TCC - Maria Tereza de Melo Cavalcanti

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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA – DEHIST

LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA

MARIA TEREZA DE MELO CAVALCANTI

FLECHAS E PUNHAIS: AS RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS


ENTRE OS INDÍGENAS ATIKUM E OS CANGACEIROS NA
SERRA DO UMÃ NO SERTÃO PERNAMBUCANO (1922-1938)

RECIFE

2021
MARIA TEREZA DE MELO CAVALCANTI

FLECHAS E PUNHAIS: AS RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS


ENTRE OS INDÍGENAS ATIKUM E OS CANGACEIROS NA
SERRA DO UMÃ NO SERTÃO PERNAMBUCANO (1922-1938)

Monografia apresentada à Disciplina de


Trabalho de Conclusão de Curso II como
requisito parcial para obtenção do título de
Graduada no Curso de Licenciatura Plena
em História pela Universidade Federal Rural
de Pernambuco.

Orientadora: Prof.ª Dra. Mariana


Albuquerque Dantas
Coorientadora: Prof.ª Ms. Élcia de Torres
Bandeira

RECIFE

2021
2
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
Universidade Federal Rural de Pernambuco
Sistema Integrado de Bibliotecas
Gerada automaticamente, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

C376f Cavalcanti, Maria Tereza de Melo


Flechas e punhais: as relações socioculturais entre os indígenas Atikum e os cangaceiros na Serra do
Umã no Sertão pernambucano (1922-1938) / Maria Tereza de Melo Cavalcanti. - 2021.
68 f. : il.

Orientadora: Mariana Albuquerque Dantas.


Coorientadora: Elcia de Torres Bandeira.
Inclui referências.

Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade Federal Rural de Pernambuco,


Licenciatura em História, Recife, 2022.

1. Indígenas Atikum. 2. Cangaço. 3. Sertão de Pernambuco. I. Dantas, Mariana Albuquerque, orient. II.
Bandeira, Elcia de Torres, coorient. III. Título

CDD 909
MARIA TEREZA DE MELO CAVALCANTI

FLECHAS E PUNHAIS: AS RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS ENTRE OS


INDÍGENAS ATIKUM E OS CANGACEIROS NA SERRA DO UMÃ NO
SERTÃO PERNAMBUCANO (1922-1938)

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


como requisito parcial à obtenção do título de
Graduanda, no Curso de Licenciatura Plena em
História no Departamento de História da
Universidade Federal Rural de Pernambuco.

BANCA EXAMINADORA

_______________________________
Prof.ª Dra. Mariana Albuquerque Dantas
Coordenadora do Departamento de História da Universidade Federal Rural de
Pernambuco (Orientadora)

_______________________________
Prof.ª Dra. Marcília Gama da Silva
Professora Adjunta do Departamento de História da Universidade Federal Rural
de Pernambuco (Examinadora Interna)

_______________________________
Prof.º Dr. Edson Hely Silva
Professor no Centro de Educação/Colégio de Aplicação da Universidade
Federal de Pernambuco (Examinador Externo)

RECIFE
2021

3
Para Abi e Milu, minhas eternas cãopanheiras;

Para Mateus, meu sobrinho;

Para Soledade, Morgana, Ricardo e Adilson (in memoriam), meus pais;

Para Rafael e Marianna, meus irmãos;

Para meus amigos, que me auxiliaram em toda jornada.

4
AGRADECIMENTOS

“Continue a nadar”, era a frase mais comum dita por Dory, personagem
do filme “Procurando Nemo”. Durante a graduação essa sentença ecoou por
diversas vezes em minha mente. Para mim significava que, independentemente
do caminho que estivesse sendo percorrido, era preciso continuar. É um lema
que levo para vida, acreditando que não podemos desistir de nossos sonhos.

Sou imensamente grata, primeiramente a Deus, por ser minha âncora em


todo o tempo, por me sustentar quando me encontrei perdida em um vasto
oceano de questionamentos e medo. O meu caminho é trilhado sob sua Luz
Eterna e pela sua misericórdia, que me amparam sem cessar.

Agradeço muitíssimo as minhas incríveis orientadoras, Mariana


Albuquerque Dantas e Élcia de Torres Bandeira, por toda atenção, paciência,
incentivo e carinho. Por cada orientação, pelos momentos de dedicação ao meu
trabalho e por cada indicação de leitura, como também pelas sugestões
pertinentes para melhoria da pesquisa, por todas as oportunidades de olharem
por outras perspectivas a construção dessa monografia e por todo incentivo que
foi me dado, sendo assim, deposito aqui os meus imensos agradecimentos.

Ao querido professor Edson Hely Silva, primeiramente por ter aceitado o


convite de participar da banca, como também pela disponibilidade para me
ajudar na pesquisa, logo no começo, enviando-me e-mails com documentos,
entrevistas e materiais, os quais que me auxiliaram não só para entender o
contexto indígena, assim como novas perspectivas sobre a História do Cangaço.
Obrigada, professor, pela disponibilidade e atenção.

À querida professora Marcília Gama da Silva, pelo aceite em compor a


banca, por todas as incríveis aulas e por todas as preciosas conversas pelos
corredores do CEGOE, as quais sempre eram um prazer estar presente, fossem
estas tratando sobre História ou conversando sobre a vida. Levarei seus
conselhos e sua simpatia por onde for. Gratidão pelos ensinamentos e pela
oportunidade de ser sua aluna.

Aos professores da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE),


que, de forma precisa, auxiliaram minha trajetória por meio das discussões

5
importantes em sala de aula, e me orientaram na idealização da pesquisa. Sem
deixar suprimida a figura de Joyce, da Coordenação do Curso de Licenciatura
Plena em História, a qual foi e é de suma importância para o departamento. Esta
é uma pessoa que auxiliou meus primeiros passos quando entrei no curso e
sempre esteve disponível para nós discentes. Como também todos os
funcionários da nossa “Ruralinda”, que em todo o tempo estavam à postos para
nos ajudar, principalmente aos que integram o CEGOE. Por fim, agradeço à
UFRPE, que foi a minha segunda casa durante a minha formação, por essa eu
só tenho amor e gratidão.

Aos amigos que fiz durante a graduação, com quem pude discutir diversas
vezes sobre inúmeros assuntos, podendo compartilhar as angústias e as
alegrias durante os períodos da graduação, esses são: Ermírio, Kerol, Rafael,
Raul, Taylor e Vinícius, e em especial a Kerol, que trouxe leveza ao período EaD,
fortalecendo nossos laços.

Não poderia deixar de agradecer a Roger, meu amigo e personal trainer,


que me ajudou não só com os treinos, como também com as conversas e os
conselhos. Sendo um dos momentos em que eu gastava energia e relaxava ao
mesmo tempo, além de discutir sobre os percalços do caminho e sobre o
trabalho.

Agradeço também aos meus amigos que torceram por mim, apoiando-me
e acompanhando ao longo desse trajeto, ajudando-me de inúmeras formas.
Ailton, Ana Cecília, Igor, Márcio, Rafael, Rayane e Rháyra, por todos os
aperreios, desabafos e pelas várias versões que pedi para lerem durante a
escrita deste trabalho, pela paciência e compreensão de sempre. Em referência
a este momento, como bem canta Milton Nascimento, “amigo é coisa pra se
guardar, debaixo de sete chaves dentro do coração”.

À Abi e Milu, minhas eternas cãopanheiras, as quais estiveram comigo


durante toda a jornada de noites acordadas. Por estarem sempre perto e me
protegerem de uma forma tão especial e única, a pesquisa também é de vocês.

À minha incrível família, pela compreensão dos momentos em que não


pude estar presente, por todo o apoio para que esse trabalho se tornasse
possível. Principalmente a mainha (Soledade), que é meu porto seguro, minha
6
esperança de dias melhores, minha bússola, oferecendo-me suporte sempre que
precisasse, assim como à Dade, que esteve cotidianamente comigo durante
esse período, cuidando de mim e da minha família. É essencial agradecer a
Ricardo, o meu pai, pelos conselhos e conversas que me foram valiosos, à
Morgana, minha segunda mãe, por todas as leituras, ensinamentos e sugestões;
por todos os momentos de atenção doados para mim, e ao casal por me
acolherem como filha, me dando tanto amor e carinho. Ao meu irmão, Rafael,
que me ajudou no aprendizado da língua estrangeira e tradução. À Marianna e
Victor, que vibraram comigo em cada discreta vitória e me deram suporte quando
estive em Recife durante a graduação. E, por último, mas não menos importante,
ao meu querido sobrinho Mateus, que me trouxe vida e alegria nos momentos
em que eu já estava sem forças para continuar, me trazendo leveza, risadas e
muito aprendizado.

O trabalho também é de todas as pessoas que, de alguma forma,


contribuíram para que se tornasse possível. A todos que ao longo da pesquisa
me apoiaram e acreditaram junto comigo, não me permitindo desistir.

7
RESUMO

O presente trabalho buscou analisar as relações entre o povo indígena Atikum e


os bandoleiros no período lampiônico, entre 1922 a 1938, época quando
Virgulino Ferreira da Silva, de codinome Lampião, chefiava um dos maiores
bandos de cangaceiros nos sertões nordestinos. Buscamos, assim,
compreender os processos que constituíram essas interações, apontando as
dinâmicas vivenciadas por esses dois grupos, levando em consideração que o
contexto sociocultural do período em questão indicava algumas das razões para
o estabelecimento dessas relações. A Serra do Umã é o espaço privilegiado de
análise por ser uma localidade historicamente habitada por indígenas e que, no
início do século XX, foi refúgio para cangaceiros.

Palavras-chave: Indígenas Atikum. Cangaço. Sertão de Pernambuco.

8
ABSTRACT

The current study sought to analyze the relationship between the Atikum
Indigenius people and the bandits of the Lampionic Period, betwenn 1922 to
1938, time when Lampião, was heading one of the biggest gangs of ‘social
bandits’ in the Northeast Hinterlands. In this way, we seek to understand the
processes that built those interactions, pointing the dynamics lived by those two
groups, taking in consideration that the social context of the period in question
indicates some of the reasons for the establishment of those relationships. The
Umã Sierra is a space of privilege to analyze because it’s historically inhabited
by indigenous people and, in the begging of the 20th century, it was a refuge to
‘social bandits’.

Key-words: Atikum Indiginous. Brazilian Northeastern Social Bandits.


Pernambuco’s Northeastern Hinterland.

9
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 11
CAPÍTULO UM: OS PROCESSOS DE TERRITORIALIZAÇÃO VIVENCIADOS
PELOS POVOS INDÍGENAS NO SERTÃO PERNAMBUCANO .................... 18
1.1 O território Atikum-Umã: a Serra do Umã e as relações
socioculturais ............................................................................................. 22
1.2 Os movimentos dos aldeamentos dos indígenas Atikum nas serras
no Semiárido nordestino............................................................................ 25
1.3 Os processos de territorialização dos indígenas Atikum Umã ..... 28
CAPÍTULO DOIS: O FENÔMENO SOCIAL DO CANGAÇO NO SEMIÁRIDO
NORDESTINO, UM MOVIMENTO NÔMADE E AS INFLUÊNCIAS DO
CORONELISMO E DOS COITEIROS ............................................................. 32
2.1 Os poderosos da terra, o surgimento do cangaço e o imaginário no
Sertão........................................................................................................... 33
2.2 As relações no Sertão e o cangaço de Lampião ................................ 39
2.3 Estratégias de sobrevivência, os coiteiros e as tropas volantes ..... 42
CAPÍTULO TRÊS: A CONSTRUÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS
ENTRE INDÍGENAS E CANGACEIROS NO SERTÃO DE PERNAMBUCO .. 47
3.1 Nos recortes de jornais: os embates entre as forças volantes e os
cangaceiros na Serra do Umã ................................................................... 48
3.2 O bandoleiro “Serra Uman”: os contatos entre os cangaceiros e os
indígenas Atikum ........................................................................................ 51
3.3 Confrontos na Serra do Umã, perseguições aos cangaceiros e o
declínio do cangaço de Lampião .............................................................. 54
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 59
FONTES ........................................................................................................... 62
REFERÊNCIAS................................................................................................ 63

10
INTRODUÇÃO

O objetivo desse estudo foi analisar as relações entre indígenas e


cangaceiros no Semiárido pernambucano, buscando entender as motivações
que levaram ao estabelecimento dessas interações. O estudo se inclui em uma
linha de pesquisa interdisciplinar, possibilitando, por meio dos diálogos entre
Antropologia e História, compreender os processos, os eventos históricos e as
implicações nas situações vivenciadas pelos indígenas no Sertão
pernambucano, sendo necessário, nesse contexto, realizar um estudo social
acerca destes dois grupos e as suas múltiplas interações socioculturais com o
espaço. Para tanto, o enfoque desta pesquisa foi discutir essas relações durante
o “período lampiônico”, que se estendeu de 1922, quando Virgulino Ferreira da
Silva, mais conhecido como Lampião, iniciou as suas atividades como líder de
um grande grupo de cangaceiros, até 1938, momento quando o mesmo e parte
de seu bando foram assassinados após serem surpreendidos pelas tropas
volantes1 na Grota de Angicos, em Sergipe.

Os espaços no Sertão de Pernambuco foram sendo construídos, desde o


período colonial, através das relações entre indígenas e não indígenas, por meio
dos conflitos, das ocupações territoriais, das aldeias indígenas e, também, das
fazendas de gado, bem como por meio das relações socioculturais. O ambiente
sertanejo era um espaço rico em interações, o que favorecia as permanentes
trocas socioculturais entre os diversos grupos que habitavam a região. Dessa
forma, as relações entre indígenas e cangaceiros na Serra do Umã 2 se
estabelecem ao longo do século XX, sendo observada a dialética de vivência

1 As Tropas Volantes foram uma Força Pública policial do Estado para a repressão do fenômeno
social do Cangaço. Ver: ALBUQUERQUE, André Carneiro de. Capitães do fim do mundo: as
tropas volantes pernambucanas. (1922-1938) – 1. Ed. – Rio de Janeiro: Autografia: Recife – PE:
EDUPE, 2016.
2 Na documentação analisada foram encontradas três grafias utilizadas para referenciar a Serra

do Umã. No decorrer do texto, utilizaremos a grafia “Serra do Umã”, mais atual, quando for
necessário fazer referência à região. Entretanto, as formas “Serra Uman”, “Serra Umã” ou “Serra
do Uman” aparecem com frequência nas documentações, sendo estas mantidas quando citados
trechos dos documentos.
11
entre esses grupos quando os indígenas Atikum3 forneceram abrigo aos
cangaceiros do bando de Lampião.

A frequência dos encontros entre os cangaceiros e os Atikum era


consequência de condições objetivas, como as perseguições das tropas
volantes, por exemplo. Entretanto, faz-se necessário ressaltar que era uma
situação construída a partir de possibilidades, por meio das necessidades
inseridas em uma rede de relações e de trocas de múltiplos sentidos. Sendo
assim, o coito voluntário (abrigo) fornecido pelos Atikum aos cangaceiros e o
contexto sociocultural da época são indicadores do estabelecimento de
interações entre esses dois grupos.

O estudo acerca das relações entre indígenas e cangaceiros no Semiárido


de Pernambuco torna-se relevante principalmente quando levamos em
consideração a escassez dos documentos que abordam esta temática. Existem,
ainda na atualidade, lacunas sobre a interação entre esses dois grupos, por
exemplo, como ocorreu e por quais motivos. Nessa perspectiva, o estudo teve
como intento compreender e relacionar essa conexão, observando as
peculiaridades da região e também a pluralidade sociocultural do território.

Os contatos entre os Atikum e os cangaceiros foram observados na Serra


do Umã, atualmente localizada no munícipio de Carnaubeira da Penha, no
Sertão de Pernambuco, a cerca de 482 quilômetros da capital pernambucana,
Recife. Durante a década de 1920, a Serra estava situada nos limites dos
municípios de Floresta do Navio4 e Salgueiro. Sendo importante ressaltar que,
nesse período em questão, ocorriam diversas violências, destacando-se os
intensos conflitos entre as famílias Novaes e Ferraz (FERRAZ, 2004).

A Serra do Umã era habitada originalmente pelo grupo indígena Atikum-


Umã e por quilombolas de Conceição das Creoulas, o local era visto como uma
fortaleza natural, por se tratar de um lugar que possui uma inclinação acentuada
com o seu topo aplainado (FERRAZ, 2012, p. 96). No periódico Jornal Pequeno,

3 O mesmo ocorre com a grafia “Atikum” ou “Atikum-Umã”, mais atuais, que serão utilizadas para
referenciar os povos indígenas. No entanto, a outra grafia “Aticum” aparece com frequência nas
documentações e na historiografia, sendo referenciada assim quando forem citadas por meio
dos trechos dos documentos.
4 Atual cidade de Floresta, em Pernambuco.

12
que circulava em Pernambuco durante os anos de 1898 e 1955, encontramos
informações indicando que a Serra do Umã tinha “um verdadeiro clima
europeu”5, diferenciando-a das demais regiões no Semiárido, por oferecer aos
seus habitantes “vantajosas condições de conforto”6.

Entretanto, esse território também era visto como um lugar de refúgio para
os fugitivos na região do Semiárido. Os habitantes na Serra muitas vezes foram
apontados de maneira generalizante pelos sertanejos da época como pessoas
“perigosas” ou “criminosas”, desconsiderando que a Serra do Umã, muito antes,
era ocupada por diversas etnias. Entre os séculos XVII e XVIII, por exemplo, é
possível observar a presença de povos indígenas na região, vivenciando um
processo de territorialização7 que os antepassados de Umã construíram naquele
espaço.

A imagem da Serra do Umã como um local para fugitivos foi construída


por documentos elaborados à época, nos quais consta que, em fins do período
oitocentista, o banditismo se intensificou na região. À vista disso, fez-se
necessária a criação de uma força policial específica capaz de reprimir, combater
e solucionar o cangaceirismo8 no Sertão pernambucano (MELLO, 1985). Como
resultado, no começo do século XX as tropas volantes travaram sucessivos
enfrentamentos ao Cangaço, como é constatado por meio de um Boletim Diário
da Polícia Militar de Pernambuco:

Tenho a satisfação de dizer que tal acontecimento foi um dos


feitos de maior valor praticado no interior do Estado, pela nossa
eroica Força Pública.
Bandidos em número superior sabiam que o sargento José
Saturnino e Manoel Netto de modo que chegaram logar
propriedade em absolucta vantagem para elles, esperavam

5 Ver em: Gente Criminosa. Pequeno Jornal: Jornal Pequeno, Recife, 8 de jan. de 1929.
Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=800643&pesq=%22serra%20uman%2
2%20%22canga%C3%A7o%22&pagfis=44875>. Acesso em: 12 de maio de 2021.
6 Ibidem.
7 Ver: OLIVEIRA, João Pacheco de. O nascimento do Brasil e outros ensaios: “pacificação”,

regime tutelar e formação de alteridades. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016.


8 De acordo com Hobsbawm, o cangaceirismo era composto por bandidos rurais, que andavam

em grupos e viviam armados, nômades que percorriam o Semiárido nordestino, desde o final do
século XIX até as primeiras décadas do século XX. Dessa forma, o bandido rural se referia a um
inimigo não só do Estado, mas da ordem legal, mesmo que pudesse contar com a simpatia de
parte da população sertaneja (HOBSBAWM, 2010, p. 21).
13
força em campo raso e de surpresa receberam as primeiras
descargas, travando-se luta verdadeiramente encarniçada
durante algumas horas. Após o tiroteio grupo foi encontrado
romando direcção Serra Uman [...] (ALBUQUERQUE, 2016, p.
71).

Nessa perspectiva, os cangaceiros seguiam em direção à Serra em busca


de possíveis cuidadores para aqueles feridos nos combates e de proteção contra
as ações das volantes. Durante o período estudado a região da Serra do Umã
foi “um verdadeiro abatedouro de policiais”, dada as particularidades territoriais
supracitadas da Serra, que dificultavam o acesso das volantes àquele território
onde “tropas experientes encontraram seu flagelo” (ALBUQUERQUE, 2016, p.
71).

Existem importantes fontes acerca do fenômeno do cangaço e a respeito


dos povos indígenas no Brasil durante a primeira metade do século XX.
Entretanto, é pertinente ressaltar as lacunas a respeito das relações entre os
indígenas e os cangaceiros, como, por exemplo, as razões dessas terem se
estabelecido na Serra do Umã. Diante da escassez de estudos sobre esta
temática, a pesquisa tornou-se relevante devido a contribuição para de alguma
forma ampliar os debates sobre a temática em tela.

O presente estudo foi baseado em uma discussão historiográfica


fundamentada nos diálogos entre Antropologia e História, a exemplo de
antropólogos como Ana Cláudia Marques (1999), que contribui na discussão
sobre as relações socioculturais e econômicas da região do Sertão de
Pernambuco, bem como, sobre a figura de Lampião, e João Pacheco de Oliveira
(2004), que auxilia na compreensão dos processos de territorialização
vivenciados pelos povos indígenas. Além disso, para entender a História
Indígena e as mudanças ao longo da História do Brasil, recorremos aos estudos
dos historiadores Carlos Fernando dos Santos (2015) e Maria Regina Celestino
de Almeida (2010), e a Luiz Bernardo Pericás (2010), que apresenta análises a
respeito da estrutura do mandonismo local das regiões sertanejas atingidas pelo
cangaço. A pesquisa se baseou, também, na História do Cotidiano e nas
categorias de estratégias e táticas defendidas por Michel de Certeau (2011),
seguindo uma proposta qualitativa de abordagem das fontes.

14
O objetivo do estudo foi compreender a participação indígena na História,
as trajetórias e suas organizações na Serra do Umã, bem como entender o
fenômeno do cangaço a partir de seus aspectos sociais, culturais e econômicos.
Para isso, as obras de Marilourdes Ferraz (2012) e do historiador Frederico
Pernambucano de Mello (1985) foram consultadas para compreendermos as
percepções de determinados grupos sociais acerca dos povos indígenas na
região, sobre os cangaceiros e os negros, principalmente daqueles que viveram
na Serra do Umã.

Destarte, a pesquisa documental nos jornais da época se fará presente


com o intuito de trazer à baila o cotidiano e as análises das dinâmicas sociais.
Sendo de grande importância o uso de outras obras, livros e artigos que
contribuem para a compreensão e a contextualização dos indígenas, dos grupos
de cangaceiros, da região e das relações humandas com a região sertaneja.

À vista disso, para uma maior compreensão da questão específica das


relações entre indígenas e cangaceiros no Sertão de Pernambuco, faz-se
necessária pesquisas nos periódicos da época, como por exemplo A Província,
A União, Diário Carioca, Diario de Pernambuco e Jornal Pequeno publicados
durante os anos de 1923 a 1932. Cabendo lembrar que esses arquivos estão
disponíveis no Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (APEJE) e
também no site da Biblioteca Nacional Digital pela Fundação da Biblioteca
Nacional9. Neles encontramos textos, relatos e artigos do que ocorria durante o
período lampiônico, pois trazem encartes específicos sobre essa temática.

Nesse sentido, é válido destacar a importância desses meios jornalísticos,


visto que circulavam na época estudada e possibilitavam aos leitores o acesso
a informações e notícias. A habilidade de compreender, explorar e retratar o
cotidiano através dos periódicos em circulação faz do trabalho do jornalista um
importante instrumento para pesquisas históricas, na medida em que auxiliam
na verificação de ações e práticas da época e possibilitam, através de estudo e
conhecimento, uma melhor interpretação dos processos históricos do período,
suas implicações e suas complexas e intensas relações.

9 Disponíveis em: <http://memoria.bn.br/>.


15
Sendo assim, com essa pesquisa buscamos acrescentar novas
perspectivas aos estudos sociaisculturais a respeito dos povos indígenas e do
fenômeno do cangaço. Nesse contexto, considerando os aspectos apresentados
e estudados, pretendendo-se constatar como e por quais motivos ocorreram os
laços de proximidade entre os povos indígenas e os cangaceiros em uma
concepção da História Social e Cultural. Portanto, objetiva-se por meio dos
apontamentos das dinâmicas vivenciadas por esses dois grupos, pelo contexto
sociocultural e econômico, como também pela pluralidade cultural do Sertão
pernambucano, realizar uma análise destas relações.

No primeiro capítulo, buscamos compreender os processos históricos


vivenciados pelos povos indígenas no Semiárido pernambucano, propondo
delinear um breve histórico acerca dessas populações, mais especificamente
dos indígenas Atikum, habitantes na Serra do Umã. Por conseguinte,
observamos os processos de territorialização, de aldeamentos, de resistência,
de adaptação e da construção das relações socioculturais dos povos indígenas
diante de um contexto de múltiplas violências, de ordens políticas e econômicas
vivenciadas principalmente pelos indígenas.

No segundo capítulo, discorremos acerca do fenômeno do cangaço, com


ênfase ao movimento no Sertão pernambucano e a figura de Lampião, além de
analisar os impactos das influências do coronelismo, da sociedade e dos
coiteiros na sobrevivência do cangaço por tantas décadas na região, bem como
as construções dos contatos da população com os cangaceiros. Buscamos
discutir nesse capítulo um outro tema importante: o imaginário da sociedade
como perpetuação do fenômeno social do cangaço, uma vez que era por meio
de representações como a de “homem valente” e do modelo de coragem que os
cangaceiros passavam que se corroborava o imaginário da sociedade. Além
disso, procuramos ainda apresentar das dinâmicas de vivência entre diversos
grupos sociais no Sertão, bem como as estratégias de sobrevivência adotadas
pelos cangaceiros e as relações destes com as tropas volantes.

No terceiro capítulo, enfoque foi a discussão acerca de como as relações


socioculturais entre os povos indígenas e os cangaceiros foram construídas no
sertão pernambucano, procurando compreender essa perspectiva tanto através

16
dos recortes de jornais e dos Boletins Diários da Polícia Militar quanto por meio
de um debate historiográfico acerca das temáticas. Para tanto, discutimos sobre
o cangaceiro Serra Uman, sobre a própria Serra do Umã e sobre a perseguição
policial ao cangaço e aos povos indígenas da serra, bem como sobre as múltiplas
contendas e as invasões no território.

17
CAPÍTULO UM: OS PROCESSOS DE TERRITORIALIZAÇÃO VIVENCIADOS
PELOS POVOS INDÍGENAS NO SERTÃO PERNAMBUCANO

Os protagonismos dos povos indígenas na História do Brasil foi cada vez


mais evidenciado nos múltiplos estudos realizados a partir da década de 1990.
O entrelaçamento das pesquisas interdisciplinares possibilita observar uma nova
perspectiva acerca dos povos indígenas, salientando as participações dessas
populações nos diferentes processos históricos, tempos e espaços, enfatizando
seu protagonismo e como influenciaram e vêm influenciando os direcionamentos
dos processos históricos, situações sociais e políticas nos quais estão inseridos.

À vista disso, os povos indígenas participaram ativamente e de formas


significativas em diversos processos na História do Brasil, agindo e criando
alianças de acordo com os próprios interesses. São notáveis os papéis nos quais
os povos indígenas desempenharam durante a “construção das sociedades
coloniais e pós-coloniais” (ALMEIDA, 2010, p. 9), pois desde as primeiras
décadas do quinhentismo da então América Portuguesa, os indígenas “não
pretendiam dominar nem negar o outro, mas vivenciá-lo, relacionando-se
intensamente com ele” (ALMEIDA, 2010, p. 38).

Nesse contexto, o estabelecimento das relações entre os povos


autóctones e os europeus foi constituída por meio dos escambos10, das trocas e
também dos casamentos e das guerras. Os embates vivenciados entre os
diversos povos indígenas e as alianças com os europeus foram se intensificando,
as populações indígenas mudavam seus acordos conforme as necessidades,
motivações e intenções. Assim, podiam-se gerar novas alianças ou novos
conflitos. Desse modo, as relações entre esses grupos era um fator que
desmantelava e introduzia significativas transformações na organização social
dos povos indígenas (ALMEIDA, 2010, p. 41), como, por exemplo, as
escravizações, as epidemias e as guerras.

10 Entende-se aqui o escambo como “a proposta de apropriar, ao escambo, uma natureza


comunicativa e uma consciência cognitiva que esclarecem os processos desempenhados pelas
partes (envolvidas no escambo), mas suas diferentes dimensões (tanto das partes como dos
processos), em relação à constituição do todo e em afinidade com sua própria constituição”
(CONDE et al, 2014, p. 124)
18
Os europeus colonizaram o interior do antigo Norte11 de forma paulatina.
Os processos de colonização dos sertões da atual região Nordeste do Brasil
foram centralizados na ocupação da terra para o investimento na pecuária. O
povoamento do Semiárido12 nordestino passou a ser intenso com a escravização
dos povos indígenas e com a expansão territorial, tendo como foco a criação de
gado e a mineração. Assim, o Estado português objetivava conhecer e colonizar
economicamente o interior nordestino (ANDRADE, 2005). Em consequência da
pecuária, era necessário estar próximo às margens dos rios, uma vez que a água
seria indispensável, para a criação dos animais ou para a própria sobrevivência.
Dessa forma,

Nas regiões Agreste e Sertão, atualmente denominadas


Semiárido nordestino, as disputas pelos espaços úmidos e pelas
fontes de água sempre foram intensas. O Semiárido é cenário
de muitos conflitos entre índios, seus primeiros moradores, e os
fazendeiros invasores, tratando-se de uma região que recebe
pequena quantidade de chuvas, caracterizada pelos solos rasos
e não raro pedregosos, vegetação da caatinga e rios
intermitentes, onde ocorrem longas estiagens ou secas
periódicas, muitas vezes calamitosas, agravando a qualidade
dos solos e o aproveitamento dos recursos naturais disponíveis
(SILVA, 2017, p. 260).

Portanto, por meio desses intensos embates, os indígenas organizaram formas


de resistências contra os invasores nos territórios habitados, defendendo as
fontes de água necessárias a vida.

11 O termo Norte era bastante comum nos documentos à época, uma vez que o Nordeste até
então não “existia”. E, de acordo com Durval Muniz de Albuquerque Júnior, apenas durante a
década de 1920 o “espaço ‘natural’ do antigo Norte cedera lugar a um espaço artificial, a uma
nova região, o Nordeste”. O país era dividido entre Norte e Sul, e a região que hoje é demarcada
pelo Nordeste fazia parte do Norte. Ver: ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção
do Nordeste e outras artes. São Paulo: Cortez, 2011, p. 51.
12 Conhecida também como Sertão, a região com uma área extensa com aproximadamente

900mil km², corresponde a 8% do Brasil. O Semiárido abrange diversos estados como Minas
Gerais e Espírito Santo, além de 86% dos estados do Nordeste. As chuvas nessa área são
irregulares, se limitando a três ou quatro meses do ano, seguindo-se de um longo tempo de seca.
Outrossim, o solo é raso, arenoso e rochoso, o que impede a acumulação de água, quando em
períodos de chuva. Assim, a região é propensa a desertificação, sendo suas atividades basilares
a pecuária extensiva e a agricultura familiar, com a finalidade de subsistência. Dados disponíveis
em: https://www.embrapa.br. Acesso em: 02 de out. de 2021.
19
Por outro lado, ao se depararem com a resistência indígena na região, os
europeus organizaram as guerras justas em combate aos índios de corso13. AS
guerras justas tinham como objetivo exterminar as populações inimigas, garantir
a escravização dos indígenas que se negavam à conversão, como também
invadir os territórios indígenas a partir de artifícios jurídicos. As ações
indigenistas, em decorrência dos conflitos e das invasões europeias, aconteciam
habitualmente nas fronteiras de expansão da região, uma vez que as populações
indígenas “mantinham sob seu controle amplos espaços territoriais (ou,
inversamente ameaçavam o controle das frentes sobre estes)” (OLIVEIRA, 2004,
p. 19). Dessa forma, era necessária uma política para “pacificar”14, disciplinar e
também mediar as convivências entre os índios e não índios, com os
aldeamentos e a instituição da tutela, exemplos de políticas indigenistas
adotadas pelos invasores.

No início do século XVIII, a região do atual Nordeste foi marcada por


diversos conflitos entre os povos indígenas e os europeus com a expansão da
sociedade colonial por efeito da criação de gado, provocando o surgimento de
fazendas, vilas e posteriormente de cidades. Esses embates foram denominados
pela historiografia como “Guerra dos Bárbaros” (PUNTONI, 2002; & MEDEIROS,
2000), iniciada durante a segunda metade do século XVII e perdurando até as
primeiras décadas do século seguinte, tendo sido marcada por uma intensa
resistência indígena contra os portugueses criadores de gado. Em meio a esses
conflitos, os indígenas se aliaram aos invasores holandeses contra os avanços
portugueses para o interior. Com o desenlace da guerra, intensificou-se a
escravização indígena daqueles que haviam se rebelado, enquanto a

13 Os índios de corso eram denominados aqueles que atacavam as fazendas de gados, os


engenhos, entre outros locais de produção da região. Sendo necessário enfatizar que os assaltos
eram praticados por povos indígenas sob ameaça, dos colonizadores, por deslocamentos e pela
sobrevivência (ALBUQUERQUE, 1984, p. 30-1 apud GRÜNEWALD, 2004, p. 142).
14 O conceito de “pacificação” foi analisado pelo Antropólogo João Pacheco de Oliveira, “a

transformação da população autóctone, antes livre e autônoma, em subalterna, processo


indissociavelmente violento e arbitrário, respondeu aos interesses econômicos dominantes,
como a apropriação da terra e a obtenção de mão de obra, articulada com a consolidação da
classe dirigente e de uma estrutura de governo. Ela não prescindiu jamais de um processo de
genocídio – chamado de forma eufemística de ‘pacificação’ – que correspondia à fabricação de
um permanente estado de guerra que justificasse, na prática a completa negação de quaisquer
direitos à população autóctone” (OLIVEIRA, 2016, p 17).
20
administração das missões de ordens religiosas, como os aldeamentos na
região, foi vivenciada pelos grupos que não haviam se rebelado.

Para além disso, as populações indígenas no chamado sertão


pernambucano enfrentavam três ordens de dificuldade. A primeira com os longos
períodos de seca e também às cheias do rio São Francisco, força de ordem
natural que eles vivenciavam e procuravam alternativas para driblá-las. As outras
duas, advindas desde o período da colonização, eram de ordem econômica e
política, a saber: os aldeamentos e as perseguições, com o objetivo de
centralizar esses povos, de ocupar suas terras para a criação de gado e de
escraviza-los (MENDONÇA et al, 2012).

Nessa perspectiva, a colonização no Semiárido nordestino enfrentou uma


ampla resistência indígena. E, para compreendermos a história indígena no
Brasil, “o conceito chave (...) é a resistência” (SANTOS JÚNIOR, 2015, p. 13).
Nesse período, foram elaboradas múltiplas estratégias de resistência por
diversos povos indígenas que estavam em conflitos com os europeus. Sendo
importante pensar em uma “resistência adaptativa”, que torna possível a
compreensão de “vários comportamentos dos índios frente aos ocidentais e o
processo de metamorfose por eles vivenciados” (ALMEIDA, 2003, p. 148). Como

Estratégias semelhantes, tanto no passado remoto como na


atualidade imediata, mostram como os recursos de
reivindicação, protestos e revoltas categorias geralmente
enfeixadas sob a rubrica da "resistências" alternam com outras
opções políticas, frequentemente denominadas "colaboração"
ou "acomodação". Cabe aos estudiosos da história dos índios
romper com as abordagens que enxergavam na resistência
apenas a reação anônima, coletiva e estruturalmente limitada.
Novas leituras do espaço intermediário poderão revelar os
sinuosos caminhos por onde passou e passa a resistência
(MONTEIRO, 1999, p. 243).

Por meio dos aldeamentos, os povos indígenas procuravam se adaptar


ao novo ambiente onde viviam, a uma nova cultura, as regras e hábitos que
possibilitavam a elaboração de novas estratégias de mobilizações e também de
sobrevivência diante daquela situação (ALMEIDA, 2003). Em consequência
disso, diante das diversas invasões e violências vivenciadas, “as comunidades
21
indígenas estabeleceram relações de poder com a sociedade dominante”
(SANTOS JÚNIOR, 2015, p. 14) como forma não só de resistir, mas também de
sobreviver àquela condição que lhes foi imposta.

1.1 O território Atikum-Umã: a Serra do Umã e as relações socioculturais

O território da Serra do Umã (Figura 1) tem uma área com cerca de


16.290 hectares e a a população estimada em 5.200 pessoas, de acordo com a
Fundação Nacional da Saúde (FUNASA) em 201115. Os indígenas habitam
várias aldeias em uma região marcada por episódios de violência e palco de
disputas políticas entre as famílias dos fazendeiros. Entretanto, é sabido que a
Serra originalmente era habitada pelos indígenas Atikum e também por
quilombolas16.

Figura 1: o mapa mostra, por meio da seta em destaque, a localização da área indígenas do
povo Atikum, no Estado pernambucano. Fonte: Funai, Situação Fundiária Indígena (2000).

O espaço era visto como uma fortaleza natural, pois no lugar existia um
topo aplainado e uma inclinação bastante acentuada, tornando um território de

15 Instituto Socioambiental - ISA. Povos Indígenas no Brasil - Atikum. Disponível em:


http://pib.socioambiental.org/pt/povo/ atikum/160. Acesso em 02 de out. de 2021.
16 Acerca dos negros fugidos e a existência de quilombos na Serra Negra, ver: ROSA, Hildo Leal

da. A Serra Negra: refúgio dos últimos “bárbaros” do Sertão de Pernambuco. Recife: UFPE,
1988. (Monografia de Bacharelado em História).
22
difícil acesso (FERRAZ, 2012, p. 96). Sendo ressaltado ainda, as matas
fechadas existentes no caminho (MENDONÇA et al, 2012, p. 87). Esses
aspectos fortaleceram a proteção dos indígenas em relação aos invasores,
criadores de gado e moradores na região.

A Serra do Umã também era considerada um ambiente riquíssimo, fosse


pelo clima ou pelo solo, que oferecia benefícios para os habitantes, gerando
cobiça e conflitos com os moradores, com os plantadores de maconha (Cannabis
sativa) e, principalmente, com os fazendeiros criadores de gado. Como noticiou
o Jornal Pequeno:

A serra dos Umans é um verdadeiro clima europeu. Temperatura


agradabilíssima, sólo uberrimo, oferece a serra tantas e taes
vantajosas condições de conforto aos seus moradores que elles
se fixara nas suas eminencia e raramente descem [...] valentes,
unidos sobre tudo na defeza da terra preciosa que disfructam
jamais se deixam vencer nas justas que se tem empenhado com
ambiciosos que lhe tentam invadir os dominios17

Os povos indígenas muitas vezes eram vistos como “criminosos” pelos não
indígenas no período e pelos criadores de gado, uma forma de deslegitimar os
indígenas.

Para além de uma terra indígena, a Serra do Umã era um espaço de


quilombos históricos. Entretanto, posteriormente tornou-se também um local de
disputas faccionais. No caso dos Atikum, a definição para “facções” se
apresentou quando houve a introdução, por núcleos da esfera extra local, da
Cannabis sativa dentro da área indígena e com o surgimento de lideranças
políticas de oposição ao sistema administrativo da comunidade. Isso reforçou
ainda mais ao povo Atikum a solicitarem o reconhecimento das terras
posteriormente (GRÜNEWALD, 1993, p. 38)

Parte do território indígena estava sendo dominado por uma facção.


Entretanto, a vida, durante as décadas de 1920 e 1930, período lampiônico aqui

17Ver em: Gente Criminosa. Pequeno Jornal: Jornal Pequeno, Recife, 8 de jan. de 1929.
Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=800643&pesq=%22serra%20uman%2
2%20%22canga%C3%A7o%22&pagfis=44875>. Acesso em: 12 de maio de 2021.
23
estudado, na Serra era difícil, devido às secas e a outras dificuldades impostas,
fossem elas de ordem natural, política ou por conta das criações de gado,
realizadas pela “solta de bicho”, durante esse mesmo período (GRÜNEWALD,
2003, p. 57).

Ressaltando que, além dos diversos embates dos criadores de gado com
os povos indígenas, na região ocorreram múltiplas violências, das quais destaca-
se aqui os conflitos beligerantes entre as famílias Ferraz e Novaes no munícipio
de Floresta (FERRAZ, 2004). Por esses motivos, o território indígena era visto
como um local de esconderijo para os fugitivos daquela região. Contudo, a Serra
do Umã desde o século XVII era habitada por diversos grupos indígenas
(COSTA, 1951, vol. 5, p. 165-171).

Nessa perspectiva, não é possível considerar a Serra do Umã como um


refúgio para fugitivos, uma vez que diversas comunidades indígenas habitavam
às margens do Vale do rio São Francisco, Ribeira e também Motoxó, como os
Bancararu, Carapotó, Pipipã, Rodelas, Tuxá, Umã, entre outros (MEDEIROS,
2000, p. 117). Essas populações vivenciaram um processo de territorialização
bem como adotaram múltiplas formas de resistir aos invasores, travando
embates com esses para defender seu território, e conseguindo, posteriormente,
estabelecerem-se em algumas Serras no Semiárido pernambucano.

E em meio a essa pluralidade vivenciada no Semiárido nordestino, ainda


em fins do século XIX observa-se o surgimento de um fenômeno não apenas
social, mas também político e econômico, nessa região, o cangaço. Durante os
últimos anos da década de 1870, ocorre uma grande seca no Nordeste, com
grandes danos socioambientais. Nesse mesmo período quando na região
ocorriam impactos com os fatores naturais no Sertão, os indígenas Atikum, para
além das secas, protestavam contra o fim do aldeamento onde habitavam
(SILVA, 2006, p. 10), requerendo a devolução das terras invadidas por criadores
de gado (MENDONÇA et al, 2012, p. 95).

Portanto, diante de um contexto histórico marcado pelas secas, pelas


perseguições e pelas políticas de violência contra os povos indígenas, o final do
século XIX e o início do século XX foi um período com notáveis e múltiplos
tumultos em diversas regiões no Semiárido pernambucano. Dessa forma, era

24
estabelecida a coexistência entre o coronelismo, o mandonismo e também o
clientelismo, pelo cangaço e tantos outros aspectos sociais, como os processos
e protestos vivenciados pelos povos indígenas, os saques às vilas, as invasões
pela população com as secas. Nesses processos intensos e conflituosos,
observa-se, no início do século XX, múltiplas relações socioculturais,
entrelaçamentos de hábitos e também de costumes oriundos dos grupos étnicos
que constituíram aquele espaço, marcado por uma pluralidade sociocultural18.

Nesse contexto, em meio a uma população desamparada pelas


autoridades locais e também pelo Estado, na primeira metade do século XX é
ocorreu o estabelecimento das relações entre indígenas e cangaceiros na Serra
do Umã, com o abrigo dos indígenas Atikum aos cangaceiros, fator que indica
algumas das causas para o estabelecimento dessas relações. Levando isso em
consideração, faz-se necessária uma análise do fenômeno do cangaço no
âmbito sociocultural, político e econômico para compreender os processos que
constituíram essas relações, apontando as dinâmicas sociais vivenciadas por
esses dois grupos, os Atikum e os cangaceiros.

1.2 Os movimentos dos aldeamentos dos indígenas Atikum nas serras no


Semiárido nordestino

Ainda no início do século XIX, ocorreram ações de religiosos Capuchinhos


italianos no Sertão pernambucano em atividades missionárias, como, por
exemplo, as atuações do Frei Vital de Frescarolo, atuando entre 1801 a 180619
na “pacificação” dos indígenas no aldeamento Olho d’Água da Gameleira,
posteriormente nomeada Aldeia Olho d’Água do Padre, na Serra do Umã
(COSTA, 1987, vol. 5, p. 165; 167; 171 & FRESCAROLO, 1883). Populações
indígenas viviam em duas regiões dos sertões pernambucanos durante as

18 As populações no Semiárido nordestino eram compostas por múltiplos grupos étnicos:


indígenas, negros e muitos outros povos.
19 Em relação ao período de fundação e ação no aldeamento Olho d’Água da Gameleira, a data

não é precisa. Grünewald (1993) ressaltou o ano de 1801, como início das atividades. Pereira
da Costa (1987, vol. 5, p. 165; 167; 171) apontou que foi durante os anos de 1804 e 1806 que
as ações desse aldeamento tiveram início, concomitantemente às atividades do aldeamento da
Baixa Verde, no Sertão do Pajeú.
25
primeiras décadas do período oitocentista. Uma delas era às margens do Vale
do São Francisco, onde viviam os Bancararu, Rodela, Tamaqueu e Tuxá, e a
outra os arredores do rio Pajeú, ocupados pelos Chocó, Oê, Pipipã e os Umã
(COSTA, 1987, vol. 5, p. 165-171).

Os indígenas Umã20 foram aldeados com os Volve e os Xocó.


Aproximadamente em 1694, os Umã estavam na margem do rio São Francisco
fugindo dos caminhos do gado (GRÜNEWALD, 2004, p. 143). Posteriormente,
em 1713, encontravam-se próximos da ribeira do rio Pajeú, passando por
Alagoas, em 1746, e também por Sergipe, em 1759. Em meados de 1801
estavam no aldeamento Olho d’Água da Gameleira, onde permanecem até 1819,
se dispersando para o Jardim Ceará, regressando novamente em 1844 para as
proximidades do antigo aldeamento. Após 1850, com a Lei de Terras21, e 1852,
além de perderem parte das suas terras, os povos indígenas eram considerados
índios bravios22 por parte da sociedade da época, uma vez que estes resistiam
às perseguições dos não índios. De 1860 a 1880, o povo Atikum estavam se
deslocando para lugares de difícil acesso, como as Serras na região, Arapuá e
Umã, fugindo das perseguições.

Durante a década de 1860, o grupo Atikum foram os mais perseguidos


pelos habitantes da Comarca de Floresta do Navio, ainda na época quando
habitavam a Serra Negra, nos Vales dos rios Pajeú e São Francisco. Os
habitantes da vila travaram inúmeros embates com expedições militares contra
as populações indígenas na região, com o pretexto de que era preciso “pôr fim
a ‘rebeldia’ destes índios” (MENDONÇA et al, 2012, p. 88). Já os Umã, após os
múltiplos confrontos vivenciados com não indígenas, em 1863 se refugiaram no
aldeamento Brejo dos Padres. Entretanto, o Barão de Guararapes, Diretor Geral

20 Os registros dos documentos oficiais acerca dos Umãs constam desde o início do século XVII,
possuindo a grafia de várias formas: Imans, Imaus, Humaés, Humam, Humoi, Omaris, Umão,
entre outros etnôminos.
21 Em 1849, o Governo da Província de Pernambuco criou um destacamento pela Lei de nº 247,

para a incorporação da Fazendo-Grande à Serra do Umã. No artigo 3 da Lei afirma-se o seguinte:


“Fica desmembrada da freguesia de Serra Talhada, e incorpora à freguesia de Fazenda Grande
a serra de Uman”. Jornal A União: Virtus unita crescil (PE) – 1848 a 1852 – 30 de jun. 1849 –
vol. II, nº 128, p. 1. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=222658&pesq=Serra%20Uman&hf=me
moria.bn.br&pagfis=436. Acesso em: 18 de out. de 2021.
22 Existiam duas categorias de índios durante o período colonial. A primeira trata-se dos grupos

indígenas aliados à Coroa Portuguesa, enquanto a segunda eram os grupos sem vínculo com a
Coroa, eram considerados os “índios bravios” (PERRONE-MÓISES, 2006, p. 117).
26
dos índios da província, com José Rodrigues Moraes, relatou em um ofício ao
Presidente da Província de Pernambuco a dificuldade que a presença dos Umã
trazia à Aldeia e à Comarca de Floresta23, solicitando que as devidas
providências fossem tomadas quanto a esses grupos.

Posteriormente, em 1875, o aldeamento habitado pelos Umã foi extinto


pelo governo da Província de Pernambuco, momento quando os índios aldeados
protestaram contra essa medida, relatando, por meio de um abaixo assinado
citando as invasões das terras por “pessoas estranhas” (SILVA, 2004, p. 11). A
partir das movimentações dos povos indígenas e da reinvindicação de direitos,
observamos a organização dessas populações em relação à defesa do território,
utilizando a escrita como afirmação de sua autonomia (SILVA, 2004, p. 9). A
posteriori, os Atikum-Umã se estabeleceram na Serra do Umã sendo
reconhecidos pelo Serviço de Proteção ao Índio (SPI) na década de 1940
(GRÜNEWALD, 2002, p. 98; & MENDONÇA et al, 2012, p. 31-4).

Diante desses múltiplos conflitos, aldeamentos e processos vivenciados


pelos indígenas, alguns povos se deslocaram para outras áreas, vivenciando
processos de reorganização não apenas social, mas também espacial,
demográfico, sociocultural e sociopolítico. Ocorreu um processo de
territorialização algumas das dinâmicas que foram vivenciadas pelas populações
indígenas no Nordeste, definindo-o como:

(...) o movimento pelo qual um objeto político-administrativo –


nas colônias francesas seria a ‘etnia’, na América espanhola as
‘reducciones’ e resguardos, no Brasil as ‘comunidades
indígenas’ – vem a se transformar em uma coletividade
organizada, formulando uma identidade própria, instituindo
mecanismos de tomada de decisão e de representação, e
reestruturando as suas formas culturais (inclusive as que o
relacionam com o meio ambiente e com o universo religioso)
(OLIVEIRA, 2004, p. 24).

23APEJE, Diverso II 19, 1861-1871. Ofício, s.n., 30 de mar. 1866. Acerca dos “índios bravios”
atacando a Comarca de Floresta, folha, 99.
27
Portanto, esses processos vivenciados pelos indígenas Atikum definiram a
etnicidade desse povo na atualidade. Essa etnicidade24 pressupõe uma origem
e também um percurso, um sentimento de pertença, principalmente espiritual
com os antepassados (GRÜNEWALD, 2002, p. 99).

1.3 Os processos de territorialização dos indígenas Atikum Umã

Os processos de territorialização vivenciados pelos povos indígenas no


sertão têm início no século XVII e perdurou até o século XIX. O primeiro processo
ocorreu a partir da segunda metade do século XVII até o início do século XVIII,
com as “misturas” de povos indígenas nas missões de ordens religiosas, quando
foram reunidos e vivenciaram uma transformação sociocultural. Essas missões
tinham “uma intenção inicial explícita de promover uma acomodação entre
diferentes culturas [...] pelo processo de catequese e pelo disciplinamento do
trabalho” (OLIVEIRA, 2004, p. 25).

O segundo processo de “mistura” ocorreu a partir das disposições do


Diretório dos Índios, projeto assimilacionista25 ao qual os múltiplos grupos
étnicos foram submetidos. O projeto acarretou o incentivo de “casamentos
interétnicos e a fixação de colonos brancos dentro dos limites dos antigos
aldeamentos” (OLIVEIRA, 2004, p. 25).

A terceira “mistura” ocorreu no período oitocentista, mais especificamente


a partir da Lei de Terras, em 1850. Com a “extinção” dos aldeamentos, as vilas,
as comarcas e os municípios começaram a expandir seus territórios,
incorporando os terrenos aos territórios indígenas, se estabelecendo nas

24 A etnicidade construída pelos povos indígenas foi analisada a partir da conceituação de João
Pacheco de Oliveira, afirmando que “supõe necessariamente uma trajetória (histórica e
determinada por múltiplos fatores) e uma origem (uma experiência primária, individual, mas que
também está traduzida em saberes e narrativas aos quais vem a se acoplar). O que seria próprio
das identidades étnicas é que nelas a atualização história não anula o sentimento de referência
à origem, mas até mesmo o reforço. É da resolução simbólica e coletiva dessa contradição que
decorre a força política e emocional da etnicidades” (OLIVEIRA, 2004, p. 32-3).
25 Entende-se o termo “assimilação” pela definição do antropólogo Rui Pereira, como um projeto

cuja representação é a relação de dominação, uma vez que os aspectos da cultura dominada
são transformados ou até mesmo extintos frente à cultura dominante (PEREIRA, 1986, p. 217).
28
cercanias e determinando o controle de terras nas regiões (OLIVEIRA, 2004, p.
25-6)

Nesse contexto, povos indígenas no Sertão pernambucano reelaboraram


de forma coletiva as identidades, ações, expressões socioculturais, as suas
relações com o passado e o simbolismo (BARTH, 2005, p. 24), a fim de
conseguirem melhores condições de sobrevivência, como também de negociar
e de combater os criadores de gado e moradores na região quando houvesse
perseguição. Para tanto, foi necessária a mobilização da identidade étnica26
como forma de resposta ao que estava sendo vivenciado. Esse acionamento
seria “uma forma particular de organização estatal e às oportunidades políticas
criadas por ela” (BARTH, 2005, p. 25).

Para os povos Atikum, Pankará e Pankararu contemporâneos, o grupo


Umã é visto como o ancestral mítico e histórico desses povos indígenas
(ARRUTI, 1935, p. 37-40). O povo Atikum, ou Atikum-Umã, se autodeclara
“Caboclos da Serra do Umã”, uma vez que esses eram “caboclos” e
“descendentes de índios”, como referência à ancestralidade, proveniente do
“índio mais velho” (GRÜNELWAD, 1993), o pai não só de Atikum, mas dos índios
no aldeamento do Olho d’Água da Gameleira, onde atualmente é localizada a
cidade de Carnaubeira da Penha, em Pernambuco. Os Atikum defendiam “que
a Serra do Umã sempre tinha sido ‘lugar de índio’” (GRÜNEWALD, 2002, p. 99),
apresentando nesse contexto uma concepção de identidade não relacionada.

As primeiras menções em documentos do século XX aos Atikum são a


partir da década 1940, quando ocorre o processo de etnogênese 27 desse povo,

26 Utilizamos a definição de Clarice Novaes da Mota (2007), para quem “a identidade étnica é
construída sobre sistemas culturais e ideologias, tendo pouco a ver com traços biológicos” (p.
29), como também o conceito defendido por Rodrigo Grünewald, “as identidades são muitas e
se fragmentam em pertencimentos que não reconhecem fronteiras étnicas, as culturas também
são dinâmicas e, como já insinuei, não automaticamente limitadas às suas sociedades ou povos
específicos (2009, p. 13).
27 A etnogênese ou a “emergência étnica” é bastante utilizada para descrever os múltiplos

processos de formação dos grupos étnicos, como, por exemplo, as construções dos postos
indígenas, de reconhecimento territorial e dos próprios processos das populações indígenas para
(re)conquistarem os seus direitos, como aponta Rodrigo Grünewald (2004, p. 151). O processo
de “etnogênese” para João Pacheco de Oliveira significando “em termos teóricos, a aplicação
dessa noção, bem como de outras igualmente singularizantes – a um conjunto de povos e
culturas pode acabar substantivando um processo que é histórico, com a falsa impressão de
que, nos outros casos quando não foi tratado de “etnogênese” ou de “emergência étnica” o
processo de formação de identidade estaria ausente (OLIVEIRA, 2016, p. 212).
29
que aconteceu juntamente com os processos de identificação e de
reconhecimento de direitos e de terras. Nesse sentido, os Atikum vivenciaram
um processo de etnogênese, construção da identidade étnica e do sentimento
de pertencimento àquela comunidade.

À vista disso, o ato de se reconhecer como caboclo e como índio não é


contraditório, uma vez que isso faz parte da formação dos Atikum na Serra do
Umã. Dessa forma, esse povo vivenciou um:

Processo histórico de criação de um grupo étnico em que seus


membros buscam gerar sua própria cultura, em contra distinção
à cultura que flui de sua posição oprimida, (...) é uma tentativa
de fazer sua própria história buscando mover-se além das
condições impostas sobre eles (GRÜNEWALD, 2004, p. 155).

A procura pelo SPI ocorreu após a cobrança de impostos pela Prefeitura


de Floresta como também com as invasões ao pé da Serra pelos criadores de
gados (GRÜNEWALD, 2004, p. 151). Para que ocorresse o processo de
reconhecimento desses povos como índios era necessário que se organizasse
um ritual do Toré28. Para isso, um fiscal do órgão seria enviado para validar o
pedido dos indígenas garantindo tanto o reconhecimento oficial dos Atikum como
índios quanto a criação de uma terra indígena naquele território (Ibidem, p. 152).
O povo Atikum buscou ajuda com os parentes Tuxá, uma vez que já existia um
entrelaçamento entre esses povos, como os laços matrimoniais.

Além das alianças pelas redes de relações interétnicas, foi possível observar na
organização social dos povos Atikum, o sistema de compadrio. Essa associação
era estabelecida por meio do batismo da criança, apadrinhada por um indivíduo
que se torna compadre dos genitores, criando-se, assim, um laço de troca de
favores entre os mesmos (GRÜNEWALD, 1993). Nesse sentido, o sistema de
compadrio pode acontecer de duas formas, tanto para fortalecer as alianças

28 Uma tradição dos povos indígenas, uma dança que vem a consagrar aquele grupo étnico. A
respeito desse assunto ver: GRÜNEWALD, Rodrigo de Azeredo. Toré e Jurema: emblemas
indígenas no Nordeste do Brasil. Cienc. Cult. vol.60 no.4. São Paulo, 2008. Disponível em:
http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252008000400018.
30
étnicas já vivenciadas no núcleo do grupo como também para estabelecer novas
relações com pessoas de fora das fronteiras daquele espaço.

31
CAPÍTULO DOIS: O FENÔMENO SOCIAL DO CANGAÇO NO SEMIÁRIDO
NORDESTINO, UM MOVIMENTO NÔMADE E AS INFLUÊNCIAS DO
CORONELISMO E DOS COITEIROS

É possível encontrar múltiplas versões acerca da definição da palavra


“cangaço”, existindo muitas teorias sobre o seu surgimento e o seu significado.
Billy Chandler (1980) e Maria Isaura de Queiroz (1986), concordam que esse
termo se refere “à ‘canga’ ou ao cangalho, isto é, o julgo dos bois” (CHANDLER,
1980, p. 15), provavelmente porque os cangaceiros andavam com seus rifles e
armamento nas costas, assim como o boi transportava a canga. Segundo Luiz
Bernardo Pericás (2010), essa palavra, desde meados do século XIX, era
utilizada para se referir aos grupos armados que circulavam nas caatingas do
Nordeste. Pericás se baseia nos registros do Dicionário de Vocábulos
Brasileiros, elaborado por Henrique de Beaurepaire Rohan, apontando um
“conjunto de armas que costumam conduzir os valentões” (ROHAN, 1889 apud
PERICÁS, 2010, p. 14), sendo essas uma das concepções para compreender o
fenômeno do banditismo nos sertões nordestinos e, consequentemente, o
fenômeno do cangaço.

No Semiárido brasileiro, espaço onde o fenômeno do cangaço surgiu,


ocorrem intensas relações sociais, acirradas com um período contínuo de secas,
uma vez que os rios da região são em sua maioria rasos, com exceção do rio
São Francisco. Nesse contexto, a seca se torna uma árdua realidade, de ordem
natural, para as populações que habitam a região conviverem (CHANDLER,
1980, p. 17). A vegetação sertaneja e o clima são marcados por características
peculiares e por sua grande variação. Como exemplo, os brejos de altitudes são
regiões de umidade no interior dessas áreas secas no Sertão (ARAÚJO FILHO
et al, 2000).

Na cultura popular dos sertões, é costume reconhecer-se por


brejo qualquer subsetor mais úmido existente no interior do
domínio Semiárido; isto é, qualquer porção de terreno dotada de
maior umidade, solos de matas e filetes d’água perenes ou
subperenes, onde é possível produzir quase todos os alimentos
e frutas peculiares aos trópicos úmidos (AB’SÁBER, 1999, p.
14).

32
Esta é uma das características das serras, como as próximas Serra do Arapuá,
Serra Negra e Serra do Umã. Contudo, a predominância nos espaços planos no
Semiárido é a vegetação das caatingas, adaptadas ao clima sertanejo, quente e
seco (ANDRADE, 1963, p. 6), com temperaturas elevadas e precipitações
pluviométricas baixas.

Era em meio a esses longos períodos de seca que a sociedade no Sertão


pernambucano estava se formando, com as várias doações de terras criando
latifúndios e violências contra as populações indígenas, habitantes que ali
estavam bem antes do processo de povoamento na região. Desde os primeiros
processos de constituição das sociedades do sertão, aos indivíduos eram
negados os seus direitos e também atendimento por parte do Estado. Os
detentores do poder local, os fazendeiros, lidavam com os seus dependentes
com “mão de ferro”, confiando algumas de suas prerrogativas aos seus
vaqueiros, jagunços ou capangas, para que esses subordinados pudessem
impor “mais leis e mais disciplinas” (CHANDLER, 1980, p. 20) aos outros
dependentes.

2.1 Os poderosos da terra, o surgimento do cangaço e o imaginário no


Sertão

A sociedade era governada por indivíduos com grandes propriedades de


terra, herança do período colonial. Essa política de acesso a terras continuou
tanto no período Imperial (1822-1889) quanto na Primeira República (1889-1930)
e ainda permanece nos dias atuais. Nesse sentido, a figura do “coronel” era a
representação da política dos homens com amplos poderes, e começou a ser
utilizada após a criação da Guarda Nacional, em 1831.

O coronelismo representou uma variante de uma relação


sociopolítica mais geral – o clientelismo29 –, existente tanto no

29Eram indivíduos protegidas pelos coronéis, a quem estavam subordinadas, fossem elas
parentes de uma classe mais pobre, moradoras nas propriedades dos coronéis ou afilhadas
33
campo como nas cidades. Essa relação resultava da
desigualdade social, da impossibilidade de os cidadãos
efetivarem seus direitos, da precariedade ou inexistência de
serviços assistenciais do Estado (FAUSTO, 2000, p. 263).

Destarte, os coronéis com o poder das suas terras e propriedades e,


consequentemente, prestígio, tornando-se, assim, os chefes políticos das
regiões sertanejas, uma vez que detendo ainda a principal atividade econômica
sob seu domínio: a pecuária (CHANDLER, 1980, p. 22). Além do poder
econômico advindo da terra, do envolvimento no sistema político, era comum a
ampliação do poder através dos casamentos e apadrinhamentos, aumentando a
família dos grandes proprietários de terra e, consequentemente, o controle nas
mãos de poucos (QUEIROZ, 1976, p. 16-7).

Entretanto, durante meados do século XIX, com o surgimento das


plantações de algodão, as sociedades dos sertões passaram por um impacto de
crescimento, pois viam na cultura algodoeira uma oportunidade de mudança
econômica para as populações mais pobres, a maioria na região. Nesse
contexto, as produções agrícolas do algodão se tornaram apenas mais uma
entre as múltiplas situações econômicas adversas. Essas migrações,
temporárias ou permanentes e as secas contínuas, influenciaram a
fragmentação do domínio dos latifundiários sobre os seus dependentes.

Ocorreu um aumento nas desordens e na capacidade de proteção dos


fazendeiros para com as suas propriedades e para com os seus subordinados.
Além disso, não se podia confiar nas instituições do Estado, notadamente
enfraquecidas e ausentes no Sertão (QUEIROZ, 1976, p. 27), sendo essas
ocupadas pelos “poderosos das terras” que estivessem à frente da política. Esse
sistema promovia uma desorganização social, que veio a se tornar,
posteriormente, uma das portas para o surgimento do cangaço na região.

É em meio a essa desorganização social, às oscilações econômicas, à


instabilidade política com as facções se revezando no poder político, à
incapacidade das instituições do Estado e às secas constantes, que surgiu o
cangaço (SOUZA, 1972, p. 111 e 123). Dessa forma, “as secas produzem a

desses senhores de terras. Assim, “gente do coronel fulano” era a forma de identificação utilizada
para se referenciar a quem os protegia. A esse respeito, ver: QUEIROZ, 1997.
34
suspensão dos trabalhos rurais, lançam a miséria às classes mais
desafortunadas e atiram na ociosidade milhares de braços impossibilitados de
ganhar os meios de subsistência” (MONTENEGRO, 1973, p.192). Com a seca
da década de 1720, por exemplo, surgiram os primeiros grupos de bandoleiros
em vista dos impactos econômicos e das migrações provocadas pela longa
estiagem (VILLA, 2000, p. 19).

Entre os anos de 1877 e 1879 ocorreu outra seca devastadora e


duradoura na região do Semiárido brasileiro, atingindo uma massa de pessoas,
ainda mais dependentes dos fazendeiros locais, buscando sobreviver a esse
período inclusive imigrando para a Amazônia, para se empregar na extração de
borracha, ou estabeleceram residência nas regiões do litoral (CHANDLER, 1980,
p. 28). Nesse contexto, a região do Semiárido nordestino passou a ser
identificada como uma “região-problema”, onde a pecuária não tinha mais a
relevância anterior à seca da década de 1870. Concomitantemente, na mesma
década ocorreram múltiplas desordens sociais e econômicas, como, por
exemplo, o surgimento do primeiro movimento de cangaço no Rio Grande do
Norte, liderado por Jesuíno Brilhante.

O grupo de cangaceiros chefiado por Jesuíno Brilhante tinha uma imagem


“positiva” e romântica frente a determinado grupo da sociedade (NONATO, 1970,
p. 8), uma vez que o mesmo adquiriu popularidade por distribuir dinheiro e, por
vezes, alimentação aos mais necessitados. Portanto, Jesuíno Brilhante se
tornava diferente de Antônio Silvino e de Lampião no tocante à reputação
perante a sociedade. Todavia, a família de Jesuíno tinha escravizados e
frequentava a casa de grupos bem sucedidos no Rio Grande do Norte, fazendo
parte do círculo de poderosos, assim, dificilmente entrava em conflito com os
interesses desses grupos. Jesuíno era descendente da família Alves de Mello,
fazendeiros relevantes na Paraíba com um vasto poder político e econômico na
região (PERICÁS, 2010, p. 33 e 51).

O cangaceiro Jesuíno Brilhante foi uma figura que

Olhando as cenas dolorosas da fome e da sede, aquele misto


de santo e de malvado comoveu-se. Jesuíno não dormia a cuidar
duma maneira de diminuir tanto sofrimento. Nas várzeas
35
desertas, atacava os comboios dos negociantes mais abastados
ou dos inimigos, tomava-os, chamava os retirantes famintos e
com eles distribuía a farinha e os cereais. Do próprio bolso fazia
as larguezas que podia. Até dos comboios de auxílios enviados
pelo governo se apoderava, fazendo a mais equitativa
distribuição. Dizia-se a ‘comissão ambulante de socorros’.
Perseguia os bandidos que infestavam o sertão. Defendia os
fracos das perseguições que lhes moviam. Nunca roubou nem
jamais consentiu que os seus companheiros furtassem
(HOBSBAWM, 2000, p. 183-4).

O citado cangaceiro tinha uma peculiaridade em relação a figuras como


Antônio Silvino e Lampião em virtude da sua posição social oriunda da sua
família abastada, pois não precisava roubar para sobreviver (DÓRIA, 1981, p.
39-41), mas se assemelhava com os outros líderes do fenômeno do Cangaço
através do sentindo de vingança pelo qual entrou no fenômeno do cangaço. Essa
ideia de um cangaceiro herói que perpetuou a personalidade de Jesuíno
Brilhante se deu justamente pela caracterização do historiador inglês Eric
Hobsbawm, atribuindo a Jesuíno o seu tipo de banditismo rural (2000, p. 183-
184).

Durante o século XIX, outro cangaceiro de bastante importância foi


Antônio Silvino, que atuou nos sertões da Paraíba, de Pernambuco, do Rio
Grande do Norte e também do Ceará (SOUTO MAIOR, 2001). Antônio Silvino
detinha certo vínculo com o cangaço, pois alguns de seus parentes eram
cangaceiros e sua família mantinha relações com os Dantas e os Baptistas,
fazendeiros de influência na região onde nasceu. A figura de Antônio Silvino
muitas vezes foi retratada pelo imaginário popular como “Robin Hood” (NARBER,
2003, p. 125), uma vez que o bandoleiro guardava uma parte do dinheiro para
as suas empreitadas e distribuía o restante para os mais desfavorecidos. Essas
ações, não exclusivas de Antônio Silvino, contribuíram para a construção da
imagem do mito do cangaço. Entretanto, o cangaceiro não tinha como intenção
“tirar dos ricos para dar aos pobres” (CASCUDO, 1984, p. 156), visto que não
existia uma partilha com algum ideal de igualdade dos bens.

O cangaço atingiu o seu apogeu ao longo da seca de 1919. Durante esse


período cerca de 25 bandos de cangaceiros agiam pelos sertões nordestinos,
tornando-se “um dos períodos mais férteis à expansão do banditismo” (MELLO,

36
1974, p. 87). Nesse ínterim, a seca de 1919 evidenciou ainda mais o
cangaceirismo profissional, caracterizado de três formas. A primeira, o “cangaço
meio de vida”, ou o “cangaço de rapina”, que é o de maior frequência, tendo
Lampião e Antônio Silvino como suas figuras representativas. O segundo tipo é
o “cangaço de vingança”, com Jesuíno Brilhante e Sinhô Pereira, o antecessor
de Lampião, como representantes, sendo uma forma menos frequente do que o
primeiro. O “cangaço de refúgio” foi o mais diferente. Era um cangaço de
estratégias de defesa, do qual destacou-se o cangaceiro Ângelo Roque depois
de entrar no bando de Lampião (MELLO, 1974, p. 80).

A forma de cangaço por vingança ocorria também porque “o meio obriga


o indivíduo a vingar-se [...] no sertão, quem não se vinga está moralmente morto”
(BARROSO, 1917, p. 59). Essa cultura da vingança foi sustentada durante muito
tempo no Semiárido, sendo uma herança do período colonial, pois os excessos
de violência eram comuns. Dessa forma, “em nenhuma outra região do país se
pode dizer que tenha demorado mais o período de enraizamento de uma tradição
violenta” (MELLO, 1985, p. 19-20). O banditismo rural é fruto da colonização dos
sertões e das formas de violência praticadas contra os povos indígenas e outros
grupos sociais habitantes dessa região.

É relevante enfatizar que o banditismo do Nordeste ocorreu por múltiplos


fatores,

(...) de desorganização social e de consequente inibição das


atividades repressoras, tais como, revoluções, disputas locais,
agitações de fundo místico ou político ou social, lutas de família
e principalmente as prolongadas estiagens, provocavam o
rompimento do equilíbrio que permitia à sociedade sertaneja
viver, produzir e continuar crescendo lado a lado com o
cangaceiro, com base num compromisso tácito de coexistência
(MELLO, 1997, p. 45). [Grifo nosso]

Nesse contexto, o cangaço foi uma soma de razões que desmantelavam


politicamente e socioeconomicamente a região do Semiárido nordestino. Além
disso, o imaginário da sociedade à época corroborava a coexistência por meio
das utopias divulgadas sobre o modelo de coragem que os cangaceiros
representavam, embora as pessoas estivessem longe de apreciar os criminosos,

37
mas, sim, a figura de “homem valente” que eles representavam (CASCUDO,
1984, p. 160).

A representação de coragem representada nos cangaceiros, estava


enraizada no modo de pensar, por meio da literatura e do romance, entretanto,
a perpetuação das atividades desses indivíduos ocorria pela ausência de
controle na região, pela desorganização social, pela seca e por questões de
sobrevivência. Os cangaceiros eram vistos como homens que não respeitavam
a Lei, vivendo a partir dos seus próprios códigos de ética e conduta, que não
eram subordinados às autoridades vigentes, fossem esses os coronéis ou
mesmo o Estado. Consequentemente, o cangaço era compreendido como uma
maneira de resistência, como um reflexo esquecido a uma resistência aleatória
(FACÓ, 1976). Assim, devido às estratégias de sobrevivência30, os bandoleiros
eram vistos como bons e justos frente à parte da população.

Entretanto, os registros documentais e os múltiplos relatos acerca das


atividades dos bandos de cangaceiros evidenciam uma outra perspectiva, com
os casos de tumultos, saques, assaltos e extorsões, principalmente na Bahia e
em Pernambuco. Além disso, em determinados períodos, os estupros, torturas
e assassinatos, eram parte das rotinas violentas desses grupos de cangaceiros
(PERICÁS, 2010, p. 17). Os cangaceiros não distinguiam os ataques, “toda a
documentação até hoje conhecida demonstra que os cangaceiros foram
realmente cruéis e sanguinários, tanto com os ricos quanto com os pobres”
(QUEIROZ, 1997, p. 65).

Portanto, o surgimento do Cangaço Independente está vinculado


diretamente a aspectos estruturais e também conjunturais. Nos estruturais
cabendo à limitação das expectativas de sobrevivência para os indivíduos no
Semiárido, pois as maiores fontes de emprego na região limitavam as
possibilidades e o ideal de sobrevivência às adversidades e de vida digna. Os
aspectos conjunturais englobam as crises econômicas do algodão e da cana de
açúcar na região, tornando ainda mais difícil as perspectivas de ter o suficiente
para sobreviver. Em vista dessas condições, “o cangaço constituiu alternativas”
(QUEIROZ, 1997, p. 62), um meio de vida para “escapar” desses aspectos.

30 Não somente de defesa, como no caso da forma do cangaço de refúgio.


38
Assim, as relações construídas pelos cangaceiros ao longo do tempo com os
poderosos da terra – no caso das trocas e favores –, e por meio da propagação
do medo e da simpatia popular, o fenômeno do cangaço adquiriu um espaço
significativo em meio a uma sociedade com carência em diversos aspectos.

2.2 As relações no Sertão e o cangaço de Lampião

As relações dos coronéis com os sujeitos de suas terras “é a de patrão e


empregado” (NARBER, 2003, p. 34), à vista disso, esses vínculos foram por uma
relação de troca, enquanto o coronel teria o papel de proteger os seus
subordinados, os “empregados” tinham o encargo de serem leais, trabalhar e
muitas vezes recorrer às armas para defender a terra e os interesses dos seus
“patrões”.

Existia uma divisão entre os subordinados que trabalhavam portando


armas nas fronteiras territoriais dos coronéis, a saber: os “cabras”. Eram homens
comuns vivendo cercados por trabalhos agrários, mas atuavam na frente
ofensiva e defensiva quando do interesse dos patrões. Os “jagunços” se
diferenciavam dos cabras no aspecto de que aqueles eram homens do ofício das
armas, sem interesses em atividades “pacíficas”, como, por exemplo, a
plantação, podendo ser classificado como pistoleiro.

Os “capangas” eram considerados como guarda-costas do coronel. Os


capangas e os jagunços eram homens que auxiliavam os coronéis quando esses
entravam em conflitos com os povos indígenas, que eram uma atividade
constante, na perseguição a escravizados e também nos embates contra outros
latifundiários, nas rixas de família na região. Além desses subordinados, os
cangaceiros, que prestavam serviços ao coronel quando em conflito não
possuíam vínculo com os proprietários e atuavam na defesa dos seus próprios
interesses (MELLO, 1985).

Assim, a figura do cangaceiro

39
Não é um fenômeno novo no complexo social brasileiro. Pode-
se mesmo dizer que ele nasceu com a nação, nas correrias dos
exploradores através do sertão, na caça ao índio. A insegurança
e a falta de garantias para uma vida tranquila determinaram o
ambiente de guerrilhas, tropelias e assaltos, que fez do sertão
um campo aberto a toda espécie de truculência. [...] Os que se
tornavam mercenários, ao serviço dos mais ricos, era da mesma
massa daqueles que se entregavam às aventuras do cangaço
(LINS, 1960, p. 44).

Nesse contexto, os cangaceiros desde o período colonial tinham uma relação


nas origens dos jagunços e dos capangas contratados pelos poderosos da terra
para entrarem nos conflitos de seus interesses. À vista disso, o banditismo pode
ser considerado uma junção dos jagunços, capangas e dos cangaceiros, uma
vez que desde fins do século XVIII era possível encontrar referências aos
indivíduos vivendo “debaixo do cangaço”, mas que esses podiam ser
considerados como “simples bandidos” (QUEIROZ, 1997, p. 15).

No período lampiônico, o termo cangaço referia-se a “assaltante, bandido,


assassino, fora-da-lei, e também membro dos bandos que assaltavam nas
estradas, fazendas, povoados e pequenas cidades, mantendo os sertanejos sob
um estado de terror” (BARROS, 2000, p. 203). Dessa forma, Virgulino Ferreira
da Silva transformou o significado da palavra “cangaço” que havia perdurado até
a época do antecessor, o cangaceiro Sinhô Pereira. Desse modo, Lampião
advém do “princípio da tradição do banditismo de honra”, entrando para o
cangaço por motivo de vingança pelo assassinato de seu pai (JASMIN, 2016, p.
27).

Nessa perspectiva, em uma região com a ausência do Estado, as rixas


familiares, além de sociais, eram políticas, sendo bastante comuns desde os
tempos coloniais. Dessa forma, as relações conflituosas ultrapassavam o
ambiente familiar, perpassando por toda estrutura política e administrativa dos
sertões nordestinos. Segundo o Comandante da 2ª Companhia Independente de
Policiamento,

As brigas de família são tão tradicionais no sertão de


Pernambuco quanto os espinhos de mandacaru ou carne de
bode assada. Aparecem de tempos em tempos, em qualquer

40
ponto da caatinga, e se estendem por anos a fio. A honra do
sertanejo continua sendo mais importante do que a vida. E
embora as velhas garruchas e espingardas soca-soca tenham
sido trocadas pelos fuzis AR-15 e submetralhadoras Uzi, o
componente emocional da vingança a um parente morto
continua o mesmo desde 1848, quando os Carvalho e os Pereira
começaram a duelar em Serra Talhada (Diario de Pernambuco,
1 de agosto de 1997 IN MARQUES, 2002, p. 420-421).

Foi justamente nesse cenário de conflitos familiares, da ausência do


Estado no Sertão, das vinganças, do clientelismo, do mandonismo local e dos
grandes proprietários de terra, onde a figura dos cangaceiros e principalmente
de Lampião tiveram destaque durante as décadas de 1920 e 1930. Em uma
região em que “o culto da honra e a vingança pelo insulto faziam parte integral
do código dos sertões” (CHANDLER, 1980, p. 40).

O início do cangaço profissional de Virgulino Ferreira da Silva ocorreu


depois da morte do seu pai, pois o cangaceiro tinha como objetivo vingá-lo. Após
a saída de Sinhô Pereira do movimento do cangaço, Lampião assumiu a chefia,
com o seu próprio bando e com os remanescentes do grupo anterior, se
tornando, então, o principal cangaceiro dos sertões nordestinos. Entretanto,
“embora Lampião atribuísse à vingança o motivo que o levou a entrar no
cangaço, ele já vivia no banditismo havia pelo menos dois anos quando seu pai
foi morto” (NARBER, 2003, p. 129).

Nessa perspectiva, as ações de Lampião ocorreram pelas discussões


frequentes com a família Saturnino, vizinhos da família Ferreira em Águas Belas.
A inimizade entre os Saturnino e os Ferreira se estabeleceu em 1916, após um
dos moradores do terreno dos Saturnino invadir a propriedade da família de
Lampião e roubar seu gado. Com as desavenças e o culto à honra e vingança
existente no sertão, os homens da família Ferreira passaram a andar armados
pelas cidades sertanejas, começando a partir de então a angariar fama de
cangaceiros (CHANDLER, 1980, p. 41-43).

Com esses múltiplos conflitos vivenciados pela família Ferreira e com a


aliança dos Saturnino com os Nogueira – família de poder e prestígio na região
–, os parentes de Lampião começaram a vivenciar processos de mudanças
quanto à moradia e à condição financeira. Com isso, após a morte do patriarca
41
da família Ferreira, Lampião e dois de seus irmãos entraram para o cangaço com
intuito de vingar a morte do pai, que havia enfrentado violências da família
Saturnino, na temporada em Nazaré e posteriormente em Alagoas (CHANDLER,
1980, p. 40-44).

Em 1922, Lampião tornou-se chefe de um dos maiores bandos de


cangaceiros nos sertões, “sempre se proclamando como membro do banditismo
de honra e de vindita” (JASMIN, 2016, p. 27). Nesse contexto, Lampião se
diferenciava dos antecessores, pois se reconheceu como pertencente à
sociedade tradicional e se colocou dentro do cangaço como uma profissão, como
um meio de vida, mas a maior diferença de Lampião para os que o precederam
se dá pela preocupação com a construção de sua imagem e em como difundi-
la.

Dessa forma, “Lampião foi o primeiro cangaceiro [...] a cuidar de sua


personagem” (JASMIN, 2016, p. 28). E, nessa perspectiva, a construção da
imagem de Lampião ocorreu pela aproximação com os grupos minoritários no
Sertão e pela oposição de determinados intelectuais no tocante às camadas
dominantes (QUEIROZ, 1997, p. 67), bem como pelo tratamento às figuras de
poder das regiões onde passava, pois agradar essa parte da população era uma
estratégia para manter suas alianças.

2.3 Estratégias de sobrevivência, os coiteiros e as tropas volantes

Para que os cangaceiros sobrevivessem no Sertão, às atividades das


forças públicas policiais, à resistência dos povoados e dos fazendeiros, entre
outros aspectos, era necessário adotar medidas estratégicas, como, por
exemplo, estratégias militares, de escolher os locais de conflitos, as vigilâncias
e as trocas de informações. Os coiteiros, fossem esses voluntários ou não, eram
fulcrais para que o fenômeno do cangaço se perpetuasse por mais de 40 anos
no Nordeste, principalmente nos momentos de estabilidade do movimento no
período lampiônico.

42
O relato do cangaceiro Antônio dos Santos, de codinome Volta Seca31, às
autoridades enquanto esteve preso na Bahia, evidenciou a importância dos
coiteiros para a extensão do cangaço: “Lampião, sem os coiteiros, é metade”
(MELLO, 2018, p. 212). As relações dos coiteiros com os cangaceiros eram
muitas vezes construídas através do medo, do dinheiro, da pressão ou até
mesmo da simpatia pelo fenômeno do cangaço e pela figura de Lampião. Nesse
contexto, as alianças com os poderosos locais eram fundamentais, pois esses
detinham a política como legitimação de seu poder, enquanto os cangaceiros
utilizavam as armas e seus homens para expandir seu poder. Como os
cangaceiros eram nômades, precisavam estabelecer múltiplas relações no
decorrer de suas trajetórias para alcançarem seus objetivos. Portanto, as
relações de troca com os coiteiros e principalmente com os coronéis estavam
“solidamente enraizadas na proteção e na lealdade, a sociedade rural repousava
na troca de favores, de homem para homem. O coronel oferecia proteção e
exigia irrestrita adesão” (JANOTTI, 1992, p. 57).

No início do período colonial o sistema latifundiário dos fazendeiros e


futuros coronéis estava no apogeu. Assim, o “direito do couto” surgiu nesse
período como uma forma de delegar a esses latifundiários determinada
autoridade, concedida pelo Rei português. Esse direito concedeu poder aos
fazendeiros para controlar as suas posses, administrando e fornecendo abrigo a
qualquer pessoa de interesse do proprietário da terra. O termo “coiteiro” aqui
abordado vem dessa perspectiva, da referência ao “direito do couto”
(SINGLEMANN, 1975, p. 65).

A autoridade expressa pelo “direito do couto” e por meio dos coiteiros,


perdurou até a Revolução de 1930, e era uma peculiaridade no Semiárido
nordestino. A concentração de riquezas nas mãos dos grandes proprietários e
os títulos distribuídos entre os mesmos reforçava os domínios desses coronéis
nas regiões sob seu controle. A justiça e o poder, nesse contexto particular, eram
estabelecidos através dos latifundiários e eram definidos por “quem tinha os mais

31O cangaceiro nasceu em Saco Torto, um povoado de Itabaiana, no Estado de Sergipe, iniciou
no cangaço ainda menino, com cerca de 11 ou 12 anos, por questões econômicas e até mesmo
em razão de vingança, não sendo certo afirmar o motivo. “Volta Seca desempenha vários papéis
importantes, distinguindo-se dos outros componentes do bando”, sendo muitas vezes
considerado o braço direito de Lampião (MENEZES, 2018, p. 36).
43
eficazes pistoleiros” (NARBER, 2003, p. 35). Além disso, os latifundiários
exerciam o papel de controladores dos subordinados, da região e também das
urnas, com o “voto de cabresto”32. Dessa forma, a autoridade desses
proprietários de terra era exercida nesses territórios, permanecendo até a
Revolução de 1930, quando se deu uma grande limitação dos poderes dos
coronéis.

Entretanto, mesmo antes da Revolução de 1930, algumas medidas


começaram a ser tomadas pelo Estado, por meio dos governos locais que
iniciaram as amplas campanhas “anti-banditismo” no Sertão. Da mesma forma
que o cangaço se tornou uma alternativa contra os fatores estruturais e
conjunturais como expostos, as tropas volantes também surgiram como uma
nova possibilidade, dentro da legalidade, para ter uma expectativa de
sobrevivência e até mesmo de ascensão social como também dos propósitos de
vinganças pessoais, uma vez que os mesmos ingressavam, muitas vezes,
voluntariamente nas forças públicas, como nos casos dos nazarenos33
(ALBUQUERQUE, 2016, p. 90).

Em uma sociedade marcada pela violência, as tropas volantes pouco se


diferenciavam dos cangaceiros nas suas ações, por possuírem as mesmas
origens, habitantes da região, pelos modos de se vestirem. Por outro lado,
estavam protegidos pela legalidade do Estado, que tinha por objetivo o fim do
banditismo rural e principalmente do cangaço. As buscas das volantes por
informações muitas vezes “significavam a destruição quase total das casas e de
seus conteúdos, além de maus tratos aos seus habitantes” (CHANDLER, 1980,
p. 47). Entretanto, é válido ressaltar que, para se manter por tanto tempo, o
fenômeno do cangaço constantemente contava com o apoio das forças policiais,
que “em certas ocasiões, podiam ser subornadas” (CHANDLER, 1980, p. 55).

32 O voto de Cabresto era bastante comum durante a Primeira República do Brasil, quando surgiu
a “política dos governadores” onde os coronéis se aproveitavam desse tipo de voto para garantir
as eleições por meio da relação de troca de favores entre os políticos e os coronéis, uma vez
que era aberto e, de certa forma, possibilitava que os chefes políticos fraudassem as eleições.
Ver: QUEIROZ, 1976, p. 182.
33 Os nazarenos eram cidadãos do povoado de Nazaré, na Comarca de Floresta, local próximo

à fazenda da família Ferreira, parentes de Lampião. Posteriormente, o espaço, que era “um
ambiente de pessoas pacíficas” foi transformado, segundo relatos da população, em um espaço
de rixas com a família Ferreira, transformando-se, assim, em um local de resistência contra as
ações dos bandos de cangaceiros. A esse respeito ver: ALBUQUERQUE, 2016, p. 73-74.
44
Mesmo entre a polícia que perseguia Lampião, havia pouco
entusiasmo para a tarefa. O treinamento era inadequado, e
rancho e o soldo, escassos e irregulares. [...] Tanto os soldados
como os oficiais eram, muitas vezes, venais, e era
frequentemente, a principal fonte de abastecimento de munições
de Lampião (1980, p. 64).

Além da existência de trocas entre cangaceiros e tropas volantes, os


fazendeiros, que geralmente eram os chefes políticos locais, continuavam
estabelecendo acordos com os cangaceiros, o que beneficiava a ambos, visto
que os cangaceiros mantinham alianças e os coronéis protegiam seus territórios,
existindo, assim, trocas de favores entre esses. Por outro lado, os chefes
políticos locais tinham grande influência sobre as autoridades governamentais e
sobre as forças policiais, sendo isso suficiente para vetar as ações das tropas
volantes contra os cangaceiros, estabelecendo, nesse contexto, relações de
poder, uma vez que o Sertão, durante o período, continuava em estado de
abandono pela administração estadual.

As relações vivenciadas entre as autoridades locais, os habitantes e os


cangaceiros, durante o apogeu das campanhas “anti-banditismo”, muitas vezes,
eram marcadas por uma espécie de “cooperação” em razão das represálias em
caso de negarem os “favores” solicitados por Lampião. Nesse sentido, a
sociedade também receava a polícia tanto quanto o cangaço, pois “muita gente
sofreu nas mãos das ‘volantes’ [...]. Mas, apesar de tudo, Lampião era uma
ameaça mais real e mais persistente do que as autoridades” (CHANDLER, 1980,
p. 66).

As tropas volantes e os cangaceiros se assemelhavam também na


questão das

(...) “façanhas e crueldades [...]. Levados pelo ódio, os


componentes das volantes agiam com os simpatizantes dos
cangaceiros da mesma forma pela qual estes haviam se
comportado com seus inimigos. Em certas zonas do Sertão,
quedavam os habitantes indefesos, premidos entre duas forças
contrárias: os bandos de cangaceiros de um lado, os bandos das
volantes de outros, cada qual buscando refinar suas
perversidades a fim de alcançar a dominação local efetiva,
através do terror (QUEIROZ, 1997, p. 36-7).
45
A população estava à mercê dessas duas facções, uma vez que a maioria não
podia escapar das práticas das volantes e dos cangaceiros, e acabava por ter
que se adaptar e manobrar essas duas frentes ou até mesmo declarar apoio a
alguma, escolhendo um lado possibilitando de alguma forma sobreviver ao
cenário de disputas sociais, econômicas e políticas.

Dessa forma, os coiteiros ou os suspeitos de fornecerem ajuda aos


bandos de cangaceiros eram os mais acossados pelas mãos das forças públicas,
uma vez que toda e qualquer informação era um direcionamento para o combate
ao banditismo, assim como as contendas vivenciadas pelas volantes e pelos
cangaceiros. Esses conflitos possibilitavam que a polícia pudesse a identificar a
localização dos cangaceiros, os coiteiros nas redondezas, criando novos
embates e novas estratégias de combate contra os bandidos.

Portanto, as alianças estabelecidas pelos cangaceiros eram fundamentais


para que eles tivessem êxito nos objetivos, como também eram auxílio quando
eram feridos em confrontos com a polícia e precisavam de cuidados. A exemplo
disso, há um registro do Major Theophanes Ferraz Torres34 acerca de um tiroteio
entre as tropas volantes e os cangaceiros, nas proximidades da Serra do Umã,
informando sobre os bandoleiros seguindo em direção à Serra “conduzindo 5
bandidos feridos”35, buscando ajuda dos habitantes naquele território em face do
ocorrido. Assim, a partir desse Boletim Diário da Polícia Militar de Pernambuco,
observamos a existência de uma aliança entre os cangaceiros, os indígenas e
os quilombolas na Serra do Umã, o que será discutido com maior profundidade
no próximo capítulo.

34 Theophanes Ferraz Torres foi um oficial da Polícia Militar de Pernambuco que nasceu na
cidade de Floresta, o mesmo teve uma longa carreira nos ofícios policiais, sendo considerado
um maiores perseguidores dos grupos de cangaceiros no Estado de Pernambuco.
35 Boletim Diário de nº 252, 19 de nov. de 1926, p. 5, Caixa S/N. Arquivo do 2º Batalhão da Polícia

Militar de Pernambuco (ALBUQUERQUE, 2016, p. 71).


46
CAPÍTULO TRÊS: A CONSTRUÇÃO DAS RELAÇÕES SOCIOCULTURAIS
ENTRE INDÍGENAS E CANGACEIROS NO SERTÃO DE PERNAMBUCO

Durante quase duas décadas, Lampião enfrentou as forças volantes dos


estados do Nordeste. Conseguindo mostrar, nesse período, uma habilidade em
“tirar proveito do meio geográfico, social e cultural em que vivia” (SOUSA, 1994,
p. 15), utilizando as ferramentas econômicas e socioculturais em favor de sua
sobrevivência e de seu bando. Foi em meio a um povo desprotegido das
autoridades locais e pelo Estado que Lampião conseguiu alcançar pontos de
apoio e de abrigo, como também constituiu, dentro desses espaços, uma ampla
“rede de informações, de coiteiros, de amigos e simpatizantes” (SOUSA, 1994,
pp. 15). Dessa forma, os cangaceiros constituíram teias de interações, com os
povos indígenas, com a população em geral e com os demais grupos sociais na
região.

É bem provável que Lampião considerasse seu relacionamento


com o povo do sertão bastante satisfatório. Essa relação
certamente contribuiu, em grande parte, para sua sobrevivência
como bandido durante tantos anos (CHANDLER, 1980, p. 229).

A rede de apoio fornecida pelos coiteiros era de suma importância para os


cangaceiros, sendo possível não somente descansar, como também prover a
alimentação do bando, obter dinheiro, munições e informações sobre as tropas
volantes. Para a polícia existia duas classes de coiteiros dos cangaceiros, sendo
que a primeira era composta por “grandes fazendeiros, negociantes e chefes
políticos abastados e alguns oficiais da polícia” (VIEIRA, 2012, p. 36), e a
segunda formada por pessoas menos abastadas, por vaqueiros, pequenos
fazendeiros, por pessoas que não eram influentes no sistema político e
econômico na região (VIEIRA, 2012, p. 26; CHANDLER, 1980, p. 220).

Nessa perspectiva, para Lampião, as pessoas que o apoiavam eram a


afirmação da sua ampla teia de trocas, benefícios e relações. O “rei dos
cangaceiros” afirmou em uma entrevista ao Jornal O Ceará que contava “por
toda parte com bons amigos, que me facilitam tudo e me consideram

47
eficazmente quando me acho muito perseguido pelos governos” (O Ceará, 17 de
março de 1926 IN DUTRA, 2011, p. 88). Deste modo, Lampião tentava construir
e estabelecer as relações com a sociedade e com os demais grupos sociais,
ainda mais quando as campanhas contra o cangaço alcançaram uma maior
proporção nos estados nordestinos durante o século XX. Durante essas
campanhas, entendiam que “um indivíduo podia passar a ser conhecido como
coiteiro apenas por ter dado uma caneca de água a um cangaceiro” (AMAURY;
FERREIRA, 1997, p. 18).

Dessarte, durante a década de 1920 foi notável o crescimento do


banditismo rural e do cangaceirismo na região Semiárida nordestina, ampliando
as diversas redes de relações entre os habitantes daquele espaço. A partir disso,
pôde-se observar o surgimento das interações entre o povo indígena Atikum e
os cangaceiros do período lampiônico, ou seja, os indígenas da Serra do Umã,
como coiteiros voluntários dos bandoleiros do grupo do “rei do cangaço”,
forneceram abrigo, alimentação e proteção para eles. Dessa forma, os indígenas
e parte da sociedade já haviam absorvido a figura de Lampião de tal maneira
que passaram a construir laços de proximidade.

3.1 Nos recortes de jornais: os embates entre as forças volantes e os


cangaceiros na Serra do Umã

Com o crescimento do banditismo rural, houve um aumento nas


campanhas de combate durante a década de 1920. Em 1927, ano marcado por
diversas investidas das tropas volantes contra o cangaço, foi publicada no Jornal
A Província, uma matéria, baseada em um Boletim Diário, onde o Major
Theophanes Ferraz Torres emitiu um comunicado a respeito de um tiroteio entre
as forças volantes do Tenente Arlindo Rocha e os cangaceiros do bando de
Lampião nas imediações da Serra do Umã, o qual resultou na morte de dois
bandoleiros, Hortencio e Manoel Valle, ou “Craúna” e “Lavadeira”
respectivamente36, tanto este Boletim Diário do Major Theophanes Torres de

36 A campanha contra os bandoleiros. Jornal A Província. Pernambuco, 2 de set. de 1927. nº


203. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=128066_02&pesq=%22serra%20uman
48
1927 como o já supracitado de 19 de novembro de 1926 evidenciaram a
proximidade do grupo de Lampião com o território dos indígenas Atikum: a Serra
do Umã.

Os assíduos contatos entre indígenas e cangaceiros se deu também por


condições objetivas, como as perseguições das tropas volantes. Devido ao coito
fornecido pela comunidade indígena Atikum, o espaço na Serra do Umã foi palco
de diversos conflitos em face das campanhas das tropas volantes nos combates
ao cangaceirismo, principalmente ao bando de Lampião. Com a posse de
Estácio Coimbra como Governador do Estado de Pernambuco e com o comando
do Chefe de Polícia, Eurico de Souza Leão, algumas diretrizes foram
estabelecidas, como por exemplo a “Lei do Diabo”, tendo por objetivo “dar cabo
de Lampião” de qualquer maneira (FILHO, 2003, p. 205).

Após a promulgação da Lei, as campanhas “anti-cangaço” se


intensificaram ainda mais, consequentemente, para enfraquecer o “rei do
cangaço”, sendo necessário minar o apoio recebidos pelos cangaceiros por parte
da sociedade. Dessa forma, houve uma ampla repressão aos coiteiros, fossem
esses voluntários ou não, por parte do Estado e, principalmente, da polícia
(CHANDLER, 1980, p. 219-220).

Apesar da euforia do governo pelos resultados propiciados pela


execução da “Lei do Diabo”, alguns problemas ficaram
evidentes. Em primeiro lugar, esta lei foi baseada na pura
ilegalidade jurídica, apesar de referendada, apoiada e executada
pelo Estado. Em consequência dessa ilegalidade, os transtornos
sofridos pela população civil foram enormes e sem possibilidade
de reparação. O fuzilamento sumário e o sepultamento
clandestino nas caatingas do sertão, reais ou de supostos
coiteiros que recusaram-se a trair Lampião e o recrutamento
compulsório de outros sertanejos nas tropas volantes, os quais
tornavam-se assim, automaticamente, inimigos de Lampião,
tudo isso, enfim, foi realizado sob o signo da ilegalidade e
hipocrisia (SOUSA, 1994, p. 108).

%22%20%22serra%20do%20uman%22&hf=memoria.bn.br&pagfis=19146. Acesso em: 3 de


nov. de 2021.

49
Evidenciando, assim, as múltiplas formas de violências implantadas pelas forças
volantes contra o banditismo no Sertão pernambucano.

Havia, naturalmente, muitos que ajudavam Lampião de boa


vontade, ou porque gostavam dele, ou porque ele pagava bem
ou pelas duas razões. Este era o grupo de quem ele mais
dependia (CHANDLER, 1980, p. 226).

A frequência das interações vivenciadas por Lampião e os Atikum, observada


através dos jornais da época, dos Boletins Diários da Polícia Militar de
Pernambuco e da bibliografia, nos possibilita a evidenciar o estabelecimento dos
indígenas como coiteiros dos cangaceiros em razão do mesmo contexto
sociocultural que esses dois grupos estavam inseridos, pois Lampião e o seu
bando muitas vezes se refugiaram na Serra do Umã contando com o apoio dos
indígenas, os chamados “caboclos da Serra” e dos demais habitantes.

A presença de Lampião na Serra dificultava ainda mais o acesso ao local,


uma vez que os cangaceiros e os habitantes daquela região se juntavam e
criavam emboscadas contra as investidas das tropas volantes (FILHO, 2003, p.
219). Em setembro de 1926, o Tenente Lemos reportou ao Chefe de Polícia um
combate na Serra do Umã no qual 5 volantes ficaram feridos nessa emboscada
ao passo que nenhum cangaceiro foi ferido. Na maior parte das vezes, os
cangaceiros definiam o local do combate (ALBUQUERQUE, 2016), expondo que
“a polícia vivia sob a constante ameaça de um inimigo invisível, presente em
todas as partes, mas sem pertencer a lugar nenhum” (MARQUES, 1999, p. 138).

Nesse contexto, após o confronto em de novembro de 1926, os


cangaceiros rumaram em direção à Serra do Umã em consequência de cinco
bandoleiros feridos, em busca de abrigo e de um local que pudesse abrigar os
feridos e onde conseguisse permanecer distante das forças policiais. Nesse
sentido, faz-se necessário destacar a definição acerca das relações entre os
coiteiros e os cangaceiros:

Eram os coiteiros que formavam uma fina malha de informações


sobre os paradeiros de seus pretensos algozes. Também
50
desempenhavam o papel de fornecedores de mantimentos,
munição e dinheiro. Eram eles, os elos de ligação entre o
comércio formal e o grupo de cangaceiros, adquirindo provisões
para longas temporadas e munição necessária para os
combates e assaltos, escorregando-se pelos caminhos estreitos
da caatinga em direção às cidades ou às fazendas, para os
esconderijos previamente combinados (MONTEIRO, 2004, p.
70).

Dessa forma, foi em meio a um sistema político sem projetos seguros e de


garantias para grande parcela da população que habitava o Sertão que essas
relações se tornaram importantes, não somente para os cangaceiros como
também não somente para os indígenas, visto que elas eram construídas por
uma via de mão dupla. Uma das características das constituições do coito era a
relação de troca. Os indivíduos envolvidos na relação de coito precisavam de
favores, como também forneciam favores (CHANDLER, 1980).

3.2 O bandoleiro “Serra Uman”: os contatos entre os cangaceiros e os


indígenas Atikum

Nessa perspectiva, a construção das relações entre os indígenas Atikum


e os cangaceiros ocorreram também por meio das invasões dos criadores de
gado no pé da Serra do Umã. Os povos indígenas enfrentaram esse problema
desde os seus primeiros momentos de estabelecimento na Serra, e essas
invasões continuaram durante o período lampiônico. Na década de 1920 era
bastante comum que os cangaceiros abatessem os gados de fazendas na
região, ainda mais quando os donos invadiam ou criavam problemas com os
seus coiteiros, amigos e aliados (ALBUQUERQUE, 2016, p. 144). Os ataques às
fazendas eram frequentes, principalmente quando Lampião não tinha os pedidos
acolhidos por aqueles a quem pedia ajuda, como também por motivo de
vingança.

Quando após a chacina de Favella em Floresta, Lampeão


fingindo-se subir para atravessar neste Município [Belém de
Cabrobó], voltou na direcção do norte passando em Conceição

51
e indo abater gados no Olho D’água no pé da Serra do Uman,
Município de Floresta37.

Pesquisando no Jornal A Província, durante a década de 1920, foi


observado uma maior interação entre esses dois grupos, uma vez que os
cangaceiros estavam abatendo os gados criados no pé da Serra, invadindo o
território indígena. Assim, inferimos que as relações entre os Atikum e os
cangaceiros também foram sendo construídas através dessas características.

Com a construção dos laços de proximidade e posteriormente com o


estabelecimento dessas interações, os indígenas Atikum e os cangaceiros se
relacionaram como aliados no sistema em que estavam inseridos. O caso do
cangaceiro Domingos dos Anjos Oliveira38, com codinome Serra Uman ou Mão
Foveira quando fazia parte do bando de Lampião, possibilita compreender a
construção e das dinâmicas das relações entre indígenas e cangaceiros.

O cangaceiro Serra Uman, assim como o pai, Raymundo dos Anjos, e o


irmão, Rufino dos Anjos, eram “caboclos da Serra”, como eram chamados os
indígenas habitantes na Serra do Umã nesse período, antes dos processos de
mobilização dos Atikum em 1940. Domingos dos Anjos Oliveira iniciou suas
atividades no cangaço em 1924, aproximadamente, após um conflito com a
família dos “Marcolinos”, depois de um dos membros daquela família ter
seduzido a sua irmã. Os “Marcolinos” eram moradores na Fazenda “Molumgu”,
localizada embaixo da Serra do Umã. Um membro da citada família,

(...) recusando-se o seductor casar, Domingos como todo


sertanejo cheio de rancorosos preconceitos compreendeu que
José Marcolino, o autor da infelicidade de sua irmã, não devia
mais viver, e assassinou o numa volta do caminho da
propriedade “Molumgu”, refugiando-se em um dos muitos

37 Pela Política. Jornal A Província. Pernambuco, 2 de jun. de 1928. nº 128. Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=128066_02&Pesq=Serra%20Uman&pag
fis=20988. Acesso em: 27 de out. de 2021.
38São encontradas nos jornais menções ao cangaceiro Domingos dos Anjos Oliveira das
seguintes formas: Serra Uman, Mão Foveira, Serra do Mar e Serra do Man, esse último
possivelmente um equívoco de digitação por parte dos editores.
52
esconderijos da serra. Passou-se algum tempo [...] quando
“Serra Uman” se apresenta candidato às hostes de “Lampeão”39.

O bandoleiro foi preso pouco tempo depois de entrar no bando de


Lampião, pois adoeceu dois meses depois de ingressar no cangaço e foi
capturado em uma das operações das tropas volantes que estava sob comando
do Major Theophanes Torres e do Tenente Arlindo Rocha40. Também foram
presos o pai, o irmão e João Sipaúba41. De acordo com o Jornal A Província, o
cangaceiro

Serra Uman é um dos mais ferozes comparsas do terrível chefe


de cangaceiros, tendo tomado parte ultimamente no assalto a
Mossoró onde os bandidos foram rechaçados. Segundo
declarações feitas pelo bandoleiro, o grupo [...] encontra-se em
situação precária42.

Esse tipo de definição sobre Domingos dos Anjos é encontrado em diversos


periódicos. Os relatos acerca da postura adotada pelo cangaceiro na casa de
Detenção do Recife informavam que o Serra Uman era um homem calado e que
fazia as suas funções43.

39 Gente Criminosa. Pequeno Jornal: Jornal Pequeno, Recife, 8 de jan. de 1929. Disponível
em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=800643&pesq=%22serra%20uman%2
2%20%22canga%C3%A7o%22&pagfis=44875>. Acesso em: 12 de maio de 2021.
40 Os bandidos de “Lampeão” estão transformados em verdadeiros veados. Gazeta de Notícias.

Rio de Janeiro, 13 de agosto de 1927. nº 192. Disponível em:


http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=103730_05&pesq=%22Serra%20Uman
%22&pasta=ano%20192&hf=memoria.bn.br&pagfis=23253. Acesso em: 2 de nov. de 2021.
41 As menções a esse cangaceiro estão em em documentos com outras formas de escrita, como
por exemplo Livino Sipahuba ou João Cipauba.
42 A perseguição ao banditismo. A Província. Pernambuco, 22 de julho de 1927. nº 167.

Disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=128066_02&pasta=ano%20192&pesq=&
pagfis=18858. Acesso em: 07 de nov. de 2021.
43 Ver em: Gente Criminosa. Pequeno Jornal: Jornal Pequeno, Recife, 8 de jan. de 1929.
Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=800643&pesq=%22serra%20uman%2
2%20%22canga%C3%A7o%22&pagfis=44875>. Acesso em: 12 de maio de 2021. E em:
Interessantes declarações de um companheiro do capitão legalista Virgolino Lampeão. Diário
Carioca. Rio de Janeiro, 14 de fev. de 1929. nº 181. Disponível em:
53
Entretanto, foi dentro desse contexto de conflitos familiares, algo
frequente na região sertaneja, que o cangaceiro Serra Uman começou a
participar dos assaltos realizados pelo bando de Lampião. Ainda assim, apesar
da rápida passagem, o citado cangaceiro ampliou os laços que estavam sendo
construídos e estabelecidos entre os cangaceiros e os indígenas Atikum, o que
acabou por elevar aquela população a ser considerada um dos maiores coitos
de cangaceiros de Pernambuco (GUEIROS, 1956), por parte da sociedade e
para as tropas volantes.

3.3 Confrontos na Serra do Umã, perseguições aos cangaceiros e o declínio


do cangaço de Lampião

Na década de 1920, as perseguições aos indígenas na Serra do Umã


foram intensificadas ainda mais, não somente pela polícia, como também por
parte da sociedade local que não compactuava com o cangaço, principalmente
os fazendeiros que viviam ao pé da serra. Em 1925 constam os primeiros relatos
acerca das fugas dos cangaceiros para aquela região. Levando em consideração
que Lampião se tornou chefe em 1922 e que o cangaceiro Serra Uman ingressou
no bando em 1924, é possível observar que mesmo que o “rei do cangaço” fosse
conhecedor daquele território, era preciso um certo tipo laço de proximidade para
que ele conseguisse a simpatia e o apoio dos povos indígenas na Serra.

O confronto entre as tropas volantes e os cangaceiros em 1925 ocorreu


em setembro, mas somente foi noticiado no Boletim Geral da Polícia Militar de
Pernambuco, dias depois. Neste, o capitão José Caetano relatou que o

Tenente Alipio no dia 19 cercou logar São Gonçalo deste


município [Floresta] a casa de Antonio Precipicio encontrando
um bandido do grupo de Lampeão que repeliu a Força a tiros
havendo forte tiroteio resultando a morte mesmo bandido que
chamava-se Antonio Alves Silva consta haver sahindo 3

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=093092_01&hf=memoria.bn.br&pagfis=2
080. Acesso em: 4 de nov. de 2021.

54
soldados feridos a Força seguio em perseguição grupo que
tomou direcção Serra Uman (FILHO, 2003, p. 450).

A partir desse Boletim, percebemos que as relações entre os indígenas e


cangaceiros já vinha sendo construída, uma vez que últimos se deslocaram para
a Serra do Umã em busca de abrigo, para se recuperarem diante de um próximo
ataque e para as suas jornadas.

Além de outros confrontos supracitados, nos quais a Serra do Umã foi o


palco, no indício de abril de 1927, houve uma contenda entre os cangaceiros e
as forças volantes na Serra do Umã, quando dois bandoleiros faleceram, dando
visibilidade ao combate ao banditismo divulgado pelo Chefe de Polícia do
Estado:

Esses dois cangaceiros, ao atravessarem, em companhia de


outros, a Serra dos Umans, nas proximidades do município de
Floresta, foram perseguidos pelas nossas forças, travando-se
demorado tiroteio. Ante da violência do ataque que lhes infligiu
a polícia, os cangaceiros debandaram deixando mortos no
campo da luta dois temíveis elementos (FILHO, 2003, p. 192).

Pouco tempo depois, em meados de abril de 1927, o Diario de Pernambuco


reportou um outro combate na referida Serra, no qual os cangaceiros estavam
se ocultando e buscando proteção contra as ações das volantes,

Communico a V. excia. que o bravo cabo Manoel Neto, acaba


de chegar a esta cidade de regresso de um diligencia efectuada
no logar Serra Uman, onde tiroteiou por trez vezes com bandidos
dispersos que ali se ocultavam (FILHO, 2003, p. 193).

Nessa perspectiva, podemos observar uma solidez nas relações entre os Atikum
e os cangaceiros do bando de Lampião, pelos inúmeros embates ocorridos
naquele território. Os bandoleiros ainda tinham certa segurança ao se abrigarem
em algum dos muitos esconderijos na Serra do Umã e contarem com a apoio
dos Atikum

55
Mesmo que o foco da pesquisa se atenha ao bando de Lampião,
observamos outros cangaceiros de outros grupos aproveitando-se das relações
e começaram a prestar serviços nas empreitadas (FILHO, 2003, p. 193-194). A
polícia, por sua vez, começou a adentrar cada vez mais na Serra do Umã,
buscando alternativas para que as emboscadas elaboradas pelos cangaceiros e
indígenas não fossem o flagelo das tropas, pois era um espaço onde vários
oficiais das volantes já haviam sido feridos ou mortos.

A região durante boa parte do período lampiônico foi um


verdadeiro abatedouro de policiais. Na Serra d’Uman, durante
muito tempo, tropas experientes encontraram o seu flagelo e, só
após muitos anos de refrega, o local deixou de ser um ponto de
apoio seguro para os cangaceiros (ALBUQUERQUE, 2016, p.
71).

Para que a Serra do Umã deixasse de ser um coito para os cangaceiros,


foram necessárias múltiplas intervenções naquele espaço. Após o ferimento do
Major Theophanes Torres, somente algum tempo depois o Sargento Manoel
Neto iniciou as investidas contra aquela região.

Para realizar o assalto a serra, Manoel Neto deixou anoitecer.


Tomou chegada, deixando a força na entrada da serra. No
silêncio da noite, com 9 soldados, subiu a referida serra batendo
nas portas e chamando pelos donos das casas, dizendo que era
gente amiga. Abriam as portas. Ali mesmo, davam voz de prisão,
pegando-os e amarrando-os (FILHO, 2003, p. 219).

Com essa ação da tropa comandada por Manoel Neto, diversas pessoas foram
presas e acusadas de forma generalista. Para a força volante pouco importava
se aquele indivíduo tinha ajudado Lampião ou não, fosse de forma voluntária ou
forçada. Cada morador na Serra do Umã era considerado um coiteiro em
potencial. Para o Estado e a força pública, a ação foi positiva, visto que

O resultado é que, quando amanheceu o dia, estava todo mundo


nas cordas e a famosa Serra quase limpa, sem cangaceiros e o
56
Sargento Manoel Neto de parabéns por ter quebrado o tabu de
uma fortaleza de tanta bravura (FILHO, 2003, p. 219).

Após essas múltiplas contendas entre as forças volantes e os cangaceiros e o


amplo combate ao banditismo rural, os coitos nos quais os bandoleiros estavam
acostumados a se abrigar, não estavam mais tão seguros como antes. Dessa
forma, eram precisas novas estratégias de resistência e táticas de sobrevivência
em meio a uma região fomentada pela dicotomia entre a simpatia e o medo.

Com as ações para minar os coitos dos cangaceiros, as tropas volantes,


de certa forma, começaram a se aproximar cada vez mais das direções do bando
de Lampião. Em 1926, o cangaço estava no apogeu, mas logo depois do ataque
à cidade de Mossoró, em 1927, os bandoleiros ficaram dispersos, sendo
considerada uma das maiores derrotas do cangaceiro (ALBUQUERQUE, 2016,
p. 150). Nesse período, o “rei do cangaço” passava mais tempo em surdina do
que realizando ataques, buscando recuperar o seu bando e as suas atividades,
visto que havia tornado o cangaço em um meio de vida.

Somente no início da década de 1930 foi que Lampião conseguiu


reestabelecer parte de sua força, mas, ao mesmo tempo, teve um outro “inimigo”:
o progresso tecnológico e junto com ele as construções de estradas, o
surgimento de novas armas de fogo, as estações de rádios, entre outros. Assim,
“sempre mais e mais progresso irá empurrar o bandido para fora do sertão de
economia ativa, isolando-o nos grotões” (MELLO, 1985, p. 298). Foi nesse
contexto que Lampião passou a se alojar cada vez mais em áreas remotas.

O progresso tecnológico foi o responsável pelo declínio do cangaço:

Afinal de contas, estradas, telégrafo, melhores condições de


comunicação e crescimento das vilas trariam, com certeza, mais
soldados e proteção às pequenas povoações do interior. O seu
tempo, como notava, passaria quando o sertão estivesse em
melhores condições. No início da década de 1930, o caminhão
passaria a ser mais usado como meio de transporte das tropas,
constituindo uma poderosa vantagem para os inimigos do
bandoleiro (ASSUNÇÃO, 2007, p. 19).

57
Assim, com o avanço tecnológico no ambiente sertanejo, o grupo de Lampião
quase não conseguia mais praticar os saques e grandes ações, tornando-se
cada vez mais sedentários e se acomodando por mais tempos em seus
esconderijos (ALBUQUERQUE, 2016, p. 157).

Portanto, foi dentro dessas circunstâncias de perseguições, de múltiplos


embates e dos avanços tecnológicos que, em 1938, Lampião e parte do seu
bando foram emboscados e mortos, às margens do São Francisco, na Grota de
Angicos, em Sergipe. Em um embate de menos de 15 minutos, a volante
alagoana comandada por um tenente “que não era exemplo nem de coração
nem de honestidade, e, na verdade, era um daqueles oficiais da política
suspeitos de traficar com os cangaceiros” exterminou o “rei do cangaço” e todos
os integrantes do grupo que estavam escondidos na Grota de Angicos
(CHANDLER, 1980, p. 285).

58
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os povos indígenas nos sertões nordestinos vivenciaram múltiplas


situações históricas, políticas, sociais e econômicas, as quais produziram
transformações nas relações que esses povos estabeleceram com os seus
territórios e com outros grupos sociais que habitando aquela região. Esses povos
vivenciaram processos de territorialização, por ações de órgãos indigenistas, por
invasões de suas terras pelos criadores de gado, pelo desenvolvimento
latifundiário, mas, para além disso, também criaram diversas formas de
resistência. Essas situações possibilitaram a criação laços de proximidade com
outros grupos sociais como os cangaceiros, por exemplo.

O cangaço foi um fenômeno social que perdurou por várias décadas no


Semiárido nordestino. Para que isso fosse possível, os cangaceiros precisaram
adotar medidas estratégicas que garantissem a subsistência dos grupos de
bandoleiros. Assim, as múltiplas interações vivenciadas por eles foram de suma
importância para a sua permanência. Nesse contexto, buscamos evidenciar o
estabelecimento das relações entre o povo indígena Atikum e os cangaceiros do
bando de Lampião na Serra do Umã.

Dentro dos aspectos apresentados e analisados, consideramos que o


objetivo do estudo foi buscar compreender as relações entre os indígenas e os
cangaceiros no Sertão de Pernambuco por meio de um estudo social acerca
desses dois grupos, analisando as interações destes com o ambiente, as
construções dessas conexões, o contexto sociocultural e também econômico.
Buscou-se compreender os indígenas na região, seus processos e o fenômeno
social do cangaço, tentando responder às lacunas sobre as relações entre os
indígenas e os cangaceiros.

Nessa perspectiva, precisamos levar em consideração o espaço


sertanejo como um todo, ou seja, um ambiente rico em interações socioculturais,
compreendendo que as relações entre os indígenas e os cangaceiros foram
estabelecidas de forma intensa e a partir de interesses. A exemplo disso, tem-
se um momento em que os Atikum fizeram e ensinaram os cangaceiros a

59
fazerem a jurema44, e que estes “a bebiam em situações que envolviam violência
e bebedeiras alcóolicas” (GRÜNEWALD, 2005b, p. 118). Dessa forma,
observamos a dialética de vivência entre esses dois grupos por meio do coito
fornecido pelos Atikum aos cangaceiros na Serra do Umã.

A pesquisa teve como propósito ampliar o conhecimento sobre novas


concepções e o arcabouço teórico a respeito dos estudos socioculturais das
populações indígenas e do cangaço. Para tanto, buscamos evidenciar os laços
de proximidade, as motivações e a construção das relações entre esses dois
grupos por meio da perspectiva da História Social e Cultural, apresentando
aspectos que permitem evidenciar as relações socioculturais, principalmente as
vivenciadas pelos povos indígenas e pelos cangaceiros, bem como destes com
o espaço no Semiárido.

Apesar de existirem outros povos indígenas na região, interagindo entre


si e com parte da sociedade, a documentação pesquisada e analisada sobre a
temática das relações entre indígenas e cangaceiros, em sua maioria, fazem
menção aos Atikum, sem dar evidência às interações dos bandoleiros de
Lampião com outros povos indígenas. Assim, devido a essas lacunas
documentais acerca da construção de relações com outros povos, será
necessária uma pesquisa de maior amplitude, que aborde os sertões do
Nordeste como um todo.

É importante ressaltar que estudar as relações dos cangaceiros com


povos indígenas no Semiárido nordestino, como, por exemplo, os que habitavam
às margens do Pajeú e do Motoxó, assim como os que vivenciaram os espaços
dos sertões baiano, cearense e paraibano, é um caminho para entender algumas
informações equivocadas que foram apresentadas por determinadas correntes
historiográficas.

Por isso, no estudo realizado, buscamos apresentar documentos acerca


dos indígenas Atikum, sobre fenômeno do cangaço no período lampiônico e das
relações vivenciada por estes. Utilizamos os periódicos da época, que nos

44A designação jurema está associada a plantas, a bebidas e até mesmo a expressões religiosas
específicas. A utilização originária da jurema é atribuída aos povos indígenas no Nordeste
brasileiro. (GRUNEWALD, 2018).
60
evidenciaram o cotidiano e as concepções que a sociedade possuía sobre os
dois grupos sociais, através de uma perspectiva de análise de Michel de Certeau,
como compreender as questões cotidianas e os entendimentos da sociedade.
Além disso, realizamos uma revisão bibliográfica e uma discussão entre a
Antropologia e a História para melhor elucidação das situações e dos conteúdos
apresentados. Dessa forma, acreditamos que a pesquisa apontou as múltiplas
articulações vivenciadas entre os indígenas Atikum e cangaceiros, como estas
foram construídas e como se estabeleceram.

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