Medusão de Microbiologia

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Oi gente, tudo bem?


Passando aqui só pra dar um recadinho importante para vocês sobre
o resumo de Microbio: este resumo foi, em grande parte, baseado
nas aulas que os professores ministraram pra gente. Desta forma, se
os professores decidirem trocar entre si quem dá cada aula, pode ser
que eles não fiquem totalmente fiéis às aulas, ok? Mas olhando os
materiais mais antigos dos drives, parece que eles não têm muito
costume de inverter.
É isto, bons estudos
Sumário
INTRODUÇÃO À MICROBIOLOGIA ..........................................................................................1
MORFOLOGIA BACTERIANA ..................................................................................................5
FISIOLOGIA BACTERIANA .................................................................................................... 15
GENÉTICA BACTERIANA ...................................................................................................... 29
MICROBIOTA HUMANA ...................................................................................................... 51
RELAÇÃO BACTÉRIA-HOSPEDEIRO ....................................................................................... 62
CONTROLE MICROBIANO.................................................................................................... 82
ANTIMICROBIANOS: MECANISMOS DE AÇÃO E RESISTÊNCIA ................................................ 96
COCOS GRAM NEGATIVOS ................................................................................................ 120
COCOS GRAM POSITIVOS.................................................................................................. 139
COCOS GRAM POSITIVOS – STREPTOCOCCUS E ENTEROCOCCUS......................................... 157
MICOBACTÉRIAS............................................................................................................... 174
BACTÉRIAS ANAERÓBIAS................................................................................................... 189
BACILOS GRAM-NEGATIVOS.............................................................................................. 207
BACILOS GRAM-NEGATIVOS – FAMÍLIA VIBRIONACEAE e FAMÍLIA PSEUDOMONADACEAE ... 239
BACTÉRIAS ESPIRALADAS .................................................................................................. 249
CLAMÍDIA, RIQUÉTSIAS E MICOPLASMAS ........................................................................... 268
MICOLOGIA...................................................................................................................... 279
DIAGNOSTICO MICROBIOLÓGICO DAS MICOSES E TERAPEUTICA EM MICOLOGA ................. 287
MICOSES SUPERFICIAIS E CUTÂNEAS ................................................................................. 299
MICOSES SUBCUTÂNEAS................................................................................................... 307
MICOSES SISTÊMICAS ....................................................................................................... 318
VIRUS – CARACTERÍSTICAS GERAIS E CULTIVO .................................................................... 334
MULTIPLICAÇÃO VIRAL ..................................................................................................... 343
PREVENÇÃO E TRATAMENTO DAS INFECÇÕES VIRAIS ......................................................... 354
PATOGÊNESE DAS INFECÇÕES VIRAIS................................................................................. 362
VIROSES HUMANAS IMPORTANTES ................................................................................... 370
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INTRODUÇÃO À MICROBIOLOGIA
Medusa - 86

Mikro (seres pequenos) + bio (vida) + logia (estudo)


Os microrganismos foram os primeiros seres vivos a habitarem a Terra
(há cerca de 3,5 – 3,8 bilhões de anos). Este grupo contempla os protozoários
(vistos na parasitologia), algas (não serão abordadas), bactérias, fungos e
vírus.
Apesar de todos estes seres possuírem tamanho microscópico, eles são
totalmente distintos: bactérias são procariotas, fungos são eucariotos, e vírus
são acelulares. Apesar de serem microscópicos, o tamanho entre os
microrganismos varia muito (como mostrado na escala abaixo). O conhecimento
dessa variação é importante para realizar técnicas de filtração microbiana (pois
cada filtro possui um poro de tamanho diferente – precisa-se saber, portanto, se
o microorganismo é maior ou menor do que o poro, para que assim seja filtrado)
e para fins diagnósticos.

• Célula procariota: 1 a 3 micrômetros


• Célula eucariota: 15 a 20 micrômetros
• Vírus: 20 a 200 nanômetros
• Fungos: maiores que bactérias, mas menores que as células humanas
normalmente
OBS: 1 micrômetro = 1000 nanômetros
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ACUIDADE VISUAL PARA AS MEDIDAS:


• Olho nu: são visíveis apenas seres maiores do 200 micrômetros
• Microscópio de luz: de 200 micrômetros a 200 nanômetros
• Microscópio eletrônico: abaixo de 200 nanômetros (por isso vírus são
normalmente vistos apenas nos microscópios eletrônicos – há exceções,
como o vírus da varíola, que possui 300 nanômetros).
IMPORTÂNCIA DOS MICROORGANISMOS:

• Causam benefício/prejuízo à saúde do homem, animais e outros seres


vivos
• Realizam ciclagem dos elementos pela degradação da matéria orgânica
(são decompositores) - São importantes na reciclagem de resíduos
• São importantes para os animais, plantas e saúde do homem
• São fonte de alimento e importantes na produção de alimentos
• Usados na síntese de produtos químicos: antibióticos, vitaminas, ácidos
orgânicos, álcoois, etc.
• Importantes na aplicação da tecnologia de DNA recombinante, terapia
gênica
• Utilizados para controle biológico (ex.: de pragas em lavouras)
Dentre os microrganismos conhecidos, a grande maioria é benéfica ou
inócuos ao homem, enquanto apenas uma pequena porcentagem é patogênica.

HISTÓRICO DA MICROBIOLOGIA

• Leeuwenhoek: pai da microbiologia (criação de lentes de 200 a 300x),


observando “animáculos”.
• Teoria da geração espontânea: até a segunda metade do século XIX,
muitos cientistas e filósofos acreditavam que algumas formas de vida
poderiam aparecer espontaneamente da matéria morta.
o Todavia, a teoria foi refutada com os experimentos de Francesco
Redi, que observou que as moscas se originavam a partir de
carnes apodrecidas apenas quando outras moscas tinham um
contato prévio com a carne; de modo que isso não acontecia se as
moscas não entrassem em contato com o alimento previamente.
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o Entretanto, a descoberta dos microrganismos reaqueceu os


debates: passou a se acreditar que os animais mais complexos não
poderiam ser originados pela abiogênese, mas os microrganismos
sim.
o John Needham: realizou experimento que mostrou que fluidos
nutritivos, quando aquecidos e em seguida resfriados e colocados
em frascos cobertos, eram abundantemente ocupados por
microrganismos

o Lazzaro Spalanzani: demonstrou que fluidos nutritivos aquecidos,


após terem sido primeiramente lacrados em um frasco, não
desenvolviam microrganismos

▪ Os críticos responderam que a “força vital” necessária para


a geração espontânea tinha sido distruída pelo calor e pelo
fato de tampar o frasco
o Pasteur: com o experimento do pescoço de cisne, teve resultados
conclusivos. Colocou-se um líquido nutritivo no interior de um
frasco e depois se alongou o seu bico. Em seguida, o líquido foi
fervido e tornou-se estéril. Os microrganismos ficavam contidos na
parte inicial do bico encurvado, não desenvolvendo nada na
solução estéril. Todavia, quando se tirava o pescoço de cisne
(quebrava o bico do vidro), os microrganismos conseguiam
alcançar o líquido e passavam a lá se desenvolver.
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o Idade de ouro da microbiologia: 1857-1911. Pasteur, Koch, Chagas


• Primeira cirurgia asséptica: Lister (1867)
• Pasteur: com seu experimento, deu origem ao processo de pasteurização,
utilizado na indústria alimentícia.
• Teoria microbiana das doenças: Postulados de Koch

NOMENCLATURA BINOMINAL:
Fungos e bactérias seguem como dos seres vivos: Gênero + espécie ou Gênero
+ espécie
Ex.: Escherichia coli ou Escherichia coli

• Podem ser devido a homenagens nominais


o Escherichia (nome de quem descobriu) coli (fica no cólon)
• Podem ter relação com morfologia e organização
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MORFOLOGIA BACTERIANA
Medusa – 86

A Morfologia Bacteriana abarca diferentes formas e arranjos, tanto no


aspecto macroscópico quanto no microscópico.
Forma macroscópica:
É possível observar a olho nu a morfologia da colônia, e não da bactéria
em si. A velocidade de duplicação (tempo de geração) das bactérias é em média
de 15 a 20 minutos (mas há algumas mais rápidas que realizam isso em até 7
minutos). Características específicas do tipo de organismo podem ser
identificadas ao observar a sua colônia (ex.: tamanho, coloração, relevo, etc).
O meio de cultura (diferencial) possibilita o crescimento de diferentes tipos
de bactérias em cores distintas.
Forma microscópica – Formas básicas:

• Esférica (cocos): Grupo homogêneo em relação ao tamanho, sendo


células menores (0,8 a 1,0 micrômetros)
• Cilíndrica (bacilos): Forma de bastão, podendo ser longos ou delgados,
pequenos ou grossos, com a extremidade reta ou arredondada.
• Espiraladas
o Espirilos: possuem corpo rígido e se movem às custas de flagelos
externos
o Espiroquetas: são flexíveis e bem finas. Locomovem-se
provavelmente às custas de contrações do citoplasma
Forma microscópica – Formas de transição:
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• Cocobacilos: bacilos muito curtos, parecendo cocos

• Vibriões: espirilos muito curtos, assumindo formas de vírgula

Arranjos: Os arranjos podem funcionar como critério para nomear as bactérias


• Diplococos: aparecem aos pares
• Estreptococos: forma uma cadeia (a bactéria vai se dividindo e não se
separa)
• Tétrade: 4 células
• Sarcina: 8 células, como em um cubo
• Estafilococos: arranjos irregulares, formando uma massa como um cacho
de uva.
• Diplobacilos: aos pares
• Estreptobacilos: em forma de cadeia

ESTRUTURAS DA CÉLULA BACTERIANA


A célula bacteriana não possui compartimentalização (seu núcleo não
está envolvido por membrana, estando agrupado em um local denominado zona
nucleoide) e nem organelas membranosas. Há ribossomos (vistos como
grânulos na MO). As bactérias possuem membrana plasmática e por vezes
parede celular (a qual faz com que a bactéria possua uma forma definida e
rígida).
As seguintes estruturas estão sempre presentes na bactéria:
1. Nucleoide
Zona em que fica compactado o material genético, estando associado a
proteínas (as quais não são histonas, não confundir!). O DNA não é delimitado
por membrana. Normalmente o DNA bacteriano é circular e único, sendo
formado por uma fita dupla hélice superenovelada com 1mm de comprimento.
2. Membrana plasmática:

Possui função de transporte e permeabilidade seletiva, assim como nos


eucariotos. Além disso, nos procariontes, o processo de geração de energia
ocorre na membrana plasmática, onde estão localizadas as enzimas para
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realização dos processos de produ ção energética. É formada por uma bicamada
lipídica com proteínas transmembrana e poros. Os fosfolipídeos das
membranas são formados por cabeças hidrofílicas com caudas hidrofóbicas. As
funções da membrana são:

• Transporte de solutos
• Produção de energia
• Biossíntese de macromeléculas: lipídios de membrana,
peptidoglicanos, polissacarídeos extracelulares (em algumas) e
duplicação de DNA.

3. Ribossomos

Os ribossomos procariotos são diferentes dos eucariotos. Eles possuem


tamanho diferente e as unidades de segmentação também são diferentes. A
importância desta diferença é que alguns antibióticos inibem a síntese proteica
apenas das bactérias, e não do hospedeiro, por possuírem afinidade com os
ribossomos das células bacterianas, e não com os do ser humano. Os
ribossomos bacterianos possuem uma subunidade 50s e uma 30s, sendo que
cada antibiótico pode se ligar a uma ou a outra. Por atingirem o funcionamento
das bactérias inespecificamente, estes antibióticos acabam atingindo as
bactérias da flora também.
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4. Citoplasma
É formado por água, macronutrientes, compostos de baixo peso
molecular e íons, sendo o sítio em que ocorrem as reações químicas
Estruturas que nem sempre estão presentes em bactérias:
1. Parede celular:
A maioria das bactérias possui, mas algumas n ão a apresentam. Suas
funções são:
• Manutenção da forma celular
• Suportar a elevada pressão osmótica – proporciona proteção contra
lise osmótica
• Auxiliar na divisão celular

A divisão em Gram positivas e Gram negativas ocorre devido a diferenças


presentes na parede celular. Gram é uma coloração diferencial, que apresenta
resultados diferentes dependendo dos componentes presentes na parede celular
da bactéria. A coloração de Gram é feita a partir de 2 corantes: o cristal violeta
(que é adicionado primeiramente) e o iodo (que é acrescentado em seguida).
Juntos, estes dois corantes se ligam e formam um complexo: o complexo cristal
violeta-iodo. Este complexo não consegue sair de dentro da bactéria, ficando
aprisionado em seu interior. Adiciona-se em seguida álcool, realizando uma
lavagem. Com a adição do álcool, algumas bactérias perdem o corante,
enquanto outras o mantém. Para melhor visualização, adiciona-se a safranina
(corante vermelho utilizado para corar as bactérias que perderam o corante e
ficaram incolores com a adição do álcool). A bactéria gram positiva é a que fica
corada em roxo e a gram negativa é a que fica corada em vermelho.

Parede celular de bactéria Gram positiva:


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Possui várias camadas de peptidioglicanos (de modo que estes formam


cerca de 90% da parede). Os peptideoglicanos são compostos exclusivos de
bactérias, e são alvo da ação de antibióticos (ex.: penicilina atua inibindo a sua
síntese). Os peptideoglicanos são formados por sequências de NAM (ácido N -
acetilmurâmico) e NAG (N-acetilglicosamina). Cada camada da parede celular é
formada por uma alternância de NAM e NAG. Cada cadeia (camada)se liga à
outra por um tetrapeptídeo.

As bactérias Gram positivas possuem ácido teicoico (polissacarídeo ácido


com resíduo de glicerol fosfato ou ribitol fosfato). Estão relacionados com a
adesão da bactéria a superfícies.

Parede celular de bactéria Gram negativa:


Ao contrário das bactérias Gram positivas, as Gram negativas possuem
poucos peptideoglicanos (poucas camadas – cerca de 10% da parede). A sua
parede celular é formada por uma membrana externa (a qual por vezes é
responsável por levar a uma menor pearmibilidade da bactéria Gram negativa)
e por um espaço periplasmático:
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• Espaço periplasmático: se localiza entre a membrana externa e


membrana citoplasmática. Possui enzimas e atividade metabólica
importante
• Membrana externa: é marcada por lipopolissacarídeos (LPS – os quais
funcionam como uma endotoxina ao serem liberados no organismo) e
proteínas como porinas e lipoproteínas. Isso faz com que alguns
antibióticos não a ultrapassem. A diferenciação da coloração Gram
ocorre devido a uma desestruturação da membrana externa da parede
celular da bactéria Gram negativa, fazendo com que ela se desintegre e
assim o corante violeta saia, ficando incolor. O álcool não é capaz de
desestruturar a membrana da Gram positiva, mantendo o complexo cristal
violeta-iodo em seu interior
o Os LPS são endotoxinas (toxinas que são parte integrante das
bactérias Gram negativas e que só são liberadas após a lise
celular). São formados por uma parte lipídica (tóxica) e uma parte
formada por açúcar. A parte lipídica está ancorada na membrana
(na bicamada lipídica) e a parte de açúcar se projeta para o meio
externo. As manifestações dos efeitos tóxicos das bactérias
ocorrem com a morte celular, quando a bactéria é lisada (e com
isso as endotoxinas são liberadas). Por isso, ao se utilizar alguns
antibióticos que rompem a bactéria, causa-se a ativação de
macrófagos, levando a ativação do sistema complemento,
leucocitose, liberação de citocinas, podendo levar a
trombocitopenia, coagulação intravascular disseminada, febre,
diminuição da circulação periférica, choque e morte.
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o Todo antibiótico para Gram negativa possui esse efeito em


menor ou pior grau. Normalmente, estes efeitos indesejados são
contornáveis e desaparecem após um período de tempo
o As bactérias Gram negativas são pouco sensíveis à penicilina e às
sulfonamidas

2. Fímbrias e Pili:
o Fímbrias: São estruturas numerosas e mais curtas do que os
flagelos. Possuem função de adesão, podendo ser utilizadas para
aderir a bactéria a receptores da célula hospedeira, por exemplo.
Estão presentes apenas nas bactérias Gram negativas.

o Pili: Realiza transferência de material genético (nas bactérias, o


material genético pode ser transferido por transformação,
transdução e conjugação, sendo este último o meio no qual o pili é
utilizado). É uma estrutura maior do que as fímbrias, mas está
presente em menor número (podendo ser único ou em poucas
unidades). Conecta uma bactéria a outra, funcionando como um
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tubo para transportar o DNA. Estão normalmente presentes nas


Gram negativas.

3. Flagelos:
Se as bactérias apresentam flagelos, são bactérias móveis. Devido a isso,
estas bactérias formam colônias não tão bem definidas quanto as formadas
pelas não móveis. A locomoção é realizada por meio de movimento rotatório.
Os flagelos são formados por proteínas chamadas de flagelinas, as quais
formam longos filamentos que partem do corpo da bactéria e se estendem
externamente ao meio. São classificados em:
o Monotríquio: flagelo único
o Anfitríquio: nas duas extremidades
o Peritríquio: ao redor de toda célula
o Lofotríquio: tufos (vários saindo em apenas uma extremidade)

4. Endosporos:
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São esporos formados no interior das bactérias para conferir-lhe


resistência. Atuam como estrutura de sobrevivência em condições
ambientais desfavoráveis. São as estruturas vivas mais resistentes
conhecidas. São produzidas no interior das bactérias, sendo células
altamente diferenciadas e que possuem pouca quantidade de água. São uma
forma de sobrevivência, e não uma forma de reprodução.
o Ex.: Bactérias sem endósporos podem possuir menores taxas de
sobrevivência a altas temperaturas do que bactérias com
endósporos.
o São estruturas de importância para a indústria alimentícia (ex.: se
a bactéria sobrevive a altas temperaturas, é mais difícil de eliminá-
la antes da alimentação, e, se ela liberar exotoxinas, isto pode ser
algo prejudicial para a saúde humana).
o Processo de esporulação: a bactéria passa da forma vegetativa
para a forma com esporos. Ocorre quando as condições estão
desfavoráveis.
o Processo de germinação: o esporo maduro se torna uma célula
vegetativa quando as condições estão favoráveis.

o São resistentes ao calor, desidratação, valores extremos de pH,


radiação (principais gêneros: Bacillus e Clostridium)
o A presença de esporos funciona como um fator de virulência da
bactéria.

5. Plasmídeo:
Porção de DNA acessório que pode ser transmitido de uma bactéria para
outra. Carregam genes específicos.

6. Grânulos de reserva/Inclusão:
Consistem em grânulos de substâncias armazenadas, sendo estas
principalmente reservas energéticas. Exemplos: grânulos de glicogênio, amido,
lipídeos, polifosfato, óxido de ferro (magn etossomos).
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7. Glicocálice:
É um revestimento feito de açúcares (polissacarídeos) que envolve a parede
celular. Pode ser classificado em:
• Cápsula: quando o glicocálice está bem organizado e firmemente aderido
à parede celular. Normalmente, segue a forma da bactéria. É um fator de
virulência, pois pode impedir a fagocitose.
• Camada viscosa: está pouco organizado e fracamente aderido à parede
celular. Pode ser utilizado na indústria alimentícia como espessante
(goma xantana).
o Pode auxiliar na adesão (ex.: placa bacteriana da cárie) e também
funcionar como reserva energética (usa o açúcar em seu
metabolismo).
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FISIOLOGIA BACTERIANA
Medusa - 86

A Fisiologia Bacteriana consiste no estudo das funções mecânicas, físicas


e bioquímicas das bactérias - o funcionamento deste organismo.

As células microbianas são formadas, em sua maioria, por carbono,


hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, fósforo e enxofre (CHONPS). Estes 6 elementos
são necessários em maior quantidade pelas bactérias (do que os outros
elementos). Elas os obtêm por meio da disponibilidade no meio de cultura. A
partir destes elementos, a bactéria sintetiza as suas macromoléculas e
constituintes celulares.
Além destes elementos, há alguns íons que são importantes para
atividade enzimática (como Na+, Ca+2, Mg+2, K+, Cl-).
No laboratório, todos estes nutrientes devem estar contidos no meio de
cultura. Quanto mais complexos os microrganismos (mais fastigiosos), mais
nutrientes são necessários para o seu desenvolvimento.

Fatores que afetam o crescimento bacteriano:


A. Químicos:
1. Água

Necessário para o funcionamento adequado das enzimas


2. Macronutrientes:

Necessários em maior quantidade. Os 6 CHONPS acima.


3. Micronutrientes:
São utilizados principalmente como cofatores enzimáticos. São utilizados em
menor quantidade (algumas bactérias nem necessitam destes micronutrientes,
como a E. coli). São os cátions e ânions citados acima.
4. Fatores de crescimento:
São necessários em pequenas quantidades por determinados micro-
organismos, que não são capazes de sintetizar esses fatores. São vitaminas,
aminoácidos, purinas e pirimidinas. Por vezes, há bactérias que possuem uma
maior necessidade de vitaminas do que os humanos. As funções destes fatores
de crescimento são:

• São precursores de constituintes celulares


• São parte de coenzimas em reações enzimáticas
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B. Ambientais:
1. Temperatura:
É o fator que mais exerce influência no crescimento bacteriano. Em taxas
mais baixas de temperatura, há uma menor taxa de crescimento bacteriano. Isto
ocorre pois a membrana lipídica fica mais sólida, e, como ela possui a função de
produção de energia nas bactérias, há uma menor taxa de crescimento e menor
transporte de substâncias. Devido a esta menor proliferação, a baixa
temperatura é uma boa estratégia de controle microbiano.

Conforme se aumenta a temperatura, há um aumento na taxa de


crescimento (as reações enzimáticas aumentam), até ser alcançada uma
temperatura ótima de crescimento: acima dela, ocorre a desnaturação de
proteínas e enzimas, havendo uma queda na taxa de crescimento e alterações
na membrana. O aumento de temperatura pode até levar à morte celular (isto
explica porque as altas temperaturas são utilizadas como estratégia para
esterilização).
• Temperatura mínima: mínimo para haver crescimento
• Temperatura ótima: máximo de crescimento bacteriano
• Temperatura máxima: sem crescimento bacteriano

As bactérias, de acordo com a temperatura ótima, podem ser classificadas


em:
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• Psicrófilos: 10-15ºC
• Psicotróficos: 25ºC
• Mesófilos: normalmente as patogênicas estão nesta faixa – 36-37ºC.
Deterioradores de alimentos também estão neste grupo.
• Termófilos: 60-70ºC
• Hipertermófilos: 100ºC. Próximos a vulcões e no fundo do oceano (?)

Para que cada bactéria consiga sobreviver em diferentes condições de


temperatura, elas possuem diferentes enzimas com diferentes estabilidades.

2. pH

De acordo com o pH necessário para o que organismo se desenvolva de


maneira ótima, os microrganismos podem ser divididos em:
• Acidófilos: próximo a 3,5
• Neutrófilos: próximo a 7. A maior parte das bactérias se encontra nesta
faixa.
• Alcalófilos: próximo a 8

3. Concentração salina
Os microrganismos são divididos em:
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• Não halofílico: não dependem da concentração de NaCl do meio de


cultura. Maioria dos organismos.
• Halotolerantes: necessitam de 5 a 8% de NaCl na cultura
• Halofílicos: necessitam de aproximadamente 15% de concentração salina
para crescer
• Halofílicos extremos: necessitam de cerca de 30% da NaCl no meio. Estes
microrganismos são normalmente encontrados em ambientes marinhos.

Como a grande maioria dos microrganismos é não halofílico, a adição de sal


ou açúcar também é uma boa estratégia para controle microbiano.

4. Pressão osmótica

• Ambiente Isotônicos: Normalmente são os preferíveis. Ocorrem trocas de


água com o meio externo, mas elas não impactam a fisiologia da célula
bacteriana.
• Ambiente Hipotônicos: há menor concentração de soluto no meio. Ocorre
a lise celular se um organismo adaptado a ambiente isotônico é colocado
neste meio.
• Ambiente Hipertônicos: há maior concentração de soluto no meio. Ocorre
a desidratação se um organismo adaptado a ambiente isotônico é
colocado neste meio.
• Osmofílicos: são organismos que requerem altas pressões osmóticas
(ambientes ricos em açúcar).
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5. Atmosfera
É o segundo fator mais importante para o crescimento. Refere-se ao acesso
que o organismo possui ao oxigênio.

• Aeróbios estritos: utilizam O2 como aceptor final de elétrons. Estes


organismos realizam a respiração celular como mecanismo de obtenção
energética. A utilização deste mecanismo possibilita a fabricação de uma
maior quantidade de ATP. Como há mais ATP, estes microrganismos
crescem mais rapidamente do que os outros. Ao serem colocadas em um
tubo de ensaio, as células bacterianas aeróbias estritas tendem a se
acumular na superfície do tubo, local mais próximo do O2
• Anaeróbios estritos: realizam respiração sem O2 (anaeróbica, utilizando
outros aceptores finais que não o O2). Tendem se acumular no fundo do
tubo de ensaio (mais longe possível do O2 – o O2 é tóxico em suas formas
reativas a estes microrganismos)
• Anaeróbios facultativos: conseguem fazer respiração aeróbica,
anaeróbica ou fermentação. Se adaptam mais facilmente às diversas
condições – podem habitar diversos tipos de ambientes. Se distribuem
por todo o tubo, mas ficam concentradas mais perto da superfície para ter
O2 e gerar mais energia pelo processo de respiração celular.
• Microaerófilos: Fazem respiração aeróbica, mas requerem menor
quantidade de O2 do que a presente na atmosfera para viverem
adequadamente. Ficam um pouco mais abaixo do local que os aeróbios
estritos ficam no tubo.
• Anaeróbios aerotolerantes: Independem da ausência ou dependência de
O2. Fazem fermentação. Se distribuem ao longo de todo o tubo
uniformemente.
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Quando se é utilizado o O2 no processo de obtenção energética, são


gerados subprodutos deste metabolismo, chamados espécies reativas de O2
(radicais livres). Para que ocorra a redução completa do oxigênio, é necessário
que o O2 receba 4 elétrons:

• 1 elétron recebido: torna-se ânion superóxido


• 2 elétrons recebidos: torna-se peróxido de hidrogênio
• 3 elétrons recebidos: torna-se radical hidroxila
• 4 elétrons recebidos: torna-se água: é quando ocorre a redução
total

Se 1 a 3 elétrons são recebidos, há a formação das espécies reativas.


Estas moléculas possuem este nome pois possuem cargas, e devido a isso
reagem com macromoléculas e realizam a oxidação de lipídios, proteínas e DNA
(causando morte celular).
Devido a isso, existem nos metabolismos aeróbicos enzimas específicas
para reagir com as espécies reativas e eliminá-las (processo denominado
detoxificação). Estas enzimas são:
o Superóxido dismutase (SOD)
o Catalase
o Peroxidase
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Os aeróbios e anaeróbios facultativos possuem SOD e catalase (alguns


possuem peroxidase). Os anaeróbios são incapazes de eliminar as espécies
reativas, morrendo em contato com o O2.

VISÃO GERAL DO METABOLISMO


Há reações catabólicas e anabólicas. Nas reações catabólicas, os
substratos são quebrados e convertidos em produtos por meio de reações que
são utilizadas para liberar energia (que será armazenada e utilizada
posteriormente). Os substratos são geralmente lipídios, carboidratos ou
proteínas. Nas reações anabólicas, ocorrem vias de biossíntese para
constituição de macromoléculas e demais constituintes celulares. As vias
anabólicas utilizam a energia gerada pelas reações catabólicas. As formas de
armazenamento da energia são a geração do o ATP e a força próton-motora
(presente na membrana mitocondrial no organismo eucarioto; na bactéria está
na membrana plasmática).

Há também outros compostos que armazenam energia dentro da célula


(glicose-6-fosfato, fosfoenolpiruvato), mas o ATP é o principal (é a “moeda
energética”).
A energia produzida é utilizada para:
o Crescimento e multiplicação celular (por divisão binária)
o Transporte de nutrientes e excreção de metabólitos indesejáveis através
da membrana
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o Reparo e manutenção da célula


o Motilidade
o Síntese de componentes estruturais (proteínas, ácidos nucleicos,
polissacarídeos, fosfolipídios): anabolismo.

Fontes de carbono e energia:


Dependendo da fonte de C que o indivíduo utiliza, o indivíduo pode ser:
o Autotrófico: utiliza C inorgânico
o Heterotrofico: utiliza C orgânico

Dependendo da fonte de energia que o indivíduo utiliza, o indivíduo pode ser:


o Fototrofico: utiliza energia proveniente da luz
o Quimiotroficos: utiliza energia proveniente de compostos químicos

Os organismos patogênicos são geralmente heterotróficos


quimiotroficos (quimio-organotróficos/quimio-heterotróficos)

Grupos nutricionais: classificação baseada na junção entre a forma de carbono


utilizada e a fonte de energia utilizada
o Quimioautotróficos
o Quimioheterotróficos (o mais importante)
o Fotoautotróficos
o Fotoherotróficos
As estratégias metabólicas dos quimioheterotróficos são: Respiração
aeróbia, respiração anaeróbia e fermentação

FERMENTAÇÃO
Neste processo de obtenção energética, há a degradação parcial do
substrato. Normalmente são degradados carboidratos, mas também podem ser
degradadas proteínas (este último metabolismo é realizado pelas bactérias do
gênero Clostridium). Uma infecção por microrganismos anaeróbicos que fazem
fermentação de proteína apresenta odor de carne podre.
Na fermentação, não há aceptor externo de elétrons. O piruvato é o
aceptor final de elétrons: ele é reduzido (recebe os elétrons), formando os
subprodutos da fermentação.
A síntese do ATP é feita pela fosforilação a nível de substrato (não há
cadeia de transporte de elétrons). Consequentemente, estas bactérias possuem
menor rendimento energético (2 ATP/Mol de glicose fermentada) e seu
crescimento é mais lento. A fermentação pode ocorrer na presença ou na
ausência de O2 (não interfere no processo).
23

No processo de fermentação, há a via glicolítica, que ocorre até o


momento em que a glicose é convertida em ácido pirúvico. Nesta via, o saldo
total é de 2 ATP por mol de glicose (são formados 4, mas são utilizados 2). Em
seguida, ocorre a redução do piruvato, processo no qual o piruvato recebe
então os elétrons carreados pelo NADH, sendo reduzido para formar os
subprodutos da fermentação:
o Fermentação láctica: lactato
o Fermentação alcoolica: etanol
o Acetato, formato e CO2 (em algumas bactérias em específico)

A quantidade de ATP gerada é pequena e ocorre apenas pela fosforilação


a nível de substrato. A ligação pirofosfato do ATP é formada pois um
intermediário de alta energia (que está fosforilado) doa diretamente a energia na
forma de ligação pirofosfato para o ADP.

RESPIRAÇÃO AERÓBIA
A primeira etapa da respiração aeróbia é idêntica à glicólise - até o
momento em que é formado o piruvato. Todavia, na respiração aeróbia ele é
24

oxidado (e não reduzido). Os elétrons gerados do ciclo de Krebs e na via


glicolítica são armazenados na forma de NADH e FADH2 – os quais seguem
então para a cadeia transportadora de elétrons, que está na membrana
citoplasmática da célula.
Há formação de 2 ATP (por fosforilação a nível de substrato) na via
glicolítica e de 2 ATP (por fosforilação a nível de substrato) no CK.

O NADH e o FADH2 são direcionados para a cadeia de elétrons, de modo


que passam a doar seus elétrons para o primeiro componente desta cadeia. Os
elétrons passam pelos componentes da cadeia transportadora até chegar ao
oxigênio (e realizar a redução final). Na cadeia, há 3 pontos de extrusão de íons
H+, que saem da célula conforme os elétrons vão passando. Os H+ que saem
se acumulam na parte externa da membrana plasmática. Estes H+ são
provenientes da água presente no citoplasma da bactéria. O OH- fica acumulado
na face interna da membrana e o H+ na face externa, o que proporciona a criação
de uma diferença de carga entre as diferentes faces – sendo esta um dos
componentes necessários para originar a força próton-motora.
25

Como há mais H+ na face externa, o pH lá é mais ácido. O gradiente


eletroquímico (diferença de pH e de carga) é o que constitui a força próton-
motora. Esta força próton-motora funciona como estratégia de armazenamento
de energia por fosforilação oxidativa.
Como existe uma diferença de concentração dos íons H+, a tendência é
que o H+ volte para dentro da célula pela membrana (mas ele não consegue
realizar isso devido à carga + que a membrana está apresentando devido à alta
concentração de H+ na face externa). Devido a isso, a única maneira do H+
retornar para o interior da célula é passando pela ATP sintase. O fluxo de H+
para dentro da célula faz com que a ATP sintase rode – a sua rotação auxilia na
síntese do ATP. Para cada 3 ou 4 H+ que passam, há 1 ATP gerado.

Na teoria, são gerados 38 ATP, mas o rendimento é por volta de 36 ATP


na prática. São gerados ATP diretamente por fosforilação a nível de substrato
(na glicólise e no CK) e por meio da fosforilação oxidativa (na cadeia
transportadora de elétrons). Esta maior quantidade de ATP explica porque os
seres aeróbicos crescem mais rápido.
26

RESPIRAÇÃO ANAEROBIA
Como o O2 não está presente em todos os ambientes, há processos de
respiração nos quais o O2 não é o aceptor final de elétrons, de modo que são
utilizados os aceptores alternativos de elétrons. Há enzimas especificas que
definem qual será o aceptor final utilizado (NO3-, Fe3+, SO4-2, CO3-2 e CO2).
A primeira etapa da respiração anaeróbia é a mesma da respiração
aeróbica (há a glicólise e o CK com fosforilação a nível de substrato). Na
segunda etapa, os elétrons também vão para a cadeia transportadora, é
gerada a força próton-motora e há a síntese de ATP – o que difere é o aceptor
final de elétrons (que não é o oxigênio).
A menor quantidade de ATP gerada ocorre devido ao fato de o aceptor
final de elétrons não ser o O2 (a quantidade é menor que a da aeróbica porque
o O2 é mais eletronegativo). Devido a isso, os micro-organismos que realizam
respiração anaeróbia se reproduzem mais lentamente que os que realizam
respiração aeróbia, mas mais rapidamente do que os que realizam fermentação.

CRESCIMENTO BACTERIANO
Fissão binária
Neste modo de divisão celular, a célula se divide, originando duas novas
células idênticas (nas quais, por vezes, podem ocorrer mutações). É necessário
que sejam duplicadas todas as estruturas internas e externas. Suas etapas são:
1 – A bactéria duplica o DNA
2 – Há a formação de um septo na membrana plasmática
3 – A bactéria se divide em 2.
Esta divisão ocorre de forma exponencial, de modo que o número inicial
afeta o número final (1,2,4,8,16...). O tempo necessário para que a bactéria se
divida em 2 (duplique a população) é chamado de tempo de geração. Este
tempo é bastante variável de acordo com o microrganismo, mas quanto melhor
estiverem as condições, mais rápida será a multiplicação.
Crescer = aumentar o número de células (se aumentou a população
inicial). É percebido que uma bactéria se duplicou por meio da turvação do meio
de cultura líquido ou por meio da formação de colônias em meio sólido (possuem
cores/formatos/tamanhos diferentes).
27

Curva de crescimento bacteriano: Ao se colocar a bactéria em um meio de


cultura com ambiente ótimo, há 4 fases de crescimento:

1. Fase lag: a bactéria deve inicialmente se adaptar ao meio de cultura (ex.:


passar da temperatura do freezer de -20ºC para a condição atual). Sua
duração depende de cada microrganismo e das condições ambientais
(quanto melhor as condições, mais rápida). A multiplicação já tem início
no final desta fase.
2. Fase exponencial/logarítmica: há o crescimento bacteriano
exponencial. Ocorre intensa atividade metabólica e divisão celular. Este
aumento de células não é contínuo, porque os nutrientes do ambiente vão
começando a cessar e começa a haver acúmulo de metabólitos - assim,
a velocidade de duplicação vai progressivamente diminuindo.
28

3. Fase Platô/Estacionária: Quando a bactéria diminui a sua velocidade


de duplicação, se igualando ao número das que vão morrendo. É
decorrente da depleção de nutrientes e acúmulo de metabólitos no meio.
4. Morte celular: O número das bactérias que morrem é superior ao das
que se duplicam. Morrem e sofrem lise normalmente. Nunca chega a 0
(pois as bactérias nunca somem totalmente, ficando em formas latentes).
Estas 4 fases ocorrem apenas em um ambiente ótimo. As bactérias em
processos infecciosos não passam pelas 4 fases desta maneira, pois os
nutrientes e as condições do ambiente podem ir variando.
Muitos dos compostos produzidos pela indústria e fatores de virulência dos
microrganismos são produzidos no início da fase estacionária. Como estes
compostos são necessários para a contaminação, eles funcionam como uma
estratégia do organismo para permanecer no local mesmo quando a sua
multiplicação celular já está cessando. A produção destes compostos também
pode ocorrer durante a fase exponencial (nos dois casos citados acima).

UFC por ml: unidade formadora de colônia por ml (como se conta quantas
bactérias há no meio de cultura sólido). Podem ser contadas também por
densidade optica (se o meio for líquido).
29

GENÉTICA BACTERIANA
Medusa - 86

Há algumas diferenças entre os mecanismos que ocorrem na genética


das bactérias e os que ocorrem na genética dos eucariotos.
O cromossomo bacteriano é único, com DNA dupla hélice e circular -
suas extremidades são unidas (não são lineares como nos eucariotos). O
tamanho do cromossomo varia nas bactérias (indo de 580 a 10.000 kb). Esta
diferença ocorre porque durante a evolução, algumas bactérias foram perdendo
alguns genes, mantendo apenas os que eram essenciais ao seu
desenvolvimento.
O DNA bacteriano possui replicação autônoma: há uma região no DNA
bacteriano denominado origem de replicação (origem) – ponto a partir do qual
se inicia o processo de replicação.
Não há introns, apenas partes codificáveis (não há material genético
extra como nos eucariotos – tudo o que é encontrado no material genético
bacteriano forma um produto adicional).
Também não há histonas, embora o cromossomo seja superenovelado
(utiliza o auxílio de outras proteínas semelhantes às histonas para se enovelar).
Para que o DNA caiba dentro da célula bacteriana, ele se dobra ao longo de seu
próprio eixo, sendo superenovelado.

PLASMÍDEOS
Além do cromossomo, a bactéria também pode apresentar elementos
genéticos extracromossomais: os plasmídeos. O genoma da célula bacteriana
compreende o cromossomo e os elementos extracromossomais.
30

Os plasmídeos são moléculas de DNA fita dupla, muitas vezes circular,


de tamanho variável, que se replicam independentemente do cromossomo
bacteriano. Dentro do plasmídeo, há genes não essenciais, mas que conferem
algumas vantagens seletivas em termos de competição (como genes de
resistência a antibióticos, genes de síntese de toxinas, genes de síntese de
fatores de virulência e genes para degradação de compostos tóxicos).
Muitos plasmídeos são passiveis de transferência (de modo a
disseminar o gene, incluindo os de resistência a antibióticos). Como os
plasmideos replicam de forma independente, a célula bacteriana consegue
aumentar o número de plasmídeos mesmo se a célula não está em processo de
mitose.

Plasmídeo R (de resistência): confere resistência a 4 tipos diferentes de


antibióticos e à degradação de mercúrio. A transferência dos plasmídeos é
feita por meio do processo de conjugação.

TRANSPOSONS:
Também são elementos genéticos extracromossomais. São
chamados “elementos saltadores”. Estão localizados dentro de uma molécula
de DNA (seja do cromossomo, do plasmídeo ou do genoma viral), podendo saltar
de uma posição e se integrar a outra molécula de DNA. Isto ocorre tanto em
procariotos quanto em eucariotos.
Sua relevância é que a movimentação deste segmento de DNA de um
local para outro gera variabilidade genética, pois altera a sequência do DNA.
Pode favorecer o organismo ou não (pode ser que interrompa uma sequência
importante ou gere uma proteína nova que capacite o microrganismo a viver
melhor).

É composto por repetições de bases nucleotídeas invertidas nas


extremidades (5’ e 3’), genes necessários para a sua transferência (transposase
- enzima que cliva as sequencias para que exista a movimentação do
transposon) e por genes extras (como genes de resistência a drogas, síntese de
toxinas, síntese de enzimas).
31

REPLICAÇÃO DO MATERIAL GENÉTICO:


O que normalmente ocorre: as mesmas bases nitrogenadas presentes
nos eucariontes estão compondo o material genético dos procariontes. Os
nucleotídeos são compostos por cadeias de açúcar, fosfatos e bases
nitrogenadas. O DNA bacteriano também é uma dupla hélice, complementar (AT,
CG), com fitas anti-paralelas (3’ e 5’) e superenoveladas. As bases são ligadas
por ligação de hidrogênio. O DNA apenas apresenta aspecto de dupla hélice pois
as fitas são complementares e anti-paralelas.
A replicação é semi conservativa: cada fita na dupla hélice atua como
modelo para a síntese de uma nova fita complementar.

Para se abrir a dupla hélice (forquilha de replicação), há todo o aparato


enzimatico (helicases, primases, etc). A síntese da fita complementar ocorre de
maneira diferente nas 2 fitas após se abrir a dupla hélice. Isto ocorre pois a DNA
polimerase apenas segue em um sentido: de 5’ para 3’. Como as fitas que
compõem a dupla-hélice são anti-paralelas, o sentido de 3’ para 5’ acompanha
32

a abertura da forquilha em uma das fitas (azul no exemplo abaixo) e é contrário


à abertura da forquilha na outra (vermelha no desenho abaixo).

A DNA polimerase apenas consegue acompanhar continuamente na


direção 5’ para 3’. Isso faz com que apenas a fita que possui direção de 3’ para
5’ consiga ter a sua síntese feita continuamente (já que as fitas feitas são sempre
antiparalelas). Esta fita é chamada de fita líder.
A outra fita é chamada de fita tardia. Ela vai de 5’ para 3’, e devido a isso
a DNA polimerase tem que trabalhar “contra o fluxo” da abertura da forquilha.
Para que ela consiga replicar todo o DNA corretamente, ela tem que parar a
replicação e seguir para a nova região que foi aberta na forquilha, fazendo isso
repetidamente. Devido a isso, a fita tardia possui sua replicação feita em
fragmentos, denominados fragmentos de Okazaki. Após isso, a DNA ligase vai
unindo os fragmentos, para que assim a fita fique completa.
Há mais tipos de DNA polimerase nas bactérias, mas elas possuem a
mesma função que nos eucariotos.
33

Diferença no processo de replicação nos eucariotos e nas bactérias:


A replicação nas bactérias é bidirecional (em eucariotos é apenas em um
único sentido). O fato de a replicação ser bidimensional faz com que a replicação
seja mais rápida. A forquilha se abre bidireccionalmente e vai se movimentando
da oriC (origem da replicação) para ambos os lados até atingir a outra
extremidade da molécula de DNA, se soltando no final e formando 2 moléculas
de DNA dupla fita circular.
34

TRANSCRIÇÃO:
Nos eucariotos, há 3 regiões do DNA, chamadas de promotora, operadora,
região codificadora (onde há introns e exons). Os introns são removidos para
que exista a molécula de RNA funcionando.
• Promotora: sequência de nucleotídeos que é reconhecida pela RNA
polimerase (onde ela se liga para iniciar a síntese do RNA).
• Operadora: onde se ligam indutores para facilitar ou reprimir a transcrição
genica

Nos procariotos: não há introns, apenas exons. Com isso, não é necessário
realizar o processamento do RNA (sendo esta uma forma de fazer mais
rapidamente o processo da transcrição e gastando menos energia). Há nos
procariotos uma região chamada de terminador, sendo o sítio que a RNA
polimerase reconhece para se terminar a transcrição.
Pode haver também nos procariotos os operons: 2 ou mais genes sob
controle do mesmo promotor e do mesmo operador. É o caso das enzimas da
via glicolitica. Em um único RNA, codifica-se 3 produtos diferentes: com isso, há
um menor gasto de energia. Portanto, nos procariotos há genes únicos e genes
sob controle do mesmo promotor e operador.
35

O processo de transcrição se dá da seguinte forma: há o início do processo


pelo reconhecimento do promotor pela RNA polimerase, de modo que ela vai
adicionando os nucleotideos de forma complementar a fita de molde. Quando a
RNA polimerase atinge o terminador, ela se desliga da molécula de RNA.
Ressalva: quando há RNA, há uracila também entre as bases nitrogenadas.

TRADUÇÃO:
36

Enquanto o ribossomo dos procariotos é 70s, e dos eucariotos é 80s


(possuem tamanho diferentes, mas a mesma função). Isto é importante pois os
antibióticos agem apenas nos ribossomos 70s e não afetam a síntese proteica
do hospedeiro.
Para os procariotos, há as subunidade 30s e 50s (S: unidades Svedberg
- define apenas o tamanho ser diferente). Quando estão separadas, ficam em
formato diferente do que quando estão juntas. Ambas são constituídas de RNA
ribossômico e proteínas.
OBS: O RNA 16s é o utilizado para sequenciar e reconhecer um microrganismo
procarioto (em eucariotos, é utilizado do 18s).

Diferenças na tradução dos procariotos e na dos eucariotos:


O código genético é uma sequência de 3 bases nitrogenadas que
correspondem a um aminoácido. Ha 64 possibilidades (códons), que indicam:

• Os aminoácidos essenciais
• Os códons de iniciação (onde se inicia o processo de tradução)
o O códon de iniciação na bactéria é o AUG, que confere uma N-
formilmetionina.
• Os códons de parada.
o Os códons de parada são UAA UAG e UGA - quando o ribossomo
os encontra no RNA mensageiro, se desliga e tem fim o processo
de tradução

O código genético é chamado de degenerado porque há mais de um


códon que corresponde ao mesmo aminoácido. Isso é importante pois, se houver
algum erro no processo de transcrição, é conferido o mesmo aminoácido
(geralmente a alteração é na última base nitrogenada). Os eucariotos também
possuem o código genético degenerado.
37

O RNA transportador é responsável por trazer os aminoácidos


correspondentes ao codificado pelo códon. Para isso, nele há uma região
complementar ao códon denominada anticódon. Ao interagir o anticódon do
RNAt com o códon do RNAm, há a ligação dos aminoácidos trazidos pelo RNAt,
de forma que vai sendo formada a cadeia peptídica.

Inicialmente, há um RNAm, que é reconhecido pela subunidade menor do


ribossomo. O ribossomo vai se movendo pelo RNAm, indo reconhecendo a trinca
de nucleotídeos (códon), e interagindo com o RNAt que vai trazendo os
aminoácidos equivalentes ao códon. Este processo vai ocorrendo até que se
forme as ligações peptídicas e atinja o término (códon de parada) (explicado o
de cima mas mais bonitinho rs).
38

Na extremidade 3 linha do RNAt há o aminoácido correspondente


sinalizado pelo códon do RNAm.

* O RNA transportador também é uma fita simples, mas possui um


pareamento entre as próprias bases para que seja possível que o anticódon
pareie com o códon, e a extremidade 3’ fique livre para que seja anexado o
aminoácido.
39

Outra variação no processo que ocorre nas bactérias é que a transcrição


e a tradução podem ser acopladas (acontecer ao mesmo tempo), conferindo
maior rapidez no processo de replicação. Antes de terminar a síntese do RNAm,
já há os ribossomos realizando o processo de tradução e sintetizando a proteína.

PROCESSO DE REGULAÇÃO GÊNICA


Este processo também ocorre nos eucariotos, mas é mais importante nas
bactérias. Faz com que não seja permitido que a bactéria sintetize compostos
que não são necessários no momento. Muitos genes só são expressos
quando há a necessidade da expressão. Este processo visa a economia de
energia, assim como o acoplamento do processo de transcrição e de tradução
descritos acima.
A regulação gênica é realizada por 2 controles: a repressão e a indução.

• Repressão: processo que inibe a expressão gênica. Há proteínas


reguladoras que se ligam na região do operador (ou a outro local
também), inibindo o processo de transcrição.
• Indução: ativam a transcrição do gene. Se liga à região do operador ou a
outro local.

Ex.: operon Lac: da lactose. Há 3 genes (LacZ, LacY e LacA), que codificam 3
enzimas necessárias para metabolizar a lactose (que normalmente é utilizada
como fonte energética quando não há glicose no ambiente). O operon Lac só vai
ser expresso na presença da lactose.

• Na ausência da lactose, há a repressão da transcrição do gene. A proteína


repressora se liga ao operador e impede a movimentação da RNA
polimerase.
40

• Na presença de lactose, há uma indução do processo de transcrição: a


lactose se liga ao repressor, inativando-o e não deixando que ele continue
a se ligar no operador. Assim, a RNA polimerase fica livre para circular e
realizar a transcrição.

Quando ocorre a esporulação da bactéria, não há transcrição de nada (os


genes são reprimidos porque todo o citoplasma fica diferenciado e não há
nenhuma atividade).
O processo de regulação gênica ocorre também para a produção de
fatores de virulência. Ex.: algumas bactérias só passam a produzir estruturas
relacionadas com a invasão do hospedeiro (como cápsula e determin adas
enzimas) ao passar pelo TGI (ex.: se deparar com pH ácido e depois com sais
biliares).
Quando há um operon, o RNAm que traz estas 3 informações é chamado
de RNAm policistronico: dá origem a 2 ou mais proteinas/produtos.
Diferentemente de um RNAm monocistrônico (que carrega apenas 1 gene por
vez), apenas 1 RNAm policistrônico já gera os 3 produtos (o que faz ser mais
rápido o processo).
41

ALTERAÇÕES FENOTIPICAS E GENOTIPICAS

As possíveis alterações na bactéria podem ser tanto genotípicas quanto


fenotípicas.
• Alterações fenotípicas: Resultantes da adaptação da bactéria ao
ambiente. São reversíveis, e não ocorre alteração do DNA. Consistem em
variações temporárias (ex.: bactéria Serratia marcescens: quando
cultivada a 37ºC não apresenta pigmento, mas se cultivada a 25ºC,
apresenta pigmento vermelho – isto ocorre pois o gene da cor só é
expresso na encubação de 25 graus. É um tipo de regulação de
expressão gênica induzido pela temperatura).
• Alterações genotípicas: há alterações no genótipo, na sequência de
nucleotídeos do microrganismo e contribuem com a variabilidade genética
da bactéria. Há processos de mutação e recombinação.
o Mutação: pode ser resultado de deleção, inserção ou substituição
de nucleotídeos. Esta alteração é transmitida às células filhas.
Pode ser um evento espontâneo (ocorre na própria atividade da
DNA polimerase (quando escapam dos processos de correção dos
erros)) ou induzido (ex.: em laboratório pela luz ultravioleta).
▪ Se a mutação leva à geração de algum composto que faça
ela sobreviver a um antibiótico, quando há contato com
antibiótico, as demais populações morrem e só a que
desenvolveu a mutação sobrevive. Este mecanismo é
chamado de pressão seletiva (possibilita seleção de
bactérias mutantes)
42

• A mutação pode não causar nenhuma alteração, mas pode ser


que cause alguma alteração que deixe a bactéria mais
resistente.

o Recombinação: ocorre quando as bactérias trocam material genético.


Ocorre principalmente em ambientes polimicrobianos. Ocorre durante
os processos de transferência de genes (transformação, transdução e
conjugação). É preciso que o material genético externo recombine com
o material genético de uma determinada célula. São necessárias duas
subpopulações bacterianas – uma sensível e uma resistente a
determinada droga. Estas duas subpopulações vão trocar material
genético entre si, de modo que a célula resistente passe o gene de
resistência para ALGUMAS bactérias da subpopulação sensível,
tornando apenas algumas dessas bactérias resistentes. Quando há a
exposição ao antibiótico e a pressão seletiva, há a morte das bactérias
sensíveis e as resistentes permanecem. Também gera variabilidade
genética e altera o DNA da célula, mas depende de outra molécula de
DNA que vá agir no material genético.

3 PROCESSOS PRINCIPAIS PARA A RECOMBINAÇÃO E MUTAÇÃO:


TRANSFORMAÇÃO, TRANSDUÇÃO E CONJUGAÇÃO.

TRANSFORMAÇÃO:
Descoberto por Frederick Griffith, que estudava Streptococcus
pneumoniae. Esta bactéria possui cápsula, que possibilita o escape à
43

fagocitose. Quando é injetado este microrganismo no camundongo, o animal


desenvolvia a doença e morria. Quando observado o sangue do animal morto, a
colônia observada era rugosa (pois possuía cápsula).
Ao colocar a bactéria viva, mas sem a cápsula, o rato não morria e a
colônia observada ao se realizar a cultura do sangue não era rugosa.
Se as bactérias encapsuladas eram mortas e injetadas, o camundongo
não morria e a colônia formada com a cultura do sangue também não era rugosa.
Se fossem misturadas as bactérias capsuladas mortas pelo calor e as
vivas sem capsula, e fossem injetadas no camundongo, este viria a falecer.
Quando realizada a cultura do sangue do animal, foi observada a presença
apenas de bactérias vivas e com capsula (tornava-se mais virulenta).
O que acontecia era que o DNA livre do meio era absorvido pela bactéria
viva, se recombinando e fazendo parte do DNA desta bactéria. A bactéria morta
dissemina partes do seu DNA no meio, as quais são capturadas pela bactéria
viva e recombinadas em seu DNA, conferindo a capacidade de sintetizar a
capsula.

Nem todas as bactérias são capazes de captar o DNA externo. Somente


as bactérias em estado de competência são capazes de realizar a
transformação. O estabelecimento deste estado ocorre devido à presença de
proteínas de superfície que realizam a captação.
O DNA livre normalmente vem de bactérias que morreram e sofreram
lise, liberando parte de seu DNA no meio. Não é necessário que as duas
bactérias estejam vivas para haver a transmissão de material genético na
transformação.

CONJUGAÇÃO
44

Fenômeno descoberto na E. coli, mas ocorre em outras bactérias


também. Há transferência de material genético entre 2 células vivas (viáveis).
Era chamada de reprodução sexuada das bactérias.

Há duas células, sendo uma


delas denominada Célula F+ e
outra de F-. A célula F+ possui
em seu interior o plasmídeo F,
que expressa o material pra
síntese do pilus F. O pilus F é
um apêndice deste
microrganismo usado para
reconhecer a célula F- e
transmitir material genético
para ela.

Há a capacidade do plasmideo F se integrar ao cromossomo


(acompanhando assim todas as reproduções celulares da bactéria) ou de ficar
na forma de plasmídeo livre no citoplasma da célula. Se o plasmideo F fica
integrado ao DNA, a célula não é mais chamada de F+, mas sim Hfr (high
frequency of recombination). Esta célula também pode transmitir os plasmídeos
para uma célula F-, visto que também possui o cromossomo para a síntese do
pilus F. Ambas as formas (F+ e Hfr) podem transmitir material genético, mas de
forma diferente.

O pilus reconhece a membrana da célula F- (não consegue reconhecer


célula F+ pois sua membrana é diferente) e vai aproximando as células, até que
elas se fundam, e a célula F+ passe uma cópia do plasmídeo F para a célula F-
. O plasmídeo F (que era uma estrutura em dupla fita) passa uma de suas fitas
para a célula F-. Cliva na oriT (origem de transferência) e depois vai passando o
resto do material genético. Enquanto isso, a célula F- que vai recebendo a fita já
vai sintetizando a outra fita do DNA (a complementar), enquanto a célula F+
também vai (para repor a fita que foi doada). No final, as duas bactérias têm o
plasmídeo F inteiro (em fita dupla). Como este processo demora alguns minutos,
as vezes só são passados alguns genes, e não o plasmídeo todo. No final do
processo há a presença de 2 células F+.
45

Se ao invés de possuir o plasmídeo F em sua forma livre a célula for HfR,


ocorre o seguinte processo: as células se unem, havendo a clivagem do material
a ser transferido na OriT também. Quando começa a transferência do plasmideo
(e ele está integrado ao cromossomo), para que a celula F- receba todo o
plasmideo, deve ser passado todo o material genético da Hfr. Como isso, o
processo torna-se demorado, de modo que a F- recebe apenas parte do DNA do
plasmideo F, virando uma célula F- recombinante (a qual é incapaz de gerar
pilus porque não há toda informação genética pra gerar). A célula F- pode
receber apenas genes do plasmídeo F ou também genes do cromossomo
principal da bactéria Hfr.

OBS.: Quando estabelecida esta união entre as membranas das células, pode
acontecer de outros plasmídeos conjugativos, além do F, serem trocados.
TRANSDUÇÃO
46

O processo de transdução foi descoberto em 1952, também em


experimentos com E.coli. A transdução consiste na transferência de DNA
(bacteriano ou plasmidial) mediada por um bacterófago (vírus que infecta
bactéria)
Há 2 tipos de transdução, sendo que cada um deles está ligado a
determinado momento do ciclo do bacteriófago:
▪ Transdução generalizada: está relacionada ao ciclo lítico (ciclo no qual
a invasão do vírus mata a bactéria infectada). Neste tipo de transdução,
qualquer fragmento do DNA da bactéria (seja cromossômico ou
plasmidial) pode ser transferido
▪ Transdução especializada: está relacionada ao ciclo lisogênico (ciclo no
qual o material genético do bacteriófago integra ao cromossomo da célula
bacteriana, não causando a sua morte a primeiro momento). Neste caso,
somente alguns fragmentos específicos de DNA são transferidos.

Ciclos lítico e lisogênico


O ciclo lítico é o ciclo que normalmente ocorre quando os vírus infectam
bactérias. Ao injetar o seu material genético na bactéria, o material genético do
vírus é replicado (utilizando-se a maquinaria da célula bacteriana), são montadas
as partículas virais e a célula bacteriana acaba sofrendo lise, liberando as
partículas para o meio externo. Durante esse processo, o cromossomo da
célula acaba sendo clivado em pequenos fragmentos, os quais acabam ficando
livres no citoplasma da célula.

Por outro lado, no ciclo lisogênico ocorre a integração do material


genético do bacteriófago ao cromossomo da célula bacteriana. Este ciclo
também pode ser considerado um evento de recombinação, visto que o material
genético passa a ficar integrado ao cromossomo da bactéria, e cada vez
47

que a célula se divide ele é repassado para as células filhas. Os genes do


bacteriófago podem ser expressos e podem capacitar a bactéria a sintetizar
algumas toxinas ou outros produtos que ela não tinha capacidade de
sintetizar antes. Essa situação é comum na Corynebacterium diphtheriae: é
uma bactéria que está lisogenizada por um bacteriófago, e a toxina que esta
bactéria sintetiza estava presente no material genético do fago. Esse mecanismo
é chamado de conversão lisogênica.
Em algumas situações (ex.: alguma alteração ambiental, como de
temperatura), o bacteriófago que estava em ciclo lisogêncio pode entrar em
ciclo lítico (o material genético do vírus excisa do cromossomo, passando a
realizar o ciclo lítico: forma as partículas virais e lisa a bactéria).

Transdução generalizada
A transdução generalizada associa-se com o ciclo lítico do bacteriófago.
O bacteriófago injeta o seu material genético na célula bacteriana (chamada de
“célula doadora”). O DNA viral fragmenta o DNA bacteriano, fazendo com que
fiquem presentes no citoplasma tanto segmentos de material genético do vírus
quanto da bactéria. Após isso, são formadas partículas contendo somente
material genético do bacteriófago (chamadas de partículas infectivas), e
partículas contendo o material genético da própria bactéria (chamadas de
partículas transdutoras). A formação das partículas transdutoras é um erro que
ocorre no processo de formação de novas partículas virais (visto que era apenas
para o DNA viral ser empacotado para ser transportado para novas células, e
não o bacteriano).
A partícula transdutora, ao infectar uma segunda célula, injeta na célula
não o material genético do bacteriófago, mas sim o material genético da
bactéria previamente infectada. Este material genético inserido pode passar a
fazer parte do material genético da segunda bactéria (entrando no ciclo
lisogênico).
Este processo é chamado de transdução generalizada pois qualquer
fragmento de DNA da célula inicialmente infectada pode ser transferido para
uma segunda célula (por meio da atuação do bacteriófago).
48

Transdução especializada
Na transdução especializada, somente os genes que estavam
próximos ao local onde o material genético do fago estava inserido (quando
ele estava em ciclo lisogênico) podem ser transferidos para uma segunda
célula bacteriana.
Inicialmente, o bacteriófago insere o seu material genético no
cromossomo bacteriano, entrando em ciclo lisogênico. Devido a alguma
situação (ex.: alterações ambientais), o material genético do bacteriófago
pode excisar do cromossomo bacteriano: ocorre um processo de clivagem,
de modo que este material genético saia do cromossomo bacteriano em que
estava inserido. Após isso, novas partículas virais são montadas, e são
liberadas quando a célula sofre lise (já que o bacteriófago entrou em ciclo
lítico). Este processo é o que normalmente ocorre.
Todavia, pode ocorrer um evento raro, no qual o bacteriófago, ao excisar
do cromossomo, carrega consigo partes do cromossomo da célula
bacteriana (em rosa no desenho). Somente os genes que estão próximos ao
material genético do bacteriófago podem ir junto durante o processo de
excisão do bacteriófago. Quando o material genético do bacteriófago é
duplicado, os genes da bactéria que vieram junto na excisão acabam sendo
replicados também. Quando as partículas virais são montadas, há no seu
interior material genético tanto da bactéria quanto do vírus. Com isso,
quando o vírus infectar uma nova célula, se adotar o ciclo lisogênico, o material
genético da primeira bactéria passará a integrar o cromossomo da segunda.
Este processo é chamado de transdução especializada pois apenas os
genes que estão adjacentes ao material genético excisado são replicados e
dispersados.
49

VARIABILIDADE GENÉTICA – E.COLI


Os processos de transferência horizontal de material genético permitem
que linhagens bacterianas que fazem parte da microbiota residente possam
começar a causar doenças se receberem materiais genéticos específicos. Esse
processo ocorre com a Escherichia coli. O genoma da E.coli que é comensal
com o ser humano (fazendo parte da microbiota intestinal) é diferente do
genoma das suas linhagens patogênicas: embora o micro-organismo seja
E.coli em todas as situações, apresenta genes de virulência distintos,
habilitando-o a causar doenças específicas.
As linhagens patogênicas são:
▪ E. coli enterotoxigênica
▪ E. coli enteropatogênica
▪ E.coli enterohemorrágica
▪ E.coli enteroinvasiva
▪ E. coli uropatogênica

BACTÉRIAS RECOMBINANTES E SÍNTESE DE COMPOSTOS DE


INTERESSE
A genética bacteriana também pode ser utilizada para a síntese de
compostos de interesse industrial. A síntese de insulina, de outros hormônios
e de enzimas é realizada por meio da manipulação da genética bacteriana. As
bactérias que sintetizam estes compostos são chamadas de bactérias
recombinantes.
Para se realizar a síntese destes compostos, insere-se na bactéria um
plasmídeo recombinante contendo o gene de interesse. Quando este plasmídeo
50

passa a fazer parte do genoma bacteriano. o produto relativo ao gene de


interesse passa a ser sintetizado pela bactéria.
51

MICROBIOTA HUMANA
Medusa - 86

Os micro-organismos são ubíquos (habitam diversos tipos de ambientes,


como ar, solo, superfícies, alimentos, calotas polares, vulcões, etc).
A microbiota humana é a população de micro-organismos que habita
a pele e as mucosas dos seres humanos (sendo estes micro-organismos
bactérias, fungos, vírus e protozoários). O termo microbioma funciona como
sinônimo para microbiota.
Os ecossistemas da microbiota humana são os diversos nichos
anatômicos presentes em nosso corpo. A microbiota é diversificada de acordo
com os ecossistemas. Cada ecossistema conta com as suas próprias condições
ambientais (de temperatura, oxigênio, umidade e nutrientes), as quais acabam
por selecionar os micro-organismos mais aptos para se estabelecer em cada
local.
As comunidades microbianas interagem bastante entre si e com o
hospedeiro. A microbiota desenvolve funções específicas para o hospedeiro, as
quais estão relacionadas com a sua fisiologia.
Há muito mais células microbianas compondo o nosso corpo do que
células humanas. A proporção é de 1 célula humana para 1.3 células
microbianas.

MICROBIOTA E IDADE
Dentro do útero materno, o feto ainda não apresenta microbiota. Ela
começa a ser estabelecida durante o parto. A colonização inicial do recém-
nascido é proveniente principalmente da microbiota materna (que pode possuir
origem vaginal, fecal ou de superfícies corporais da mãe) e da equipe cirúrgica
presente no parto. A via de parto tem influência na colonização in icial da
microbiota (principalmente intestinal) da criança.
Em seguida, a via de alimentação do bebê também influencia no
desenvolvimento da microbiota. São observadas diferenças na microbiota
intestinal da criança se ela é alimentada somente com leite materno ou com
fórmulas industrializadas.
À medida que a criança vai crescendo e possuindo contato com outras
fontes de alimento e com micro-organismos presentes em superfícies, a sua
microbiota vai aumentando. Quando a criança atinge a idade de 2-3 anos, a
comunidade microbiana atinge um equilíbrio (steady state). Por conta de
inúmeros fatores, existem flutuações nessa microbiota, mas ela tende sempre a
retornar ao seu equilíbrio
52

Na adolescência e na fase adulta a microbiota não apresenta grandes


alterações.
Com a senilidade, há alteração quantitativa e qualitativa da microbiota.
Devido a isso, as pessoas em idade mais avançada são mais susceptíveis e
vulneráveis a infecções do TGI.

COMPOSIÇÃO DA MICROBIOTA
Além da via de parto, alimentação nas primeiras semanas de vida e idade
(principais fatores que influenciam na microbiota), há também outros fatores que
influenciam na composição da microbiota, como dieta, exercício, região
geográfica, aparecimento de doenças e tratamento com drogas antimicrobianas

RELAÇÃO DOS MICRO-ORGANISMOS COM O HOSPEDEIRO


Antigamente, achava-se que a relação da microbiota com o hospedeiro
era de simbiose. Atualmente, sabe-se que esta relação é um estado
intermediário, uma anfibiose: o hospedeiro e a microbiota coexistem sob a forma
de equilíbrio estável. Desequilíbrios na microbiota e fatores externos podem
fazer com que membros da microbiota do indivíduo se tornem patogênicos.
Antibiose: relação em que a bactéria e o hospedeiro são antagonistas. É
o que ocorre nas infecções que causam doença. Esta relação pode ocorrer
também com membros da própria microbiota do indivíduo (se houver algum
desequilíbrio como descrito acima).

CLASSIFICAÇÃO DA MICROBIOTA
A microbiota humana é dividida em dois grupos: microbiota residente e
microbiota transitória.
Microbiota residente/permanente
É composta por micro-organismos encontrados com regularidade em
determinados sítios anatômicos (alguns micro-organismos são encontrados
com mais frequência na pele, outros na cavidade oral, etc.).
Em condições de saúde, estes micro-organismos são compatíveis com o
hospedeiro, não comprometendo a sua saúde.
São capazes de efetivamente colonizar os sítios anatômicos (a
transitória não consegue). Se fixam à pele ou às membranas mucosas,
colonizando estes nichos. Cada um dos sítios anatômicos possui condições
ambientais diversas (diferente temperatura, pH, nível de oxigênio, água,
nutrientes), que selecionam os microrganismos que possuem maior capacidade
de sobreviver nessas condições.
53

Os micro-organismos da microbiota residente apresentam diversificada


atividade metabólica para assim conseguir sobreviver aos diferentes sítios
anatômicos. Esta diversa atividade metabólica possui impacto importante na
fisiologia do hospedeiro.

Algumas bactérias são capazes de ocupar mais do que um sítio


anatômico (ex.: membros dos gêneros Staphylococcus, Streptococcus e
Corynebacterium), enquanto outras apresentam um tropismo tecidual (só
conseguem ocupar aquele sítio em específico devido ao fato de as bactérias
apresentarem adesinas específicas que reconhecem apenas determinadas
células).
Sítios normalmente estéreis: bexiga urinária, útero, sangue, LCR, e
liquido sinovial. Bexiga e útero, em algumas condições, podem apresentar
pequenas quantidades de micro-organismos.

Microbiota transitória/transiente
É formada por micro-organismos patogênicos ou não patogênicos
provenientes do meio externo. Estes micro-organismos não conseguem
efetivamente colonizar o ambiente. Permanecem por horas, dias ou semanas
no sítio anatômico. Essa menor permanência ocorre devido à competição com
os membros da microbiota residente e devido à sua eliminação por células do
sistema imune.
54

A microbiota residente, se estiver em equilíbrio, é suficiente para impedir


que a transitória cause doenças. Todavia, desequilíbrios nela podem causar as
doenças pelos transitórios.

Membros da microbiota residente podem causar doença quando:

• Ocorre desequilíbrio da microbiota residente


o Ex.: A Candida faz parte da microbiota residente do trato
urogenital. Em condições normais, este gênero está em equilíbrio
com diversos outros gêneros de bactérias. Se houver o
desequilíbrio, pode haver uma superestimulação do seu
aparecimento (ex.: devido ao uso de antibióticos, pode ser que as
outras populações diminuam e ela não, de modo que ela comece
a se proliferar mais. Isso explica porque às vezes é necessário
realizar tratamento para candidíase depois de ter sido feito um
tratamento com antibióticos).
• Se são removidos do ambiente normal e introduzidos em outro sítio
anatômico (devido a cirurgias, traumas, perfurações, etc)
o Ex.: Infecções urinárias causadas por bactérias provenientes do
TGI (como E.coli por exemplo).
• Após antibioticoterapia (após tratamento prolongado com antibióticos de
largo espectro)
• Se o sistema imune está comprometido
• Se os micro-organismos caem em sítios estéreis (ex.: sangue, LCR e
líquido sinovial)

MICROBIOTA – PELE
Possui grande contato com o ambiente, e devido a isso apresenta
microbiota transitória variada. Pessoas que vivem juntas ou no mesmo grupo de
amigos/familiares tendem a ter essa microbiota mais semelhante.
Há alguns gêneros e espécies predominantes, como Staphylococcus
epidermidis, Stapjylococcus aureus, Propiobacterium e Corynebacterium.
Os menos frequentes são Streptococcus, Peptostreptococcus e Candida.
Quanto mais úmido o local da nossa pele, maior o número de
microrganismos presentes. São encontradas 10⁶ bacterias/cm² nas axilas e entre
os dedos do pé, e cerca de 10² a 10⁴ bactérias/cm² nas áreas mais secas da
pele.
As condições especificas da pele como pH baixo, ácidos graxos nas
secreções sebáceas e lisozima acabam elimin ando parte da microbiota
transitória. A sudorese e o banho não eliminam ou modificam significativamente
a microbiota residente, mas modificam a transitória.
55

MICROBIOTA - OLHOS
É bastante escassa, sendo controlada principalmente pelo fluxo de
lágrimas (pela lisozima contida nas lágrimas). Os micro-organismos
predominantes são difteróides, Staphylococcus epidermides e estreptococos
não hemolíticos.

MICROBIOTA - OUVIDO
No ouvido externo e canal auditivo, a microbiota predominante é
semelhante à da pele. O ouvido médio e interno são sítios normalmente estéreis.

MICROBIOTA – TRATO RESPIRATÓRIO


O trato respiratório superior (nasofaringe e orofaringe) possui um
predomínio de Staphylococcus e de Streptococcus: Staphylococcus aureus,
Staphylococcus epidermidis, Streptococcus pneumoniae, Streptococcus (α e γ
hemolíticos) e Corynebacterium.
O trato respiratório inferior (traqueia e pulmão), em condições normais,
não possui microbiota. A microbiota que atinge os pulmões consegue ser
eliminada por células fagocíticas e também pela remoção mecânica por meio
dos fluidos desse órgão.

MICROBIOTA ORAL
Há diferentes sítios dentro dessa microbiota, havendo muitos gêneros e
espécies. A microbiota oral possui menor complexidade apenas se comparada
à microbiota intestinal (é a 2ª mais complexa do nosso organismo).
Dentro da cavidade oral, há variações de tensão de oxigênio, de fontes
nutricionais, diferentes pHs e diferentes composições teciduais – variáveis que
acabam por selecionar os micro-organismos. Exemplo disso é que um micro-
organismo que habita a região periodontal é diferente de um que habita a
superfície da língua.
Muitas vezes, esses micro-organismos se acumulam de forma
exacerbada na superfície dos dentes, formando o biofilme dental (placa
bacteriana). O biofilme é formado por uma complexidade de micro-organismos
(e não apenas por uma espécie/gênero de bactéria). Algumas bactérias
começam a formação do biofilme e outros microrganismos vão aderindo a ele.
No início da sua formação, ele é reversível, mas depois que vai ficando mais
complexo (pois vai sendo revestido por uma camada de exopolissacarídeos -
uma matriz extracelular produzida pelos próprios micro-organismos que estão
56

formando o biofilme), a remoção vai ficando mais difícil, devendo ser realizada
por um dentista.

MICROBIOTA - TRATO GENITURINÁRIO


O trato urinário superior (rins, ureteres, bexiga) são usualmente
estéreis. A uretra anterior (em ambos os sexos) apresenta pequeno número de
micro-organismos provenientes da pele e períneo.
A vagina apresenta microbiota complexa, que varia com a idade e com o
ciclo menstrual. Ao nascimento, o pH é bastante ácido e há o predomínio de
lactobacilos, sendo que esta situação vai sendo alterada ao longo da vida. Na
menopausa, ocorre uma significativa variação na microbiota.

MICROBIOTA – TGI
É a que possui maior complexidade. Isso decorre devido ao fato de
existirem diferentes condições ao longo do TGI, as quais realizam seleção sobre
o crescimento microbiano, limitando ou favorecendo este crescimento.

• Estômago: a colonização é restringida devido ao fluxo rápido do alimento


e ao pH mais baixo. Todavia, ainda há alguns micro-organismos que
conseguem sobreviver a estas condições, como os Lactobacillus,
Streptococcus e Helicobacter. No geral, o estômago possui uma pequena
concentração microbiana se comparado aos outros sítios do TGI.
o O H. pilori é considerado como integrante da microbiota residente
de alguns indivíduos, mas em situações de desequilíbrio, pode
aumentar em número e causar doenças como gastrite e úlceras no
hospedeiro.
• Duodeno: a microbiota é bem semelhante à do estômago, visto que as
condições adversas ainda permanecem neste órgão.
57

• Jejuno e Íleo: nestes órgãos, o pH já não é mais tão ácido e a motilidade


é mais lenta, fatores que favorecem a colonização microbiana. Há uma
maior diversidade em termo de gêneros e espécies colonizando os
órgãos, como Lactobacillus, Strpetococcus, Bacteroides, Bifidobacterium
e Fusobacterium. São encontradas 10⁴ a 10⁷ UFC/ml.
• Cólon: onde há o maior número de bactérias no TGI. O pH neutro e a
concentração relativamente elevada de nutrientes que não foram
digeridos são fatores que favorecem essa maior colonização. Há cerca de
10¹¹-10¹² UFC/ml. É encontrada uma grande variedade de micro-
organismos: bactérias Gram positivas, bactérias Gram negativas,
bactérias no geral, leveduras e fungos filamentosos.

FUNÇÕES DA MICROBIOTA
As principais funções da microbiota são:
1. Funcionar como barreira contra a colonização por micro-organismos
patogênicos provenientes do meio externo: esta é a principal função
da microbiota, independentemente de onde ela esteja localizada. A
microbiota residente é muito mais adaptada às condições do ambiente,
competindo com os micro-organismos exógenos por sítios de ligação e
por nutrientes essenciais. Além disso, a microbiota residente também
produz substâncias antimicrobianas (peróxidos, peptídeos
antimicrobianos ou antibióticos). Com isso, a microbiota forma uma
espécie de barreira física que impede os outros microrganismos de se
ligarem às células do hospedeiro.
a. As células bacterianas possuem alguns ligantes (adesinas) que
reconhecem receptores presentes na membrana da célula do
hospedeiro. São estas ligações entre a bactéria e o tecido que são
mais fortes na microbiota residente, fazendo com que os
organismos mais adaptados permaneçam no ambiente

2. Produção de substâncias utilizáveis pelo hospedeiro (vitaminas K e


B12 e ácidos graxos de cadeia curta (acetato, butirato e propionato – os
quais são utilizados como fonte de energia para outras células, como
hepatócitos e células musculares)).
3. Modulação do sistema imune: o contato do microrganismo com a
superfície intestinal é importante para modular o sistema imunológico -
58

para que ele não reconheça as bactérias da microbiota residente como


estranhas ao corpo. Isso explica porque os indivíduos germ free criados
em laboratório possuem o sistema imune mais deficitário.
4. Metabolização de alguns componentes da dieta: são responsáveis por
metabolizar componentes não digeríveis (como fibras) e tóxicos (como
carcinogênicos e metais). Essa função da microbiota possui impacto
sobre a quantidade de energia captada da dieta do indivíduo.

Desta forma, estabelece-se que a microbiota exerce papel extremamente


relevante na manutenção da integridade do hospedeiro, com forte impacto na
sua fisiologia e na sua nutrição.

EFEITO DA MICROBIOTA SOBRE O HOSPEDEIRO


Há duas principais formas utilizadas para se estudar o efeito da
microbiota sobre o hospedeiro:
A. Estudos com animais germ free (isentos de microrganismos)
a. São animais criados em laboratórios e que são mantidos em
gaiolas individuais isentas de micro-organismos. Estes animais
apresentam o sistema imune bastante subdesenvolvido. Isso
ocorre porque eles não possuem a maturação deste sistema
referente à presença da microbiota. São deficientes em
imunoglobulinas e apresentam desenvolvimento tardio de órgãos
linfóides. São mais susceptíveis a reinfecções.
b. São úteis na avaliação do impacto de determinado micro-
organismo sobre o hospedeiro

B. Análise do efeito de antimicrobianos sobre a microbiota.


a. Um exemplo do efeito antimicrobiano sobre a microbiota é o estudo
do Clostridium difficile. O C. difficile é um micro-organismo que está
naturalmente presente em cerca de 20% dos pacientes
hospitalizados. É comum que o paciente que esteja hospitalizado
há muito tempo comece a apresentar quadros de diarreia, podendo
ser uma diarreia leve ou uma diarreia crônica. Isto acontece porque
estes pacientes normalmente têm que fazer uso de antibióticos de
largo espectro, os quais alteram a microbiota intestinal. Este
59

desequilíbrio na microbiota possibilita com que o C. difficile consiga


chegar ao intestino do paciente e colonizá-lo. No intestino, este
micro-organismo (que é um patógeno) se multiplica e produz
toxinas que lesam a mucosa intestinal. Essa lesão da mucosa
provoca uma migração de neutrófilos para estes pontos de lesão,
e o intestino deste paciente começa a desenvolver uma colite
pseudo-membranosa: o intestino fica coberto por uma mucosa
amarelada. Esta situação leva o paciente a quadros prolongados
de diarreia. O C. difficile é bastante resistente aos antibióticos
convencionais, sendo, por este motivo, de difícil tratamento.

b. Para o tratamento da infecção por C. difficile, pode ser realizado o


transporte de microbiota fecal. Este tipo de tratamento é efetivo
para o C. difficile em especifico. O material é coletado, processado
em laboratório e diluído em soro fisiológico. É infundido por sonda
naso-entérica ou por colonoscopia. O tratamento faz com que a
diarreia cesse. Normalmente, os pacientes possuem cerca de 25%
de taxa de recidiva da infecção por C. difficile, mas, em um estudo
em que foi realizado o transplante de microbiota fecal, essa taxa
reduziu-se a 10%. A microbiota transplantada tende a se tornar
residente.

DESEQUILIBRIO DA MICROBIOTA
O desequilíbrio da microbiota consiste em uma disfunção causada pelo
desequilíbrio quantitativo e qualitativo dos diferentes micro-organismos que
compõem a microbiota. Essa disfunção é chamada de disbiose. A disbiose
proporciona condições para uma maior introdução de patógenos vindos do meio
60

externo e aumenta o número de patobiontes (micro-organismos que fazem parte


da microbiota residente mas que, em condições de desequilíbrio, acabam por
causar doenças).
Vários fatores podem levar à disbiose, como o consumo de bebidas
alcoólicas, hábitos alimentares inadequados, estresse e fadiga, tabagismo,
idade, infecções e uso de medicamentos. Pode ser que o organismo consiga
contornar a disbiose e reestabelecer a microbiota (como em alguns casos em
que se cessa a antibioticoterapia e a microbiota é reestabelecida) ou pode ser
que ele necessite de alguma intervenção para conseguir restabelecê-la.

Relação da microbiota com ganho de peso


A disbiose pode levar a casos de aumento de peso. Isto ocorre pois a
disbiose leva a um aumento no número de bactérias que conseguem
captar/utilizar maior quantidade de energia da dieta. Com isso, parte dos
alimentos que seriam descartados nas fezes consegue ser aproveitada, gerando
uma maior disponibilidade de energia e nutrientes, os quais podem ser
absorvidos pelo indivíduo (causando o aumento de peso). Esta maior captação
da energia da dieta poderia levar a um estado inflamatório crônico, facilitando o
depósito de gordura corporal e a resistência à perda de peso.
Em animais experimentais, quando ocorre o transplante de microbiota de
animais obesos para animais de peso normal, acaba que o animal de peso
normal se torna obeso. Se o animal obeso receber transplante da microbiota do
animal com peso normal, ele passa por um processo de perda de peso.
Não se sabe corretamente a relação de causa-consequência. Não se
sabe se a microbiota acaba captando maior quantidade de energia e este
indivíduo se torna obeso ou se o indivíduo obeso acaba selecionando os micro-
organismos que captam maior quantidade de energia da dieta.

Prevenção da disbiose
Dentre os mecanismos importantes na prevenção da disbiose está a dieta
do indivíduo. Quanto mais saudável for a dieta do indivíduo, menor será o
desequilíbrio na microbiota.
Probióticos: micro-organismos vivos que, quando administrados em
quantidades e frequência adequadas, podem exercer efeitos benéficos sobre o
hospedeiro. Ex.: Lactobacillus e Bifidobacterium
Os benefícios dos probióticos são:
• Reestabelecimento da microbiota após antibioticoterapia. Eles causam
uma melhora da barreira epitelial, visto que se aderem à mucosa
intestinal e impedem a adesão dos patógenos, além de competir também
com os patógenos por nutrientes. Além disso, os probióticos produzem
61

compostos (como mucina) e substâncias anti-microbianas que protegem


estas células intestinais
• Redução da intolerância à lactose
• Função antitumoral
• Redução de colesterol
• Aumento da absorção de ferro e cálcio

Os probióticos são micro-organismos vivos que devem ser consumidos


em sua forma viável. Não podem chegar mortos ao intestino, senão não
conseguirão colonizar o órgão e realizar as suas funções. É importante manter
a frequência e a dose adequadas da ingestão de probióticos (já que ele não se
mantém por muito tempo na microbiota residente).
Prebioticos: diferente dos probióticos, não são microrganismos, mas sim
os alimentos da dieta, como carboidratos ou fibras solúveis não digeríveis
(frutooligossacarídeos, pectinas e inulina). Estimulam seletivamente o
crescimento e a atividade das “bactérias benéficas” no intestino (as quais
favorecem o equilíbrio da microbiota).
Simbioticos são formulações que agrupam probióticos e prebióticos
combinados.
62

RELAÇÃO BACTÉRIA-HOSPEDEIRO
Medusa – 86

Um micro-organismo pode exercer relação de anfibiose (relação estável,


como a da microbiota) ou de antibiose (relação instável na qual bactéria e
hospedeiro competem entre si) com o hospedeiro.

Colonização, infecção e doença:


• Colonização: multiplicação do micro-organismo em determinado local do
corpo do hospedeiro.
• Infecção: colonização ou multiplicação de um agente infeccioso em um
hospedeiro; o hospedeiro pode ser prejudicado ou não por essa infecção.
• Doença: a interação entre o micro-organismo e o hospedeiro leva a dano
ou lesão, prejudicando as funções do hospedeiro. O dano ou lesão pode
ser provocado pelo parasita ou pela própria resposta imunológica do
hospedeiro.
A colonização precede a infecção. Nem sempre a infecção leva a uma
doença.

Teoria do germe da doença


A definição da relação de micro-organismos com doenças foi
primeiramente estabelecida em 1876 por Robert Koch. Foi o primeiro a
relacionar uma doença a um micro-organismo. A doença em que Koch fez
essa relação foi o Antraz (carbúnculo), causado pela bactéria Bacillus anthracis.
Esta doença era muito prevalente entre animais na Europa na época dos estudos
de Koch. Devido a estes estudos, Koch determinou que “as bactérias são os
agentes causais das doenças”.

Postulados de Koch
Koch estabeleceu 4 postulados para se associar um micro-organismo
com uma doença. Eles são utilizados até hoje. São eles:
1. Um micro-organismo específico deve sempre ser encontrado em
associação com todos os casos da doença
2. O micro-organismo pode ser isolado do hospedeiro infectado e cultivado
em cultura pura
3. O micro-organismo produzirá a doença quando inoculado em um animal
sadio
4. É possível re-isolar o micro-organismo a partir do animal infectado
experimentalmente, e este micro-organismo será idêntico ao original.
63

Ao observar o sangue de um animal doente, Koch notou que, além das


hemácias, havia também células do patógeno suspeito (enquanto um animal
saudável não apresentava estas células suspeitas). Quando cultivado em Placas
de Petri, este micro-organismo formou colônias. Uma amostra da colônia do
patógeno suspeito foi inoculada em um animal sadio, o qual adoeceu e
apresentou o mesmo patógeno suspeito em sua amostra de sangue. Este
patógeno suspeito presente no sangue do segundo animal também podia ser
isolado e cultivado em meio de cultura pura.
Ao se cultivar o sangue proveniente do animal sadio, não eram formadas
colônias na placa de Petri (já que ele não continha o patógeno).
Exceções para os Postulados de Koch:
Na época em que foram realizados os estudos, ainda não haviam muitos
estudos sobre a resposta imunológica. Atualmente, sabe-se que não
necessariamente todo micro-organismo, ao ter contato com um indivíduo, levará
a uma doença. Devido a isso, micro-organismos que provocam apenas uma
infecção, e não uma doença, acabam não respondendo adequadamente aos
postulados de Koch.
Existem micro-organismos que não podem ser cultivados em laboratório
em meio de cultura pura, apenas podendo ser cultivados em modelos
64

experimentais (como o Mycobacterium leprae). Há também outros que não


apresentam qualquer tipo de modelo experimental (como a Neisseria
gonorrhoeae). Estes micro-organismos também não respondem
adequadamente aos Postulados de Koch.
Existem micro-organismos associados a mais do que uma doença, e as
doenças podem ser causadas por mais do que um micro-organismo. Estes
fatores também fogem à regra dos Postulados de Koch.

Patógeno, patógeno estrito e patógeno oportunista:

• Patógeno: qualquer micro-organismo capaz de causar doença


o Patógeno estrito: micro-organismo que está sempre associado à
doença (Ex.: Mycobacterium tuberculosis e Salmonella typhi). Não
faz parte, em nenhuma condição, da microbiota normal do
hospedeiro.
o Patógeno oportunista (potencialmente patogênico): capaz de
provocar doença quando introduzidos em sítios desprotegidos, em
locais aos quais essa microbiota não pertença naturalmente e
também em hospedeiros com o sistema imune comprometido (Ex.:
Staphylococcus aureus e Escherichia coli). Depende da linhagem
do micro-organismo e das condições do hospedeiro (relacionado
ao sistema imunológico). Normalmente é membro da microbiota
residente normal.

Bactérias patogênicas:
Vários sítios anatômicos do indivíduo são suscetíveis a infecções e a
doenças.
65

Alguns dos patógenos estão presentes em infecções em mais de um sítio


anatômico (ex.: Streptococcus pneumonia é capaz de causar meningite, otite e
infecção pulmonar).

Patogenicidade x virulência

• Patogenicidade: capacidade de provocar infecção e doença (ou o


patógeno causa ou ele não causa a doença)
• Virulência: habilidade do micro-organismo de causar infecção e doença
(medida qualitativa da patogenicidade)
Os microrganismos ou são patogênicos ou não são. Se são patogênicos,
podem ser mais ou menos virulentos.
A virulência é medida pela dose infecciosa (DI): número de células
bacterianas/toxinas necessárias para causar doença. É uma grandeza variável
entre as bactérias patogênicas: varia tanto entre os micro-organismos quanto
entre os hospedeiros.
Ex.: a dose infecciosa da Salmonella é de > 100.000 células, enquanto a da
Shigella é de < 100 células. Com isso, conclui-se que a Shigella é um micro-
organismo mais virulento do que a Salmonella.

• Dose infecciosa 50 (DI50): dose necessária para causar doença em 50%


dos hospedeiros experimentais
• Dose letal 50 (DL50): dose necessária para causar a morte de 50% dos
hospedeiros experimentais.
66

O S. pneumoniae é mais virulento do que a S. typhimurium, visto que a


DL50 daquele é de 10¹-10² e a deste é de 10³ - 10⁴.
A virulência pode ser afetada por fatores presentes no micro-organismo,
por fatores do hospedeiro ou por fatores ambientais. Exemplo de influência de
fator do hospedeiro é que, caso o indivíduo tome um antiácido e provoque
redução da acidez gástrica, haverá a necessidade de uma menor dose infecciosa
para que o micro-organismo cause doença (já que a acidez gástrica é uma das
barreiras naturais contra a infecção, e está diminuída neste caso).
Exemplo da influência de fatores ambientais na virulência é a atenuação
da virulência de patógenos cultivados em laboratório. Patógenos cultivados em
laboratório podem ter a sua virulência diminuída ou perdida, fazendo com que o
patógeno seja atenuado. Acabam por não expressar alguns fatores de virulência
pois o micro-organismo se encontra em condições muito favoráveis (destina a
energia para a multiplicação celular, e não para sintetizar organelas (como a
cápsula) que levam à maior virulência, já que estas organelas não possuirão
função naquele ambiente). Este mecanismo de obtenção de patógeno atenuado
em laboratório é a base para o desenvolvimento de várias vacinas.

O processo saúde-doença funciona como uma balança que varia o


equilíbrio entre mecanismos de defesa do hospedeiro (trazem resistência frente
ao contato com o mecanismo patogênico) e fatores de virulência (que funcionam
como desafios para o hospedeiro)

Mecanismos de defesa do hospedeiro


Dentre os mecanismos de defesa, estão os que fazem parte da imunidade
inata (estão presentes independente da presença do organismo patogênico),
como:
• Enzimas
• Microbiota residente
• Pele
• pH ácido do estômago
• Fluxo ao longo do TGI
• Muco (trato respiratório)
Os mecanismos de defesa do hospedeiro que fazem parte da imunidade
adaptativa são:

• Anticorpos
• Linfócitos especializados
67

Fagocitose
Esse processo faz parte da imunidade inata. Alguns micro-organismos
são capazes de evadir ao processo de fagocitose.
Na fagocitose, o fagócito emite seus pseudopos para poder englobar um
micro-organismo. Quando capturado, o micro-organismo fica dentro de uma
vesícula, chamada de fagossomo. O fagossomo se funde com o lisossomo,
formando o fagolisossomo. No interior do fagolisossomo, o micro-organismo
entra em contato com as enzimas digestivas presentes no interior do lisossomo
e com substâncias que auxiliam na morte deste micro-organismo. Ao final do
processo, há a formação de uma vesícula residual, que é eliminada da célula
fagocítica.
Alguns micro-organismos conseguem impedir a fusão do fagossomo ao
lisossomo ou mesmo escapar da vesícula fagocítica (ficando livre no citoplasma
do fagócito, podendo se multiplicar e progressivamente destruí-lo).

Fatores de virulência
Os fatores de virulência são qualquer estrutura, produto ou estratégia que
contribuem para o aumento da habilidade do micro-organismo em causar
doença.
Muitos dos fatores de virulência são estruturais (fazem parte da estrutura
da bactéria) e muitos são produzidos (como enzimas, toxinas, proteínas, genes
que conferem resistência a antibióticos e a metais pesados, etc.). Alguns dos
68

fatores de virulência são enterotoxinas, endotoxinas (ex.: LPS), proteínas anti-


fagocitose, antígenos de superfície, fímbrias, plasmídeo (material genético extra-
cromossomal que possui genes não essenciais, mas que conferem virulência à
bactéria – como genes relativos à produção de toxinas e à produção da cápsula),
etc.

Genes de bacteriófagos
Alguns fatores de virulência das bactérias são sintetizados por material
genético proveniente de bacteriófagos, o qual está em ciclo lisogênico (genes
codificados em fago lisogênico). A neurotoxina botulínica, a toxina diftérica e
a toxina colérica são provenientes de material genético de bacteriófagos que
infectam esta bactéria e entram em ciclo lisogênico.

Plasmídeo R:
Um exemplo de plasmídeo relacionado à resistência é o plasmídeo R.
Está relacionado à resistência a antibióticos e a metais pesados. É um
plasmídeo conjugativo (pode ser transferido a outras bactérias pelo mecanismo
de conjugação). Foi descoberto em Shigella, em 1959.
É possível se notar algumas regiões no mapa do plasmídeo: a origem de
replicação (a partir deste ponto, a fita pode ser quebrada e se inicia a
transferência, por conjugação, do plasmídeo para outra célula bacteriana),
material para a síntese do pilus (que também é necessário para o processo de
conjugação) e os genes relacionados a resistência (a mercúrio, sufonamida,
estreptomicina, cloranfenicol e tetraciclina – o plasmídeo R confere resistência a
4 diferentes drogas antimicrobianas e a um metal pesado).
69

Ilhas de patogenicidade
Além dos fatores de virulência presentes em bacteriófagos ou plasmídeos,
existem fatores de virulência presentes nas ilhas de patogenicidade. As ilhas de
patogenicidade são regiões dentro do próprio cromossomo bacteriano que
contém grupos de genes de virulência. Podem ter sido organizadas por meio
de transferência de genes a partir de diferentes espécies.
Muitas vezes, esses genes podem ser expressos de forma coordenada
quando presentes nas ilhas de patogenicidade. Estas regiões já foram
identificadas em diferentes micro-organismos (tanto em bactérias Gram positivas
quanto em Gram negativas).
Uma das ilhas de patogenicidade mais conhecidas é a SCC mec, que está
presente em Staphylococcus aureus e confere resistência aos antibióticos β-
lactâmicos (penicilina e seus derivados).
Ao contrário de o que ocorre com os plasmídeos, esses genes estão
presentes no próprio cromossomo da célula bacteriana.
70

ETAPAS DA DOENÇA INFECCIOSA


Etapas que o micro-organismo tem que realizar para que ele cause a
doença (ou para que ele induza o sistema imunológico do indivíduo a causar a
doença):
1. Exposição do hospedeiro ao patógeno: há diferentes portas de entrada
para que o patógeno entre em contato com o hospedeiro. A partir do
momento que o patógeno consegue acesso ao hospedeiro, a primeira
coisa que deve ser capaz de fazer é evadir aos mecanismos do sistema
imunológico.
2. Adesão às células alvo
3. Colonização e multiplicação celular: aumenta em número na superfície
da célula alvo. Alguns micro-organismos conseguem invadir a mucosa
mesmo antes de aumentar o número de células.
4. Invasão ou produção de toxinas
5. Lesão

1. Exposição do hospedeiro ao patógeno:


Há diversos locais que funcionam como portas de entrada para o patógeno.
Dentre eles, estão:

• Membranas mucosas (do TGI, trato respiratório, genitourinário e


conjuntivo)
• Aberturas na pele (cortes, cirurgias, etc)
• Via parenteral (ocorre deposição direta dos patógenos nos tecidos por
meio de punções, injeções, ferimentos e cirurgias)
• Placenta (apenas alguns micro-organismos conseguem atravessá-la;
quando conseguem, causam infecções congênitas, como a sífilis
(causada pelo Treponema pallidum)).

2. Evasão do sistema imune


O micro-organismo deve contornar as defesas do sistema imunológico do
hospedeiro. Para isso, utiliza diversos mecanismos, como:
• Presença de cápsula: estrutura que recobre toda a extensão da célula
bacteriana. É formada por peptídeos, polissacarídeos ou por uma
combinação destes dois componentes.
o A presença da cápsula permite a evasão ao processo de
fagocitose: quando o fagócito tenta fagocitar uma bactéria com
cápsula, ela desliza e escapa dos pseudópodes.
71

o A fagocitose de bactérias encapsuladas chega a ocorrer, mas não


em primeiro momento, devido ao mecanismo supracitado. É
necessário que os anticorpos reconheçam os antígenos da cápsula
e se liguem a eles, realizando assim o processo de opsonização e
fazendo com que o fagócito seja capaz de fagocitar a célula.

Opsonização: é um mecanismo que visa facilitar e otimizar a ação do


sistema imunológico por meio da fixação de opsoninas (ex.:
imunoglobulinas) na superfície bacteriana, as quais serão reconhecidas
por fagócitos e permitirão a fagocitose.

• Presença de ligantes da fração Fc de anticorpos: este mecanismo está


presente principalmente em Staphylococcus aureus. Normalmente, a
região do anticorpo que se liga aos antígenos é a região Fab, de modo
que a região Fc fica livre para se ligar às células do sistema imune (como
macrófagos, eosinófilos, etc) e proporcionar os efeitos da imunidade
mediada por células (como o processo de opsonização). Todavia, há
algumas bactérias que fazem com que a região Fc se ligue à sua
superfície. Com isso, a bactéria não consegue sofrer a influência da
imunidade mediada por células (já que a região Fc à qual as células do
sistema imune se ligam não está disponível) e ela “sequestra” o anticorpo,
72

visto que ele fica inutilizado ao se ligar em sua membrana, não


conseguindo se ligar a outros patógenos para desencadear o processo
descrito acima.

• Capacidade de sobrevivência intracelular: algumas das etapas que


ocorrem dentro do fagócito podem ser impedidas pelo micro-organismo.
Alguns desses mecanismos de evasão são:
o Impedir a fusão do fagossoma com o lisossoma: impede o contato
com as enzimas digestivas que vão degradar o micro-organismo
o Resistir à degradação enzimática dentro do fagolisossoma
o Escapam do fagossomo: rompem a membrana e passam para o
citoplasma da célula fagocítica. A bactéria pode permanecer dentro
do fagócito ou causar a sua lise, se disseminando para mais
células.

• Síntese de proteases de IgA: a IgA é um anticorpo muito prevalente nas


membranas mucosas. Ela é um dímero (2 anticorpos ligados por uma
cadeia J) – as proteases de IgA clivam a cadeia J. A IgA, não estando na
sua forma dimérica, acaba não protegendo as mucosas das invasões por
micro-organismos.
73

• Variação antigênica: alguns micro-organismos são capazes de alterar a


expressão de seus antígenos de superfície (sem que isso cause nenhum
prejuízo para o micro-organismo), permitindo assim a evasão aos
mecanismos do sistema imune. Isto ocorre pois a resposta imune é
gerada com a produção de anticorpos que se ligam especificamente aos
antígenos presentes na membrana do patógeno. Ao se trocar o antígeno
de superfície (como de A para B, como mostrado no esquema abaixo), é
como se o antígeno estivesse entrando em contato pela primeira vez com
o organismo do hospedeiro, de modo que este tenha que montar uma
nova resposta imunológica, com uma nova produção de anticorpos para
reconhecer o novo antígeno. Este mecanismo “atrasa” a resposta
imunológica. Isto explica a existência de diferentes sorotipos dentro de
uma mesma espécie de micro-organismo.
o Este mecanismo é bem comum em bactérias e em vírus.

3. Adesão
A bactéria se liga à sua célula alvo. Essa ligação é mediada por ligantes ou
adesinas presentes na superfície da célula bacteriana. Estes ligantes podem
estar presentes na cápsula, podem ser proteínas de adesão ou fímbrias. Os
ligantes interagem com os receptores presentes na superfície da célula do
hospedeiro, para que assim fique aderido firmemente (é uma ligação bastante
forte).

Em alguns casos, essa ligação é mais fraca (de modo que o micro-organismo
seja removido da superfície da célula por secreções do hospedeiro ou por células
imunológicas).
74

Mecanismo de adesão via biofilme


Os biofilmes são agregados de células bacterianas (que podem conter
também outros micro-organismos) que ficam firmemente aderidos a
superfícies sólidas.
O mecanismo de adesão via biofilme ocorre da seguinte forma: as células
planctônicas (de vida livre) se aderem a uma superfície sólida e se tornam
células sésseis. Após a adesão, as células sésseis se proliferam, formando
micro-colônias. As colônias vão se desenvolvendo e amadurecendo, e
desenvolvem uma matriz exopolissacarídea que recobre o biofilme, protegendo
as células bacterianas (contra células imunológicas e antimicrobianos) até que
seja formado o biofilme maduro.

As células do biofilme podem se dispersar pelo ambiente e ocasionar a


formação de biofilmes em locais diferentes do sítio inicial.
QS = Quorum sensing. Funciona como uma forma de comunicação entre as
células dentro do biofilme. Ele é uma estrutura importante na expressão de
diferentes fatores de virulência – para alguns micro-organismos, a formação de
biofilme acaba possibilitando a expressão de fatores de virulência que não
seriam expressos caso este micro-organismo estivesse em vida livre. O QS é um
sensor químico que é ativado quando a colônia atinge determinada quantidade
de bactérias, levando algumas bactérias a expressar alguns genes de virulência
que não seriam expressos se elas estivessem sozinhas.

Os biofilmes podem ser formados em qualquer superfície sólida que


confira nutrientes e condições adequadas para esse micro-organismo. Muitas
infecções humanas são causadas por biofilmes, como infecções de cateter,
infecções de próteses, infecções pulmonares, otites, etc. As infecções por
biofilmes são mais difíceis de serem controladas pois eles são revestidos pela
matriz exopolissacarídea.
75

4. Colonização e crescimento
Alguns micro-organismos apresentam uma grande especificidade por
tecidos (o que está principalmente relacionado à adesão – ao reconhecimento
dos receptores das células alvo).
A colonização depende muito da disponibilidade de nutrientes no
tecido infectado. As enzimas microbianas agem nessa etapa de colonização e
crescimento, visto que muitas vezes, as células bacterianas precisam sintetizar
enzimas que degradem os possíveis nutrientes.
A tensão de oxigênio e a disponibilidade de ferro livre podem
funcionar como fatores limitantes para o crescimento microbiano. Se o micro-
organismo for estritamente aeróbio, ele não conseguirá se multiplicar bem em
um local que não possua as concentrações adequadas de oxigênio. Se o micro-
organismo for anaeróbio, ele não conseguirá crescer muito bem em locais com
altas concentrações de oxigênio.
Algumas bactérias sintetizam partículas chamadas de sideróforos, as
quais podem auxiliar na captação de ferro (um dos nutrientes que mais limita o
crescimento microbiano quando está em falta). O sideróforo é um agente ligante
de ferro (é um quelante). Consegue captar o ferro (na forma de ferro férrico – Fe
+3) da célula do hospedeiro. Após captar o ferro, o sideróforo passa para a parte
interna da bactéria, libera o ferro e depois pode ser reutilizado. Devido a este
mecanismo descrito, é comum que pacientes com infecções bacterianas
apresentem anemia. Os sideróforos foram identificados principalmente em
bactérias Gram negativas.

5. Invasão da célula alvo/ Produção de toxinas


Invasão da célula alvo
A invasão da célula alvo pode ocorrer através da síntese de enzimas, que
acabam por degradar a matriz extracelular localizada nas junções entre as
células epiteliais. Com a degradação da matriz, a bactéria é capaz de acessar
os tecidos mais profundos do hospedeiro.
76

Algumas das enzimas extracelulares que permitem o processo de invasão


são a coagulase, a hialuronidase e a colagenase. A hialuronidase e a
colagenase são enzimas que degradam o ácido hialurônico e o colágeno
presentes na matriz que une as células epiteliais. Com a degradação dessa
matriz, a bactéria ganha acesso aos tecidos mais profundos do hospedeiro. A
bactéria também pode utilizar o ácido hialurônico e o colágeno degradados como
fontes de nutrientes. A coagulase leva à formação de um coágulo feito de fibrina
ao redor do micro-organismo. Ao ficar no interior deste coágulo, o micro-
organismo fica protegido da detecção e ação das células imunológicas e da ação
de susbtâncias anti-microbianas. O mecanismo da coagulase está muito
presente em S. aureus.

Outras bactérias sintetizam as invasinas: proteínas que provocam


alterações no citoesqueleto da célula-alvo. Formam uma espécie de cápsula
ao redor da bactéria, acabando por internalizar a bactéria como em um processo
de endocitose. Com isso, a bactéria é capaz de alcançar o citoplasma da célula
hospedeira.

Adicionalmente, há também mecanismos que permitem que bactéria se


dissemine para outras regiões (tanto para células adjacentes quanto para
tecidos distantes). Isso acontece com Listeria e Shigella: ao infectarem a célula
do hospedeiro (enterócitos principalmente), elas podem reorganizar
(polimerizar) a actina presente no citoesqueleto do enterócito e formar um
77

flagelo para a bactéria, o qual pode propelir a bactéria para a célula adjacente,
de modo que ela vá invadindo as células ao seu redor e se disseminando. Ao
serem fagocitadas, essas bactérias conseguem escapar do fagossomo pois
possuem enzimas que são capazes de degradá-lo.
Alguns micro-organismos são capazes de atingir outros tecidos (sítios
distantes da infecção original) quando caem na corrente sanguínea. Isso pode
acontecer em bactérias causadoras de cáries ou em outros micro-organismos.
Os micro-organismos causadores de cáries normalmente apresentam tropismos
celulares para coração, articulações, cérebro e pulmão. Isso explica porque é
comum que pacientes com muitas cáries apresentem endocardites ou problemas
de articulações.

Toxicidade
Além da capacidade de invasão, os micro-organismos também podem
sintetizar toxinas. As toxinas são divididas em endotoxinas e exotoxinas.

• Exotoxinas: são extracelulares. São produzidas e liberadas para o meio


externo. São produzidas tanto por bactérias Gram positivas quanto por
bactérias Gram negativas.
• Endotoxinas: são parte integrante da própria estrutura das bactérias
Gram negativas. É o lipídeo A (que faz parte do LPS presente na
membrana externa da bactéria Gram negativa). São liberadas quando há
a lise da bactéria.

Exotoxinas:
Os genes relativos à produção das exotoxinas podem estar presentes
tanto no cromossomo bacteriano, quanto possuir origem de bacteriófagos,
quanto estar presente em plasmídeos. Três das principais exotoxinas produzidas
por bactérias são:
• Toxina botulínica: é produzida pelo Clostridium botulinum. Está
relacionada à conversão lisogênica (esse gene estava anteriormente
presente em um bacteriófago)
• Toxina shiga: seu gene está presente no cromossomo da bactéria. Está
relacionada à disenteria e à morte celular da célula alvo.
78

• Toxina tetânica: o gene que codifica essa toxina está presente em um


plasmídeo.

Mecanismo de ação de algumas exotoxinas: citotoxinas, neurotoxinas e


enterotoxinas
A toxina diftérica age da seguinte maneira: ela é uma citotoxina (leva à
morte da célula alvo). É produzida pelo Corynebacterium diphteriae, que foi
previamente lisogenizado (passou por conversão lisogênica) pelo becteriófago
fago β, o qual possui em seu material genético o gene tóxico. Esta toxina é uma
toxina AB (é um dímero que possui duas partes: A (porção efetora) e B (realiza
ligação à célula alvo)). A toxina AB se liga à superfície da célula alvo, sendo que
a porção A é internalizada e passa a impedir a síntese proteica pelos ribossomos,
o que leva à morte celular.

A toxina botulínica é uma neurotoxina. Também é uma toxina AB,


sendo produzida pelo Clostridium botulinum (um micro-organismo anaeróbio).
Dentre as toxinas bacterianas, é a mais potente. Ela é termossensível, e por isso
o aquecimento de alimentos que possam contê-la é eficiente no controle de sua
disseminação. Seu mecanismo de ação consiste na inibição da contração
muscular: age na junção neuromuscular, impedindo a liberação de acetilcolina
(neurotransmissor excitatório), causando paralisia muscular flácida (a fibra
muscular passa a não apresentar contração).
79

A toxina tetânica possui efeito contrário ao da toxina botulínica, visto que


ela estimula continuamente a contração muscular. Também é uma neurotoxina
e uma toxina AB. É produzida pelo Clostridium tetani. Esta toxina inibe a
liberação de neurotransmissores inibitórios (GABA e glicina), o que leva a que a
contração muscular seja estimulada continuamente (devido ao excesso de
acetilcolina liberado, já que não há nada inibindo a sua liberação). Esta contração
muscular exacerbada é chamada de paralisa espástica.

Tanto a toxina tetânica quanto a toxina botulínica podem causar


alterações respiratórias, podendo levar a óbito.
Além de citotoxinas e neurotoxinas, há também enterotoxinas: toxinas
que possuem como alvo de ação o enterócito. Um exemplo de enterotoxina é a
enterotoxina colérica, produzida por Vibrio cholerae. É uma toxina polipeptídica
(apresenta várias subunidades A e B). A toxina colérica reconhece o receptor na
superfície do enterócito, a parte efetora da toxina é internalizada e ela aumenta
a atividade da adenilato ciclase. A adenilato ciclase aumenta os índices de AMPc
no interior da célula intestinal, e este aumento causa a secreção de eletrólitos. A
maior secreção de eletrólitos para o lúmen do intestino atrai água pelo processo
de osmose, causando diarreias. A diarreia provocada pela toxina colérica é
chamada de “diarreia água de arroz”, por ser muito intensa e muito aquosa.
80

Outra enterotoxina bastante conhecida é a enterotoxina estafilocócica.


Ela é produzida por Staphylococcus aureus, e é reconhecida como um
superantígeno. Superantígenos são toxinas que superestimulam o sistema
imunológico. Provocam náuseas, vômitos, diarreias e efeitos sistêmicos.
Convencionalmente, os antígenos são fagocitados pela célula apresentadora de
antígeno (APC) para serem processado e então possuírem parte de sua
estrutura apresentada junto à molécula de MHC2 para os linfócitos T. O
superantígeno, todavia, não é processado pelas APCs, de modo que se liga
externamente ao MHC2 e assim consegue estimular diversas células T
diretamente. Essa ativação de vários linfócitos T causa maior liberação de
citocinas (principalmente de IL-2 e IL-1), que causam hipotensão e febre. A
enterotoxina estafilocócia é uma toxina termoestável.

Tanto a toxina estafilocócica quanto a toxina botulínica são ingeridas por


meio de alimentos contaminados na forma de toxina pré-formada.
81

Endotoxinas
As endotoxinas fazem parte da membrana externa da parede celular das
bactérias Gram negativas. A membrana externa da bactéria Gram negativa é
formada pela bicamada lipídica e pelos lipopolissacarídeos (LPS). Os LPS são
formados por uma porção lipídica e por uma porção polissacarídea. A porção
lipídica do LPS é chamada de lipídeo A ou de endotoxina. Quando a bactéria
está íntegra, o lipídeo A ancora o LPS na membrana externa. Quando a bactéria
sofre lise, o lipídeo A é liberado para o meio externo, induzindo o aumento da
temperatura corporal do hospedeiro. Induz a produção de citocinas (IL-1 e TNF-
α) que agem no hipotálamo e causam a produção de prostaglandinas, que
aumentam a temperatura corporal do indivíduo.

DANOS AOS TECIDOS DO HOSPEDEIRO


O tipo e a intensidade dos danos aos tecidos do hospedeiro dependem
de quais tecidos são afetados e do grau em que são afetados. Normalmente
os danos são causados pelos próprios micro-organismos (por ação de suas
toxinas ou enzimas, ou por ação dos subprodutos do metabolismo bacteriano –
principalmente se for um organismo fermentador, que produz gases e ácidos
orgânicos).
Os danos também podem ser provenientes da própria resposta
imunológica do indivíduo.

VIAS DE TRANSMISSÃO

• Contato direto: toque, beijo, ato sexual


• Contato indireto: aparelhos médicos, perdigotos (gotículas eliminadas via
tosse ou espirro), diarreia, utensílios ou equipamentos
• Veículos: água, alimentos, ar ou vetores.
82

CONTROLE MICROBIANO
Medusa – 86

HISTÓRICO
O controle de micro-organismos é realizado desde os primórdios da
humanidade, mesmo que fosse feito apenas de forma empírica. Exemplo disso
é a utilização do sal para a conservação de alimentos.
Para que qualquer procedimento médico seja realizado, é importante que
estes micro-organismos sejam removidos do ambiente em que o paciente está
envolvido. Além disso, também devem ser tomados os cuidados para não se
trazer novos micro-organismos para o local (por meio da higienização dos
aparelhos médicos e da equipe).

Sammelweis
Em 1847, Ignaz Philipp Semmelweis percebeu que havia uma diferença
na taxa de mortalidade das gestantes cujos partos eram realizados por médicos
em relação às gestantes cujos partos eram realizados por parteiras, em uma
mesma clínica. No setor em que os partos eram realizados por médicos, a
incidência de febre puerperal era 3 vezes maior do que no setor no qual os partos
eram realizados por parteiras.
Sammelweis suscitou a hipótese de que a equipe médica poderia carregar
em suas mãos “partículas cadavéricas” – que, atualmente, sabe-se que são
bactérias do gênero Streptococcus. Essa maior incidência de mortes ocorria
porque os médicos que atendiam as pacientes eram também os médicos que
avaliavam o corpo das pacientes no pós-morte. Como não era feita a correta
higienização das mãos, os médicos acabavam por transmitir as bactérias das
pacientes mortas para as pacientes vivas.
Devido a isso, Semmelweis propôs que todos os médicos e estudantes
de medicina deveriam higienizar corretamente as mãos antes de entrar nas
clínicas obstétricas. Na época, suas ideias foram muito combatidas: foi
perseguido pela comunidade médica e não pode mais atuar como médico.
Semmelweiss estava correto, mesmo que tivesse provado apenas de forma
empírica (já que ainda não havia a ideia de se relacionar um micro-organismo
com uma doença). A prática simples da higienização das mãos reduziu a
incidência de febre puerperal de 12% para 1,2%.

Louis Pasteur
Em 1861, Louis Pasteur realizou a demonstração da presença de micro-
organismos no ar e no ambiente por meio do experimento do pescoço de cisne.
83

Por meio de seu experimento, confirmou a teoria da biogênese: mostra que


uma célula só pode surgir a partir de outra célula pré-existente.
Em seu experimento, Pasteur ferveu um caldo nutritivo em um frasco de
vidro. O frasco tinha seu gargalo modificado (esticado e encurvado), formando o
pescoço de cisne. O calor no qual o frasco era fervido era suficiente para
esterilizar essa solução. Este caldo, depois de fervido, poderia ficar neste frasco
por um longo período de tempo sem desenvolver micro-organismos. A
modificação realizada no gargalo permitia que o ar continuasse adentrando no
frasco, mas as partículas de poeira que poderiam carregar os micro-organismos
acabavam ficando retidas na curvatura do gargalo, de modo que os micro-
organismos não conseguissem atingir o líquido no interior do frasco.
Se o gargalo fosse quebrado ou o frasco fosse virado e entrasse em
contato com a poeira retida na curvatura do pescoço de cisne, em pouco tempo
o líquido acabaria se deteriorando. Desta forma, Louis Pasteur demonstra a
presença dos micro-organismos no ambiente.

Em 1864, Louis Pasteur volta a utilizar altas temperaturas para destruir os


micro-organismos indesejáveis. Foi procurado pelo governo Francês para
resolver o problema do vinho francês que estava estragando ao ser exportado.
Pasteur conseguiu observar no vinho deteriorado a presença de algumas
bactérias, as quais utilizavam o açúcar do vinho para fermentar e o
transformavam em ácido acético, o que dava ao vinho o sabor de vinagre.
Pasteur propõe a utilização da temperatura para eliminar essas bactérias
(criando assim o processo de pasterutização) Estabelece a relação entre
deterioração de alimentos e presença de micro-organismos – é a base para que
ocorra a associação entre um micro-organismo e a doença propriamente dita.
84

Koch
Robert Koch foi decisivo ao estabelecer a teoria do germe da doença, visto
que estabeleceu uma metodologia para se comprovar que determinado
micro-organismo estava relacionado ao aparecimento de determinada
doença. Os postulados de Koch já foram explicados na aula anterior.

Lister
Em 1865, Joseph Lister propõe o uso do fenol para antissepsia da área
cirúrgica, da ferida do paciente e das roupas do paciente. Nessa época,
muitas infecções pós-operatórias levavam o paciente a óbito. A utilização do
fenol causou importante redução nos óbitos no pós-operatório. Atualmente, o
fenol não é mais utilizado, visto que é uma substância bastante irritante para a
pele e para membranas mucosas

CONTROLE DA POPULAÇÃO MICROBIANA


O controle da população microbiana visa destruir, inibir ou remover
micro-organismos (não necessariamente visa eliminar – em muitas situações,
só a redução já é suficiente).
São utilizados agentes físicos (como filtração, temperatura e radiação) e
agentes químicos (como desinfetantes e antissépticos e drogas
antimicrobianas). O objetivo destes agentes é deixar os micro-organismos em
números aceitáveis ou eliminá-los.
O controle microbiano é utilizado em laboratórios, hospitais e indústrias.
A escolha do método depende do objetivo, do tipo de material (ex.: se o material
a ser esterilizado é termossensível ou não) e do nível de controle que se deseja
obter (se é objetivado se reduzir a população a níveis aceitáveis ou se é
objetivada a esterilização).

AÇÃO MICROBIOSTÁTICA X AÇÃO MICROBICIDA


Os agentes utilizados no controle dos micro-organismos podem ter ação
microbiostática ou ação microbicida.
• Ação microbiostática: objetiva-se a inibição/bloqueio da multiplicação
microbiana. Com isso, os micro-organismos permanecem viáveis, mas
não se multiplicam na presença do agente microbiostático. Com a retirada
desse agente, os micro-organismos podem retomar a sua divisão celular.

• Ação microbicida: ocorre destruição/morte do micro-organismo. A


“morte” do micro-organismo pode ser tanto sofrer lise celular quanto
85

simplesmente perder a capacidade de divisão celular (de forma


irreversível). Com a adição de um agente microbicida, há a redução no
número de células.

FATORES QUE INFLUENCIAM NO CONTROLE MICROBIANO


Alguns fatores que influenciam no controle microbiano são:

• Número de micro-organismos na população inicial: quanto maior o


número inicial de células, maior será o tempo necessário para se realizar
a eliminação desta população
• Resistência intrínseca (relativa ao tipo de micro-organismo): alguns
micro-organismos são mais resistentes do que outros devido a fatores
intrínsecos, relacionados à própria estrutura da célula
o Existem estruturas mais resistentes e estruturas menos
resistentes. Exemplo: o endósporo, por ser a forma de resistência
adotada pelas bactérias frente às condições adversas, é a
estrutura mais resistente frente à ação de agentes antimicrobianos.
As micobactérias estão em segundo lugar na escala de resistência
(devido a características de sua parede celular, que apresenta alto
teor lipídico).
o As bactérias Gram negativas apresentam maior resistência aos
agentes microbianos do que as Gram positivas, em função da
membrana externa presente em sua parede celular
o Os micro-organismos menos resistentes são os vírus com
envelopes lipídicos (que são mais facilmente destruídos tanto por
métodos físicos quanto por métodos químicos de controle
microbiano)
86

• Estado fisiológico do micro-organismo: o micro-organismo na forma


de endósporo apresenta maior resistência (principalmente resistência
térmica). O endósporo apresenta o citoplasma desidratado, baixa
atividade metabólica e algumas proteínas que acabam por conferir essa
maior resistência (não só à temperatura, mas também a outros fatores de
controle). Métodos convencionais de controle microbiano muitas vezes
não são suficientes para destruir os endósporos bacterianos.
• Presença de matéria orgânica: saliva, sangue, fezes ou gordura podem
inibir a ação do agente antimicrobiano. Devido a isso, deve-se retirar
qualquer matéria orgânica/sujidade das mãos com água e sabão antes de
utilizar os agentes antimicrobianos.
• Natureza do meio: questões como pH e umidade também influenciam
nas estratégias de eliminação do micro-organismo
• Tempo de exposição: quanto mais prolongada for a exposição a
determinado agente antimicrobiano, maior o número de micro-organismos
que podem ser eliminados.
• Tipo e concentração do agente: os diferentes mecanismos de ação
podem influenciar no controle microbiano.
87

CONCEITOS BÁSICOS:
• Esterilização: remoção ou destruição de todas as formas microbianas
(incluindo endósporos), por métodos físicos ou químicos.
o Ex.: Uso de vapor sob pressão (autoclave); óxido de etileno (gás
utilizado para se esterilizar muitos dispositivos médicos).
• Desinfecção: destruição somente de células vegetativas (patógenos ou
não) em matéria inanimada, por métodos físicos ou químicos. Não
inativa endósporos.
o Ex.: raios UV, água fervente ou vapor, desinfetantes, etc.
• Antissepsia: inibição ou eliminação de células vegetativas em tecidos
vivos (pele ou mucosa). Não inativa endósporos
o Ex.: agentes químicos (antissépticos)
• Degermação: remoção mecânica de micro-organismos de uma área
limitada da pele
o Ex.: aplicação de álcool na pele antes de uma injeção; aplicação
de álcool iodado antes de procedimento cirúrgico

MECANISMOS DE AÇÃO DOS AGENTES USADOS NO CONTROLE


MICROBIANO
1. Alteração da permeabilidade da membrana
2. Danos à parede celular
3. Danos às proteínas
4. Danos aos ácidos nucleicos
A escolha do mecanismo de ação do agente microbiano depende muito
do objetivo que se quer atingir.

AGENTES FÍSICOS
1. Filtração:

É bastante utilizado em gases e em líquidos termossensíveis (vitaminas,


aminoácidos, antibióticos, vacinas, etc.). O processo de filtração promove
descontaminação, ou até mesmo esterilização.
Os filtros mais comumente utilizados são os filtros de membrana (com poros
que vão de 0,22-0,45 micrômetros). São utilizados em indústrias e em
laboratórios. Os filtros podem ser acoplados às seringas (quando os volumes a
serem filtrados são pequenos) ou podem ser utilizados aparatos de filtração, nos
quais são colocados membranas filtrantes (onde ficam contidos os micro-
organismos) e bombas de vácuo (para se puxar o líquido para baixo, através da
membrana filtrante). O tamanho dos poros define quais micro-organismos ficarão
retidos na membrana e quais poderão passar (se for objetivada a esterilização,
deve ser utilizada uma membrana com poros menores).
88

Outro tipo de filtro que também pode ser utilizado é o filtro HEPA, que é
muito utilizado em ares-condicionados e em capelas de fluxo laminar. Removem
praticamente todos os micro-organismos. Apresentam poros de 0,3 micrômetros
de diâmetro, que são suficientes para reter a maioria dos micro-organismos
indesejados.
Nas capelas de fluxo laminar, todo o ar é filtrado através do filtro HEPA (tanto
o que vai ficar no interior da capela quanto o que vai depois ser eliminado através
da saída de ar). O ar é forçado para que entre somente por uma pequena
abertura que fica próxima ao manipulador (seta vermelha). O ar percorre todo o
percurso (setas roxas) antes de entrar em contato com a parte interna da capela
de fluxo, onde estão sendo manipulados os insumos/micro-organismos. Há uma
tampa de vidro que isola o manipulador do que está sendo manipulado. Todo ar
é filtrado pelo filtro HEPA, e na saída de ar há a presença de outro filtro (para
garantir que o ar eliminado não transmita micro-organismos ao ambiente).
89

2. Altas temperaturas
A temperatura também é altamente utilizada como meio de controle
microbiano, seja por meio de altas temperaturas ou de baixas temperaturas.
O tratamento térmico varia de acordo com o micro-organismo (sendo
necessário se utilizar temperaturas mais elevadas quando se deseja destruir os
endósporos) e com o ambiente utilizado durante o tratamento.
É possível se utilizar calor seco ou calor úmido:

• Calor seco: realiza oxidação de compostos orgânicos


o Chama direta: promove a queima de contaminantes
▪ Ex.: Bico de Bunsen, lamparinas
o Incineração: são utilizados para copos de papel, curativos
contaminados, carcaças de animais, panos de limpeza, etc
o Forno de Pasteur: utiliza temperatura de 180ºC por até 2 horas. É
muito utilizado para vidrarias, agulhas, in strumentos e seringas de
vidro.
• Calor úmido: desnatura proteínas e inativa enzimas
o Água fervente ou fluxo de vapor: atinge temperaturas de 100ºC.
Elimina células vegetativas (bactérias e fungos), mas não destrói
alguns endósporos e alguns vírus (como o da hepatite A)
o Autoclave: vapor saturado sob pressão. Pode atingir até 121ºC.
Promove a esterilização completa: a temperatura de 121ºC por 15
minutos é suficiente para eliminar todas as células vegetativas
(temperaturas de 60-70ºC já são suficientes para destruir as
células vegetativas) e todos os endósporos (que necessitam de
temperaturas superiores a 100ºC para serem eliminados). Se
houver alguma bactéria termorresistente, talvez seja necessário se
aumentar um pouco mais essas temperaturas.
▪ É utilizado para esterilizar meios de cultura, utensílios e
equipamentos médicos que suportem essa alta temperatura
e o vapor sob pressão
▪ Mecanismo de funcionamento de uma autoclave: uma
resistência aquece a água presen te no interior da autoclave,
de modo que a autoclave fica cheia de vapor de água. O ar
frio é eliminado, para que assim no interior da autoclave
exista apenas vapor de água em alta temperatura. Após o
ar frio ser eliminado, o controle da saída de ar é fech ado.
Esse vapor sob pressão que fica no interior da autoclave
permite que seja alcançada a temperatura de 121ºC, sendo
utilizada então por 15 minutos - tempo suficiente para
esterilizar todos os materiais que foram previamente
colocados em seu interior.
▪ OBS.: No laboratório de microbiologia, eles deixam os
materiais por 30 minutos (e não 15) após serem realizados
os experimentos (para assim ter certeza que não restou
nenhum micro-organismo)
90

o Pasteurização: foi proposta por Pasteur em 1864. O objetivo desta


técnica não é esterilizar o material, mas sim utilizar altas temperaturas
para destruir micro-organismos patogênicos (o que é visado ao se
realizar o processo de pasteurização no leite) ou mesmo para reduzir
o número de micro-organismos deterioradores (como ocorre na
utilização deste processo para a produção de vinagre e de diferentes
sucos)
o No processo de Pasteurização do leite, visa-se destruir micro-
organismos como Mycobacterium tuberculosis, Coxiella
burnetti, Brucella abortus, etc.
o Logo após a realização da pasteurização, é utilizada uma outra
técnica de controle para impedir o crescimento dos micro-
organismos que possam ter sobrevivido ao processo de
pasteurização (ex.: o leite, logo após ser pasteurizado, é
refrigerado).
o A Pasteurização não é um método de esterilização, e portanto,
não elimina endósporos.
o Há dois tipos de pasteurização (binômio tempo/temperatura):
▪ Baixa temperatura por tempo maior: 63ºC por 30 minutos
91

▪ Alta temperatura por tempo menor: 72ºC por 15 minutos.


Esta é a forma normalmente utilizada na indústria
alimentícia
o Esterilização comercial
o Consiste no uso de altas temperaturas (até 140ºC) por 5
segundos. Este procedimento é aplicado em leites, sucos de
frutas, massas de tomate, alimentos embalados em embalagem
Tetra Pak e enlatados.
o O objetivo deste método de controle é eliminar todas as células
vegetativas e os endósporos de Clostridium botulinum (espécie
que é bastante resistente a altas temperaturas). Este micro-
organismo é o causador do botulismo.
o O termo “esterilização comercial” não necessariamente refere-
se à ausência completa de micro-organismos, visto que por
vezes pode ser que nem todos os micro-organismos sejam
eliminados. Mesmo que permaneçam algumas células, as
condições às quais este alimento é submetido não são
propícias para que este micro-organismo se desenvolva.
o Erros neste processo podem levar à deterioração dos alimentos

3. Baixas temperaturas
As baixas temperaturas provocam efeito microbiostático: não matam o
micro-organismo, só cessam a sua atividade metabólica. A partir do momento
em que o micro-organismo é retirado desta baixa temperatura, pode retomar a
sua atividade metabólica e a sua multiplicação celular. Podem ser utilizados os
seguintes processos:

• Refrigeração (0-7ºC): nessa temperatura, os micro-organismos


psicrotróficos e os psicrófilos ainda conseguem se multiplicar
• Congelamento (< -18ºC): utilizado em alimentos ou outros insumos
que exigem armazenamento prolongado

4. Radiação
Há tanto a radiação ionizante quanto a radiação não ionizante. O uso de
um tipo ou de outro depende do objetivo e do material em que se deseja controlar
o crescimento microbiano.
• Radiações ionizantes (ex.: raio X e raio gama): o comprimento de
onda é menor, e com isso essa radiação possui maior poder de
penetração. Há a formação de radicais livres (radicais OH).
o É muito utilizada para equipamentos cirúrgicos, descartáveis,
plásticos, tecidos para enxerto e vacinas – compostos que não
podem ser submetidos a altas temperaturas.
92

• Radiações não ionizantes (ex.: raio ultravioleta): o comprimento de


onda é maior, havendo, consequentemente, uma baixa penetração.
Devido a isso, para que ela seja efetiva, o micro-organismo deve ser
diretamente exposto à radiação UV (já que ela possui baixo poder de
penetração)
o É um poderoso bactericida
o Como necessita deste contato direto com o material, pode ser
feita em ar, superfícies, embalagens.
o Induz a formação de dímeros de timina no material genético
(pareamento de timinas adjacentes na mesma fita de DNA –
altera a formação em dupla-hélice da fita de DNA, levando à
morte do micro-organismo)
o É utilizada para se esterilizar a capela de fluxo laminar:
adicionalmente aos filtros HEPA, há também a luz UV (que
permanece ligada por 15 minutos para esterilizar o ambiente
interno da capela).

AGENTES QUÍMICOS
São usados para controlar o crescimento de micro-organismos em
tecidos vivos e em objetos inanimados.
O agente químico ideal teria como características:

• Amplo espectro de ação em baixas concentrações


• Toxicidade seletiva (atuar somente sobre o micro-organismo e não sobre
o tecido vivo)
• Solubilidade e estabilidade adequadas
• Alto poder de penetração
• Baixo custo

1. Fenol e compostos fenólicos


O primeiro agente químico a ser utilizado na história da humanidade foi o
fenol e os derivados fenólicos (por Lister). O fenol foi utilizado como um agente
antisséptico, embora a sua elevada toxicidade tenha descontinuado seu uso
para esta finalidade. Ele é toxico quando inalado e quando entra em contato com
pele e mucosas. Devido a isso, foi substituído por derivados fenólicos (como o
Hexaclorofeno, que apresenta menor ação irritante e é ativo mesmo na
presença de matéria (resíduos) orgânica).
O fenol age por meio do rompimento de membranas plasmáticas e
desnaturação de proteínas.
93

2. Álcool
O álcool desnatura proteínas e dissolve lipídeos, sendo devido a isso
muito utilizado como agente antisséptico. A sua ação mais efetiva depende da
retirada prévia da sujidade (matéria orgânica) das mãos. Não são tóxicos.
Possui amplo espectro de ação, sendo efetivo contra bactérias, alguns
fungos e vírus. Não é efetivo contra endósporos bacterianos e nem contra vírus
não envelopados.
O álcool 70% possui maior poder de penetração. As proteínas celulares
acabam sendo mais facilmente desnaturadas na presença de água. O álcool
100% apresenta um efeito muito mais de desidratação do que microbicida.

3. Biguanidas
A clorexidina é uma biguanida. As biguanidas atuam por meio da
alteração da permeabilidade da membrana citoplasmática. É muito utilizada para
antissepsia de pele e mucosas, sendo muito utilizada no ambiente hospitalar.
É efetiva contra bactérias e fungos, mas não é capaz de eliminar
endósporos e micobactérias. A clorexidina é um composto catiônico.

4. Halogênios

Os principais halogênios são o iodo e o cloro.


Iodo
É um dos antissépticos mais antigos e eficazes. Promove oxidação de
enzimas e precipitação de proteínas. É utilizado na antissepsia de pele e
feridas, e na desinfecção de termômetros.
Possui uma ampla atividade microbicida: age contra bactérias, fungos,
vírus e endósporos.
Pode ser utilizado tanto na forma de tintura (solução de iodo em álcool
aquoso) quanto de iodóforo (iodo associado a uma molécula orgânica,
aumentando a sua efetividade; exemplos de iodóforos: povidine e betadine).
Cloro
É um desinfetante amplamente usado. Desnatura proteínas e inativa
ácidos nucleicos. É um desinfetante muito utilizado em ambientes hospitalares,
mas também é utilizado em utensílios diversos, vidrarias e na água.
Apresenta efetividade contra bactérias e vírus (em altas concentrações,
é efetivo contra endósporos).
Pode ser utilizado tanto na forma de hipoclorito quanto na forma de
cloraminas.
94

5. Metais e compostos metálicos.


Possuem uma potente ação microbicida. Desnaturam proteínas. Por
possuírem elevada toxicidade (prata, mercúrio, cobre e zinco), não são
normalmente utilizados como antissépticos.

• Nitrato de prata: prevenção da conjuntivite neonatal (muito efetivo contra


a Neisseria gonorrhoeae)
• Sulfadiazina de prata: creme para queimaduras
• Cloreto de mercúrio: pode ser utilizado para antissepsia de pele e
mucosas, mas apresenta elevada toxicidade
• CuSO4: algicida; ativo em baixa concentração de matéria orgânica
• Zinco: utilizado em soluções de bochecho; antifúngico em tintas e telhas

6. Quaternários de amônio
O principal exemplo são detergentes catiônicos, que são importantes
agentes de superfície (realizam desinfecção, como a que ocorre em ambiente
hospitalar).
Não deve ser utilizado como antisséptico devido à sua atividade irritante.
Agem inibindo enzimas, desnaturando proteínas e rompendo a membrana
plasmática.

7. Aldeídos

Glutaraldeídos e formaldeídos são agentes químicos bastante efetivos.


Desnaturam proteínas, e podem até ser utilizados para esterilização – mas
normalmente são utilizados para a desinfecção de equipamentos médicos que
não podem ser submetidos a altas temperaturas. Um tempo maior de exposição
dos equipamentos a estas substâncias pode ser suficiente para esterilizar o
equipamento médico.

8. Peroxigênios
Oxidam compostos celulares. Apresentam amplo espectro de ação.

• Ácido paracético: realiza ação esporicida em baixas temperaturas,


mesmo na presença de matéria orgânica. É uma alternativa que pode ser
utilizada em materiais termossensíveis (que não podem ser esterilizados
sob altas temperaturas; estes materiais precisam ser imersos no ácido
paracético)
• Peróxido de hidrogênio (água oxigenada): é um antisséptico muito
utilizado: é fraco, mas é um bom desinfetante (funciona melhor como
95

desinfetante do que como antisséptico). Pode ser utilizado em superfícies


contaminadas e em ferimentos mais profundos (visto que é efetivo contra
micro-organismos aneróbios)
• Ozônio: é utilizado na cloração da água.

9. Esterilizantes gasosos

São utilizados em câmaras fechadas. Desnaturam proteínas.


Um exemplo é o óxido de etileno, que é altamente penetrante e é efetivo
contra células vegetativas e endósporos (mas requer tempo de exposição
prolongado para que tenha efetividade contra os endósporos: 4-18h). É o
esterilizante de escolha quando o objetiva-se controlar micro-organismos em
dispositivos médicos e suprimentos cirúrgicos sensíveis ao calor (a temperatura
é sempre o mecanismo preferencialmente utilizado, mas para estes artigos
sensíveis ao calor, o óxido de etileno é a melhor opção).
96

ANTIMICROBIANOS: MECANISMOS DE AÇÃO E RESISTÊNCIA


Medusa - 86

A utilização de fármacos no tratamento de doenças infecciosas ocorre


desde o século 17 (quando a Quinina era utilizada para tratamento de malária).
O uso de fármacos visa estabelecer o controle microbiano in vivo.
Os agentes antimicrobianos que podem ser utilizados para esse controle
in vivo podem ter atividade antibacteriana, antiviral, antifúngica, antiparasitária
ou mesmo agir contra células neoplásicas.
Os antimicrobianos podem ser divididos em antibióticos e agentes
quimioterápicos:

• Antibiótico: composto químico naturalmente produzido por micro-


organismos (fungos ou bactérias) e que possui atividade microbicida ou
microbiostática
• Quimioterápico: composto químico obtido em laboratório, seja ele
completamente sintetizado (sintético) em laboratório ou apenas
modificado em laboratório (semi-sintético), e que possui atividade
microbicida ou microbiostática

Antibióticos
Os antibióticos não são substâncias essenciais para o crescimento ou
reprodução do micro-organismo produtor. São produtos do metabolismo
secundário, sendo produzidos no início da fase estacionária do crescimento
bacteriano. São geralmente compostos complexos: passam por sínteses
enzimáticas, e não ribossomais (não são peptídeos).
Exemplos de micro-organismos produtores de antibióticos:

• Streptomyces: gênero bacteriano. Produzem estreptomicina, neomicina,


cloranfenicol e eritromicina.
• Bacillus: gênero bacteriano. Produzem polimixinas e bacitracinas
• Penicillum: gênero de fungos filamentosos. Produzem penicilinas e
griseofulvina
• Cephalosporium: gênero de fungos filamentosos. Produzem
cefalosporinas.
Muitas destas linhagens que naturalmente produzem antibióticos são
isoladas do solo – os micro-organismos que habitam este ecossistema
necessitam de algumas estratégias para que consigam ter vantagens
competitivas no ambiente complexo e polimicrobiano que é o solo.

HISTÓRICO
97

O uso de antibióticos e de agentes quimioterápicos possui maior relato a


partir do século XX.
Em 1910, Paul Ehrlich foi o primeiro a identificar um composto utilizado
para se matar bactérias. Era um composto derivado de arsênico, denominado
Salvarsan/Composto 606 de Ehrlich. Este composto foi muito utilizado para o
tratamento da sífilis, doença que era bastante predominante na Europa nessa
época. Salvarsan é uma mistura de arsênico com molécula orgânica (é um
quimioterápico). Foi durante muitos anos a droga de escolha para o tratamento
da sífilis.
Em 1928, Fleming descobriu a penicilina. Foi descoberta ao acaso, visto
que o desenvolvimento de antibióticos não era o foco das pesquisas de Fleming.
Ele trabalhava com Staphylococcus aureus, e, ao acaso, algumas placas foram
contaminadas por um fungo filamentoso. Observou -se que as bactérias em
contato com as colônias fúngicas foram destruídas. A partir disso, começou -se
a pensar que o fungo produzia alguma substância que matou as bactérias. O
fungo filamentoso era do gênero Penicillium, e por este motivo, o composto por
ele produzido foi batizado de penicilina.

Em 1940, a penicilina passou a ser utilizada em larga escala logo após ter
sido purificada e produzida industrialmente. O uso da penicilina revolucionou a
saúde pública e a medicina, e o seu uso contribuiu bastante para que os
soldados de guerra não morressem por diferentes tipos de infecções.
Com o início da era antimicrobiana, surge também um otimismo
exagerado e um consumo indiscriminado dos antibióticos (o que fez com que a
penicilina passasse a ser conhecida como “balas mágicas”), levando ao
surgimento dos primeiros casos de resistência a antimicrobianos.
Atualmente, muitas linhagens de S. aureus e outros micro-organismos são
resistentes à penicilina.
Após a descoberta da penicilina, vários novos antibióticos foram
descobertos. Com isso, houve também o desenvolvimento de novas formas de
resistência pelos micro-organismos.
AÇÃO MICROBIOSTATICA E AÇÃO MICROBICIDA
98

Os agentes antimicrobianos podem apresentar ação microbiostática ou


microbicida:

• Microbiostática: ocorre apenas o bloqueio da multiplicação do micro-


organismo, de modo que ele permanece viável, mas não se multiplica.
Quando o agente microbiostático é removido, o micro-organismo pode
retomar a sua divisão
• Microbicida: promove destruição e morte do micro-organismo, que não
consegue mais se multiplicar. Perde de forma irreversível a capacidade
de multiplicação celular

A escolha de um tipo ou outro de agente depende das características do


micro-organismo e do efeito que se deseja atingir com o agente antimicrobiano.

TOXICIDADE SELETIVA
Termo que foi criado por Paul Ehrlich em 1920. Refere-se à
especificidade de ação do agente antimicrobiano: a droga deve ser
prejudicial ao micro-organismo, mas sem causar danos às células do
hospedeiro.
Drogas que atuam sobre receptores, funções microbianas essenciais
ou inexistentes em eucariotos possuem maior toxicidade seletiva. Exemplo
disso é que agentes antimicrobianos que têm como alvo a parede celular
bacteriana possuem elevada toxicidade seletiva.
É importante que a droga tenha elevada toxicidade seletiva. Muitos dos
antifúngicos não são possuem alta toxicidade seletiva, visto que acabam
atuando em funções/receptores presentes no hospedeiro também.
Apresentar alta toxicidade seletiva não é sinônimo de que a droga não vá
alterar a microbiota do hospedeiro.
Não confundir o termo “toxicidade seletiva” com “toxicidade”: a “toxicidade
seletiva” é a especificidade do agente antimicrobiano de agir sobre determinado
micro-organismo/estrutura, enquanto o termo “toxicidade” refere-se à quantidade
de dano que este antimicrobiano causaria à célula do hospedeiro.
99

ESPECTRO DE AÇÃO
Este termo está relacionado à gama de micro-organismos que podem ser
afetados pelo agente microbiano. Os agentes microbianos podem ter estreito ou
amplo espectro de ação (exemplo de amplo espectro de ação: antimicrobianos
que atuam sobre bactérias Gram +, Gram -, aeróbicas, anaeróbicas, etc).

MECANISMOS DE AÇÃO DOS ANTIMICROBIANOS


De forma geral, os agentes microbianos podem ter 5 principais
mecanismos de ação:

• Inibição da síntese da parede celular do micro-organismo alvo


• Atuar sobre a síntese de ácidos nucleicos do micro-organismo alvo
• Atuar sobre a síntese de proteínas do micro-organismo alvo
• Atuar sobre a membrana citoplasmática do micro-organismo alvo
(alterando a sua permeabilidade)
• Atuar em vias metabólicas específicas do micro-organismo alvo
(atuando como antimetabólitos)

1. Inibição da síntese da parede celular


Os antimicrobianos que atuam sobre a síntese da parede celular são:

• Beta-lactâmicos
o Penicilinas
100

• Glicopeptideos
• Polipeptídeos
• Antimicobacterianos
o Como as micobactérias possuem parede celular distinta das
bactérias Gram positivas e Gram negativas, estes agentes
antimicrobianos possuem estrito espectro de ação e elevada
toxicidade seletiva.
Todos estes agentes que inibem a síntese da parede celular possuem alta
toxicidade seletiva, visto que a parede celular é uma estrutura que não está
presente nas células eucarióticas.
A parede celular bacteriana é formada por peptideoglicados. O
monômero que constitui os peptideoglicanos é formado por 2 açúcares (ácido N-
acetilmurâmico (NAM) e ácido N-acetilglicosamina (NAG)) unidos por ligação
glicosídica (β 1,4) e por uma cadeia peptídica ligada ao NAM. A repetição destas
estruturas forma as cadeias de peptideoglicanos.

Os resíduos de aminoácidos que compõem a cadeia peptídica variam,


havendo lisina no resíduo 3 das bactérias Gram positivas e ácido
diaminopimélico em bactérias Gram negativas.
101

Todo o monômero de peptideoglicano (açúcares ligados à cadeia


peptídica) é sintetizado no citoplasma da célula bacteriana, sendo carreado
para a face externa da membrana pelo lipídeo 2 (um carreador hidrofóbico que
é capaz de realizar este transporte através da membrana).
Conforme os monômeros vão passando para a face externa da
membrana, os resíduos de açúcares adjacentes vão sendo unidos por reações
de transglicosilação, formando longas cadeias de peptideoglicanos em sua
forma imatura.
Esta estrutura só passa para a sua forma madura quando os resíduos de
aminoácidos forem unidos aos resíduos de aminoácidos de outras cadeias
adjacentes em uma reação de transpeptidação. A transpeptidação promove a
reação cruzada: a cadeia peptídica de um monômero é ligada à cadeia peptídica
de outro monômero. Esta ligação ocorre por meio da formação de uma nova
cadeia peptídica (que pode variar entre os micro-organismos). É esta reação
cruzada que proporciona a rigidez estrutural à parede celular bacteriana.

Sem o processo de ligação cruzada, seriam formadas várias camadas de


peptideoglicanos sobrepostas e sem união entre si, fazendo com que a sua
estrutura ficasse frouxa e não proporcionasse a rigidez necessária para o micro-
organismo, levando à sua morte celular.
102

No caso do S. aureus, a nova cadeia peptídica formada para se unir as


cadeias peptídicas dos peptideoglicanos é uma ponte com 5 resíduos de glicina
(ponte de penta-glicina).
103

Os antimicrobianos que possuem como alvo a parede celular agem


de duas formas para inibir a sua síntese:

• Inibindo a reação de transpeptidação (impedindo a ligação cruzada


entre os resíduos de aminoácidos das cadeias de peptideoglicanos
adjacentes)
• Impedindo o Lipídeo 2 de carrear os monômeros para fora da célula

B-lactâmicos
Estes agentes microbianos possuem em sua estrutura um anel beta-
lactâmico. São compostos bactericidas (matam a célula alvo) e apresentam
elevada toxicidade seletiva. O principal mecanismo de ação destes
antimicrobianos é a ligação às PBP (proteínas de ligação à penicilina), enzimas
que catalisam a reação de transpeptidação. Desta forma, os β-lactâmicos
inibem a reação de transpeptidação, bloqueando as ligações cruzadas e,
consequentemente, a síntese do peptideoglicano maduro. Este processo faz
com que a parede celular formada seja frouxa, possibilitando a perda de
conteúdo intracelular pelo micro-organismo e a sua morte celular.
Adicionalmente, os beta-lactâmicos também podem ativar enzimas
autolíticas, que também contribuem com a lise da célula-alvo.
Exemplos de representantes dos β-lactâmicos:
• Penicilinas
Dentre os representantes dos β-lactâmicos, estão as penicililinas. São os
β-lactâmicos mais amplamente utilizados, sendo a droga de escolha para muitas
infecções. Alguns indivíduos apresentam hipersensibilidade frente ao uso da
penicilina, de modo que ela não seja utilizada nestes casos.
Há tanto as penicilinas naturais quanto as semi-sintéticas. As semi-
sintéticas são divididas em:
o Resistentes à ação das β-lactamases (enzimas que degradam o
anel β-lactâmico, estando devido a isso envolvidas nos processos
de resistência bacteriana:). Oxacilina e Meticilina
o Sensíveis às β-lactamases: Ampicilina e Amoxicilina. Apesar de
serem sensíveis às β-lactamases, possuem amplo espectro de
ação

• Cefalosporinas
O mecanismo de ação destes fármacos é análogo ao da penicilina: agem
sobre as PBP e ativam enzimas autoliticas.
São drogas que possuem espectro de ação mais restrito, prin cipalmente
as cefalosporinas de 1ª geração. O fato de ser 1ª, 2ª, 3ª ou 4ª geração refere-se
à união de alguns radicais à estrutura primária das cefalosporinas – o que altera
104

tanto as capacidades farmacológicas de cada droga quanto o seu espectro de


ação.
o Primeira geração: espectro de ação mais restrito, atuando apenas
contra bactérias Gram positivas
o Segunda geração: espectro de ação abrange bacilos Gram
negativos e anaeróbios
o Terceira geração: espectro de ação abrange bacilos Gram
negativos, anaeróbios, bactérias Gram positivas e Pseudomonas
o Quarta geração: possui maior espectro de ação e maior
estabilidade

• Monobactâmicos e Carbapenêmicos:
São os antimicrobianos de escolha quando outras classes já tenham
falhado no tratamento de determinada doença. São normalmente de uso restrito,
sendo utilizados dentro do ambiente hospitalar.
São resistentes às β-lactamases e possuem amplo espectro de ação.
o Monobactâmicos: são ativos principalmente contra bacilos Gram
negativos, mas não possuem atividade contra Gram positivos e
anaeróbios
▪ Ex.: Axtreonam
o Carbapenêmicos: possuem o maior espectro de ação dentre os
β-lactâmicos: são ativos contra bactérias Gram negativas, Gram
positivas e anaeróbios
▪ Ex.: Imipenem, Meropenem e Ertapenem

Glicopeptídeos
São drogas bactericidas que atuam principalmente sobre bactérias Gram
positivas (por serem moléculas maiores, os glicopeptídeos possuem maior
dificuldade em atravessar a membrana externa das bactérias Gram negativas).
O mecanismo de ação para inibição da síntese da parede celular é a
ligação da droga ao peptídeo terminal do monômero de peptideoglicano
(aos 2 últimos resíduos de aminoácidos), impedindo assim a reação cruzada

Os principais representantes dos glicopeptídeos são a Vancomicina e a


Teicoplanina. Ambos são antibióticos, tendo sido originalmente produzidos por
105

linhagens bacterianas (Streptomuces orientalis e Actinoplanes teichomyetius,


respectivamente).

Polipeptídeos
São substâncias bactericidas. A maioria das bactérias Gram negativas
são naturalmente resistentes a estas drogas, de modo que o seu espectro de
ação envolve normalmente as bactérias Gram positivas (assim como os
glicopeptídeos).
O mecanismo de ação dos polipeptídeos é a interferência na reciclagem
do lipídeo 2, impedindo que esta molécula carreie os monômeros de
peptideoglicanos para a face externa da membrana citopasmática
O principal representando dos Polipeptídeos é a Bacitracina (substância
produzida por Bacillus subtilis). Esta droga apresenta pequena absorção
intestinal e é nefrotóxica, o que faz com que não seja utilizada de forma
sistêmica, mas apenas de forma tópica (como em cremes e pomadas a base de
Bacitracina). É utilizada principalmente em infecções de pele causadas por
Staphylococcus e Steptococcus do grupo A.

2. Alteração da permeabilidade da membrana plasmática


As drogas que atuam alterando a permeabilidade da membrana
plasmática não possuem toxicidade seletiva tão elevada quanto as que atuam
sobre a parede celular, visto que muitos dos fosfolipídeos de membrana com
os quais estes antimicrobianos interagem também estão presentes na
célula do hospedeiro.
Drogas que realizam este efeito antimicrobiano por meio da alteração da
permeabilidade da membrana plasmática são:
• Polimixina B
É uma droga sintetizada por Bacillus polymyxa. Interage com
fosfatidiletanolamina (um dos principais fosfolipídios de membrana da
bactéria), causando desestabilização da membrana e permitindo o
extravasamento do conteúdo intracelular. Apresenta atividade contra Gram
positivos e contra Gram negativos.
Também apresenta toxicidade elevada (neurotoxicidade e
nefrotoxicidade), o que restringe o seu uso apenas a uso tópico em infecções
localizadas (ex.: infecções oftalmológicas, infecções de pele, infecções de
ouvido, etc.).
106

• Daptomicina
Atua despolarizando a membrana. É utilizada em infecções sistêmicas
(principalmente nas causadas por S. aureus) e em infecções de pele e tecidos
superficiais causadas por bactérias Gram-positivas resistentes aos β-lactâmicos
e à Vancominica.
• Anfotericina B
É um antifúngico que atua sobre os ergosteróis das membranas
fúngicas. Também apresenta menor toxicidade seletiva
• Colistina/Polimixina E
É a droga de escolha quando outras alternativas já falharam (sendo,
devido a isso, uma droga de uso mais restrito). Apresenta amplo espectro de
ação. É utilizada em linhagens resistentes de Pseudomonas, Klebsiella ou de
E.coli.

3. Inibição da síntese proteica

As drogas que atuam inibindo a síntese proteica apresentam elevada


toxicidade seletiva, visto que elas atuam sobre os ribossomos de células
bacterianas, que são distintos dos das células do hospedeiro (70s em
procariotos e 80s em eucariotos).
Alguns dos representantes deste grupo são bactericidas e outros são
bacteriostáticos (mecanismo mais comum). As drogas bacteriostáticas inibem
algum passo da síntese proteica, mas quando são removidas, a síntese
proteica pode ser retomada e o micro-organismo pode retomar o seu processo
de divisão celular.
Alguns dos representantes deste grupo se ligam à subunidade 50s e
outros se ligam à subunidade 30s do ribossomo bacteriano. Com isso, algumas
etapas da síntese proteica podem ser inibidas, embora o mecanismo de ação
completo destes fármacos ainda não tenha sido elucidado.
As principais classes de fármacos que atuam inibindo a síntese proteica
são:
• Aminoglicosídeos
• Tetraciclinas
• Macrolídeos
• Glicilciclinas
• Cloranfenicol
• Oxazolidinonas
• Lincosaminas
• Estreptograminas
107

4. Inibição da síntese de ácidos nucleicos


As drogas podem interferir tanto no DNA quanto no RNA, seja interferindo
em alguma etapa do processo de duplicação do DNA ou em alguma etapa que
envolva a RNA polimerase. Estas drogas apresentam ação bactericida (visto que
a alteração da síntese dos ácidos nucleicos acaba levando à morte do micro-
organismo alvo).
• Quinolonas
São fármacos amplamente utilizadas para o tratamento de infecções do
trato urinário. Inibem a replicação do DNA pela ligação à DNA girase.
• Rifampicina
Atua sobre a RNA polimerase, alterando a síntese do RNA.
• Metronidazol
Este fármaco fragmenta do DNA. O metronidazol é uma droga que foi
inicialmente identificada como anti-protozoário, e seu efeito colateral seria
apresentar esta ação bactericida. Atualmente, é muito utilizado no tratamento de
infecções por anaeróbios (sendo a principal droga de escolha para este
mecanismo de infecção).
• Novobiocina
Não é uma droga utilizada na terapia, mas sim na identificação de
linhagens de bactérias Gram positivas em laboratório. Também se liga à DNA
girase, inibindo-a.
108

5. Alterações de vias metabólicas


Os fármacos que atuam alterando as vias metabólicas bacterianas
apresentam ação bacteriostática, agindo sobre bactérias Gram negativas,
bactérias Gram positivas, clamídias e Nocardia.
Estes antimicrobianos alteram a via metabólica da biossíntese do
ácido fólico, visto que possuem similaridade estrutural com alguns substratos
desta via. Com isso, os fármacos realizam competição com os substratos pelo
sítio de ligação a determinadas enzimas (atuam como inibidores competitivos).
Estes fármacos apresentam alta toxicidade seletiva, visto que as células
humanas não sintetizam ácido fólico, mas as células bacterianas sim (e devido
a isso os humanos captam o ácido fólico do meio externo por meio da
alimentação).
Exemplos de fármacos que inferferem na biossíntese do ácido fólico são
as Sulfonamidas e o Trimetoprim (drogas que podem tanto ser utilizadas de
forma individual quanto de forma combinada).
Há dois pontos na via de biossíntese do ácido fólico que podem ser
inibidos por estes fármacos:

• Ligação do PABA à diidropteroato sintetase: a sulfonamida é um


análogo estrutural do PABA (ácido para-aminobenzóico), que é o primeiro
intermediário da via de biossíntese do ácido fólico. A sulfonamida
109

compete com o PABA pela ligação à primeira enzima da via, a


dihidropteroato sintetase.

• Ligação do ácido diidrofólico à diidrofolato redutase: O trimetoprim


é análogo do ácido dihidrofólico, competindo com ele pela ligação da
enzima diidrofolato redutase

Como as etapas que podem ser inibidas são sequenciais, a administração


de Sulfonamida com Trimetoprim é uma estratégia efetiva no bloqueio da síntese
de ácido fólico e no controle microbiano.
O bloqueio da síntese de ácido fólico acaba causando um bloqueio na
síntese de ácidos nucleicos, visto que o ácido fólico é utilizado na síntese
de purinas e pirimidinas.
Não são antimicrobianos com efeito bactericida, e sim bacteriostático.

RESISTÊNCIA A ANTIMICROBIANOS
Foram necessários poucos anos após a descoberta dos antibióticos para
que as bactérias começassem a desenvolver mecanismos de resistência a estes
antimicrobianos (em média, 5 anos após a descoberta de cada novo antibiótico).

A OMS considera a resistência a antimicrobianos um dos 10 principais


problemas de saúde pública mundial. A resistência a antimicrobianos afeta a
saúde humana, a saúde animal, causa impactos no ambiente, no comercio
internacional, no desenvolvimento econômico e na segurança microbiológica de
alimentos.
110

Um micro-organismo é considerado resistente a um antimicrobiano


quando ele consegue se multiplicar mesmo na presença deste
antimicrobiano. A presença do antimicrobiano normalmente limitaria o
crescimento do micro-organismo ou causaria a sua morte (dependendo se ele é
de ação microbiostática ou microbicida).
Em condições de ausência de mecanismos de resistência, a exposição da
bactéria a uma determinada droga antimicrobiana seria suficiente para eliminar
aquela população bacteriana. Diante de uma linhagem resistente, esta droga é
ineficaz e o micro-organismo pode continuar se dividindo e aumentando a sua
população original.

RESISTÊNCIA INTRÍNSECA E RESISTÊNCIA ADQUIRIDA


A resistência aos antimicrobianos pode ser intrínseca ou adquirida
Resistência intrínseca
Há micro-organismos que são naturalmente resistentes a determinados
agentes antimicrobianos. Este tipo de resistência é notado de maneira
constante em determinada espécie bacteriana. Ele ocorre em algumas
situações:
• Se o micro-organismo estiver metabolicamente inativo: há condições,
mesmo in vivo, em que o micro-organismo fica em sua forma latente (está
viável, mas não está se dividindo). Alguns antimicrobianos (como os β-
lactâmicos, que atuam sobre a parede celular) não conseguem encontrar
o seu alvo de ação se o micro-organismo não estiver metabolicamente
111

ativo, de modo que estes fármacos não conseguem exercer sua ação de
limitar o crescimento/morte celular

• Se há ausência do sítio alvo: exemplo de micro-organismos que não


possuem o sítio alvo para a ação de determinados antibióticos são as
micobactérias, que possuem parede celular distinta das de bactérias
Gram positivas e Gram negativas. Com isso, os antimicrobianos que
atuam sobre a síntese de peptideoglicanos da parede celular não
possuem muita atividade sobre as micobactérias. O mesmo ocorre com
os micoplasmas (grupo de bactérias que não apresenta parede celular)

• Devido a determinantes genéticos: algumas bactérias naturalmente


possuem genes relativos à produção de algum mecanismo de resistência.
Exemplo disso é que muitos micro-organismos que habitam o solo são
resistentes a substâncias microbicidas produzidas por outros micro-
organismos que também habitam o solo. Este mecanismo é importante
para que ambas as populações consigam sobreviver neste ambiente.

Resistência adquirida
Neste tipo de resistência, uma espécie anteriormente sensível passa a
apresentar resistência a determinado antimicrobiano. Este tipo de
resistência pode ser obtida a partir de dois processos:

• Mutações: em meio à multiplicação normal das bactérias, pode ocorrer de


determinados representantes de uma população sofrerem a alteração de
alguma sequência dos genes (sendo que esta alteração pode ocorrer
tanto no plasmídeo quanto no cromossomo principal da bactéria). Ao ser
administrado o antimicrobiano, a população sensível é eliminada e as
bactérias que se tornaram resistentes com a mutação se multiplicam e
podem se disseminar. Com isso, a população originalmente sensível
passa a se tornar uma população resistente. Esta resistência adquirida
por mutação é muito mais frequente quando ocorre alteração do sítio alvo
dos antibióticos.
112

• Processos de transferência horizontal de gene (conjugação,


transformação e transdução): para que estes processos ocorram, é
necessária a comunicação entre células (e no caso da transformação, é
necessária a presença de material genético livre no ambiente para que a
bactéria possa captá-lo). Neste processo, a linhagem resistente troca
material genético com a linhagem sensível ao agente antimicrobiano.
Quando houver a administração do antimicrobiano, os clones resistentes
sobreviverão e se multiplicarão, dando origem a populações de bactérias
resistentes.

Estes 2 processos (mutação e transferência horizontal) ocorrem


naturalmente nas bactérias, mesmo que em baixa frequência. Todavia, o uso
indiscriminado dos antimicrobianos acaba promovendo uma pressão seletiva,
a qual acaba otimizando os processos de mutação e transferência horizontal de
genes e facilitando assim com que a bactéria passe a apresentar alguma
resistência.

PRINCIPAIS MECANISMOS DE RESISTÊNCIA:


Os principais mecanismos de resistência são:

• Inativação da droga
• Alteração de permeabilidade
• Alteração de sítio alvo
• Bombas de efluxo
• Alteração de vias metabólicas
113

1. Inativação da droga
A inativação da droga ocorre quando alguma enzima produzida pela
bactéria possui capacidade de destruir ou modificar a droga. Com isso, o
antimicrobiano passa a não reconhecer mais o seu sitio alvo e a não se ligar
mais na bactéria.

Este mecanismo já foi descrito para β-lactâmicos, aminoglicosídeos e


cloranfenicol – mesmo sendo grupos com mecanismos de ação distintos, as
bactérias podem sintetizar enzimas que vão atuar sobre diferentes classes de
antimicrobianos.
Em bactérias Gram positivas, os genes que produzem estas enzimas
estão normalmente presentes em plasmídeos, enquanto em bactérias Gram
negativas eles estão presentes em cromossomos.
Estes genes podem ser expressos de forma constitutiva ou de forma
induzida (se for induzida, é principalmente pela presença do antimicrobiano no
meio em que a bactéria se encontra).
O principal exemplo de inativação de drogas são as β-lactamases:
enzimas que clivam o anel β-lactâmico, atuando sobre os antimicrobianos da
classe dos β-lactâmicos. Esta enzima causa a conversão so antimicrobiano em
sua forma inativa.
114

Dentre as β-lactamases, há as ESBL: β-lactamases de espectro


estendido, sendo encontradas em bactérias Gram negativas (principalmente
Klebsiella pneumoniae e Escherichia coli). São chamadas de β-lactamases de
espectro estendido pois metabolizam o anel β-lactâmico não apenas das
penicilinas, mas também das cefalosporilas de 3ª geração e dos
monobactâmicos.
Dentre as ESBL, há as carbapenemases, que metabolizam as
cefalosporinas de 3ª e 4ª geração e os carbapenêmicos. A bactéria mais
conhecida que produz uma carbapenemase é a KPC (Klebsiella pneumoniae
produtora de carbapenemase). Uma infecção causada por KPC possui poucas
possibilidades terapêuticas, sendo muito difícil de ser tratada. A carbapenemase
produzida pela KPC possui o gene que a codifica presente em plasmídeos (o
que é alarmante, visto que este plasmídeo pode ser transferido a outras
linhagens bacterianas).

2. Modificação do sítio de ação

As bactérias são capazes de alterar o sítio alvo do antimicrobiano, de


modo que o fármaco passa a não reconhecer mais o seu alvo, perdendo a sua
capacidade de ligação á bactéria. Mesmo modificado, o alvo bacteriano continua
a exercer normalmente a sua função.

Este mecanismo de resistência está normalmente relacionado ao


desenvolvimento de mutações em genes presentes no cromossomo da célula
bacteriana.
Um dos principais exemplos deste mecanismo é a alteração das
proteínas de ligação à penicilina (PBPs). Este mecanismo de resistência está
presente no S. aureus resistente à meticilina (MRSA). As PBPs alteradas
permitem a resistência aos β-lactâmicos.
Outro exemplo de modificação de sítio alvo é que determinados micro-
organismos podem alterar o seu ribossomo, de modo a adquirir resistência a
antimicrobianos que alterem a síntese proteica.
115

As enzimas DNA girase e RNA polimerase também podem ser


alteradas (mas mantendo a sua função na bactéria!), tornando o micro-
organismo resistente às drogas que possuem como alvo de ação estas
enzimas (quinolonas e rifampicina, respectivamente).

3. Alteração de permeabilidade
Há alguns antimicrobianos que agem no interior da célula bacteriana,
sendo necessário que sejam captados por um transportador e transportados
para o interior da célula para realizar o seu efeito. Se este transportador for
alterado, o antimicrobiano não consegue ser transmitido para o interior da
bactéria, ficando retido na face externa da membrana. Se o alvo de ação do
fármaco estiver na face interna da membrana, o antimicrobiano não tem contato
com o seu alvo.

4. Bombas de efluxo
As bombas de efluxo transportam ativamente o antimicrobiano que
acabou entrando no interior da célula para fora da célula. Embora o
antimicrobiano tenha conseguido atravessar a membrana por meio de um
transportador, ele é ativamente transportado para fora da bactéria. Este
mecanismo causa gasto de energia (é um transporte ativo).
As bombas de efluxo estão presentes principalmente em bactérias Gram
negativas (mas há em Gram positivas também).
116

5. Alteração nas vias metabólicas


A alteração nas vias metabólicas é um mecanismo de resistência das
bactérias às sulfonamidas e ao trimetoprim. Há dois principais mecanismos:
• Algumas bactérias conseguem captar o ácido fólico pré-formado do
meio, não havendo a necessidade de biossíntese desta molécula – o que
torna esta bactéria resistente aos antibióticos que causam a morte celular
devido à inibição da síntese de ácido fólico.
• Pode ocorrer também uma alteração de alvo: as enzimas que são alvo
da ação das sulfonamidas ou do trimetoprim podem ser alteradas, de
forma que elas passem a se ligar mais firmemente ao substrato da via de
biossíntese e menos eficientemente aos antimicrobianos.

FATORES CHAVE NA DISSEMINAÇÃO DE GENES DE RESISTÊNCIA


Independente do uso do antimicrobiano de forma exacerbada, os
processos de mutação e transferência de genes podem ocorrer entre as
bactérias. Desta forma, há populações bacterianas que são naturalmente
resistentes aos antimicrobianos (principalmente se os genes de mutação
estiverem em elementos móveis, como plasmídeos e transposons). Todavia, a
presença de antimicrobianos acaba favorecendo estes processos por meio
da indução da pressão seletiva.
O contato entre as bactérias em ambientes é importante, visto que estes
processos de transferência de genes de resistência podem ser favorecidos.
Exemplos de ambientes polimicrobianos são o ambiente hospitalar, o trato
respiratório, TGI, pele, solo, etc.
Desta forma, os fatores que podem promover uma maior disseminação e
genes de resistência são:

• Localização de genes de resistência em elementos genéticos móveis


(plasmídeos e transposons)
• Contato entre bactérias em ambientes polimicrobianos
• Diagnóstico inadequado (ex.: prescrição de antibióticos para o
tratamento de doenças virais)
• Uso indiscriminado de antimicrobianos
• Uso inadequado dos antimicrobianos pelos pacientes (ex.: não
realizar o tratamento por todo o tempo prescrito, visto que o paciente não
apresenta mais sinais e sintomas – predispõe a seleção de bactérias
resistentes e infecções recorrentes).
• Uso como promotores de crescimento e prescrição inadequada para
uso veterinário
117

OMS – TENTATIVAS DE CONTER O AVANÇO DA RESISTÊNCIA DOS


ANTIMICROBIANOS
As tentativas de conter o avanço da resistência dos antimicrobianos visam
tanto os profissionais de saúde, quanto a população em geral (já que o mal
uso pelo paciente é também uma das principais causas) e os governantes
responsáveis por políticas públicas (para que sejam tomadas medidas para
restringir o uso de alguns antimicrobianos apenas ao ambiente hospitalar).
Em 2019, a OMS lançou uma campanha global que convocou os governos
a adotarem um instrumento para a contenção da disseminação da resistência a
antimicrobianos e dos eventos adversos e custos relacionados a ela. Este
instrumento é o AWaRe: ferramenta desenvolvida a partir da Lista de
Medicamentos Essenciais da OMS. Ela dividiu os medicamentos em 3 grupos:

• Acesso: neste grupo, estão os antimicrobianos que possuem espectro de


ação mais restrito e que são facilmente encontrados para a compra (estão
em formulações genéricas, proporcionando um custo mais baixo). São os
medicamentos de primeira escolha para o tratamento de várias doenças
infecciosas
• Vigilância
• Reserva
Esta ferramenta da OMS objetivava aumentar o uso dos
antimicrobianos do grupo de acesso para cerca de pelo menos 60% do total
dos antimicrobianos utilizados no país, e consequentemente, diminuir o uso dos
antimicrobianos dos grupos vigilância e reserva, reservando-os apenas para o
tratamento de doenças infecciosas que não responderam bem aos fármacos
grupo de acesso ou para o uso no ambiente hospitalar.
O Brasil está entre os países em que os fármacos do grupo de acesso
correspondem a mais de 60% do total de antimicrobianos usados.
A Semana Mundial de Conscientização sobre o Uso de
Antimicrobianos ocorre anualmente do dia 18 ao dia 24 de Novembro.

BACTÉRIAS MULTI-RESISTENTES
Se uma bactéria apresenta resistên cia a 2 ou mais grupos de
antimicrobianos distintos, ela é classificada como multi-resistente. Dentre
estas bactérias multi-resistentes, algumas não são mais capazes de responder
ao antimicrobianos comercialmente disponíveis, de modo que as doenças
causadas por estes patógenos são dificilmente tratadas, causando elevada taxa
de óbito entre os pacientes contaminados. Estas bactérias alteram a qualidade
de vida do paciente e causam maiores danos e custos hospitalares.
As bactérias multi-resistentes são encontradas tanto em isolados clínicos
quanto em isolados encontrados em alimentos.
118

Quanto maior o halo ao redor do antimicrobiano no antibiograma, mais


sensível esta bactéria é ao antibiótico.

Estas bactérias multi-resistentes podem facilmente ser disseminadas no


ambiente hospitalar, sendo a rota fecal-oral um dos principais mecanismos de
disseminação. Na rota fecal-oral, um indivíduo pode eliminar os micro-
organismos nas fezes e, através da contaminação da equipe médica ou dos
próprios visitantes, outro paciente pode ser contaminado (pela via oral). Esta
disseminação pode ocorrer também devido a equipamentos contaminados ou
por meio da contaminação de maçanetas, pias, banheiros ou outras superfícies
de uso comum.

Estas bactérias também podem se disseminar para a comunidade de


forma geral: um indivíduo contaminado que não foi tratado pode disseminar as
bactérias resistentes para outras pessoas, para os animais (que podem
contaminar alimentos e água) e para o ambiente.
119

ESTRATÉGIAS PARA CONTENÇÃO DO DESENVOLVIMENTO DA


RESISTÊNCIA BACTERIANA

• Uso racional e consciente de antimicrobianos (tanto na medicina humana


quanto na veterinária)
• Evitar a exposição a antimicrobianos de uso restrito, limitando a sua
administração ao ambiente hospitalar
• Manutenção de níveis adequados na prescrição (não utilizar subdoses,
que podem induzir resistência)
• Utilização de terapia combinada (ex.: Sulfonamida + Trimetropim;
Penicilina + aminoglicosídeo; β-lactâmico + inibidor da β-lactamase)
• Controle da comercialização (venda dos antimicrobianos apenas com
receita médica) e vigilância epidemiológica
120

COCOS GRAM NEGATIVOS


Medusa-86

O grande grupo dos cocos Gram-negativos abarca tanto representantes


anaeróbios quanto aeróbios. Dentre os anaeróbios, o principal gênero é o
Veillonella, e dentro os aeróbios, os principais gêneros são Neisseria, Moxarella
e Bordatella. Os gêneros Neisseria e Bordetella são os gêneros mais relevantes
como patógenos humanos, e devido a isso serão os estudados.

NEISSERIA
As bactérias do gênero Neisseria apresentam células em forma de cocos
(diplococos), sendo unidas pelas laterais adjacentes achatadas (o que dá a
estas células um aspecto de grão de café ou riniforme). Esse gênero não
apresenta flagelos e não possui a habilidade de formar endósporos.

As bactérias deste gênero são oxidase e catalase positivas


(características que auxiliam a sua identificação em testes laboratoriais).
São parasitas intracelulares facultativos, tendo a capacidade de se
multiplicar tanto no interior das células fagocíticas quanto das células-alvo.
São micro-organismos fastidiosos (exigem fatores de crescimento
adicionados no meio de cultura para que possam crescer – principalmente
aminoácidos).
São capnofílicos: exigem cerca de 5% de CO2 no ambiente para que
possam crescer adequadamente.
São mesófilos (possuindo temperatura ótima de crescimento a 35-37ºC).
Há 11 espécies conhecidas de micro-organismos que são pertencentes
ao gênero Neisseria. A maioria dessas espécies não é patogênica, habitando
a microbiota da naso e orofaringe humana.
121

Os patógenos mais importantes que infectam o ser humano são N.


gonorrhoeae e N. meningitidis. A N. gonorrhoeae é causadora da IST Gonorreia
(a qual pode ter complicações como doença inflamatória pélvica e conjuntivite
neonatal), e a N. meningtidis é a causadora de um tipo de Meningite (cuja
complicação é a meningococcemia). O ser humano é o reservatório natural
destas duas espécies de Neisseria, não havendo relatos de infecção causada
por estes micro-organismos em outros hospedeiros.

N. GONORRHOEAE
Foi descoberta em 1879 pelo médico alemão Albert Neisser. Esta espécie
também é denominada “gonococo”.

Fatores de virulência
Este micro-organismo apresenta tanto fatores de virulência estruturais
quanto fatores de virulência secretados.

Fatores de virulência estruturais


Estes fatores de virulência são intrínsecos ao gênero Neisseria (estando,
devido a isso, presentes tanto em N. gonorroeae quanto em N. meningitidis). Os
principais fatores de virulência estruturais são:
Pili/fímbria
Esta estrutura permite a adesão dos micro-organismos às células alvo.
Também auxilia na resistência à fagocitose: a N. ghonorroeae apresenta 5 pili
em sua estrutura, o quais podem ser alterados (promovendo variação
antigênica).
122

Proteína 1/Por
Estas proteínas formam canais que se estendem desde a membrana
citoplasmática até à membrana externa, permitindo a entrada e saída de
compostos.
A Proteína 1 também apresenta algumas outras funções, como:

• Funcionam como compostos antigênicos: estas proteínas são


reconhecidas pelos anticorpos. Cada gonococo expressa apenas 1 tipo
de proteína Por, a qual é antigenicamente distinta entre as diferentes
linhagens.
• Desencadeiam a endocitose: proporcionam a captação deste micro-
organismo pela célula-alvo.
• Auxiliam na sobrevivência intracelular: impedem a fusão entre fagossomo
e lisossomo
• Resistem à lise causada por fatores do sistema complemento.

Proteína 2/Opa
Esta proteína confere opacidade à bactéria (a qual é observada na cultura
desta bactéria). Além disso, ela promove fixação às células do hospedeiro e a
adesão dos gonococos no arranjo de diplococos

Proteína 3/RMP
Esta proteína possui como função proteger a proteína 1 e o lipo-
oligossacarídeo (LOS) da ação dos anticorpos do hospedeiro (forma uma
espécie de capa recobrindo estas estruturas, para que elas não sejam
reconhecidas pelos anticorpos durante a resposta imunológica).
Esta proteína é antigenicamente conservada em todos os gonococos (não
apresenta variação antigênica).
123

Lipo-oligossacarídeos
Os lipo-oligossacarídeos são estruturas semelhantes aos LPS presentes
na parede celular de bactérias Gram negativas, mas não possuem o antígeno O
em sua constituição. O LPS é originalmente formado pelo lipídio A (endotoxina
que ancora o LPS à membrana externa), pelo core polissacarídico e pelo
antígeno O (porção mais externa do LPS, responsável por deixar a estrutura
desta molécula mais hidrofílica). O antígeno O não está presente nos LOS,
apenas nos LPS.

Grande parte da microbiota intestinal é formada por bactérias Gram


negativas que apresentam LPS (e, consequentemente, o antígeno O) em sua
estrutura. Bactérias Gram-negativas que habitam outros sítios do organismo
humano (como o trato respiratório) não possuem o antígeno O em sua estrutura,
de modo a apresentar LOS e não LPS em sua constituição. A ausência do
antígeno O faz com que o LOS seja uma estrutura mais hidrofóbica (o que é
importante para que estas bactérias possam coexistir no nicho anatômico que
habitam).
A atividade de endotoxina do LPS é mantida no LOS, visto que o lipídeo
A não sofre praticamente nenhuma alteração.
124

Fatores de virulência secretados


Estes fatores de virulência são sintetizados e secretados, não fazendo
parte da estrutura da célula bacteriana. Devido a isso, estes fatores de virulência
são sempre característicos de cada espécie.
Os principais fatores de virulência secretados pela N. gonorrhoeae
são:
Protease de IgA
Esta protease cliva e inativa a IgA presente nas mucosas, permitindo a
colonização dos patógenos.

Proteínas de ligação ao ferro:


O ferro é um fator que, se ausente, é limitante para o crescimento
bacteriano. Estas proteínas permitem a captação de ferro para o micro-
organismo a partir das reservas do hospedeiro (transferrina, lactoferrina e
hemoglobina).

β-lactamase:
Enzima que proporciona resistência aos antibióticos β-lactâmicos. Os
genes que codificam esta enzima estão presentes em plasmídeos conjugativos.

Heterogeneidade antigênica
A questão da heterogeneidade antigênica é muito prevalente em N.
gonorrhoeae: 1 a cada 10³ gonococos apresenta alguma mudança antigênica.
Este mecanismo permite evasão ao sistema imune, visto que faz com que os
micro-organismos alterem os antígenos inicialmente presentes em sua estrutura
(e sem causar nenhuma perda de função para a bactéria). Com esta mudança
dos antígenos de superfície, as bactérias não são reconhecidas prontamente
pelo sistema imunológico do hospedeiro.
Exemplo: diante de um primeiro contato com uma linhagem bacteriana
que contenha um antígeno A, será montada uma resposta imunonógica, de
125

modo que anticorpos direcionados contra o antígeno A sejam produzidos. Se a


bactéria altera este antígeno A (seus determinan tes antigênicos) para um
antígeno B, ela não será mais reconhecida pelo anticorpo anti-A, tendo que
desenvolver nova resposta imune com a produção de anticorpos anti-B.

Esta heterogeneidade antigênica pode ocorrer no Pili, na proteína 2 e


nos LOS.

Desenvolvimento e características da Gonorreia


A Gonorreia é a doença causada pela N. gonorrhoeae. É uma IST que
pode ser transmitida de forma direta (contato sexual), vertical (quando há a
passagem do bebê pelo canal do parto) ou por auto-inoculação (o indivíduo
toca locais infectados e depois contamina olhos e boca).
Muitas vezes, a infecção por N. gonorrhoeae ocorre em associação com
infecção por Chlamydia trachomatis (que também é uma IST).
O grupo de risco para o desenvolvimento de Gonorreia são jovens
sexualmente ativos (< 25 anos), principalmente devido à ausência do uso de
preservativos durante as relações sexuais. A OMS estima que mais de 78
milhões de casos de gonorreia ocorram anualmente, sendo a maioria em países
em desenvolvimento.
Nos últimos 10 anos, foram identificadas linhagens multi-resistentes de
N. gonorrhoeae.

Patogênese da Gonorreia
Quando o micro-organismo entra em contato com o hospedeiro, a primeira
coisa que deve acontecer é a adesão da bactéria à célula alvo. No caso da
N.gonorrhoeae, as células alvo são células epiteliais, podendo ser do epitélio
urogenital, conjuntiva dos olhos ou da faringe. Esta adesão é realizada
principalmente por meio do pili e da proteína Opa.
Após a adesão, o micro-organismo patogênico passa a ter que competir
com a microbiota residente do órgão, que está mais adaptada às condições
126

ambientais deste ecossistema. A bactéria patogênica tem que competir com a


microbiota por sítios de ligação e por nutrientes.
Assim que o patógeno consegue se estabelecer na célula alvo, ele
começa a colonizar e invadir a célula epitelial. Com esta invasão, a N.
gonorrhoeae acaba atingindo o espaço sub-epitelial, onde entra em contato
com as células fagocíticas e é fagocitada.
Ao ser fagocitado, o gonococo induz a produção de alguns fatores pelas
células fagocíticas, principalmente interleucinas pró-inflamatórias. Estas
interleucinas liberadas acabam sendo quimiotáticas para neutrófilos,
induzindo-os a migrar para o sítio inicial da infecção para tentar combater os
micro-organismos que estejam tentando se estabelecer no epitélio do
hospedeiro.
O influxo de neutrófilos para o local infeccioso causa a morte de algumas
bactérias e a morte de alguns neutrófilos. Estas células mortas proporcionam a
formação de um exsudato purulento denso, amarelado, rico em neutrófilos e
em bactérias. A formação deste exsudato facilita a disseminação desta bactéria
para outro indivíduo.

Manifestações clínicas da Gonorreia


O período de incubação da infecção por N. gonorrhnoeae pode ir de 2-7
dias. As manifestações clínicas da doença são muito diferentes entre homens e
mulheres.

• Manifestações clínicas nos homens: há uretrite gonocócica com


liberação de secreção purulenta (formada por neutrófilos e micro-
organismos). Causa dor durante a micção e prurido uretral
127

(principalmente na parte da manhã). Em homens, a gonorreia raramente


é assintomática.

• Manifestações clínicas nas mulheres: 50-70% das mulheres infectadas


pela N. gonorrhoeae possuem sintomas muito leves ou são
assintomáticas, o que facilita a disseminação da doença. Quando
sintomático, o quadro é marcado por corrimento vaginal de mesmo
aspecto que a secreção masculina (exsudato denso e amarelado). Pode
haver também disúria, sangramento vaginal, dor em baixo ventre e
dispaurenia.

Em uma relação sexual desprotegida, a frequência de contaminação das


mulheres é maior do que a dos homens. Este fato provavelmente ocorre devido
aos receptores presentes no epitélio urogenital das mulheres serem diferentes
dos do epitélio masculino, de modo que acabam facilitando a adesão do micro-
organismo.
Em casos de complicação da infecção inicial, o micro-organismo pode
estar presente também nas tubas uterinas e ovários, causando o aparecimento
de doença inflamatória pélvica. Este quadro é caracterizado por dor crônica e
pode levar à infertilidade. As complicações da infecção por N. gonorrhoeae são
mais comuns em mulheres.
Outros sítios também podem ser infectados, como garganta e olhos. A
infecção destes sítios causa a presença de secreção purulenta (como a
observada quando os órgãos genitais estão acometidos). No caso de RNs que
se contaminam durante o parto, há o desenvolvimento de conjuntivites, que
podem evoluir para oftalmia neonatal (sendo que esta oftalmia, se não for
tratada, facilmente evolui para cegueira).
128

Em adultos, infecções oculares também podem ocorrer devido auto-


inoculação.

Complicações da Gonorreia
Mulheres podem desenvolver infertilidade (em 20% dos casos), gravidez
ectópica, aborto espontâneo, parto prematuro ou feto com baixo peso, natimorto
ou endometrite pós-parto.
Em homens, a infertilidade é rara, mas caso a doença não seja tratada,
pode acometer epidídimo, próstata e vesículas seminais. É mais difícil de se
observar a presença de complicações em homens, pois como os sintomas são
muito aparentes, estes pacientes acabam buscando ajuda médica mais
rapidamente (evitando a progressão da doença).
Nos RNs, a oftalmia neonatal gonocócica pode evoluir para cegueira.
A gonorreia também pode causar quadros de faringite e proctite. É uma
doença com baixa mortalidade.
Em casos mais raros, pode ocorrer a disseminação de N. gonorhoeae
para outros sítios. Isto ocorre quando esta bactéria cai na corrente sanguínea
(bacteremia), passando a causar:
• Lesões cutâneas
• Artrite supurativa (afetando joelhos, tornozelos e punhos)
• Endocardite (incomum, mas grave)
• Meningites em adultos (também incomum)
129

Prevenção da Gonorreia
O principal método de prevenção é o uso de preservativos (para se
evitar o contato com parceiros contaminados).
Nos RNs, utiliza-se colírio a base de nitrato de prata ou pomada
oftálmica contendo eritromicina ou tetracilina. É rotina a aplicação destes
compostos logos após o nascimento, seja o parto via cesárea ou normal.

Tratamento da Gonorreia
A droga de escolha para o tratamento da gonorreia é a cefalosporina de
terceira geração estável para β-lactamase. Pode ser ministrada também
terapia adicional com azitromicina nas condições em que há infecção
concomitante por clamídia. Há linhagens resistentes às drogas de primeira linha,
e algumas linhagens multi-resistentes já foram encontradas na Europa.
Não há imunidade protetora nem vacina efetiva para a Gonorreia, visto
que a IgA e a IgG anti-gonorreia apresentam pouca capacidade de proteção.
Esta pequena capacidade de proteção ocorre em função das variações
antigênicas desenvolvidas pelas bactérias e em função da secreção da protease
de IgA produzida por estes micro-organismos.

Orientações:

• Adesão ao tratamento, devendo haver abstinência sexual durante o


período de tratamento (durante 7 dias, mesmo se o fármaco utilizado for
em dose única).
• Uso de preservativos
• No caso dos RNs acometidos por Gonorreia, deve-se tratar os pais.
• O parceiro de um indivíduo que possui infecção por gonorreia deve ser
avaliado também
• Há a necessidade de retornos periódicos (por ser uma IST, o indivíduo
que foi contaminado é colocado como grupo de risco para a contração de
outras ISTs)

NEISSERIA MENINGITIDIS
Foi descrita pela primeira vez em 1884. É também um diplococo, sendo
denominada “meningococo”.
130

A N. meningitidis pode fazer parte da microbiota transitória do trato


respiratório superior (nasonaso e orofaringe), sendo que isso acontece em 5-
40% da população. Estes indivíduos que possuem os micro-organismos em seu
trato respiratório superior são portadores assintomáticos, e funcionam como
reservatórios da infecção e como disseminadores das bactérias. Em função
do equilíbrio da microbiota, estes micro-organismos não causam doença nos
portadores assintomáticos. Quando acontece alguma epidemia de meningite, a
taxa de assintomáticos pode chegar até 60-70%.
A N. meningitidis é uma bactéria que apresenta cápsula, sendo esta
estrutura um dos seus principais fatores de virulência. Além disso, a presença
de cápsula permite a diferenciação dos 13 sorogrupos de N. meningitidis, visto
que cada um destes grupos apresenta diferentes antígenos na superfície da
cápsula. Os sorogrupos A, B, C, Y e W causam a maioria das infecções em
humanos. Os sorogrupos A e C normalmente estão associados a epidemias. No
Brasil, há a circulação principalmente do sorogrupo C (sendo este o principal
sorogrupo visado nas vacinas distribuídas pela rede pública no Brasil).
Os antígenos capsulares, além de definirem sorogrupos, são utilizados
na formulação vacinas e no diagnóstico da doença, visto que são detectados
no sangue e no LCR dos pacientes infectados.

Fatores de virulência
Alguns dos fatores de virulência estruturais presentes na N.
meningitidis são os mesmos da N. gonorrhoeae:
• LOS: proporciona efeitos tóxicos (devido ao lipídeo A)
• Pili
• Proteínas de membrana externa (Por, Opa e RMP)
• Cápsula: este fator de virulência não estava presente na N. gonorrhoeae.
É uma estrutura que proporciona efeito anti-fagocítico e que permite
variação antigênica
Alguns dos fatores de virulência secretados também são os mesmos
da N. gonorrhoeae, como:
• IgA protease
• Proteína de ligação ao ferro
• Não possuem β-lactamases como a N. gonorrhoeae, o que faz com que
a N. meningitidis consiga ser eliminada pela ação dos β-lactâmicos.

Características gerais de Neisseria meningitidis


A N.meningitidis é o agente etiológico da meningite meningocócica. As
meningites, como um todo, podem ser causadas por bactérias (N. meningitids,
Haemophilus influenzae ou Streptococcus pneumoniae) ou por vírus.
131

A infecção por N. meningitidis causa o acometimento (processo


inflamatório) das meninges. As meninges são formadas por 3 membranas: pia-
mater, aracnóide e dura-máter. A infecção por N. meningitidis acomete
principalmente o LCR (que está localizado no espaço subaracnóideo, entre a
pia-mater e a aracnoide).

A partir do sítio inicial de infecção (nasofaringe), o micro-organismo


consegue ultrapassar as barreias do epitélio, atingir a corrente sanguínea e se
instalar no espaço sub-aracnóideo. Ao atingir este espaço, o micro-organismo
rapidamente se espalha para todo o SNC (visto que este sítio é estéril e não há
microbiota para competir com a N. meningitidis).
A meningite meningocócica normalmente ocorre em surtos epidêmicos.
Os seres humanos são os únicos hospedeiros naturais da N. meningitidis (sendo
devido a isso seu reservatório natural).
O micro-organismo se instala na nasofaringe via disseminação de
perdigotos. As aglomerações acabam favorecendo a disseminação desta
bactéria. O grupo mais afetado e de maior risco são crianças com menos de 5
anos de idade. Em adultos, o tabagismo e infecções virais aumentam o risco
de colonização devido a alterações no epitélio da nasofaringe.
O período de incubação da doença varia de 1-3 dias. Em quadros
típicos, o indivíduo começa com uma infecção simples de garganta, passando
em seguida a apresentar outros sintomas. Os sintomas surgem de forma
súbita, sendo eles febre, dor de cabeça, vômito, rigidez de nuca, fotofobia e
aumento de polimorfonucleares no líquor (pode ser avaliado por meio de
punções de líquor na região lombar).
132

Patogênese na meningite meningocócica


Para que ocorra a instalação do processo infeccioso, ocorre
primeiramente a adesão dos micro-organismos às células da nasofaringe. Em
seguida, estas bactérias passam a colonizar este sítio (havendo competição por
nutrientes e sítio de fixação entre micro-organismos patogênicos e microbiota
residente). Após se fixarem, as bactérias invadem as células da naso-faringe e
ganham acesso à corrente sanguínea. Estando na corrente sanguínea, estas
bactérias vão preferencialmente se fixar a células epiteliais microvasculares,
sendo que esta fixação pode levar ao rompimento das células endoteliais que
formam a barreira hemato-encefálica. Com isso, as bactérias migram de
dentro dos capilares para o LCR, onde passam a causar o quadro de meningite.

Estando nas células do endotélio microvascular, estas bactérias


interagem com receptores específicos das células endoteliais por meio de seu
pili (principalmente), o que acaba por alterar todo o equilíbrio da célula-alvo. Isto
ocorre porque as bactérias passam a formar as placas corticais: aglomerações
de bactérias próximas aos receptores da célula endotelial. Este grupo de
bactérias aglomeradas proporciona o desenvolvimento de micro-colônias e de
alterações da célula-alvo. As placas corticais causam estas alterações
principalmente nas junções intercelulares, visto que elas sequestram as
proteínas que mantêm as junções intercelulares, causando uma abertura entre
as células e possibilitando que os micro-organismos passem por elas, atingindo
assim o LCR.
133

Durante o quadro de meningite meningocócica, ocorrem frequentemente


tromboses de vasos de pequeno calibre, causando erupções cutâneas
características (petéquias).

A principal complicação da meningite é a meningococcemia, quadro


marcado pela disseminação da N. meningitidis para múltiplos órgãos. Este
quadro pode levar o paciente a óbito devido a choque séptico.

Tratamento da Meningite Meningocócia


Quando tratada, a mortalidade da meningite meningocócica chega a 10%,
e quando não tratada, chega a 100% (devido à rápida progressão da doença e
ao seu sítio de localização).
O antimicrobiano de escolha é a Penicilina G (visto que não há relatos de
produção de β-lactamases pela N. meningitidis). Pacientes alérgicos à Penicilina
acabam sendo tratados com cefalosporina de 3ª geração com cloranfenicol.
134

Durante o tratamento, o paciente deve ficar isolado (visto que a


N.meningitidis se dissemina facilmente). À medida que vai progredindo o
tratamento, o paciente pode sair do isolamento.

Prevenção da contaminação por N. meningitidis


Como medidas preventivas importantes, deve-se evitar aglomerações e
promover a circulação de ar nos ambientes.

Imunidade e vacinação contra a Meningite Meningocócica


O aleitamento materno é uma forma de imunidade passiva contra a N.
meningitidis (a mãe passa IgG anti-meningococos para o filho).
Os anticorpos adquiridos após a infecção são sempre grupo-
específicos (se o indivíduo tiver a meningite devido a um sorogrupo, ele não
terá imunidade adaptativa desenvolvida que será capaz de agir prontamente
frente a uma nova infecção causada por outro sorogrupo – visto que os antígenos
de cada sorogrupo são distintos).
Há vacinas contra a Meningite Meningocócia disponíveis no Brasil. São
elas:

• Meningocócica C conjugada: esta vacina está disponível na rede


pública, devendo ser ministrada em crianças com menos de 2 anos e em
pacientes de risco (HIV positivos e pacientes oncológicos). Esta vacina é
para o sorogrupo C da N. meningitidis, e é conjugada com antígenos de
H. influenzae
• Meningocócica ACWY (tetravalente): esta vacina está presente apenas
na rede particular. Engloba antígenos de cápsula dos sorogrupos A, C, W
e Y. Pode ou não ser conjugada com antígenos de H. influenzae
• Meningocócica B: esta outra vacina também está disponível apenas na
rede privada. O sorogrupo B não é tão prevalente quanto o C, mas alguns
casos de meningite meningocócica causada por sorogrupo B já foram
relatados no país. Esta vacina é um pouco mais reativa do que as demais
(causa alguns efeitos colaterais) devido aos antígenos de cápsula do
sorogrupo B (que contem ácido siálico na cápsula). Esta vacina é
composta por 4 antígenos diferentes.

DIAGNÓSTICO DAS NEISSERIAS


A identificação de micro-organismos do gênero Neisseria pode ser feita
pelos testes da oxidase e da catalase. Todos os micro-organismos do gênero
Neisseria são oxidase positivos (possuem a enzima citocromo oxidase já que
são micro-organismos aeróbios) e catalase positivos (possuem a catalase,
enzima que realiza a metabolização do peróxido de hidrogênio).
135

O teste da oxidase permite identificar os diferentes tipos de bactérias


Gram negativas, vistos que as bactérias Gram negativas da família das
enterobactérias são todas oxidase negativas, enquanto as bactérias do gênero
Neisseria são oxidase positivas. Neste teste, realiza-se um esfregaço da cultura
sobre tiras de oxidase: se elas se tornarem violeta, o indivíduo é oxidase positivo,
se continuarem incolores, é oxidase negativo.

Já no teste da catalase, o micro-organismo é considerado catalase


positivo se são formadas bolhas quando as colônias do micro-organismo entram
em contato com o peróxido de hidrogênio. A catalase metaboliza o peróxido de
hidrogênio em água e oxigênio.

Diagnóstico de infecção por N. gonorrhoeae


Diagnóstico laboratorial
No caso de homens com uretrite, o exsudato pode ser diretamente
avaliado em microscopia (realiza-se um esfregaço e coloração de Gram). Este
diagnóstico via microscopia é muito mais sensível e específico para homens,
visto que eles quase nunca são assintomáticos. Todavia, este não é o método
de escolha para se realizar o diagnóstico em mulheres (visto que muitas vezes
elas são assintomáticas).
São visualizados na microscopia uma grande quantidade de
polimorfonucleados e de diplococos em formato riniforme, característico de
Neisseria. Os diplococos podem ser visualizados de forma livre e no interior dos
polimorfonucleados.
136

Para a realização da cultura das bactérias, podem ser utilizadas


diferentes amostras, dependendo dos sítios que estão sendo acometidos (ex.:
sangue, líquido sinovial, secreções da uretra, da faringe, de lesões cutâneas, do
endocérvice, do reto, etc.). Por ser um micro-organismo fastidioso, estas
bactérias requerem meios ricos para realizar o seu crescimento, como Ágar
Chocolate (contém sangue no meio) ou meios ricos contendo antimicrobianos
que evitam o crescimento de outros micro-organismos. O cultivo das placas deve
ser a 37º C e com 5% de concentração de CO2.
Diagnóstico molecular
É possível se realizar uma PCR (reação em cadeia da polimerase) para
se obter o diagnóstico da infecção por Neisseria. Avalia-se a presença de
material genético do micro-organismo na amostra
Testes sorológicos
Os testes sorológicos não são muito úteis na detecção de anticorpos anti-
N. gonorrhoeae (visto que pacientes que já tiveram contato com as bactérias há
muito tempo ainda podem apresentar anticorpos). O que é avaliado nos testes
de ELISA neste caso é a presença do antígeno, e não de anticorpos.

Diagnóstico de infecção por N. meningitidis


Diagnóstico laboratorial
No caso de infecções por N. meningitidis, as amostras avaliadas são
principalmente sangue e LCR. Para se realizar a cultura, podem ser utilizadas
estas duas fontes de amostras, enquanto para a realização do esfregaço (que
será observado em microscopia) utiliza-se apenas o LCR. Na microscopia, a
análise é feita através da coloração de Gram, e são observados os mesmos
polimorfonucleados com os diplococos.
Testes sorológicos
Podem ser utilizados os testes de aglutinação em látex e teste de ELISA.
Diagnóstico molecular
Também pode ser realizado o diagnóstico molecular por meio da PCR.
137

BORDETELLA
Bordetella é um gênero de micro-organismos aeróbios. Estes micro-
organismos são cocobacilos e também apresentam cápsula. Há 3 principais
espécies deste que gênero causam doenças no ser humano:

• B. pertussis: causa coqueluche


• B. parapertussis: causa doença semelhante à coqueluche, mas menos
grave
• B. bronchiseptica: causa doenças respiratórias em pacientes
imunocomprometidos e em animais

Será estudada apenas a B. pertussis, que é o agente etiológico da


coqueluche (doença que foi erradicada no Brasil há alguns anos, mas vem
contando novos casos re-emergindo).

Patogênese da coqueluche
A infecção pro B.pertussis tem início com a inalação de perdigotos
contaminados eliminados por um paciente doente. Em seguida, a B.pertussis
realiza adesão à célula-alvo (células do epitélio respiratório), prolifera-se e altera
o funcionamento da traqueia e dos brônquios. Consequentemente, o
paciente passa a apresentar o sintoma característico de tosse. A alteração da
traqueia e dos brônquios ocorre tanto em função da proliferação da bactéria,
quanto devido à produção de uma série de toxinas, as quais acabam por
danificar localmente a mucosa.

A B. pertussis possui capacidade de sobreviver no interior de macrófagos,


o que facilita a persistência deste micro-organismo no hospedeiro.
138

Estágios da coqueluche
O avanço da coqueluche é caracterizado por 3 estágios:
1. Estágio catarral: dura de 1-2 semanas. Há sintomas como os de um
resfriado comum (espirros, coriza, tosse seca, perda de apetite e febre
baixa)
a. A maior parte do contágio ocorre neste estágio, visto que um
grande número de micro-organismos é liberado nos perdigotos

2. Estágio paroxístico: pode durar de 2-6 semanas. Tem início a ocorrência


de acessos de tosse, acompanhados por excesso de produção de muco
(comprometendo as vias aéreas superiores). Ocorre também protrusão
da língua, congestão facial e apneia. Os acessos de tosse são tão
violentos que podem até mesmo levar o indivíduo a uma convulsão

3. Convalescência: pode durar semanas ou meses. Ocorre diminuição da


tosse, podendo ocorrer complicações secundárias (respiratórias e
neurológicas)

Diagnóstico da coqueluche
O diagnóstico da coqueluche feito a partir da coleta da secreção da
nasofaringe com swab ou a partir de gotículas da tosse do paciente. Pode ser
realizada tanto a cultura quanto o diagnóstico molecular pela PCR.

Tratamento da coqueluche
É feito com antibióticos como eritromicina e azitromicina (sendo estes
os antimicrobianos de escolha no tratamento da coqueluche).
Depois que os indivíduos se recuperam da coqueluche, acabam
desenvolvendo uma imunidade protetora a uma provável segunda infecção. Se
esta segunda infecções ocorrer, ela é normalmente leve (mas se esta reinfecção
ocorrer após vários anos, é possível que esta imunidade seja perdida).

Prevenção da coqueluche
A principal forma de prevenção é via imunização. A vacina para
coqueluche que é normalmente administrada é a tríplice bacteriana, a qual
contém a finalidade de imunizar contra a coqueluche, difteria e tétano.
Normalmente há 3 doses da aplicação desta vacina (aos 2, 4 e 6 meses de vida),
e alguns reforços posteriormente (até os 5 anos de idade).
É uma vacina bastante efetiva. A re-emergência da coqueluche ocorreu
devido à ausência de vacinação em indivíduos com idade abaixo de 5 anos.
139

COCOS GRAM POSITIVOS


Medusa - 86

Os cocos Gram positivos podem ser divididos em catalase positivos e


em catalase negativos, baseando-se na produção ou não da enzima catalase.
A produção da catalase pelos micro-organismos é considerada um fator de
virulência. Esta enzima é responsável por metabolizar o peróxido de hidrogênio,
transformando-o em água e oxigênio.
Para se realizar o teste da catalase, adiciona-se o peróxido de hidrogênio
sobre a amostra a ser estudada: se ela começar a emitir bolhas, o micro-
organismo em estudo é classificado como catalase positivo (visto que estas
bolhas são formadas pelo oxigênio, produto da reação metabolizada pela
catalase). Se não forem formadas bolhas com a adição do peróxido de
hidrogênio, o micro-organismo é classificado como catalase negativo.

Os principais cocos Gram positivos a serem estudados são:


Catalase positivos:
• Staphylococcus
• Planococcus
• Micrococcus
• Stomatococcus
Catalase negativos:
• Enterococcus
• Streptococcus
• Aerococcus
• Leuconostoc
• Lactococcus

Dentre todos estes micro-organismos, os principais patógenos


humanos são Staphylococcus, Enterococcus e Streptococcus. Nesta aula,
será abordado apenas o gênero Staphylococcus.
Todos estes micro-organismos são imóveis e não formam endósporos.
140

STAPHYLOCOCCUS
O gênero Staphylococcus engloba 45 espécies e 24 subespécies. O
arranjo característico deste gênero é o arranjo em estafilococos, no qual cada
célula se divide em múltiplos planos e estas células tendem a ficar unidas,
formando “cachos de uvas”.

Os ácidos teicóicos que fazem parte da membrana destes micro-


organismos são espécie-específicos. Este gênero apresenta cápsula
polissacarídica (sendo este um importante fator de virulência) ou uma camada
mucóide envolvendo a célula (espécie de cápsula, mas que está mais
frouxamente aderida ao micro-organismo). Tanto a cápsula quanto a camada
mucóide possuem as funções de possibilitar a evasão aos mecanismos do
sistema imune e de aderir estes micro-organismos a superfícies (sejam estas
superfícies bióticas ou abióticas).
Há alguns micro-organismos neste gênero que podem produzir
pigmentos, os quais são observados em culturas (ex.: S. aureus produz
pigmento dourado).

Os Staphylococcus são mesófilos, e podem ser aeróbios ou anaeróbios


facultativos. São catalase positivos, halotolerantes (toleram de 7-10% de
NaCl no ambiente) e são resistentes ao ressecamento (baixa presença de
água no ambiente não possui efeito microbiostático sobre estes micro-
organismos).
Possuem ampla distribuição no ambiente e na microbiota (tanto de seres
humanos quanto de outros animais). Espécies como S. aureus e S. epidermidis
são frequentemente encontrados na microbiota humana (tanto da pele quanto
de mucosas).
141

Teste da coagulase
Os Staphylococcus podem ser divididos em coagulase positivos ou
coagulase negativos, dependendo da capacidade de produção da enzima
coagulase por estes micro-organismos.
Há 4 espécies de Staphylococcus que são patogênicas para os seres
humanos, as quais são diferenciadas por meio do teste da coagulase:

• Micro-organismos coagulase positivos:


o S. aureus
• Micro-organismos coagulase negativos:
o S.epidermidis
o S. haemolyticus
o S. saprophyticus

Este teste é muito importante para se realizar a diferenciação destas


linhagens em laboratório. Para realiza-lo, inocula-se uma amostra da cultura
bacteriana a ser analisada no interior de um tubo de ensaio contendo uma
amostra de plasma animal. Se a amostra inoculada for de bactérias coagulase
positivas, é formado um coágulo no fundo do tubo, de modo que o plasma fica
com uma região endurecida (pode ser um coágulo firmemente aderido ao fundo
do tubo ou não tão firmemente aderido). Se as bactérias da amostra forem
coagulase negativas, não acontece nada com o plasma (permanece líquido).
142

Este teste apresenta este resultado pois as linhagens que produzem


coagulase são capazes de converter o fibrinogênio em fibrina. A coagulase
produzida por estes micro-organismos reage com a protrombina presente no
soro do animal, formando a estafilotrombina (substância que é semelhante à
trombina da cascata de coagulação sanguínea). A estafilotrombina é então
capaz de converter fibrinogênio em fibrina, a qual é depositada sobre as células
bacterianas, formando um coágulo. Desta forma, é formado um coágulo de
fibrina contendo as bactérias em seu interior.
A síntese da coagulase é considerada um fator de virulência para os S.
aureus, visto que esta capa de fibrina ao redor das células bacterianas acaba
protegendo estes micro-organismos do contato com células imunológicas. Este
mecanismo também é capaz de restringir estes micro-organismos ao sítio inicial
de infecção (o que é bem visível em infecções de pele causadas por S. aureus,
como a foliculite).
Não é possível se diferenciar as 3 espécies que são coagulase negativas
por meio deste teste, visto que todas apresentam o mesmo resultado (negativo).
Devido a isso, em casos de infecções por micro-organismos coagulase
negativos, o diagnóstico enviado pelo laboratório é um resu ltado genérico. Para
se saber exatamente qual a espécie que está infectando o paciente, deve-se
realizar testes genético-moleculares.
Como estes micro-organismos fazem parte da microbiota normal, podem
causar infecções oportunistas, infecções locais (principalmente de pele) ou
infecções sistêmicas.

STAPHYLOCOCCUS AUREUS
O S. Aureus é o principal representante patogênico do gênero
Staphylococcus. Esta espécie faz parte da microbiota do trato respiratório
superior e da pele. São micro-organismos hemolíticos (possuem capacidade de
hidrolisar as hemácias) e piogênicos (formam pus). Quando são cultivados em
laboratório, é observada a formação de colônias com um pigmento dourado
(sendo este pigmento um carotenóide).
O fato destes micro-organismos serem coagulase positivos é útil para fins
diagnósticos.
143

O S. aureus pode causar:


• Infecções comunitárias (fora do ambiente hospitalar)
• Infecções relacionadas ao ambiente hospitalar

• Infecções superificiais (infecções de pele e tecidos moles, as quais são


piogênicas)
• Infecções profundas
• Doenças mediadas por toxinas.

O principal reservatório de S. aureus na microbiota é a mucosa nasal.


Cerca de 40% da população adulta apresenta S. aureus colonizando a sua
mucosa nasal, sendo que esta colonização na maioria das vezes é
assintomática. Através da contaminação das mãos (por meio de espirros ou
tosse), é possível veicular o S. aureus para outros indivíduos, utensílios ou
alimentos.
As intoxicações por S. aureus ocorrem devido à produção da
enteroxina estafilocócica por algumas linhagens específicas deste micro-
organismo. No caso das intoxicações por S. aureus, a contaminação ocorre da
seguinte forma: os manipuladores de alimentos acidentalmente infectam a
comida com S. aureus provenientes de sua mucosa nasal, de modo que estes
micro-organismos começam a crescer no alimento e passam a produzir a
enterotoxina estafilocócica, a qual, ao ser ingerida, é responsável pelos
processos de intoxicação alimentar.

Fatores de virulência do S. aureus


O S. aureus apresenta tanto fatores de virulência que são ligados à sua
própria estrutura quanto fatores de virulência que são secretados e liberados no
meio.
Fatores estruturais
Estes fatores de virulência são ligados à própria estrutura do micro-
organismo, estando devido a isso presentes em todas as linhagens de S. aureus.
São eles:

• Cápsula: permite evasão da fagocitose e adesão a superfícies


• Peptideoglicano: estimula a produção de IL-1, é quimiotático para
polimorfonucleares (estando devido a isso envolvido no processo de
formação de abscessos) e pode ativar o sistema complemento
• Ácidos teicoicos e lipoteicoicos: são substâncias antigênicas presentes
na membrana dos micro-organismos, e também podem ter função de
adesão às superfícies mucosas
• Coagulase: os S. aureus apresentam dois tipos de coagulase, uma
estrutural (ligada à célula) e outra secretada
144

• Adesinas: proteínas que reconhecem os receptores da célula do


hospedeiro e se ligam a elas
• Proteina A: atua como adesina e sequestra imunoglobulinas
(principalmente IgG), ligando-se à porção Fc do anticorpo. Esta estrutura
está presente na face externa da membrana do micro-organismo. Embora
as porções Fab do anticorpo fiquem livres, elas não conseguem ter função
alguma (visto que a região que ativa as células da imunidade inata e
promove processos como opsonização e ativação do complemento é a
região Fc, que está ligada)

Fatores secretados (extracelulares)


Além dos fatores de virulência estruturais, o S. aureus apresenta também
fatores de virulência que podem ser secretados, como uma série de toxinas,
enzimas e invasinas. Nem todas as linhagens de S. aureus conseguem produzir
todos os fatores de virulência listados a seguir. Exemplo disso é que algumas
linhagens são capazes de produzir enterotoxinas, outras são capazes de
145

produzir toxinas esfoliativas, outras produzem enzimas específicas (como a


estafiloquinase e a fibrinolisina), etc.
Toxinas:
• Citotoxinas: estas toxinas são tóxicas para células alvo, que podem ser
leucócitos, eritrócitos, hepatócitos ou plaquetas.
• Toxinas esfoliativas: estão envolvidas nas síndromes esfoliativas.
Dentre elas estão as toxinas A e B, que promovem a destruição dos
desmossomos
• Enterotoxinas: são as responsáveis pelas intoxicações alimentares. São
superantígenos
• Toxinas da síndrome do choque tóxico (TSST -1): também são
superantígenos

Enzimas:
• Catalase
• Coagulase
• Lipase: degrada lipídeos
• Nuclease: degrada DNA
• Hialuronidase: degrada ácido hialurônico, sendo um importante fator na
disseminação deste micro-organismo (visto que o ácido hialurônico está
presente na matriz extracelular entre as células, mantendo-as unidas)
• Fibrinolisina/estafiloquinase: enzimas que degradam coágulos de
fibrina (fazem o contrário da coagulase). O mesmo micro-organismo
capaz de produzir coagulase deve ser capaz de produzir
fibrinolisina/estafiloquinase, para que assim consiga sair do coágulo de
fibrina que foi criado e disseminar-se para outros sítios
• Beta-lactamases: a produção das beta-lactamases é considerado o
principal fator de resistência aos beta-lactâmicos. Estas enzimas clivam o
anel beta-lactâmico destes antimicrobianos

Expressão dos fatores de virulência


Os fatores de virulência não são expressos ao mesmo tempo, visto que
possuem a sua expressão relacionada à fase de crescimento da bactéria e
ao número de células bacterianas da cultura.
Desde o início, os fatores estruturais já são produzidos. Todavia, os
fatores secretados são produzidos em maior quantidade quando os micro-
organismos estão entrando na fase estacionária (fase de desaceleração do
crescimento).
146

Infecções de pele causadas por S. aureus:


As infecções de pele são a forma de infecção mais comum por S. aureus
em pacientes imunocompetentes.
Processo inicial de contaminação da pele
O S. aureus que faz parte da microbiota da pele acaba por entrar em
contato com o interior da pele, iniciando um processo de infecção e inflamação.
A presença do S. aureus na derme e na hipoderme acaba gerando uma resposta
inflamatória, de modo que polimorfonucleados são atraídos para o local inicial da
infecção. Em seguida, parte dos Staphylococcus é eliminada pelos
polimorfonucleados, e parte dos polimorfonucleados também morre. Esta
mistura de células da imunidade e patógenos mortos leva à formação do
abscesso. Em seguida, o centro da lesão passa então por um processo de
necrose e se liquefaz, formando o pus. Após a formação deste pus, o sítio inicial
da infecção passa a ser envolvido por um coágulo de fibrina e por uma cápsula
fibrosa, delimitando o sítio de infecção (para que ele não se dissemine). Este
abscesso formado causa dor, edema, hiperemia e hipertermia local.
147

A parte necrosada e liquefeita da lesão acaba se projetando para a pele


(local de menor resistência encontrado), de modo a rompê-la e causar a
drenagem da porção líquida. Somente quando a porção líquida é drenada é
possível se conter o processo inflamatório e iniciar a recuperação do tecido. Não
é recomendado que o paciente force a drenagem, mas sim que ela ocorra
naturalmente (para evitar a contaminação ainda maior do local por outras
bactérias).
Todo esse processo de formação do abscesso só é possível devido à
existência de fatores de virulência associados ao S. aureus, como a leucocitina
(citotoxina ativa contra os leucócitos), a coagulase (enzima utilizada pare se
formar o coágulo de fibrina), a fibrinolisina (enzima que permite a ruptura destes
coágulos e permite o escape desta bactéria para outros sítios de infecção), entre
outras enzimas.

O indivíduo imunocompetente pode apresentar as seguintes lesões de


pele causadas por S. aureus:

• Foliculite: infecção do folículo piloso decorrente do processo descrito


acima
o Tersol: acomete as pálpebras, mas é como se fosse uma foliculite.

• Furúnculo: nódulo mais elevado, maior, mais doloroso e mais


edemaciado do que a foliculite. Também acomete uma porção maior da
pele do que a foliculite.
148

• Carbúnculo: quando múltiplos furúnculos se juntam, coalescem e se


estendem para um tecido subcutâneo mais profundo, há a formação de
um carbúnculo. O carbúnculo normalmente está localizado na nuca ou
nas costas. A drenagem deve ser feita em ambien te hospitalar, visto que
a porção liquefeita e necrosada contém micro-organismos, podendo
assim disseminar o S. aureus para outras regiões do corpo.
Diferentemente da foliculite, o carbúnculo pode ter múltiplos pontos de
drenagem

Infecções profundas causadas por S. aureus:

Acometem principalmente RNs e indivíduos imunocomprometidos. Para


que estas infecções ocorram, é necessário que tenha ocorrido uma bacteremia
prévia (sendo que esta bacteremia decorre de infecções de feridas pós-
cirúrgicas ou após algum trauma).
Algumas das infecções profundas que podem ser causadas por S. aureus
são:
• Pneumonia por aspiração
• Endocardite
• Casos raros de meningites, osteomielite e artrite bacteriana
149

Infecções mediadas por toxinas produzidas por S. aureus


Há doenças que são mediadas pelas toxinas produzidas por S. aureus.
Estas doenças não são causadas pela infecção pelo micro-organismo em si, mas
sim pelas toxinas que ele produz e que entram em contato com o indivíduo por
diferentes vias.
• Doenças esfoliativas: as toxinas esfoliativas promovem deslocamento
da epiderme. Apesar de serem causadas por toxinas, ocorre processo
infeccioso associado (de modo que são encontradas bactérias nas
lesões)
o Síndrome da pele escaldada: a toxina esfoliativa destrói os
desmossomos (estruturas que mantêm as células epiteliais
unidas), de modo que ocorra deslocamento da epiderme. Ocorre
hiperemia associada, produção de fluido e descamação da pele ao
simples toque.

o Impetigo bolhoso: é uma forma localizada da síndrome da pele


escaldada que acomete principalmente a face (principalmente a
região perioral). Há o desenvolvimento de várias bolhas, que
contêm micro-organismos em seu interior. É comum em crianças.

• Intoxicação alimentar: causada pela enterotoxina estafilocócica


o Neste caso, não há processo infeccioso associado. O S. aureus
coloniza o alimento, produz a enterotoxina em sua superfície, e ela
é então ingerida por um indivíduo em sua forma pré-formada.
o A intoxicação alimentar por enterotoxina estafilocócia possui uma
elevada incidência no Brasil. Os principais alimentos que veiculam
a enterotoxina estafilocócica são alimentos manipulados que não
150

possuíram adequadas condições de conservação (como


temperatura adequada)
o As enterotoxinas estafilocócicas são resistentes a proteases
(passam pelo TGI sem serem degradas) e termoestáveis (o que
faz com que sejam dificilmente eliminadas do alimento após serem
produzidas)
o Os principais sintomas desta intoxicação alimentar são náuseas,
vômitos, diarreias, dores abdominais e hipotensão. Estes sintomas
começam a aparecer entre 1-6h após a ingestão do alimento
contaminado.
o É uma infecção autolimitada, durando menos do que 24h: assim
que esta toxina é eliminada via vômito ou diarreia, o paciente
recupera a sua saúde normal. Possui baixa mortalidade.
o O tratamento desta intoxicação alimentar é feito por meio da
reposição de fluidos
o Algumas das ações da enterotoxina estafilocócica são:
▪ Ação emética: é a ação mais frequente e inicialmente
sentida. Após as toxinas se ligarem às células intestinais,
este estímulo é transmitido através do nervo vago para o
centro do vômito, que induz a retroperistalsia do estômago
(e por vezes até mesmo do intestino delgado);
▪ Ação diarreica: esta ação ocorre um pouco mais
tardiamente. É causada por um mecanismo que aumenta a
secreção de sódio e de cloreto no lúmen intestinal. Este
acúmulo de íons no lúmen intestinal provoca o
deslocamento de água para esta região, causando a
formação de fezes diarreicas.
▪ Infamação e irritação da mucosa gástrica e do intestino
delgado: ocorre se a quantidade de toxinas ingerida for
maior
▪ Ação de superantígeno: um superantígeno é um antígeno
que ativa vários clones de células T ao mesmo tempo. Isto
ocorre pois o superantígeno não é processado pelas APC,
e se liga externamente ao MHC, conseguindo assim ativar
vários clones de células T (mesmo os que não são
específicos para este antígeno). A ativação de diversos
clones de linfócitos T provoca um aumento da secreção de
interleucinas (principalmente IL-1 e IL-2), as quais causam
hipotensão e febre.

• Síndrome do choque tóxico: acomete principalmente mulheres jovens


durante o período menstrual (mulheres que usem absorventes internos)
ou crianças e homens com feridas infectadas (principalmente feridas pós-
cirúrgicas)
o Nesta síndrome, ocorre crescimento localizado do S. aureus na
vagina ou nas feridas infectadas, de modo que estas bactérias
151

passem a liberar da toxina TSST-1 na corrente sanguínea (a qual


é responsável por causar a síndrome do choque tóxico)
o Os principais sintomas da síndrome do choque tóxico são: febre
alta, hipotensão, dor muscular, náusea, vômito, falência de
múltiplos órgãos e eritema difuso com descamação da pele
o O paciente pode vir a óbito devido à falência de múltiplos órgãos
(ocorre em 5% dos casos)

Resistência em S. aureus
O S. aureus é resistente a vários antibióticos:

As primeiras linhagens resistentes a penicilina surgiram em 1950. As


opções terapêuticas para se tratar estas linhagens eram ou a terapia combinada
(penicilinas + inibidor de beta-lactamases) ou novos fármacos que foram
desenvolvidos, os beta-lactâmicos resistentes às becta-lactamases (como a
Meticilina). Poucos anos após o desenvolvimento da Meticilina surgiram os S.
aureus resistentes à Meticilina (chamadas de MRSA).
As linhagens de S. aureus resistentes à Meticilina eram tratadas com
Vancomicina. Em 1997, começaram a surgir os primeiros Staphylococuss que
apresentavam resistência à Vancomicina (tanto resistência intermediária
quanto também resistência a altas doses de vancomicin a). Os isolados
resistentes à vancomicina (VRSA) adquiriram o gene de resistência à
vancomicina de Enterococcus por meio do processo de transferência horizontal
de genes.
152

Linhagens resistentes à penicilina


Estas linhagens são resistentes em função da presença dos genes das
beta-lactamases, enzimas que clivam o anel beta-lactâmico dos antibióticos
beta-lactâmicos. Os genes que codificam as beta-lactamases normalmente são
encontrados em plasmídeos (sendo devido a isso facilmente transferidos). 90%
dos S. aureus são resistentes à penicilina devido à produção das beta-
lactamases.
As penicilinas se ligam às PBPs (proteínas de ligação à penicilina) –
estruturas que realizam a reação de transpeptidação, necessária para a
formação do peptideoglicano da parede celular bacteriana (a qual é inibida por
este antimicrobiano). A não formação da forma madura do peptieoglicano leva à
lise da bactéria.
As opções terapêuticas para o tratamento das linhagens resistentes à
penicilina são o uso de:
• Terapia combinada (penicilinas + inibidores das beta-lactamases)
• Penicilinas resistentes às beta-lactamases, como a Meticilina (sendo
este o tratamento mais comumente utilizado)

Linhagens resistentes às meticilinas


As metilcilinas são chamadas de “penicilinas resistentes às beta-
lactamases”, pois possuem em sua estrutura um radical que impede a hidrólise
do anel beta-lactâmico por estas enzimas.
20% das linhagens de S. aureus são resistentes à Meticilina (sendo que
estas linhagens são chamadas de MRSA). Estas linhagens resistentes possuem
o gene mecA, que codifica a proteína de ligação à penicilina de baixa
afinidade (PBP de baixa afinidade). O mecA está presente em um elemento
genético móvel chamado de SCCmec. Há 4 tipos de SCCmec:
• SCCmec tipo 1, 2 e 3: associado a infecções hospitalares
• SCCmec tipo 4: associado a infecções comunitárias
A Meticilina não consegue se ligar bem às PBPs de baixa afinidade, o que
faz com que o fármaco não seja efetivo em inibir a síntese da parede celular
bacteriana.
Como estes isolados resistentes à Meticilina possuem a PBPs de baixa
afinidade, o seu mecanismo de resistência independe da produção de beta-
lactamases.
Apesar de os MRSA serem resistentes a todos os beta-lactâmicos, eles
são sensíveis à Vancomicina e à Tecoplanina, sendo estes os fármacos de
escolha para se tratar infecções ocasionadas por estes micro-organismos.
153

Linhagens resistentes à vancomicina


Há tanto bactérias com resistência intermediária à Vancomicina quanto
bactérias realmente resistentes à Vancomicina
• Resistencia intermediária: as linhagens com resistência intermediária a
este antibiótico podem crescer em concentrações de até 8 mg/mL de
Vancomicina no ambiente. Estes micro-organismos são resistentes à
Vancomicina devido a um espessamento da parede celular bacteriana, o
que altera a entrada deste antibiótico na célula e impede a sua ligação
aos peptídeos finais da cadeia de peptideoglicano.
• Resistentes: são linhagens que sobrevivem a concentrações superiores
a 16 microgramas/mL de Vancomicina no ambiente. O gene que confere
esta resistência é o gene vanA, que é proveniente de bactérias do gênero
Enterococcus.

STAPHYLOCOCCUS COAGULASE NEGATIVOS


A grande maioria dos representantes do gênero do Staphylococcus são
micro-organismos coagulase negativos. Até os anos 90, eles eram considerados
apenas contaminantes de amostras biológicas ou micro-organismos de vida livre
que faziam parte do ambiente ou da microbiota, mas que não tinham importância
como patógenos.
Atualmente, a ação patogênica dos Staphylococcus coagulase negativos
vem sendo cada vez mais relatada, principalmente entre pacientes
hospitalizados, imunocomprometidos e em pacientes com dispositivos médicos
implantados (próteses, cateteres, válvulas cardíacas, etc).
Estas bactérias não produzem muitas exotoxinas, de modo que o seu
principal fator de virulência é a capacidade de realizar adesão e formação de
biofilmes.
Os principais representantes patogênicos entre os coagulase negativos
são:

• S. epidermidis (principal)
• S. saprophyticus
• S. haemolyticus

Staphylococcus epidermidis
O S. epidermidis faz parte da microbiota normal da pele e das mucosas.
As infecções causadas por este micro-organismo normalmente decorrem de
disseminações endógenas (o micro-organismo presente na microbiota do próprio
154

paciente acaba contaminando-o), mas também podem ser ocasionadas por


contaminações exógenas (a partir de outros indivíduos).
O S. epidermidis é menos virulento do que o S.aureus (já que não produz
todas aquelas toxinas e enzimas), mas é tão resistente quanto ele.
Como este micro-organismo possui grande capacidade de adesão e
formação de biofilmes, ele é frequentemente isolado de próteses, cateteres e
válvulas cardíacas, mas também pode ser isolado de abscessos, endocardites
ou de amostras sanguíneas frente a casos de bacteremia.
Os biofilmes são comunidades microbianas envolvidas por uma matriz
extracelular (a qual é produzida pelos próprios micro-organismos presentes no
biofilme). Esta estrutura está sempre aderida a uma superfície sólida. As três
condições necessárias para que o micro-organismo consiga formar um biofilme
são: a presença de uma superfície sólida, de nutrientes e de umidade.
Para que o biofilme seja formado, células planctônicas se aderem a uma
superfície (que pode ser tanto biótica quanto abiótica) e se tornam sésseis
(perdem a capacidade de vida livre). Ocorre em seguida a proliferação das
células sésseis, formando micro-colônias. Estas micro-colônias se desenvolvem
e começam a se comunicar através do mecanismo de QS. No biofilme maduro,
são expressos genes que a bactéria não expressaria se estivesse em vida livre.
Partes do biofilme podem se desprender e se fixar em outro local (o que faz com
que o tratamento dos biofilmes seja difícil).

65% das infecções bacterianas (principalmente as recorrentes) ocorrem


na forma de biofilme (sendo que muitas das infecções urinárias e pulmonares
estão nesta forma).
Quando formados no meio ambiente, os biofilmes protegem os micro-
organismos de condições adversas, como radiação, alteração de pH e
dessecação. Quando formados no interior do organismo humano, os biofilmes
protegem as bactérias contra a ação de células de defesa e antimicrobianos.
155

Infecções em cateteres
As infecções em cateteres mediadas por S. epidermidis são muito
frequentes. Elas são conhecidas como infecções “ponta de cateter”. Como a
ponta do cateter normalmente está inserida no interior do vaso sanguíneo do
paciente, o micro-organismo já está presente na corrente sanguínea, de modo
que pode facilmente desencadear uma bacteremia.

Esta infecção pode ser causada por um micro-organismo proveniente da


própria pele do paciente ou o cateter também pode ser contaminado pelos
profissionais da saúde. A bacteremia é causada se o micro-organismo se
desprender deste biofilme e ficar circulante na corrente sanguínea.

Staphylococcus haemolyticus
É o segundo micro-organismo mais importante entre os coagulase
negativos. Também faz parte da microbiota da pele. Possui cápsula, mas o seu
principal fator de virulência também é a formação de biofilme. Algumas
linhagens de S. haemolyticus são capazes de produzir enterotoxinas e
156

hemolisina (enzima que causa hemólise em ágar sangue, dando nome à


espécie).
Estes micro-organismos possuem resistência aumentada às drogas
antimicrobianas, havendo uma menor susceptibilidade à Vancomicina.
É um patógeno oportunista que está presente principalmente em
infecções de dispositivos médicos implantáveis, infecções do trato urinário
e em bacteremias que acometem pacientes hospitalizados.

Staphylococcus saprophyticus
Está presente na microbiota da pele e na mucosa genitourinária. Possui
uma alta capacidade de adesão às células do epitélio urinário, sendo devido
a isto um importante causador de infecções urinárias, principalmente em
mulheres e idosos.
O principal agente causador de infecções urinarias em mulheres é a E.coli,
e o segundo é o S. saprophyticus.
157

COCOS GRAM POSITIVOS – STREPTOCOCCUS E


ENTEROCOCCUS
Medusa - 86

Nesta aula, serão estudados os cocos Gram positivos que são catalase
negativos. Dentre estes micro-organismos, estão as bactérias láticas e dois
importantes gêneros de patógenos humanos: Streptococcus e Enterococcus.

STREPTOCOCCUS
Os micro-organismos deste gênero possuem arranjo em estreptococos:
longas cadeias de cocos unidos. Há cerca de 21 espécies descritas dentro deste
gênero.
Os Streptococcus são classificados como anaeróbios facultativos (o que
proporciona uma maior versatilidade metabólica a estes micro-organismos). As
exigências nutricionais são bastante variáveis dentro deste gênero, de modo que
alguns representantes, principalmente os patogênicos, requerem a
suplementação de alguns fatores de crescimento (como sangue ou soro) para
que sejam cultivados em meios de cultura.
Estes micro-organismos possuem cápsula, que pode ser polissacarídica
ou de ácido hialurônico.
Representantes deste gênero são encontrados tanto no meio-ambiente
quanto na microbiota (em sítios como pele, trato respiratório su perior, trato
genital e TGI – tanto de seres humanos quanto de outros animais).
Alguns membros deste gênero são patógenos, podendo ser tanto
patógenos estritos quanto patógenos oportunistas (os quais fazem parte da
microbiota).
Os Streptococcus podem causar diferentes doenças em diferentes sítios
anatômicos, como:
• Infecções de pele (por S. pyogenes)
• Meningites
• Infecções pulmonares
• Bacteremias
• Doenças relacionadas à estimulação do sistema imunológico (febre
reumática e glomerulonefrite – são consideradas sequelas de infecções
prévias por S. pyogenis).

Classificação dos Streptococcus


158

A classificação dos micro-organismos do gênero Streptococcus é


baseada em mais do que uma característica:

• Padrão hemolítico: avalia a presença de estreptolisinas


• Grupos de Lancefield: classificação baseada em características
sorológicas das bactérias beta-hemolíticas.
• Características bioquímicas e fisiológicas

A. Padrão hemolítico em ágar sangue (presença de estreptolisinas)

O Padrão hemolítico foi criado em 1919, sendo a primeira classificação de


Streptococcus a ser descrita. Esta classificação baseia-se na presença de
estreptolisinas: enzimas (hemolisinas) que promovem a degradação das
hemácias, causando a hemólise em ágar sangue quando presentes.
Para realizar esta classificação, observa-se se as colônias cultivadas em
meio ágar-sangue são capazes (ou não) de promover a hemólise das hemácias
que estão ao seu redor. Este fenômeno acontece pois as hemolisinas são
enzimas extracelulares, e quando são liberadas pela bactéria, clivam as
hemácias ao redor da colônia. Os Streptococcus podem ser classificados em
alfa, beta ou gama hemolíticos:

• Alfa-hemolíticos: causam hemólise parcial. O halo formado ao redor da


colônia não é tão claro, sendo meio esverdeado
• Beta-hemolíticos: causam hemólise completa. O halo formado ao redor
da colônia bacteriana é bastante claro. A maioria dos representantes
patogêncios dos Streptococcus são beta-hemolíticos.
• Gama-hemolíticos: não causam hemólise, visto que não produzem as
estreptolisinas.

B. Grupos antigênicos ou Grupos de Lancefield

Os Streptococcus classificados como beta-hemolíticos (patogênicos)


podem ser classificados em grupos antigênicos (grupos de Lancefield). Esta
classificação baseia-se em uma diferenciação sorológica de acordo com os
polissacarídeos presentes na parede celular destas bactérias. Estes
159

polissacarídeos funcionam como antígenos grupo-específicos (são diferentes


para cada uma das espécies de Streptococcus).
Os grupos de Lancefield vão de A a W. A, B, C D, F e G são os principais
grupos patogênicos para o ser humano.

C. Propriedades bioquímico-fisiológicas
Além da sorologia e do padrão hemolítico, os micro-organismos podem
ser classificados de acordo com as propriedades bioquímico-fisiológicas, como:
• Fermentação de açúcares
• Presença de determinadas enzimas
• Sensibilidade a determinados agentes antimicrobianos
Esta avaliação normalmente é utilizada para os Streptococcus alfa e
gama-hemolíticos (que não são classificados nos Grupos de Lancefield).

Ao se juntar as três classificações, observa-se:

Dentre os micro-organismos presentes no quadro, serão estudados


S.pyogenes, S. agalactiae, Grupo Viridans e S. pneumoniae, em função da
importância destes micro-organismos como patógenos aos seres humanos.

S. PYOGENES
São micro-organismos beta-hemolíticos que pertencem ao grupo A de
Lancefield. Sua cápsula é composta por ácido hialurônico (o que funciona
como mais uma estratégia de evasão aos mecanismos do sistema imune: como
há ácido hialurônico normalmente em nossos tecidos, as células da imunidade
não reconhecem a superfície da cápsula deste micro-organismo como estranha).
Os S. pyogenes fazer parte da microbiota do trato respiratório superior
e da microbiota transitória da pele. Como patógenos, estão associados a
160

processos supurativos (infecções relacionadas à formação de pus, tanto locais


quanto sistêmicas) ou não-supurativos (causando neste caso doenças
relacionadas à produção de toxinas e a aspectos imunomediados, como é o caso
da febre reumática e da glomerulonefrite).
A transmissão do S. pyogenes de um indivíduo infectado (seja ele
sintomático ou não) para outro indivíduo ocorre por meio de perdigotos ou pelo
contato direto (infeccionando aberturas na pele ou por meio de fômites).

Fatores de virulência do S. pyogenes:


Há alguns fatores de virulência estruturais e alguns secretados. Os fatores
de virulência estão associados a:
• Adesão à célula alvo
• Capacidade de invasão de tecidos
• Capacidade de evasão do sistema imune
• Síntese de toxinas e enzimas
o Varia de acordo com a linhagem, não estando presentes em todos
os representantes de S. pyogenes.
Fatores estruturais:

• Proteína M: está relacionada à adesão à célula alvo. É um dos principais


fatores de virulência do S. pyogenes. A proteína M proporciona adesão
à célula alvo, escape ao processo de fagocitose (pois altera a cascata do
sistema complemento), participa do processo de variação antigênica e
participa dos processos imunomediados.
o Há 200-250 diferentes tipos de proteínas M, o que permite o
processo de variação antigênica.
o Os anticorpos que reconhecem a proteína M acabam reagindo de
forma cruzada com antígenos do próprio hospedeiro – causam os
processos imunomediados de glomerulonefrite e febre reumática
• Cápsula de ácido hialurônico: Está relacionada ao processo de evasão
da fagocitose

Fatores secretados:
São enzimas ou toxinas. Dentre as enzimas, estão:
• Hialuronidase: atua como um fator de disseminação, pois degrada o ácido
hialurônico entre as células e permite que o S.pyogenes passe por entre
elas, de modo a alcançar os tecidos mais profundos
• Estreptolisinas: são divididas em estreptolisinas S e O (a O é a mais
importante, visto que uma das formas de diagnóstico de febre reumática é
a detecção da presença de anticorpos anti-estreptolisina O no indivíduo).
As estreptolisinas O, além de causarem a lise de hemácias, causam
também a lise de plaquetas e leucócitos.
161

• Proteases
• Estreptoquinase: enzima que permite a dissolução de coágulos,
liberando os micro-organismos contidos em seu interior e facilitan do a sua
disseminação para outras áreas além do foco inicial de infecção
• DNAses

Dentre as toxinas produzidas, estão:


• Exotoxinas pirogênicas: estão relacionadas a doenças características
mediadas por toxinas, como a síndrome do choque tóxico, febre
escarlatina e fasciite necrosante.

Estes micro-organismos também possuem a capacidade de reduzir a


produção de citocinas pró-inflamatórias pelas células imunológicas,
fazendo com que o S. pyogenes possa persistir por mais tempo no corpo do
hospedeiro.

Doenças supurativas causadas por S. pyogenis


As doenças supurativas causadas por S. pyogenes podem ser
decorrentes de infecções localizadas, invasões teciduais ou da presença de
exotoxinas pirogências.

Doenças supurativas causada por S. pyogenes – infecções localizadas

• Faringite estreptocócia: É a mais comum das doenças causadas por S.


pyogenes, podendo ser assintomática em 20% dos casos. Causa dor,
presença de pus na garganta, febre, mal estar e dor de cabeça. É muito
comum em crianças (principalmente até 5 anos de idade). Está
relacionada ao posterior desenvolvimento da febre reumática.
162

• Piodermatite estreptocócica (impetigo): é semelhante à dermatite


causada por S. aureus. Consiste em uma infecção localizada nas
camadas superficiais da pele, acometendo principalmente a face na
região ao redor da boca. Acomete principalmente crianças. Normalmente
é causado por algum trauma ou lesão prévia. É altamente transmissível.

Doenças supurativas causada por S. pyogenes – atribuídas à invasão dos


tecidos
Estas doenças estão relacionadas à capacidade invasiva do S. pyogenes,
e são diferenciadas de acordo com o grau de penetração do micro-organismo na
pele.

• Erisipela: apenas as camadas mais superficiais da pele são acometidas.


Ocorre o acometimento principalmente de pernas, braços e face. A
bactéria penetra através uma ruptura da pele, passando a rapidamente
invadir os tecidos. É uma doença que apresenta rápida progressão, e
causa como sintomas dor localizada, vermelhidão, edema e sinais
sistêmicos (como febre e calafrios – sendo que estes últimos estão
presentes apenas em lesões mais extensas). O tecido acometido é
facilmente distinguido do tecido sadio.
163

• Celulite: infecção que avança além da epiderme, afetando também a


derme. A distinção entre o tecido acometido e o não afetado é um pouco
menos explicita do que na Erisipela. A sua disseminação é um pouco mais
rápida e também apresenta sinais de inflamação local e sistêmica.
Também está associada a condições de traumatismos, feridas,
queimaduras e infecções pós-cirúrgicas.

• Fasciite necrosante ou gangrena estreptocócia: neste caso, tecidos


mais profundos são acometidos (podendo afetar ou até mesmo destruir o
tecido adiposo e a fáscia muscular), de modo que a bactéria pode
facilmente atingir a corrente sanguínea. Devido a esta facilidade de se
estabelecer a bacteremia, a taxa de óbito chega a 50% (visto que os
pacientes podem apresentar falência múltipla de órgãos). Devido à
fasciite necrosante, o S.pyogenes é conhecido como “bactéria que come
carne”. A invasão ocorre de forma bem rápida.

• Febre puerperal: causada pela penetração dos S. pyogenes no útero


logo após o parto. Pode evoluir facilmente para bacteremia, possuindo
alta taxa de mortalidade
• Bacteremia: é mais comum de acontecer após quadros de fasciite
necrosante e síndrome do choque tóxico. Causa elevada taxa mortalidade
(próxima a 40%).

Doenças supurativas causada por S. pyogenes – atribuídas às exotoxinas


pirogências

• Febre escarlatina: é uma complicação da faringite estreptocócica. É


caracterizada por manchas avermelhadas na face e na língua (que fica
com aspecto semelhante ao de uma framboesa). Estas manchas
começam a aparecer em 1-2 dias após os primeiros sintomas da faringite
(normalmente após o primeiro pico febril). Ocorre descamação da língua
164

do paciente, o que explica o aspecto avermelhado. Podem aparecer


também algumas manchas superficiais na pele (principalmente na região
abdominal e nas costas). Os principais indivíduos acometidos são
crianças.
o Esta evolução da faringite para a febre escarlatina está relacionada
tanto ao micro-organismo (precisa ser um micro-organismo que
realiza a produção de exotoxinas) quanto a características do
próprio hospedeiro

• Síndrome do choque tóxico estreptocócico: é semelhante à causada


por S. aureus, embora não esteja relacionada ao uso de absorventes
internos. Para que ocorra a síndrome do choque tóxico, é necessário que
ocorra uma inflamação no sítio inicial de uma infecção de pele por S.
pyogenes. Em seguida, o micro-organismo presente na infecção é capaz
de passar a produzir toxinas, que caem na corrente sanguínea e causam
a falência múltipla de órgãos. Possui elevada taxa de mortalidade
(chegando a 30%), e o principal grupo de risco são os
imunocomprometidos.

Sequelas das infecções estreptocócicas


Se o paciente já teve uma infecção prévia por S. pyogenes, ele pode
posteriormente (algumas semanas depois) desenvolver reações
imunomediadas. Pode ser que quando estas sequelas apareçam, o paciente
não tenha mais uma infecção aparente por S. pyogenes. As possíveis sequelas
são:

• Febre reumática: é mais comum em crianças. É uma sequela da faringite


estreptocócica, sendo a sequela mais grave desta faringite.
o A febre reumática é decorrente de uma reação cruzada dos
anticorpos que são gerados para se ligar à proteína M do
S.pyogenes, mas que acabam se ligando também a antígenos do
próprio hospedeiro, lesando os tecidos aos quais estes anticorpos
se ligam. Os principais locais que são reconhecidos por estes
anticorpos são o coração e as articulações.
o O quadro da febre reumática é caracterizado por febre, mal-estar,
alterações cardíacas (sendo uma importante causa de
165

endocardite), alterações nas articulações, nos vasos sanguíneos e


no tecido subcutâneo

o Ocorre lesão progressiva das válvulas cardíacas e do músculo


cardíaco, gerando uma cardiopatia aguda
o Também causa a formação de nódulos, causando uma artrite
progressiva
o O desenvolvimento da febre reumática é progressivo: a cada vez
que o indivíduo entra em contato com o S. pyogenes, mais dano é
adicionado aos tecidos, visto que ocorre a reativação do quadro
devido à memória imunológica ou à formação de novos anticorpos
contra a proteína M. Com isso, novos anticorpos são formados,
podendo assim realizar mais reações cruzadas e lesionar ainda
mais os órgãos.
o Os pacientes que apresentam quadro de febre reumática fazem
uso profilático de penicilina, para evitar assim que ocorra uma nova
infecção e que ocorram estas lesões progressivas.
166

• Glomerulonefrite: está relacionada a faringites e a infecções cutâneas


prévias (como erisipela ou celulite).
o Na glomerulonefrite, ocorre a deposição de complexos antígeno-
anticorpo sobre a membrana glomerular dos rins, o que acaba
por ativar o sistema complemento e desen cadear uma reação
inflamatória local, a qual pode evoluir para insuficiência renal.
o Diferentemente da febre reumática, a glomerulonefrite não é
reativada a cada nova infecção por S. pyogenes – e devido a isso,
não há a necessidade da utilização de uma terapia antibiótica
profilática.
o Os principais sintomas da glomerulonefrite são edema, elevação
da PA, hematúria e proteinúria.

Diagnostico da febre reumática


O Teste sorológico anti-estreptolisina O é muito utilizado no
diagnóstico da febre reumática. É uma técnica de aglutinação indireta baseada
na reação antígeno-anticorpo. Adiciona-se a uma amostra do plasma do
paciente partículas de látex recobertas por antígenos (que, no caso, são
moléculas de estreptolisina O). Se o paciente apresentar anticorpos an ti-
estreptolisina O em seu plasma, ocorrerá a aglutinação e a amostra não
decantará. Todavia, se o paciente não possui estes anticorpos, não haverá a
formação do complexo, de modo que seja formado um corpo de fundo na
amostra.
A estreptolisina é uma enzima que está presente apenas nos micro-
organismos beta-hemolíticos, sendo a enzima responsável por promover a lise
das hemácias. Devido a isso, este teste apenas é utilizado quando se há a
suspeita de infecção por um micro-organismo beta-hemolítico (principalmente os
que pertencem ao grupo A).
Este teste permite a detecção qualitativa dos anticorpos (presença ou
ausência das imunoglobulinas) e as vezes semi-quantitativa (consegue dosar
a quantidade de anticorpos circulantes no plasma). Maiores concentrações de
anticorpos no soro indicam uma infecção recente por S. pyogenes.
167

S. AGALACTIAE
Também é um micro-organismo beta-hemolítico, mas é do grupo B de
Lancefield. Faz parte da microbiota do TGI e do trato genito-urinário. O
principal fator de virulência que esta bactéria possui é a presença de cápsula.
Os S. agalactiae atuam como patógenos em gestantes. Sem ser durante
o período gestacional, o S. agalactiae também pode causar doenças nos
indivíduos, como infecções de pele, trato urinário, pneumonias e bacteremias
(nos casos mais graves). Todavia, a sua principal importância é durante o
período gestacional, visto que 10-30% das gestantes possuem o S. agalactiae
em seu TGI e trato genito-urinário. A avaliação da colonização vaginal e anal
por S. agalactiae é realizada por volta da 36ª semana de gestação.
O S. agalactiae pode estar em equilíbrio com a microbiota da gestante e
não causar nenhuma alteração na paciente. Todavia, este micro-organismo pode
contaminar o bebê no momento em que ele passa pelo canal do parto. A
contaminação do neonato com S. agalactiae pode causar consequências
graves, como meningite, pneumonia ou até mesmo sepse.
Quando a gestante é identificada como infectada por S. agalactiae, é de
rotina que seja administrada durante o momento do parto Ampicilina
intravenosa. Se o parto for cesárea, não há risco de contaminação (não sendo
necessária assim a administração de antimicrobianos).

GRUPO VIRIDANS
Há mais do que uma espécie de Streptococcus nesse grupo, sendo elas:
• S. mutans (principal)
• S. mitis
• S. salivarius
• S. sanguis.

É um grupo de micro-organismos alfa-hemolíticos (causam hemólise


parcial, que deixa o ágar esverdeado ao redor da colônia).
Os Streptococcus do grupo Viridans podem fazer parte da microbiota da
orofaringe, TGI e trato genito-urinário. A toxicidade dos ácidos graxos da pele
impede que estas bactérias habitem este ecossistema.
São micro-organismos bastante exigentes em termos nutricionais,
exigindo tanto sangue quanto CO2 em seu meio de cultura.
As duas principais doenças causadas por membros do Grupo Viridans
estão associadas aos processos de adesão dos Streptococcus:

• Cárie: causada principalmente pelo S. mutans, que é capaz de produzir


biofilmes. Este micro-organismo produz polímeros extracelulares que
168

permitem a firme adesão á superfície do dente, além de ácidos que


fermentam os açúcares presentes na dieta e que podem lesar a superfície
dental. Como o S. mutans é muito presente na cavidade oral, condições
como traumas na região oral ou mesmo extrações dentárias podem levar
a bacteremias transitórias. Devido a isso, não raramente são prescritos
antibióticos durante estes processos de tratamento dentário.

• Endocardite bacteriana: S. mutans e S. sanguis estão relacionados


com o desenvolvimento de endocardites (e isto explica porque não é raro
que pacientes com endocardite possuam também problemas de cáries ou
extrações dentárias mal realizadas). Estes micro-organismos acabam por
cair na corrente sanguínea e passam a aderir e colonizar as válvulas
cardíacas. Se houver alguma má-formação na válvula ou se ela for
artificial, há maior risco de adesão e formação de biofilme pelo S. mutans.

S. PNEUMONIAE
O S. pneumoniae é um importante causador de pneumonias em adultos.
É um micro-organismo alfa-hemolítico e é denominado “pneumococo”.
Apesenta cápsula formada por polissacarídeos (o que permite a classificação
sorológica de cerca de 90 sorotipos de S. pneumoniae). Também são micro-
organismos fastidiosos, requerendo suplementação com sangue e CO2 para
serem cultivados em meio de cultura.
Podem ser membros da microbiota das vias aéreas (5-40% da
população apresentam-nos), sendo que em condições de equilíbrio, não causam
nenhuma alteração. Todavia, este micro-organismo pode se disseminar das
vias aéreas superiores para os pulmões, seios paranasais, ouvidos e meninges,
causando doenças nestes órgãos (pneumonia, bronquite, sinusite, otite,
bacteremia e meningite). O S.pneumoniae está muito associado ao
desenvolvimento de pneumonias e meningites (sendo o segundo agente mais
importante na causa das meningites, ficando atrás apenas de Neisseria
meningitidis). Os casos de meningites causadas por S. pneumoniae possuíram
uma grande redução da sua incidência em função do advento das vacinas.

Fatores de risco para desenvolvimento da doença pneumocócica


Como uma parcela importante da população pode ter S. pneumoniae na
microbiota, espera-se que na maioria dos indivíduos existam estratégias que
fazem com que este micro-organismo não cause doença. O desenvolvimento
da doença pneumocócica está muito mais relacionado a fatores
predisponentes do hospedeiro que à própria capacidade do micro-organismo
de invadir os tecidos.
Os fatores de risco são:
169

• Infecções prévias do trato respiratório, que poderiam levar à lesão das


células superficiais
• Acúmulo anormal de muco (como em indivíduos alérgicos – não conseguir
eliminar o excesso de muco produzido altera o processo de fagocitose)
• Lesões do trato respiratório que comprometeriam a função mucociliar
• Intoxicação por álcool de drogas: provoca a redução da atividade
fagocítica e do próprio reflexo da tosse, podendo facilitar a aspiração do
S.pneumoniae
• Doenças que alterem a dinâmica circulatória normal, como IC ou
congestão pulmonar
• Desnutrição
• Debilidade gerada por doenças crônicas
• Anemia
• Deficiências no sistema complemento

Fatores de virulência do S.pneumoniae

• Cápsula: os diferentes antígenos presentes na superfície da cápsula


funcionam como estruturas importantes para a evasão dos mecanismos
do sistema imune. Além disso, a cápsula possibilita a sobrevivência deste
micro-organismo no interior da célula fagocítica mesmo após o processo
de fagocitose
• Adesinas: facilitam a colonização
• IgA protease: também facilita a colonização
• Pneumolisina: é uma citotoxina produzida que atua sobre células
alveolares e endoteliais. Nem todos os isolados de S.pneumoniae
produzem esta toxina.
• Destruição tecidual por células do hospedeiro: o micro-organismo, ao
gerar uma resposta inflamatória, promove uma destru ição tecidual
(causada principalmente pelas células do hospedeiro)

TRATAMENTO PARA STREPTOCOCCUS EM GERAL


O tratamento realizado para os Streptococcus beta-hemolíticos e para o
S. pneumoniae é baseado no uso da Penicilina (com exceção dos pacientes
alérgicos). Deve-se realizar o antibiograma do paciente antes de realizar a
terapia, e o paciente deve ser acompanhado para que qualquer necessidade de
alteração de prescrição possa ser realizada da forma mais rápida o possível.
Nos casos de fasciite necrosante, erisipela ou celulite (casos de infecção
de tecidos moles com invasão tecidual), é importante que o tecido necrosado
passe por um debridamento cirúrgico, para que assim possa ser removido.
No caso da febre reumática, há a necessidade da profilaxia antibiótica
no em função das agressões progressivas ao tecido cardíaco frente a cada novo
contato com S. pyogenes.
170

A vacina contra S. pneumoniae possui 90% de proteção. A vacina


presente na rede pública é 10-valente (10 diferentes sorotipos de S. pneumoniae
estão presentes, sendo que estes 10 principais sorotipos são em sua maioria os
que causam meningite). As vacinas disponíveis na rede privada são 13-valente
e 23-valente (esta última é recomendada para doentes crônicos, transplantados,
imunodeprimidos, etc). Estas vacinas podem ser conjugadas com antígenos de
outros micro-organismos: a do SUS é conjugada com antígenos diftéricos,
tetânicos e de H. influenzae.
171

ENTEROCOCCUS
O gênero Enterococcus é formado por representantes que podem tanto
estar no arranjo de diplococos quanto de estreptococos (em cadeias curtas).
São anaeróbios facultativos amplamente distribuídos no ambiente (estão
presentes no solo, na água, nos alimentos, etc), e fazem parte da microbiota
normal do TIG.
São gama-hemolíticos, e conseguem tolerar condições ambientais
adversas, como a presença de NaCl (6,5%) ou de sais biliares.
No passado, este gênero era classificado como um subtipo do gênero
Streptococcus, sendo denominado “Streptococcus do grupo D (de origem fecal)”
Das 40 espécies descritas deste gênero, há duas mais importantes como
patógenos para o ser humano:
• Enterococcus faecalis (responsável por 85-90% das infecções
causadas por Enterococcus)
• Enterococcus faecium (responsável por 5-10% das infecções causadas
por Enterococcus)

As infecções causadas por Enterococcus podem ter origem endógena


(já que fazem parte da microbiota normal) ou exógena (sendo transmitidos pelos
profissionais de saúde ou por meio de fômites, como dispositivos médicos que
não foram corretamente higienizados).
Os Enterococcus são muito frequentes em infecções causadas no
ambiente hospitalar (IRAS – infecções relacionadas à assistência à saúde),
principalmente em pacientes que estão internados há longos períodos e com
tratamento com antibióticos de amplo espectro. Os Enterococcus são resistentes
a muitos antimicrobianos.
Pode ocorrer infecção por Enterococcus em diferentes sítios
anatômicos, como:

• Trato urinário
• Peritônio
• Tecido cardíaco
• Infecções intra-abdominais: pode estar presente junto a outros micro-
organismos (em infecções polimicrobianas)
• Infecções de feridas: pode estar presente junto a outros micro-organismos
(em infecções polimicrobianas)
• Podem causar, em casos raros, endocardite e meningite
172

Fatores de virulência dos Enterococcus


• Hemolisina: Embora a maioria dos representantes deste gênero seja
classificada como não hemolíticos, algumas linhagens isoladas do
ambiente hospitalar produzem hemolisinas.
• Formação de biofilme: são ótimos formadores de biofilme e se aderem
fortemente às células do hospedeiro.
• Síntese de peptídeos antimicrobianos: é uma vantagem competitiva
para estes micro-organismos frente a um ambiente polimicrobiano

Resistencia a drogas antimicrobianas


Os Enterococcus apresentam resistência intrínseca a diferentes classes
de antimicrobianos, como cefalosporinas, penicilinas, monobactâmicos,
sulfametazol e trimetoprim.
Além desta resistência intrínseca, os Enterococcus também facilmente
adquirem novas resistências (resistências adquiridas), seja por meio de
mutações ou por transferência horizontal de genes.
A transferência de genes é muito prevalente entre micro-organismos do
gênero Enterococcus e entre representantes do gênero Enterococcus com
representantes de outros gêneros. Quanto mais resistentes estes micro-
organismos são às drogas antimicrobianas, mais grave é a infecção causada, e
consequentemente, mais difícil é o tratamento.
Infecções graves provocadas por Enterococcus são tratads ou por
antimicrobianos de nova geração ou por terapia combinada (associação de
anti-microbianos que possuam mecanismos de ação diferentes). A associação
de penicilina + aminoglicosídeo ainda é válida no tratamento destes micro-
organismos.
Os Enterococcus são resistentes à vancomicina (havendo diferentes
fenótipos de resistência a este antimicrobiano). Esta resistência pode ser
transferida para S. aureus: o gene vanA encontrado em S. aureus é o mesmo
gene presente nos Enterococcus (a presença deste gene foi uma das primeiras
evidências de que poderia ocorrer a transferência horizontal de genes entre
bactérias de gêneros diferentes).

Diferentes mecanismos de resistência que podem estar presentes nos


Enterococcus:
Os Enterococcus podem apresentar mecanismos de resistência
desenvolvidos contra os seguintes antimicrobianos:

• Aminoglicosídeos: há mecanismos que podem promover baixa resistência


a estes anti-microbianos e mecanismos que podem promover alta
resistência a eles:
173

o Mecanismos que conferem baixa resistência: alteração da


permeabilidade de membrana a estas substâncias (realizando uma
menor captação delas)
o Mecanismos que conferem alta resistência: presença de enzimas
que modificam os aminoglicosídeos e modificação dos alvos de
ação ribossomais (onde os aminoglicosídeos iriam atuar inibindo a
síntese proteica)
• Beta-lactâmicos: presença de uma proteína de ligação à penicilina
alterada (com menor afinidade pelos beta-lactâmicos)
• Vancomicina: alteração nos sítios finais dos peptideoglicanos (onde a
vancomicina iria se ligar)
• Lipopetídeos (ex.: Daptomicina): alteração na interação destas
substâncias com a membrana celular, dificultando a sua entrada na célula
• Estreptograminas: há tanto enzimas que modificam ou inativam a droga
quanto bombas de efluxo (que externalizam as estreptograminas se elas
forem absorvidas pelo micro-organismo)
• Oxazolidinonas (ex.: Linezolida): é uma resistência mais rara de ocorrer,
mas quando ocorre em Enterococcus, é devido à alteração do sítio alvo
de ação ribossomal.
174

MICOBACTÉRIAS
Medusa - 86

As micobactérias são um gênero de bactérias que não respondem à


coloração de Gram. Há 2 espécies de importância médica neste gênero:
Mycobacterium tuberculosis e Mycobacterium leprae. Atualmente, há um
número crescente de bactérias deste gênero que têm se tornado patogênicas ao
ser humano, passando a afetar indivíduos imunossuprimidos (principalmente em
indivíduos HIV+).
O nome “Micobactérias” foi proposto por Lehmann e Neumann em 1896.
Estas bactérias são chamadas de “mico”bactérias (sufixo “mico” = fungo) devido
à semelhança que as colônias formadas por estas bactérias nos meios de cultura
apresentam com as colônias formadas por fungos. As micobactérias são
bastonetes muito finos, que vão se multiplicando e adquirindo o aspecto
filamentoso como o dos fungos. Por apresentarem estas estruturas
filamentosas, as micobactérias foram durante muito tempo confundidas com
fungos.

TAXONOMIA
Fazem parte da ordem Actinomycetalis, da família Mycobacteriacaeae e
do gênero Mycobacterium. A ordem Actinomycetalis engloba bactérias presentes
no ambiente e bactérias oportunistas.
Muitas das bactérias desta ordem produzem substâncias bioativas,
como antifúngicos (ex.: Anfotericina B produzida pelos Streptomyces),
antibacterianos (ex.: Streptomicina também produzida pelos Streptomyces) e
substâncias anti-tumorais.
Há cerca de 172 espécies e 13 sub-espécies pertencentes ao gênero
Mycobacterium, sendo que a maioria são espécies saprófitas (decompositoras),
de modo que estão presentes no ambiente e não causam doenças nos seres
humanos.
175

IMPORTÂNCIA EM SAÚDE
As micobactérias são os agentes etiológicos da tuberculose humana e
bovina e também da hanseníase.
A tuberculose, além de ser causada pelo M. tuberculosis e pelo M.bovis,
pode ser causada também por outras bactérias, visto que há um número
crescente de micobactérias que estão sendo capazes de causar doenças em
indivíduos imunocomprometidos.

CLASSIFICAÇÃO
A classificação dos micro-organismos do gênero Mycobacterium é
dinâmica, visto que mescla critérios tradicionais com critérios moleculares. Esta
classificação é denominada Classificação de Runyon. Estes critérios levam em
consideração:
• Capacidade de causar doença - os micro-organismos podem ser
classificados em:
o Sempre patogênicos
o Geralmente patogênicos
o Não patogênicos
• Velocidade de crescimento - os micro-organismos podem ser
classificados em:
o Crescimento lento
o Crescimento rápido
• Coloração – as bactérias podem ser classificados em:
o Fotocromogêneas: produzem pigmento apenas na presença de luz
o Escotocromogêneas: produzem pigmento apenas no escuro
o Não cromogêneas: não produzem pigmentos em nenhuma
situação
176

As diferentes espécies de micobactérias possuem sensibilidades


diferentes aos antimicrobianos.
Os principais grupos pertencentes ao gênero Mycobacterium que
serão estudados são:
• M. leprae: está relacionada à hanseníase
• Complexo M. tuberculosis: As duas espécies mais importante deste
complexo são M. tuberculosis e M. bovis. Apesar de o M. bovis causar
tuberculose em bovinos, ele também é capaz de causar a tuberculose
em humanos com a mesma clínica que o M. tuberculosis (mas esta
infecção é menos frequente, devido ao controle da tuberculose
bovina). A vacina BCG é feita a partir de uma linhagem do M. bovis.
Este complexo possui representantes com 99,9% de identidade
genética.
• Complexo M. avium: micobactérias deste grupo estão associadas ao
desenvolvimento de tuberculose em indivíduos imunossuprimidos,
sendo que possuem perfil de sensibilidade a antimicrobianos
totalmente distinto do M. bovis e do M.tuberculosis, sendo resistentes
aos antibacterianos normalmente utilizados no tratamento da
tuberculose causada por estes 2 agentes. Este complexo possui
espécies como M. avium e M. intracellulare
• Micobactérias não tuberculosas: não estão relacionadas à
tuberculose, mas causam doenças. Estas bactérias são classificadas
de acordo com a classificação de Runyon citada acima. Muitas
micobactérias estão presentes neste grupo, podendo causar infecções
distintas: linfáticas, pulmonares, esqueléticas, cutâneas ou mesmo
infecções disseminadas. Possuem classificação complexa.

CARACTERÍSTICAS GERAIS DAS MICOBACTÉRIAS


São bacilos pleomórficos (possuem formas distintas, variando desde
formas filamentosas finas a formas mais curvas, retas ou levemente curvadas).
A forma também pode variar de acordo com o meio de cultura (de modo que a
forma desenvolvida no meio de cultura pode ser distinta da desenvolvida no
hospedeiro).
São imóveis (não possuem estruturas de locomoção como flagelos) e
não produzem endósporos. Não possuem cápsula. São intracelulares (são
fagocitadas ou invadem as células, sendo que algumas conseguem resistir ao
processo de fagocitose, ficando no interior das células fagocíticas – onde são
protegidas contra os mecanismos da resposta imune e da ação de
antimicrobianos).
Na imagem abaixo, observa-se grande quantidade de bastonetes finos no
interior de macrófagos. A espécie que está infectando este organismo em
questão é a M. intracellulare.
177

As micobactérias são aeróbias estritas (e devido a isso o M.tuberculosis


possui reativação no ápice pulmonar, que é uma região com alta concentração
de oxigênio). Sua temperatura ótima de crescimento é variável, mas a maioria é
mesófila.
O tempo de crescimento necessário para se formar colônias também é
variável, mas na maioria dos casos é lento: enquanto o tempo de geração das
bactérias comuns é de cerca de minutos, o das micobactérias é de cerca de
horas. Um crescimento considerado rápido paras micobactérias é um tempo de
3-7 dias para formar colônias (normalmente realizado pelas saprofíticas),
enquanto de crescimento considerado lento demora cerca de 10 dias a 3
semanas para formar colônias (possuindo tempo de geração de 12-24h). Este
maior tempo de geração está relacionado às características da parede celular
destes micro-organismos, visto que estas bactérias realizam trocas mais lentas
com o ambiente (demorando mais para absorver nutrientes e conseguir se
multiplicar).

Características de sua parede celular


Possui parede celular muito distinta das presentes nas bactérias Gram
positivas e Gram negativas. Estas diferenças impactam na fisiologia da bactéria,
na sua resistência a antimicrobianos, no tempo de crescimento da cultura, na
forma de causar doença, etc.
A parede celular destas bactérias é mais semelhante à das Gram positivas
(mas ela não reage à coloração de Gram). Possui delgada camada de
peptideoglicanos e grande quantidade de lipídeos associados (60% do peso
da parede celular do M. tuberculosis é devido a estes lipídeos). Não apresenta
membrana externa como as bactérias Gram negativas.
Os lipídeos presentes na parede celular das micobactérias são bem
distintos entre si. O ácido micólico está presente em grande quantidade, e é
uma molécula que possui importância na patogênese das micobactérias. Há a
presença também de porinas, que realizam a interação com o meio externo.
178

Propriedades intrínsecas das micobactérias (que estão relacionadas à sua


parede celular):
• São resistentes às colorações usuais: os corantes usuais não
penetram na célula devido à grande camada de lipídeos que deixa a
membrana impermeável.
• São resistentes a corantes, antibióticos, ácidos, álcalis e
desinfetantes: são resistentes a estas substâncias pois elas também não
conseguem adentrar na célula devido à grande camada de lipídeos que
deixa a membrana mais impermeável
o São desenvolvidos agente microbicidas específicos para se atuar
sobre as micobactérias
• Possuem grande resistência ao dessecamento: isto é importante pois
apesar de estas bactérias não produzirem endósporos, elas são mais
resistentes no ambiente em sua forma vegetativa (se comparadas às
outras bactérias)
o São sensíveis à luz UV
• São bacilos álcool-ácidos resistentes (BAAR)
o É utilizado um tipo de coloração especial para se revelar os BAAR:
a coloração de Ziehl-Neelsen
▪ Utiliza-se 2 corantes: fuxina e azul de metileno. O
resultado de uma lâmina corada com esta coloração é um
fundo azul com bactérias coradas em vermelho.
▪ Para realizar esta técnica de coloração, adiciona-se a
amostra a ser avaliada e a fuxina a uma lâmina, aquecendo-
a em seguida. Com este aumento da temperatura, a camada
de lipídeos presente na parede celular da bactéria se
179

liquefaz e o corante é capaz de entrar na célula bacteriana.


Após isso, quando a lâmina resfria, os lipídeos presentes na
parede celular das bactérias se solidificam novamente, de
modo que todas as bactérias presentes no material ficam
coradas (mesmo as que não sejam micobactérias). Para se
diferenciar as micobactérias na amostra, adiciona-se uma
mistura de álcool + ácido acético ao esfregaço. As
bactérias que não são álcool-ácido resistentes são
descoradas e as BAAR permanecem com o corante
associado a elas. Em seguida, utiliza-se o azul de metileno
para corar as bactérias que foram descoradas.

▪ Esta coloração é muito utilizada no diagnóstico da


tuberculose (mas também pode ser utilizada na detecção
de outros micro-organismos, como as Nocardias)
180

M.TUBERCULOSIS

O M. tuberculosis foi uma das bactérias estudadas por Robert Koch,


sendo devido a isso denominado de “Bacilo de Koch”.
O M. tuberculosis não possui os fatores de virulência clássicos
(cápsula, exotoxinas, endotoxinas, etc). O que causa o desenvolvimento da
doença é a estimulação do sistema imunológico do hospedeiro: a forma
como esta bactéria interage e ativa toda a resposta imune do hospedeiro é o que
causa a doença. Muitas das complicações da doença são decorrentes da forma
como o organismo responde frente ao patógen o. Os lipídios de membrana estão
envolvidos nesta patogênese.
O M. tuberculosis não é destruído quando fagocitado, visto que ele
apresenta um mecanismo que impede a fusão do lisossomo com o fagossomo
(produzem proteínas cinases G que impedem esta fusão). Com isso, esta
micobactéria permanece no interior do fagócito se multiplicando.

Estruturas antigênicas (localizadas na parede celular do M. tuberculosis):

• Lipídios: os principais lipídios presentes na parede celular destas


micobactérias são ácidos micólicos (em maior quantidade), ceras e
fosfatideos. Os lipídios estão ligados a proteínas e polissacarídeos, e são
responsáveis pela álcool-ácido-resistência. Os ácidos micólicos podem
promover a formação do granuloma. Os fosfolipídios presentes na parede
celular induzem a formação da necrose caseosa (necrose com aspecto
de queijo mole)
• Proteínas
o Estimulam a reação tuberculínica (a qual é usada como teste para
se detectar indivíduos que já entraram em contato com a bactéria)
o Induzem a formação de anticorpos
• Polissacáridos
o Possuem papel incerto em relação à patogênese
o Podem induzir hipersensibilidade do tipo imediata
181

TUBERCULOSE
Os patógenos estritos que causam a tuberculose são o M. tuberculosis
e o M. bovis (atualmente vem se reduzindo a incidência de infecções por M.
bovis devido ao menor número de gados com tuberculose e ao maior consumo
de leite pasteurizado – visto que a contaminação por este micro-organismo
ocorria principalmente através da ingestão leite não pasteurizado).
Os patógenos oportunistas que causam a tuberculose são
principalmente os do complexo M. avium-intracellulare e M. kansasii. Este
grupo de micro-organismos oportunistas que causam tuberculose vem
crescendo cada vez mais. Estes micro-organismos são normalmente resistentes
aos antimicrobianos utilizados no tratamento da tuberculose causada pelos
patógenos estritos.
Os reservatórios da tuberculose são os humanos e bovinos infectados.
A principal forma de transmissão é por meio da inalação de gotículas
respiratórias (perdigotos) contaminadas: ao espirrar, tossir ou falar, o indivíduo
espalha as gotículas no ar, as quais ficam em suspensão e podem ser inaladas
por outros indivíduos. A tuberculose também pode ser transmitida pela ingestão
de leite e alimentos contaminados por M.bovis.
Os sintomas da tuberculose são tosse, febre, falta de apetite,
emagrecimento, cansaço e suores noturnos.

Tuberculose primária e tuberculose secundária


A tuberculose pode ser dividida em tuberculose primária e em tuberculose
secundária, considerando-se as exposições do indivíduo à bactéria e a sua
reativação no organismo.
A tuberculose primária é o primeiro contato que o indivíduo tem com a
bactéria (primo-infecção). Frente a este primeiro contato, pode ocorrer:
182

A. Tuberculose ativa (ocorre em 5-10% dos indivíduos): neste caso, o


indivíduo desenvolve a doença frente à primo-infecção. Ocorre o
desenvolvimento dos sintomas descritos acima. A tuberculose
desenvolvida pode ser pulmonar (na grande maioria das vezes), renal,
óssea ou atingir outros órgãos.
B. Interrupção da infecção primária (ocorre em 90-95% dos indivíduos):
normalmente, o organismo consegue interromper o avanço da primo-
infecção. Todavia, as bactérias podem permanecer viáveis no interior de
um granuloma, podendo posteriormente causar o desenvolvimento da
tuberculose secundária.
A tuberculose secundária é muitas vezes decorrente de uma reativação
endógena da infecção devido ao rompimento de um granuloma, mas também
pode ser decorrente uma reinfecção. Neste quadro, ocorre o aparecimento dos
sintomas descritos acima.

Fases de formação do granuloma


No interior dos alvéolos, os macrófagos fagocitam os M.tuberculosis, mas
estes micro-organismos não são destruídos e continuam a se replicar no interior
das células fagocíticas. Com isso, ocorre o desencadeamento de uma resposta
inflamatória, que atrai leucócitos para o local de infecção visando tentar conter o
seu avanço. As bactérias começam então a promover a morte dos macrófagos,
causando a formação da necrose caseosa – uma liquefação do interior do
granuloma. Em seguida, mais células vão se juntando ao granuloma para tentar
conter a sua evolução. Todavia, pode chegar a um momento em que o
granuloma se rompa, de modo que o seu conteúdo seja liberado no bronquíolo
e as bactérias possam se espalhar pelo organismo.
183

Os órgãos que são mais frequentemente acometidos são os pulmões,


gânglios, pleura, rins, cérebro e ossos.
O risco de progressão da infecção, passando a causar doença, é mais
comum no caso de indivíduos com as seguintes condições:
• Diabetes mellitus
• Infecção por HIV
• Tratamento prolongado com corticoides
• Terapia imunossupressora
• Doenças renais crônicas
• Desnutrição

Dados epidemiológicos da Tuberculose no Brasil


A tuberculose é a 4ª maior causa de morte por doenças infecciosas no
Brasil. Além disso, ela também é a primeira causa de mortes dentre as doenças
infecciosas nos pacientes HIV+.
No Brasil, vem sido observada uma queda na incidência e na mortalidade
da tuberculose. Todavia, vem acontecendo também um aumento do número de
isolados resistentes aos antibacterianos normalmente utilizados no tratamento
desta infecção.
O AM e o RJ são os estados com maior incidência.
A tuberculose miliar (forma disseminada) é a forma mais grave da doença.
Todavia, ela não é a mais frequente, nem a que causa maior número total de
mortes, visto que a forma responsável pela maior proporção dos óbitos é a
tuberculose pulmonar.

Diagnóstico da tuberculose
Laboratorial
Pode ser realizada a cultura ou microscopia direta (realizando-se a
coloração de Ziehl-Neelsen).
184

A utilização de corantes fluorescentes permite uma maior sensibilidade


para a detecção da infecção.
A cultura pode ser realizada em meios líquidos, sólidos, seletivos ou não
seletivos. Os meios seletivos utilizam antibióticos, visando eliminar qualquer
outra bactéria que esteja presente na amostra e que possa exaurir os nutrientes
do meio, não permitindo que o M. tuberculosis cresça adequadamente e forme
as colônias (já que o crescimento deste micro-organismo é mais lento). Utiliza-
se nestes meios antibióticos que não são eficientes contra as micobactérias. Os
meios de cultura utilizados são meios complexos e nutricionalmente ricos.
Alguns exemplos de meios são Lowenstein -Jensen ou Middlebrook.

Teste da tuberculina (Mantoux)


O teste da tuberculina é um teste que não é utilizado para o diagnóstico
da doença, mas sim para se medir a porcentagem de indivíduos que já foram
contaminados ou já tiveram contato com o M. tuberculosis (como em vacinas). É
normalmente utilizado em triagens.
A tuberculina é um produto obtido de um filtrado de cultivo de M.
tuberculosis em um caldo proteico. Os bacilos cresceram durante seis semanas
neste caldo, e dele é obtido um derivado proteico purificado (PPD).
Para se realizar o teste da tuberculina, injeta-se esta PPD na derme do
indivíduo. Se o indivíduo já teve contato com o M.tuberculosis, será formada uma
pápula (que deve ser medida após 48h). A interpretação do teste depende do
diâmetro da pápula formada. A reação positiva mostra que o indivíduo já teve
contato com a bactéria (mostra apenas a presença de anticorpos), e não que ele
está necessariamente doente agora ou que já esteve doente alguma vez – pode
ter tido a infecção, mas não ter desenvolvido a doença. Além disso, indivíduos
vacinados pela BCG apresentam resultados positivos. Indivíduos sem contato
prévio com as micobactérias não apresentam a formação da pápula
Há indivíduos que tiveram a doença, mas que não respondem
corretamente a este teste, como é o caso de indivíduos imunossuprimidos. Isto
ocorre pois estes indivíduos apresentam menor concentração de anticorpos
circulantes, e desta forma não conseguem positivar o teste.
185

Tratamento da Tuberculose
É um tratamento longo e complexo, durando cerca de 6 meses. Há cerca
de 6 fármacos de escolha, os quais são alternados durante o tratamento. Pode
ser utilizada uma combinação de antibióticos com mecanismos diferentes
(ex.: usa-se um antibiótico que inibe a síntese da parede celular; outro que inibe
a síntese de RNA, etc.). Devido a isso, se a bactéria desenvolver resistência a
algum dos mecanismos, ainda há outros mecanismos atuando para tentar
controlar a infecção

Prevenção e controle
• Vacina BCG: é feita a partir da bactéria viva, mas atenuada
• Investigação e tratamento dos contatos dos indivíduos
contaminados
• Pessoas que tiveram contato com indivíduos contaminados podem
fazer o uso de medicações profiláticas.
186

M. LEPRAE

A hanseníase é a doença causada pelo M. leprae. É uma doença muito


estigmatizada e com alta prevalência no Brasil. Conforme a doença vai
avançando, causa deformidades no paciente.

Características gerais
Possui as mesmas características estruturais que o M.tuberculosis
Também é uma bactéria álcool-ácido resistente.
Não são cultivadas em meios bacteriológicos artificiais, visto que não
se sabe o que é necessário adicionar à cultura para que ela seja capaz de
crescer. Devido a isso, não é possível se realizar o diagnóstico da Hanseníase
baseado em culturas.
É um parasita intracelular que possui predileção pelos nervos. Como
esta bactéria não é cultivada em meios de cultura, não se sabe muito sobre as
suas características fisiológicas, mas acredita-se que ela precisa de
temperaturas um pouco mais baixas para crescer (possuindo um temperatura
ótima de crescimento de cerca de 30ºC), visto que se multiplicam em áreas
mais frias do corpo humano, como olhos, testículos, nervos, etc.
O Brasil é o segundo país com maior número de casos de Hanseníase no
mundo. O isolamento compulsório dos pacientes com hanseníase ocorreu até
1976.

Aspectos da doença
Afeta principalmente áreas levemente mais frias do corpo humano, como
pele, nervos, nariz, faringe, laringe, olhos, orelhas e testículos. São
formadas lesões cutâneas na forma de máculas anestésicas.
O ser humano é a única fonte de transmissão da Hanseníase. Embora
tenham sido encontrados animais naturalmente infectados, eles não são
capazes de transmitir a hanseníase para seres humanos.

Patogenia
Há vários estágios do desenvolvimento da hanseníase, mas podem ser
diferenciados dois principais:
• Forma tuberculoide: ocorre uma evolução benigna, não progressiva da
doença. Esta forma ocorre principalmente em pacientes
imunocompetentes. É marcada pela presença de lesões cutâneas
maculares, pequeno número de BAAR nas lesões, acometimento
187

assimétrico dos nervos e teste cutâneo positivo (como o indivíduo não


está com a resposta imune comprometida, ele possui anticorpos capazes
de positivar o teste).

• Forma lepromatosa: é a forma mais agressiva da Hanseníase,


apresentando evolução maligna e progressiva. Ocorre principalmente em
indivíduos imunocomprometidos. Há a presença de lesões cutâneas
nodulares, acometimento dos nervos, presença abundante de BAAR,
bacteremia contínua e de teste cutâneo negativo (devido à menor
resposta imunológica que estes indivíduos podem apresentar, não há a
presença de anticorpos suficientes circulantes para se positivar o teste)
o Há a presença da fáscies leonina (perda de cílios e pelos faciais,
entumecimento do nariz, espessamento da pele e deformidade das
bochechas)
o O comprometimento dos nervos faz com que os indivíduos se
machuquem e não percebem, o que predispõe a ocorrência de
infecções secundárias
o Pode acontecer também o encurtamento dos dedos (devido à
reabsorção óssea) e a perda da visão
188

Diagnóstico da Hanseníase
Laboratoriais
Como não é possível se realizar culturas, realiza-se baciloscopia de
amostras obtidas pela raspagem de mucosas ou da pele do paciente. Para a
observação do M. leprae, realiza-se a coloração de Ziehl-Neelsen. É possível se
observar uma maior presença de BAAR em pacientes com a forma lepromatosa.

Teste de Mitsuda
É um teste semelhante ao da tuberculina. Utiliza-se proteínas isoladas do
Mycobacterium leprae, de modo que é formado um nódulo (pápula) se o
indivíduo já teve contato com este micro-organismo.

Tratamento
O tratamento da Hanseníase é prolongado e são utilizados diferentes
antibacterianos. É uma doença totalmente curável, de forma que se o tratamento
é realizado frente aos sintomas iniciais, ocorre boa recuperação e não
agravamento do quadro.
189

BACTÉRIAS ANAERÓBIAS
Medusa - 86

Processos metabólicos para obtenção de energia em bactérias


As bactérias podem obter energia por meio de processos independentes
de oxigênio e por meio de processos dependentes de oxigênio. Dentre os
processos independentes de oxigênio, há a fermentação, a fotossíntese e a
respiração anaeróbica. A respiração aeróbica é o único processo dependente do
oxigênio. Na aula de hoje, serão estudadas as bactérias independentes de
oxigênio, que realizam fermentação e respiração anaeróbica
De acordo com a necessidade de oxigênio, as bactérias são classificadas
em aeróbias (fazem respiração aeróbica e crescem na presença de O2 na
tensão atmosférica), microaerófilas (também fazem respiração aeróbica, mas
as suas enzimas funcionam melhor quando o oxigênio tem a sua tensão
reduzida), anaeróbias facultativas (fazem respiração aeróbica quando há
oxigênio e fermentação quando não há oxigênio) e anaeróbias/anaeróbias
obrigatórias (fazem fermentação ou respiração anaeróbica). Este último grupo
será o foco da aula.

Classificação das bactérias anaeróbias em relação a seu metabolismo


As bactérias anaeróbias não são igualmente sensíveis ao oxigênio, visto
que em alguns casos, o oxigênio pode ser tóxico a elas. Elas são subdivididas
de acordo com a sensibilidade em relação à tensão de oxigênio:
• Anaeróbias estritas: toleram tensões de oxigênio de até 0,5% (acima
dessa tensão, o oxigênio é tóxico para elas, levando à morte celular)
• Anaeróbias moderadas: toleram tensões de oxigênio de até 5-8%
• Anaeróbias aerotolerantes: são capazes de crescer na tensão de
oxigênio atmosférica normal, mas demoram mais para crescer. Crescem
mais rápido na ausência de oxigênio.

Esta diferente sensibilidade ao oxigênio pode ser explicada por três


fatores:
• O oxigênio é tóxico de forma indireta a estas bactérias devido à
formação de substâncias oxidantes, como O2- (ânion superóxido), OH- e
H2O2.
• O oxigênio é tóxico de forma direta a estas bactérias, visto que oxida
enzimas bacterianas em seu metabolismo
• Algumas destas bactérias apresentam carência/ausência de enzimas
como catalase e superóxido dismutase, que neutralizam os metabólitos
tóxicos produzidos pelo oxigênio.
190

Tipos morfológicos e comportamento tintorial pelo método de Gram


Há diversos gêneros e espécies das bactérias anaeróbias, as quais
podem apresentar diferentes tipos morfológicos (bacilos, cocos, bactérias
espiraladas e bactérias fusiformes) e diferentes comportamentos tintoriais ao
serem coradas pelo método de Gram (podendo ser Gram positivas ou Gram
negativas). A seguir, estão citados os principais gêneros de bactérias
anaeróbicas.
• Bacilos Gram-positivos não esporulados
o Actinomyces
o Proprionibacterium
o Bifidobacterium
o Eubacterium
o Lactobacillus
o Mobiluncus
• Bacilos Gram-positivos esporulados
o Clostridium
• Cocos Gram-positivos
o Peptostreptococcus
o Peptococcus
• Bacilos Gram-negativos (espiralados ou não)
o Bacteroides
o Porphyromonas
o Prevotella
o Fusobacterium
o Treponema
• Cocos Gram-negativos
o Veilonella

Anaeróbios predominantes da microbiota normal


A grande maioria dos anaeróbios a serem estudados são encontrados em
grande quantidade na microbiota humana, principalmente no intestino. No
intestino, há cerca de 1.000 bactérias anaeróbias obrigatórias para cada 1
anaeróbia facultativa.
Na tabela abaixo, é possível se observar onde cada espécie de bactéria
anaeróbica se localiza mais frequentemente e em maior quantidade:
191

Estas bactérias anaeróbias também podem estar localizadas no


organismo de outros animais.

TIPOS DE INFECÇÕES CAUSADAS POR BACTÉRIAS ANAERÓBICAS


Apesar de alguns destes microrgansimos serem encontrados em nossa
microbiota residente, outros podem causar doenças oportunistas.
As infecções causadas por bactérias anaeróbicas podem ser:

• Endógenas: quando a bactéria que está causando a doença é originária


da própria microbiota do indivíduo. Estas bactérias são chamadas de
anfibiônticas.
o As bactérias que causam as infecções anaeróbias endógenas são,
em sua grande maioria, anaeróbias moderadas ou aerotolerantes.
• Exógenas: são causadas por bactérias que não fazem parte da
microbiota residente do indivíduo, de modo que o indivíduo adquire esta
microbiota do meio externo. As principais doenças causadas por bactérias
anaeróbicas exógenas são:
o Tétano (causado pelo Clostridium tetani)
o Botulismo (causado pelo Clostridium botulinum)

Há duas infecções que podem ser ocasionadas tanto devido a bactérias


endógenas quanto devido a bactérias exógenas. São elas:

• Gangrena gasosa: causada pelo Clostridium perfringens e outros


• Colite pseudomembranosa: causada pelo Clostridium difficile
192

INFECÇÕES CAUSADAS POR BACTÉRIAS ENDÓGENAS

Dependendo da localização da doença e das características do processo


infeccioso que está ocorrendo, é capaz de se suspeitar que a infecção em
questão está sendo causada por uma bactéria anaeróbica ou não. Estas
infecções podem ocorrer devido à proximidade entre o sítio infectado e o sítio
natural de localização destas bactérias compondo a microbiota residente do no
nosso organismo.

OBS sobre a tabela acima: a boca é um sítio altamente povoado por bactérias
anaeróbicas; a pneumonia é chamada “de aspiração” pois as bactérias
anaeróbicas são provenientes do trato respiratório superior (esta situação ocorre
principalmente em pacientes acamados e que estão fazendo o uso de ventilação
mecânica);

Algumas das principais infecções causadas por bactérias endógenas


são:
• Doença periodontal: é uma doença grave, que pode levar à perda dos
dentes. Várias bactérias anaeróbias podem causar esta infecção, sendo
que infecções polimicrobianas são as mais comuns. Bactérias aeróbias
também podem participar deste processo.

• Pé diabético: é uma infecção muito comum que ocorre nos pacientes com
diabetes. Os pacientes com diabetes perdem parte da sensibilidade das
extremidades, de modo que facilmente se machucam e não percebem os
193

ferimentos. Estes ferimentos podem se contaminar com bactérias


anaeróbicas da própria pele do indivíduo ou do ambiente. A infecção por
bactérias anaeróbias aumenta a necrose, visto que estas bactérias
aumentam a produção de enzimas que destroem os tecidos. Quanto
maior a área de necrose, mais facilmente a bactéria anaeróbia se
prolifera.
o 60% das infecções encontradas nas feridas de pés diabéticos são
polimicrobianas. São lesões profundas ou com isquemia e áreas
de necrose. A presença de bactérias anaeróbias está relacionada
com o aumento da gravidade da infecção, causando maior risco de
amputação

• Gangrena gasosa (Mionecrose/ Mionecrose clostridial): é causada


principalmente pelo Clostridium perfringens, um bacilo Gram positivo que
produz uma série de enzimas (como hemolisinas e colagenases) e de
toxinas, as quais ajudam a destruir o tecido e aumentar a área de lesão.
Os pacientes com gangrena gasosa são graves pois realizam intensa
hemólise (devido à presença de hemolisina liberada pelas bactérias), de
modo que podem vir a óbito devido a esta condição. Muitas vezes, há a
necessidade de amputação do membro acometido para se salvar a vida
do paciente

o Uma das toxinas produzida é a alfa-toxina, que lisa a fosfolipase C


presente na membrana celular das células eucariotas. A atuação
desta toxina leva à lesão de vários tipos celulares.
o O tratamento é realizado pela antibioticoterapia e pelo
desbridamento cirúrgico da região acometida (dependendo da
região e do grau da lesão, realiza-se a amputação). Pode-se
194

realizar também o tratamento com oxigênio hiperbárico na tentativa


de se eliminar a bactéria anaeróbica.

• Fasciite necrosante: também é um quadro grave, no qual as bactérias


se localizam nas fáscias musculares (apesar de estarem neste local
específico, também produzem toxinas e enzimas que se disseminam pelo
organismo). As bactérias anaeróbicas que podem causar fasciite
necrosante são dos gêneros Bacteroides, Clostridium e
Petpstreptococcus. Além disso, este quadro também pode ser causado
por S. pyogenes e S.aureus.
o Tratamento: Também é importante a intervenção cirúrgica imediata
para a retirada dos tecidos lesionados e a antibioticoterapia

Características das infecções por anaeróbios:


• Odor fétido: as doenças causadas por bactérias anaeróbicas, como um
todo, apresentam odor fétido. Isto ocorre pois estas bactérias, durante o
processo de fermentação, produzem várias substâncias que apresentam
odor muito desgradável.
• Infecção nas proximidades de superfícies mucosas: como infecções
envolvendo a cabeça e pneumonias por aspiração, por exemplo.
• Presença de necrose tecidual: produzem enzimas e toxinas que matam
os tecidos
• Presença de gás em tecidos ou secreções: oriundo do metabolismo da
bactéria, que muitas vezes faz fermentação e libera CO2.
• As infecções podem ser decorrentes de mordida humana ou animal:
como há um grande número bactérias anaeróbias vivendo na boca, estas
bactérias podem ser introduzidas na derme da vítima no momento da
mordidia
• Podem ser decorrentes de tratamento prévio com aminoglicosídeos:
os aminoglicosídeos são uma classe de antimicrobianos que não atua
sobre bactérias anaeróbicas, visto que não conseguem penetrar na célula
destas bactérias. Isto ocorre porque os aminoglicosídeos necessitam de
uma proteína que funciona na presença de oxigênio para entrar na célula.
Este tratamento prévio com estes antimicrobianos elimina as bactérias
que usam oxigênio, de modo que as anaeróbias passam a predominar na
infecção.
• Podem estar presentes em infecções mistas (polimicrobianas): as
infecções polimicrobianas ocorrem quando há mais do que uma espécie
de bactérias anaeróbias na lesão ou uma mistura entre bactérias
anaeróbias e aeróbias
195

Sinergia bacteriana entre aeróbios e anaerobios


É bastante comum que existam bactérias aeróbias e anaeróbias juntas
em uma mesma infecção endógena. Isso é possível pois a bactéria aeróbia
cresce, usa o oxigênio e assim diminui a tensão de oxigênio local,
possibilitando o crescimento das anaeróbias. Esta “troca de favores”
realizada entre elas é chamada de sinergia.
Outra razão para que esta sinergia entre aeróbios e anaeróbios ocorra é
a inativação da atividade da imunidade celular do hospedeiro: algumas
bactérias produzem enzimas que podem lisar células de defesa, facilitando o
crescimento de outras bactérias. Isto também pode ocorrer em infecções onde
há duas espécies de bactérias anaeróbias.
Outra explicação para os casos de infecções polimicrobianas é a
produção de nutrientes (por um tipo de bactérias) que são utilizados por
outras bactérias, permitindo que as espécies coabitem. Exemplo disso é que
algumas espécies bacterianas produzem determinadas vitaminas que são
utilizadas por outras espécies microbianas (que normalmente não são capazes
de produzir estes compostos). Estas vitaminas podem ser utilizadas pelas
bactérias anaeróbias, que são nutricionalmente exigentes (precisam de maior
quantidade de vitaminas e aminoácidos disponíveis no meio).

Fatores predisponentes de infecções por anaeróbicos


Qualquer fator que contribua com a redução da tensão de oxigênio pode
favorecer o aparecimento de infecções por anaeróbios. Alguns exemplos são:
• Diminuição do fluxo sanguíneo (ex.: devido a diabetes)
• Presença de áreas necróticas (ex.: feridas que levam à necrose do tecido)
• Corpos estranhos (que podem comprimir vasos sanguíneos)
• Infecção por bactérias aeróbias ou anaeróbias facultativas (que usariam
o oxigênio e deixariam a sua tensão mais baixa, favorecendo a
proliferação das anaeróbias)
• Manipulações cirúrgicas
• Tumores (também podem comprimir vasos sanguíneos)

Fatores determinantes da progressão da doença


Os fatores que favorecem a patogênese das infecções causadas por
bactérias anaeróbicas são:
• Tamanho do inóculo: para que seja causada a infecção, uma quantidade
considerável de bactérias anaeróbias deve chegar ao seu sítio alvo
(podendo ser introduzida no local ou se deslocar até ele por
continguidade). Se apenas um pequeno número de bactérias chegar ao
196

local, a infecção não ocorre. Quanto maior o tamanho do inóculo, maior o


favorecimento do desenvolvimento da doença.
• Presença de fatores de virulência (como a produção de enzimas e
toxinas)
• Fatores predisponentes do hospedeiro: como uso prévio de
antimicrobianos que não atuam sobre bactérias anaeróbicas, uso de
ventilação mecânica, etc.

O único fator que favorece a saúde/cura da doença é a resistência do


hospedeiro. A maioria das infecções anaeróbias ocorrem em pacientes
hospitalizados, os quais por muitas vezes encontram-se com o sistema
imunológico debilitado (o que favorece a progressão das infecções anaeróbicas
endógenas).

Anaeróbios mais comumente isolados de infecções em seres humanos


As principais bactérias anaeróbias endógenas que causam infecções nos
seres humanos são:
• Bacteroides sp. do grupo fragilis (principalmente a espécie B. fragilis)
• Prevotella sp e Porphyromonas sp.
• Fusobacterium nucletaum
• Peptostreptococcus sp
• Clostridium perfringens e Clostridium ramosum
Estes microrganismos são membros da microbiota residente, sendo
chamados de anfibionticos (por estarem na microbiota e por também poderem
causar doenças).

Diagnósticos de infecções causadas por bactérias anaeróbias endógenas


A cultura é o padrão ouro para a identificação de bactérias anaeróbias,
mas muitos laboratórios não realizam este exame rotineiramente (visto que a
cultura para bactérias anaeróbias é um método trabalhoso e caro).
197

Para se realizar a cultura, deve-se obter uma amostra significativa de


material biológico do sítio infectado, a qual pode ser submetida a um exame
direto (bacterioscopia) ou indireto (cultura). Deve-se tomar alguns cuidados
na obtenção da amostra clínica para que assim não sejam cultivados
microrganismos da microbiota residente. Devido a isso, devem ser tomados
cuidados tanto no momento da coleta quanto no momento do transporte (visto
que, se essa amostra clínica for exposta ao oxigênio atmosférico, algumas
bactérias anaeróbias podem vir a morrer). A amostra deve ser transportada em
até 30 minutos para o laboratório (frente a um intervalo de tempo superior, deve-
se utilizar um meio de transporte no material colhido, o qual mantém a amostra
viável até chegar ao laboratório). Também podem ser utilizadas embalagens que
diminuem a tensão de O2.
Após serem feitas as placas de cultivo, estas placas devem ser
armazenadas no interior de uma jarra, chamada de Jarra de Gaspak ou de Jarra
de anaerobiose. As placas são colocadas juntamente a um gerador de
anaerobiose no interior da jarra. O gerador de anaerobiose consiste em
substâncias químicas que reagem com o oxigênio que está dentro da jarra
(consumindo-o). Alguns geradores possuem um indicador para mostrar se o
oxigênio dentro da jarra já foi consumido ou não (como o azul de metileno, que
muda de cor se isso ocorre). As jarras só podem ser abertas após 48h que foram
fechadas (visto que, ao se abrir a jarra, o o oxigênio pode entrar e inibir o
crescimento das bactérias que estão se multiplicando nas placas). Após ser
formada, esta jarra é incubada em uma estufa com temperatura a 35-37ºC.
198

Uma outra forma de se cultivar bactérias anaeróbicas é utilizando-se


câmaras de anaerobiose (sendo esta uma metodologia mais cara). Estas
câmaras também possuem a sua temperatura controlada. Há uma mistura de
N2, H2 e CO2 no interior destas câmaras, sendo que elas são utilizadas
principalmente no manejo de bactérias anaeróbicas estritas. Como a maioria das
bactérias que causam as infecções por anaeróbios endógenos são geralmente
anaeróbias moderadas ou aerotolerantes, o cultivo que passa pelas Jarras de
anaerobiose já é normalmente suficiente para que as colônias sejam obtidas

Após a obtenção das colônias, deve-se realizar a identificação das


espécies dos microrganismos. As bactérias anaeróbicas são nutricionalmente
exigentes, de modo que devem ser utilizados meios ricos em nutrientes
(principalmente meios acrescidos de sangue) para que elas sejam cultivadas.
Alguns exemplos de amostras clínicas utilizadas para a identificação de
anaeróbios são:

Os escarros e aspirados endotraqueais não são utilizados no diagnóstico


de infecções pulmonares, visto que as amostras obtidas por estes métodos
passam por sítios colonizados, como a boca. Ao se utilizar swabs, deve-se
utilizar também meios de transporte.
199

A maioria dos swabs não são aceitos para a avaliação de bactérias


anaeróbias. Isto ocorre porque eles normalmente são obtidos de sítios onde
naturalmente há bactérias anaeróbias (como oro e nasofaringe), além de serem
mantidos em aerobiose antes de serem levados aos laboratórios, o que causa a
morte das bactérias anaeróbicas.

Tratamento das infecções causadas por anaeróbios


A grande maioria das bactérias anaeróbias ainda é sensível à penicilina
G, o que facilita o tratamento das infecções anaeróbicas mesmo sem o
diagnóstico laboratorial. Todaiva, algumas espécies do gênero Bacteroides
(como Bacteroides fragilis) têm apresentado resistência à penicilina G.
Além da penicilina, outros antimicrobianos podem ser utilizados, como:
• Cloranfenicol
• Clindmaicina
• Tetraciclinas
• Metronidazol

A tabela abaixo mostra a atividade de diferentes antimicrobianos no


tratamento das infecções por anaeróbios.

Bacteroides fragilis não é uma espécie, mas sim um complexo que


envolve várias espécies de bactérias anaeróbias.

INFECÇÕES POR BACTÉRIAS EXÓGENAS


Nestes casos, as infecções são causadas por bactérias que encontram-
se no meio externo. As duas doenças causadas por bactérias anaeróbias
exógenas que serão estudadas são Tétano e Botulismo.
200

TÉTANO
O tétano é uma doença rara na atualidade, visto que a grande maioria da
população é vacinada contra esta doença. O Clostridium tetani é um bacilo
Gram-positivo, móvel e que produz esporos (que são formados na porção final
dos bacilos, fazendo com que eles possuam aspecto de raquete de tênis; os
esporos se soltam dos bacilos posteriormente).

Transmissão
A transmissão da doença se dá pela contaminação de ferimentos com
esporos de C. tetani. Apesar de esta bactéria ser sensível à presença do
oxigênio atmosférico (por ser anaeróbica), o esporo consegue sobreviver em
ambientes com tensão normal de oxigênio por anos.

Patogenia
O esporo introduzido no ferimento germina e produz a célula vegetativa,
a qual se multiplica e passa a produzir uma neurotoxina (chamada de
tetanospasmina). Esta toxina cai na corrente sanguínea e passa a disseminar-
se pelo organismo. O C. tetani não se dissemina para outros sítios, ficando
restrito ao local inicial do ferimento, onde normalmente há baixa tensão de
oxigênio.
Ao chegar às placas neuromusculares, a toxina tetânica bloqueia a
transmissão dos impulsos dos interneurônios. Normalmente, o interneurônio
libera glicina sobre o neurônio motor, inibindo a liberação de acetilcolina,
causando a distensão/relaxamento do músculo. Na vigência do tétano, a toxina
tetânica se liga aos interneurônios, impedindo a liberação da glicina e
permitindo assim a liberação de acetilcolina pero neurônio motor, de modo que
o músculo permanece contraído.
201

A ligação da toxina tetânica ao interneurônio é irreversível. Causa uma


paralisia chamada de espástica ou hipertônica.

Sintomatologia
As primeiras manifestações do tétano são as contrações intensas da
musculatura facial, ocasionando um quadro chamado de trismo ou risus
sardonicus. Esta manifestação ocorre primeiro pois os grupos musculares
menores são atingidos por completo mais rapidamente. Também podem ser
notadas dificuldades de deglutição.

Quando os grandes grupos musculares do paciente são atingidos, ele


pode passar a apresentar a posição do opistótono, na qual o indivíduo fica
encurvado, apoiando-se sobre a sua cabeça e os calcanhares. Este quadro é
dificilmente revertido, de modo que se o paciente chega a apresentar a posição
do opistótono, normalmente evolui a óbito.
202

O paciente também pode apresentar convulsões. Normalmente, os


pacientes que vêm a óbito têm este destino devido ao acometimento dos
músculos ligados à respiração.
A taxa de mortalidade dos neonatos infectados pelo tétano chega a
cerca de 90%.
Os sintomas costumam aparecer após cerca de 7 dias da contaminação
da lesão.
Existe uma vacina contra o tétano. Os esporos de C. botulini podem estar
presentes tanto em metais quanto em outros objetos, como cacos de vidro,
madeira, pedaços de móveis, etc. É comum aparecerem casos de tétano após
episódios de enchentes (a água pode ser contaminada por outros objetos, sendo
capaz de contaminar os indivíduos).

Tétano nos neonatos


Os neonatos contaminados com tétano podem apresentar os seguintes
sinais e sintomas:

• Choro constante
• Inquietação
• Dificuldade em abrir a boca para mamar
• Contração da boca, ficando em formato de bico
• Dificuldade em respirar
• Taquicardia
• Repuxamento do corpo devido à contração dos músculos que pode
ocorrer frente a estímulos, como toque, luz, barulho, etc.
• Mão fechada
• Pode apresentar a posição do opstótono

No caso do neonato, a porta de entrada do esporo geralmente é a ferida


umbilical. A ferida umbilical fica necrosada frente à contaminação, que pode
ocorrer por esporos presentes na poeira ou em folhas (que os indivíduos
depositam sobre o umbigo das crianças).
Pode ser encontrado pus no local da ferida, mas normalmente ela já está
seca. Também pode estar presente o mal cheiro. O bebê pode apresentar ou
não febre .
203

Os bebês filhos de mães imunizadas estão protegidos contra esta doença


até os 2 primeiros meses de vida devido à imunização passiva materna. A partir
do segundo mês de vida, é importante que a criança também seja vacinada.

Tratamento
O tratamento do tétano é normalmente realizado com o soro
antitetânico. Dependendo da extensão da ferida, é importante se realizar o uso
de antibióticos para se eliminar as células vegetativas do C. tetani que estão
produzindo a toxina (mas lembre-se que o uso isolado de antibióticos não cura
o tétano, visto que o que realmente causa a doença e as suas manifestações
clínicas é a circulação das neurotoxinas). Deve-se administrar o soro antitetânico
para que assim seja possível ocorrer a neutralização das toxinas circulantes.
O tratamento, se não realizado de maneira tardia, pode prevenir a morte
do paciente e também prevenir o desenvolvimento de sequelas (como a ligação
da toxina é irreversível, pode ocorrer a paralisia de alguns músculos).

Prevenção
Ocorre principalmente por meio da vacinação. O indivíduo deve tomar
doses de reforço da vacina a cada 10 anos. A vacina anti-tetânica pode ser
aplicada sozinha, mas esta vacina é normalmente disponibilizada junto a outras
vacinas, como é o caso da tríplice bacteriana (BPT), que previne contra o
desenvolvimento da difterina, tétano e coqueluche.
A vacina anti-tetânica deve ser administrada de forma isolada (fora da
tríplice bacteriana) nos casos nos quais o indivíduo chega ao hospital com a
sintomatologia do tétano e não lembra se está em dia com a sua vacinação ou
não. Também é utilizada nas gestantes.

BOTULISMO
É uma doença grave, mas rara. É causada pelo Clostridium botulinum,
bacilo Gram positivo anaeróbio, móvel, com esporo oval central ou subterminal
(localizado próximo ao poro da célula). Esta bactéria também produz uma
neurotoxina, a toxina botulínica.
204

Na forma clássica do botulismo, ocorre um quadro de intoxicação


alimentar. Neste quadro, a bactéria cresce no alimento, produz a toxina e o
indivíduo ingere a toxina pré-formada.
Há também outras formas de botulismo além da forma clássica, como:
• Botulismo do lactente: ocorre quando a criança ingere o esporo. Este
esporo germina no intestino, produzindo a célula vegetativa, que
produzirá a toxina. A toxina cai na corrente sanguínea e é capaz de chegar
aos neurônios, onde é capaz de exercer a sua ação neurotóxica.
• Botulismo de feridas: a contaminação ocorre de maneira semelhante ao
tétano. O indivíduo sofre um traumatismo, e este ferimento é contaminado
com esporos de C. botulinum. Estes esporos germinam no ferimento,
produzem a célula vegetativa e então passam a produzir a toxina, que cai
na corrente sanguínea e se espalha pelo organismo. O C. botulinum fica
localizado apenas onde há o ferimento, não se disseminando.

Patogênese
As manifestações clínicas da doença ocorrem devido à ação das
neurotoxinas. Existem vários tipos desta neurotoxina, sendo o A, B, E e F os
mais presentes em doenças em seres humanos. A ação desta neurotoxina leva
a uma paralisia flácida, na qual o músculo permanece constantemente
relaxado.
A toxina botulínica se liga ao neurônio motor, impedindo a liberação da
acetilcolina na fenda sináptica. Como a ligação da acetilcolina à placa motora
promove a contração muscular, a sua não ligação promove um relaxamento,
levando a uma paralisia flácida.

Este relaxamento muscular provocado pela toxina botulínica é irreversível.


205

Diagnóstico
O diagnóstico do Botulismo é normalmente um diagnóstico clínico que
se baseia nos sinais e sintomas do paciente. Os músculos da face são os
primeiros a sofrerem a paralisia por completo. Os principais sintomas são queda
das pálpebras, dificuldade de deglutição, visão turva, visão dupla, dificuldade
para falar, boca seca, tontura, sonolência e fraqueza muscular. A doença pode
evoluir e passar a acometer outros nervos do organismo, sendo que a morte
ocorre devido à paralisia dos músculos da respiração.
Não se pode realizar o diagnóstico laboratorial na maioria das vezes, visto
que nos casos clássicos o microrganismo não está infectando o indivíduo (já que
a toxina é ingerida na forma pré-formada)

Tratamento
É feito com a anti-toxina botulínica, que neutraliza a toxina cirulante.
Também deve-se realizar o tratamento de suporte, utilizando medicamentos
específicos (que podem aliviar a sintomatologia do paciente) e proporcionando
o suporte ventilatório se necessário.

Prevenção
A prevenção da doença é muito importante, visto que ainda não existe
vacina contra o botulismo. Os alimentos que são mais frequentemente
contaminados pela neurotoxina do C. botulinum são principalmente os
enlatados. Estes alimentos são embalados a vácuo, de modo que não há
oxigênio dentro da lata – devido a isso, se este alimento estiver contaminado
com esporos de C. botulinum, a bactéria pode passar a produzir a neurotoxina,
que será ingerida pelo indivíduo. Poucos esporos de C. botulinum já são
suficientes para produzir níveis de toxinas capazes de provocar alterações
biológicas intensas. As células vegetativas podem morrer no interior dos
enlatados, mas as toxinas persistem nos alimentos e acabam sendo ingeridas
posteriormente.
Se o alimento for aquecido, a toxina botulínica é destruída (é uma proteína
termolábel).
No botulismo do lactente (botulismo alimentar), o indivíduo ingere o
esporo, e não a toxina. Este tipo de botulismo foi mais frequentemente associado
ao consumo de mel. Devido a isso, crianças com menos do que 1 ano de idade
ou adultos com alguma alteração na microbiota intestinal não devem consumir
mel (visto que nestes casos de menor quantidade da microbiota, as células
vegetativas do C.botulinum podem se multiplicar com maior facilidade no interior
do intestino).
206

PRINCIPAIS DOENÇAS CAUSADAS POR CLOSTRÍDIOS


O quadro abaixo mostra as principais doenças causadas por clostrídios.
Algumas das espécies pertencentes a este gênero podem causar infecções
endógenas, enquanto outras espécies podem causar infecções exógenas.
As doenças causadas pelas bactérias pertencentes a este gênero estão
muito relacionadas com a produção de toxinas. Alguns microrganismos destes
gêneros invadem tecidos, e outros não.

Devido ao seu efeito de relaxamento muscular, a toxina botulínica vem


sendo utilizada na medicina para o tratamento de doenças e em procedimentos
estéticos (sendo utilizada para suavizar linhas de expressão). São utilizadas
versões menos potentes desta toxina, além de serem administradas em doses
muito pequenas e de maneira superficial.
Nos casos de infecções por C. difficile e C. perfringes, as infecções podem
ser causadas por bactérias endógenas ou exógenas (visto que estes
microrganismos são encontrados tanto no intestino quanto no ambiente). No
caso da colite pseudomembranosa, a toxina envolvida é uma citotoxina, que
leva a lise celular dos enterócitos. Na gangrena gasosa, a toxina de importância
é a alfa-toxina, que possui efeito de destruir a célula eucariota (é uma lecitinase
– quebra a lecitina presente na membrana celular da célula eucariota). O C.
difficile se multiplica apenas no intestino (é uma infecção localizada). Na
gangrena gasosa, por sua vez, ocorre invasão dos tecidos.
Há casos de intoxicações intestinais provocadas pela produção de
enterotoxinas pelo C. perfringens. Esta enterotoxina interfere no transporte de
água, sódio e cloreto, levando a um quadro de diarreia. Neste caso, não há a
invasão de tecidos vivos pela bactéria: apenas a enterotoxina penetra no
enterócito, causando alterações no transporte de água e eletrólitos.
207

BACILOS GRAM-NEGATIVOS
Medusa - 86

Parede celular das bactérias Gram-negativas (revisando)


A parede celular das bactérias Gram-negativas é formada por uma
membrana externa e pelo periplasma, espaço localizado entre a membrana
externa e a membrana citoplasmática. O periplasma é formado principalmente
por peptideoglicanos, sendo que estas moléculas estão presentes em menor
quantidade do que nas bactérias Gram positivas.
A membrana externa da parede celular das bactérias Gram-negativas
apresenta LPS (lipopolissacarídeos). Os LPS são moléculas formada por uma
fração lipídica (que fica ancorada à membrana externa) e uma fração de
carboidratos (que fica exteriorizada). Além dos LPS, a membrana externa das
bactérias Gram-negativas também possui fosfolipídios, lipoproteínas, porinas e
outras proteínas.

Classificação dos BGN


Os bacilos Gram negativos são divididos em 2 grandes grupos:

• Fermentadores: são anaeróbios facultativos


o Família Enteorbacteriaceae
o Família Vibrionaceae
• Não fermentadores: são aeróbios
o Família Pseudomonadaceae
o Outros

Os bacilos fermentadores realizam tanto fermentação quanto respiração


aeróbica. Em ambos os processos, a glicose é degradada e forma-se o ácido
pirúvico. Dependendo do conteúdo enzimático do BGN, o ácido pirúvico pode
entrar no CK ou na fermentação.
208

Os BGN realizam processos de fermentação mista: além de produzir o


ácido láctico, produzem também outros produtos, como etanol, ácido fórmico,
ácido succinico, etc (dependendo do gênero do BGN, ele pode produzir algum
destes outros produtos). Nos casos de formação de ácido fórmico, há espécies
que apresentam enzimas que realizam a lise desta molécula, causando a
formação de CO2 e H2. Estes ácidos produzidos podem ser identificados em
laboratórios, principalmente no meio de MacConkey.

Bacilos nutricionalmente exigentes e/ou menos frequentes


Além da classificação em fermentadores e não fermentadores, há também
outra classificação, que abarca bacilos nutricionalmente exigentes e/ou
menos frequentes em doenças nos seres humanos. Estes bacilos crescem em
meios de cultura que sejam nutricionalmente ricos, como os meios que contêm
sangue.
Um destes gêneros de bacilos nutricionalmente exigentes é o
Haemophilus. Há duas espécies importantes deste gênero que causam
doenças em seres humanos:
• Haemophilus ducreyi: causa cancro mole/cancroide (é uma IST)
• Haemophilus influenzae: causa meningites, pneumonias, bacteremia,
bronquites, epiglotites, otites, etc. Existem vacinas contra estre
microrganismo.

O Haemophilus influenzae é um bacilo encapsulado, sendo que a


variação de seus antígenos capsulares permite a presença de 6 sorotipos
diferentes (A-F) dentro desta espécie. O sorotipo B é responsável por causar a
maioria das infecções por Haemophilus (sendo que a vacina contra H. influenzae
é voltada para este sorotipo).
O Haemophilus é um microrganismo nutricionalmente exigente. Os
fatores que necessariamente devem estar presentes no meio de cultura para que
ele consiga se desenvolver são o Fator V (NAD) e o Fator X (hemina), fatores
que estão normalmente presentes no sangue. Desta forma, se amostras de
Haemophilus forem semeadas em ágar sangue ou em um meio contendo os dois
fatores, o microrganismo é capaz de crescer e formar colônias.
209

BGN FERMENTADORES
As famílias de BGN fermentadores são:

• Vibrionaceae: engloba os seguintes gêneros:


o Vibrio
o Aeromonas
o Plesiomonas
• Enterobacteriaceae: os gêneros mais importantes são:
o Escherichia
o Shigella (unicamente patogênico)
o Salmonella (unicamente patogênico)
o As enterobactérias são responsáveis por 70-80% das infecções
causadas por BGN.
o Algumas espécies fazem parte da microbiota residente do intestino
(como algumas cepas de Escherichia) e outras são estritamente
patogênicas, causando doenças no intestino (como Shigella e
Salmonella)
o Esta família é formada por 150 espécies, mas apenas 20 são mais
comumente encontradas causando doenças nos seres humanos
Nesta aula, será estudada a família Enterobacteriaceae.
210

FAMÍLIA ENTEROBACTERIACEAE
Algumas das bactérias pertencentes a este grupo fazem parte da
microbiota residente do intestino de animais e do homem, enquanto outras são
estritamente patogênicas, e outras vivem no ambiente (são ubíquas).
A maioria das espécies de bactérias pertencentes a este grupo é móvel
(apresenta flagelos) e não formam esporos. Todos os microrganismos
pertencentes a esta família são anaeróbios facultativos. São citocromo oxidase-
negativos. Todos fermentam a glicose, produzindo ácido e/ou gás.
Alguns microrganismos desta família fermentam a lactose, sendo esta
uma característica diferencial:
• Gêneros Lac +: Escherichia, Klebsiella e Enterobacter
• Gêneros Lac x: fermentam a lactose, mas fazem isso mais lentamente.
Exemplos de representantes deste grupo são os gêneros Serratia,
Providencia, Citrobacter e Hafnia
• Gêneros Lac -: Proteus, Shigella e Salmonella
Estes microrganismos são cultivados em meios de cultura comuns (não
são exigentes nutricionalmente). Crescem rapidamente e conseguem produzir
praticamente todos os nutrientes necessários ao seu metabolismo. Também
conseguem crescer em meios seletivos e diferenciais (como em ágar
MacConkey)
No Brasil, os gêneros pertencentes a esta família que mais
frequentemente causam infecções nos seres humanos são Escherichia,
Salmonella e Shigella. Devido a isso, se é solicitado um exame de coprocultura
sem suspeita clínica indicada no pedido, realiza-se a procura destes 3 gêneros
de bactérias.

MÉTODOS DE IDENTIFICAÇÃO DOS GÊNEROS DA FAMÍLIA


ENTEROBACTERIACEAE
Para se realizar a identificação dos gêneros e espécies dos
microrganismos pertencentes à família Enterobacteriaceae, podem ser utilizados
os métodos de provas bioquímicas, sorotipagem ou fagotipagem.
• Provas bioquímicas: são métodos para classificação dos
microrganismos nos quais são pesquisadas enzimas produzidas por estes
microrganismos. São fornecidos substratos no meio de cultura, e observa-
se se as bactérias da amostra realizam ou não a metabolização destes
substratos.
o Na família Enterobacteriaceae, a utilização de apenas provas
bioquímicas não é suficiente para a caracterização do
microrganismo.
211

• Sorotipagem: método que realiza a pesquisa de antígenos localizados


na superfície dos microrganismos (como antígenos capsulares,
flagelares, etc). Este método permite identificar não apenas diferentes
espécies de bactérias, mas também diferentes sorotipos dentro de uma
mesma espécie. A sorotipagem é utilizada, por exemplo, para se
identificar se uma determinada linhagem X de E.coli é residente ou
enteropatogênica.
o Na família Enterobacteriaceae, realiza-se a pesquisa de antígenos
O (antígenos somáticos), que são antígenos presentes na cadeia
polissacarídica do LPS. Todos os BGN apresentam o antígeno O.
o Outros antígenos que podem ser identificados são os antígenos K
(antígenos capsulares, que podem ser tanto polissacarídeos
quanto proteínas). Alguns exemplos de antígenos K são:
▪ E.coli K1: mais encontrados em amostras de E.coli que
causam meningite neonatal
▪ Klebsiella K1 e K2: mais encontrados em infecções das vias
respiratórias
▪ Klebsiella K8, K9, K10 e K24: são mais encontrados em
infecções das vias urinárias
o Antígenos flagelares também podem ser identificados pela
sorotipagem. Estes antígenos são proteicos e são chamados de
antígenos H
o Um exemplo de classificação antigênica da E. coli é O55:K5:H21.
Há amostras que não possuem cápsula nem/ou flagelo (neste
caso, não apresentam O nem/ou H em sua classificação)
o A sorotipagem também é utilizada para se descobrir a fonte de
bactérias que provocam surtos, como os surtos de pneumonia
causados por Klebsiella em enfermarias hospitalares.

• Fagotipagem: neste método, utiliza-se bacteriófagos para se identificar


as bactérias. Este método de identificação é grandemente utilizado na
identificação de Salmonella. Para realizar-se a fagotipagem, é feita uma
semeadura da amostra da bactéria em uma placa, dividindo-se esta placa
em seguida em uma malha quadriculada. Após isso, aplica-se uma gota
contendo determinado bacteriófago X em um dos quadradinhos, uma gota
do bacteriófago Y em outro quadradinho, uma gota do Z em outro, etc (de
modo que vários tipos de bacteriófagos entrem em contato com a
amostra). Os bacteriófagos que forem capazes de infectar as bactérias
causarão a lise destas células procariotas, e com isso serão visualizados
halos claros na placa. A partir disso, a bactéria é classificada de acordo
com os bacteriófagos (fagotipos) que foram capazes de causar a sua lise.
212

FATORES DE VIRULÊNCIA DA FAMILIA ENTEROBACTERIACEAE


Alguns dos fatores de virulência apresentados pelas bactérias
pertencentes à família Enterobacteriaceae são:

• Adesinas
• Invasinas: alguns BGNs conseguem invadir células
• Enzimas (ex.: hemolisinas)
• Exotoxinas
• Endotoxinas (LPS)
• Cápsula: os antígenos capsulares podem variar dentro de uma mesma
espécie (este fenômeno é chamado de variação de fase antigênica – é
um mecanismo de evasão ao sistema imunológico)
• Resistência aos antimicrobianos.

TOXINAS PRODUZIDAS POR BGN DA FAMÍLIA ENTEROBACTERIACEAE


• Exotoxinas: são formadas e secretadas pelas bactérias.
o E.coli: há diversos tipos de E.coli, e dois deles só conseguem
causar infecção intestinal pois produzem enterotoxinas (toxinas
que possuem atividade nos enterócitos). Há a produção tanto de
uma enterotoxina termolábil quanto a produção de uma
enterotoxina termoestável. Ambas as enterotoxinas são
codificadas por informações genéticas contidas em plasmídios.
▪ Estas enterotoxinas possuem mecanismo de ação muito
semelhante. Ambas apresentam duas subunidades: A (que
possui atividade enzimática) e B (que possui função de
adesão à célula eucariota pelo reconhecimento da molécula
de GM-1). Quando a subunidade B se liga a este receptor,
ocorre a entrada da subunidade A na célula, a qual é capaz
de ativar adenilato-ciclase e aumentar AMPc, causando
uma maior secreção de água e de eletrólitos pelos
enterócitos, levando a quadros de diarreias. A E.coli não
penetra no enterócito, mas a enterotoxina sim.
213

o Shigella dysenteriae: produz toxina shiga, a qual inibe síntese


proteica das células que invade.

• Endotoxinas: só são liberadas com a lise da bactéria, visto que fazem


parte da estrutura bacteriana
o Lipídio A: é a parte lipídica do LPS, sendo responsável pela
toxicidade da molécula de LPS. O Lipídio A fica mergulhado na
membrana externa, não sendo detectado pelo sistema imune
quando a bactéria está integra. Com a lise da célula bacteriana, ele
é exposto, e com isso uma série de citocinas pró-inflamatórias e o
C3 da cascata do complemento são estimulados. As citocinas
ativadas levam aos efeitos clínicos de febre, hipotensão,
leucopenia, diminuição da perfusão de órgãos essenciais e
ativação de C3. Os efeitos clínicos decorrentes da ação do Lipídio
A e das moléculas por ele ativadas podem ser leves ou severos
(neste último caso, pode ocorrer coagulação intravascular
disseminada, levando a óbito).
o O Polissacarídeo O específico encontrado na extremidade da
cadeia de carboidratos do LPS não possui atividade tóxica (não é
uma endotoxina), mas é uma proteína importante na sorotipagem
das bactérias. A parte central da cadeia do LPS é comum a todas
as amostras dentro de uma mesma espécie

PATOGENIA DAS ENTEROBACTÉRIAS


As enterobactérias são responsáveis por 70-80% das infecções causadas
por BGNs. As enterobactérias podem causar infecções intestinais ou infecções
oportunistas.
As infecções intestinais são causadas pelas espécies
enteropatogênicas (também chamadas de diarreinogênicas) da família
Enterobacteriaceae. As principais espécies enteropatogênicas desta família são:
214

• Escherichia coli: apenas alguns sorotipos são patogênicos


• Shigella sp.
• Salmonella sp.: alguns sorotipos de algumas espécies, além de causarem
infecções intestinais, causam também lesões em outros órgãos,
agravando o quadro.
• Yersinia enterocolítica
As infecções oportunistas são causadas por BGNs que fazem parte da
microbiota residente. Estes microrganismos saem do intestino e atingem outros
sítios, onde passam a causar infecções. As infecções oportunistas ocorrem
principalmente em pacientes hospitalizados e/ou com baixa resistência
imunológica. Qualquer enterobactéria residente pode cau sar infecções
oportunistas. Exemplos de infecções oportunistas são: infecções urinarias,
meningites, bacteremias, pneumonias, endocardites e infecções de feridas.

INFECÇÕES INTESTINAIS
As infecções intestinais são normalmente causadas por vírus, mas
também podem ser causados por bactérias. Os principais patógenos
bacterianos capazes de causar infecções intestinais no Brasil são:
• E. coli
• Salmonella sp.
• Shigella sp.
• Yersinia sp.
• Vibrio parahemolyicus
• Vibrio cholerae
• Campylocabter sp.: é espiralado, e não BGN (todas citadas acima são
BGNs, sendo as 4 primeiras pertencentes à família Enterobacteriaceae e
os 2 ultimos à família Vibrionace).
• Clostridium perfingens: é um BGP
• Bacillus ceres: é aeróbia
Algumas destas bactérias possuem reservatórios animais, enquanto
outras não.

TRANSMISSAO
Normalmente, estas bactérias são transmitidas devido à ingestão de
água ou alimentos contaminados com fezes humanas ou fezes de animais
(visto que estes microrganismos são encontrados na microbiota intestinal tanto
de humanos quanto de animais). São DTAs (doenças transmitidas por água e
alimentos) Eventualmente, as mãos contaminadas ou o contato interpessoal
também podem funcionar como formas de transmissão.
Em alguns dos casos, o individuo pode ingerir a toxina já formada (como
é o caso da E.coli enterotoxigênica).
215

Ao chegar ao intestino, a bactéria que foi ingerida passa a causar lesões


(seja de maneira direta ou pela produção de toxinas).
São infecções muito comuns e que normalmente ficam sem diagnóstico
(não se realiza diagnostico laboratorial para saber se a infecção está sendo
causa por vírus ou bactérias). São normalmente autolimitadas, mas podem
levar à morte principalmente nos extremos de idade (devido à desidratação).

DEFESAS INESPECÍFICAS CONTRA INFECÇÕES NO TGI


Existem barreiras inespecíficas no nosso organismo que atuam
eliminando os microrganismos ingeridos, impedindo que eles invadam os
tecidos. Algumas destas defesas são:
• Boca: há a presença de lisozimas, que causam a lise das bactérias.
• Estômago: a presença do pH ácido leva à morte da maioria das bactérias
ingeridas (OBS: A Shigella é altamente resistente ao pH ácido).
Deficiências na produção de HCl levam a maior propensão ao
desenvolvimento de infecções do TGI
• Intestinos: a microbiota residente presente no intestino delgado e no
intestino grosso promove a competição com os microrganismos
invasores. A presença do muco também ajuda na função de proteção de
mucosas. A secreção da bile leva à morte de algumas bactérias. A
substituição do epitélio intestinal ocorre frequentemente, e é isso o que
faz com que muitas das infecções por bactérias intestinais sejam
autolimitadas.

AGENTES CAUSADORES DE INFECÇÕES INTESTINAIS NOS PAISES EM


DESENVOLVIMENTO
Os principais agentes microbianos responsáveis por provocar infecções
intestinais nos países em desenvolvimento são:

• EPEC (E.coli enteropatogênica)


• ETEC (E.coli enterotoxigênica)
• Rotavírus
• Causas desconhecidas
• Cryptosporidium
• Shigella
• Salmonella
• Vibrio cholerae
• Campylobacter
As proporções mostradas no gráfico abaixo podem variar para cada
região no mundo:
216

TERMOS EMPREGADOS PARA DESCREVER AS INFECÇÕES DO TGI

• Gastroenterite: síndrome caracterizada por sintomas como náusea,


vômito, diarreia e desconforto abdominal
• Diarreia: é a principal manifestação clínica das infecções intestinais.
Consiste em uma descarga fecal anormal, caracterizada por fezes
frequentes e/ou liquidas. Geralmente resulta de lesão no intestino
delgado, e conta com uma perda importante de fluidos e eletrólitos.
Quando há diarreias sem a invasão do tecido pelas bactérias,
normalmente o processo é decorrente da liberação de um toxina (a qual
é capaz de entrar nos enterócitos – isso é o que ocorre na infecção
causada pela E.coli enterotoxigênica). Quando não há a invasão dos
tecidos pelas bactérias, dificilmente ocorre o desenvolvimento de uma
resposta imunológica intensa, de modo que o paciente em questão não
apresenta febre (ou apresenta uma febre muito baixa).
• Disenteria: caracteriza uma doença inflamatória do TGI, na qual há
invasão e destruição tecidual do intestino grosso. Frequentemente está
associada à presença de sangue e pus nas fezes, podendo ser
acompanhada de sintomas como dor, febre, cólicas.
• Enterocolite: é um termo mais abrangente, que se refere à inflamação e
invasão do tecido intestinal (podendo ocorrer tanto no intestino delgado
quanto no intestino grosso, ou em ambos).

DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DAS BACTÉRIAS DA FAMÍLIA


ENTEROBACTERIACE
Microscopia direta – coloração de Gram
217

Deve-se primeiramente obter a amostra clínica, que deve ser


representativa do sítio infectado (como fezes, líquor, urina, etc). A amostra é
então enviada ao laboratório.
Pode-se realizar microscopia direta e coloração pelo método de Gram,
sendo observados bacilos Gram-negativos corados. Não se deve realizar a
microscopia direta quando esta amostra é proveniente de sítios altamente
colonizados (ex.: intestino), visto que os BGN são encontrados normalmente
nestes sítios mesmo em indivíduos saudáveis. Todavia, se a amostra clínica for
proveniente de um sitio estéril (ex.: liquor), pode-se realizar a microscopia direta.
Desta forma, conclui-se que a realização da microscopia direta depende do tipo
de amostra clínica (se é proveniente de um sítio colonizado ou de um sítio
estéril).

Cultivo/Isolamento
A realização de culturas deve ser feita em meios seletivos e diferenciais
ou em meios altamente seletivos:

• Meios seletivos e diferenciais (apropriados para o crescimento de BGN)


o Ágar MacConkey
▪ É um meio de cultura seletivo para bactérias Gram
negativas. Este meio contém lactose e indicadores de pH
(substâncias que mudam a sua cor dependendo do pH do
ambiente). Alguns BGN são capazes de realizar a
fermentação da lactose, produzindo metabólitos ácidos, os
quais são capazes de mudar a coloração do indicador de
pH. Com isso, as colônias que realizam a fermentação da
lactose ficam vermelhas, e as que não realizam ficam
incolores.

▪É seletivo para BGN, mas para BGN que não são


nutricionalmente exigentes.
o Ágar eosina-azul de metileno
218

• Meios altamente seletivos: são utilizados especialmente durante a


coprocultura. Estes meios inibem as bactérias Gram positivas e algumas
espécies de BGN, sendo selecionados para o crescimento das espécies
patogênicas de microrganismos intestinais
o Ágar SS: utilizado para se isolar Salmonella e Shigella
o Ágar desoxicolato-citrato
o Ágar Hektoen
o Ágar sulfito de bismuto: é altamente seletivo para Salmonella
typhi, um sorotipo de Salmonella que causa uma doença mais
grave.

As culturas podem ser realizadas após um exame de microscopia direta


ou sem este exame prévio

Provas bioquímicas
As provas bioquímicas são realizadas após a cultura já ter sido feita. As
principais provas bioquímicas utilizadas para se identificar a família
Enterobacteriaceae são:
• Pesquisa da citocromo-oxidase: as bactérias da família
Enterobacteriaceae são normalmente oxidase negativas
• Prova da fermentação da glicose: é sempre positiva nesta família
• Prova de redução de nitratos a nitritos: é também sempre positiva.

As três provas citadas acima identificam a família. Para se identificar


gêneros e espécies dentro desta família, devem ser realizadas outras provas
bioquímicas. Estas provas bioquímicas que realizam a identificação das
espécies são chamadas de bioquimismo bacteriano. Algumas destas provas
são:

• Utilização de carboidratos
• Reação de vermelho de metila
• Utilização de citrato
• Descarboxilação de aminoácidos como lisina, ornitina e argnina
• Produção de fenilalanina por desaminação

Prova feita no meio TSI:


O TSI é um meio de triagem, que permite a identificação de alguns
gêneros de bactérias. O meio TSI é um meio de cultura solido distribuído em
tubos de ensaio.
É um meio de cultura inclinado: há uma parte chamada de base (que está
no fundo do tubo) e outra chamada de ápice (a parte inclinada no tubo de ensaio).
A região inclinada apresenta-se desta forma para aumentar o contato do meio
219

de cultura com o O2. Algumas reações químicas ocorrem na superfície do ápice,


e outras ocorrem no fundo do tubo (onde há menos oxigênio).
A inoculação da bactéria (que foi obtida de uma cultura isolada) é feita
com uma agulha de platina, que é inserida pelo centro do tubo e chega até à sua
base (mas não chega a atingir o fundo, para que assim o oxigênio não chegue
até o fundo do tubo). Em seguida, sãos feitas estrias na superfície do ápice.
São obtidos vários padrões diferentes neste meio de TSI. Os principais
padrões são:
1. Meio de cultura sem inocular nenhuma bactéria: é ligeiramente vermelho
2. Meio de cultura inoculado com uma bactéria não fermentadora: inocula-
se uma bactéria que não fermenta açúcares (sendo que este meio é rico
em lactose e glicose). A fermentação dos açúcares causaria a produção
de metabólitos ácidos, que levariam à mudança da coloração do tubo de
vermelho para amarelo. Um exemplo de bactéria que causa este padrão
são bactérias do gênero Pseudomonas.
3. Meio inoculado com BGNs que não fermentam a lactose, mas que
fermentam a glicose: o fundo fica amarelo e o ápice fica vermelho. São
produzidos ácidos, mas a quantidade de ácido produzida não é suficiente
para promover a viragem total da cor do meio de cultura. A região em
amarelo indica a produção de ácido. O tubo 3 não é da E. coli, tá escrito
errado. Um gênero de bactéria que causa um padrão semelhante a este
é a Shigella.
4. Meio inoculado com bactérias produtoras de sulfeto de hidrogênio e que
não metabolizam a lactose: o ápice fica vermelho e o fundo fica negro
devido à produção de sulfeto de hidrogênio. O sulfeto de hidrogênio é
produzido a partir de substâncias que contenham enxofre (as bactérias
utilizam o tiossulfato presente no meio para fazer esta reação). Este
sulfeto de hidrogênio produzido se liga ao ferro presente no meio,
causando a formação da coloração escura. Um gênero de bactéria que
causa um padrão semelhante a este é o Proteus.
5. Meio de cultura inoculado com E.coli: fica todo amarelo e o fundo do tubo
é deslocado devido à produção de gás. A E. coli utiliza a glicose e a
lactose presentes no meio, causando a formação de muitos metabólitos
ácidos (que realizam a viragem da coloração de todo o tubo) e produzindo
bastante gás (o que causa o descolamento da base do tubo).
6. Meio inoculado com bactérias produtoras de sulfeto de hidrogênio e que
metabolizam lactose: o ápice fica amarelado (devido à produção de
ácidos provenientes da metabolização da lactose) e o fundo fica preto
(devido à reação do sulfeto de hidrogênio produzido com o ferro)
220

Produçao de indol a partir do triptofano:


O meio de cultura utilizado é chamado de SIM. Este meio de cultura é
utilizado para se identificar a produção de sulfetos (possui enxofre em sua
composição), a produção de indol e a motilidade da bactéria (identificando se
a bactéria apresenta flagelos ou não).
Este meio de cultura é semissólido, o que permite se observar a motilidade
da bactéria a partir do inóculo. O inóculo é feito no centro do tubo com o auxílio
de uma agulha. Se a bactéria for móvel, ela se espalhará a partir do local em que
foi inoculada (deixando o meio mais turvo). Se a bactéria for imóvel, é observada
uma linha de crescimento apenas no lugar onde foi inoculada.

Pode-se adicionar uma substância chamada de TTC ao meio de cultura,


a qual deixa a colônia formada avermelhada (como mostrado na imagem acima
à esquerda).
221

Se a bactéria inserida utiliza o triptofano presente no meio e libera o indol,


há a formação de um anel vermelho na superfície.

A E. coli é um exemplo de bactéria que produz o indol e que é móvel. Ela


não produz sulfeto de hidrogênio, e devido a isso o meio no qual ela é inserida
não fica escuro. A imagem acima é referente a uma inoculação de E.coli.
Após a realização das diversas provas bioquímicas, deve-se comparar os
resultados obtidos com tabelas, que mostram a incidência dos resultados
positivos para cada teste em cada espécie de bactéria. Quanto mais provas
bioquímicas forem feitas, com maior segurança serão identificadas as espécies
dos microrganismos.
Ex.: se a amostra analisada em questão foi positiva para a produção de indol,
pode-se suspeitar que seja uma E.coli, visto que 98% das amostras desta
bactéria produzem o indol; se a amostra analisada em questão foi positiva para
a produção de sulfeto de hidrogênio, pode-se praticamente descartar a hipótese
de infecção por E.coli, visto que apenas 1% das amostras de E.coli produzem o
sulfeto de hidrogênio.

Sorotipagem:
É um método importante no isolamento de E.coli proveniente de amostras
de fezes. É necessário se informar se a E.coli encontrada faz parte da microbiota
222

residente ou se é enteropatogênica. A sorotipagem é obrigatória ao se realizar a


análise de E. coli se ela for proveniente das fezes (se ela for isolada do líquor ou
do sangue, não precisa se fazer a sorotipagem, já que se sabe que elas são
sempre patogênicas).
No caso da Shigella ou da Salmonella, a sorotipagem não é obrigatória. A
sorotipagem destas duas bactérias é muito mais utilizada em estudos
epidemiológicos.

TRATAMENTO
Infecções intestinais
A maioria dos quadros é autolimitada, dispensando o uso de antibióticos
e quimioterápicos. Nos extremos de idade, fica a critério do médico prescrever
antibióticos (em muitas situações, a prescrição de antibióticos pode até piorar o
quadro da infecção intestinal, visto que estes fármacos agirão também sobre a
microbiota residente).
Nas doenças mais graves (ex.: quadro de Shigellose acompanhado de
disenteria), o tratamento com antibioticoterapia deve ser realizado.

Febre tifoide
No caso da febre tifoide, obrigatoriamente deve-se realizar o tratamento.
Esta doença é causada pela Salmonella tiphymurium, um sorotipo de Salmonella
que infecta o intestino e outros órgãos também.

Infecções oportunistas que ocorrem fora do TGI


Nas infecções oportunistas que ocorrem fora do intestino, o uso de
quimioterápicos é essencial.

Drogas utilizadas
Algumas das drogas que podem ser utilizadas no tratamento dos BGN
são ampicilina, cefalosporinas, aminoglicosídeos, tetraciclinas, cloranfenicol,
ácido nalidixico, etc.
Estas bactérias adquirem resistência facilmente. Com isso, é difícil de
se adivinhar se a amostra da bactéria que está causado o quadro do paciente é
resistente ou não a determinado antibiótico. Devido a isso, deve-se realizar o
teste de sensibilidade a antimicrobianos (antibiograma). Muitas vezes, o
médico não pode ficar esperando o tempo necessário para que sejam obtidos os
resultados dos testes, sendo comum a prescrição dos antimicrobianos mesmo
antes da obtenção do resultado do teste. Frente a esta situação, o médico deve
223

instruir o paciente a colher a amostra clinica antes de se iniciar o tratamento


(visto que o uso dos antimicrobianos pode eliminar algumas das bactérias que
estavam presentes e alterar o resultado do exame).

TESTES DE SENSIBILIDADE
Os tetes de sensibilidade mais utilizados são:
• Técnica de disco difusão

• Diluição em caldo: é estimada a concentração inibitória mínima do


antimicrobiano
224

ESCHERICHIA COLI

A E.coli consiste em uma bactéria móvel (em 95% dos casos), lactose
positiva e produtora de hemolisina (sendo possível observar a hemólise
provocada por esta bactéria em ágar-sangue).
É uma espécie anaeróbia facultativa predominante no intestino grosso.
São bactérias que fermentam a glicose, causando a formação de ácido e gás.
Por estar presente naturalmente no intestino grosso do ser humano, a
E.coli é utilizada como um parâmetro de contaminação da água e de
alimentos. Para se realizar a pesquisa da contaminação de água e alimentos,
realiza-se a pesquisa de um grupo de bactérias chamadas de “coliformes”
(bactérias semelhantes à E.coli: são BGN fermentadores de glicose e lactose).
O grupo dos coliformes é formado pelos gêneros Escherichia, Enterobacter,
Citrobacter e Klebsiella. A presença destes microrganismos em determinadas
quantidades estabelecidas indica a contaminação da água ou do alimento por
fezes animais ou humanas. Esta água contaminada é imprópria para o consumo
e para banhos também.

SOROTIPOS DA E.COLI
Há vários sorotipos de E.coli conhecidos

• 174 sorotipos relacionados ao antígeno somático O (localizado no LPS


das bactérias)
o 25 sorotipos são da microbiota normal
o 35 sorotipos são enteropatogênicos
• 100 sorotipos relacionados ao antígeno K (antígenos capsulares)
• 57 sorotipos relacionados ao antígeno H (antígenos flagelares).

Em cada sorotipo, ocorrem combinações entre os antígenos O, K e H, de


modo que cada sorotipo apresenta uma combinação única (ex.: O13;H22; K45).
As amostras de E. coli podem causar infecções intestinais e infecções
extra-intestinais (que são oportunistas). As infecções oportunistas são causadas
pelos sorotipos presentes na microbiota residente.

CATEGORAS DE E. COLI ENTEROPATOGENICAS


As diferentes categorias de E.coli são agrupadas de acordo com o
mecanismo de produção da doença. Grande parte das infecções por E.coli estão
relacionadas a condições de baixo saneamento básico, ocorrendo
principalmente em países em desenvolvimento.
• E. coli enteropatogênica clássica (EPEC): causa diarreias infantis
(principalmente em crianças com até 1 ano de idade)
225

• E. coli enterotoxigênica (ETEC): causa diarreia do viajante e


intoxicações alimentares (causadas quando o indivíduo ingere a toxina
pronta no alimento)
• E. coli enterohemorrágica: ocorre devido ao consumo de carnes mal
passadas. Causa colite hemorrágica. É mais comum em países mais ricos
• E. coli enteroinvasora: causa diarreias principalmente em crianças
acima de 2 anos de idade e em adultos
• E. coli enteroagregativa: causa diarreia persistente em crianças
(diferentemente da maioria dos enteropatógenos bacterianos, que
causam infecções agudas (que duram de 7-10 dias), a E. coli
enteroagregativa causa quadros de diarreia mais prolongados, durando
de 15-20 dias)

E. coli enteropatogênica clássica


Age no intestino delgado, causando diarreias principalmente em crianças.
Causa lesão A/E (sigla em inglês que significa aderência e apagamento
das microvilosidades). Esta lesão leva a uma ruptura das microvilosidades,
causando menor absorção e consequentes quadros de diarreia.
Inicialmente, ocorre uma adesão não intima entre a bactéria e a célula
epitelial. Em seguida, a bactéria libera enzimas e proteínas que agem sobre os
microfilamentos de actina, causando uma alteração do citoesqu eleto da célula,
o que leva ao “apagamento” das microvilosidades. Após esta alteração do
citoesqueleto, ocorre a adesão íntima entra a bactéria e o enterócito, o que leva
a alterações no interior da célula eucariota. A ligação formada entre o enterócito
e a bactéria funciona como uma espécie de pedestal, sobre o qual a EPEC fica
aderida firmemente.

A diarreia observada na infecção pela EPEC resulta da perda das


microvilosidades e da ativação de mediadores intracelulares como cálcio e
proteínas fosforiladas, o que leva a uma alteração da fisiologia normal do
enterócito.
226

Os genes responsáveis por codificar as proteínas que promovem esta


aderência estão encontrados em plasmídeos.

E. coli enterotoxigênica
As enterotoxinas produzidas pelas ETEC atuam principalmente no
intestino delgado. Estas enterotoxinas aumentam o AMPc intracelular, que
estimula a secreção de eletrólitos e água pelo enterócito, ocasionando quadros
de diarreia.
Há dois tipos de enterotoxinas produzidas pelas ETECs: uma
enterotoxina termolábil e uma enterotoxina termoestável. O gene relativo à
produção destas toxinas também se encontra em plasmídeos.
A enterotoxina produzida pelas ETEC apresenta duas subunidades: A e
B. A subunidade B realiza a adesão da toxina à membrana do enterócito, e a
subunidade A penetra no enterócito e causa a atividade tóxica.

E.coli enterohemorrágica
O sorotipo de E. coli enterohemorrágica que causa as formas mais graves
da doença é o O157:H7. Esta bactéria se localiza principalmente no intestino
grosso.
No início da doença, o paciente apresenta um quadro de diarreia aquosa,
o qual é decorrente de uma lesão do tipo A/E (assim como ocorre na E.coli
enteropatogênica). Após alguns dias do início da infecção, o paciente pode
evoluir para o quadro de colite hemorrágica. Este quadro pode ser
acompanhado de diarreia sanguinolenta, dores abdominais e febre.
Em alguns casos, a infecção pode ser assintomática. Normalmente esta
infecção tende a ser autolimitada em adultos jovens e saudáveis (resolvendo-se
espontaneamente após 5-10 dias).
A infecção pode progredir para um quadro mais grave chamado de
Síndrome urêmica-hemolitica. Esta síndrome decorre da ação da toxina
Shiga/Shiga-like, citotoxina produzida por algumas cepas de E.coli
enterohemorrágica que inibe a síntese proteica e causa a morte das células
eucariotas. Há dois tipos Toxina Shiga: Toxina Shiga 1 e Toxina Shiga 2. A
evolução da doença só ocorre se o paciente for infectado por uma amostra
de E. coli enterohemorrágia produtora de toxina shiga (nem todas
produzem). Cerca de 8% dos pacientes contaminados por E.coli
enterohemorrágicas evoluem para a síndrome urêmica-hemolítica, marcada por
lesão renal e anemia. Esta síndrome ocorre mais frequentemente em crianças
com idade inferior a 5 anos de idade e em idosos.
227

A E.coli enterohemorrágica não é muito comum no Brasil, sendo


encontrada mais frequentemente em países desenvolvidos (é o único tipo de
infecção por E.coli que é mais comum nos países desenvolvidos).
A contaminação ocorre por meio da ingestão de alimentos (prin cipalmente
carne mal passada) infectados com a bactéria, sendo que pequenos inóculos da
E.coli enterohemorrágica já são suficientes para causar a doença. Após cerca
de 3-4 dias do inicio da infecção, o indivíduo passa a apresentar os sintomas da
diarreia aquosa, que pode estar acompanhada de dor abdominal. 1-2 dias após
o aparecimento desta diarreia aquosa aparece também o sangue nas fezes,
dando início ao quadro de colite hemorrágica. A maioria dos pacientes evoluem
naturalmente para a cura da doença, enqu anto uma pequena porcentagem
chega a desenvolver a síndrome urêmica-hemolítica.

Toxina Shiga ou Toxina Shiga-like


Esta toxina apresenta 2 formas (Toxina Shiga 1 e Toxina Shiga 2), as
quais exercem a mesma função biológica. Estas toxinas são muito semelh antes
à Toxina Shiga (a qual é produzida pela Shigella dysenteriae) – inclusive
acredita-se que sejam a mesma toxina, e que estas bactérias talvez tenham
trocado material genético entre si.
Apesar de possuírem a mesma função biológica, as Toxinas Shiga 1 e 2
diferenciam-se de acordo com a imunogenicidade e a especificidade de ligação
de seus receptores, visto que podem penetrar em tipos celulares diferentes.
Ambas as toxinas são codificadas por genes encontrados em
bacteriófagos. Com isso, a bactéria precisa estar lisogenizada por este
bacteriófago para que seja capaz de produzir a Toxina Shiga. Devido a isso, nem
todas as amostras de E. coli enterohemorrágica apresentam a toxina.
228

A toxina Shiga também é uma toxina do tipo AB, mas apresenta uma
subunidade A e várias subunidades B. As suas subunidades B reconhecem a
membrana da célula eucariota, permitindo que a subunidade A penetre na célula,
inibindo a síntese proteica e levando à morte celular

E. coli enteroinvasora:
Age principalmente no intestino grosso. A patogênese ocorre devido à
invasão e destruição de células epiteliais do intestino. Ocorre quadro típico de
disenteria, sendo um quadro semelhante ao provocado pela infecção por
bactérias do gênero Shigella.
Os genes que codificam as proteínas que in vadem os enterócitos
encontram-se em plasmidios.

E. coli enteroagregativa:
Este tipo de E.coli age principalmente no intestino delgado. Leva a um
quadro de diarreia persistente, que dura de 15-20 dias.
Para que ocorra o desenvolvimento da doença, ocorre a adesão
agregativa destas bactérias ao epitélio intestinal. Em seguida, ocorre o
encurtamento das microvilosidades (devido a alterações na actina), o que faz
com que o enterócito fique com um formato mais arredondado. Este
encurtamento das microvilosidades leva à diminuição de absorção de água pelos
enterócitos, o que ocasiona um quadro de diarreia aquosa.
229

O que faz com que esta bactéria permaneça durante mais tempo no
intestino (causando um quadro de diarreia persistente) é a capacidade de
produção de uma espécie de biofilme sobre a superfície do intestino.
Os genes relativos à codificação das proteínas envolvidas na patogênese
deste tipo de E.coli também se encontram em plasmídios.
Ocorreu em 2011 na Europa um surto de infecções intestinais causadas
por E.coli, as quais levaram ao desenvolvimento de vários quadros de síndrome
urêmico-hemorrágica. Observou-se que a cepa causadora destes casos possuía
tanto fatores de virulência da E. coli enterohemorrágica (produziam a toxina
Shiga) quanto características da E.coli enteroagregativa (causavam aderência
de perfil enteroagregativo). Este sorotipo era multirresistente (apresentava Beta-
lactamases de espectro estendido).

E. COLI – INFECÇÕES EXTRA-INTESTINAIS


Além de causar infecções intestinais, a E.coli também pode causar
infecções oportunistas, que ocorrem fora do intestino. Estas infecções
oportunistas são causadas pelos sorotipos da microbiota residente.
As principais infecções oportunistas causadas por E.coli são:

Infecções urinárias:
80-90% das infecções urinarias adquiridas na comunidade são causadas
pela E. coli. A E.coli também é o agente patogênico causador de infecções
urinárias mais comum em pacientes hospitalizados. Todavia, existe uma
diversidade maior de agentes que causam as infecções urinárias nos pacientes
hospitalizados, sendo que estes agen tes possuem uma maior tendência ao
desenvolvimento de resistências a antimicrobianos.
230

A infecção urinária hospitalar ocorre devido ao uso de cateteres ou sondas


vesicais. A infecção urinaria é ascendente (vai da uretra em direção à bexiga,
causando cistite; alguns pacientes podem evoluir para o quadro de pielonefrite).
O risco de desenvolver pielonefrite existe tanto para os pacientes não
hospitalizados quanto para os hospitalizados, sendo mais comum neste último
grupo.
Esta grande prevalência da E.coli como causadora de infecções de urina
ocorre devido à proximidade entre a região anal e a uretra, principalmente no
sexo feminino.
A E.coli possui fatores de virulência que auxiliam na sua adesão à célula
do hospedeiro.

Meningite de recém-nascido
A E.coli é causadora de meninigtes principalmente em prematuros.
Também é um dos agentes causadores de meningites em indivíduos de 1 a 23
meses e em indivíduos a partir de 50 anos de idade.

Infecções de feridas cirúrgicas ou traumáticas


Bacteremias

SALMONELLA

As Salmonellas são bactérias móveis (apresentam flagelos) e


encapsuladas (sendo que a cápsula é um importante fator de virulência destes
patógenos). Devido a isso, a sua classificação antigênica conta com a presença
de antígenos somáticos, capsulares e flagelares.
231

Em relação ao seu metabolismo, estas bactérias não fermentam a lactose


(são Lac –), mas fermentam a glicose (produzindo ácido e CO2). Produzem H2S
no meio de triagem TSI.
Resistem ao verde brilhante, tetrationato e desoxicolato de sódio. O
tetrationato e o desoxicolato de sódio são sais biliares. Como a Salmonella é
resistente a estas duas substâncias, ela é portanto uma bactéria resistente à bile,
e devido a isso é capaz de permanecer viável no interior da vesícula biliar. Estas
substâncias são adicionadas a meios de cultura seletivos (como ágar SS e ágar
sulfito de bismuto – estes meios proporcionam um melhor crescimento da
Salmonella em relação aos outros BGNs)
São bactérias intracelulares facultativas: podem se multiplicar fora ou
dentro de células, inclusive no interior de células de defesa, como macrófagos.
Estas bactérias infectam o ser humano, animais domésticos e selvagens,
causando doenças nos indivíduos contaminados.
Há 2 espécies mais importantes no gênero Salmonella: Salmonella
entérica e Salmonella bongori.

Salmonella entérica
Apresenta 6 subespécies, sendo a subespécie entérica (I) a mais
importante. Esta espécie apresenta 1478 sorotipos, que são obtidos das
combinações de antígenos somáticos, flagelares e capsulares.
Antigamente, acreditava-se que os sorotipos da subespécie Salmonella
entérica entérica eram espécies diferentes (e por isso a sua grafia é semelhante
a de espécies, mas só o primeiro nome é em itálico e a primeira letra do segundo
nome é maiúscula). Os sorotipos de maior importância clínica dentro da
subespécie S. entérica entérica são:

• Salmonella Typhi
• Salmonella Paratyphi
o Salmonella Paratyphi A, B e C são os únicos sorotipos exclusivos
do homem. Todos os outros demais são encontrados em animais
também.
• Salmonella Typhimorium
• Salmonella Enteritidis
• Salmonella Chloraesuis

SALMONELOSES
As doenças causadas pelas bactérias do gênero Salmonella são
chamados de forma geral de Salmoneloses. As principais salmoneloses são as
232

febres entéricas, gastroenterites (são os quadros mais comuns causados pelo


gênero Salmonella) e sepse.

Febres entéricas
São causadas por sorotipos exclusivos do homem. Com a melhoria das
condições de saneamento básico, a incidência destas doenças diminuiu muito.
As amostras de Salmonella eliminadas pelas fezes contaminam alimentos e
água, fazendo com que ocorra a infecção (devido a isso, com a melhoria das
condições de saneamento, esta contaminação vem diminuindo muito).
Os dois principais tipos de febres entéricas são a febre tifóide e a febre
paratifóide. As bactérias causadoras destas doenças atingem o intestino do
indivíduo e depois caem na corrente sanguínea, passando a colonizar outros
órgãos. Esta passagem da bactéria pela corrente sanguínea leva a quadros de
febre, o que leva ao nome geral de febres entéricas.

Febre tifoide
É causada pelo sorotipo Salmonella Typhi. A contaminação ocorre por
VO, sendo a dose infectante de 10⁵-10⁹ células, visto que a Salmonella apresenta
uma resistência intermediária ao suco gástrico.
Após serem ingeridas, as bactérias chegam ao intestino e se multiplicam
no interior dos macrófagos localizados nos folículos linfoides. Em seguida, estas
bactérias invadem o sistema linfático e a corrente sanguínea, passando a
colonizar outros órgãos (como fígado e baço). Em seguida, algumas destas
bactérias presentes na corrente sanguínea voltam para o in testino, fazendo com
que o ciclo de multiplicação ocorra novamente.
233

A sintomatologia intestinal só passa a ocorrer após a 2ª semana de


infecção, que é quando as bactérias retornam ao intestino. Devido a isso, o
período de incubação da doença é de 10-14 dias.
Os sintomas clínicos são inespecíficos: o paciente apresenta febre, mal
estar, cefaleia, mialgia e desconforto abdominal (o qual inicialmente não é
acompanhado de diarreia).
As lesões que ocorrem na febre tifoide são a hiperplasia e necrose do
tecido linfoide (onde a bactéria se multiplica inicialmente), leucopenia e anemia.
Pode ocorrer também hepatite, inflamação da vesícula biliar, do periósteo, dos
pulmões e de outros órgãos (depen de de onde as bactérias vão passar a se
localizar após caírem na corrente sanguínea). Quando a bactéria está circulando
pela corrente sanguínea, ela causa a formação de eritemas típicos na pele do
indivíduo.

3% dos doentes que tiveram a febre tifoide se tornam portadores desta


bactéria, mantendo-a viva em sua vesícula biliar. A inflamação da vesícula biliar
dos portadores pode ser tão intensa a ponto de ser necessário se realizar uma
colecistectomia (visto que o tratamento com antimicrobianos não consegue
eliminar totalmente as bactérias localizadas no interior da vesícula biliar de
alguns indivíduos).
O diagnóstico da febre tifoide antes das 2 semanas iniciais da infecção
(antes do período de incubação) deve ser feito por meio do isolamento da
bactéria a partir de amostras do sangue (que é o sítio no qual esta bactéria se
encontra em maior quantidade nesta fase) ou da urina. A solicitação da
coprocultura deve ser feita apenas a partir da 3ª semana. É possível também se
realizar sorologias pareadas (é colhido o sangue do paciente no início da doença
e alguns dias depois, para se observar o aumento dos títulos de anticorpos).

Febre paratifóide
É semelhante à febre tifoide, mas é um quadro mais brando. É causada
pelos sorotipos Salmonella Paratyphi A, B e C

Gastroenterites
São as salmoneloses mais frequentes. Ocorrem devido à ingestão de
alimentos contaminados, como ovos.
234

Os sorotipos mais comuns que causam gastroenterites são S.


Typhimurium e S. Enteritidis

Ciclo biológico
A contaminação se dá por meio da ingestão das bactérias juntamente a
um alimento contaminado. Estas bactérias chegam ao intestino delgado e
passam a infectar as células do sistema imune, as quais estão localizadas nos
folículos linfoides. A intensa multiplicação das bactérias nos folículos leva a uma
hiperplasia do tecido e ao rompimento das células que foram infectadas.
Ocorre também a ativação de polimorfonucleados, que conseguem fazer
com que a Salmonella fique restrita ao TGI (diferentemente do que ocorre nas
febres entéricas, visto que as bactérias neste último caso conseguem cair na
corrente sanguínea e se espalhar para outros sítios).
Esta resposta inflamatória ocasionada no intestino aumenta a liberação
de PGS, que estimulam o AMPc intracelular dos enterócitos, fazendo com que
estas células aumentem a secreção de eletrólitos e de água.
Desta forma, conclui-se que o quadro de diarreias causado por estes
sorotipos de Salmonella não é causado pela invasão dos enterócitos, mas sim
pela intensa resposta inflamatória do indivíduo (a qual é ativada frente à
infecção pelas bactérias).
235

Sepse
Não são quadros muito frequentes. São causados pelos sorotipos S.
Cholerasuis e S. Dublin. Já houve casos em que o quadro de sepse foi causado
pelo sorotipo S. Typhimurium.

SHIGELLA
Também é um gênero de patógeno intestinal. Há 4 principais espécies de
Shigella:
• S. dysenteriae: é a espécie mais importante, visto que geralmente é a
espécie que produz a Toxina Shiga
• S. flexneri: é uma das espécies de Shigella mais comuns no Brasil.
• S. boydii
• S. sonnei: é a outra espécie comum no Brasil.
Estas bactérias não possuem flagelos (são imóveis), são Lac- (com
exceção da S. sonnei) e não possuem cápsula.
Normalmente habitam o intestino de seres humanos e de animais. São
altamente contagiosas, de modo que é necessário um pequeno inóculo (cerca
de 200 células) para que a infecção ocorra. Isto ocorre porque a Shigella é
altamente resistente ao suco gástrico, de modo que a maioria das células
consegue passar intacta pelo estômago e ir se localizar no intestino.
A doença causada pela Shigella é denominada de Shigelose ou
disenteria bacilar. A transmissão ocorre por meio da ingestão de água e
alimentos contaminados. O período de incubação é de 1 a 4 dias.
Após ingerir o alimento/água contaminado, a bactéria passa pelo
estômago (onde não é degradada) e chega ao intestino, onde realiza a invasão
e destruição da camada epitelial. Esta invasão leva a uma intensa resposta
inflamatória com atração de polimorfonucleados, o que causa a presença de
pus e sangue nas fezes (caracterizando um quadro de disenteria).
Apesar de realizarem a invasão do epitélio intestinal, estas bactérias
raramente invadem a corrente sanguínea.
Os sintomas observados na Shigellose são inespecíficos, como:

• Cólica abdominal
• Febre
• Diarreia aquosa
• Sangue e pus nas fezes (após alguns dias)
• Prostração (indivíduo fica debilitado e sem ânimo): ocorre quando a
amostra de Shigella que está causando a invasão é produtora da toxina
236

Shiga. A presença da toxina Shiga pode levar à Síndrome urêmico-


hemolitica.

YERSINIA
Este gênero possui 3 espécies patogênicas:
• Y. pestis: causa peste bubônica
• Y. pseudotuberculosis: causa linfadenite mesentérica
• Y. enterocolitica: causa infecção intestinal. É muito mais comum do que
as outras duas citadas acima (estas outras duas já causaram muitas
doenças nos seres humanos, mas atualmente não causam mais).
É uma bactéria comum em países de clima mais frio, visto que é uma
bactéria psicotrófica (crescem melhor em temperaturas entre 22ºC e 29ºC).
Devido a isso, infecções por bactérias do gênero Yersinia são menos comuns no
Brasil.
Estes microrganismos possuem flagelos (são móveis), são Lac -, formam
colônias tipicamente pequenas no ágar SS e no ágar MacConkey. Em casos de
suspeita de infecções por Yersinia, as placas devem ser incubadas por mais
tempo e em temperatura ambiente.
A transmissão ocorre por meio da ingestão de água e alimentos
contaminados (principalmente alimentos de origem suína). Esta bactéria é
normalmente encontrada no solo, na água, e em alguns animais (principalmente
porcos e animais silvestres).
Os sintomas da doença são:
• Diarreia e/ou vômitos
• Febre
• Dores abdominais: é o sintoma mais marcante. As bactérias invadem
principalmente o íleo. Muitas vezes, a doença pode ser confundida com
apendicite.

KLEBSIELLA

Os gêneros Klebsiella e Proteus são gêneros da família


Enterobacteriaceae que causam infecções oportunistas.
A principal espécie deste gênero é a Klebsiella pneumoniae (causa 95%
das infecções por Klebsiella).
Esta bactéria possui cápsula abundante (havendo 72 sorotipos diferentes
relacionados a variações antigênicas da cápsula). Esta cápsula abundante faz
237

com que as colônias de Klebsiella apresentem um aspecto mucoide. Estas


bactérias não apresentam flagelos (são imóveis) e são Lac + (fazendo parte do
grupo dos coliformes).

As amostras hospitalares Klebsiella tendem a ser multirresistentes. A KPC


(Klebsiella pneumoniae produtora de carbapenemase) é um destes
microrganismos multirresistentes. A carbapenemase é uma beta-lactamase de
amplo espectro, que atua inativando penicilinas, cefalosporinas e
carbapenêmicos.
A Klebsiella causa infecções oportunistas, como infecções pós-
cirúrgicas, urinárias, pneumonia lobar, endocardite, infecções de feridas
traumáticas, entre outras.

PROTEUS
Há 2 espécies principais dentro deste gênero:

• Proteus mirabilis
• Proteus vulgaris

Estes microrganismos são Lac- (de modo que, se forem cultivados em


ágar MacConkey, as colônias apresentação a coloração clara). Produzem H2S,
que se liga ao ferro localizado no meio de cultura, formando um precipitado
escuro. Apresentam flagelos peritríqueos, o que gera uma alta motilidade a
estes organismos (mesmo em um meio de cultura sólido, estas bactérias são
capazes de se locomover, gerando um “véu invasor”/”véu de noiva”: a partir
de uma colônia inicial as células se multiplicam e formam novas camadas).
238

Se há alguma cultura mista na placa, a bactéria do gênero Proteus vai


crescer e contaminar toda a placa, de modo que não seja possível se isolar os
outros microrganismos.
Estes microrganismos causam infecções oportunistas, como infecções
urinarias crônicas (principalmente; mas também podem causar infecções
urinárias agudas), pneumonias, bacteremia, infecções de feridas cirúrgicas, etc.
Ao causarem infecções urinárias, as espécies do gênero Proteus
produzem urease (enzima que quebra a ureia, causando alcalinização da urina).
A alcalinização da urina proporciona a lesão da uretra.

A maioria dos patógenos fica restrita ao intestino, com exceção da S. typhi e S.


paratyphi
239

BACILOS GRAM-NEGATIVOS – FAMÍLIA VIBRIONACEAE e


FAMÍLIA PSEUDOMONADACEAE
Medusa - 86

Os bacilos da família Vibrionaceae são fermentadores, assim como os


bacilos da família Enterobacteriaceae. Os bacilos da família
Pseudomonadaceae, todavia, são bacilos não fermentadores.

FAMÍLIA VIBRIONACEAE

É composta por bacilos Gram-negativos curvos (apresentam uma torção


incompleta de suas células, de modo que apresentam aspecto semelhante a
uma vírgula – e devido a isso são chamados também de vibriões). Os vibriões
são móveis, visto que apresentam flagelos (que são polares). São anaeróbios
facultativos e são citocromo oxidase positivos (característica que permite
diferenciar os microrganismos desta família em relação aos da família
Enterobacteriaceae).
As três espécies mais importantes desta família são:
• Vibrio cholerae: causadora da cólera. É a espécie de maior importância
dentro deste gênero.
• Vibrio parahaemolyticus: causa infecções toxi-alimentares. Está muito
associado ao consumo de frutos do mar, principalmente dos que são
consumidos in natura (como ostras e peixe cru)
• Vibrio vulnificus: causa infecções de feridas
São encontrados em ambientes aquáticos (tanto em água doce quanto
em água salgada), sendo encontrados principalmente nas regiões onde os rios
desaguam no mar (locais que são normalmente ricos em nutrientes). Algumas
espécies da família Vibrionaceae são encontradas associadas a seres vivos que
vivem no ambiente aquático (como crustáceos, peixes e algas).
Os Vibrios apresentam o antígeno somático O, podendo ser sorotipados
a partir deste tipo de antígeno.

VIBRIO CHOLERAE
Esta espécie cresce melhor em pH alcalino (em torno de 8-9). Para isolar
este microrganismo em meios de cultura, é ideal que sejam utilizados meios
seletivos para o V. cholerae, como o TCBS (ágar-tiossulfato-citrato-bile-
sacarose). Esta espécie fermenta a sacarose, liberando ácidos no meio de
240

cultura (o que faz com que as colônias de V. cholerae fiquem amarelas no meio
de cultura, enquanto as colônias dos demais microrganismos ficam verdes).

Epidemiologia
A cólera é uma doença de notificação obrigatória no nosso país, de modo
que a vigilância epidemiológica sempre deve ser informada frente a novos casos.
No gráfico abaixo, é possível se observar os países onde a cólera ocorre
normalmente e os países que contam com casos de cólera, mas devido a
importações da doença para território nacional. No Brasil, o último caso
autóctone de aquisição local de cólera foi em 2005.

Sorotipos
Esta espécie apresenta vários sorotipos, sendo o sorotipo O:1 o
encontrado mais frequentemente causando a cólera em seres humanos. Este
sorotipo O:1 apresenta dois biotipos: o biotipo clássico e o biotipo El Tor. O que
diferencia os biotipos são diferenças na produção de algumas enzimas. Devido
a esta diferença de padrão enzimático, o biotipo El Tor consegue sobreviver por
mais tempo no ambiente do que o biotipo clássico. O biotipo El Tor foi o
responsável pela última pandemia de cólera, que ocorreu na década de 1990.
Este biotipo é mais comum na África e na Ásia, mas durante a pandemia ele se
disseminou pelo mundo.
241

Dentro dos sorotipos, há soro-subgrupos, chamados de Ogawa, Inaba e


Hikojima.
O V. cholerae pode ser fagotipado por diversos tipos de fagos.
Os sorogrupos que não são O:1 ou são de vida livre ou não causam
doenças no ser humano.
Outro sorotipo importante é o O:139, que também leva ao
desenvolvimento da cólera nos seres humanos. Estes sorotipos patogênicos
(O:139 e O:1) são capazes de causar a cólera devido à capacidade de produção
da toxina colérica, responsável por lesionar o tecido intestinal.

Patogênse
O mecanismo de produção da doença ocorre devido à ação da toxina
colérica, que é uma enterotoxina. Esta toxina é termolábel, e o gene que a
codifica encontra-se no cromossomo da bactéria. Ela possui o mesmo
mecanismo de ação que a toxina produzida pela E. coli enterotoxigênica.
É uma toxina muito potente. Leva à perda de água e de eletrólitos de
maneira muito mais intensa do que a provocada pela toxina da E.coli
enterotoxigênica.
É uma toxina do tipo AB, sendo composta por várias subunidades B e 2
subunidades A: A1 (região responsável pela atividade da toxina) e A2. As
subunidades B reconhecem receptores localizados na membrana das células
eucariotas, de modo a fazer com que a toxina consiga se aderir à superfície da
célula. Em seguida, as subunidades A penetram na célula, e a subunidade A1
ativa a adenilato ciclase, que aumenta os níveis de AMPc. As altas
concentrações de AMPc levam a uma perda de água e de eletrólitos, o que causa
um quadro de diarreia muito intenso (visto que esta toxina é muito potente).

A infecção é restrita ao intestino. A adesão do V. cholerae às células


do intestino delgado ocorre por meio de adesinas. A motilidade destas bactérias
242

(proporcionada pelo flagelo) é muito importante para que estes microrganismos


consigam atravessar a camada de muco que recobre os enterócitos. Estas
bactérias também produzem mucinase, enzima que auxilia na degradação do
muco. As bactérias só começam a secretar as toxinas após estarem aderidas às
membranas celulares.
Como não há a invasão de tecidos, não há a presença de leucócitos no
local ou perda de sangue nas fezes.

Transmissão
A transmissão do V. cholerae ocorre por meio da ingestão de alimentos
ou água contaminados. A ingestão de água contaminada é a principal forma
de transmissão, visto que o indivíduo precisa ingerir uma grande quantidade de
V. cholerae (cerca de 10⁹ células) para que ocorra a transmissão. Isto ocorre
pois estas bactérias são sensíveis ao pH ácido presente no estômago, de modo
que ao passar por este órgão, muitas das bactérias são digeridas pelo suco
gástrico. Se o indivíduo estiver fazendo o uso de antiácidos, a passagem das
bactérias pelo estômago pode ser facilitada.

Sintomas
O indivíduo pode apresentar náuseas, vômitos, diarreia líquida intensa
(o aspecto das fezes é de “água de arroz”), fezes esbranquiçadas e cãibras
(devido à perda de eletrólitos, principalmente potássio).
243

Tratamento
Apesar da gravidade dos sintomas, o médico deve avaliar se deve ser
prescrito o uso de antimicrobianos ou não (depende da gravidade do quadro do
paciente). Deve ser realizada a reposição de água e eletrólitos o mais rápido
o possível.

Prevenção
A melhoria das condições de saneamento básico e o acesso a água
potável são medidas profiláticas que podem ser adotadas.

BACILOS GRAM-NEGATIVOS NÃO FERMENTADORES

Estes BGNs realizam respiração aeróbica. A família mais importante é a


Pseudomonadaceae. Os gêneros mais importantes desta família são:

• Pseudomonas
• Burkholderia
• Stenotrophomonas

As bactérias são agrupadas nestas espécies de acordo com as suas


sequências de RNA ribossômico. São divididas em grupos de I-V de acordo com
as características do RNA ribossômico:

• I: Compreende espécies do gênero Pseudomonas. Dentro deste grupo,


as espécies são divididas entre produtoras de um pigmento fluorescente
e não produtoras deste pigmento. A Pseudomonas aeruginosa é a
espécie mais importante, a qual causa doenças nos seres humanos.
• II: Compreende espécies do gênero Burkholderia. Todas estas espécies
localizadas neste grupo eram antigamente classificadas como
Pseudomonas também. B. sepacia é um grupo dentro deste gênero que
abarca várias espécies importantes causadoras de infecções oportunistas
intra-hospitalares.
244

• III e IV: abarcam múltiplas espécies, incluindo Pseudomonas que


raramente são isoladas de seres humanos
• V: Stenotrophomonas maltophilia

PSEUDOMONAS – CARACTERÍSTICAS GERAIS


São bastonetes Gram-negativos não fermentadores (aeróbios), móveis
(apresentam flagelos polares). São ubíquos na natureza e podem ser
encontrados na microbiota normal do ser humano.
São microrganismos de crescimento rápido, de capacidade metabólica
versátil e exigências nutricionais mínimas.
Cerca de 1/3 das amostras isoladas de casos clínicos produz os
pigmentos pioverdina e/ou piocianina. Estes pigmentos dificultam muito a
cicatrização do tecido, sendo um fator de virulência deste gênero de bactérias.
A produção destes pigmentos faz com que muitas vezes as lesões fiquem
esverdeadas

São considerados patógenos oportunistas (e devido a isso são


patógenos comuns no ambiente hospitalar). São resistentes à grande maioria
dos antimicrobianos mais comumente utilizados.
Todas estas características citadas acima valem tanto para o gênero
Pseudomonas quanto para os demais gêneros de BGN não fermentadores
citados acima.
245

Pseudomonas aeruginosa
É a espécie de Pseudomonas que é mais frequentemente encontrada
como patógeno do ser humano.
Causa infecções oportunistas localizadas ou sistêmicas em
diferentes órgãos e tecidos. Em geral, são infecções nasocomiais
(hospitalares) envolvendo pacientes com o sistema imune enfraquecido e/ou em
antibioticoterapia (como estas bactérias são resistentes a muitos dos
antibióticos, a antibioticoterapia pode acabar por eliminar as demais bactérias e
fazer com que apenas a P. aeruginosa permaneça). O uso de dispositivos
médicos (como cateteres e sondas) provocam uma quebra da barreira da pele,
o que possibilita que estes microrganismos possam cair na corrente sanguínea
e causar as infecções mais facilmente. O uso de ventiladores mecânicos pode
predispor o desenvolvimento de pneumonias por aspiração.

Fatores de virulência

• Estruturais
o Fímbrias e adesinas não fimbriadas: promovem adesão às células
e ao muco
o Flagelos: facilitam a disseminação do microrganismo, a obtenção
de alimentos pela bactéria e a capacidade de invasão
o Lipopolissacarideos: funcionam como substâncias que
proporcionam a variação antigênica e apresentam toxicidade.
Também promovem adesão
o Alginato: faz parte da parede celular bacteriana, funcionando como
um agente antifagocítico e que permite a adesão. O alginato e as
adesinas não fimbriadas são muito importantes para que o
microrganismo consiga se aderir aos pulmões dos pacientes com
fibrose cística.

• Extracelulares/secretados
o Exotoxina A: inibe a síntese proteica
o Exoenzimas S e U: são tóxicas para neutrófilos e macrófagos
o Proteases: quebram proteínas e favorecem a disseminação do
microrganismo
o Fosfolipase C: leva à lise das células eucariotas
o Pigmentos fenozínicos: inibem a proliferação da epiderme e de
linfócitos (dificultando assim o processo de cicatrização e
facilitando a evasão aos mecanismos do sistema imune)
o Formação de biofilmes: proporcionam a evasão ao sistema imune
e o escape à ação de antibióticos, além de aumentar a expressão
de fatores de virulência.
o Resistência natural e adquirida aos antimicrobianos
246

Principais infecções causadas pela P. aeruginosa


• Infecções no trato urinário: devido à utilização de sondas vesicais
• Infecções no trato respiratório superior: podem causar otite externa,
sinusite, conjuntivite, ceratite, úlceras na córnea e endoftalmites
• Infecções no trato respiratório inferior: pode causar pneumonia e
infecção pulmonar crônica nos pacientes com fibrose cística
• Infecções no trato gastrointestinal: pode causar enterocolites e
inflamações no ceco
• Infecções no SNC e bacteremias: podem causar meningites, abscessos
cerebrais, endocardites, sepse
• Infecções no tecido ósseo e nas articulações: pode causar osteomielite
• Infecções superficiais e em tecidos moles: pode causar foliculites,
celulites, fasciites e acometimento das unhas

Onde são encontradas

• Nos hospitais: são encontradas em ambientes úmidos, como: água,


vegetais, equipamentos respiratórios, soluções de limpeza, antissépticos
e desinfetantes, banheiras e misturadores de alimentos
• Em piscinas e em outras águas de recreação
• Na microbiota normal do ser humano, principalmente no intestino (fora
do ambiente hospitalar, cerca de 2-24% dos indivíduos apresentam
Pseudomonas em sua microbiota; dentro do ambiente hospitalar, esta
taxa pode aumentar para 50%).
• Coloniza os pulmões da maioria dos pacientes com fibrose cística

Como evitar a transmissão dentro do ambiente hospitalar


• Evitar vasos com flores, que acumulam água
• Controlar o uso de determinados antimicrobianos (o uso exagerado
destes medicamentos pode levar à seleção da Pseudomonas, que pode
ser resistente à terapia antimicrobiana)
• Não utilizar frascos multidose
• Esterilizar ou desinfetar apropriadamente os equipamentos e dispositivos
médicos após serem utilizados. As preparações de antissépticos devem
ser realizadas nas concentrações adequadas.
• Lavagem das mãos: evita que os profissionais da saúde transmitam a P.
aeuruginosa de um paciente para outro

Diagnóstico
Deve-se isolar o microrganismo em culturas e em seguida se realizar
provas bioquímicas (as quais podem ser as mesmas utilizadas para a
247

identificação de outros gêneros de bactérias, ou podem ser provas específicas


para este gênero).
Em alguns casos, é possível se observar a presença de um pigmento
esverdeado nas culturas. Ao se realizar a coloração de Gram de uma amostra
obtida destas cultura, observa-se bacilos Gram negativos. As provas
bioquímicas são essenciais para se realizar a identificação da família, do gênero
e da espécie da bactéria em questão.

Tratamento
Como as Pseudomonas facilmente adquirem resistência aos
antimicrobianos, é importante se fazer o teste de sensibilidade aos
antimicrobianos. Este teste traz informações que auxiliam na decisão da
prescrição do clínico, que será capaz de prescrever apenas fármacos que
realmente serão capazes de tratar a doença.

BGNs NÃO FERMENTADORES ISOLADOS DE AMOSTRAS CLÍNICAS


Além da Pseudomonas aeruginosa (que é frequentemente isolada de
amostras clínicas), há outros BGNs que podem infectar o ser humano, mas que
aparecem com pouca frequência nos isolados de amostras clínicas. Estas
espécies são:

• Acinetobacter baumannii
• Stenotrophomonas malthophilia
• Burkoideria cepacia

São normalmente patógenos oportunistas. Estas espécies bacterianas


apresentam várias características em comum com a P. aeruginosa, como
descrito anteriormente

ACINETOBACTER BAUMANNII
Faz parte da família Moraxellacese. Há várias espécies dentro do gênero
Acinetobacter, mas a mais importante é a A. baumannii
São bacilos Gram-negativos de forma variável (normalmente mais curta),
sendo normalmente visualizados como cocobacilos.
248

São imóveis (não apresentam flagelos). Podem apresentar cápsula e


fímbrias (que são importantes para a adesão e formação de biofilmes). São
bactérias aeróbicas, catalase positivas, citocromo-oxidase negativas (ao
contrário das Pseudomonas, que são citocromo-oxidase positivas) e resistem a
altas concentrações salinas.
São metabolicamente versáteis, podendo utilizar uma grande variedade
de compostos como fontes de carbono e energia, inclusive compostos
aromáticos.
São bactérias comumente encontradas no ambiente, as quais vivem
como saprófitas no solo, rios, lagos, mares, esgotos, alimentos, plantas, etc.
Além disso, também fazem parte da microbiota da pele e das mucosas de
animais.
As linhagens hospitalares são, em geral, multirresistentes aos
antimicrobianos, e podem sobreviver por dias ou meses em superfícies secas
(diferentemente da maioria dos BGN, que normalmente se desenvolvem melhor
em superfícies úmidas). Este fato de conseguirem sobrevivem durante longos
períodos em superfícies secas favorece a disseminação destes microrganismos
no ambiente intra-hospitalar.
São patógenos oportunistas, e são capazes de causar vários tipos
diferentes de infecções, como: pneumonias, infecções urinárias, infecções
de feridas, osteomielite e sepse, dentre outras.
A prevenção das infecções causadas por Acinetobacter é realizada por
meio de medidas de higiene das mãos, uso correto de EPIs, higienização
ambiental, isolamento de pacientes infectados, controle do uso de
antimicrobianos, entre outras.
249

BACTÉRIAS ESPIRALADAS
Medusa - 86

As bactérias espiraladas (bactérias que apresentam torções completas de


suas células) podem apresentar duas formas diferentes:
• Espiroquetas: apresentam corpo flexível (as espirais se contraem e se
distendem, realizando o movimento de saca-rolha). Não apresentam
flagelos externos, mas sim um flagelo interno, que é responsável por
realizar contrações e expansões da membrana da bactéria (o que lhe
proporciona mobilidade). Este flagelo fica abaixo da membrana externa
destas bactérias, no espaço periplasmático. Ele vai de um polo a outro da
célula bacteriana.

• Espirilos: apresentam corpo rígido, e são móveis devido à presença de


flagelos polares

Os principais gêneros das bactérias espiraladas são:


Espiroquetas

• Treponema
• Leptospira
• Borrelia: raramente causa doenças no Brasil.
Espirilos

• Campylobacter
• Helicobacter
250

Estes dois gêneros de espirilos não conseguem ser diferenciados pela


MO, mas, ao observá-los pela ME, é possível notar algumas diferenças.

GÊNERO TREPONEMA
É um gênero de bactérias anaeróbias extremamente sensíveis ao
oxigênio atmosférico (morrem rapidamente frente à tensão de O2 atmosférica).
As principais espécies patogênicas deste gênero são:
• Treponema pallidum: principal espécie deste gênero. É causadora da
sífilis.
• Treponema pertunue: causa bouba. Não é comum no Brasil
• Treponema carateum: causa pinta. Também não é comum no Brasil

Há outras espécies pertencentes ao gênero Treponema, mas elas fazem


parte da microbiota residente dos seres humanos. Algumas destas espécies
podem estar envolvidas em processos patológicos, causando infecções
anaeróbias endógenas.

Sífilis
É causada pelo Treponema pallidum. O Treponema pallidum é móvel
(devido ao seu corpo flexível), e cada célula apresenta forma helicoidal com 5-
14 espirais. É uma bactéria muito delgada (seu diâmetro é de 0,1-0,2
micrômetros – sendo que 0,2 micrômetros é limite de resolução da MO) e muito
comprida (mede de 6-14 micrômetros). Normalmente não se realiza a Coloração
de Gram para observar estas bactérias (visto que elas são muito delgadas), mas
sim a coloração com a prata (Fontana Tribondeau).

Esta espécie não é cultivada in vitro. O ser humano é o seu único


hospedeiro. O seu tempo de geração é bastante longo (demorando cerca de
33 horas para realizar cada multiplicação).

Transmissão
Ocorre pelas seguintes vias:
251

• Contato sexual (é uma IST)


• Beijo (se as lesões do paciente se encontram na cavidade oral)
• Transfusão de sangue
• Via placentária (sífilis congênita)

Patogênese
A bactéria não é capaz de penetrar na pele íntegra, de modo que é
necessária a presença de algum machucado/ferida/solução de continuidade
para que a infecção possa ocorrer. A bactéria pode penetrar pela pele
lesionada, mas penetra mais facilmente pelas mucosas.
Estas espiroquetas penetram na descontinuidade da pele/mucosa e
passam a se multiplicar, causando uma lesão chamada de cancro duro. Em
seguida, se a doença não for tratada ou se o sistema imunológico não conseguir
eliminar a infecção, o T. pallidum cai na corrente sanguínea e na corrente
linfática, passando a se espalhar, atingindo vários outros órgãos, como SNC,
coração, ossos e pele.

Estágios da doença
A progressão da sífilis é dividida em 3 estágios:

• Sífilis primária: é a primeira manifestação da doença. Neste estágio, a


bactéria se multiplica na região onde penetrou no organismo, formando
uma lesão chamada de cancro duro (visto que apresenta as bordas
endurecidas). Esta lesão aparece em 10-20 dias após o contágio da
infecção. As lesões com bordas endurecidas podem aparecer nos órgãos
genitais, na boca, na faringe, etc.
o Muitas vezes, o paciente não procura atendimento médico durante
a fase primária, visto que a lesão é única, indolor e desaparece
após um tempo. Nas mulheres, muitas vezes esta lesão passa
252

desapercebida (visto que pode estar localizada no interior da


vagina, onde não pode ser visualizada). Alguns pacientes podem
apresentar febre e aumento dos linfonodos inguinais

• Sífilis secundária: nesta fase, a bactéria se espalha pela corrente


sanguínea e passa a causar lesões cutâneas maculares (com alteração
da pigmentação) e lesões papulares (acompanhadas de edema). Estas
lesões aparecem de duas a dez semanas após a cicatrização da lesão
inicial. Ocorrem principalmente nas palmas das mãos e na sola dos pés.
Cerca de 25% dos pacientes não tratados na fase primária evoluem para
a fase secundária da sífilis.
o Como as lesões aparecem na pele, em locais visíveis e em grande
número, o paciente costuma procurar atendimento médico.
o Outros sintomas que ocorrem na fase secundária da sífilis são
febre, perda do apetite, dor nas articulações, aumento dos
linfonodos de maneira difusa, entre outros.

• Sífilis terciária: as lesões relativas a esta fase da doença aparecem em


8-25 anos após a infecção inicial. As lesões ocorrem principalmente no
SNC, coração e ossos. As manifestações da sífilis terciária são
o Goma sifilítica: consiste em grandes lesões ulceradas, que podem
acometer a pele, os ossos e os órgãos internos. Apresentam
processo inflamatório intenso (com a participação de vários tipos
de células da defesa imune) e com caráter bastante destrutivo.
Diferentemente das lesões presentes na síflis primária e na sífilis
secundária, não há a presença de bactérias nas lesões da sífilis
terciária – e devido a isso, a doença não é transmissível nesta fase.
As lesões que ocorrem durante a sífilis terciária são decorrentes de
respostas do sistema imune.
▪ As fases de formação da goma sifilítica são infiltração,
amolecimento, supuração, ulceração e cicatrização, Este
253

último processo, dependendo da área acometida pela lesão,


pode levar a deformidades).

o Sífilis cardiovascular: ocorre quando as lesões estão presentes no


coração. Acomete principalmente a Aorta, causando aneurismas e
lesões da válvula aórtica
o Neurosífilis: as lesões no SNC podem levar à demência,
meningites, AVCs e a problemas motores por lesão da medula
espinal e dos nervos periféricos.
o Lesões ósseas

Como atualmente a sífilis pode ser tratada nas fases iniciais da doença,
dificilmente são desenvolvidas lesões terciárias muito agressivas que levam a
grandes deformações quando cicatrizam.

Sífilis congênita
No caso da sífilis congênita, a criança é infectada devido à infecção
materna: as bactérias ficam circulantes pelo sangue materno e chegam até à
criança através da placenta.
A sífilis congênita pode levar a abortos ou ao desenvolvimento de
sequelas no RN, como:
• Pneumonia
• Feridas pelo corpo
• Cegueira
• Surdez (tanto a surdez quanto a cegueira decorrem de alterações no
SNC)
• Deformações nos dentes e ossos
• Retardamento mental
As mães portadoras da doença podem ter filhos saudáveis se forem
diagnosticadas durante o primeiro trimestre da gestação e forem
imediatamente tratadas. O tratamento é possível de ser realizado durante a
gravidez, visto que o T. pallidum é sensível à penicilina G (antibiótico que pode
ser utilizado durante a gestação).
254

Para que o tratamento da gestante consiga ser realizado de forma


adequada, é importante que a doença seja diagnóstica antes do terceiro
trimestre de gestação. Todavia, cerca de 50% dos casos de sífilis são
diagnosticados no 3º trimestre de gestação, o que reduz a chance de o beber
não desenvolver nenhuma sequela.

Diagnóstico
Diagnóstico microbiológico
É possível se observar o T.pallidum por meio da MO, mas não é possível
cultivá-lo em meio de cultura.
A visualização do T.pallidum na MO só pode ser realizada durante a fase
primária e na fase secundária da sífilis, visto que apenas nestas fases as
bactérias são encontradas nas lesões.
Não se utiliza a coloração de Gram, mas sim a coloração de Fontana
Tribondeau (corada pela prata – nesta coloração, a espiroqueta é corada de
marrom; isto acontece pois a prata deposita-se sobre a membrana das
espiroquetas e torna-as mais espessas, possibilitando assim que estas bactérias
sejam visualizadas).

Pode-se realizar também a microscopia de campo escuro, na qual


observa-se o campo escuro e a bactéria clara. Se a bactéria estiver viva, a
visualização destes microrganismos é facilitada. Devido a isso, deve-se colher o
material e observá-lo o mais rápido o possível, sem expor a amostra ao oxigênio.
255

A bactéria também pode ser observada por meio da imunofluorescência,


mas este teste normalmente não é realizado por ser mais caro.
Diagnóstico sorológico
No diagnóstico sorológico, colhe-se o sangue do paciente e é realizada a
pesquisa de anticorpos contra o T. pallidum. Podem ser utilizados anticorpos
anti-cardiolipina. A técnica utilizada é o VDRL (veneral disease research
laboratory).
O soro do paciente é diluído, e o teste é considerado positivo quando
ocorrem reações em que o título de anticorpos é igual ou superior a 1:16

O teste do VDRL pode apresentar reações cruzadas com outros


microrganismos, visto que a cardiolipina pode estar presente em outras bactérias
ou mesmo em células próprias do indivíduo. Devido a isso, quando o resultado
é positivo, é importante que seja solicitada a confirmação do exame, utilizando-
se outra metodologia. Um dos exames que pode ser utilizado para se confirmar
o diagnóstico é a pesquisa de anticorpos contra antígenos treponêmicos
específicos por imunofluorescência indireta. É uma tecnologia mais cara. Um
dos testes utilizados neste caso é o FTA-ABS.
A sífilis só pode ser descartada em casos de VDRL negativo e FTA-ABS
negativo. Se o VDRL é positivo e o FTA-ABS é negativo, pode indicar alguma
outra doença que não seja a sífilis. Se o VDRL é negativo e o FTA-ABS é
positivo, indica sífilis em fase bem inicial, sífilis terciária ou já curada.
Após o tratamento da doença, o VDRL costuma negativar, mas o FTA-
ABS continua positivo (pode demorar anos para que ocorra a sua negativação).
O diagnóstico sorológico é mais utilizado do que o microbiológico
(visto que o microbiológico apenas é capaz de detectar a infecção na fase
primária ou secundária da sífilis).

Tratamento
É feito com penicilina G ou com outros antimicrobianos (caso o paciente
seja alérgico à penicilina).

Profilaxia
256

As principais medidas utilizadas na prevenção da sífilis são:


• Evitar contato íntimo com doentes
• Uso de preservativos durante o contato sexual
• Tratamento de parceiros sexuais (para evitar reinfecções)
• Realização de um pré-natal adequado.

GÊNERO LEPTOSPIRA
As bactérias do gênero Leptospira apresentam forma em gancho nas
extremidades. Há duas espécies dentro deste gênero:

• Leptospira biflexa: é uma bactéria de vida livre


• Leptospira interrogans: é patogênica. Pode ser encontrada em vários
animais (e devido a isso a leptospirose é considerada uma zoonose). Há
vários sorotipos (>218) dentro desta espécie, os quais variam a sua
prevalência de acordo com a região geográfica estudada. Alguns destes
sorotipos são:
o Icterohaemorrhagiae: é o sorotipo que costuma causar a doença
mais grave, sendo o sorotipo que é mais frequentemente
associado ao óbito (a maioria dos indivíduos com leptospirose não
vai a óbito, mas quando vão, normalmente é devido a este
sorotipo).
o Canicola
o Pomona
o Australis

Leptospirose
É causada pelo Leptospira interrogans. Esta bactéria é uma bactéria
móvel e helicoidal, e que também é extremamente delgada e longa (mede 0,1 x
6 a 12 micrômetros). Possui tempo de geração longo (6-8h), é aeróbia
(diferentemente do T.pallidum) e pode ser cultivada em meios de cultura. Para
isso, é necessário que a amostra seja incubada a 28-30ºC e seja cultivada em
257

meios semi-sólidos (os quais apresentam uma fase contendo ágar e uma fase
líquida). Uma das extremidades da L. interrogans sempre termina em gancho.
Transmissão e reservatórios
É uma zoonose de distribuição mundial. Os roedores não são os únicos
animais que podem transmitir a doença: ela também pode ser transmitida por
cães, porcos, cavalos e gados.
Esta bactéria possui predileção pelos rins, sendo normalmente eliminada
na urina dos animais citados acima. Esta urina pode contaminar águas, sendo
este o principal veículo de transmissão da doença. Devido a isso, é muito
comum ocorrerem surtos de leptospirose após enchentes. Além desta
transmissão indireta, pode ocorrer também a transmissão direta por meio da
mordida de roedores.

A bactéria é capaz de adentrar no organismo humano através do contato


com mucosas ou por meio de soluções de continuidade na pele. O contato
com as mucosas pode ocorrer por meio da ingestão de água ou líquidos
contaminados, o que sinaliza a importância de se higienizar latas de cervejas e
refrigerantes antes do consumo, visto que estas embalagens podem estar
contaminadas com amostras de urina seca dos roedores, as quais podem conter
a L. interrogans. A contaminação por meio de soluções de continuidade da pele
ocorre principalmente frente a enchentes.

Patogênese
As leptospiras penetram no organismo através de lesões cutâneas ou
através das mucosas. Após isso, estas bactérias caem na corrente sanguínea e
passam a se proliferar, passando a colonizar vários órgãos (como rins, fígado,
SNC, etc).
A forma mais grave da doença é denominada de síndrome de Weil,
sendo causada pelo sorotipo Icterohaemorrhagiae. Nesta síndrome, o paciente
apresenta icterícia, disfunção renal, hemorragia e acometimento pulmonar.
258

A taxa de mortalidade na síndrome de Weil é alta. Todavia, nos casos de


leptospirose causada por outros sorotipos, muitas vezes o indivíduo é
assintomático e não necessita de tratamento.
O período de incubação da doença é de 5 a 14 dias

Sintomatologia
Os sintomas podem ser confundidos com várias outras doenças, como
dengue ou gripe. Os principais sintomas são:

• Febre
• Dor de cabeça
• Dor no corpo
• Dor nas panturrilhas
• Pele amarelada (devido à icterícia)
• Tosse
• Olhos avermelhados
• Diarreia
• Cansaço

Diagnóstico
O diagnóstico pode ser realizado por meio de métodos sorológicos ou
bacteriológicos:
259

• Sorológico: realiza-se a pesquisa de anticorpos no sangue do paciente.


É o método diagnóstico mais utilizado, visto que apresenta resultados
mais rápidos.
• Bacteriológico/Microbiológico: podem ser realizados:
o Exame direto da amostra clínica (normalmente urina). A amostra
pode ser observada por meio da microscopia de campo escuro, por
coloração a partir da prata ou por meio de imunofluorescência
o Cultivo: deve ser realizado por 4-6 semanas em meios contendo
soro e ácidos graxos, em temperaturas de 28-30ºC.

Tratamento
É realizado por meio da administração de penicilina G (sendo esta a
droga de primeira escolha) ou das tetraciclinas.

GÊNERO CAMPYLOBACTER
As bactérias deste gênero ficam palidamente coradas de rosa pela
coloração de Gram – devido a isso, é utilizada uma fucsina mais concentrada ao
se realizar esta coloração (carbolfucsina). As bactérias são observadas no
formato de asa de gaivota/S/C. Todavia, se as bactérias do gênero
Campylobacter forem cultivadas durante muito tempo no laboratório, elas
tendem a apresentar formas cocoides.

A espécie mais importante deste gênero é a Campylobacter jejuni. Esta


bactéria causa infecções intestinais e eventualmente pode causar infecções
sistêmicas.
Existem outras espécies dentro deste gênero, as quais normalmente
causam infecções em animais. Estas bactérias também podem infectar seres
humanos, mas são bem menos frequentes do que o C. jejuni. São elas:
• C. coli: causa infecções intestinais e eventualmente infecções sistêmicas
• C. lari: causa infecções intestinais e eventualmente sepse
• C. fetus: causa infecções intestinais e infecções sistêmicas
• C. hyointestinalis: causa proctite em homossexuais
260

Campylobacter jejuni
Esta espécie é principal causadora de gastroenterites de origem
bacteriana nos EUA. No Brasil, as gastroenterites são mais comumente
causadas pelas bactérias da família Enterobacteriaceae, como Shigella,
Escherichia e Salmonella.
No Brasil, o C. jejuni é encontrado em 10-35% das crianças (sejam elas
sadias ou apresentando quadros de diarreia).
A transmissão se dá pela ingestão de água e alimentos contaminados ou
pelo contato com animais infectados. O C. jejuni é resistente ao pH ácido
estomacal, e devido a isso a dose infecciosa é baixa (inferior a 500
microrganismos).
Os alimentos em que normalmente o C. jejuni é encontrado são leite cru
ou inadequadamente pasteurizado, aves mal cozidas e água não tratada. A
contaminação destes alimentos está relacionada à ocorrência de surtos.

A doença ocorre em qualquer idade, mas predomina em crianças com até


5 anos.

Patogenia
Após ser ingerido e passar a se localizar nos intestinos (tanto no intestino
delgado quanto no intestino grosso), o C. jejuni pode passar a realizar dois
processos:
• Invasão epitelial: leva a um quadro de diarreia sanguinolenta
• Produção de enterotoxinas: leva a um quadro de diarreia aquosa.
Uma mesma amostra de C. jejuni pode (ou não) produzir os dois tipos de
lesão citados acima. O que define qual tipo de lesão ocorrerá são os fatores de
virulência que estão presentes na amostra.
261

O período de incubação da doença é de 1-7 dias.

Diagnóstico
Cultura
Estes microrganismos são fastidiosos, sendo cultivados apenas em
meios de cultura contendo sangue e antimicrobianos (utilizados para evitar o
crescimento dos microrganismos da microbiota residente contidos na amostra).
O meio utilizado pode ser o meio de Skirrow, que contém vancomicina,
cefalotina, trimetoprim e anti-fúngicos. É um meio de cultura caro.

A bactéria é microaerófila, e cresce entre temperaturas de 37ºC-42ºC. É


resistente ao ácido nalidíxico e à cefalotina.
Como as infecções por Campylobacter não são tão comuns no Brasil,
frente à suspeita de infecção por C. jejuni, o médico deve explicitar esta suspeita
no pedido do exame (ex.: coprocultura suspeita de Campylobacter). Frente a
isso, é realizada no laboratório tanto a pesquisa do Campylobacter quanto a
pesquisa dos microrganismos que mais frequentemente causam gastroenterites
no Brasil.

Tratamento
Na maior parte dos casos, a infecção é autolimitada. Nos extremos de
idade, pode haver necessidade de tratamento, que é realizado principalmente
pela eritromicina. Antes de se prescrever a eritromicina, é conveniente se
determinar a sensibilidade da amostra, visto que este tipo de bactéria adquire
resistência a antimicrobianos facilmente.

GÊNERO HELICOBACTER
A primeira espécie deste gênero a ter sido descrita foi o H. pylori, que foi
inicialmente classificado como um Campylobacter. Posteriormente, observou-se
262

que haviam diferenças morfológicas, bioquímicas e moleculares entre estes


microrganismos, o que motivou a criação deste gênero.
Há espécies de Helicobacter que vivem no estômago humano e espécies
que vivem no intestino humano:
• Gástricos
o H. pylori
o H. helmannii
• Intestinais: podem fazer parte da microbiota residente ou causar
doenças
o H. cinaedi
o H. fennelliae

Helicobacter pylori
Antes da descoberta do H. pylori (em 1980), havia o consenso de que o
estômago era um ambiente estéril, e que as doenças gástricas eram causadas
apenas por estresse.
Todavia, passou a ser observada a presença de bactérias nos pacientes
com gastrites e úlceras. Posteriormente, foi provado que estas bactérias
realmente estavam envolvidas na patogênese das doenças gástricas.
A prevalência de H. pylori no mundo todo é de cerca de 50%. No Brasil, a
prevalência é de 60-80%, variando entre as regiões. É uma bactéria que é
encontrada infectando principalmente indivíduos mais pobres.
A maior parte das pessoas que apresentam esta bactéria no estômago
apresentam apenas um quadro de gastrite crônica.

Transmissão e sintomatologia
Acredita-se que a bactéria seja adquirida na infância, geralmente por
contaminação fecal-oral ou oral-oral.
No início da infecção, a bactéria pode causar um quadro de gastrite
aguda, o qual pode passar despercebido. Após isso, a bactéria pode ser
eliminada ou persistir no organismo. Se ela persistir, pode ser desenvolvido um
quadro de gastrite crônica, o qual pode permanecer por anos ou décadas.
Uma pequena porcentagem dos pacientes que apresentam a infecção por
H. pylori evoluem para o desenvolvimento de úlceras pépticas (que ocorrem
tanto no estômago quanto no duodeno). Uma parcela menor ainda pode evoluir
para gastrite atrófica, a qual pode evoluir para carcinomas gástricos distais
(o H. pylori é essencial para o desenvolvimento do carcinoma gástrico). Pode
ocorrer também o desenvolvimento de linfoma MALT.
263

Localização da bactéria no estômago


A localização do H.pylori no estômago é bastante variável, podendo se
localizar no corpo, no antro (onde se localiza preferencialmente) ou no fundo
gástrico. Este fato de ela poder se localizar em diversos locais pode levar ao
quadro de pangastrite (gastrite que ocorre em todo o estômago).
A localização da bactéria no estômago gera alterações fisiológicas, como
destruição de parte do tecido glandular e alteração de alguns hormônios
gástricos.

Cerca de 80% das úlceras gástricas possuem a participação desta


bactéria. Os outros fatores que podem causar as úlceras gástricas são uso de
determinados medicamentos e o consumo exacerbado de álcool. Cerca de 90%
das úlceras duodenais são causadas pelo H. pylori.
264

Características gerais
Quando o H. pylori é corado pelo Gram utilizando a carbolfucisna, esta
bactéria apresenta morfologia idêntica à do Campylobacter, de modo que não é
possível se diferenciar um gênero do outro pela MO. O H. pylori também
apresenta aspecto de asa de gaivota.

As principais características do H. pylori são:

• É uma bactéria Gram-negativa


• É espiralada
• É móvel (possui flagelos lofotríquios)
• Não produz esporos
• É microaerófila (cresce em tensões de 5-15% de O2)
• É oxidase e catalase positiva
• É urease positiva. A urease é um fator de virulência importante: apesar
de conseguir causar lesões no estômago, esta bactéria é sensível ao suco
gástrico. Devido a isso, o H. pylori produz a enzima urease. A urease
liberada quebra a ureia e libera a amônia, composto que neutraliza o pH
estomacal ao redor da bactéria (de modo que o H.pylori fica protegido da
ação do suco gástrico) A urease é uma enzima constitutiva. Frente a esta
maior neutralização do meio, a bactéria consegue penetrar mais
adequadamente no muco, passando a se localizar sobre as mucosas
gástricas (onde o pH é neutro). A ausência da secreção de urease ou dos
flagelos (ambos são fatores de virulência) faz com que as amostras de H.
pylori em questão não sejam eficientes na invasão do organismo
• É fastidiosa: só cresce em meios de cultura contendo sangue (assim
como o Campylobacter).
• O habitat deste microrganismo é a mucosa gástrica dos seres humanos
e de alguns primatas.

Doenças
São várias as doenças causadas pelo H. pylori, como a gastrite, a úlcera
péptica e o carcinoma gástrico. A evolução para estas doenças depende de
características do microrganismo (virulência da amostra que está causando a
265

infecção), de características do hospedeiro (presença e qualidade da resposta


imunológica) e de características ambientais (alguns fatores favorecem a
infecção; exemplo disso é que o uso excessivo de sal e a falta de algumas
vitaminas favorecem a formação dos carcinomas).
Exemplos de fatores de virulência do H. pylori são:
• Motilidade (causada pela presença de flagelos)
• Produção de urease
• Presença da citotoxina vacuolizante (vacA): este fator está relacionado ao
desenvolvimento do carcinoma. Fatores genéticos do hospedeiro também
interferem no aparecimento do carcinoma gástrico.

Diagnóstico
Diagnóstico pela detecção do microrganismo
Há várias metodologias que podem ser utilizadas para se realizar o
diagnóstico da infecção, como:
• Análise histológica: realiza-se uma biópsia da mucosa intestinal e é feita
uma lâmina a partir desta amostra, a qual é corada pela prata e observada
no MO.

• Cultura: tritura-se o tecido e em seguida semeia-o em meio de cultura


o A cultura é o padrão ouro para a identificação do H.pylori
o É possível se determinar o perfil de sensibilidade aos
antimicrobianos
o Permite a pesquisa dos fatores de virulência da amostra
o É feita em meio de cultura contendo sangue de carneiro a 10% e
antimicrobianos como vancomicina, ácido nalidíxico e anfotericina
o É cultivada em atmosfera de microaerofilia (a placa é inserida
dentro de uma jarra de anaerobiose, sendo utilizada uma
substância que consome apenas parcialmente o oxigênio), a 37ºC,
durante 7 dias
• Teste da urease pré-formada (em ágar ureia): introduz-se uma amostra
da biópsia gástrica em um meio de cultura contendo ureia. Se houver a
266

presença de bactérias no tecido, a urease será excretada para o meio,


passando a metabolizar a ureia presente no ambiente. A metabolização
da ureia causa a mudança de cor do meio de cultura de amarelo para
rosa.
• Utilização da biologia molecular: realiza-se a extração de DNA de uma
amostra do tecido
• Teste respiratório (“urea breath test”): é o único método diagnóstico
não invasivo, visto que não demanda a realização de uma biópsia da
mucosa estomacal. Devido a isso, pode ser utilizado na realização de
estudos epidemiológicos e no acompanhamento do tratamento dos
pacientes. Este teste também se baseia na presença da urease.
o Colhe-se o ar expelido pelo paciente em bolsas plásticas em dois
momentos: quando ele está em jejum por 6h e após a ingestão de
200 ml de suco de laranja com 0,075g de ureia com carbono
marcado (C13). A segunda amostra é colhida cerca de 30 minutos
depois da ingestão do suco. Posteriormente, é feita uma leitura em
um espectrofotômetro de massa, que detecta a presença do
carbono marcado nas moléculas de CO2 liberadas na expiração.
o Após ingerir o suco, o H. pylori quebra a ureia que contém o
carbono marcado (que foi ingerida juntamente ao suco). Esta ureia
quebrada libera amônia e bicarbonato, o qual cai na corrente
sanguínea e depois é liberado na expiração na forma de CO2. Se
o indivíduo possuir H. pylori em seu estômago, parte do CO2
expirado na segunda coleta apresentará o C13 proveniente da
metabolização da ureia.

Diagnóstico pela detecção indireta do microrganismo


• Pesquisa de anticorpos anti-H. pylori (métodos sorológicos)
• Pesquisa de antígenos de H. pylori nas fezes (método mais utilizado
no diagnóstico de crianças)
267

Tratamento
O tratamento das úlceras causadas por H.pylori é realizado com 2
antimicrobianos (metronidazol e claritromicina ou amoxicilina) e inibidores
de bomba de prótons (omeprazol). O tratamento deve ser realizado por 7-14
dias. Em casos muito graves e extremos (nos quais há risco de perfuração da
úlcera) pode-se realizar cirurgias.
O omeprazol, sozinho, pode inibir a presença da bactéria. Devido a isso,
quando se vai realizar a biópsia do tecido para se realizar a cultura buscando H.
pylori, o ideal é que o paciente suspenda o uso do omeprazol por 2 semanas
antes da realização do exame.
268

CLAMÍDIA, RIQUÉTSIAS E MICOPLASMAS


Medusa - 86

As bactérias dos gêneros Clamídia, Riquétsia e Micoplasma são


bactérias muito pequenas:
• Micoplasmas: medem de 0,1-0,3 micrômetros
• Clamídias: medem de 0,2-1 micrômetros
• Riquétsias: medem de 0,3-1 a 2 micrômetros
Estas bactérias não são coradas pela coloração de Gram e não são
observadas na MO (visto que 0,2 micrômetros é o limite de resolução do
microscópio óptico).
As bactérias dos gêneros Riquétsia e Clamídia são parasitas
intracelulares obrigatórios. Este parasitismo é necessário pois as Riquétsias
requerem fatores de crescimento e as Clamídias não sintetizam ATP.

CLAMÍDIAS
Até pouco tempo atrás, havia apenas 1 gênero dentro da família
Clamydiaceae, o gênero Clamydia. Atualmente, existem 2 gêneros dentro desta
família:
• Clamydia
• Clamydophila

As principais espécies dentro da família Clamydiaceae são:


• Clamydia trachomatis: é a mais importante. Esta bactéria causa várias
doenças nos seres humanos.
• Clamydophila psittaci: a contaminação ocorre por meio da inalação desta
bactéria, que está contida nos dejetos de aves. A infecção de seres
humanos por esta bactéria é considerada rara.
• Clamydophila pneumoniae: causa pneumonias. A infecção de seres
humanos por esta bactéria também é considerada rara.
As clamídias são bactérias de aspecto cocoide ou esférico. São
móveis. Não são coradas pelo Gram, mas podem ser coradas pelo Giemsa.
Não é possível se observar as bactérias individualmente na MO, mas sim o
conjunto delas (chamado de inclusão).
269

Formas celulares
As clamídias são as únicas bactérias que apresentam ciclo de
desenvolvimento bifásico, com 2 formas celulares:
• Corpo/corpúsculo elementar: é uma forma menor (mede de 0,2-0,3
micrômetros) e mais eletrondensa. É a forma infectante extracelular. Esta
forma é capaz de reconhecer o receptor das células hospedeiras e infecta-
las.
• Corpo/corpúsculo reticular: é a forma intracelular. Como esta forma é
apenas intracelular, ela não é infectante (para ser infectante, é necessário
ser extracelular e ser capar de reconhecer o receptor da célula
hospedeira). É uma forma maior (mede de 0,8-1 micrômetro) e mais
eletronlúcida.

Ciclo de desenvolvimento
O corpúsculo elementar reconhece o receptor da célula hospedeira e se
liga a ele. Em seguida, a célula hospedeira fagocita o corpúsculo ligado ao
receptor, formando um vacúolo fagocítico no interior de seu citoplasma. Dentro
deste vacúolo fagocítico, o corpúsculo elementar se transforma em corpúsculo
reticular, o qual passa a se multiplicar. Em seguida, os vários corpúsculos
reticulares que foram formados se transformam em corpúsculos elementares.
Quando a célula hospedeira sofre lise, os corpúsculos elementares são
liberados, sendo capazes de infectar uma nova célula hospedeira.
Quando um corpúsculo reticular se transforma em um corpúsculo
elementar, ele passa por outra forma, chamada de forma intermediária.
270

Doenças causadas por Clamydias em seres humanos


Estudaremos apenas as doenças causadas por C. trachomatis, visto que
esta espécie é a mais prevalente causando infecções nos seres humanos. Esta
bactéria causa doenças diferentes de acordo com o biotipo e o sorotipo da
amostra em questão. O sorotipo é determinado de acordo com uma proteína de
membrana chamada MOMP.
Há dois biotipos de C. trachomatis. Cada um deles causa diferentes
doenças:

• Tracoma: causa as seguintes doenças:


o Tracoma: é causada pelos sorotipos A, B, Ba, C
o Conjuntivite: assim como todas as doenças citadas a seguir, é
causada pelos sorotipos D a K
o Uretrite não gonocócica
o Outras infecções genitais
o Pneumonia em lactentes
• LGV: causa as seguintes doenças:
o LGV (linfogranulma venéreo): é uma IST. É causada pelos
sorotipos L1, L2 e L3

Tracoma (doença, não biotipo rs)


271

É uma doença progressiva e crônica da conjuntiva. Com a sua


progressão, ela causa invasão da córnea e promove ulcerações no local.
Provoca a fibrose da córnea e pode levar à cegueira.
Os sintomas iniciais são hiperemia da conjuntiva, edema palpebral,
fotofobia e lacrimejamento.
A transmissão corre pelo contato com a secreção que se forma no local
da infecção. Também pode ser transmitida pelo compartilhamento de roupas
contaminadas (ex.: compartilhamento de toalhas), pelas mãos contaminadas ou
por meio de moscas, que pousam sobre a secreção de um indivíduo infectado e
depois pousam sobre um indivíduo não infectado.
O tracoma possui disseminação mundial. Os casos no Brasil reduziram
consideravelmente. Esta doença é responsável por aproximadamente 5,9
milhões de casos de cegueira no mundo.
A doença acomete principalmente crianças, especialmente as que vivem
em condições de baixa renda: a transmissão é facilitada por fatores como
inadequadas condições de habitação, grande concentração populacional e
precariedade do saneamento básico.
A replicação da bactéria é restrita às células epiteliais colunares ou de
transição. Devido às lesões provocadas nas células epiteliais, infecções
bacterianas secundárias podem ocorrer em associação à Clamydia

Conjuntivite de inclusão
É causada pelos sorotipos D-K. Consiste em um processo inflamatório
da conjuntiva de natureza benigna (não ocorre invasão da córnea) e
autolimitada. A transmissão pode ocorrer por meio do contato com secreções
do trato genital ou com águas de piscina (que podem ter tido contato com a
região genital de indivíduos contaminados – os sorotipos de D-K são
encontrados principalmente no trato genital).
Ao se observar por meio de uma microscopia o tecido acometido, são
observadas as inclusões da clamídia (conjunto de corpúsculos elementares e
reticulares observados no interior das células do hospedeiro).
Infecções urogenitais
272

Também são causadas por sorotipos D-K. São as infecções mais


comuns causadas por C.trachomatis. São chamadas também de “uretrites
não gonocócicas”. A transmissão desta doença se dá principalmente pelo
contato sexual.
É comum a infecção concomitante por C. trachomatis e N. gonorrhoeae.
Todavia, a infecção por C. trachomatis é tratada com antimicrobianos diferentes
dos utilizados no tratamento por N. gonorrhoeae.
Existem testes rápidos para se detectar as infecções urogenitais
causadas por clamídia, mas nem sempre os exames para a identificação desta
bactéria são solicitados pelos clínicos.
As manifestações clinicas das infecções urogenitais causadas por C.
trachomatis são:
• Homem: quadro de uretrite, podendo evoluir para epididimite (que pode
levar à esterilidade)
• Mulher: a bactéria aloja-se preferencialmente no cérvix, causando quadro
de cervicite. Pode localizar-se também na vagina e a uretra, ou mesmo
passar a se localizar nos órgãos internos, causando quadros como
salpingites e DIP (que pode levar à esterilidade)
o A C. trachomatis está entre os principais agentes causadores de
uretrites nas mulheres.
O indivíduo naturalmente produz uma quantidade de secreção genital.
Todavia, esta secreção pode ter a sua quantidade, o seu aspecto ou o seu odor
alterado frente a infecções. No caso da infecção por C. trachomatis, ocorre
aumento da secreção, e o seu aspecto é límpido. O seu aspecto não é amarelado
como na N. gonorrhoeae pois na infecção por C. trachomatis o padrão de
resposta imune dominante é do tipo celular, e não mediado por
polimorfonucleados (sendo que estas últimas são as células que morrem e são
responsáveis por trazer o aspecto branco/amarelado para a secreção na
gonorreia).
Esta infecção urinária pode evoluir e levar a quadros sistêmicos, mas esta
situação não é comum.

Linfogranuloma venéreo
É causado pelos sorotipos L1, L2 e L3. A transmissão desta doença se dá
pelo contato sexual (é uma IST). Alguns dos portadores desta bactéria são
assintomáticos, sendo estes os principais disseminadores da doença.
O linfogranuloma venéreo pode ser dividido em 2 estágios:

• Estágio primário: após um período de incubação de 3-30 dias, aparece


uma lesão discreta e indolor, semelhante à lesão da sífilis, mas sem as
bordas endurecidas. Esta lesão primária muitas vezes não incomoda o
273

paciente, de modo que ele não busca atendimento médico, permitindo


que a doença evolua para o próximo estágio.

• Estágio secundário: acontece em 2-6 semanas após o aparecimento da


primeira ferida. Neste estágio, ocorre o inchaço dos linfonodos inguinais
(formando uma estrutura chamada de bubão), que ficam bem dolorosos.
A pele fica avermelhada e edemaciada. Ocorrem também sintomas como
febre, falta de apetite e mal-estar geral. Podem ocorrer fístulas entre o
bubão e o meio externo, as quais acabam por drenar o conteúdo presente
nos linfonodos para fora do organismo.

A doença possui maior incidência em indivíduos do sexo masculino,


com idade entre 20-30 anos. É mais presente na África, Ásia e América do Sul,
principalmente nos países em desenvolvimento.
Se o paciente não for tratado, o quadro pode evoluir para um aumento
exagerado do pênis, do escroto e da vulva (elefantíase). Pode ocorrer
também casos de proctite crônica e estreitamento do reto.

Diagnóstico
Como esta bactéria é um patógeno intracelular obrigatório, o seu cultivo
só é possível se for realizado dentro de células, como no interior do saco
vitelinico de ovos embrionados ou em culturas de células.
Também pode-se fazer a bacterioscopia direta a partir de um raspado
da lesão, no qual é possível se visualizar a presença de inclusões. Uma das
colorações que pode ser utilizada para se visualizar a presença das inclusões é
o iodo. O iodo reage com o glicogênio que se localiza ao redor das bactérias, de
modo que a lâmina fica corada de marrom onde há células infectadas por
clamídia.
274

Há também métodos sorológicos (pesquisa de antígenos ou de


anticorpos no soro ou nas lesões (neste último caso, apenas os antígenos são
encontrados) do paciente) e testes moleculares (PCR).

RIQUÉTSIAS
Também são parasitas intracelulares, de modo que podem ser
encontradas no interior do citoplasma das células. Possuem aspecto de bacilos
ou cocobacilos. São bactérias Gram-negativas. Estas bactérias apresentam
externamente uma camada limosa que as recobre.

São tipicamente encontradas em reservatórios animais, como roedores


e artrópodes. Os artrópodes (piolhos, pulgas, ácaros e carrapatos). funcionam
como vetores de transmissão, visto que são capazes de transmitir estas
bactérias por meio de suas picadas. Os animais vertebrados também podem ser
infectados pelas picadas dos artróprodes.
As espécies mais importantes do gênero Rickettsia são:

• R. rickettsii: causa febre maculosa (doença grave e com alta letalidade).


No Brasil, é transmitida pelo carrapato-estrela. Os reservatórios desta
espécie de bactéria são roedores silvestres e cães
275

• R. prowasekii: causa tifo endêmico/tifo exantemático. Ocorre a presença


de febre e exantemas durante esta infecção. O vetor desta bactéria é o
piolho e o seu reservatório é o ser humano.
• R. typhi: causa o tifo endêmico ou murino. O vetor desta bactéria é a pulga
do rato, e o seu reservatório são os roedores.
A distribuição das espécies de Riquétsias é muito variável, dependo da
região geográfica e dos vetores.

As Riquétsias infectam as células endoteliais dos vasos sanguíneos,


causando um quadro de vasculite generalizada. Os sintomas clássicos da
infecção por Riquétsias são febre, cefalia e a presença de exantemas na pele.
Estas bactérias induzem as células eucariotas a fagocitá-las, de modo que
estes microrganismos passam a se localizar no interior destas células.
Diferentemente das Clamídias, as Riquétsias degradam a membrana do
fagossomo, passando a se multiplicar livremente no citoplasma. Dependendo da
espécie de Riquétsia, a bactéria também consegue se multiplicar no núcleo das
células hospedeiras.
O tempo de geração destas bactérias é de cerca de 9-12 horas.

Rickettsia rickettsii
A R. rickettsii é responsável por causar a febre maculosa. Esta espécie
está presente principalmente na América. No Brasil, ocorre principalmente na
região sudeste.
A doença é transmitida pela picada do carrapato estrela. É um carrapato
comum de capivaras, cavalos e cães. Este carrapato pica estes animais, se
infecta com a R. rickettsii e passa a ser capaz infectar os humanos quando os
pica também.

Uma vez fixado no hospedeiro, um carrapato infectado leva de 4-6 horas


para transmitir a R. rickettsii. Devido a isso, este carrapato deve ser retirado da
pele da pessoa ou do animal se for visualizado. Deve-se evitar o esmagamento
do carrapato, visto que esta ação pode facilitar a contaminação.
276

Sintomas
É uma doença infecciosa febril aguda multissistêmica, a qual se
manifesta com curso clínico variável. As formas clássicas da febre maculosa
apresentam febre e exantema, mas há também formas atípicas.
O início da doença ocorre em 2-14 dias após a infecção, e o aparecimento
dos sintomas é abrupto. Os sintomas são inicialmente inespecíficos, podendo
ser confundidos com um quadro de dengue. Os sintomas iniciais são:

• Febre
• Cefaleia
• Mialgia intensa
• Mal-estar generalizado
• Náuseas
• Vômitos
• Exantemas (aparecem no 3º-5º dia após o início da doença).

Diagnóstico laboratorial
Como estas bactérias também são intracelulares obrigatórias, a cultura
também é feita em ovo embrionado ou a partir de cultura de células. Além disso,
pode-se realizar também a inoculação da amostra em animais. A cultura das
Riquétsias ocorre somente em laboratórios de referência. Na imagem abaixo, é
possível se observar uma cultura de Riquétsias no interior de um ovo embrionado
(observe que há tanto bactérias dentro do citoplasma quanto bactérias dentro do
núcleo da célula).
277

Outro método diagnóstico que também pode ser utilizado é a análise por
imunofluorescência indireta de amostras obtidas diretamente dos tecidos.
Também pode-se realizar sorologias, sendo este o método diagnóstico
mais comumente utilizado.

MICOPLASMAS
Os Micoplasmas são bactérias que não apresentam parede celular.
Devido a isso, estas bactérias não apresentam um formato definido, ficando
ora arredondadas, ora emitindo filamentos.

São as menores bactérias de vida livre que se multiplicam nos meios


de cultura convencionais. Diferentemente das Clamídias e das Riquétsias, que
são bactérias intracelulares obrigatórias, os Micoplasmas são bactérias de vida
livre.
A membrana citoplasmática dos Micoplasmas contem esteroides
(característica típica dos microrganismos que fazem parte da classe Mollicutes;
as bactérias desta classe também não apresentam parede celular).
São anaeróbios facultativos (com exceção do Mycoplasma
penumoniae, que é um aeróbio estrito). Requerem esterol exógeno para se
multiplicar. O tempo de geração destas bactérias é longo, sendo cerca de 6h.

Principais espécies patogênicas

• Mycoplasma pneumoniae: pode causar pneumonia, traqueobronquites


e outras doenças do trato respiratório superior.
• Mycoplasma hominis: causa febre puerperal e pielonefrite

Diagnóstico
Os Micoplasmas crescem em meios de cultura específicos, os quais
devem conter lipídios. As colônias aparecem após cerca de 7 dias de cultivo,
278

sendo muito pequenas (deve-se utilizar lupas/objetivas de 10x para que elas
sejam observadas). Estas colônias apresentam o centro mais escurecido.

Pode-se realizar também sorologias para se detectar antígenos ou


anticorpos de amostras do indivíduo.
Os testes moleculares e os testes sorológicos são bastante utilizados,
visto que possuem resultados rápidos
279

MICOLOGIA
Medusa - 86

IMPORTÂNCIA DOS FUNGOS


Os fungos são organismos importantes em diferentes setores da atividade
humana, como:

• Podem produzir substâncias antimicrobianas, como a penicilina


• São agentes decompositores, realizando a deterioração de alimentos e
demais materiais orgânicos
• Podem causar infecções nos seres humanos, como infecções cutâneas
• Podem ser agentes envolvidos na produção de alimentos (ex.: leveduras
(Saccharomyces cerevisiae)) ou eles em si podem ser utilizados como
alimentos (ex.: cogumelos)
• Podem causar infecções em plantas (são os principais agentes
causadores de doenças em plantas), cau sando impactos na produção
agrícola.
o Muitos antifúngicos utilizados no tratamento das infecções em
plantas são da mesma classe dos que são utilizados nos
tratamentos das infecções humanas. Isto vem levado ao
desenvolvimento da seleção de fungos resistentes aos
antimicrobianos utilizados no tratamento das infecções em
humanos.
• Podem ser utilizados para o controle biológico de pragas (visto que alguns
fungos são inimigos naturais de insetos)
• Fazem parte da micobiota humana. O termo “Micobiota” refere-se aos
fungos que são microrganismos residentes do organismo humano (este
termo foi desenvolvido pois o termo “microbiota” normalmente está
relacionado às bactérias). Desequilíbrios na micobiota podem levar ao
aparecimento de doenças (assim como ocorre com as bactérias que
formam a microbiota). Alguns dos fungos que fazem parte da micobiota
humana são:
o Malassezia: faz parte da micobiota da pele, e pode causar
infecções de pele se a mico/microbiota estiver em desequilíbrio
o Candida: é um gênero de leveduras que possui cerca de 20
espécies patogênicas. Pode causar desde lesões superficiais até
infecções profundas. É o principal patógeno fúngico do ser
humano, apesar de ser um membro normal da micobiota. Está
presente na micobiota da cavidade oral, do intestino e da mu cosa
vaginal. Frente a desequilíbrios na mico/microbiota, estas
leveduras começam a crescer de forma exagerada (como frente ao
uso de antibacterianos de forma prolongada – as bactérias
competem com os fungos por espaço e nutrientes, de modo que,
se as bactérias possuem a sua população reduzida, ocorre uma
maior possibilidade de que os fungos se desenvolvam).
280

PROBIÓTICOS
Assim como ocorre com as bactérias, os fungos também podem ser
utilizados como probióticos. Um exemplo de fungo que pode ser utilizado como
probiótico é o Saccharomyces boulardii. Este fungo pode ser encontrado na
casca da lichia e no mangostão. Estas leveduras eram utilizadas para se
controlar os sintomas da cólera.
Ao ser ingerido, o S. boulardii exerce tanto um efeito de barreira
(impedindo que outros microrganismos colonizem as membranas dos órgãos)
quanto um efeito antibacteriano (visto que este fungo é capaz de produzir várias
substâncias antibacterianas).

DECOMPOSIÇÃO
Alguns fungos possuem função decompositora. Eles são capazes de
crescer em ambientes com poucos nutrientes (possuem metabolismo muito
versátil). Também conseguem crescer em ambientes ácidos (como em frutas
cítricas), onde normalmente as bactérias não conseguem crescer. Os fungos
crescem mais lentamente do que as bactérias.
Os meios de cultura utilizados para o crescimento dos fungos são pobres
em nutrientes, e muitas vezes devem possuir pH ácido (por volta de 5). O pH
ácido funciona como um fator seletivo, visto que ele impede que as bactérias
cresçam no meio, permitindo que apenas os fungos cresçam e consigam ser
isolados para serem analisados.

SIMBIOSE
As micorrizas são associações simbióticas entre fungos e plantas. Esta
associação está presente em mais de 90% das plantas. Esta associação é
benéfica para a planta pois a presença dos fungos nas raízes das plantas
281

aumenta a área de absorção destas raízes, e é benéfica para os fungos pois eles
conseguem extrair a seiva das plantas, conseguindo obter alimento desta forma.
Trufas: fungos que crescem associados às raízes de algumas árvores,
como carvalhos. São utilizadas na alta gastronomia.

PATOGÊNESE DOS FUNGOS


Os fungos podem causar doenças das seguintes maneiras:

• Como agentes infecciosos, causando micoses


• Como sensibilizantes, causando manifestações alérgicas
• Como agentes de intoxicações, causando o micetismo (quadro de
intoxicação aguda que ocorre devido à ingestão de cogumelos não
comestíveis) ou micotoxicose (quadro de intoxicação crônica devido à
ingestão repetida de alimentos contaminados com toxinas fúngicas).
o As micotoxinas podem causar deficiências imunológicas,
alterações no sistema nervoso (agir como alucinógenos),
mimetizar hormônios sexuais (predispondo quadros de puberdade
precoce) ou ser carcinogênicas (ex.: aflatoxinas produzidas por
Aspergillus, as quais podem ser encontradas em amendoins)
o As micotoxinas são produzidas por vários tipos de fungos comuns
(os quais estão no ambiente e crescem nos alimentos). Podem
contaminar os alimentos em qualquer etapa da sua produção
(cultivo, colheita, transporte e armazenamento)
o As micotoxinas são toxinas estáveis e resistentes, que continuam
a existir mesmo após o processamento do alimento e por um longo
período de tempo (mesmo após o desaparecimento dos fungos
que as originaram). Elas não alteram a aparência dos alimentos
o As toxinas podem ser transmitidas pela cadeia alimentar: ao serem
ingerida pelos animais, estas micotoxinas podem depois passar a
se localizar na carne, no leite ou nos ovos produzidos pelo animal.
Quando os seres humanos consomem estes alimentos, acabam se
contaminando também

CARACTERÍSTICAS GERAIS DOS FUNGOS


282

São seres amplamente distribuídos na natureza. São eucariotos,


aeróbios (a maioria) ou anaeróbios facultativos (como as leveduras, que
fazem fermentação).
Os fungos podem ser divididos em:
• Demáceos: produzem melanina. A presença da melanina faz com que
estes fungos possam ser vistos macroscopicamente (visto que suas hifas
são escuras)

• Hialinos: são fungos claros (suas hifas não produzem melanina).

Os fungos que causam doenças podem ser tanto demáceos quanto


hialinos. As micoses causadas pelos fungos demáceos são chamadas de
feohifomicoses, e as micoses causadas pelos fungos hialinos são chamadas
de hialohifomicoses.
Os fungos apresentam parede celular, formada por quitina e glicanas
(diferentes tipos de açúcares). Alguns antifúngicos (equinocandinas) atuam
inibindo a síntese de glicanas n a parede celular dos fungos (são medicamentos
altamente seletivos, visto que atuam sobre estruturas específicas dos fungos que
não existem nas células animais).
A membrana plasmática dos fungos apresenta como principal esterol o
ergosterol, enquanto o principal esterol da membrana plasmática dos seres
humanos é o colesterol. Alguns antifúngicos agem sobre o ergosterol presente
na membrana plasmática fúngica.
283

Os fungos podem se reproduzir tanto de forma sexuada quanto e forma


assexuada. Os fungos normalmente produzem esporos, os quais podem ser
exógenos (são produzidos e já são liberados no meio) ou endógenos (são
formados dentro de estruturas membranosas, que se rompem e liberam estes
esporos no meio).
Podem crescer em pH ácido e em meios de cultura com altas
concentrações osmóticas.
Podem ser macroscópicos (como cogumelos) ou microscópicos (como
leveduras e bolores/mofos).
Macroscopicamente, as colônias de leveduras se assemelham a
colônias de bactérias, enquanto e as colônias de bolores podem apresentar
diferentes formas, mas normalmente apresentam aspecto pulverulento ou
algodonoso. Microscopicamente, o bolor possui estruturas filamentosas (hifas),
e a levedura é um fungo unicelular, que se divide por brotamento.

LEVEDURAS
As leveduras são estruturas unicelulares, que podem ser esféricas ou
ovais. As leveduras se multiplicam por brotamento ou fissão binária. Pode
haver a presença de pseudo-hifas: vários brotos que não se separam após o
brotamento, formando uma cadeia de células que se assemelha a hifas.
A região da levedura de onde um broto se desprende é chamada de
“cicatriz do broto”.
284

BOLORES
Os bolores são formados por hifas, que são estruturas multicelulares. As
hifas podem ser asseptadas (cenocíticas) ou septadas. As cenocíticas estão
presentes em infecções causadas por fungos zigomicetos. A maioria dos bolores
apresenta hifas septadas. Não é como se cada septo dividisse uma célula –
podem existir várias células dentro de um mesmo septo, ou mais do que um
septo dentro de uma mesma célula, de modo que não é possível se saber onde
começa e onde termina cada célula

A hifa é a unidade funcional dos bolores. Quando as hifas se juntam, elas


formam os micélios. Os micélios podem ser divididos em:
• Vegetativo: ficam em contato com o substrato, tendo função de
crescimento. As hifas que compõem estes micélios liberam enzimas no
meio, as quais são capazes de metabolizar o substrato para que ele seja
posteriormente absorvido. Também podem ser produzidas substâncias
tóxicas (micotoxinas), as quais vão se acumulando no substrato.
285

• Reprodutivo: projetam-se para o meio externo, sendo formados por hifas


reprodutivas (modificadas). É possível classificar os fungos a partir das
estruturas reprodutivas que eles possuem. Os micélios reprodutivos
liberam esporos no meio, os quais podem aderir a um novo substrato e
dar origem a um novo micélio vegetativo.

FUNGOS DIMÓRFICOS
São fungos que crescem tanto na forma filamentosa (produzindo hifas
vegetativas e aéreas) quanto na forma de levedura (por brotamento). Os
fungos dimórficos que são patogênicos são encontrados na forma filamentosa
no ambiente e na forma de levedura no organismo do hospedeiro.
286

O dimorfismo depende de condições ambientais (como disponibilidade


de O2, de nutrientes, condições de temperatura, etc). Os fungos dimórficos que
possuem importância clínica são fungos termodimóficos (crescem de forma
filamentosa na temperatura ambiente e na forma de leveduras a 36-37ºC). Este
termodimorfismo é possível de ser reproduzido em laboratório se as placas forem
incubadas em temperatura ambiente (para obter as hifas) ou em 36-37ºC (para
se obter as leveduras).
Um exemplo de fungo termodimórfico é o Paracoccidioides brasiliensis.
Nas imagens abaixo, ele encontra-se a temperatura ambiente e a 36-37ºC,
respectivamente.

Reprodução sexuada dos fungos


A taxonomia dos fungos é baseada nas características da reprodução
sexuada destes organismos. A reprodução sexuada dos fungos é rara, e
acontece ao acaso no ambiente. Os filos de fungos são:
• Chytridiomycota: não possuem importância clínica. São fungos
aquáticos e que apresentam flagelos. Todos os outros tipos de fungos não
apresentam flagelos.
• Zygomycota: apresentam hifas asseptadas. Reproduzem-se
sexuadamente por zigósporos.
• Ascomycota: apresentam hifas septadas. Reproduzem-se
sexuadamente por ascósporos, que são produzidos no interior de ascos.
80% dos patógenos humanos pertencem a este grupo.
• Basidiomycota: apresentam hifas septadas. Reproduzem-se
sexuadamente por basidiósporos (esporos sexuados formados na
superfície dos basídios)
287

DIAGNOSTICO MICROBIOLÓGICO DAS MICOSES E


TERAPEUTICA EM MICOLOGA
Medusa - 86

Os passos gerais para se realizar o diagnóstico e o tratamento de


uma micose são:
1. Realizar a coleta de material da lesão/tecido afetado (ex.: raspado)
2. Processar a amostra. Normalmente se utiliza agentes clarificadores, como
KOH
3. Observar a lâmina: ver se há a presença de h ifas, se são hialinas ou
demáceas, etc.
4. Após detectar que a infecção em questão é uma infecção fúngica, pode-
se realizar a cultura do material utilizado na microscopia
5. Realizar técnica de microcultivo: esta técnica é capas de mostrar
características do micélio reprodutivo do fungo que cresceu na cultura.
6. Tratamento: utilizar o antifúngico mais adequado para cada fungo

CLASSIFICAÇÃO DAS MICOSES


Os fungos são classificados de acordo com o tipo de tecido que são
capazes de infectar:
• Micoses superficiais:
o Micoses superficiais propriamente ditas: são causadas por fungos
sem capacidade de invasão do tecido. Estes fungos ficam
localizados na parte mais superficial da pele e dos pelos.
o Micoses superficiais cutâneas: são fungos relacionados ao tecido
queratinizado. Normalmente não atingem a derme
• Micoses profundas: são fungos que utilizam a queratina. Estão limitados
ao estrato córneo (não invadem tecido subcutâneo)
o Micoses profundas subcutâneas: não penetram ativamente na
pele, de modo que normalmente entram no tecido por meio de
ferimentos. São normalmente fungos ambientais, não parasitas.
o Micoses profundas sistêmicas
▪ Micoses endêmicas: causadas por fungos termodimórficos.
Estes fungos normalmente estão presentes no ambiente
como fungos filamentosos, e liberam esporos, os quais são
inalados por seres humanos. Em seguida, estes fungos se
desenvolvem nos pulmões na forma de leveduras (devido à
temperatura corpórea)
▪ Micoses oportunistas: são causadas por fungos da própria
micobiota do indivíduo que migram do sítio onde
normalmente são encontrados para outros sítios, causando,
por exemplo, infecções sistêmicas. Causam quadros
288

graves, com alta taxa de mortalidade. É dificil se realizar um


diagnóstico precoce desta condição, visto que os sinais e
sintomas da infecção podem ser confundidos com sinais e
sintomas causados por outros patógenos. Um gênero de
fungo que causa infecções oportunistas é o Candida

DIAGNÓSTICO DAS MICOSES


É um processo baseado na combinação de dados clínicos e dados
laboratoriais.
O processo laboratorial inclui:

• Observação do fungo no material examinado pela microscopia e pela


cultura
• Detecção de resposta imunológica à presença do agressor
• Detecção de antígenos e metabólitos de fungos nos líquidos corpóreos ou
tecidos.
A interpretação correta dos resultados laboratoriais depende de:
• Profissional de laboratório experiente
• Qualidade da coleta e do processamento do material clínico analisado
• Informações essenciais como:
o Idade e profissão do paciente, local em que o material foi coletado
o Local de residência ou viagens recentes realizadas pelo paciente
(para se suspeitar de micoses endêmicas)

TÉCNICAS UTILIZADAS:

• Exame microscópico: utiliza-se esta técnica para tentar detectar os


elementos fúngicos na amostra clínica
o Direto: proporciona resultado rápido. Analisa-se diretamente a
amostra coletada. É o exame mais comum para se analisar
micoses cutâneas
▪ Pode ser feito o clareamento com diferentes substâncias,
como KOH 10-20%
▪ É o mais utilizado nas infecções cutâneas
▪ A amostra pode conter muitas impurezas que dificultam a
visualização dos fungos
o Direto com coloração (como Giemsa, Nanquim, Gram, etc).
o Histopatológica: realiza-se uma biópsia, a qual é corada utilizando
as seguintes colorações:
▪ HE
▪ PAS
▪ GMS
289

• Isolamento fúngico (cultura): idealmente, realiza-se o exame direto


antes da cultura.
o São utilizados meios de cultura como Ágar Sabouraud,
adicionados ou não de antibióticos bacterianos (visto que as
bactérias crescem muito rapidamente e podem consumir todos os
nutrientes do meio, impossibilitando o crescimento dos fungos) e
antifúngicos (para conseguir se isolar apenas determinados
fungos, os quais são resistentes a estes antifúngicos).
o O resultado da cultura pode demorar de semanas a meses para
ser obtido.

• Micromorfologia/Microcultivo: possibilita que as estruturas reprodutivas


assexuadas do fungo sejam observadas. É realizado o cultivo em lâminas
em bloco de ágar-meio.

• Atividades bioquímicas: podem ser realizados testes bioquímicos,


assim como os utilizados no diagnóstico das bactérias. Realiza-se este
tipo de teste principalmente com as leveduras
o Auxanograma: teste que mostra quais carboidratos a levedura da
amostra utiliza em seu metabolismo
o Zimograma: analisa a fermentação dos carboidratos pelas
leveduras. Pelo perfil de carboidratos que a levedura é capaz de
fermentar ou não, é possível se detectar a espécie.

• Testes imunológicos
o Testes intradérmicos (como o teste da tuberculina utilizado na
tuberculose): é utilizado principalmente em inquéritos
epidemiológicos.
o Pesquisa de anticorpos e antígenos circulantes

• Exames radiológicos: utilizados nas micoses sistêmicas.

• Métodos de biologia molecular


o Hibridização com sondas marcadas
o Amplificação específica de DNA pela PCR.

EXAME MICOLÓGICO DIRETO


Vários materiais podem ser coletados para se realizar este exame, como
escamas, pelos, unhas, secreção, pus, crostas, biópsias, liquor, urina e
escarro.
Este exame é muito útil no diagnóstico de micoses superficiais, cutâneas
e subcutâneas. Também pode ser utilizado no diagnóstico de micoses
sistêmicas: C. neoformans pode ser encontrado no líquor, P. brasiliensis pode
ser encontrado no escarro, etc.
290

O material coletado da pele (escamas, crostas, etc) e unhas pode ser


clareado com KOH. Nos casos de Cromoblastomicose (micose subcutânea), é
possível se observar células fumagoides (células demáceas com aspecto
específico).

Pode-se aumentar a sensibilidade desta técnica utilizando-se corantes.


Ex.: nanquim (utilizado para se identificar Cryptococcus) e calcofluor white (é
um corante fluorescente – se liga à quitina presente na parede celular dos
fungos; deve ser observado no microscópio de fluorescência).
Ao se utilizar a coloração de Gram para corar fungos, observa-se que
estes microrganismos se coram como bactérias Gram positivas. A imagem
abaixo consiste em uma amostra vaginal de candidíase que foi corada pela
Coloração de Gram. Quando são formadas hifas na amostra (quando a
Candida não fica apenas na forma de levedura), é indicativo de que a Candida
está atuando como patógeno (e não como membro normal da micobiota).
Quando ela apresenta hifas, fica mais agressiva.

Também pode-se corar a amostra com Giemsa (como nos casos da


Histoplasmose: são observadas leveduras no interior de fagócitos)
Pode-se utilizar também o corante mucicarmina, utilizado no
diagnóstico de Cryptococcus. Este corante cora a cápsula do fungo (se liga aos
polissacarídeos da cápsula).

ISOLAMENTO FÚNGICO – CULTURA


Podem ser utilizados diversos tipos de meios de cultura. Se a amostra a
ser analisada for proveniente de um ambiente estéril, ela pode ser semeada em
291

um meio rico (ex.: ágar sangue); todavia, se a amostra não for proveniente de
um meio estéril, ela deve ser semeada em um meio pobre em nutrientes/mais
seletivo (visto que as bactérias não conseguirão proliferar neste meio).
A cultura é frequentemente realizada como um complemento obrigatório
ao exame direto.
A profilaxia e a terapia utilizada variam de acordo com a espécie de
fungo que está causando a micose (o que justifica a necessidade da
identificação dos fungos).

Identificação dos fungos


A identificação dos fungos idealmente deve contemplar gênero e
espécie, mas nem sempre isso é possível (principalmente nos casos de fungos
filamentosos), de modo que algumas vezes é liberado no laudo do exame
apenas o gênero/grupo do fungo (ex.: zigomicetos, feohifomicetos,
dermatófitos, leveduras, etc).

MICROMORFOLOGIA/ MICROCULTIVO/ CULTIVO EM LÂMINA


É realizado um microcultivo sobre uma lâmina, para que assim seja
possível se detectar características microscópicas do fungo, principalmente
as relacionadas a características reprodutivas.
Cada fungo produz estruturas reprodutivas diferentes, o que permite a
identificação de cada espécie.
Este método diagnóstico é bastante demorado, visto que ele é realizado
a partir de uma cultura de fungos já formada (tendo que esperar o tempo
necessário para que esta cultura seja formada para que assim seja realizado).

PASSOS DO DIAGNÓSTICO:
292

TESTES FISIOLÓGICOS
São testes baseados em analises bioquímicas, analisando fatores
como quais enzimas cada fungo apresenta e como ele metaboliza diferentes
substratos. Após serem realizados, o resultado destes testes é comparado com
dados presentes em tabelas de referência (o que auxilia no diagnóstico da
espécie em questão).

TESTES IMUNOLÓGICOS
Os principais testes imunológicos realizados são provas intradérmicas:
são injetados antígenos fúngicos na derme do paciente, e se ele apresentar
anticorpos contra estes antígenos, ocorre uma reação inflamatória local. Alguns
dos antígenos fúngicos que podem ser utilizados são Tricofitina, Candidina,
Paracoccidioidina, Esporotriquina, etc.
Também pode-se realizar provas sorológicas de aglutinação,
precipitação, fixação do complemento e imunofluorescência. Pode-se realizar a
pesquisa de antígenos pelo ELISA também.

EXAMES RADIOLÓGICOS
São importantes no diagnóstico de micoses profundas. Não é possível
se identificar se o que está causando a alteração no exame de imagem é
algum fungo ou outro parasita, e devido a isso devem ser feitas análises
subsequentes.

IDENTIFICAÇÃO MOLECULAR
293

Podem ser utilizadas técnicas para se detectar o DNA do fungo. São


precisas, rápidas (demoram cerca de 2 dias para emitirem o resultado), caras e
não padronizadas.
294

FÁRMACOS ANTIFÚNGICOS
Existem poucos fármacos antifúngicos disponíveis para o tratamento
destas infecções. Isto ocorre principalmente devido ao fato de os fungos serem
seres eucariotos (assim como o hospedeiro humano), o que torna difícil o
desenvolvimento de fármacos com alta toxicidade seletiva. Todavia, o número
de fármacos antifúngicos vem aumentado, visto que as infecções fúngicas
profundas/sistêmicas se tornaram mais importantes na medicina nos últimos
anos. Isto ocorreu devido ao grande aumento no número de infecções fúngicas
sistêmicas, as quais normalmente ocorrem em indivíduos imunossuprimidos.
Este aumento do número de infecções fúngicas sistêmicas está relacionado ao
aparecimento e ascensão do HIV e ao aumento da realização de transplantes
de órgãos.

Antes do desenvolvimento destes novos antifúngicos, eram utilizados


apenas polienos, Griseofulvina e Anfotericina B (que é muito tóxica,
provocando efeitos tóxicos renais). Os antifúngicos desenvolvidos mais
recentemente (como os azóis) são mais efetivos e menos tóxicos.
A maioria dos antifúngicos utilizados atualmente apresenta uma ou
mais limitações, como:
• Efeitos colaterais acentuados
• Estreito espectro de ação (o que destaca a necessidade de se realizar um
diagnóstico preciso)
• Pouca penetração em certos tecidos: deve-se saber onde o fungo está
localizado – podem existir antifúngicos muito bons contra determinadas
espécies, mas se este fungo estiver localizado em um tecido muito
profundo, o fármaco em questão pode não ser eficiente.
• Seleção de fungos resistentes: este fenômeno ocorre devido ao uso
profilático de antifúngicos (como em pacientes transplantados), devido a
prescrições inadequadas e devido à utilização de antifúngicos na
agricultura
295

PRINCIPAIS CLASSES DE MEDICAMENTOS


Há medicamentos fungistáticos e fungicidas. Por vezes, diferentes
classes apresentam o mesmo mecanismo de ação (ex.: várias inibem a síntese
de ergosterol, mas fazem isso agindo sobre diferentes enzimas).
As principais classes de antifúngicos são:
1. Polienos: se ligam ao ergosterol presente na membrana celular e
promovem a formação de poros na membrana do fungo (levando à lise
osmótica destas células).
o Anfotericina B (é um antibiótico): é um medicamento fungicida
extremamente tóxico
▪ A Anfotericina B lipossomal é uma alternativa à Anfotericina
B tradicional que foi desenvolvida. Ela é bem menos tóxica
para os rins, mas também é bem mais cara.

o Nistatina

2. Flucitosina: é um análogo de pirimidinas (análogo da citosina). Inibe a


síntese dos ácidos nucleicos. É um antifúngico de uso limitado, visto que
os fungos rapidamente desenvolvem resistência a este fármaco. É
sempre utilizado em combinação com outros antifúngicos. Não é utilizado
no Brasil. É um pró-fármaco, devendo ser metabolizado no interior da
célula fúngica para que seja obtido o fármaco ativo (5-flouracil).
296

3. Azóis: são inibidores da síntese do ergosterol. São os fármacos mais


amplamente utilizados no tratamento de infecções fúngicas. Bloqueiam a
14-alfa-desmetilase, enzima envolvida na síntese do ergosterol.
a. Azóis de 1ª geração (imidazóis – apresentam 2 moléculas de N no
anel azol): eram mais tóxicos, sendo utilizados apenas em
aplicações tópicas. O cetoconazol é uma exceção, visto que
também apresenta aplicação sistêmica. Foram os primeiros azóis
desenvolvidos.

a. Triazóis (possuem 3 moléculas de N no anel azol): são utilizados


tanto por VO quanto por via intravenosa. O Fluconazol é o azol
mais utilizado nos tratamentos das infecções fúngicas. É utilizado
de forma profilática por indivíduos transplantados.
297

4. Alilaminas: também são inibidoras da síntese do ergosterol. Bloqueiam a


esqualeno epoxidase, enzima presente no começo da síntese do
ergosterol.
a. Terbinafina: muito utilizada no tratamento de infecções cutâneas.
Há formulações em comprimidos, spray ou cremes

5. Morfolinas: também são inibidoras da síntese do ergosterol. Inibem


enzimas que participam do final da biossíntese do colesterol
a. São utilizadas apenas em uso tópico, sendo formuladas como
vernizes ou cremes.

6. Equinocandinas: são inibidoras da síntese de beta-1,3-glucana


(polissacarídeo que compõe a parede celular de certos fungos). Agem
inibindo a ação da enzima beta 1,3 glucana sintase, localizada na
298

membrana celular da célula fúngica. São fármacos muito específicos


(apresentam alta toxicidade seletiva). São muito caros. Funcionam
apenas contra determinados fungos, principalmente os dos gêneros
Candida e Aspergillus.

7. Griseofulvina: interfere na organização dos microtúbulos, impedindo a


formação dos fusos mitóticos. É o antifúngico mais utilizado na veterinária.
Também é um antibiótico. Acumula-se nos tecidos queratinizados, sendo
muito efetivo para o tratamento de micoses cutâneas

RESUMINDO OS MECANISMOS DE AÇÃO DOS ANTIFÚNGICOS:


299

MICOSES SUPERFICIAIS E CUTÂNEAS


Medusa - 86

CLASSIFICAÇÃO DAS MICOSES

• Micoses Superficiais: são o foco desta aula. Não é comum a ocorrência


de infecções profundas pelos fungos associados a estas condições.
o Micoses superficiais propriamente ditas: são causadas por fungos
presentes apenas na camada mais externa da pele e nos pelos (os
quais não possuem a capacidade de invadir o tecido queratinizado)
o Micoses superficiais cutâneas: possuem a capacidade de invadir o
tecido queratinizado, mas geralmente não realizam isso em
indivíduos imunocompetentes
• Micoses profundas: são foco das próximas aulas
o Micoses profundas subcutâneas
o Micoses profundas sistêmicas
▪ Micoses endêmicas
▪ Micoses oportunistas

MICOSES SUPERFICIAIS
São muito comuns, acometendo uma grande parcela da população
mundial. Ao se avaliar apenas as dermatomicoses, 20-25% da população
mundial tem, já teve ou vai ter estas infecções.
Estão entre as doenças dermatológicas mais comuns. As micoses de
unhas (onicomicoses) acometem 10% da população mundial, sendo que 50%
dos indivíduos com mais do que 70 anos têm ou terão onicomicoses.
Infecções das mucosas oral e genital (causadas principalmente por
Candida) são muito comuns. 50 a 75% das mulheres em idade fértil já tiveram
pelo menos um episódio de candidíase vulvovaginal. 5 a 8% das mulheres têm,
pelo menos, quatro episódios de candidíase vaginal por ano.
.
MICOSES SUPERFICIAIS PROPRIAMENTE DITAS
Características gerais
São causadas por fungos que parasitam apenas as camadas mais
superficiais do estrato córneo. Induzem apenas alterações estéticas (sem
maiores complicações).
As principais micoses superficiais são:

• Pitiríase versicolor: é uma infecção de pele comum


• Tinea Nigra: é uma infecção de pele rara. Causada por fungos demáceos
• Piedra branca: é uma infecção de pelos
300

• Piedra negra: também é uma infecção de pelos. É causada por fungos


demáceos.

Pitiriase versicolor
Normalmente é assintomática, mas alguns pacientes relatam prurido
discreto. Há o desenvolvimento de várias manchas pelo corpo (as quais
causam incômodo maior devido a questões estéticas).
É causada por espécies do complexo Malassezia furfur (M. globosa, M.
restricta, etc.)
Tanto a invasão do extrato córneo quanto as respostas do hospedeiro são
mínimos frente a esta infecção.
A Malassezia é um fungo que faz parte da micobiota normal. A Pitirase
versicolor se desenvolve frente ao uso de antimicrobianos (que eliminam as
bactérias que estariam competindo com os fungos por nutrientes) ou devido a
um maior aporte de nutrientes (ex.: peles mais oleosas – estes fungos utilizam
lipídios em seu metabolismo).
Na PItiríase Versicolor há a presença de manchas hipopigmentadas
dispersas sobre a pele (em alguns casos, estas manchas também podem ser
hiperpigmentadas). São levemente descamativas. Podem estar amplamente
distribuídas.

Diagnóstico
O diagnóstico da Pitiríase versicolor normalmente é realizado
clinicamente. Também pode ser feito um raspado das lesões para se confirmar
o diagnóstico (observa-se a presença de um maior número de leveduras e
também a presença de hifas curtas. Ao se observar a pele de um indivíduo
normal, apenas é possível se detectar a presença de leveduras, e em menor
número). O exame direto realizado com KOH é possui uma observação mais
difícil (e devido a isso normalmente é realizada a coloração da lâmina).
301

Também pode-se corar as amostras com corantes fluorescentes para


que a amostra seja observada em um microscópio de fluorescência. São
utilizados corantes como Calcofluor-white e Azul de tripan (imagem em
vermelho).

Para se realizar a cultura deste fungo, deve-se adicionar azeite de oliva


ao meio (visto que é um fungo lipofílico).

Tratamento
Podem ser utilizados diferentes tipos de azóis no tratamento da Pitiríase
versicolor (os quais podem levar a efeitos colaterais hepáticos e renais).
Normalmente é utilizado o tratamento tópico, principalmente se a lesão for
restrita a um local. A indicação do uso de medicamentos por VO apenas ocorre
quando a infecção está mais disseminada.

Tinea Nigra
É causada por um fungo demáceo, o qual leva ao desenvolvimento de
manchas enegrecidas sobre a pele do paciente (principalmente sobre a palma
das mãos e sobre a planta do pé).
É causada pelo fugo Hortae werneckii, o qual normalmente está presente
no ambiente ou em material em decomposição (é um fungo de vida livre). Está
presente em restos vegetais, esgotos, solo, etc.
302

O diagnóstico é realizado pelo exame direto (é feito um raspado). Ao se


realizar o cultivo deste fungo, observa-se uma colônia com o centro bem escuro.
O tratamento é feito com azóis e substâncias teratoliticas

Piedra Negra
Nesta infecção, o fungo fica restrito ao cabelo, formando um nódulo
endurecido. É causada pelo fungo Piedraia hortae. Normalmente não ocorre no
Brasil (apenas na Amazónia).

Piedra Branca
É uma infecção causada por uma levedura (espécies Trichosporon) que
cresce no pelo e no cabelo. A infecção por este fungo confunde-se com a
presença de lêndeas. É uma doença assintomática.

Este fungo pode ser isolado no meio de cultura


O tratamento das Piedras pode ser realizado pela remoção do pelo ou
por meio do uso de antifúngicos tópicos.
303

MICOSES SUPERFICIAIS CUTÂNEAS


Podem causar consequências mais graves do que as micoses superficiais
estritas. Levam ao desenvolvimento de sintomas, como prurido, frieiras (fissuras
na pele, as quais podem levar ao desenvolvimento de infecções secundárias).
Estas micoses podem ser causadas por diferentes tipos de fungos. O
tratamento também pode ser distinto dependendo do fungo em questão, visto
que cada fungo pode ou não ser sensível a determinados fármacos. As micoses
superficiais cutâneas podem ser causadas por:
• Dermatófitos: grupo mais importante. São queratinofílicos
• Leveduras (principalmente as do gênero Candida)
• Fungos filamentosos não dermatófitos
Os principais aspectos que as micoses superficiais cutâneas podem
apresentar são:

• Lesões circulares (circinadas) com bordas inflamadas


• Frieiras (principalmente na região interdigital)
• Onicomicoses: podem se apresentar nas seguintes formas:
o Superficial branca
o Distal e lateral subungueal
o Distrófica total

Por vezes, uma mesma espécie de fungo pode causar condições


clínicas distintas. Desta forma, a forma clínica não é suficiente para dizer qual
fungo está presente na lesão. Este fato ressalta a importância do diagnóstico
laboratorial.
304

Dermatófitos
São os principais causadores de micoses superficiais cutâneas.
Consiste em um grupo de fungos queratinofílicos (colonizam a pele, pelos e
unhas). A infecção é restrita à epiderme nos imunocompetentes – nos
imunodeprimidos, pode haver invasão subcutânea. A maioria dos fungos deste
grupo é incapaz de crescer a 37ºC, possuindo temperatura ótima de crescimento
ao redor de 28ºC. Esta característica de ter o seu crescimento inibido a 37ºC
dificulta as infecções subcutâneas.
As infecções causadas por dermatófitos são chamadas de
dermatofitoses

Classificações das dermatofitoses


Há 3 gêneros de fungos que compõem o grupo dos Dermatófitos:

• Trychophyton
• Microsporum
• Epidermophyton
Os dermatófitos são classificados de acordo com o local em que são
preferencialmente encontrados:

• Antropofílicos: são bem-adaptados ao homem, de modo que raramente


infectam outros animais
o O mais comum é que as infecções que ocorrem em humanos
sejam causadas por fungos Antropofílicos.
o A resposta inflamatória frente a dermatofitoses provocadas por
fungos antropofílicos é mais branda (em comparação à provocada
por fungos zoofilicos ou geofílicos)
• Zoofílicos: possuem predileção pelos animais, mas podem
ocasionalmente acometer o ser humano
• Geofílicos: são primariamente encontrados em material queratinoso
proveniente de animais que esteja em decomposição (como pelos,
cascos, penas, chifres, etc). Podem eventualmente crescer na camada
queratinosa da pele humana se o indivíduo tiver contato com estes
fungos.

A classificação clinica das dermatofitoses (nomenclatura) é feita a partir


do termo “tinea”/”tinha” + o lugar que está sendo afetado (em latim). Alguns
exemplos: tinea pedis; tinea capitis; tinea ungium, etc.

Algumas dermatofitoses

• Tinea corporis: presente no tronco, nas pernas, no braço, etc. São lesões
arredondadas e com as bordas inflamadas.
305

o Ex.: tinea corpis causada por Microsporum canis (fungo zoofilico)


o É de importância para o diagnóstico do paciente saber se este
indivíduo tem contato com gatos/cachorros/vacas ou qualquer
outro animal, visto que os animais podem ser fonte de
contaminações por fungos. Se a infecção for proveniente destes
animais, deve-se tratar o animal também.
• Tinea faciei: pode ser causada pelo Trichophyton rubrum (antropofílico),
que é o fungo que mais comumente causa as dermatofitoses.
• Tinea manus
• Tinea capitis: pode levar à perda do cabelo
• Tinea barbae
• Tinea unguium: “onicomicose” é um termo geral para micoses de unha,
e “tinea unguium” é o termo utilizado quando esta onicomicose é causada
por Dermatófitos.
• Tinea pedis: conhecida também como “pé de atleta”.
• Tinea cruris (coceira do Jock): normalmente acomete entre as coxas e a
virilha

Contágio
O contagio ocorre por meio do contato com outros indivíduos, com o
ambiente ou com animais (depende do tipo de fungo em questão).
O ser humano pode contaminar o ambiente ou outro ser humano da
seguinte forma: ao crescer na pele de um indivíduo, estes fun gos passam a
formar artroconídeos (fragmentos da hifa). Cada artroconídeo tem o potencial
de gerar uma nova hifa. Desta forma, quando a pele descama, escamas
contaminadas caem no ambiente, e quando estas escanas entram em contato
com outro indivíduo, passam a contaminá-lo.
A transmissão das micoses causadas por dermatófitos antropofílicos
pode ocorrer por meio do contato direto entre os indivíduos ou por meio do
contato indireto (por meio de esporos deixados em objetos, como meias,
sapatos, instrumentos de manicure, etc). Estas duas possibilidades de
transmissão fazem com que estas infecções sejam muito comuns.
A transmissão dos dermatófitos zoofilicos ocorre por meio do contato
direto com o animal ou por meio do contato indireto (visto que o indivíduo pode
se contaminar devido ao contato com esporos que o animal liberou no ambiente).
No caso de dermatofitoses zoofílicas, é necessário se tratar o animal também.
A transmissão dos dermatófitos geofílicos ocorre por meio do contato
com o solo próximo a ninhos de aves ou a mamíferos.
306

Diagnóstico
Muitas vezes, o diagnóstico das micoses não é clinicamente óbvio, sendo
necessária a análise microbiológica. Para isso, realiza-se o exame
microscópico direto e culturas.
Por vezes, outras dermatoses (não micóticas) são clinicamente muito
semelhantes às dermatofitoses. 50% das distrofias ungueais são provocadas por
infecções fúngicas, enquanto os outros 50% são causados por traumas,
anormalidades congênitas, psoríase, líquen plano, etc.
Algumas lesões cutâneas não micóticas também podem se assemelhar
às micoses, como o eczema numular (que é semelhante à Tinea corporis).
A observação de hifas com artroconídeos na microscopia direta leva à
suspeita de dermatofitoses.
Muitos fungos emitem uma luz fluorescente quando são expostos a um
aparelho chamado de Lâmpada de Wood. Infecções causadas por Microsporum
sp e a Ptiriase versicolor são exemplos de infecções que fluorescem frente a este
exame. Algumas outras condições (como eritrasma – quadro causado por
bactérias), também podem apresentar fluorescência ao serem estimuladas por
esta lâmpada.

Trichophyton rubrum: normalmente produz pigmento vermelho na parte


de baixo da colônia (mas há algumas cepas que não produzem este pigmento).
A distinção morfológica dos conídeos por meio do microcultivo é uma
ferramenta diagnóstica importante. O Trichophyton rubrum apresenta
microconídeos, enquanto o Microsporum apresenta macroconídeos.

Eventualmente, os dermatófitos podem causar micoses subcutâneas (em


pacientes imunossuprimidos). O diagnóstico destes casos é muito difícil. Estas
infecções podem ser tratadas com itraconazol.
307

MICOSES SUBCUTÂNEAS
Medusa - 86

Como dito anteriormente, as micoses são divididas em:


• Micoses superficiais
o Micoses superficiais propriamente ditas
o Micoses superficiais cutâneas
• Micoses profundas: serão as trabalhadas na aula de hoje
o Micoses profundas subcutâneas
o Micoses profundas sistêmicas
▪ Micoses endêmicas
▪ Micoses oportunistas

MICOSES PROFUNDAS SUBCUTÂNEAS


A transmissão dos fungos que causam este tipo de micose ocorre pela
implantação do fungo no tecido do hospedeiro (são micoses de implantação).
Normalmente, estes fungos são introduzidos acidentalmente no organismo a
partir de um trauma (principalmente frente a acidentes com materiais vegetais
em decomposição, como espinhos ou lascas de madeira).
As micoses subcutâneas são causadas por fungos ambientais. A maioria
destas micoses ocorre em regiões tropicais e subtropicais.
Os indivíduos mais vulneráveis a estas infecções são os trabalhadores
rurais, floristas e pessoas que praticam jardinagem, visto que estes indivíduos
podem se ferir mais facilmente com materiais vegetais (os quais podem estar
infectados por fungos).
Em geral estas micoses tornam-se lesões crônicas granulomatosas, as
quais se expandem lentamente a partir da área de implantação. Em geral, estas
micoses se limitam aos tecidos subcutâneos, de modo que raramente tornam-se
sistêmicas e chegam a causar doenças fatais. Quando estas infecções evoluem
para quadros sistêmicos, não agem como as micoses sistêmicas típicas

1. Esporotricose

É a micose subcutânea mais comum, estando presentem em diversos


países. Causam lesões nodulares dos tecidos cutâneos e subcutâneos, com
envolvimento dos canais linfáticos adjacentes. Estes canais podem supurar,
drenar e ulcerar. Estas lesões aparecem predominantemente nos membros,
visto que estes são os locais que são mais facilmente lesionados.
A Esporotricose é causada pelo complexo Sporothrix schenckii:
consiste em um complexo que abarca 5 espécies distintas de fungos: S. schenkii
sensu strictu, S. brasiliensis, S. globosa, S. mexicana e S. luriei.
308

O Sporothrix um fungo termodimórfco: em temperatura ambiente, é


filamentoso; no interior do organismo, apresenta forma de levedura (como
mostrado na imagem abaixo). As leveduras são dificilmente observadas em
exames diretos, visto que a amostra normalmente possui muitos outros resíduos
que “sujam” esta amostra.

Patogênese e manifestações clínicas


Os conídios (fragmentos de hifas) são introduzidos na pele através de um
traumatismo. Muito raramente, os conídios podem ser inalados. As lesões
ocorrem mais frequentemente nos membros, mas podem surgir em qualquer
local (crianças podem apresentar lesões faciais).

Diagnóstico
As amostras que podem ser utilizadas são materiais provenientes de
biópsias ou exsudatos de lesões granulomatosas.
No exame direto com preparação de KOH, a visualização dos fungos é
muito difícil, de forma que raramente observa-se a presença de leveduras.
Abaixo é mostrada uma amostra tratada com KOH:

O padrão ouro para diagnóstico de Esporotricose é a cultura. O


Sporothrix é um fungo que cresce rapidamente (em 4-5 dias). O diagnóstico da
Esporotricose é confirmado pelo crescimento dos fungos filamentosos à
309

temperatura ambiente e pela sua conversão à forma de levedura quando


incubado a 37ºC.
Na imagem abaixo, é possível se observar uma levedura brotando em
uma biópsia.

Ao se realizar a cultura de Sporothrix, observa-se uma colônia com as


bordas mais escuras (mas o Sporothrix não é um fungo demáceo!). No
microcultivo, é possível se observar microconídios em forma piriforme. Os
microconídeos possuem uma região mais afilada ligada ao conidióforo. São
observadas hifas septadas hialinas e conidióforos com microconídios
implantados lembrando flores de margaridas.

Tratamento
O itraconazol é um fármaco muito utilizado no tratamento das micoses
subcutâneas. Se chegar a ser desenvolvida uma doença sistêmica, deve-se
utilizar Anfotericina B (esse esquema é utilizado em outras micoses subcutâneas
também).
Pode-se utilizar também solução saturada de iodeto de potássio
(tratamento antigo, o qual não é tolerado por alguns pacientes).
310

Esporotricose em gatos
A esporotricose também pode ser transmitida através de gatos (sendo
uma doença relativamente frequente nos gatos). São transmitidas pelas
lambidas/mordidas/arranhados dos gatos.
Essa forma de transmissão tem se tornado cada vez mais comum. Devido
a ela, a Esporotricose é considerada uma zoonose.
311

2. Cromoblastomicose (Cromomicose)
É a segunda micose subcutânea mais frequente. É causada por fungos
demáceos de vários gêneros distintos. Seus principais agentes são: Fonsecaea
pedrosoi (espécie mais comum), Fonsecaea monophora, e Cladophilaphorra
carrioni.i
Estes fungos estão presentes no ambiente (solo e vegetações).
As lesões estão relacionadas ao tempo de contato com o fungo.
Desenvolvem-se lentamente – são lesões granulomatosas progressivas, que,
com o tempo, podem induzir à hiperplasia do tecido epitelial, caracterizando o
tecido lesionado com um aspecto tumoral. Podem possuir aspecto áspero,
verrucoso ou com aspecto de couve-flor. Podem também se apresentar
violáceas.

Pelo aspecto clínico, não é possível se identificar o agente biológico,


sendo necessário se realizar o diagnóstico microbiológico.

Diagnóstico
Diferentemente do que ocorre na Esporotricose, o exame direto é
amplamente utilizado no diagnóstico da Cromoblastomicose. Realiza-se um
raspado da lesão e clareia-se esta amostra com KOH. Todos as diferentes
espécies que podem causar a Cromoblastomicose, apresentam uma estrutura
típica visualizada no exame direto: células escleróticas/ células muriformes/
corpos fumagóides. A visualização destas células escleróticas permite o
diagnóstico de Cromoblastomicose (mesmo sem se saber qual o agente
etiológico que está causando a infecção). As células muriformes são
visualizadas como estruturas castanhas, arredondadas, que podem estar ou não
acompanhadas de hifas (mais comum = não estarem acompanhadas de hifas).
Muitas vezes estas células são vistas realizando divisão binária.
312

O cultivo é realizado para se descobrir a espécie causadora da


Cromoblastomicose (qual o agente etiológico). Como todos os fungos são
demáceos, as culturas de alguns aparecem bem negras e as culturas de outros
aparecem castanhas.
No microcultivo, é possível se observar as estruturas reprodutivas
(que variam de acordo com as diferentes espécies que podem causar a
cromoblastomicose). Também é possível se observar hifas septadas demáceas.

Tratamento
O tratamento depende do estágio da doença. Normalmente realiza-se
excisão cirúrgica com margens amplas para garantir que o fungo foi eliminado
do tecido (tratamento de escolha para lesões iniciais). Em lesões inoperáveis,
realiza-se o uso de itraconazol.
A ocorrência de recidiva é comum.
313

3. Micetoma
É uma doença classificada pela OMS como negligenciada. Não é uma
doença exclusivamente fúngica, podendo ser causada por bactérias também. É
uma infecção subcutânea crônica induzida por inoculação traumática de várias
espécies saprofíticas de fungos (eumicetoma) ou actinomicetos (bactérias
filamentosas – actinomicetoma).
O micetoma é caracterizado clinicamente por três fatores: edema local
do tecido infectado com aparecimento de seios de drenagem que liberam
grânulos. Só é possível se saber a etiologia do micetoma (se é causado por
fungos ou bactérias) após o exame microbiológico
Os grânulos consistem em microcolônias do agente etiológico
mergulhadas em material histológico (tissular).

O micetoma é uma infecção típica de países em desenvolvimento


localizados em áreas tropicais, ocorrendo principalmente na África, Índia e
América Latina. Raramente ocorre fora das áreas tropicais. Está ligada à
pobreza.
Causa grande morbidade, mas mínima mortalidade. Leva a deformidades
devastadoras, que podem resultar em muitos efeitos socioeconômicos negativos
para o indivíduo acometido.
Os grânulos emitidos pelo micetoma podem atingir até 2mm de tamanho.
A cor dos grânulos pode fornecer informações sobre o agente etiológico:
• Brancos: estão associados a fungos das espécies Pseudallescheria
boydii e Acremonium falciforme
314

• Negros: são relacionados a fungos demáceos, como Madurella grisea


(mais comum) e Exophiala jeanselmei

Diagnóstico
Os grânulos podem ser corados com calcofluor white, sendo possível se
observar uma grande quantidade de hifas curtas. Os grânulos também podem
ser corados com HE
Vários agentes etiológicos podem causar os micetomas, mas os mais
comuns são fungos do gênero Madurella.
Deve-se analisar tanto a parte de cima quanto a parte de trás da placa de
cultura.

Tratamento
O tratamento depende do agente etiológico. Em ambos os casos, deve-
se realizar o desbridamento ou excisão cirúrgica. A amputação é
frequentemente necessária.
O tratamento do eumicetoma é difícil, sendo normalmente realizados o
desbridamento ou excisão cirúrgica e a terapia antifúngica prolongada (a
duração média do tratamento é de 12 meses). O itraconazol é o fármaco mais
utilizado.
Esta infecção apresenta altas taxas de recorrência.

4. Lacaziose (Lobomicose)
É uma doença restrita à região amazônica. Também é conhecida como
lobomicose, ou doença de Jorge Lobo.
É causada por Lacazia loboi (este fungo já foi antigamente chamado do
Loboa loboi e de Paracoccidioides loboi).
Infecta humanos e golfinhos. Nunca foi cultivado in vitro (não se sabe
quais as necessidades deste microrganismo para se realizar a cultura).
Afeta indígenas, fazendeiros ou pessoas vivendo na floresta tropical.
315

A Lacaziose é marcada pela presença de lesões nodulares, que são


frequentemente encontradas nas orelhas, na face, nas mãos, no tórax, etc.

Diagnóstico
Como não é possível se realizar a cultura, realiza-se o exame direto,
observando-se a presença de leveduras grandes por meio da microscopia
óptica. A coloração realizada é à base de prata ou realiza-se a clarificação com
KOH. Observa-se leveduras grandes e translúcidas, podendo aparecer de forma
concatenada, com brotos ou em aspecto de Mickey Mouse.

Tratamento
É pouco conhecido. É usualmente refratária à terapia antifúngica.

5. Feoifomicose

É um termo genérico utilizado para caracterizar todas as micoses


causadas por fungos demáceos. Este termo é normalmente utilizado quando
se sabe que o agente causador da infecção é um fungo demáceo, mas não é
possível se identificar a espécie em questão por achados clínicos ou
316

laboratoriais. Se for possível identificar a espécie, deve ser feita uma


classificação mais específica.
Exemplo: um fungo que causa cromoblastomicose pode causar uma
feohifomicose também (caso os achados clínicos e laboratoriais não forem
específicos da cromoblastomicose (ex.: se não forem observadas células
fumagoides), caracteriza-se a infecção como feohifomicose).
É caracterizada pela presença de elementos demácios nos tecidos
(podem ser leveduras, hifas, etc). Pode ser subcutânea (mais comum), cutânea
ou sistêmica (estando associada a indivíduos imunossuprimidos neste último
caso).

As formas clínicas variam de cistos encapsulados solitários no tecido


subcutâneo até sinusite e abscessos cerebrais (são fatais).

Diagnóstico
Podem ser observadas leveduras ou hifas demáceas nos tecidos. As hifas
podem estar distorcidas na amostra.
Pode-se realizar o cultivo da amostra para a identificação da espécie.
Também pode ser realizar o microcultivo.

Tratamento
Pode ser utilizado itraconazol ou flucitosina A Anfotericina B pode ser
utilizada em infecções sistêmicas. Em alguns casos, o tratamento pode ser
cirúrgico
317

6. Entomoftoromicose
São micoses raras. Os fungos que causam as entomoftoromicoses
pertencem a uma ordem que faz parte do grupo dos fungos Zigomicetos
(abrange as ordens Entomophtorales e Mucorales). São causadas por fungos
que são parasitas de insetos.
Costumam ser micoses subcutâneas ou mucocutâneas raras.
Dependendo dos gêneros que causam estas infecções, são divididas em:

• Conidiobolomicose
o São causadas por fungos do gênero Conidiobolus (espécie mais
importante: C. coronatus)
o Afetam principalmente a mucosa nasal, causando deformidades
nasais (tanto em humanos quanto em outros animais)

• Basidiobolomicose
o São causadas por fungos do gênero Basidiobolus (espécie mais
comum: B. ranarum)
o Afetam principalmente tecidos subcutâneos e músculos.

São fungos que apresentam conídios em forma de bolsas.


A transmissão se dá principalmente pela inalação destes fungos.
318

MICOSES SISTÊMICAS
Medusa - 86

As micoses sistêmicas normalmente ocorrem em indivíduos


imunossuprimidos. São dividias em:
• Endêmicas: são causadas por fungos mais comumente encontrados em
determinada área geográfica
o Coccidioidomicose: associada a regiões de clima semiárido (Brasil:
região nordeste)
o Histoplasmose: ocorre no mundo todo, mas em algumas regiões a
incidência é maior (ex.: EUA)
o Blastomicose: é a micose endêmica menos conhecida.
o Paracoccidioidomicose: é endêmica na América do Sul, sendo a
micose endêmica mais comum no Brasil

• Oportunistas: são causadas por fungos que já fazem parte da nossa


micobiota ou por fungos ambientais
o Candidiase
o Criptococose
o Hialohifomicose
o Mucomicose
o Pneumonia por Pneumocystis
Estas micoses causam altas taxas de mortalidade. A resolução exige
um diagnóstico precoce, o qual pode ser muito dificilmente obtido. A terapia
antifúngica deve ser realizada o mais rapidamente o possível.

MICOSES ENDÊMICAS
São limitadas a áreas específicas. Os fungos são termodimórficos:
crescem de forma filamentosa na temperatura ambiente, produzindo conídios.
Os conídios são inalados pelos seres humanos e passam a crescer na forma de
leveduras ou esférulas nos pulmões (onde encontram a temperatura de
aproximadamente 36-37ºC). Desta forma, as micoses endêmicas ocorrem
sempre após a inalação dos conídios, e a infecção começa sempre pelos
pulmões.
A maioria das infecções é assintomática ou apresenta sintomas
brandos (podendo ser confundida com uma virose), e resolvem-se sem
tratamento. 80-90% dos habitantes das áreas endêmicas de Histoplasmose
apresentam anticorpos contra os fungos, mas não desenvolveram a doença.
Apenas um pequeno número de indivíduos desenvolve infecções
pulmonares, as quais podem se disseminar para outros órgãos. Os homens são
mais afetados do que as mulheres.
319

Não há a existência de testes cutâneos para se avaliar a Blastomicose


(mas há para as outras três micoses endêmicas).

COCCIDIOIDOMICOSE
É causada por Coccidioidis posadasii ou Coccidioides immitis. Estas
espécies são fenotipicamente indistinguíveis, só sendo possível diferenciá-las
por ferramentas moleculares.
Ocorre em regiões semiáridas, como no sudoeste dos EUA, na América
Central e na América do Sul (no Brasil: Nordeste).
A disseminação desta doença pelo organismo é rara, mas quando ocorre
é sempre grave e potencialmente fatal.

Ciclo biológico
Os artroconídios (hifa fragmentada) dos Coccidioidis se disseminam pelo
ambiente, podendo ser inalados pelo indivíduo. O artroconideo dos Coccidioidis
apresenta uma forma característica de barril. Após serem inalados, estes
artroconídeos chegam aos pulmões e se desenvolvem em esférulas cheias de
endósporos (não se transformam em leveduras, mas sim em esférulas!).
A esférula pode ser rompida, de modo que os endósporos são liberados
no tecido e podem dar origem a novas esférulas no órgão.

O principal achado histológico destes pacientes são a presença de


esférulas (são estruturas grandes) e endósporos.
320

Patogênese e manifestações clinicas


A inalação dos artroconídeos resulta em uma infecção primaria
assintomática em 60% dos indivíduos. Os 40% restantes desenvolvem doença
autolimitada semelhante à influenza, com febre, mal-estar, tosse, artralgia e
cefaleia. Em menos de 1% dos indivíduos infectados ocorre o desenvolvimento
de Coccidioidomicose secundária ou disseminada, quadro frequentemente
debilitante e potencialmente fatal.
Em alguns casos, o indivíduo tem o contato primário com o fungo e não
apresenta sintomas, mas desenvolve uma resposta granulomatosa, de modo
que o fungo fica contido no interior de granulomas de forma latente. Frente a
baixas do sistema imune, pode ocorrer o rompimento do granuloma a reativação
da doença, causando uma Coccidioidomicose secundária que leva ao quadro
disseminado grave.
Homens são mais susceptíveis do que mulheres, à exceção das mulheres
grávidas (os hormônios têm a capacidade de ativar o crescimento dos fungos).
Os principais aspectos clínicos dos quadros coccidioidomicose cutânea
secundária são lesões granulomatosas, lesões faciais, lesões nas mãos,
etc.

Diagnóstico
As amostras que podem ser utilizadas são escarro, exsudato de lesões
cutâneas, liquido cerebrospinal, sangue, urina e biópsia tecidual.
Na microscopia, procura-se formas arredondadas de parede grossa
(esférulas) e endósporos. As esférulas são as estruturas características que
definem o diagnóstico de Coccidioidomicose. Pode-se clarificar a amostra com
KOH ou corar com HE.
321

A cultura é realizada em tubos com ágar inclinado. Este fungo é hialino,


possuindo aspecto claro e algodonoso. Deve-se tomar cuidado para que o
examinador não inale acidentalmente o fungo e se contamine.
Também pode-se realizar o microcultivo, corando-se a amostra com azul
de algodão. É possível se observar os artroconídeos em forma de barril.

Tratamento
A anfotericina B é sempre uma boa opção para o tratamento de infecções
sistêmicas graves. Todavia, ela possui alta toxicidade renal. Há a opção de se
utilizar a anfotericina lipossomal, mas este é um medicamento muito mais caro.
Pode-se utilizar itraconazol também.

HISTOPLASMOSE
É causada pelo fungo Histoplasma capsulatum. Este fungo cresce como
bolor no solo enriquecido com excretas de galinhas, outras aves e
morcegos. Estão presentes principalmente em cavernas ou em locais em que
há excretas de aves.
Esta micose sistêmica ocorre no mundo todo. É a infecção fúngica
pulmonar mais prevalente nos seres humanos e animais.
322

Ciclo biológico
Morcegos e aves liberam suas escretas sobre o solo. Alguns esporos de
Histoplasma capsulatum podem vir a cair sobre este solo rico em fezes destes
animais, passando a se desenvolver e a desenvolver hifas. Este fungo produz
micro e macronídeos. Os macroconídeos são muito característicos, sendo
chamados de espiculados/mamilonados. Os conídeos são aerolizados, e os
microconídeos são os principais a serem inalados (devido ao seu tamanho).
Em seguida, estes conídeos se desenvolvem nos pulmões na forma de
pequenas leveduras, que são fagocitadas por macrófagos.

Patogênese
Também é um fungo termodimófico. Após a inalação dos conídios, eles
se desenvolvem em leveduras pequenas no interior dos pulmões dos seres
humanos. Estas leveduras são fagocitadas por macrófagos alveolares, e
passam a se multiplicar no interior destas células. Por estarem localizas no
interior de macrófagos, podem ser confundidas com as formas amastigotas de
protozoários ao se realizar a observação microscópica.
Após passarem a se localizar no interior dos macrófagos, as leveduras
podem se disseminar pelo organismo, atingindo tecidos reticuloendoteliais, como
fígado, baço, medula óssea e linfonodos.
Em mais de 95% dos casos, a resposta imunológica faz com que os
macrófagos inibam o crescimento intracelular das leveduras após fagocitá-las.
A grande maioria dos indivíduos infectados pelo Histoplasma capsulatum
é assintomática. Quando há a presença de sintomas, eles são autolimitados,
sendo semelhantes a uma gripe. A Histoplasmose disseminada grave ocorre
323

em uma minoria dos indivíduos infectados. Nestes casos, podem ocorrer


ulceras mucocutâneas em nariz, boca, intestino.

Diagnóstico
As amostras podem ser obtidas a partir de escarro, urina, raspados de
lesões superficiais, esfregaços sanguíneos, aspirado de medula óssea e células
do creme leucocitário
No exame microscópico, observa-se pequenas leveduras (2-4
micrometros) no interior de macrófagos. Podem ser observadas a partir de
esfregaços de sangue ou de MO.
Apesar de seu nome, é um fungo não capsulado. Há a presença de um
halo ao redor deste fungo, o qual se confunde com uma cápsula.
A cultura pode ser realizada em meios comuns, como o ágar Sabouraud.
O fungo é claro e apresenta aspecto algodonoso.
No microcultivo, observa-se a presença macroconídeos
espiculados/mamilonados.
324

Há outros fungos (não patogênicos) que produzem macroconídeos


espículados semelhantes a estes. Todavia, estes fungos não são
termodimórficos (para se confirmar que o paciente está realmente infectado pelo
Histoplasma, deve-se realizar a cultura da amostra em diferentes temperaturas
para se observar as diferentes formas que o fungo apresenta).

Tratamento
É realizado principalmente por Anfotericina B. Pacientes HIV+ podem
sofrer recidivas.

BLASTOMICOSE
É causada pelo fungo Blastomyces dermatidis. Dentre as micoses
endêmicas, é a menos conhecida. Causa infecções granulomatosas que podem
se disseminar para outros órgãos, mas possuem especial predileção pela pele.

A maioria dos casos ocorre nos EUA e no Canadá.

Diagnóstico
Podem ser utilizadas várias amostras, como escarro, pus, exsudatos,
urina e biópsia de lesões.
Ao se realizar a microscopia desta amostra, podem ser observadas
leveduras, que são bem grandes e apresentam uma parede espessa. Podem ser
observadas pela coloração de prata ou HE.
325

Não há a presença de um teste cutâneo efetivo que mostre a presença


de contaminação por este fungo.

Tratamento
Pacientes com lesões confinadas devem fazer uso de Itraconazol (por 6
meses).
Casos graves são tratados com Anfotericina B

Epidemiologia
É uma infecção comum em cães. O B. dermatitidis raramente foi isolado
do ambiente (devido a isso, não se sabe muito sobre o seu habitat, sua
prevalência e sua distribuição)

PARACOCCIDIOIDOMICOSE
É a micose endêmica mais comum no Brasil. É causada principalmente
pelo Paracoccidioides brasiliensis. Limita-se à América Central e do Sul,
sendo a micose sistêmica mais comum destes locais.
Há a existência de teste intradérmico para se detectar a prevalência desta
infecção.
A maioria dos pacientes tem de 30-60 anos, e 90% deles são homens.

Patogênese e manifestações clinicas


O principal achado clínico é a presença de lesões dolorosas que afetam
a mucosa oral e nasal (podendo causar até mesmo a destruição do septo
nasal). Estes fungos também podem passar a se localizar nos pulmões do
indivíduo.
326

Exames diagnósticos laboratoriais


Ao se analisar uma amostra de material obtido a partir da mucosa ou do
escarro de um indivíduo contaminado por P. brasiliensis por meio da
microscopia, observa-se a presença de leveduras grandes com brotamentos
múltiplos.
Estas leveduras podem aparecer de diferentes formas, mas sempre
apresentando brotamentos. Algumas das possíveis formas que podem aparecer
são a de Mickey Mouse, concatenada, roda de leme, etc

O exame direto pode ser corado com azul de algodão. Ao se realizar esta
coloração, é possível se observar um fungo sem capsula e com membrana
celular birrefringente.
O P. brasiliensis possui aspecto muito semelhante ao da Lacazia.
Ao se realizar a cultura deste fungo, é possível se observar uma colônia
filamentosa, branca (visto que é um fungo hialino) e com centro ceribriforme e
rachado. Além disso, esta cultura apresenta também o reverso de coloração
castanha. Alguns autores assemelham a colônia de P. brasiliensis a uma pipoca
estourada (devido à sua parte central ser rachada).

Como este fungo é um fungo termodimórfico, pode-se avaliar a


conversão de uma forma na outra ao se alterar a temperatura do meio em que a
colônia está inserida. Se o cultivo for feito a 25-30ºC, o P. brasiliensis cresce de
forma filamentosa, mas se o cultivo for feito a 36ºC, o fungo cresce na forma de
levedura.
327

Tratamento
A Anfotericina B deve ser usada em casos mais graves da doença. O
Itraconazol também pode ser utilizado.

Epidemiologia
O fungo está presente principalmente em regiões com alto índice
pluviométrico (ex.: áreas de cultivo de café). O tatu também é um reservatório de
P. brasiliensis.

COMPARANDO-SE AS MICOSES ENDÊMICAS

MICOSES OPORTUNISTAS
Algumas das espécies de fungos responsáveis por causar as micoses
oportunistas fazem parte da micobiota normal do ser humano, e outras são
causadas por fungos ambientais. Estes fungos normalmente não causam
doenças em indivíduos imunocompetentes.

CANDIDÍASE
A candidíase é uma doença causada por leveduras do gênero Candida,
fungos que fazem parte da micobiota normal do ser humano. Apesar de haver
um grande número de espécies de fungos do gênero Candida, apenas um
pequeno número delas causa doenças em seres humanos. A principal espécie
patogênica é a Candida albicans É a micose sistêmica mais comum.
As espécies de Candida vêm apresentando uma resistência crescente
aos azóis (sobretudo ao fluconazol – o antifúngico mais utilizado na prática
clínica (ex.: é utilizado de forma profilática em indivíduos transplantados)). A
presença destes mecanismos de resistência causa a seleção de fungos
resistentes a estes fármacos.
328

As candidemias representam a 3ª ou 4ª principal causa de infecção da


corrente sanguínea.
Poucas espécies eram consideradas patogênicas antigamente, mas este
número de microrganismos com potencial patogênico vem progressivamente
aumentando. As principais espécies do gênero Candida que eram consideradas
patogênicas são:

• C. albicans
• C. parapsilosis
• C. krusei: é intrinsicamente resistente ao fluconazol
• C. tropicalis
• C. glabrata
• C. dubliniensis
Atualmente, sabe-se que há mais do que 20 espécies patogênicas de
Candida causando infecções em humanos (as quais possuem perfis de
sensibilidade diferentes). Ao longo dos anos, vem ocorrendo uma diminuição dos
casos de candidíases causados por C. albicans e um aumento os casos de
candidíases causadas por espécies de Candida não albicans (ex.: C. krusei, C.
parapsilosis, etc).

Patogênese e patogenia

• Candidíase superficial (cutânea ou de mucosa): a contaminação se dá


devido a desequilíbrios na microbiota (ex.: frente ao uso de
antimicrobianos), os quais causam o aumento do número das leveduras
• Candidíase sistêmica: as leveduras penetram na corrente sanguínea em
indivíduos imunossuprimidos. Devido à imunossupressão, estes
indivíduos não conseguem conter a infecção.

Tratamento
O aumento dos casos de candidíase relacionados a Candidas não
albicans influencia no tratamento do paciente (visto que cada espécie apresenta
diferentes perfis de sensibilidade).

CRIPTOCOCOSE
A criptococose é uma doença causada princpalmente por 2 espécies de
fungos: Cryptococcus neoformans (mais comum em indivíduos
imunossuprimidos) e C. gattii (mais comum em indivíduos imunocompetentes).
329

Contaminação
Este fungo está presente no intestino de aves. A transmissão ocorre
quando as aves (principalmente pombos) eliminam as leveduras do Cyptococcus
juntamente às suas fezes. No ambiente, este material (fezes) se desidrata e as
leveduras são desidratadas e aerolizadas. Um indivíduo pode inalar esta
levedura dessecada (que apesar de estar desidratada, está viável). Em seguida,
esta levedura passa a se proliferar nos pulmões do indivíduo.

Estas leveduras de Cyptococcus possuem grande predileção pelo SNC


(podem acometer qualquer órgão (como pele, olhos, próstata), mas o SNC é o
principal alvo), causando meningoencefalites.
O Cryptococcus é um fungo encapsulado: ele apresenta uma cápsula
grande e bem desenvolvida, a qual protege a levedura da ação dos fagócitos. É
um importante fator de virulência deste microrganismo.
Este fungo também pode crescer junto ao eucalipto – neste caso, o
indivíduo pode inspirar os esporos provenientes destes fungos localizados nos
eucaliptos (no caso da contaminação relacionada às fezes do pombo, o que é
inalado é a levedura, e não os esporos! A inalação das leveduras é a forma mais
comum de transmissão desta doença).
Desta forma, a criptococose pode ocorrer tanto devido à inalação dos
esporos sexuados quando devido à inalação da levedura dessecada (forma
mais comum)

Epidemiologia
É uma doença com alto índice de mortalidade. A maioria dos casos de
óbito ocorre na África (visto que no continente africano está localizada a maior
população positiva para a contaminação pelo HIV)
330

Diagnóstico
Como a levedura é encapsulada, pode-se realizar exame direto com
tinta nanquim. A presença da cápsula faz com que o corante não penetre no
interior da levedura, de modo que todo o fundo da amostra fica preto e as
leveduras ficam claras. Quanto maior a cápsula desenvolvida, mais virulenta a
cepa do Cryptococcus (visto que torna mais difícil a eliminação desta levedura
pelas células do sistema imune).

Também pode ser realizado o exame direto.


A cultura de Cryptococcus apresenta aspecto mucoide (devido à
presença da cápsula – a grande qualidade de polissacarídeos presentes na
cápsula traz este aspecto mucoide).

HIALOIFOMICOSES
O tempo “hialoifomicoses” consiste em um termo genérico utilizado na
falta de um termo mais específico para se descrever uma infecção oportunista
causada por fungos hialinos em um hospedeiro imunocomprometido.
Qualquer fungo hialino pode causar uma hialoifomicose, de modo que a
presença de fibras septadas e hialinas na microscopia identifica uma
hialoifomicose. Se for possível de se identificar a espécie do fungo em questão,
o laudo deve ser liberado com o nome do fungo em específico, e não com este
termo genético.
Um exemplo de agente etiológico das Hialoifomicoses é o Apergillus
fumigatis. Se for possível se identificar a presença deste fungo na amostra, o
laudo deve ser liberado como Aspergilose, e não como Hialoifomicose. A
aspergilose é a mais importante das hialoifomicoses.

Diagnostico
Observa-se no exame direto a presença de fibras septadas e hialinas, as
quais podem apresentar ramificações.
331

Só é possível se diagnosticar com certeza qual a espécie causadora da


Hialoifomicose após a realização de culturas ou do microcultivo. Algumas das
espécies que podem causar a Hialoifomicose e seus respectivos achados no
exame de microcultivo são:

• Aspergillus sp: apresenta condifióforo sem vesícula


• Penicillum sp: apresenta conídio em meia lua
• Fusarium sp.: apresenta hifas septadas hialinas e artroconídios
A cultura deve ser realizada de forma específica e seguindo as demandas
de cada espécie (nutricionais, de temperatura, etc).
Em raros casos, pode-se observar a presença de estruturas reprodutivas
em exames diretos clarificados com KOH.

ZIGOMICOSES SISTEMICAS / MUCOMICOSE


O termo “zigomicoses sistêmicas” também é um termo genérico, sendo
aplicado a qualquer micose sistêmica causada pelos zigomicetos (fungos
que apresentam hifas cenocíticas).
Os Zigomicetos podem causar também micoses subcutâneas
(principalmente os fungos pertencentes à ordem Entomophthorales). Os
zigomicetos associados a infecções sistêmicas são pertencentes à ordem
Mucorales (o que explica porque estas zigomicoses são chamadas também de
mucomicoses)
São fungos ubíquos e que crescem rapidamente. Podem provocar
problemas muito graves em pacientes imunossuprimidos e em pacientes
que sejam diabéticos e imunossuprimidos. Estão relacionados a altas taxas
de mortalidade, e são micoses de difícil tratamento (visto que não respondem
bem aos antifúngicos).

Patogenia
Os principais gêneros causadores destas micoses são Rhizopus, Mucor,
Absidia e Cunninghamella.
As formas das zigomicoses são:

• Rino-orbito-cerebral
• Pulmonar
• Gastrointestinal
• Cutânea
• Amplamente disseminada: possuem alta capacidade de invadir os vasos
sanguíneos. Crescem rapidamente e podem provocar tromboses.
• Infecção diversa
332

Transmissão
O contágio das zigomicoses sistêmicas se dá por meio da inalação de
esporangiósporos ou pela inoculação dos fungos em feridas.

Diagnóstico
Nos exames diretos, observa-se a presença de fibras espessas
asseptadas.

Estes fungos crescem rapidamente nos meios de cultura

PNEUMONIA POR PNEUMOCYSTIS


A infecção por Pneumocystis é uma causa frequente de pneumonia em
pacientes HIV+, sendo uma das principais causas de morte em indivíduos
HIV+.
Durante muito tempo, este microrganismo foi estudado como um
protozoário. Todavia, posteriormente descobriu -se por características genéticas
que se tratava de um fungo.
Antes acreditava-se que a espécie que causava a Pneumonia por
Pneumocystis em humanos era a Pneumocystis carinii. Atualmente, sabe-se que
esta espécie está associada a infecções em ratos, e que a espécie que está
realmente relacionada a infecções em humanos é o Pneumocystis jiroveci. Os
Pneumocystis são fungos espécie-específicos)
A espécie Pneumocystis jiroveci faz parte da micobiota normal humana.
Nos indivíduos imunossuprimidos, estes fungos podem crescer de forma
exagerada, trazendo complicações.

Formas
As duas formas que estes fungos apresentam são (estão relacionadas
aos estudos antigos que os classificavam como protozoários):
333

• Trofozoítos: apresentam paredes finas


• Cistos: apresentam paredes espessas e 4 ou 8 núcleos.

Os trofozoítos passam por um processo de conjugação, e como resultado


são formados os cistos. Posteriormente, os cistos são capazes de liberar novos
trofozoítos.

Diagnóstico
O Pneumocystis jiroveci não é cultivável. Devido a isso, o seu
diagnóstico é baseado em técnicas moleculares e no exame direto (a partir de
amostras como lavado brônquio-alveolar, biópsias, escarro, etc)
Pode-se observar a presença de cistos nos exames de microscopia. Na
imagem abaixo, observa-se a presença de cistos em uma biópsia de pulmão
corada pela coloração de Gomori (corada pela prata).
334

VIRUS – CARACTERÍSTICAS GERAIS E CULTIVO


Medusa - 86

NOMENCLATURA DAS FAMÍLIAS


As diversas espécies de vírus apresentam características morfológicas,
funcionais e de alvo de ação muito distintas. Todas as famílias de vírus terminam
com o sufixo “viridae”. Algumas das famílias de vírus são:

• Hepadnaviridae: vírus da hepatite B. São vírus de DNA que possuem


tropismo por hepatócitos
• Picornaviridae: são os menores vírus que causam infecções em humanos,
como o vírus da hepatite A, o vírus da poliomielite, o vírus da febre aftosa
(acomete animais), etc. Estes vírus apresentam RNA.
• Flaviviridae: engloba o vírus da dengue, o vírus da febre amarela, o zika
vírus. São vírus capazes de causar infecções hepáticas e desenvolver
icterícia (“flavus” – amarelo)
• Retroviridae: apresentam transcriptase reversa (realizam a transcrição do
RNA para o DNA)
• Poxviridae: abarca o vírus da varíola, que causa erupções cutâneas

TAMANHO DOS VÍRUS


Os vírus são muito menores do que as bactérias e as células humanas,
sendo medidos em nanômetros. Mesmo entre os vírus, a diferença de tamanho
entre as diferentes espécies é muito grande. Exemplo disso é que enquanto o
poliovírus (que está dentro da família dos picovírus) mede cerca de 30 nm, os
vírus da varíola medem cerca de 300 nm (pertence à família Poxviridae - são os
maiores vírus que causam infecções em humanos).
335

Limites de resolução:
• Olho humano: até 200 micrômetros.
• Microscópio de luz: até 100-200 nanômetros. O vírus da varíola (300 nm)
pode ser visualizado na MO.
• Microscópio eletrônico: o tamanho da maioria dos vírus está abaixo de
100 nanômetros, só sendo vistos no ME.
Saber o tamanho dos microrganismos é importante para a realização de
filtros. Para se isolar determinados vírus de uma amostra clínica, pode-se
realizar a filtração desta amostra. Devem ser utilizados poros com diâmetros
capazes de reter as bactérias e permitir a filtração dos vírus, de modo que
apenas os vírus fiquem localizados no filtrado. Em seguida, este filtrado pode ser
semeado sobre uma cultura de células.

DESCOBERTA DOS VÍRUS


Foram descobertos por Dimitry Ivanovsky, pesquisador que estudava
doenças de plantas. Uma das doenças estudadas por este pesquisador era o
mosaico do tabaco. Dimitry Ivanovsky acreditava que esta doença era causada
336

por bactérias, e para comprovar a sua hipótese, ele pegou uma folha doente,
retirou o seu estrato e o filtrou por um filtro de Chamberland.
O pesquisador acreditava que se a doença fosse causada por bactérias,
as bactérias ficariam retidas no filtro após a filtração realizada, de modo que não
haveria o desenvolvimento da doença se este filtrado fosse aplicado sobre uma
planta sadia. Todavia, ao se realizar esta ação, houve o desenvolvimento da
doença na planta sadia. A partir de então, Dimitry Ivanovsky começou a imaginar
que havia algo menor do que as bactérias com capacidade de causar doença.
Estas substâncias capazes de causar doença forma nomeadas vírus (que, no
latim, quer dizer “veneno”).
Apesar da ter realizado a criação do termo e de ter sido o primeiro
indivíduo a falar sobre um microrganismo menor do que as bactérias causando
doenças, este pesquisador nunca chegou a ver um vírus.

ESPECTRO DE HOSPEDEIROS
Os vírus são capazes de infectar todos os organismos, como humanos,
animais, plantas, bactérias, fungos e protozoários.
Os vírus não estão incluídos em nenhum dos 5 reinos.

COMPOSIÇÃO DOS VÍRUS


São acelulares, sendo parasitas intracelulares obrigatórios. Precisam
infectar outras células para conseguirem se multiplicar.
Os vírus são divididos em:

• Vírus não envelopados/nus: apresentam as seguintes estruturas:


o Genoma (DNA ou RNA): é o cerne da unidade viral
o Capsídeo: consiste em uma capa proteica que protege o material
genético viral. É formado por capsômeros.
▪ Nucleocapsídeo: conjunto formado pelo capsídeo + ácido
nucleico

• Vírus envelopados: apresentam as seguintes estruturas:


o Genoma
o Capsídeo
o Membrana lipoproteica externa (envelope): não está
obrigatoriamente presente em todos os vírus (de modo que vírus
que apresentam a membrana lipoproteica são chamados de
envelopados e os que não apresentam a membrana proteica são
chamados de não envelopados). É uma estrutura extremamente
frágil. Esta estrutura é proveniente da membrana plasmática ou da
membrana de organelas presentes nas células infectadas por
estes vírus
337

A presença ou não do envelope está relacionada às formas de


transmissão dos vírus, à sensibilidade a agentes microbicidas e à capacidade de
sobrevivência no meio externo. Os vírus envelopados são os seres mais
sensíveis aos agentes microbicidas. Isto ocorre pois estes vírus necessitam do
envelope para infectar o seu hospedeiro (enquanto os não envelopados infectam
o hospedeiro a partir do capsídeo). Desta forma, se este envelope for destruído
(ex.: frente à utilização de antissépticos ou detergentes), estes vírus passam a
não ser mais capazes de infectar o indivíduo (perdem a sua infectividade).

CONCEITOS SOBRE A ESTRUTURA VIRAL


Deve-se distinguir os seguintes termos:
• Vírus: consiste no elemento genético que não pode replicar-se
independentemente de uma célula hospedeira
• Partícula viral: é a forma extracelular de um vírus. Engloba o genoma, o
capsídeo, e pode ou não apresentar o envelope lípidico. A partícula viral
permite que o vírus alcance novas células, facilitando sua transmissão de
uma célula para outra
• Vírion: é a partícula viral completa e infecciosa.
o Muitas partículas virais são montadas de forma equivocada. Desta
forma, no processo de multiplicação dos vírus, há sempre a
formação de partículas virais não infecciosas e dos vírions
(partículas virais infecciosas)
o Todo vírion é uma partícula viral, mas n em toda partícula viral é um
vírion

GENOMA DOS VÍRUS


Os vírus podem apresentar tanto DNA quanto RNA. Os vírus de DNA
podem ser de fita dupla ou de fita simples. Os vírus de RNA também podem
ser de fita dupla ou fita simples. Os retrovírus são vírus capazes de usar o
seu material genético (RNA) e sintetizar DNA.
338

O vírus da hepatite B é um vírus de DNA de dupla fita, mas que, em um


momento de seu ciclo, codifica uma molécula de RNA para sintetizar DNA.
Os genomas dos vírus de DNA podem ser lineares ou circulares.
Os vírus de RNA de fita simples podem ter polaridade positiva ou
negativa. Além disso, os vírus de RNA podem ser contínuos ou segmentados
(tanto os de fita simples os quanto de fita dupla).

MORFOLOGIA GERAL DOS VÍRUS


Os vírus podem ser classificados de acordo com a morfologia do seu
capsídeo:
• Helicoidal: ex.: ebola, influenza
• Poliédrica: na maioria das vezes, o poliedro em questão é um icosaedro
(20 lados)
• Complexos: se não for poliédrico ou helicoidal, é complexo. Ex.:
bacteriófagos e vírus da varíola
339

O fato de os vírus poderem ser envelopados ou não envelopados não


define a sua morfologia, visto que ela é estabelecida em relação ao aspecto do
capsídeo, e não do envelope (ex.: pode ser envelopado poliédrico, envelopado
helicoidal, etc).

TAXONOMIA DOS VÍRUS


Em 1966, houve uma organização para se definir a nomenclatura dos
vírus. Foi criado o ICTV (International Committee on Viral Taxonomy).
Os vírus são agrupados em famílias baseando-se em:

• No tipo de ácido nucleico viral (DNA ou RNA; se é de fita dupla ou


simples; se é segmentado ou linear; se apresenta polaridade positiva ou
negativa)
• Na estratégia de replicação
• Na morfologia (inclui o tamanho, a morfologia, se são envelopados ou
não, etc)

Sufixos:
• Gêneros: “vírus”
• Famílias: “viridae”
• Ordem: “ales”
• Espécies: são nomes descritivos vulgares (não seguem a nomenclatura
cientifica). Exemplos:
o Vírus da imunodeficiência humana (HIV)
o Dengue vírus
• Subespécies: designadas por números. Exemplos:
o Dengue vírus 1
o HIV 2
340

CULTIVO DE VÍRUS QUE INFECTAM ANIMAIS


As finalidades dos cultivos de vírus são isolar e produzir vírus em
quantidades suficientes para estudos ou para produzir vacinas.
Por serem parasitas intracelulares obrigatórios, os vírus sempre precisam
de sistemas celulares para serem cultivados. Os vírus podem ser cultivados em
animais vivos, ovos embrionados ou em cultura de células (método mais utilizado
atualmente).

Animais vivos
São utilizados apenas em último caso. A utilização do cultivo de vírus em
animais vivos permite se realizar o estudo de características da resposta imune
frente à presença do vírus.
Há alguns vírus que não crescem nem em cultura de células nem em ovos
embrionados, precisando ser sempre cultivados em animais vivos.

Ovo embrionado
O sistema do ovo embrionado abarca a presença de diferentes tipos de
células, de modo que diferentes tipos de vírus possam ser multiplicados em seu
interior (visto que os vírus apresentam diferentes tropismos). Os vírus
pantrópicos são tipos de vírus que infectam vários tipos diferentes de células. Os
ovos utilizados devem ser livres de patógenos (SPF). Os ovos também podem
ser utilizados para a produção de vacinas (devido a isso, indivíduos alérgicos a
proteínas presentes no ovo não podem ser vacinados com determinadas
vacinas).
341

Cultura de tecidos
A cultura de tecidos é o sistema mais utilizado para o cultivo de vírus
atualmente. Para se identificar a presença de vírus na cultura observa-se o efeito
citopático: observa-se a presença de alterações morfológicas visíveis na
monocamada de células presente na cultura. O aspecto observado na cultura de
células depende do vírus analisado e do tipo de células presentes na cultura (ex.:
alguns vírus lisam as células, outros induzem a formação de sincícios, outros
induzem a formação de vacúolos, etc).
Para se realizar uma cultura de células, insere-se as células a serem
analisadas em um meio de cultura adequado, o qual permita a proliferação
destas células. Após isso, é formado uma espécie de tapete de células no fundo
da placa, o qual é normalmente é composto por uma monocamada de células.
Se a cultura utilizar células normais (que apresentam todos os mecanismos de
controle de proliferação), é formada uma monocamada, visto que estas células
param de se multiplicar quando se encostam em outra (são reguladas pelo
mecanismo de inibição por contato). Todavia, se forem utilizadas células
tumorais (que não apresentam mais o mecanismo de inibição por contato),
ocorrerá um crescimento mais intenso e a formação de mais do que uma camada
de células na placa.
Nas imagens abaixo, observa-se o efeito citopático sobre fibroblastos
(observa-se a alteração na morfologia destas células). A primeira imagem mostra
o aspecto normal dos fibroblastos, e a segunda imagem mostra estas células
infectadas.

Algumas das células que podem ser utilizadas para se fazer a cultura são
células B95a e células VERO (rim de macaco verde africano).

QUANTIFICAÇÃO
Para se realizar a quantificação dos vírus presentes em uma amostra, são
realizadas várias diluições desta amostra, e em segu ida realiza-se uma cultura
em um meio contendo células. Se houver a presença dos vírus na amostra, serão
formadas placas de lise (regiões em que as células sofreram lise devido à
infecção pelos vírus).
342

Cada placa de lise observada é gerada por apenas 1 vírion: este vírion
infecta uma primeira célula, causando a sua lise. Como consequência, são
liberados novos vírions ao seu redor, os quais infectam células adjacentes
(causando a lise destas últimas e levando à formação de uma região com
ausência de células – que é a placa).
Utiliza-se o termo “unidade formadora de placa” para realizar a
quantificação dos vírus (é utilizado de maneira semelhante ao termo “unidade
formadora de colônia” utilizado para quantificar culturas de bactérias).
343

MULTIPLICAÇÃO VIRAL
Medusa - 86

O mecanismo básico de multiplicação viral é semelhante para todos os


vírus. O que será explicado primeiramente nesta aula será o ciclo dos
bacteriófagos, que possui algumas diferenças em relação ao ciclo adotado por
vírus animais (visto que estes últimos interagem com uma célula muito mais
complexa). Todavia, muitos dos mecanismos gerais são semelhantes entre
estes dois tipos de vírus.

MULTIPLICAÇÃO VIRAL DE BACTERIÓFAGOS


Há a presença do ciclo lítico (virulento) e do ciclo lisogênico (não
virulento – feito por fagos temperados).

Ciclo lítico
No ciclo lítico o vírus se multiplica, produz partículas virais e causa a
lise das células infectadas, para que assim estas partículas possam ser
liberadas.
344

As fases do ciclo lítico são:


1. Ancoragem/adsorção: consiste na ligação específica do vírus à
superfície da célula hospedeira. Esta ligação é específica, não sendo um
processo aleatório (não é qualquer vírus que consegue se ligar a qualquer
célula). Os bacteriófagos possuem proteínas especificas em suas caudas
que se ligam a receptores específicos presentes na parede celular das
bactérias.

2. Penetração: consiste na entrada do ácido nucleico do vírus no citoplasma


da célula hospedeira. O capsídeo dos bacteriófagos não penetra no
interior da bactéria, ficando retido do lado de fora. Os vírus contraem a
sua bainha para que o material genético seja expulso do capsídeo e
penetre na célula.

3. Biossíntese: nesta fase, o ácido nucleico começa a direcionar o


metabolismo da célula hospedeira para a síntese dos componentes virais.
O ácido nucleico é replicado e há a formação de todas as proteínas
estruturais e regulatórias virais.
4. Maturação/Montagem: realiza-se o arranjo dos componentes que foram
produzidos na fase de biossíntese, causando a formação das partículas
virais. Ocorrem muitas falhas nestas montagens, de modo que
frequentemente há a formação de partículas virais com defeitos (as quais
não são infecciosas). Os vírions são as partículas viriais infecciosas. As
não infecciosas são chamadas apenas de partículas virais.
5. Liberação: nesta fase, as partículas virais formadas são liberadas. Para
que isso ocorra, o vírus produz proteínas e enzimas que degradam a
parede celular, promovendo a lise da célula.
345

Os vírus animais também apresentam todas estas etapas e u ma a mais


(que não está representada). Os vírus de plantas não apresentam fase de
adsorção (não há evidencia de que a parede celular das plantas possua
receptores para o vírus se aderir – acredita-se que os vírus entrem na célula das
plantas frente a algum dano (ruptura em sua estrutura)).

Ciclo lisogênico
No ciclo lisogênico há a multiplicação do vírus sem a produção de
partículas virias. Neste ciclo, a célula hospedeira permanece viva. O material
genético do vírus se junta ao genoma da célula, de modo que toda vez que a
célula se multiplica, ocorre a multiplicação do material genético viral também.
As duas primeiras etapas do ciclo lisogênico são idênticas às do ciclo
lítico: o bacteriófago adsorve e penetra. Em seguida, há a expressão de
proteínas regulatórias que reprimem a expressão das moléculas de RNAm
responsáveis por sintetizar as proteínas que compõem a partícula viral (ocorre
uma repressão da etapa de biossíntese). Não é necessário se sintetizar estas
proteínas nesta etapa do ciclo lisogênico, visto que não serão formadas novas
partículas virais no momento.
Após isso, o material genético do vírus se liga ao genoma da bactéria,
formando um prófago (termo que designa o vírus integrado ao genoma da
bactéria).
Em seguida, as bactérias se multiplicam, fazendo com que o material
genético viral se multiplique junto (e sem produzir partículas virais). As bactérias
com vírus são chamadas de bactérias lisogenizidas.
Frente a alguns estímulos (ex.: substancias químicas e radiação UV),
pode ocorrer separação do genoma do vírus do genoma da bactéria, de
modo que o vírus possa entrar no ciclo lítico. No meio de cultura, esta mudança
346

do ciclo lisogênico para o ciclo lítico é observada quando as células bacterianas


começam a morrer subitamente.
As consequências do ciclo lisogênico para a bactéria são:
• Células hospedeiras podem exibir novas propriedades (conhecida
como conversão), as quais podem estar relacionadas ao aumento da
virulência da bactéria.
o Ex.: Passar a produzir toxinas codificadas no genoma viral
▪ Corynebacterium diphtheriae
▪ Estreptococcus que carregam fago lisogênico: causam
síndrome do choque tóxico
▪ Clostridium botulinum
▪ E. coli: toxina Shiga é codificada por gene de profago
• Permite a transdução especializada
o Pode ser que o gene do vírus, ao sair, carregue um pedaço do
genoma da célula bacteriana. Com isso, quando ele infectar outra
célula, ele pode transferir esse material para a nova célula, fazendo
com que ela passe a produzir novas proteínas.

• As células lisogênicas são imunes à reinfecção pelo mesmo fago


347

APLICAÇÃO DOS BACTERIOFAGOS NO TRATAMENTO DE DOENÇAS


Os bacteriófagos podem ser utilizados no tratamento de infecções
bacterianas (visto que eles agem sobre as bactérias, destruindo-as). Os
bacteriófagos são altamente específicos (ex.: se ligam apenas a espécies
específicas de bactérias). Os bacteriófagos utilizados no tratamento destas
doenças devem estar sempre exercendo o ciclo lítico (viso que objetiva-se
causar a lise destas células patogênicas).
É difícil se produzir medicamentos antivirais, visto que é difícil se encontrar
mecanismos de alta toxicidade seletiva para os vírus. Os antivirais são altamente
específicos, não havendo antivirais de amplo espectro.

MULTIPLICAÇÃO DE VÍRUS ANIMAIS


Os vírus que infectam células animais podem interagir com as várias
organelas intracelulares presentes na célula eucariota..
As 6 etapas que ocorrem no ciclo dos vírus animais são:
1. Adsorção: os vírus envelopados e não envelopados interagem de forma
diferente com os receptores de membrana das células alvo. No caso dos
não envelopados, a ligação aos receptores da célula ocorre por meio das
proteínas do capsídeo. No caso dos vírus envelopados, a ligação aos
receptores da membrana da célula ocorre por meio de
proteínas/glicoproteínas presentes no envelope lipídico (devido a isso, se
estes vírus tiverem o seu envelope danificado/perdido, ocorre a perda da
capacidade de invasão das células).

2. Penetração: após se ligar ao receptor de membrana, o vírus pode


penetrar diretamente no interior da célula ou ser endocitado. Os vírus
envelopados também podem se fundir à membrana plasmática da célula
do hospedeiro, possibilitando a penetração do capsídeo.
3. Desnudamento: consiste na separação das proteínas do capsídeo das
proteínas do genoma viral. Esta fase não existia no ciclo do bacteriófago,
visto que no ciclo dos bacteriófagos o capsídeo sempre ficava retido na
parte externa da membrana da célula. No ciclo dos vírus animais, o
capsídeo penetra no interior da célula, devendo ser rompido em seguida
para que o material genético seja liberado no citoplasma.
348

4. Biossíntese: assim que ocorre o desnudamento, passa a ocorrer a


biossíntese das proteínas que formarão a partícula viral e a duplicação do
material genético do vírus.
5. Maturação/Montagem: ocorre a montagem da partícula viral. O envelope
do vírus é composto a partir de proteínas virais associadas à membrana
da célula do hospedeiro ou a partir de membranas de organelas. Para que
ocorra a formação do envelope, proteínas virais ficam aderidas à
membrana das células (o que possibilita o reconhecimento destas células
pelos mecanismos do sistema imune como células infectadas)
6. Liberação

Locais de replicação viral na célula:


Normalmente:

• Vírus DNA: normalmente se multiplicam no núcleo da célula


o Exceção: os retrovírus (ex.: HIV) possuem RNA, mas se
multiplicam no núcleo (codificam DNA por meio da transcriptase
reversa, e este DNA se integra ao genoma da célula hospedeira)
• Vírus RNA: normalmente se multiplicam no citoplasma da célula
o Exceção: Poxvírus possuem DNA e se multiplicam no citoplasma

HIV
No caso do HIV, as glicoproteínas que realizam a adsorção são a gp120
e a gp41, que estão presentes no envelope viral. O HIV entra na célula por meio
da fusão do seu envelope com a membrana plasmática (não é endocitado).
349

Logo após ocorrer o desnudamento, a transcriptase reversa faz com que


ocorra a transcrição do RNA em DNA. Este DNA viral se une ao DNA da célula
hospedeira. A partir deste momento, é possível que ocorra a produção do RNAm
relativo ao material genético viral pelas RNA polimerases próprias da célula
hospedeira.
Algumas das proteínas virais que são sintetizadas são as proteínas de
superfície do envelope viral. Estas proteínas migram para a membrana
plasmática para que, quando o vírus sair da célula, elas estejam aderidas ao seu
envelope. A presença destas proteínas na membrana das células possibilita que
estas células sejam reconhecidas pelo sistema imune como células infectadas,
podendo ser eliminadas devido a isso.
Após ser montado, o HIV brota a partir da membrana celular, de modo
que seu envelope é formado a partir da membrana plasmática da célula
infectada.
Como a transcriptase reversa é uma enzima exclusiva dos vírus, ela é um
bom alvo para a ação de fármacos (visto que possibilita maior toxicidade
seletiva).

Influenza
O vírus influenza é um vírus envelopado. Para entrar no interior das
células, este vírus é endocitado. Ele também brota da célula após ser formado
(não é um vírus lítico).
350

Vírus não envelopados e de RNA


No caso de infecções causadas por vírus que contêm RNA, o ciclo fica
todo concentrado no citoplasma da célula. Os vírus não envelopados causam
a lise celular para saírem das células (não brotam como os envelopados). O
poliovírus realiza este ciclo nos neurônios.
351

GENOMA DOS VÍRUS: POLARIDADE E CLASSIFICAÇÃO


Genoma de polaridade positiva ou negativa
A molécula de DNA é uma dupla-fita composta por fitas complementares.
O DNA é uma molécula composta por uma fita positiva e uma fita negativa: a fita
positiva é a que vai de 5’ para 3’ (codificante) e a negativa é a que vai para 3’
para 5’.
A fita que serve de molde para sintetizar o RNAm é sempre a fita
negativa. Devido a isso, o RNAm possui as mesmas sequencias de nucleotídeos
do que a fita positiva (com a troca do T pelo U), de modo que o RNAm também
é considerado como uma fita positiva.
O processo de transcrição realizado nas células humanas é feito por uma
RNA polimerase-DNA dependente.

Classificação de vírus baseadas nos genomas (classificação de


Baltmimore)
Esta classificação dos vírus baseia-se na relação entre o genoma viral
e seu RNAm. Para se realizar esta classificação, deve-se pensar qual o tipo de
genoma do vírus quando ele está presente na célula e que estratégia o vírus
utilizará para sintetizar o seu RNAm.
• Vírus DNA dupla fita: apresenta fita positiva e fita negativa, utilizando a
fita negativa como molde para sintetizar o RNAm (assim como ocorre na
maquinaria normal de transcrição das células eucariotas).
• Vírus DNA fita simples polaridade positiva: como este tipo de vírus
apresenta apenas uma fita positiva, ele tem que produzir uma molécula
de DNA (que será uma fita negativa), a qual funcionará como
intermediário. A partir desta fita de DNA intermediária (que é negativa),
realiza-se a síntese da fita de RNAm (que é positiva)
• Vírus RNA dupla fita: possui uma fita positiva e uma fita negativa. Utiliza
a fita negativa como molde para gerar o RNAm. Este processo é feito por
352

meio de enzimas próprias do vírus (visto que as enzimas que existem na


célula são RNA polimerases-DNA dependentes, as quais não conseguem
realizar a síntese de uma molécula de RNA a partir de outra molécula de
RNA). Como estes vírus possuem estas enzimas próprias (RNA
polimerases-RNA dependentes), pode-se desenvolver medicamentos
contra estas enzimas em específico.
• Vírus RNA fita simples positiva (genoma infeccioso): assim que o
genoma deste vírus entra na célula, ele já funciona como o próprio RNAm
(visto que é uma fita de RNA positiva). Assim que entra na célula, esta
molécula já consegue ir para o ribossomo e realizar a síntese de
proteínas. Este tipo de vírus também precisa de uma RNA polimerase-
RNA dependente, visto que precisa multiplicar o seu genoma também.
Todavia, esta enzima não é necessária prontamente assim que o genoma
entra na célula (como ocorre no caso dos vírus RNA dupla fita – se estes
últimos não tiverem a enzima já pronta, não conseguem inciar o processo
de tradução), de modo que ela não precisa estar presente dentro do
capsídeo dos vírus RNA fita simples positiva.
o A duplicação do material genético destes vírus ocorre da seguinte
forma: a partir de um RNA fita simples positiva, é produzido um
RNA fita simples negativa, e a partir deste último é produzida uma
nova fita de RNA fita simples positiva
• Vírus RNA fita simples negativa
• Retrovirus: possuem a enzima transcriptase reversa. Estes vírus
possuem um RNA fita simples positivo (não se sabe porque este genoma
não passa a atuar sobre os ribossomos da célula do hospedeiro assim
que é injetado). A transcriptase reversa transforma o RNA viral em uma
dupla fita de DNA, a qual se integra ao genoma da célula. A fita negativa
deste DNA que foi sintetizado é utilizada para se sintetizar o RNAm
responsável por produzir as partículas virais.

Sempre realiza-se a síntese de uma molécula positiva a partir de uma negativa,


e vice-versa.
CURVA DE CRESCIMENTO DE VÍRUS
353

O número de partículas virais diminui após entrarem nas células, visto


que elas são desmontadas para que ocorra a liberação do material genético viral.
Enquanto ocorre a etapa de biossíntese, não há a presença de partículas virais
formadas na célula (momento chamado de eclipse). Após ocorrer a biossíntese
e a formação de novas partículas (montagem), há um aumento no número de
partículas virais.
354

PREVENÇÃO E TRATAMENTO DAS INFECÇÕES VIRAIS


Medusa - 86

PREVENÇÃO E CONTROLE DAS VIROSES


As medidas de prevenção e controle das viroses dependem da rota de
transmissão dos vírus em questão. Dentre as medidas profiláticas gerais
possíveis estão:

• Isolamento (quarentena): principalmente para os vírus transmitidos por via


aérea
• Medidas de higiene e saneamento básico: principalmente para os vírus
transmitidos por via fecal-oral
• Controle de vetores: principalmente para os vírus transmitidos por animais
• Mudanças de comportamento ou estilo de vida: principalmente para as
ISTs
• Imunização

VACINAS VIRAIS
Podem ser obtidas a partir de:
• Vírus vivos atenuados: a atenuação é obtida por meio de passagens do
vírus por meio de sistemas de células/ovo embrionado, até que sejam
selecionados vírus que perderam a característica de virulência. Esta
perda da virulência ocorre pois os vírus são passados por sistemas de
células livres de fatores promotores de pressão seletiva. Com isso, o vírus
vai perdendo os genes de virulência, visto que passa a predominar
linhagens que direcionam a sua energia para a replicação, e não para a
produção de fatores de virulência.
o Ex.: vacinas para caxumba, sarampo, rubéola, febre amarela,
poliomielite (vacina oral), etc.
o Estas vacinas não podem ser administradas em imunossuprimidos
ou gestantes, visto que ela pode causar doença nestes indivíduos

• Vírus inativados
o Ex. vacinas para raiva e hepatite A
o Não são capazes de causar a doença em nenhuma circunstância
o CoronaVac: é uma das vacinas desenvolvidas para o SARS-CoV-
2. As partículas virais são cultivadas em culturas de células VERO,
e em seguida são inativadas e administradas na vacina.

• Frações de vírus: as vacinas feitas a partir de frações virais contém


proteínas virais, partes do genoma viral, etc.
o Ex.: vacinas para Hepatite B e gripe
355

o Também não são capazes de causar a doença em nenhuma


circunstância
o Sputnik V: também é uma das vacinas desenvolvidas para o SARS-
CoV-2. Utiliza adenovírus modificados como vetores (estes vírus
não apresentam os genes responsáveis pela sua replicação).
Estes adenovírus carregam genes que produzem as proteínas da
coroa do SARS-CoV-2 (proteína S), as quais são essenciais para
que o vírus seja capaz de realizar a adsorção à célula humana.
Esta vacina visa a produção de anticorpos direcionados contra esta
proteína, os quais serão capazes de neutralizar o SARS-CoV-2 que
entrar no organismo. As proteínas da coroa do coronavírus se
ligam ao receptor ACE2 (presente em vários tipos celulares)
o Vacina da Pfizer: é outra das vacinas desenvolvidas para o SARS-
CoV-2. Utiliza o RNAm responsável por produzir a proteína S, o
qual, ao entrar nas células humanas, estimula a produção das
proteínas S, que passarão a ser reconhecidas pelo sistema imune
(e posteriormente ocorrerá a produção de anticorpos contra elas).
O RNAm é uma molécula mais instável, e devido a isso esta vacina
deve ser mantida em baixíssimas temperaturas

FÁRMACOS ANTIVIRAIS
MECANISMO DE AÇÃO
É muito difícil se desenvolver medicamentos con tra vírus, visto que estes
patógenos ficam no interior das células do indivíduo e utilizam o metabolismo da
célula do hospedeiro para se multiplicar. Não existem antivirais com amplo
espectro de ação.
Os requisitos para que um antiviral seja eficiente são:
• O processo alvo deve ser essencial para a replicação do vírus (inibir algo
importante)
• O agente terapêutico deve ser ativo contra o vírus e ter toxicidade
aceitável para o organismo hospedeiro.

Qualquer uma das etapas da ação do vírus pode ser alvo de


medicamentos antivirais. Todavia, é mais fácil de se desenvolver medicamentos
que atuam na etapa de biossíntese, visto que muitos vírus produzem suas
próprias polimerases (sendo possível se desenvolver fármacos específicos para
enzimas virais)

AÇÃO DOS ANTIVIRAIS NAS ETAPAS DO CICLO DE REPLICAÇÃO DOS


VÍRUS
Adsorção:
Esta fase pode ser inibida de duas maneiras:
356

• Agentes que mimetizam o ligante viral: estes agente se ligam ao


receptor celular ao qual o vírus se liga. Ao bloquear este receptor, o vírus
não consegue se ligar a ele, não conseguindo invadir a célula.
o Nem sempre esta estratégia é viável, visto que o receptor ao qual
o vírus se liga pode ser um receptor essencial para a célula
humana.
• Agentes que mimetizam o receptor: estes fármacos se ligam às
proteínas de superfície do vírus, impedindo que ele se ligue a uma célula
própria.

Exemplos de drogas que impedem a adsorção são algumas drogas anti-


HIV, como:
• Emfuvirtida (Fuseon – T20): se liga à gp41 da membrana do HIV
• Maraviroc (Celsentri): se liga ao co-receptor CCR5 presente na
membrana das células do hospedeiro, inibindo a entrada do vírus na
célula.

O vírus HIV se liga ao receptor CD4 presente em linfócitos Th e macrófagos por


meio de glicoproteínas presentes em seu envelope (gp120 e gp41). A gp120 se
liga diretamente ao CD4 e a gp41 se liga a um correceptor (CCR5 ou CXCR -4).
Após estas ligações, o envelope do vírus se funde com a membrana da célula. O
Maraviroc só consegue atuar sobre os vírus que estão atuando sobre o receptor
CCR5 (não atuam sobre os que estão se ligando ao CXCR-4).

Estes fármacos não são medicamentos de primeira escolha para o


tratamento do HIV, sendo utilizados apenas nos casos de resistência aos
medicamentos de primeira linha.
Estes medicamentos atuam fora da célula, não interagindo com nenhum
mecanismo intracelular do hospedeiro.
Outro tipo de terapia que impede a etapa de adsorção é o tratamento com
anticorpos monoclonais direcionados às proteínas de ligação da
membrana do vírus. Este tipo de terapia foi utilizado em alguns casos no
tratamento da COVID-19.

Desnudamento
Alguns fármacos que atuam sobre o processo de desnudamento são a
Amantadina e a Rimantadina. Estes fármacos atuam contra o vírus Influenza
A, mas não são utilizados atualmente, visto que foram desenvolvidas linhagens
resistentes a estes medicamentos.
Estes fármacos bloqueiam o canal de íons M2 presente na membrana
dos vírus Influenza. Este canal é responsável por possibilitar a passagem de íons
357

H+ pelo envelope do vírus, os quais são necessários para que ocorra o processo
de desnudamento. Com o bloqueio, não há a entrada destes íons, de modo que
não é possível ocorrer o processo de desnudamento (e assim o vírus não é
capaz de realizar a sua multiplicação)

Replicação do genoma (Biosssíntese)


A maioria das drogas antivirais disponíveis atualmente na fase de
biossíntese do ciclo dos vírus. A maioria dos antivirais que inibem a replicação
do genoma funcionam como análogos de substratos de polimerases (atuam
como falsos nucleotídeos).
Alguns destes fármacos são:

• Aciclovir: é um fármaco utilizado no tratamento das infecções pelo


herpes vírus. Este fármaco atua como um análogo da desoxiguanosina,
causando a inibição da replicação do DNA do vírus.
o É um pró-fármaco: o Aciclovir é um análogo de nucleosídeo,
precisando ser fosforilado para se transformar em um nucleotídeo.
Este processo de fosforilação é realizado por enzimas virais
(timidina cinase), de modo que apenas células infectadas pelo
herpes são capazes de gerar o fármaco ativo - se ele entrar em
uma célula não infectada, ele permanece como nucleosídeo, visto
que não há a presença da timidina cinase. Devido a esta
dependência de uma enzima viral para se transformar na droga
ativa, este fármaco apresenta uma alta toxicidade seletiva.
o Após ser ativado e ser transformado em um análogo de
nucleotídeo, este fármaco passa a atuar no processo de replicação
do vírus. Este fármaco se liga à DNA polimerase viral (como se
358

fosse um nucleotídeo) e interrompe a síntese do material genético


viral.
▪ Este fármaco possui uma alta afinidade pela DNA
polimerase viral (utilizada pelo herpes-vírus), e uma baixa
afinidade pela DNA polimerase própria da célula.
o Vários outros medicamentos semelhantes ao Aciclovir podem ser
mais direcionados a outros membros da família do herpes vírus
(ex.: Ganciclovir é mais especifico para o tratamento e infecção por
citomegalovírus)

• Inibidores da transcriptase reversa: há dois tipos de inibidores de


transcriptase reversa:
o Análogos a nucleosídeos: estes fármacos são utilizados no
tratamento da AIDS e da hepatite B. O HIV é um vírus de RNA, e
o vírus da hepatite B é um vírus de DNA, mas que sintetiza uma
molécula de RNA para sintetizar uma nova molécula de DNA
(ambos utilizam a transcriptase reversa).
▪ São fármacos análogos de nucleotídeos que se ligam à
transcriptase reversa quando ela está realizando a síntese
de DNA a partir do RNA.
▪ Estes fármacos fazem parte do coquetel anti-HIV

o Não análogos a nucleosideos: estes fármacos realizam uma


inibição alostérica da transcriptase reversa: não se ligam ao
sítio principal da enzima, mas sim a um sítio alostérico que ela
possui, causando uma mudança conformacional desta proteína, a
qual faz com que ela não consiga mais realizar a transcrição do
DNA em RNA.
359

.
• Inibidores de RNA polimerase-RNA dependente: são utilizados apenas
em vírus que contenham RNA. Estes medicamentos possuem alta
toxicidade seletiva, visto que atuam sobre uma enzima viral.
o Remdesivir: é um medicamento utilizado no tratamento do Ebola.

• Fase de expressão gênica: apesar de haver vários medicamentos que


atuam na fase de replicação do genoma (os descritos acima), não há
medicamentos que atuam na fase de expressão gênica, visto que
normalmente os vírus são muito dependentes da maquinaria do
hospedeiro para realizar os processos de transcrição e tradução.

Montagem/liberação:
Alguns dos medicamentos que atuam nesta fase são medicamentos
utilizados no tratamento da Influenza: Zanamivir (Relenza) e Oseltamivir
(Tamiflu). Estes medicamentos são muito efetivos.
Estes medicamentos funcionam como inibidores de neuraminidase. A
neuraminidase e a hemaglutinina são proteínas presentes no envelope viral
do vírus Influenza, e são as responsáveis por definir os diferentes tipos de
Influenza (ex.: H1N1, H2N5, etc). Estas proteínas também são importantes na
saída do vírus da célula hospedeira: quando o vírus está brotando a partir da
membrana plasmática da célula, ele não é liberado imediatamente, visto que
após brotar ele fica aderido à membrana por meio de uma ligação da
hemaglutinina a um receptor da célula. Para que ocorra a liberação do vírus, a
neuraminidase presente no envelope viral atua quebrando esta ligação, e
promovendo assim a liberação do vírus no meio.
360

Ao inibir a ação das neuraminidases, estes fármacos impedem a


liberação do vírus da célula: o vírus influenza é capaz de brotar, mas fica aderido
à membrana por meio da ligação da hemaglutinina.

Estes medicamentos devem ser tomados bem no inicio dos sintomas (24-
48h depois dos primeiros sintomas).

ALVOS DOS FÁRMACOS ANTI-HIV


Os coquetéis anti-HIV normalmente são compostos por no mínimo 3
medicamentos, sendo que 2 deles devem agir em alvos diferentes.
As principais classes de fármacos utilizados no HIV são:
• Inibidores da adsorção: segunda linha de tratamento
• Inibidores da transcriptase reversa
• Inibidores de integrases: as integrases são enzimas virais que realizam a
inserção do material genético viral no material genético do hospedeiro.
Estes fármacos estão entre os mais eficientes que fazem parte do
coquetel
361

• Inibidores de protease: quando o vírus realiza a síntese de suas proteínas,


normalmente elas são sintetizadas de maneira seguida, ficando unidas
umas às outras (são formadas poliproteínas). Enzimas virais chamadas
de proteases são responsáveis por realizar a clivagem destas
poliproteínas, fazendo com que estas proteínas adquiriam a sua forma
ativa (individual). Fármacos inibidores de proteases atuam impedindo a
formação das partículas virais, visto que as proteínas que formariam estas
partículas encontram-se todas unidas.

Imagem mostrando os principais fármacos da TARV:


362

PATOGÊNESE DAS INFECÇÕES VIRAIS


Medusa - 86

Será discutida uma abordagem ampla da patogênese das infecções virais,


visto que há vários modelos de infecções virais e estas infecções evoluem de
forma diferente.

PRINCÍPIOS DAS DOENÇAS VIRAIS


• Muitas infecções virais são subclínicas
• A mesma doença pode ser causada por uma variedade de vírus (ex.:
viroses intestinais, viroses respiratórias, etc).
o Apesar de poderem ser causadas por diferentes vírus, por vezes
algumas das viroses são tratadas da mesma forma,
independentemente da espécie em questão que está associada à
infecção
o Para os vírus que são tratados com medicamentos específicos, é
importante saber se o paciente está infectado com este vírus ou
não
• O mesmo vírus pode causar uma variedade de doenças
o Um vírus pode incialmente causar determinados sintomas e depois
apresentar outros (ex.: incialmente quadro de diarreia,
posteriormente quadro de hepatite)
• A evolução de qualquer infecção viral é determinada por fatores do vírus
e por fatores do hospedeiro, sendo influenciada pela genética de ambos
o Ex.: respostas imunes fracas ou exacerbadas; presença maior ou
menor de fatores de virulência, etc.

CONDIÇÕES PARA O VÍRUS PROVOCAR DOENÇA:


1. Penetrar no hospedeiro
2. Entrar em contato com células suscetíveis
a. Entra em contato com receptores celulares específicos (os vírus
podem possuir tropismo por determinado tipo celular)
3. Sofrer replicação
a. Não necessariamente envolve a produção de partículas virais (ex.:
vírus oncogênicos – multiplica-se só o material genético, mas não
são formadas partículas virais)
4. Causar lesão celular
a. Pode ser causada diretamente pelo vírus (ex.: vírus líticos
causando a lise das células) ou pelo sistema imune do indivíduo
5. Desenvolvimento da doença
363

ETAPAS DA PATOGÊNESE VIRAL


1. Penetração do vírus no hospedeiro
2. Replicação viral primária
a. Normalmente os vírus multiplicam-se inicialmente na porta de
entrada (ex.: se a porta de entrada do vírus é o TGI, ele se
multiplica inicialmente nos intestinos)
3. Disseminação do vírus (pelo hospedeiro)
a. Não ocorre em todos os vírus, de modo que alguns vírus ficam
restritos à porta de entrada da infecção. Ocorre apenas com os
vírus que estão no ciclo lítico. Esta disseminação ocorrer pela
corrente sanguínea, pela via linfática ou pela via neural
4. Lesão celular
5. Resposta imunológica do hospedeiro
6. Eliminação do vírus ou estabelecimento de infecção persistente
7. Disseminação viral (para outro hospedeiro)

PENETRAÇÃO DO VÍRUS NO ORGANISMO


Há cinco portas de entrada do vírus no organismo:
• Pele
• Trato respiratório
• TGI
• TGU
• Conjuntiva
Além destas vias de infecção (que caracterizam a transmissão
horizontal), pode ocorrer também a transmissão vertical de alguns vírus.
As duas portas de entrada mais frequentes são o trato respiratório e o
TGI. Devido a isso, as doenças infecciosas mais comuns que acontecem nos
seres humanos (resfriados e viroses intestinais) contaminam os indivíduos por
meio destas vias de entrada.
OBS.: Gripe = causada por influenza; resfriado = causado por outros vírus.

TRANSMISSÂO VERTICAL
As consequências da transmissão vertical de infecções virais podem ser:

• Nada (o feto pode ser totalmente assintomático e recuperar-se sem


nenhuma sequela)
• Aborto
• Má-formações
• Morte pós nascimento
• Infecção persistente
• Recuperação pós nascimento.
364

FORMAS DE TRANSMISSÃO
• Rota aérea: ocorre principalmente por meio do espirro, mas também pode
ocorrer por meio de tossidos ou de gotículas de saliva liberadas durante
a fala
• Rota fecal-oral: a disseminação dos patógenos que causam infecções por
meio da rota-fecal oral ocorre principalmente devido às seguintes
situações:
o Manipulação inadequada de alimentos
o Destino inadequado de dejetos
• Transmissão sexual
• Transmissão direta
o Ex.: contato com animais
• Por meio de vetores (mosquitos, cães, morcegos, etc)

TROPISMO
O tropismo consiste na predileção do vírus para infectar certos tecidos
do hospedeiro e não outros. Alguns possuem tropismo estreito e outros
possuem tropismo amplo
Os padrões de infecção são definidos pelo tropismo viral (ex.: vírus
enterotrópico, neurotrópico, pantrópico (tropismo amplo), etc.).
O tropismo é determinado pela susceptibilidade (é determinada pela
presença de receptores celulares aos quais o vírus pode se ligar) e pela
permissividade (presença de constituintes no interior da célula do hospedeiro
que são essenciais para a síntese viral – ex.: o vírus pode precisar de algum
elemento que está presente em determinado tipo celular e que não está presente
em outro).

MECANISMOS DE PROPAGAÇÃO DO VÍRUS ATRAVÉS DO CORPO


O vírus infecta uma superfície epitelial, se multiplica na célula da porta
de entrada e pode posteriormente se disseminar pelo organismo. Há vírus que
disseminam pelo organismo e outros que só ficam na porta de entrada, sendo
disseminados para o ambiente em seguida (ex.: HPV).
Os que se disseminam para o organismo caem na corrente sanguínea
(viremia) e podem infectar outros órgãos/tecidos (sítios secundários de
replicação). A partir dos sítios secundários, o vírus pode cair na corrente
sanguínea novamente, causando uma viremia secundária. Em seguida, o vírus
passa a infectar alguma porta de saída (ex.: sangue, mucosas, glândulas
salivares, rins, etc.) para voltar ao ambiente e passar a infectar um novo
indivíduo.
365

DANO CELULAR E DOENÇA CLÍNICA


A doença desenvolvida resulta, em grande parte, da destruição das
células infectadas e das alterações fisiológicas induzidas no hospedeiro
pela lesão tecidual.
Elementos da resposta do hospedeiro, como produção de citocinas,
podem resultar em sintomas generalizados (como mal-estar e anorexia).
A doença clínica é um indicador insensível de infecção viral (visto que as
infecções assintomáticas são muito comuns).

PERÍODO DE INCUBAÇÃO
É muito variável. Alguns vírus possuem período de incubação de anos.

FASE DE MANIFESTAÇÃO DOS SINTOMAS


• Período prodrômico: período em que o paciente apresenta sintomas
inespecíficos, como febre, mialgia, náuseas, artralgia, anorexia
• Doença: ocorre quando a infecção passa a causar sintomas mais
específicos

DANOS CELULARES OU TECIDUAIS CAUSADOS POR VÍRUS


Os vírus podem causar danos celulares das seguintes formas:
• Morte celular: causam a lise celular ou a induzem a célula a entrar em
apoptose
• Bloqueio da síntese de proteínas celulares: os vírus podem fazer com que
ocorra o bloqueio da síntese de proteínas celulares e passe a ocorrer
apenas a produção de proteínas virais. Pode haver também o bloqueio
dos transportadores nas membranas
• Despolimerização do citoesqueleto: causa a alteração na forma da célula
• Formação de sincícios: o vírus é capaz de fazer com que uma célula se
funda a outra, de modo que ele consiga passar de uma célula a outra sem
ser exposto aos mecanismos do sistema imune
• Interrupção do ciclo mitótico: pode forçar a célula a parar de se replicar
• Transformação celular: há também vírus que intensificam o processo de
mitose. Estes vírus fazem com que as células deixem de expressar os
mecanismos de controle de replicação celular, causando a formação de
tumores. 15-20% dos tumores humanos estão associados a infecções
causadas por vírus (como herpes vírus, Epstein -Baar, vírus da hepatite
C/B, HPV, HTLV, vírus associado ao Sarcoma de Kaposi (herpes vírus
tipo 8), etc).
366

RECUPERAÇÃO DA INFECÇÃO

• Envolve respostas imunológicas inata e adaptativa


• Deve ocorrer a eliminação das partículas virais em circulação (em
infecções agudas)
• Há situações em que o indivíduo permanece persistentemente infectado
(nestes casos, o vírus adota o ciclo lisogênico, aguardando o momento
adequado para entrar no ciclo lítico novamente)

TIPOS DE INFECÇÕES VIRAIS


As infecções virais podem se manifestar sob duas formas: infecções
agudas e infecções persistentes. As infecções persistentes são divididas em
infecções crônicas e infecções latentes.

Infecções agudas:
As infecções agudas são infecções restritas. Ao longo de um curto
período de tempo, há a contaminação, seguida pelo aumento da carga viral, até
chegar ao momento em que os sintomas começam a aparecer. O momento em
que os sintomas aparecem normalmente coincide com o ápice da carga viral,
sendo este o momento de maior disseminação a outros indivíduos.
Normalmente os mecanismos da resposta imune são capazes de
combater a infecção viral, produzindo anticorpos neutralizantes. Desta
forma, vai ocorrendo a redução da carga viral e a remissão dos sintomas. Após
a resolução da infecção, permanece no organismo a memória imunológica.
367

Infecções persistentes:
As infecções persistentes não são infecções restritas a um período de
tempo, mas sim infecções que não são resolvidas e continuam no organismo
do indivíduo por longos períodos de tempo.
As infecções persistentes são divididas em infecções crônicas e infecções
latentes.
Infecções crônicas:
Neste tipo de infecção persistente, o vírus continua a se replicar, de
modo que há uma produção contínua de partículas virais. A infecção inicial
pode ou não causar sintomas, sendo seguida por um período de ausência de
sintomas, no qual o vírus estabelece uma infecção crônica (a qual pode perdurar
por anos). Pode ser que depois de um período de tempo o vírus passe a causar
complicações, levando ao aparecimento de novos sin tomas após meses/anos
dos sintomas iniciais. Estas complicações normalmente são decorrentes do dano
crônico causado aos tecidos por esta presença prolongada dos vírus no
organismo. Em alguns casos, as infecções crônicas podem até mesmo evoluir
para o desenvolvimento de tumores.
O vírus pode se disseminar pelo organismo durante as infecções crônicas.

Infecções latentes:
Nas infecções latentes a produção de partículas virais não é contínua
(como nas infecções crônicas), ocorrendo apenas de forma periódica ou
368

sendo indetectável. A qualquer momento, a infecção pode ser reativada e


passar a expressar sintomas novamente
Este tipo de infecção pode ocorrer de duas principais formas:
• Infecção latente com recorrência: é o que ocorre nos casos de infecção
pelo herpes vírus (herpes simplex): ocorre uma infecção inicial, causando
o aparecimento de sintomas agressivos. Em seguida, ocorre um período
de ausência de sintomas, o qual pode ser interrompido todas as vezes em
que há uma queda na imunidade do indivíduo. Nestes momentos de
recorrência da doença, os sintomas são normalmente mais brandos em
relação ao inicial. A replicação do vírus começa a ocorrer novamente
apenas frente a estes quadros de baixa do sistema imune.

• Infecção latente com dois quadros clínicos distintos: é o que ocorre


com o vírus varicela-zóster: neste caso, o vírus causa catapora na infância
e hesper-zóster no idoso (quando é reativado). No primeiro contato com
o vírus ocorre uma infecção generalizada, seguida por um longo período
de latência. Este vírus pode não voltar a causar sintomas nunca mais, ou
pode voltar a causar sintomas na terceira idade devido à
imunosenescência (causando herpes-zóster). Uma maneira de se evitar
a reativação da doença é administrando a vacina da varicela novamente
na 3ª idade.
369
370

VIROSES HUMANAS IMPORTANTES


Medusa - 86

VÍRUS QUE CONTÉM DNA


Os vírus que possuem DNA que serão abordados nesta aula são:

• Vírus envelopados com DNA fita dupla


o Poxvírus
o Herpesvírus
o Hepadnavírus
• Vírus não envelopados com DNA fita dupla
o Adenovírus
o Papilomavírus
o Poliomavírus
• Vírus não envelopados com DNA fita simples
o Parvovírus

Parvovírus B19
São vírus não envelopados com DNA fita simples. São muito importantes
na veterinária. O parvovírus que mais frequentemente causa infecções em
humanos é o B19, o qual causa uma doença exantemática, o eritema
371

infeccioso. Esta doença infecta principalmente crianças. A manifestação mais


frequente desta infecção é a presença de manchas avermelhadas nas
bochechas, em aspecto de “cara esbofeteada”.

Não há medicamentos que tratem este quadro nem vacinas que podem
preveni-lo. O próprio sistema imune da criança é capaz de eliminar a infecção
(segue modelo de infecção aguda). É uma doença benigna e de fácil transmissão
(ocorre por meio de secreções das vias respiratórias).

FAMÍLIA DOS POXVÍRUS


Varíola
São os maiores vírus que causam infecções em humanos, podendo ser
visualizados no MO.
A infecção pelos vírus da família Poxvírus causa como principal
manifestação clínica a produção de pústulas eruptivas na pele, chamadas de
pocks/pox, as quais deixam cicatrizes.
A transmissão da varíola se dá por meio de gotículas de saliva e por
secreções respiratórias. É uma virose altamente contagiosa. Foi considerada
erradicada no início da década de 1990 devido a uma campanha mundial de
vacinação.
372

Molusco contagioso
O vírus pertencente à família Poxvírus que mais causa infecções
atualmente é o que causa o Molusco Contagioso. O molusco contagioso causa
lesões epidérmicas salientes (pápulas), as quais muitas vezes são
confundidas com verrugas vulgares.
Este vírus só ocorre em humanos, e infecta principalmente crianças. A
transmissão ocorre por meio do contato direto ou por meio de fômites. Também
pode acometer adultos, sendo neste caso transmitida por meio da via sexual.

Monkeypox e cowpox
Os vírus que causam a Monkeypox e a Cowpox são vírus que circulam
em animais (macacos e bovinos, respectivamente), mas que podem causar
infecções em humanos também. O monkeypox ocorre principalmente na África,
e o cowpox pode acontecer no Brasil. Estes vírus causam erupções cutâneas
muito semelhantes às da varíola. As lesões do cowpox são mais localizadas,
ocorrendo no local em que o indivíduo entrou em contato com o gado
373

FAMÍLIA DOS HERPESVÍRUS


Os herpesvírus são os vírus que causam as viroses humanas
persistentes mais comuns. Apesar de a maioria dos seres humanos estar
infectada com estes vírus, poucos indivíduos apresentam manifestações
clínicas.
Os herpesvírus iniciam uma infecção latente após a infecção primária.
Esta família está associada a uma ampla variedade de doenças.
São vírus envelopados e de DNA dupla fita. Apresentam um capsídeo
icosaédrico.
Há vários representantes desta família, e 8 deles possuem a capacidade
de infectar seres humanos. A nomenclatura mais atual destes vírus nomeia cada
um deles de HHV (herpes vírus humano) e um número, como HHV-6, HHV-7,
etc. Todavia, a classificação tradicional é muito mais utilizada em alguns casos.
São eles:

• HSV-1: herpes simplex 1 (HHV-1)


• HSV-2: herpes simplex 2 (HHV-2)
• VZV – Varicella zoster vírus (HHV-3)
• CMV – Citomegalovírus (HHV-5)
• EBV – Epster-Baar vírus (HHV-4)
• HHV-6 – Herpevirus 6
• HHV-7 – Herpevirus 7
• HHV-8 – Herpevirus 8

Herpesvirus humanos 1 e 2 (HHV-1 e HHV-2)


Estes vírus (assim como todos da família dos Herpesvírus) podem
estabelecer infecções latentes por toda a vida dos hospedeiros.
Estes vírus infectam células epiteliais e estabelecem infecções latentes
nos neurônios (HSV-1 principalmente no gânglio trigêmeo e HSV-2
principalmente nos gânglios sacrais). Este vírus fica em latência no interior dos
nervos, e migra para as células epiteliais para realizar a sua multiplicação.
O HSV-1 está relacionado principalmente a lesões no rosto (herpes
labial), no tronco e nos membros superiores, enquanto o HSV-2 está
principalmente relacionado a lesões genitais. Isso é o que normalmente ocorre,
mas o HSV-2 também pode causar lesões faciais e o HSV-2 também pode
causar lesões nos órgãos genitais.
Mais de 80% dos humanos abrigam o HSV-1 em forma latente, mas
apenas uma pequena proporção sofre recidivas da doença.
A transmissão destes vírus se dá por meio da exposição direta às
secreções contendo o vírus, como saliva, lágrimas, secreções genitais e outras.
Também podem ser transmitidos por fômites, mas é menos frequente.
374

O HSV-1 também pode estar relacionado ao herpes ocular e à faringite.

O herpes neonatal ocorre quando o RN é infectado principalmente pelo


HSV-2. Esta infecção normalmente ocorre devido à passagem pelo canal do
parto da mãe contaminada (em 75% dos casos). Também pode ocorrer infecção
congênita ou infecções após o nascimento. O herpes neonatal é uma doença
grave, visto que pode causar encefalite neonatal.

Podem ocorrer também infecções cutâneas causadas por herpesvírus.


Estas lesões ocorrem frente a soluções de continuidade ou escoriações na pele.
375

O vírus não é capaz de atravessar a pele íntegra, de modo que só consegue


ocasionar estes quadros devido a lesões na pele. Uma das infecções de pele
causadas por Herpesvírus mais comuns é a Paroníquia herpética, que ocorre
ao redor da unha. Eram condições muito mais frequentes antigamente, quando
profissionais como dentistas e obstetras não realizavam o uso adequado de
EPIs.
Uma lesão causada por herpesvírus que tem tido a sua prevalência
aumentada é o Herpes gladiatorum, que ocorre em lutadores. Há a presença
de lesões principalmente no rosto dos indivíduos.

Varicela zóster virus (HHV-3)


O HHV-3 é também conhecido como vírus da varicela-zóster (VZV), o qual
causa varicela (catapora) como infecção primária e herpes-zóster (cobreiro) na
reativação após a sua fase latente.

Este vírus estabelece infecção latente nos neurônios, e migra para as


células epiteliais para se multiplicar. Ele apresenta capacidade de disseminação
neural, de modo que se desloca pelos nervos para causar a herpes-zóster.
Devido a isso, a lesão presente no herpes-zóster sempre segue um feixe
nervoso.
376

Sua transmissão se dá por meio de secreções respiratórias ou pelo


contato direto com lesões cutâneas. Um indivíduo com herpes-zóster pode
transmitir o vírus para uma criança, e ela passará a apresentar os sinais da
catapora (visto que será a infecção primária desta criança)
As lesões presentes no herpes-zóster são muito dolorosas, e devido a isto
esta doença pode ser incapacitante.
Há a presença de vacinas tanto para prevenir a catapora (prevenir a
contaminação primária) quanto para prevenir o herpes-zóster (prevenir a
reativação da doença – funciona como um reforço).

Epstein-Barr vírus (HHV-4)


É um vírus que apresenta tropismo por linfócitos B. Causa
mononucleose infecciosa aguda (chamada também de doença do beijo),
doença que ocorre normalmente na adolescência.
Os principais sintomas da mononucleose são fadiga, dor de garganta,
febre e aumento de linfonodos.

Este vírus também está associado ao desenvolvimento de cânceres


linfoproliferativos, como carcinoma nasofaríngeo, linfoma de Burkitt (muito
comum na África), linfomas de Hodgkin e não Hodgkin, outros distúrbios
linfoproliferativos em pacientes imunodeficientes e carcinoma gástrico.
A transmissão ocorre principalmente por meio da saliva.

Citomegalovírus (HHV-5)
São os agentes mais comuns de infecções congênitas, sendo o vírus
mais associado à indução de defeitos congênitos e retardamento mental.
A transmissão deste vírus ocorre por meio da saliva, secreções
respiratórias, urina e leite materno. Também pode ocorrer transmissão
congênita.
377

HHV-6 e HHV-7
Também são vírus adquiridos principalmente na infância. Estes vírus
apresentam tropismo por linfócitos T. Também estão associados a doenças
exantemáticas, provocando o exantema súbito (chamado também de roséola
do lacternte), caracterizado pelo aparecimento súbito de manchas pelo corpo do
indivíduo

.
A transmissão se dá por meio de secreções da via oral.
É muito difícil se diferenciar as doenças exantemáticas apenas pelo
aspecto clínico. Todavia, esta diferenciação não é tão necessária para o
tratamento, visto que normalmente estas condições ou se resolvem sozinhas ou
são tratadas pelos mesmos fármacos.
O quadro de exantema súbito é mais causado pelo HHV-6 do que pelo
HHV-7.

HHV-8
O Herpesvírus do tipo 8 está associado ao sarcoma de Kaposi, um tumor
vascular comum em pacientes HIV+. Este vírus inibe proteínas celulares que têm
a função de impedir a proliferação celular (ex,: p53, proteína pRb, etc): induzem
a produção de um análogo de ciclina, causando uma superexpressão de ciclinas,
as quais fazem com que a célula dê segmento ao seu processo de replicação
A transmissão deste vírus se dá por meio de secreções orais.
378

FAMÍLIA HEPADNAVIRIDAE
O nome desta família ocorre pois são vírus (viridae) que possuem
tropismo por células hepáticas (Hepa) e possuem DNA (dna) = hepadnaviridae

Hepatite B
O vírus da hepatite B apresenta três formas morfológicas distintas:
uma mais alongada, uma esférica menor e uma esférica maior. Apenas a
esférica maior (chamada de partícula de Dane) é um vírion, de modo que as
outras duas são partículas virais não infectantes.

Este tipo de vírus pode levar a um quadro de infecção crônica. É um vírus


extremamente contagioso: pequenas quantidades de sangue e produtos
derivados do sangue podem transmitir a infecção. É uma doença sexualmente
transmissível.
A infecção por hepatite B aumenta o risco de câncer de fígado quando
a infecção estabelece um curso crônico, causando carcinoma hepatocelular.
Podem ocorrer casos de hepatite fulminante na infecção primária, mas são casos
muito raros (normalmente é estabelecida a infecção crônica).
Há vacinas contra a hepatite B.

FAMÍLIA ADENOVIRUS
Consistem em vírus de DNA não envelopado. Estes vírus são muito
estáveis, de modo que podem permanecer no ambiente por períodos mais
longos sem perder a sua capacidade de infecção.
379

Há vários tipos de adenovírus, sendo que 30 deles estão associados a


doenças em humanos. Estes vírus são transmitidos por meio de secreções
respiratórias e oculares, e por meio das fezes também.
Os diferentes tipos e adenovírus causam variadas infecções, como
resfriados, faringite, conjuntivite, ceratoconjuntivite, diarreia (em crianças), etc.

PAPILOMAVÍRUS HUMANO
Há mais de 100 diferentes tipos de HPV, os quais são classificados por
números (HPV-1, HPV-3, etc).
Estes vírus causam infecções persistentes e tumores epiteliais
benignos (verrugas), as quais regridem espontaneamente. Alguns tipos de HPV
possuem potencial oncogênico, podendo causar tumores malignos (HPV 16,
18, 31 e 33).
A transmissão ocorre por meio do contato direto ou do contato com
fômites contaminados. Há vacinas para a infecção pelo HPV, as quais devem
ser aplicadas aos indivíduos antes de se tornarem sexualmente ativos. A vacina
utilizada no Brasil é tetravalente, contendo proteínas do HPV-16, HPV-18
(carcinogênicos), HPV-6 e HPV-11 (relacionados a verrugas genitais) – desta
forma, mesmo um indivíduo vacinado pode desenvolver o HPV e tumores se for
infectado pelo HPV-31 ou pelo HPV-33.
Este vírus não causa infecções sistêmicas: replica-se apenas no sítio
de porta de entrada da infecção.
No caso das verrugas vulgares (benignas), o indivíduo pode disseminá-
las ao ir coçando estas lesões. Apesar de ocorrer a resolução espontânea neste
caso, se a doença começar a se espalhar muito pode-se realizar uma
intervenção terapêutica (a partir de ácidos).
380

As verrugas genitais (também chamadas de condiloma acuminado/


crista de galo) podem aparecer em diversos locais, como no pênis, na região
anal, na vulva, na boca e na garganta. Esta manifestação está relacionada
principalmente ao HPV-6 e ao HPV-11.

Os medicamentos utilizados no tratamento das infecções causadas por


vírus da herpes inibem a DNA polimerase destes vírus.

VÍRUS QUE CONTÊM RNA

As famílias de vírus de RNA são classificadas da seguinte maneira:


• RNA fita simples positiva
o Envelopados
▪ Helicoidais:
• Coronavírus
▪ Icosaédricos
• Flavivírus (abarca dengue, febre amarela, zika)
• Togavírus (abarca vírus da rubéola)
• Retrovírus (abarca HIV)
o Não envelopados e icosaédricos
▪ Picornavírus
▪ Calicivírus

• RNA fita simples negativa: são vírus envelopados e com genoma


helicoidal
o Ortomixovírus (abarca Influenza)
o Paramixovírus (abarca vírus do sarampo)
o Rabdovírus (abarca vírus da raiva)
o Filovírus (abarca vírus ebola)
381

• RNA dupla fita: são vírus não envelopados e icosaédricos


o Reovírus (abarca rotavírus – vírus relacionados a diarreias em
crianças)

RNA FITA SIMPLES SEGMENTADO ENVELOPADO


Ortomixovírus - Influenza
O fato de um vírus apresentar o seu genoma segmentado possibilita que
este vírus apresente grande variabilidade genética. Os principais vírus de RNA
fita simples segmentado envelopado são os Ortomíxovírus, como o Influenza.
Esta alta instabilidade genética deste vírus explica porque as epidemias de
Infleunza acontecem anualmente (e a necessidade de se realizar novas vacinas
anualmente).
382

Um dos mecanismos que possibilita que ocorra a mudança antigênica


destes vírus é a coinfecção de uma espécie de hospedeiro por dois tipos
diferentes de Influenza (ex.: a gripe suína foi originada a partir de suínos que
estavam infectados tanto com vírus influenza humano quanto com vírus
influenza que infecta aves – ocorreu então uma mistura destes materiais
genéticos, dando origem ao H1N1, que é um vírus muito mais agressivo para os
seres humanos – também poderia ser originado um vírus não virulento aos
humanos, visto que a combinação dos genes é randômica, mas não foi o caso).

O vírus Influenza é um vírus de fácil transmissão, e a utilização da vacina


diminui o risco de infecções.
Há medicamentos que atuam contra o Influenza, como o Oseltamivir e
Zanamivir. Estes fármacos são inibidores da neuraminidase.

VÍRUS RNA FITA SIMPLES NÃO SEGMENTADO ENVELOPADO


Estes vírus possuem o seu material genético mais estável em relação aos
vírus com genoma segmentado. Alguns dos tipos de vírus que apresentam RNA
fita simples não segmentado e são envelopados são o Paramixovírus,
Rabdovírus, Flavivírus e Togavírus.

Paramixovírus
Sarampo
O sarampo é um vírus que causa doenças exantemáticas, marcada por
lesões eritematosas pelo corpo (na forma de manchas). Há apenas um tipo
383

sorológico deste vírus (o que explica porque há apenas uma vacina para o
sarampo e porque ela é eficiente até hoje).

Este vírus infecta apenas humanos, e a transmissão se dá pela via


respiratória.

Caxumba
Também apresenta apenas um tipo sorológico. Infecta apenas humanos
e transmissão se dá pela via respiratória.
Este é um vírus que possui tropismo por glândulas: após instalado, este
vírus localiza-se principalmente na parótida. Pode se localizar também nos
testículos, próstata, ovário, fígado, tireoide e baço. Normalmente causa uma
infecção é benigna, mas em raros casos pode levar à esterilidade se acomete
as gônadas.
Também há vacinas contra este vírus.

Rabdovírus – Raiva
A transmissão do vírus da raiva ocorre por meio da mordida de animais
como cachorros e morcegos, mas também pode ocorrer por meio de lambidas
ou arranhados provocados por estes animais. Normalmente é uma virose letal.
Também há uma vacina eficiente contra este vírus, e é importante
vacinar-se os animais de estimação.
384

Flavivírus
Hepatite C
A transmissão deste vírus ocorre por via parenteral, como através do
compartilhamento de seringas ou de transfusões. Também podem ser
transmitidos por via sexual, mas é menos comum. Estabelecem infecções
crônicas.
Não existe vacina contra Hepatite C, visto que há a presença de muitos
subtipos e os componentes deste vírus não estimulam a resposta imune
eficientemente.

Febre amarela
Pode ser transmitido pelo Aedes aegypti (no ciclo urbano) e por mosquitos
do gênero Haemagoggus (no ciclo silvestre). Os casos leves de febre amarela
apresentam sintomas como febre, dor de cabeça, náuseas e vômitos. Os casos
graves podem causar doenças cardíacas, hepáticas e renais fatais.
Também há vacinas para a febre amarela.

Dengue
Há vacinas contra o vírus da dengue, as quais não devem ser
administradas a indivíduos soronegativos. Deve-se restringir o uso destas
vacinas a indivíduos soropositivos que moram em áreas endêmicas.
Observou-se que as pessoas soronegativas que foram vacinadas apresentaram
chances muito maiores de desenvolver quadros de dengue hemorrágica quando
expostas naturalmente ao vírus. Este vírus apresenta 4 sorotipos.

O quadro clássico da dengue é caracterizado por mialgias intensas,


cefaleia e febre

Zika vírus
Pode ser transmitido pela picada de mosquito, por meio de transmissão
vertical ou por meio de relação sexual (contato com sêmen e fluidos vaginais).
385

Togavírus - Rubéola
A rubéola pós-natal é uma doença benigna transmitida pelas vias
respiratórias superiores. A rubéola congênita, por sua vez, é uma doença grave
(causa má-formações e aborto), sendo transmitida por via transplacentária.
É uma doença exantemática, causando como principal sintoma manchas
pelo corpo.

Coronavírus – CoV
São vírus normalmente associados a resfriados: 5 a 10% de todos os
resfriados são causados por coronavírus. Estes vírus tendem a ser altamente
espécie-específicos, mas em alguns casos estes vírus conseguem circular entre
as espécies (como ocorreu tanto com o SARS-CoV-1 quanto com o SARS-CoV-
2). SARS = Síndrome respiratória aguda severa.

VÍRUS RNA FITA SIMPLES, NÃO SEGMENTADOS, ENVELOPADOS E QUE


PRODUZEM DNA
São os retrovírus. O HIV é um dos principais representantes dos
retrovírus. Imagina-se que ele surgiu na África e que passou a contaminar
populações humanas através da ingestão de carne de macacos.

VÍRUS RNA FITA SIMPLES NÃO SEGMENTADOS E NÃO ENVELOPADOS


Rinovírus
São os principais agentes que causam os resfriados comuns, Há mais
de 100 tipos de rinovírus conhecidos, e há pouca imunidade cruzada entre eles
(o que explica a grande incidência de episódios de resfriados ao longo da vida
de um indivíduo).
A transmissão ocorre por via aérea, por contato direto e por contato
indireto (por meio de mãos e fômites contaminados).
Não há vacinas contra estes vírus.

Hepatite A
Faz parte da família dos Picornavírus (vírus pequenos, não envelopados
e estáveis). É a principal causa de hepatite no mundo.
Este vírus é transmitido por meio da via fecal-oral (pela ingestão de água
ou alimentos contaminados – principalmente moluscos, crustáceos e outros
alimentos ingeridos de maneira crua). Também pode ser transmitido por via
sexual.
386

Há apenas um sorotipo e há a presença de vacina contra este vírus.

Poliomielite
Também é um vírus transmitido pela via fecal-oral. Também há vacina
disponível para este vírus.
O principal sintoma da infecção pelo pólio vírus é a paralisia muscular,
que pode ser fatal.

Norovírus
É a principal causa de gastroenterites virais no mundo. Causa quadro
de vômito e diarreia que possui evolução benigna. Causa uma doença branda,
autolimitada, e com duração dos sintomas de 12-60 horas (em um indivíduo
imunocompetente).
São transmitidos através da ingestão de alimentos.

São vírus extremamente contagiosos e muito resistentes, permanecendo


no ambiente durante muito tempo. É necessário o contato com uma quantidade
muito pequena de partículas virais para que a doença seja desenvolvida (cerca
de apenas 18 partículas virais).
Não há vacinas para estes vírus. A prevenção se dá por meio de práticas
de higiene rigorosas (necessidade de se lavar bem as mãos, roupas e alimentos
e de se cozinhar bem os frutos do mar). Os manipuladores de alimentos
funcionam como uma importante via de disseminação da doença.
387

VÍRUS RNA FITA DUPLA, SEGMENTADO E NÃO ENVELOPADO


Reovírus – rotavírus
São vírus transmitidos por via fecal-oral. As principais manifestações
clínicas que estes vírus causam são diarreias, vômitos, desidratação e dor
abdominal. Os sintomas causados são muito intensos. É a principal causa
de morte por doença diarreica aguda, e estas complicações mais graves
acometem principalmente crianças.
Este vírus pode ser eliminado nas fezes por mais de 20 dias após a
remissão dos sintomas, o que facilita a sua transmissão e dificulta o controle
destas infecções.
Existe uma vacina contra alguns tipos mais frequentes de rotavírus em
humanos. Em muitos indivíduos estas vacinas não impedem que ocorram
sintomas, mas os sintomas que passam a ocorrer são muito mais leves e evita-
se a morte.

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