológico.
Kant ainda se dá ao trabalho de expor um possível contra-argumento dos
defensores do Idealismo, que seria o seguinte: “Estou imediatamente consciente apenas
do que existe em mim, isto é, na minha representação de coisas externas;
consequentemente, fica incerto se há algo fora de mim que lhe corresponda ou não”. A
resposta é a mesma que foi apresentada na Refutação do Idealismo: a “consciência
empírica da minha existência...só é determinável referindo-se a algo que, ligado à minha
existência, é fora de mim”, logo “o sentido externo já é em si mesmo referência da
intuição a algo real fora de mim”. Se não houvesse algo fora de mim, eu não poderia
fazer a distinção entre eu e o mundo; como todos nós fazemos essa distinção (pelo
menos enquanto estamos psicologicamente saudáveis) e, além disso, como a expressão
“sentido externo” supõe algo para ser capturado, a existência de “algo real” seria uma
condição necessária para que nossa experiência seja do modo como é.
A segunda parte do argumento, que se refere à lógica da percepção, é
particularmente bem desenvolvida por Kant na nota. A utilidade dos sentidos externos é
apresentada como um argumento contra o Idealismo ainda mais forte do que a primeira
parte, que se refere à existência temporal do sujeito cognitivo. Os sentidos externos nos
conectam com “algo fora de mim e com o que tenho de considerar em relação”, embora,
é claro, só tenhamos acesso a nossas próprias conexões e nunca às coisas em si mesmas.
O ponto é que, para que tal relação exista, deve haver dois relata; como nós somos
apenas um, há necessidade da existência de objetos fora de nós.

1
As citações da Crítica da Razão Pura, abreviada aqui por CRP, são feitas segundo a tradicional
referência B (1787), seguida da respectiva paginação da Edição da Academia. Utilizamos como
referência a tradução realizada por Valério Rohden e Ugo B. Moosburger, da Abril Cultural (1983).

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Isso não significa (como pensavam os filósofos pré-críticos) que teríamos acesso
cognitivo às coisas em si mesmas, independentemente de nossa experiência fenomênica.
Portanto, os objetos, cuja existência deduzimos como necessária para nossa experiência,
não são os objetos do empirismo realista ingênuo, mas se situam naquela categoria que,
mais tarde, viria a ser chamada de “objeto intensional” (vide Jacob, 2014), e/ou
considerados como sendo naturais e mentais ao mesmo tempo, como no caso do
Monismo Neutro de Bertrand Russell (vide Stubenberg, 2010).
O termo “intensional” procura distinguir tais objetos de outros objetos, tais
como “objetos metafísicos”, que também são imaginados como “coisas em si”, mas que
não podem de modo algum ser deduzidos como sendo necessários para nossa
experiência. Objetos intensionais são objetos com os quais estabelecemos conexões em
nossa experiência, mas não temos o poder de apreender cognitivamente através da
própria experiência, precisamente porque a experiência já os pressupõe, isto é, eles –
assim como as formas a priori – já existem como “relata” no processo constitutivo da
experiência.
A limitação do acesso cognitivo aos objetos intensionais se deve ao fato de que
através da experiência fenomênica, que é uma relação, não podemos eliminar o polo
subjetivo (que, para Kant, determina o espaço e o tempo e as categorias da cognição)
para focar no objeto em si mesmo; ou seja, não há como “jogar fora a escada” e
retroceder empiricamente aos elementos geradores da experiência; isso só pode ser feito
analiticamente. Também não podemos eliminar o polo objetivo, e – mesmo por
momentos – realizar o ideal solipsista, porque a referência a algo distinto do sujeito que
conhece é condição necessária para toda experiência, inclusive a interna.
Se pudéssemos aceitar o idealismo psicológico, teríamos que aceitar que haveria
uma experiência interna como relação unária e reflexiva do sujeito consigo mesmo, e
assim estaríamos abrindo os flancos para o realismo metafísico. Além disso, se a
experiência não fosse uma relação irredutivelmente binária (ou n-ária), e se o sujeito
pudesse em alguns momentos recolher-se completamente consigo mesmo, tudo aquilo
que ele recolhesse em outros momentos se deveria então às coisas em si mesmas; ou
seja, ele poderia distinguir com precisão entre as coisas conhecidas que são puramente
subjetivas e as coisas conhecidas que são puramente objetivas. Neste caso, teríamos o

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realismo metafísico em estilo cartesiano, que corresponde justamente à Razão Pura


criticada por Kant.
Ora, Kant recusa o acesso cognitivo às “coisas em si mesmas”; o preço a se
pagar por isto é que, embora o Eu cognoscente tenha elementos para distinguir-se do
mundo exterior, tal distinção não seria suficiente para se conhecer os relata objetivos da
experiência independentemente da própria experiência, uma vez que esta já os
pressupõe, de tal modo que a busca dos fatores geradores seria sempre uma regressão
infinita.
Imediatamente, um problema se apresenta a Kant, e ele o afirma ainda na nota:
“Mas a quais intuições dadas realmente correspondem objetos fora de mim, portanto
pertencentes ao sentido externo, ao qual devem ser atribuídas aquelas intuições, e não à
imaginação, isso tem que ser decidido em cada caso particular de acordo com regras
segundo as quais a experiência em geral (mesmo a interior) é distinta da imaginação”. A
elaboração destas regras seria a tarefa do Idealismo Transcendental, que pode ser
entendido como uma “semântica a priori” (Loparic, 1983).

2. A inviabilidade do realismo transcendental


O princípio fundamental da pura razão especulativa requer que, para se inferir
uma conclusão de um grupo de premissas, tais premissas sejam apropriadas, conforme
as regras lógicas. Esta exigência, que pode ser suficientemente bem abordada no plano
formal, também pode nos levar a uma série de dificuldades, quando o problema com o
qual estamos lidando é de natureza empírica. Seria possível encontrar as “causas” que
geram uma dada “consequência” (na linguagem kantiana, o incondicionado do qual
podemos deduzir o condicionado), por meio de um retrocesso da experiência
fenomênica para os seus fatores geradores? A resposta parece ser negativa.
Como o conhecimento empírico é uma tarefa que nos leva a um retorno
indefinido, fica claro que não podemos, empiricamente, estabelecer conjuntos
completos de “causas” para fenômenos. Mas se não podemos fazê-lo empiricamente (e
Hume apresentou argumentos convincentes para reforçar este ponto), podemos fazê-lo
especulativamente, transgredindo com os limites da experiência possível, como explica
Loparic: “O incondicionado postulado pela razão pura pode consistir ou em uma série
potencialmente infinita de premissas verdadeiras, ou em uma premissa inicial,

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considerada como a priori e como necessária...tal premissa não pode ser puramente
„empírica‟, mas deve necessariamente empregar ideias da razão” (Loparic, 1986, p. 8-
9).
Seguindo o raciocínio de Loparic, o uso do procedimento acima é legítimo se
assumirmos que os objetos gerados pela razão pura só existem em um sentido relativo,
“relativamente a um certo modo de se dar” (Loparic, 1986, p. 10). O uso linguístico
desses objetos como se fossem coisas que em si, e não dependentes de uma operação
mental, constitui um erro semântico (Loparic, 1986, p. 11).
O Realismo Transcendental (CRP B 519) seria a posição filosófica que
considera semanticamente legítimo não só se tomar o conhecimento dos fenômenos
como conhecimento das coisas em si, como também assumir os objetos gerados pela
razão pura como objetos empíricos existentes. Kant não proíbe que alguns desses
objetos possam possivelmente ser dados na experiência possível, mas, neste caso,
obviamente, eles não mais serão incondicionados e, sim, condicionados.
Vamos agora fazer uma distinção que não teria sido claramente estabelecida por
Kant, mas que é de vital importância para o nosso raciocínio subsequente. Os objetos
gerados pela razão pura podem ser de dois tipos: aqueles que são justificados pela
experiência atual e, portanto, podem ser projetados na experiência possível, e aqueles
que não são justificados com base na experiência presente e, consequentemente, não
poderiam ser projetados na experiência possível. Estamos, evidentemente, presumindo
que haja alguma conexão lógica entre experiência real e possível. Os primeiros objetos
são os que chamamos de “objetos intencionais”, mas que Kant chamará de “objetos
transcendentais”, como veremos abaixo; os segundos objetos são os objetos metafísicos,
como a Alma, Deus e a Totalidade do Mundo.
Voltemos agora ao erro semântico do Realismo Transcendental. Como antídoto
para esse erro, Kant apresenta o Idealismo Transcendental, que seria – conforme a
interpretação semântica de Loparic – baseado em um critério para distinguir entre o que
podemos referir de forma significativa e aquilo a que não se deve fazer referência em
um discurso de tipo científico, ou seja, no âmbito do entendimento da natureza. Deve-se
ler cuidadosamente o enunciado do Idealismo Transcendental (CRP B 519), de modo a
interpretá-lo corretamente, ou seja, como uma tese semântica e não ontológica (Loparic,
1986, p. 17-18). Aqui Kant está discutindo a existência ou não de sentido em certas

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proposições sobre certos objetos, e não a existência ou inexistência de objetos. Ele se


refere a “tudo o que é intuído no espaço ou no tempo”, “objetos de uma experiência
possível para nós” e “tal qual são representados”. Em outras palavras, Kant não está
negando que existem coisas fora de nosso pensamento (o que, se afirmado, entraria em
contradição com o que ele diz em outra parte da Crítica), mas que “tudo o que é
intuído...os objetos de uma experiência possível para nós...tal qual são representados”
(CRP B 519) não têm existência fora do nosso pensamento e fundada sobre si mesma.
Pode-se então dizer que não podemos conhecer as coisas em si, embora possamos
pensar nelas e argumentar racionalmente a respeito de propriedades relacionais
identificáveis no âmbito de nossas interações com elas; em outras palavras, o discurso
com sentido do entendimento exclui objetos metafísicos, mas não exclui os objetos
intensionais.
A primeira antinomia foi construída com o propósito de mostrar a inviabilidade
do Realismo Transcendental. A Tese diz que o mundo é finito; a Antítese, que é
infinito. Podemos igualmente argumentar pela veracidade ou falsidade tanto da Tese
quanto da Antítese, sem encontrar meios para se decidir dedutivamente por uma delas,
ou para se convencer indutivamente os defensores da posição contrária. Porém, deve-se
levar em conta que quando pensamos em objetos metafísicos estamos nos referindo a
meros objetos do pensamento em geral, porque só temos acesso a fenômenos. Assim, a
suposta antítese se resume a um problema trivial, o de decidir entre as proposições:

Tese: “O mundo é finito”


Antítese: “Não é verdade que o mundo é finito”.

A Tese se refere ao mundo como coisa em si e, portanto, é indecidível; a


Antítese, interpretada de acordo com a semântica kantiana, passou a significar outra
coisa, a saber, que o mundo como uma coisa em si não é dado a nós como finito, mas
como um regresso indefinido; nesta interpretação, poderia ser considerada como
verdadeira (CRP B 548-549).
Como Kant explica (CRP B 532-533), em sua interpretação a suposta antinomia
deixa de ser uma contradição, e torna-se uma “oposição dialética”. A rigor, tanto a Tese
quanto a Antítese, em suas formulações originais, seriam falsas, porque “o mundo de

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modo algum existe em si”. Na reinterpretação kantiana, não há mais antinomia, mas
uma única proposição decidível e verdadeira, que afirma que o mundo não é
encontrável como algo em si mesmo, “mas sim tão-somente no regresso empírico da
série de fenômenos”. No entanto, o realista transcendental não pode evitar a antinomia,
porque julga o mundo como “coisa em si”.
Temos então, em Kant, um argumento contra o Realismo Transcendental, que
também serve como método para eliminar objetos metafísicos; no entanto, ainda não
somos capazes de determinar em quais casos objetos não dados na experiência atual e,
portanto, atualmente acessíveis apenas à razão, são ou não são viáveis em possíveis
experiências – ou seja, ainda não sabemos como identificar objetos intensionais
legítimos. Parece que esse segundo critério só aparece na Doutrina Transcendental do
Método, mas encontramos na Dialética Transcendental certas passagens que preservam
a possibilidade de nos referirmos a objetos intensionais. Assim, Kant afirma: “que possa
haver habitantes na Lua, embora nenhum ser humano jamais os tenha percebido,
certamente tem que ser admitido. Mas isso significa tão-somente que poderíamos nos
deparar com eles no possível progresso da experiência” (CRP B 521).
Em seguida, Kant se refere ao “objeto transcendental”: “A causa não-sensível
destas representações nos é totalmente desconhecida, e por isto não podemos intuí-la
como objeto; pois um objeto semelhante teria que ser representado nem no espaço nem
no tempo...condições sem as quais não podemos pensar nenhuma intuição. Enquanto
isso, podemos denominar a causa unicamente inteligível dos fenômenos em geral de
objeto transcendental, e isto só a fim de que tenhamos algo correspondente à
sensibilidade enquanto uma receptividade. A este objeto transcendental podemos
atribuir toda a extensão e interconexão das nossas percepções possíveis e dizer que ele é
dado em si mesmo antes de toda a experiência” (CRP B 522-523); e ele conclui: “dizer,
porém, que eles existem antes de toda a minha experiência significa tão-somente que
eles podem ser encontrados naquela parte da experiência para a qual, partindo da
percepção, tenho, antes de mais nada, que progredir. A causa das condições empíricas
deste progresso, portanto, que membros posso encontrar, ou, também, até que ponto
posso encontrar um membro no regresso, é transcendental e, por isso, necessariamente
desconhecido a mim” (CRP B 524).

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Estas seções contêm alguns pontos muito importantes. Primeiro, Kant admite
que possamos encontrar novos objetos empíricos, isto é, que há um progresso do
conhecimento empírico de tal forma que o que não é dado em um determinado
momento histórico pode ser dado em um momento subsequente (neste caso, é claro, não
se trata do “incondicionado”, que não pode ser dado, mas de algo que foi assumido em
um dado momento como premissa para uma conclusão sobre questões empíricas, e que,
em um momento posterior, veio a ser dado empiricamente). Segundo, Kant parece estar
afirmando que não é possível determinar, em termos de uma semântica a priori, quais
objetos serão ou não encontrados na experiência possível – isto é, essa questão é
pertinente apenas para processos cognitivos em curso, ou seja, para uma prática
científica, e não para a análise das condições gerais do conhecimento.

3. A legitimidade da crença realista


Os critérios kantianos para identificar, entre os objetos não dados atualmente,
aqueles para os quais temos motivos racionais para projetar como objetos da
experiência possível, foram apresentados na Doutrina Transcendental do Método.
Decerto a referência a objetos que não estão presentes na experiência atual pode
nos levar a erros semânticos. Kant teria nos mostrado como evitar esses erros, mas isso
não implica, de forma alguma, que sejamos proibidos de nos referir a certa classe desses
objetos, ou seja, aqueles para os quais temos razões para acreditar que se apresentarão a
nós na experiência possível; o que Kant efetivamente proíbe é apenas a atribuição de
realidade independente aos objetos metafísicos, aqueles que são puros produtos da
mente, e que não podem se apresentar na experiência possível.
Então, a questão que se coloca é se esta proibição conflitaria com o Realismo
Material. Considerando-se que o Idealismo Transcendental não seria uma tese
ontológica e, principalmente, considerando-se que precisamos do Realismo Material em
nossa experiência natural e na prática científica, como um meio de efetivamente ampliar
o conhecimento empírico, então a Teoria do Conhecimento kantiana não poderia ser de
modo algum ser caracterizada como “anti-realista”. O “uso prático da razão” (CRP B
825) requer uma relação com o mundo exterior; podemos conjecturar, com base em
Kant, que apenas uma razão inerte, ou um sujeito patologicamente fechado em si
mesmo, poderia dispensar tal relação. No uso prático da razão, critérios “positivos” são

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necessários para indicar quais objetos não presentes na experiência atual podemos
projetar como existentes na experiência possível. Isso equivale a um critério de
identificação de objetos intensionais, pois estes são os que, embora não dados na
experiência presente, podem vir a sê-lo na experiência possível. Tais critérios, de
natureza pragmática, não teriam sido claramente formulados por Kant, pois o filósofo,
em suas reflexões práticas, se preocupava em resgatar os objetos metafísicos – Alma,
Deus, Totalidade do Mundo – que havia excluído do âmbito do entendimento.
Os critérios “positivos” para identificação dos objetos intensionais, projetáveis
como existentes no âmbito da experiência possível, não seriam ontológicos no sentido
tradicional do termo, mas primordialmente pragmáticos. O critério básico poderia ser
formulado da seguinte maneira: se acreditamos em algo para agir, então acreditamos
na existência desse objeto, e se a ação é bem sucedida, então nossa crença em tal
existência aumenta. Este princípio estaria implícito em Kant, em um contexto
pragmático do entendimento. Ele trata do “considerar-algo-verdadeiro”, que seria “um
evento do nosso entendimento que, embora podendo repousar sobre fundamentos
objetivos, também exige causas subjetivas na mente de quem o julga” (CRP B 848).
Este tipo de juízo pode expressar uma convicção, se é “válido para qualquer pessoa na
medida em que seja dotada de razão”, ou um ato de persuasão, quando “possui o seu
fundamento tão-somente na natureza particular do sujeito”. A persuasão “é uma ilusão”
e tem apenas uma “validade privada”, mas o mesmo não acontece com a convicção.
Aqui Kant apresenta um primeiro critério para distinguir entre ilusão e uma
convicção bem fundamentada, a comunicabilidade: “a pedra de toque para se decidir se
considerar-algo-verdadeiro é uma convicção ou uma simples persuasão é, portanto, a
possibilidade de comunicá-lo e de encontrá-lo válido para a razão de qualquer ser
humano” (CRP B 848-849).
A convicção tem “três graus” (CRP B 850): o opinar, em que tanto subjetiva
como empiricamente há condições insuficientes para se provar o que se afirma ser
verdade; o crer, quando há suficiência subjetiva, mas insuficiência empírica, e o saber,
quando há tanto suficiência subjetiva quanto empírica, o que garante a certeza.
Kant compara convicção e fé (CRP B 851). A fé tem um elemento de persuasão:
“Os fundamentos subjetivos para se considerar algo verdadeiro, tais como os que podem
produzir a fé, não merecem qualquer aprovação em questões especulativas, já que não

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se mantém independentes de todo o auxílio empírico nem podem ser comunicados na


mesma medida a outra pessoa”. Ele introduz um critério para distinguir a fé persuasiva
da fé convicta: “a aposta é a pedra habitual de toque para se testar se o que alguém
assevera é uma simples persuasão ou pelo menos uma convicção subjetiva, isto é, uma
fé firme” (CRP B 852).
Temos, portanto, pelo menos dois critérios para considerar algo verdadeiro ou
não, nos casos em que temos insuficiência de condições empíricas, o que inclui os
contextos científicos nos quais há uma subdeterminação das teorias pelos fatos (vide
uma revisão deste problema em Pereira Jr. e French, 1990). É verdade que Kant
direcionará sua pesquisa sobre a razão prática para estabelecer um outro tipo de
realidade para os objetos metafísicos; entretanto, nada nos impede de fazer a pergunta
sobre a realidade dos objetos intensionais físicos (não dados na experiência real) no
campo da razão prática. Esta realidade seria muito mais plausível que a de objetos
metafísicos, pelas seguintes razões.
Quando acreditamos na existência de um objeto de experiência possível, somos
apoiados em uma base empírica – a experiência atual – a qual, embora insuficiente para
deduzir tal existência, nos permite:
a) Construir argumentos válidos logicamente que nos deem razões para acreditar na
existência desses objetos;
b) Testar nossa hipótese com base em evidências disponíveis, gerando resultados
comunicáveis e reprodutíveis por outras pessoas, como é feito rotineiramente no
contexto prático da ciência moderna e contemporânea.

Por outro lado, a crença em objetos metafísicos é prejudicada pelas seguintes


razões:
a) Esses objetos não são condições necessárias para a constituição do sujeito
cognoscente;
b) Também não são condições necessárias para o uso dos sentidos externos.

Portanto, haveria motivos para defender a legitimidade de uma crença realista no


texto kantiano. Para esse tipo de realismo, consistente com a crítica do conhecimento de
Kant e, em certa medida, exigido por essa mesma crítica, poderíamos chamá-lo de

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“Realismo Projetivo”, com base em que o objeto da crença é projetado da experiência


atual para a experiência possível, no processo sem fim de construção do conhecimento
científico.
A questão crucial contemplada pelo “Realismo Projetivo” é que podemos e
devemos atribuir valores de verdade a objetos que não são dados na experiência real,
mas que são factíveis em experiências futuras. Esta atribuição de valor supera os
modelos representacionais empiristas, uma vez que a crítica kantiana nos torna
conscientes de que tais objetos são gerados pelo pensamento, na interação com a
natureza. Por outro lado, confundir esse tipo de objeto com objetos metafísicos seria um
erro pragmático.
Tentamos mostrar nesta seção que, se não podemos afirmar com certeza que
Kant era realista, por outro lado, temos fortes razões para acreditar que ele não era um
anti-realista. Além disso, mostramos não apenas que o Realismo Material é compatível
com o Idealismo Transcendental, mas que a partir dessa união pode nascer um novo tipo
de realismo, aqui chamado de “Realismo Projetivo”. Na próxima seção traçamos
paralelos desta discussão com a Filosofia da Ciência contemporânea, na qual o debate
sobre o Realismo Científico ressurgiu como tema controvertido. Sugerimos então uma
semelhança entre o que chamamos de Realismo Projetivo e o “Realismo Referencial”
de Ian Hacking.

4. Breve aproximação ao realismo e pragmatismo na filosofia da ciência


contemporânea
A tese de Quine a respeito da subdeterminação das teorias pelos dados empíricos
(vide discussão em Pereira Jr e French, 1990) implica que de uma determinada teoria
científica não se pode inferir uma única ontologia. Entretanto, o mesmo filósofo (Quine,
1948) apontava no sentido de compromissos ontológicos assumidos pelos cientistas em
seu uso da linguagem (natural e/ou formal) na formulação de suas teorias. Esta dupla
condição (subdeterminação das teorias e compromisso ontológico decorrente do uso da
linguagem) demanda um trabalho filosófico no sentido da identificação dos elementos
úteis para uma ontologia, presentes nas diversas teorias científicas, e tessitura de uma
rede conceitual que conduza a uma ontologia sistemática.

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É importante ainda distinguir este tipo de ontologia da metafísica tradicional


criticada por Kant, que partia de doutrinas pré-estabelecidas (muitas vezes de natureza
religiosa), para construir uma concepção de realidade com elas compatível, concepção
que não raramente era usada para justificar filosoficamente a doutrina assumida. No
caso de uma ontologia de base científica e/ou para uso computacional, tal base
dogmática está ausente, sendo substituída por um processo de „bootstrapping‟ (como em
Glymour, 1990), no qual os próprios conceitos detectados no contexto científico e/ou
tecnológico são entrelaçados, formando redes que se justificam tanto por sua coerência
interna (que possibilita uma certa relação de continuidade entre as especialidades)
quanto pela força pragmática (isto é, pela sua capacidade de propiciar melhor
entendimento dos processos constituintes da realidade, no contexto científico e
tecnológico).
Para o Realismo Crítico, na versão de Velmans (2009), a experiência
fenomênica nos revela traços da estrutura do mundo, que seriam projeções de nossa
experiência atual no domínio da experiência possível. Teorias científicas e filosóficas
são elaborações da experiência atual, com o uso da linguagem para representar
características atribuídas à realidade. É de suma importância ressaltar que, neste tipo de
abordagem, “realidade” é entendida como o domínio da experiência possível. A
qualificação do Realismo como Crítico decorre de que, mesmo quando corretamente
direcionadas (conforme avaliações dos próprios pesquisadores), as teorias não deixam
de ser falíveis, contendo erros e equívocos, que podem ser evidenciados e
eventualmente corrigidos.
Como notado por Merleau-Ponty (1945), não há possibilidade de se situar em
perspectiva superior à experiência, e analisá-la tomando um referencial absoluto; a
construção do conhecimento se faz por ciclos reflexivos e intersubjetivos no domínio da
experiência possível. A experiência consciente, na qual se inclui a construção do
conhecimento científico, seria o processo da realidade (experiência possível) refletido
em si mesmo, na perspectiva de um determinado sistema que faz parte desta mesma
realidade e interage com outros sistemas que também fazem parte da realidade. As
teorias filosóficas e científicas são elaborações desta experiência, em sistemas
linguísticos voltados para a captura das regularidades do real, por meio de descrições

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das estruturas e formulação de princípios e leis que possibilitem o entendimento dos


processos experimentados.
Todo aspecto da realidade vivenciada aqui e agora (por exemplo, aparelhos sem
fio propiciando “informação à distância”, de modo semelhante à “ação à distância”
atribuída à força gravitacional) deve ser considerado como possível desdobramento dos
princípios fundamentais da realidade. Embora não tenhamos condições de conhecer
todas as possíveis combinações, podemos inferir, a partir da realidade vivenciada, quais
seriam os princípios mínimos necessários para que estas vivências ocorram
(parafraseando Kant, podemos investigar as “condições de possibilidade” da realidade
vivenciada).
A estrutura da experiência possível pode ser representada por meio de modelos
(Bunge, 1974). Um destes tipos de modelo é o Espaço de Estados, em que os conceitos
fundamentais dão suporte à geração, por meios combinatoriais, de um espaço abstrato
N-Dimensional, no qual todos os fenômenos da experiência possível possam ser
representados. Uma das utilizações deste tipo de estratégia de modelamento é a
Gramática Generativa de Chomsky (1965), na qual, a partir de um alfabeto finito e de
regras recursivas, pode-se representar o espaço de estados das construções gramaticais
consideradas corretas para um sistema linguístico.
O processo intersubjetivo de construção do conhecimento filosófico e científico
é intencionalmente voltado para uma aproximação àqueles que julgamos ser os
princípios constituintes da estrutura da experiência possível. Não podemos conhecer
todos os detalhes desta estrutura, mas podemos oferecer conjecturas a respeito de seus
princípios fundamentais; podemos ainda relacionar tais conjecturas com ações práticas
bem sucedidas, que nos sugerem a utilidade dos princípios para orientar a própria
experiência. A construção do conhecimento filosófico e científico pode ser assim
considerada como um processo de auto-organização da experiência fenomênica.
É nesta perspectiva que – contrariando um uso indiscriminado da “Navalha de
Ockam” – podem-se postular aspectos fundamentais da realidade, entendida como o
domínio da experiência possível. O que se está sustentando é que sem um destes
aspectos a nossa existência não seria possível do modo como ela acontece. Feita esta
afirmação, cabe provar, ou argumentar de modo convincente, em prol da necessidade
destes aspectos, na composição da realidade vivenciada.

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Kant e o realismo

O raciocínio que desenvolvemos em seguida se baseia no que podemos chamar


de Método Filosófico-Interdisciplinar. Não se trata de uma abordagem metafísica, em
busca de princípios explanatórios absolutos (isto é, independentes da experiência), mas
de uma abordagem pragmática, na qual se distingue três acepções da Teoria do Ser:
a) A metafísica convencional, que busca por princípios não-físicos da realidade, ou seja,
por fundamentos absolutos (independentes de toda a experiência humana) capazes de
justificar a razão de ser da realidade;
b) A “ciência universal” dos positivistas, e
c) Uma ontologia de orientação pragmática, que se constrói a partir da experiência
comum, da ciência e da tecnologia.

Na elaboração do conceito de realidade em uma ontologia pragmática, além de


se usar – com bom senso – o senso comum, julgamos ser necessário levar em conta os
resultados de testes empíricos e demonstrações teóricas considerados adequados pela
comunidade científica, assim como as terminologias científicas especializadas, os
conceitos a ela subjacentes e as tecnologias que nos possibilitam investigar e
transformar a realidade estudada. Neste tipo de projeto, pode-se restringir a investigação
aos fundamentos conceituais das ciências (como no título de Ehrenfest and Ehrenfest,
1912), geradores de um modelo de espaço de estados N-dimensional, deixando de lado
a busca por fundamentos absolutos situados em um plano supernatural, ou a assunção
de fundamentos absolutos cuja natureza não é suficientemente explicitada. Nesta
perspectiva, os argumentos filosóficos sobre a realidade devem estar “aterrados” em
modelos científicos e devem ser compatíveis com as proezas da tecnologia. Não
devemos elaborar hipóteses sobre a realidade apenas por meio de princípios a priori –
nem mesmo sobre nossas próprias capacidades cognitivas: a Teoria do Conhecimento
filosófica deveria, nesta abordagem, estabelecer diálogo com as ciências da cognição.

5. Comentários finais
Ao elaborar as teorias científicas, os pesquisadores utilizam pressupostos
conceituais que os guiam no planejamento dos experimentos. Mesmo que os resultados
experimentais não tenham uma relação direta com os pressupostos adotados, é preciso
concordar que tal adoção aumenta a chance de se conseguir tais resultados, em

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Alfredo Pereira Jr.

comparação com uma investigação feita aleatoriamente. Como Hempel (1965) apontou,
a conexão entre a teoria e os dados é indutiva, mesmo que não tenhamos um método
preciso de mensurar as probabilidades envolvidas.
O falsificacionismo de Popper (1993), que se baseia exclusivamente em
procedimentos dedutivos, é incompleto, porque lhe falta um método também dedutivo
para avaliar o grau de corroboração das consequências lógicas da hipótese pelos dados
obtidos nas observações e experimentos científicos. Entretanto, se o cientista recusar
quaisquer pressupostos teóricos de natureza filosófica, e também procedimentos
dedutivos que tomam tais pressupostos como premissas, pode passar toda sua carreira
sem alcançar resultados de interesse; exceto se um acidente de sorte acontecer, como na
descoberta da vacina por Louis Pasteur.
Na abordagem pragmática, que extrapola os limites do empirismo lógico, as
realizações práticas propiciadas pela atividade científica e tecnológica são utilizadas
como indicadores da relevância dos pressupostos filosóficos assumidos pelos
pesquisadores. Quando uma série de experimentos (um “programa de pesquisa” no
sentido de Lakatos, 1980) for bem sucedida, pode-se argumentar que a suposição
conceitual que orientou o programa seria pragmaticamente confirmada.
Embora o termo “confirmação” tenha sido introduzido por Carl Hempel para
designar uma inferência lógica de natureza indutiva, podemos estender seu significado
para abranger julgamentos que não podem ser quantificados em termos de cálculo de
probabilidades, porque há muitos fatores envolvidos – não apenas nos experimentos,
mas também nas relações socioculturais que determinam o sucesso dos
empreendimentos científicos e tecnológicos.
O casamento de filosofia e pesquisa empírica, ensejando o método filosófico-
interdisciplinar, seria, portanto, desejável para se investigar os aspectos constituintes da
realidade, tendo como critério de relevância as realizações práticas que a consideração
de tais aspectos tornou possível (Hacking, 1983); deste modo, estes aspectos seriam as
“condições de possibilidade naturais” da experiência humana, tal como ela se desenrola
na atualidade, isto é, pragmaticamente.
Se os filósofos dependem das atividades dos cientistas e tecnólogos para
investigar os princípios fundamentais da realidade, os cientistas também dependem dos
filósofos para discutir os conceitos utilizados. Todas as teorias científicas contêm

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Kant e o realismo

conceitos básicos, cujo significado é passível de discussão filosófica. Os cientistas não


têm a formação para tal discussão filosófica, por exemplo, de conceitos como
consciência, mente, entropia, forma, tempo, espaço, complexidade, etc. Sabemos que
uma elucidação de tais conceitos não se faz pela pesquisa empírica; a mera adição de
novos resultados empíricos não clarifica conceitos teórico-filosóficos.
Devemos ainda atentar para uma diferença importante entre os métodos
filosóficos e científicos. Hipóteses filosóficas não podem ser diretamente testadas por
meio de métodos científicos. As teorias filosóficas e os conceitos filosóficos utilizados
pelos cientistas são necessários para o planejamento das pesquisas empíricas, para
interpretar os resultados das observações e experimentos científicos, e para a geração de
novas tecnologias a partir dos resultados científicos. Deste modo, é possível avaliar
indiretamente a relevância de uma teoria filosófica e/ou de conceitos filosóficos
utilizados nas ciências de acordo com o sucesso pragmático dos programas de pesquisa
básica e aplicada que os utilizam.
Este tipo de argumento (conhecido como “argumento do sucesso”; vide uma
refutação de seus principais críticos em Lewis, 2001) não tem o poder de provar uma
realidade independente da mente (vide, por exemplo, a clássica crítica antirrealista de
van Fraassen, 1980), mas pode carrear fidedignidade para conceitos teóricos usados nas
teorias e produtos decorrentes de sua aplicação tecnológica; por exemplo, a transmissão
de imagens e sons por meio de ondas eletromagnéticas, fenômeno natural utilizado pela
engenharia humana em seus artefatos tecnológicos, aumenta nossa confiança nas teorias
que postulam a existência de uma estrutura destas ondas e de sua capacidade de
transmitir informação.
O Realismo Referencial de Hacking (1983) é suportado pelo “argumento do
sucesso”, embora este argumento não seja suficiente para suportar um Realismo
Metafísico. Como não estamos interessados em defender o Realismo Metafísico, nos
contentamos com o Realismo Referencial, uma variedade de realismo crítico que
suporta uma ontologia pragmática. Sugerimos aqui uma semelhança entre este Realismo
e o que chamamos de Realismo Projetivo em Kant, pois ambos derivam de contextos
pragmáticos nos quais é o progresso da pesquisa empírica e de suas aplicações práticas
que possibilita distinguir entre o que existe no âmbito da experiência possível (a
Realidade à qual se refere o Realismo Projetivo), e aquilo que transcende este domínio.

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Alfredo Pereira Jr.

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