Elisangela

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ELISANGELA CASTEDO MARIA DO NASCIMENTO

SABERES INDÍGENAS E EDUCAÇÃO AMBIENTAL:


APRENDENDO COM OS TERENA DA ALDEIA LAGOINHA
NO MUNICÍPIO DE AQUIDAUANA - MATO GROSSO DO SUL

UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO


Campo Grande – MS, 2021
ELISANGELA CASTEDO MARIA DO NASCIMENTO

SABERES INDÍGENAS E EDUCAÇÃO AMBIENTAL:


APRENDENDO COM OS TERENA DA ALDEIA LAGOINHA
NO MUNICÍPIO DE AQUIDAUANA - MATO GROSSO DO SUL

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Educação – Mestrado e
Doutorado da Universidade Católica Dom
Bosco (UCDB), como parte dos requisitos para
a obtenção do grau de Doutor em Educação.

Área de Concentração: Educação

Linha de Pesquisa: Diversidade Cultural e


Educação Indígena

Orientador: Prof. Dr. Heitor Queiroz de


Medeiros

UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO


Campo Grande – MS, 2021
DEDICATÓRIA

Aos meus filhos Daniel e Cauã e esposo Glauco pelo apoio incondicional em
todos os momentos, principalmente nos de ausência, quando Cauã precisava de toda atenção.
Obrigada por entenderem as vezes que precisei me dividir e desdobrar para trilhar novos
caminhos.
Sem vocês essa conquista não valeria a pena.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente quero agradecer a Deus pela vida, saúde física e mental e pela sabedoria
para lidar com as pedras que estavam no caminho, permitindo a finalização dessa etapa da
minha vida de forma tranquila e segura.
À minha sogra/mãe Ailza, que cuidou de tudo enquanto eu estive dedicada aos estudos.
Aos meus pais e irmãs, que sempre torceram pelo meu sucesso. Ao meu esposo Glauco, que se
dedicou ao nosso filho, mais que especial toda atenção na minha ausência.
Ao meu orientador Professor Doutor Heitor Queiroz de Medeiros, ao qual; nesses quatro
anos pude enxergar suas várias identidades, o pai amoroso, o esposo dedicado, o professor, o
poeta, eu diria que Heitor é como o vento, forte e intenso em dias de tempestade e leve e suave
em dias ensolarados, aprendi com, aprendi junto, foram muitas emoções...
À Banca Examinadora de Qualificação de Tese, que muito contribuiu para melhorar a
qualidade do trabalho final apresentado: Professora Doutora Michèle Tomoko Sato, Professora
Doutora Martha Tristão (PPGE/UFES), Professora Doutora Adir Casaro Nascimento, Professor
Doutor José Licínio Backes.
À nossa queridíssima Lú, secretária do PPGE/UCDB. Sempre sorridente e disposta a
nos atender com muita competência. Ela transforma nosso inferno em paraíso acadêmico.
Sempre serei sua “praga” (risos).
Aos professores e professoras do programa de doutorado da UDCB com os quais tive o
prazer de aprender e me “rasurar”: Adir Casaro, Cristina Paniago, Celeida Maria, Flavinês
Rebolo, Ruth Pavan e Regina Cestari; e em especial aos professores Carlos Magno, pelo
acolhimento, pelo carinho, pela sensibilidade, pelas palavras amiga, e professor José Licínio
Backs, sábio, paciente e muito humorado, mas um humor sútil feito com a expressão séria, que
poucos entendem e até confundem com braveza, admiro muito vocês.
À Letícia Luiza dos Prazeres que contribuiu demais com essa tese, transcrevendo as
entrevistas e concretizando minhas ideias de figuras, uma grande parceira e amiga.
Às minhas colegas de Doutorado, pelas reuniões, amizade e contribuições, cada qual
com sua experiência de vida e cultura, que muito me acrescentou.
Às minhas amigas e incentivadoras Adriana Oliveira, Fátima Cristina D. F. Cunha,
Maria Helena da S. Andrade.
À minha querida e sempre professora, Ângela Maria Zanon, que me ensinou, orientou
e caminhou comigo da iniciação científica até o mestrado, meu exemplo de professora, de
profissional, de ética, minha diva, está comigo sempre que preciso.
À Caciano Lima que pediu minha cedência para a Fundação de Cultura em Campo
Grande, o que facilitou meus estudos e me tirou das rotinas de viagens.
Ao meu chefe Alexandre Sogabe, sempre compreensivo, suave e incentivador, fotógrafo
que tratou as imagens dessa tese.
Às minhas amigas Sônia Delfino, que meu deu morada na aldeia, Cristiane Marques,
minha diretora amiga de longa data, a minha amiga e comadre Evelin Hekeré, todas
companheiras, conselheiras e consultoras.
Ao meu amigo Délio Delfino, sempre prestativo em traduzir e acompanhar as minhas
entrevistas.
Aos colegas professores Fernando Moreira e Analice que fizeram a revisão da escrita
Terena.
A Alcery Marques, o primeiro a me acolher e permitir minha pesquisa de mestrado na
aldeia Lagoinha, em 2009, se tornando um grande amigo.
A Airson Joaquim (in memoriam) artesão que muito contribuiu com a pesquisa, pessoa
queridíssima, vítima do covid-19. Deixou boas lembranças de nossa curta convivência.
Ao Cacique Orlando Moreira que permitiu minha pesquisa de doutorado e grande
aprendizado, e em seu nome agradeço toda a comunidade da aldeia Lagoinha que me recebeu
com muito carinho.
Ao prefeito de Aquidauana Odilon Ferraz Alves Ribeiro que me deu condições de
realizar meu doutoramento por meio de minha cedência à Fundação de Cultura de Mato Grosso
do Sul.
Ao programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica Dom Bosco.
Ao Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições Comunitárias de Ensino
Superior (PROSUC) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) pelo apoio ao conceder uma bolsa/taxa de estudos.
E a todos àqueles que, direta ou indiretamente, ajudaram na construção deste trabalho,
de coração, muito obrigada.
HOMENAGEM

Airson Gonçalves Joaquim – Artesão Terena


Vítima da Covid-19 em 2020

Seus ensinamentos aqui ficarão registrados.


NASCIMENTO, Elisangela Castedo Maria do. Saberes indígenas e educação ambiental:
aprendendo com os Terena da Aldeia Lagoinha no Município de Aquidauana - Mato
Grosso do Sul. 2020. 223 p. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Católica Dom
Bosco, Campo Grande, MS.

RESUMO

A presente tese de doutorado vincula-se à Linha de Pesquisa: Diversidade Cultural e Educação


Indígena do Programa de Pós-Graduação Mestrado e Doutorado em Educação da Universidade
Católica Dom Bosco (UCDB). O objetivo geral compreender a relação dos indígenas Terena
da aldeia Lagoinha no Município de Aquidauana – Mato Grosso do Sul, com a natureza e como
seus saberes podem contribuir com a Educação Ambiental brasileira. Para alcançar o objetivo
geral propusemos os seguintes objetivos específicos: a) Contextualizar a Educação Ambiental
na atualidade e sua relação como os saberes tradicionais dos povos indígenas; b) entender quem
são os Terena e como se dá sua relação com a Natureza a partir de sua cosmologia; c)
compreender como se dá a passagem dos conhecimentos tradicionais pelos Terena e como esses
podem contribuir para Educação Ambiental. Optamos por realizar uma pesquisa qualitativa na
busca da compreensão da relação ambiental do Terena com a natureza. A pesquisa foi ancorada
no método da História Oral que possui técnicas para registrar e interpretar histórias orais
presentes na memória individual ou coletiva passadas através das gerações oralmente. Dessa
forma, ouvimos, registramos e interpretamos as histórias contadas pelos anciões sobre a
cosmologia Terena por meio de um diário de campo. Os dados produzidos nos mostraram que
relação dos indígenas Terena com a natureza é cotidiana, está presente em todos os momentos
de suas vidas. A palavra que utilizam para se referir a natureza, mundo natural ou mãe natureza
é mêum. Faz parte da cultura aprender sobre a natureza, mas não é de forma enfática como em
nossa cultura, pois eles sabem intrinsicamente o quanto o meio ambiente é importante para a
sobrevivência de todos. Os ensinamentos são repassados de pais para filhos, no passado os pais
se reuniam com os filhos ao amanhecer e ao entardecer para contar histórias e ensinos. Hoje,
com a mudança do ritmo de vida, não tem um horário especifico, geralmente aprendem na
igreja, por meio dos cultos, nos grupos de estudo bíblico, durante as brincadeiras realizadas nos
retiros e na escola por meio de projetos. Os anciões são levados à escola para contar as histórias
e mitos, os remédios tradicionais e para que as crianças escutem a língua materna, visto que, a
maioria das crianças não falam mais o Terena. A escola tem ensinado a língua Terena, mas
entende que os pais precisam dar continuidade ao ensino em casa. Concluímos que, mesmo
estando aldeados, em um pequeno território sem rios e florestas, os saberes tradicionais
indígenas Terena da aldeia Lagoinha podem e tem muito a contribuir com a Educação
Ambiental no país.

Palavras-chave: educação ambiental; saberes tradicionais; Terena.


NASCIMENTO, Elisangela Castedo Maria do. Indigenous knowledge and environmental
education: learning from Terena da Aldeia Lagoinha in the municipality of Aquidauana
- Mato Grosso do Sul. 2021. 223 p. Thesis (Doctorate in Education) - Universidade Católica
Dom Bosco, Campo Grande, MS.

ABSTRACT

The present doctoral thesis is linked to the Research Line: Cultural Diversity and Indigenous
Education of the Postgraduate Program Master and Doctorate in Education at the Catholic
University Dom Bosco (UCDB). The general objective is to understand the relationship of
Terena indigenous people, from Lagoinha village in the municipality of Aquidauana - Mato
Grosso do Sul, with nature and how their knowledge can contribute to Brazilian Environmental
Education. In order to achieve the general objective, we proposed the following specific
objectives: a) Contextualize Environmental Education today and its relationship with the
traditional knowledge of indigenous peoples; b) Identify who the Terena are and how they relate
to Nature from their cosmology; c) Investigate how the traditional knowledge is passed down
through generations by the Terena and how they can contribute to Environmental Education.
We chose to conduct a qualitative research in order to understand Terena's environmental
relationship with nature. The research has been anchored in the Oral History method, which has
techniques for recording and interpreting oral histories present in individual or collective
memories passed down through the generations orally. In this way, we hear, record and interpret
the stories told by the elders about Terena cosmology by means of a field diary. The data
produced showed us that the relationship of the Terena indigenous people with nature is daily,
present in all moments of their lives. The word they use to refer to nature, the natural world or
mother nature is mêum. It is part of their culture to learn about nature, but it is not as
emphatically as in our culture, as they know intrinsically how important the environment is for
everyone's survival. The teachings are passed on from parents to children. In the past, parents
used to meet with their children at dawn and dusk to tell them stories and teachings. Today,
with the change in the pace of life, there is no specific schedule, they usually learn in church,
through services, in Bible study groups, during games held in retreats and at school through
projects. The elders are taken to school to tell the stories and myths, the traditional remedies
and for the children to hear the mother tongue, since most children no longer speak Terena. The
school has been teaching the Terena language, but understands that parents need to continue
teaching it at home. We conclude that, even though they are located in a small territory without
rivers and forests, the traditional Terena indigenous knowledge of the Lagoinha village can and
has a lot to contribute to Environmental Education in the country.

Keywords: environmental education; traditional knowledge; Terena.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Rio Paraguai, vista do porto de Corumbá: minha infância .................................... 14


Figura 2 - Entrevista com Antenor Augusto da Silva (artesão Terena) ................................. 22
Figura 3 - Construção tradicional Terena ............................................................................... 51
Figura 4 - Dona Nilza, seu Cirino (anciões) e o neto Miguel com seu quito (periquito) ....... 63
Figura 5 - Localização aproximada da região ocupada pela nação Txané Guaná na
América do Sul no século XVI ............................................................................. 65
Figura 6 - Possível território ocupado pela Nação Txané Guaná no século XVI................... 66
Figura 7 - Atividades Terena desenvolvidas durante o ano, nos séculos XVII a XIX
antes da guerra do Paraguai................................................................................... 75
Figura 8 - Atividades Terena desenvolvidas durante o ano no século XX ............................ 80
Figura 9 - Atividades Terena desenvolvidas durante o ano no século XXI ........................... 81
Figura 10 - Localização do Município de Aquidauana no MS ................................................ 84
Figura 11 - Localização da Terra Indígena Taunay/Ipegue ...................................................... 85
Figura 12 - Aldeia Lagoinha - áreas de mata ........................................................................... 94
Figura 13 - Koixomoneti - feiticeiro ...................................................................................... 122
Figura 14 - Árvore genealógica da família Moreira ............................................................... 129
Figura 15 - Dona Albina (anciã de 102 anos)......................................................................... 131
Figura 16 - Calendário dos ciclos anuais dos povos indígenas no rio Tiquié (amazônia) ..... 137
Figura 17 - Lagoa que dá o nome a aldeia.............................................................................. 146
Figura 18 - Crianças brincando no quintal ............................................................................. 151
Figura 19 - Casa sem porta ..................................................................................................... 152
Figura 20 - Sipúterena - a dança das mulheres ....................................................................... 156
Figura 21 - Pintura Corporal na Dança Kohixóti kipaé .......................................................... 160
Figura 22 - Pintura Corporal na Dança Kohixóti kipaé .......................................................... 160
Figura 23 - Pintura Corporal na Dança Kohixóti kipaé em 2019 ........................................... 161
Figura 24 - Flor de maracujá em pintura corporal .................................................................. 162
Figura 25 - Flor de maracujá em pintura corporal .................................................................. 163
Figura 26 - Pintura corporal para dança Sipúterena ............................................................... 164
Figura 27 - Pintura corporal (tatuagem) ................................................................................. 165
Figura 28 - Pintura no rosto de círculos concêntricos ............................................................ 166
Figura 29 - Pintura no rosto de círculos concêntricos ............................................................ 167
Figura 30 - Pintura no rosto com traços ................................................................................. 168
Figura 31 - Roupa de Juta....................................................................................................... 170
Figura 32 - Roupa de algodão cru .......................................................................................... 171
Figura 33 - Roupa de sementes .............................................................................................. 172
Figura 34 - Desenho usado na roupa ...................................................................................... 173
Figura 35 - Círculos concêntricos........................................................................................... 174
Figura 36 - Roupa de juta da pesquisadora ............................................................................ 175
Figura 37 - Acessórios ............................................................................................................ 176
Figura 38 - Configuração das posições na dança Sipúterena ................................................. 178
Figura 39 - Anciãs ensinando as crianças............................................................................... 179
Figura 40 - Seu Leopoldo me ensinando fazer abanico ......................................................... 183
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 14
2 METODOLOGIA E REFERENCIAL TEÓRICO ...................................................... 22
2.1 Estado do conhecimento.................................................................................................. 31
2.2 Fundamentação teórica ................................................................................................... 36
3 CONTEXTUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUA RELAÇÃO
COM OS SABERES TRADICIONAIS DOS POVOS INDÍGENAS ......................... 51
3.1 REBEA para sociedades sustentáveis e responsabilidade global ................................ 56
4 OS TERENA EM MATO GROSSO DO SUL E SUA RELAÇÃO COM A
NATUREZA A PARTIR DE SUA COSMOLOGIA ................................................... 63
4.1 Observações do Terena a partir da natureza - marcadores do espaço e do tempo . 100
5 A CONTRIBUIÇÃO DOS TERENA PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL ........ 131
5.1 Os mitos indígenas Terena em diálogos com a EA ..................................................... 132
5.2 A dança das mulheres e o artesanato Terena como referência para a Educação
Ambiental ....................................................................................................................... 156
5.3 A Educação Escolar Indígena como referência para a EA ....................................... 191
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 197
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 202
14

1 INTRODUÇÃO

Figura 1 - Rio Paraguai, vista do porto de Corumbá: minha infância

Fonte: Acervo particular da autora (2016).

Nasci na cidade de Corumbá em Mato Grosso do Sul, em meio a animais e rodeada de


muitas da natureza exuberante do Pantanal sul-mato-grossense. Minha infância passei morando
um pouco em Corumbá e depois em Ladário e o contato com a natureza sempre foi intenso.
Nossa casa tinha quintal grande, onde minha mãe criava galinhas. No quintal tinha muitas
árvores frutíferas como limoeiro, laranjeira, pé de cajá manga, pé de mamão, coqueiro, pé de
acerola e pé de feijão andu. Eu gostava muito de brincar em cima das árvores e os pés que mais
eu subia eram de laranja, cajá manga e mamão. Ali eu passava o tempo fantasiando a vida como
toda criança faz.
Como animais de estimação, tivemos gatos, um cachorro que chamávamos pelo nome
de Duque e morreu de velho, brincávamos com as galinhas e seus pintinhos e eu em especial
tive um pato que cuidei desde pequeno. Eu ganhei esse pato aos sete anos de idade e como ele
era minha responsabilidade eu aprendi muito sobre anatomia e fisiologia das aves com ele.
Tudo eu olhava no pato tudo eu aprendia com o pato, aprendi que tinha quatro dedos e entre
15

eles haviam membranas que serviam para nadar, aprendi que suas penas não molhavam porque
eram impermeáveis, aprendi que tinha um orifício para defecar da pior forma possível. Eu
levantei meu pato e fui olhar quando ele defecou no meu rosto. Eu simplesmente amava aquele
pato.
Quando meu pato estava grande e gordo o vizinho o roubou e comeu, e meu pai não
quis tomar satisfação para evitar brigas e porque os vizinhos eram muito pobres. Por muito
tempo eu senti falta do meu pato e isso foi um trauma na minha infância. Eu fiquei muitos anos
sem querer outro animal de estimação e só voltei a ter outro com 14 anos de idade, um gato que
se chamava Tigre. Acredito que essas vivências tenham despertado em mim um olhar especial
para a proteção da vida por meio da Educação Ambiental.
Minha mãe e meu pai, nascidos em Corumbá, gostavam de pescar, então no fim de
semana era certo irmos para beira do rio. Nós crescemos gostando de pescar e tomar banho de
rio, era uma diversão, já que eu e minha irmã disputávamos quem pescava mais lambaris, que
eram usados como isca por meu pai. No início éramos quatro, meu pai, minha mãe, minha irmã
mais velha quatro anos, e eu. Quando fiz onze anos minha mãe engravidou da minha irmã
caçula.
Meu pai tinha apenas o ensino médio e minha mãe estudou até o ensino fundamental.
Minha mãe fazia bolos de casamento e também era costureira, ajudando meu pai a
complementar a renda familiar, mas era um serviço que dizia não gostar de fazer. Papai
trabalhou por quinze anos na empresa Cimento Itaú como chefe de segurança. Ele perdeu o
emprego quando eu tinha sete anos e foi uma época muito difícil. Ficou um tempo
desempregado e depois passou por vários outros empregos até meus doze anos, quando passou
no concurso público para assistente administrativo na Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul (UFMS), na cidade de Aquidauana, onde mais tarde graduou no curso de Turismo. Meu pai
foi para Aquidauana sozinho e nos deixou em Ladário para que pudéssemos ajeitar nossa ida
futura. Fomos morar em Aquidauana quando eu tinha 13 anos. Continuamos a pescar nos fins
de semana. Meu contato com a natureza sempre foi intenso.
Em Aquidauana estudei e me formei na educação básica aos 17 anos, chegando o
momento de escolher qual curso em nível superior eu faria. Escolhi fazer Ciências com
habilitação em Biologia por dois motivos. Primeiro porque estudaria a vida a partir de um ser
celular ao ser vivo mais evoluído e segundo porque também era muito boa com os números e
gostava de matemática. Dessa forma, nos primeiros dois anos me licenciei para ser professora
de matemática e de ciências no Ensino Fundamental. Os outros dois anos me licenciei para
ministrar aulas de Biologia no Ensino Médio. Por falta de professores comecei minha vida como
16

professora no segundo ano de faculdade. Me formei em 1995, como já tinha experiência no


ensino fundamental, assumi aulas no ensino médio. Trabalhava as questões ambientais em
forma de projetos, aulas de campo e participava das Feiras de Ciências.
As experiências que adquiri pelas estradas que caminhei, contribuíram para o desejo de
continuar a busca por ruelas, passarelas, trilhas de conhecimento para construção de um mundo
mais equilibrado sócio ambientalmente.
Em 1999 iniciei a primeira especialização em Biologia/Manejo de Recursos Ambientais
e passei a me dedicar mais a Educação Ambiental (EA). Ainda nesse ano, assumi o desafio de
ministrar aulas no curso de Biologia da UFMS em Aquidauana, como contratada por um ano.
Em 2003 assumi o Concurso para professor de Ciências do Ensino Fundamental, anos
finais, da Rede Municipal em Aquidauana. Ao assumir o concurso fiquei sabendo que
trabalharia na área rural em Escolas Indígenas. O quadro docente era composto por sete
professores não indígenas e um professor indígena1 que ministrava aula de Língua Portuguesa.
As aulas ministradas pelos professores não indígenas eram nos mesmos moldes do ensino
urbano, mesmo sendo uma área rural. Recebíamos as ementas da Gerência de Educação as quais
eram aplicadas sem questionamentos.
No decorrer daquele ano, na sala dos professores discutíamos a aprendizagem dos
alunos. Os professores não indígenas com sua visão eurocêntrica, reclamavam que os alunos
indígenas eram preguiçosos, que não conseguiam aprender, desmerecendo-os e utilizando-se
de adjetivos preconceituosos. Eu também sentia dificuldades para ensinar, pois não conseguia
me comunicar com eles2, pois eu não falava e nem entendia a língua Terena e eu sentia que eles
tinham vergonha de se expressar na minha frente, mas percebia que com o professor de Língua
Portuguesa, os alunos eram participativos e tinham boas notas.
Enquanto os outros professores continuavam reclamando, eu observava a relação dos
alunos com o professor Valdir (indígena). Me aproximei dele para trocar ideias e falar das
minhas dificuldades. Aos poucos fui percebendo, com ajuda dele, uma forma diferente de
ensinar e de aprender. Em suas aulas, as crianças conversavam e socializavam uns com os
outros, entravam e saiam da sala livremente. As crianças eram alegres, ao passo que nas aulas
dos meus colegas, as crianças ficavam em silêncio, engessadas em suas carteiras.

1
O professor indígena era o querido professor Valdir da aldeia Ipegue, pertencente ao Município de Aquidauana.
Faço questão de mencionar seu nome como uma forma de homenagem por me ajudar a sair da ignorância, pois
foi ele quem me apresentou a Educação Escolar Indígena.
2
Passaram-se cinco meses para que ficassem à vontade com a minha presença e então começaram a falar e
perguntar durante as aulas e eu precisava falar devagar para que me entendessem. Naquela época todas as
crianças eram falantes da língua Terena.
17

Esses fatos e percepções fizeram-me aprofundar cada vez mais os estudos. No ano de
2004 fiz uma especialização em Gestão Escolar3, porque na ementa do curso tinha uma
disciplina de Educação no Campo. Foi a partir daí que comecei a caminhada de aprofundamento
sobre a Educação Escolar Indígena, onde conheci o Referencial Curricular Nacional para
Educação Indígena e muitas outras publicações.
Existia um Referencial Curricular Indígena que não era utilizado, a educação indígena
era considerada diferenciada, mas o ensino era urbano. Existia uma coordenação indígena na
Gerência de Educação no Município, que era inoperante. Os livros utilizados na educação
indígena eram os mesmos livros utilizados na área urbana. Nessa pequena observação
percebemos o descumprimento e o desrespeito a uma série de direitos assegurados pela
Constituição Federal de 1988 e pelas Leis que regem a educação nacional. Chamo atenção aqui
para o inciso III do segundo parágrafo do artigo 79 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) nº 9394/96 (BRASIL, 1996, s.p.)

§2º Os programas a que se refere este artigo, incluídos nos Planos Nacionais
de Educação, terão os seguintes objetivos: I – fortalecer as práticas
socioculturais e a língua materna de cada comunidade indígena; II – manter
programas de formação de pessoal especializado, destinado à educação
escolar nas comunidades indígenas; III – desenvolver currículos e programas
específicos, neles incluindo os conteúdos culturais correspondentes às
respectivas comunidades; IV – elaborar e publicar sistematicamente material
didático específico e diferenciado.

Embora a Lei nº 9394 de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996) aponte para o


desenvolvimento de currículos específicos para as escolas indígenas, o que ocorria na prática
não era isso. As diretrizes curriculares eram e ainda são enviadas para as escolas indígenas,
sejam elas municipais ou estaduais, sem nada de específico para indígenas ou diferenciado dos
currículos urbanos. Mas, resistentemente os professores indígenas traduzem os conteúdos à
realidade de sua aldeia e cultura, pois não utilizam os livros distribuídos pela Gerência
Municipal de Educação, porque achavam de difícil compreensão para os alunos, dessa forma,
montavam suas próprias apostilas de conteúdo seguindo as diretrizes curriculares estipuladas.
Nesse processo de formação, enquanto professora com intuito de dialogar com as
diferenças, entrei no Mestrado em Ensino de Ciências da Universidade Federal de Mato Grosso
do Sul, em 2008, orientada pela Professora Dr.ª Ângela Maria Zanon. Lá desenvolvi uma
pesquisa em Educação Ambiental, minha área de formação aliada à Educação Indígena, meu

3
O curso de Gestão Escolar foi realizado pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) no Campus
de Aquidauana.
18

novo interesse. Trabalhamos a dissertação numa perspectiva crítica fundamentada na teoria de


Paulo Freire que me ajudou a entender muitas questões que ainda não tinha compreensão.
Estudei a história da invasão do Brasil e a forma como os povos indígenas foram dominados,
escravizados, espoliados em relação às terras, riquezas naturais e cultura.
A partir de 2007 fui contratada para dar aula no Curso de Pedagogia da UFMS, mas em
2010, em função da experiência de trabalho com comunidades indígenas, fui convidada pela
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Campus de Aquidauana, para ministrar aulas,
como professora cedida, no Curso de Licenciatura Intercultural Indígena “Povos do Pantanal”,
na área de ciências da natureza, até o ano de 2018, formando duas turmas.
Em 2010, ministrei uma disciplina de Educação Indígena e do Campo no Curso de
Geografia, onde conheci uma aluna indígena que foi minha orientanda de Trabalho de
Conclusão de Curso. Nessa época ela estava descobrindo e se apropriando de sua própria
cultura, hoje é uma líder no movimento indígena. Ficamos muito próximas e a amizade
perdurou para além da Universidade. Essa aluna incorporou um nome indígena e hoje é
conhecida por Évelin Hekeré dentro do movimento indígena, pertence à etnia Terena. Évelin
me deu um grande presente que é ser madrinha de seu filho Gustavo. Senti-me muito honrada,
pois o Terena não confia em qualquer pessoa para desempenhar essa função. Quando entrei no
doutorado, ela concluía o mestrado. A minha comadre é Mestre em Educação pelo Programa
de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB) e
atualmente cursa o Doutorado na mesma instituição (PPGE/UCDB), além de ser uma grande
amiga tenho orgulho de estar presente em sua trajetória.
Também ministrei aulas de ecologia, biologia da conservação, meio ambiente, didática
no ensino de ciências e outras disciplinas, na Licenciatura Intercultural Indígena no Curso de
Ciências da Natureza da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – Campus de
Aquidauana. A dinâmica das aulas funcionava da seguinte maneira: primeiramente eu explicava
todos os conceitos científicos envolvidos naquele conteúdo advindos da cultura ocidental,
depois fazíamos o inverso. Os alunos (todos Terena4) traziam os conceitos indígenas e
conversávamos em aula seus saberes. Cada aldeia tem a sua especificidade e às vezes, mesmo
pertencentes à mesma etnia, as histórias se diferem um pouco. As aulas eram muito produtivas,
pois procurava manter um diálogo intercultural, momentos que aprendíamos juntos.
Estar em contato como professora nas aldeias da Terra Indígena Taunay/Ipegue da etnia
Terena, desde 2003, e a experiência no curso de Licenciatura Intercultural Indígena, me

4
Na segunda turma tivemos alunos das etnias Guató, Kadiweu, Kinikinau e Guarani.
19

motivou a querer aprofundar, os conhecimentos sobre a cultura, cosmologia5 e cosmovisão da


etnia Terena. Dessa forma, escolhi me doutorar no Programa de Pós-Graduação em Educação
– UCDB/Linha de pesquisa Diversidade Cultural e Educação Indígena. A partir das leituras no
doutorado passei a compreender, mediante as teorias da Pós-Colonialidade e dos Estudos
Culturais, o funcionamento e os objetivos do projeto da modernidade sobre as minorias.
Assim como no mestrado, no doutorado, volto a estudar os dois assuntos que nortearam
minha vida profissional até o momento, a Educação Ambiental e as questões indígenas. Dessa
forma, nos propusemos a aprender com os Terena da aldeia Lagoinha, os saberes tradicionais
que podem nos ajudar (sociedade ocidental) a desenvolver uma Educação Ambiental
decolonial, valorizando outras formas de compreender o mundo.
A pergunta que nos norteou para chegarmos ao objetivo geral foi: “no que os saberes
ancestrais indígenas Terena da Aldeia Lagoinha no Município de Aquidauana, MS,
ressignificados, podem contribuir com o avanço da Educação Ambiental desenvolvida no
Brasil?
Dessa forma, nosso objetivo geral foi: compreender a relação dos indígenas Terena da
aldeia Lagoinha no Município de Aquidauana, Mato Grosso do Sul, com a natureza e como
seus saberes podem contribuir com a Educação Ambiental Brasileira.
Para alcançar o objetivo geral propusemos os seguintes objetivos específicos: a)
contextualizar a Educação Ambiental e sua relação com os saberes tradicionais dos povos
indígenas; b) entender quem são os Terena e como se dá sua relação com a Natureza a partir de
sua cosmologia; c) compreender como se dá a passagem dos conhecimentos tradicionais nas
gerações pelos Terena e como esses podem contribuir com Educação Ambiental;
Com base nos objetivos citados sustentamos a seguinte tese: Os Terena da aldeia
Lagoinha possuem saberes tradicionais que podem ser utilizados na construção de uma
Educação Ambiental decolonial, pois mantêm uma relação com a natureza tanto em seu modo
de vida onde praticam técnicas sustentáveis, como em sua religião tradicional onde utilizam
elementos da natureza, sendo praticada veladamente como prática de resistência em detrimento
das religiões ocidentais.
Esta pesquisa foi desenvolvida a partir do Grupo de Estudo Diversidade Cultural,
Educação Ambiental e Arte (UCDB/CNPq), articulado com o projeto: “Rede Internacional de
Pesquisadores em Justiça Climática E Educação Ambiental” - Coordenado pelo Grupo
Pesquisador em Educação Ambiental (GPEA) da Universidade Federal de Mato Grosso

5
O que aqui chamamos academicamente de Cosmologia é chamado de “nossa história de origem”, pelos Terena.
20

(UFMT), com a participação das seguintes entidades: Associação Portuguesa de Educação


Ambiental, ASPEA (Portugal), Centro de Controle e Monitoramento de Acidentes e Desastres
Naturais (CEMADEN), Instituto Caracol (ICA), Instituto Federal de Mato Grosso (IFMT -
Cuiabá, São Vicente e Cáceres), Operação Amazônia Nativa (OPAN), Universidad
Veracruzeana (UV - México), Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Universidade da
Coruña (UDC - Galícia, Espanha), Universidade de Brasília (UnB), Universidade de Estado de
Mato Grosso (UNEMAT), Universidade de Estado do Rio Grande do Norte (UERN),
Universidade de Santiago de Compostela (USC - Galícia, Espanha), Universidade de São Paulo
(USP-ESALQ).
A tese foi organizada em seis itens iniciando com a introdução; onde relato minha
trajetória pessoal, profissional e minha formação enquanto pessoa e professora/pesquisadora
envolvida, fortemente pelo ambiente natural desde a infância, o que proporcionou a escolha por
um caminho de luta em prol da conservação dos ecossistemas por meio da Educação Ambiental;
mais tarde atravessada por aprendizagens originadas na sabedoria indígena sobre o meio
ambiente. Quanto mais me aprofundo na busca de compreender a cultura indígena, mais me
surpreendo com a sabedoria dos anciões em meio a tanta simplicidade na forma feliz de viver
a vida na aldeia.
No segundo item expusemos as escolhas teóricas e metodológicas do percurso
percorrido na produção da tese. Ainda nesse item descrevemos o levantamento das
contribuições científicas sobre a temática pesquisada e o campo conceitual que nos auxiliou na
compreensão sobre as relações de poder e saber da cultura eurocêntrica hegemônica
subalternizando as epistemologias outras como as dos povos indígenas.
No terceiro item fizemos a contextualização da Educação Ambiental na atualidade e sua
relação com os saberes tradicionais dos povos indígenas. Discutimos a relação do ser humano
e natureza, a natureza como objeto geradora de lucro e a crise ambiental gerada pela
modernidade e o capitalismo. Ainda nesse item explanamos como o Tratado de Educação
Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global que valoriza os saberes
tradicionais e uma reflexão das contribuições da Teoria Pós-Colonial para a EA.
No item quatro, contamos a história dos Terena no Chaco, sua migração para o território
atual e toda mudança socioambiental ocorrida nos séculos XVIII, XIX, XX e XXI por meio de
um quadro comparativo. Na segunda parte deste item, explanamos a relação do indígena Terena
com a natureza, ou seja, as observações dos astros e reações dos animais norteavam os afazeres
durante o ano, como caça, pesca, plantio de roças, retirada de madeira, etc.
21

No quinto item, mostramos como se dá a transmissão dos conhecimentos tradicionais


dos Terena, a importância de sua cosmologia, mitologia6 e tradições como a dança (Sipúterena)
e as relações desta com a natureza. Também foi discutido o papel da escola para os Terena e
como eles fazem a Educação intercultural, diferenciada e específica, verificamos as formas com
que os saberes da cultura indígena Terena podem contribuir para o fortalecimento da Educação
Ambiental perspectiva decolonial.
Nas considerações finais, fizemos uma reflexão sobre a EA e a relação dos Terena com
a natureza e como a cultura indígena pode contribuir para o desenvolvimento de uma EA
decolonial, que nos auxilie encontrar os caminhos para o desenvolvimento de uma sociedade
que realmente se importe com a vida e o bem-estar ambiental de todos, assim como relatamos
a aprendizagem nesse percurso7.

6
Também conhecida como epistemologia popular.
7
O grafismo Terena apresentado na abertura de cada capítulo foi retirado do livro de Bittencourt e Ladeira (2000).
22

2 METODOLOGIA E REFERENCIAL TEÓRICO

Figura 2 - Entrevista com Antenor Augusto da Silva (artesão Terena)

Fonte: Acervo particular da autora.


23

A pesquisa foi desenvolvida com a etnia Terena, especificamente na aldeia Lagoinha


que pertence à Terra Indígena Taunay/Ipegue, localizada no distrito de Taunay, pertencente ao
município de Aquidauana, MS. Segundo senso da Secretaria Especial de Saúde Indígena
(SESAI, 2014), a aldeia Lagoinha possui 571 moradores, uma escola Municipal que oferece o
Ensino Fundamental, uma escola Estadual que oferece o Ensino Médio e um posto de Saúde
Indígena.
Os campos teórico/metodológico escolhido foi o Pós-Colonial, onde se insere o grupo
Modernidade/Colonialidade, que ajudou no suporte dessa pesquisa e no diálogo sobre
modernidade, colonialidade do ser, do saber, da natureza e decolonialidade. Esses conceitos são
trazidos pelos seguintes autores: Dussel (1993), Coronil (2005), Castro-Gomez (2005), Lander
(2005), Porto-Gonçalves (2005), Escobar (2005), Quijano (2000, 2014), Mignolo (2003, 2017),
Walsh (2009), entre outros.
Em relação à Educação Ambiental, Meio Ambiente e Natureza optamos pela reflexão a
partir de teóricos próprios da EA, onde discutimos natureza, relação ser humano/natureza, crise
ecológica, políticas públicas para EA, formação do sujeito ecológico, descolonização da EA,
cultura e ambiente a partir dos seguintes autores Carvalho (2008), Tristão (2004, 2014, 2016),
Diegues (2000), Guimarães e Medeiros (2016), Sato (2012, 2018, 2020), Sato e Passos (2006,
2009), Leff (2000, 2001), Figueiredo (2010) e Grupo de Estudos em Educação Ambiental desde
El Sur (GEAsur).
Para compreender a cultura indígena e sua relação com o ambiente, cultura Terena,
saberes tradicionais, mitos e religião, dialogamos com as filosofias e epistemologias dos
mestres e doutores indígenas: Evelin Hekeré - Pereira (2017, 2019), Naine Terena - Jesus
(2007), Linda Terena – Sebastião (2012, 2018), Antônio Carlos - Seizer (2016), Gerson P. -
Alves (2016), Kopenawa (2015), Krenak (2018), Baniwa (2006), e antropólogos que contam a
história do povo Terena, como Oliveira (1976), Altenfelder (1949), Ladeira (2000) e Gilberto
Azanha (1998, 2005), que demarcou o território da etnia Terena.
Por meio desses autores, buscamos aprender a ouvir e compreender “as vozes dos que
estão posicionados nas fronteiras da exclusão” (BACKES; NASCIMENTO, 2011, p. 25).
Usamos as teorias não como uma verdade, mas “como um conjunto de conhecimentos
contestados, localizados e conjunturais, que têm de ser debatidos de um modo dialógico”
(HALL, 2003, p. 217).
Optamos por realizar uma pesquisa qualitativa na busca da compreensão da relação
ambiental do Terena com a natureza. Essa metodologia nos dá possibilidades de pesquisar os
fenômenos das relações sociais ocorridos em vários ambientes pois o contexto em que o
24

fenômeno ocorre e do qual faz parte deve ser analisado para ser melhor compreendido, mas
para isso o pesquisador precisa perceber o fenômeno a partir do ponto de vista das pessoas
envolvidas (GODOY, 1995).
A pesquisa qualitativa envolve uma produção de dados obtidos pelo pesquisador em
contato direto com o meio e a situação estudada na busca de compreender os fenômenos
segundo a visão dos participantes sendo interativa e flexível (LUDKE; ANDRÉ, 1986), o que
permite revisões e alterações possibilitando a reconstrução de novos caminhos. Ludke e André
(1986) ainda explicam que a pesquisa qualitativa é rica em descrições e transcrições de
entrevistas, depoimentos, são usadas fotografias, desenhos e outros tipos de documentos na
busca de conhecer a percepção dos participantes.
A pesquisa qualitativa é reconhecida entre as ciências sociais, como tendo “um nível de
realidade que não pode ou não deveria ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo
de significados, dos motivos, das crenças, dos valores e das atitudes” (DESLANDES; GOMES;
MINAYO, 2009, p. 21). Nessa busca de conhecer, interagimos com os participantes e
desenvolvemos uma proximidade em nível pessoal por meio de suas histórias e sentimos o que
sentiram em suas lutas (GONZAGA, 2011), dessa forma, é necessário ter atenção em relação a
elas e seus contextos históricos, no sentido de não perder informações importantes para o
desenvolvimento da pesquisa.
Além de qualitativa, nossa pesquisa foi baseada nas Teorias Pós-Críticas que têm como
premissa o comprometimento de estudar e intervir no mundo a fim de modificar o “status quo”.
É um compromisso político alinhado aos princípios da democracia cultural, “explorando modos
alternativos de pensar, falar e fazer práticas sociais, remodelar as metodologias de pesquisa para
que não sejam ferramentas de reprodução social” (MEYER; PARAÍSO, 2014, p. 9-10).
Dessa forma, a metodologia com direcionamento nas Teorias Pós-críticas cria narrativas
que não são neutras, mas além de possuir rigor são comprometidas, permitindo outras
possibilidades de enxergar e pensar os fenômenos, confrontando a forma tradicional de fazer
ciência, ou seja, de conceber o conhecimento científico (MEYER; PARAÍSO, 2014). Nesse
tipo de pesquisa, há um resgate da subjetividade humana para utilizá-la na produção de saberes
sobre os fenômenos sociais. Essa subjetividade do pesquisador “[...] é uma ferramenta a serviço
da investigação, um exercício simultaneamente rigoroso e político permeado pelas relações de
poder que pretende estudar” (MEYER; PARAÍSO, 2014, p. 13).
Nossos procedimentos metodológicos na produção de conhecimento objetivaram
desconstruir discursos hegemônicos e possibilitar a transformação educacional e social, não nos
preocupando em buscar respostas, como apontam Meyer e Paraíso, e sim em
25

[...] descrever e problematizar processos por meio dos quais significados e


saberes específicos são produzidos, no contexto de determinadas redes de
poder, com certas consequências para determinados indivíduos e/ou grupos
(MEYER; PARAISO, 2012, p. 53).

Essa descrição de Meyer, justifica a nossa escolha, visto que temos o objetivo de
compreender e aprender. Para isso precisamos mais ouvir do que falar, para vigiar-nos em
relação às interferências e contaminações na produção de dados. Como Sato et al. (2012, p. 40)
buscamos “superar barreiras, limites, silêncios e contextos invisíveis. Sem se importar com
exatidões, simetrias ou imprevistos, o caminhante observa atentamente o relevo díspar, a curva
oblíqua ou qualquer ponto descontínuo que inebrie o olhar do pesquisador”.
Com esse olhar de pesquisador buscamos compreender a relação dos indígenas Terena,
da aldeia Lagoinha no Município de Aquidauana, Mato Grosso do Sul, com a natureza e como
seus saberes podem contribuir com a Educação Ambiental, ancorando a pesquisa no método da
História Oral que privilegia as histórias contadas pelo grupo pesquisado.
Na América Latina, a história oral se iniciou com as experiências de exílio de segmentos
revolucionários, podendo-se “afirmar que, em certos círculos, a história oral nasceu ‘exilada’ e
teve que contracenar com outras raízes ‘colonizadas’” (MEIHY, 2000, p. 87). No Brasil, a
história oral nasce com a publicação em 1976, de narrativas e experiências de exilados políticos,
intitulada “Memórias do exílio: muitos caminhos”, e em 1978 com “Memórias das mulheres no
exílio”. Dessa forma, a história oral brasileira, nasce na redemocratização com objetivo de
compreender os excluídos (MEIHY, 2000).
Meihy (2000, p. 85) chama de “história oral os processos decorrentes de entrevistas
gravadas, transcritas e colocadas a público segundo critérios predeterminados pela existência
de um projeto estabelecido”. Delgado (2010, p. 15) define história oral como sendo “um
procedimento metodológico que busca, [...], registrar, através de narrativas induzidas e
estimuladas, testemunho, versões e interpretações sobre a História em suas múltiplas
dimensões: factuais, temporais, espaciais, conflituosas, consensuais”.
Esse método permite que as pessoas falem livremente expressando sentimentos, permite
que contem a história de suas vidas com episódios alegres ou tristes. É preciso estar alerta para
interpretar, o silêncio, a careta, o sorriso, a lágrima e cada expressão esboçada para que
possamos compreender o sentido, o significado, a importância do que nos está sendo contado,
porque quando um fato é narrado, o sujeito tem a oportunidade de refletir sobre aquele momento
(SPÍNDOLA; SANTOS, 2003). Stephanou (2011, p. 14), considera que exista uma “química
que confere o poder da rememoração ou dá amnésia à mente, ao corpo, aos sentidos [...]. Vale
26

insistir que há muitas formas de rememorar e diferentes razões por que nós queremos ou não
queremos rememorar”.
Segundo Thomson (2000), a história oral permite a investigação da experiência histórica
que geralmente não são registradas como a vida cotidiana, doméstica, relações pessoais entre
outras coisas. Essas informações nos dão evidencias valiosas sobre os significados subjetivos
de eventos passados. “Os historiadores orais são singulares em sua capacidade de questionar
seus informantes, de fazer perguntas que podem não ter sido imaginadas no passado e de evocar
reminiscências e entendimentos anteriormente silenciados ou ignorados” (THOMSON, 2000,
p. 51). Nesse caso, consideramos nossos entrevistados não como informantes, mas como
protagonistas da pesquisa.
A história oral passou a ser valorizada por gerar dados qualitativos, onde os
entrevistados podem demonstrar os sentimentos, as emoções, os valores e comportamentos.
Essa percepção é mais nítida permitindo uma maior compreensão dos fenômenos sociais
(CAMARGO, 1987).
Ao o explicar história oral, Brand fala especificamente de história oral com indígenas.
Ele entende que “são técnicas de registro e interpretação das evidências orais ou da memória
individuais ou coletivas, transmitidas oralmente” (BRAND, 2000, p. 196). A história oral
possibilita que os diferentes narradores democratizem a história recriando uma pluralidade
original, mas para isso o entrevistador não deve intervir constantemente, este deve ficar de lado
e deixar para o entrevistado a evidência, facilitando e deixando-o à vontade para que fale
(BRAND, 2000).
Segundo Brand (2000) a característica principal do documento de história oral é a
recuperação do que o indivíduo entrevistado viveu. Ele ainda destaca que é importante o uso de
técnicas de história oral quando a pesquisa é realizada com analfabetos ou povos de cultura oral
ou sem escrita, pois é uma forma de integrá-los à história, como, “os povos indígenas [que]
devido à sua tradição oral e ao processo de exclusão a que foram submetidos, não conseguiram
ser ouvidos pelas fontes escritas e documentais” (BRAND, 2000, p. 197).
Além desse motivo, optamos pela história oral devido ao fato da oralidade ser usada na
transmissão de conhecimento, característica forte dos indígenas, visto que, as etnias
ancestralmente não possuíam a escrita e o conhecimento era repassado nas gerações pela
oralidade, fortemente presente até hoje. Também pelo fato da história oral ser uma forma de
ouvir os silenciados pelo colonialismo, com objetivo de aprender.
27

Dalpiaz (2018) utilizou a história oral como procedimento metodológico. O autor


escreve e descreve sensações e experiências com as entrevistas realizadas utilizando esse
método:

Pesquisei junto com o outro que me deu a palavra. Ofereci para isso meus
ouvidos, minha presença e meu silêncio, que só foi quebrado quando a
afirmação de lá perguntou pela minha interferência. Eles e elas dispuseram-se
de seus tempos para me contar recortes de suas vidas. Recebi de volta, em uma
pergunta feita, histórias de suas vidas. São as histórias orais. Em suas mentes,
enquanto falavam, provavelmente passava um filme. Provavelmente. Na
minha mente, sim, tenho certeza, assisti a vários filmes, com cheiros e vozes,
ruídos, risos, testas franzidas, mãos abertas, mãos apertadas, dedos
entrelaçados, silêncios denunciadores. [...]. Quem opta pela História Oral
como metodologia de pesquisa precisa estar aberto ao que a oralidade pode
oferecer. Por isso, sempre chegava cinco minutos antes do horário combinado.
Sabia que não poderia ter hora para terminar. Uma entrevista não começa
quando se liga o gravador. A entrevista se inicia no primeiro contato, aquele
feito para marcar o dia, a hora e o local da entrevista. Sobre isso, sempre deixei
que eles decidissem (DALPIAZ, 2018, p. 22-3).

As experiências vividas pelo autor e suas dicas com relação a como proceder durante as
entrevistas e relatos orais dos entrevistados foi de grande valia na construção do nosso método
de pesquisa.
Para explorar a história oral optamos pela entrevista não estruturada como ferramenta
de pesquisa, pois permite ao pesquisador produzir muitos dados, mas Thompson (1992) alerta
que para ser bem-sucedido o entrevistador deve ter:

[...] interesse e respeito pelos outros enquanto pessoas e flexibilidade nas


reações em relação a eles; capacidade de demonstrar compreensão e empatia
pela opinião deles; e, acima de tudo, disposição para ficar calado e escutar
[pois senão] irá obter informações que, ou são inúteis, ou positivamente
enganosas (THOMPSON, 1992, p. 254).

A entrevista exige do pesquisador muito cuidado para que as interferências não


contaminem as respostas e não gere informação sem relevância para o trabalho.
Uma boa entrevista dever ser feita com tranquilidade e sem pressa, onde o informante
se sinta à vontade de falar o quanto quiser, de forma fluida e não controlada, sem muitas
perguntas (THOMPSON, 1992). Para Silveira (2007) o discurso é complexo, pois provém de
duas pessoas onde um, conta sua história cheia de sons imagens cheiros, dor, alegrias e vários
tipos de situações, e o outro ao escutar tenta imaginar tudo que lhe é contado, depois é preciso
transcrever e analisar e por razão a autora classifica a entrevista como uma “arena de
significados” (SILVEIRA, 2007, p. 117).
28

Para melhor interpretação e análise das entrevistas é importante que o entrevistador


esteja muito bem preparado e informado sobre a temática estudada, quanto mais base teórica
tiver, mais fácil será a análise (LUDKE; ANDRÉ, 1986).
Fizemos duas visitas iniciais na aldeia Lagoinha, a primeira, em novembro de 2018, teve
objetivo de apresentar ao cacique e liderança o projeto de tese e solicitar a autorização da
pesquisa. A segunda, ocorreu em dezembro de 2018, onde conversamos informalmente com as
pessoas que já me conheciam, com objetivo de ambientação e para que a comunidade se
acostumasse com minha presença no cotidiano da aldeia.
As atividades a campo e produção de dados ocorreram nas seguintes datas, 26 a 29 de
janeiro de 2019, depois voltamos a convite da comunidade, em 2 a 6 de março de 2019, para
participar do acampamento da Igreja Batista na semana do carnaval. Para o acampamento
conseguimos uma doação de vários pacotes de balas, pipocas doces e gelinho, para distribuir
para as crianças. Durante as atividades do acampamento o Cacique Orlando Moraes me
convidou a participar da Semana do Dia do Índio e me fez um convite/desafio de dançar
Sipúterena (dança das mulheres) e falar uma frase na língua materna.
Na semana do Dia do Índio estivemos na aldeia de 15 a 20 abril de 2019, observando as
atividades extraclasse desenvolvidas na escola em colaboração com a comunidade e todas as
atividades que antecedem essa data, confecção de tintas, pintura corporal, confecção das roupas
tradicionais, treinos das danças Sipúterena (dança das mulheres) e Kohixóti kipaé (dança dos
homens).
Nessa semana entregamos na escola uma doação de materiais de escritório que
conseguimos com a Coordenadoria de Educação à Distância (UFMS). Os materiais doados
foram pastas de arquivo, papel manilha nos tamanhos grande e médio, grampeadores, furador
de papel, caixas de canetas, lápis e lápis de cor, borrachas, fitas adesivas, colas, apontadores,
DVDs virgens, canetas piloto, canetas para retroprojetor, adesivos, pratos de plástico, e uma
caixa de biscoitos recheados. Também conseguimos doação de brindes para presentear o
Concurso de Garoto e Garota Terena que aconteceu nessa semana.
Voltamos de 8 a 11 de maio para participar da Grande Assembleia Terena que envolveu
todas as aldeias da região, com a participação de outros municípios do Estado. A Assembleia
foi sediada pela Aldeia Ipegue, a última aldeia da TI Taunay – Ipegue. De 15 a 20 de novembro
de 2019 foi dedicado mais a fazer entrevistas e observações. Era para ser a última visita, mas
os entrevistados me indicaram outros anciões que poderiam ter mais informações importantes
para a pesquisa. Dessa forma, voltamos para a aldeia 26 a 29 de janeiro de 2020. As histórias e
mitos foram contadas e cada vez que entrevistava um, apareciam mais histórias a serem
29

escutadas. A última visita foi realizada em 23 a 26 de fevereiro de 2020. Confessamos aqui que
não foi fácil parar de ir à aldeia escutar as histórias, os mitos, os ensinamentos, mas era hora de
escrever.
Durante todos esses dias na aldeia, fiquei hospedada na casa da professora e
coordenadora da Escola Municipal Indígena Marcolino Lili, Sônia Regina Soares Marques
Delfino que se tornou uma grande parceira de pesquisa no levantamento de informações.
Os sujeitos da pesquisa foram os membros da comunidade indígena Terena da aldeia
Lagoinha no Município de Aquidauana em Mato Grosso do Sul (MS) com foco nos anciões,
mestres tradicionais e lideranças, pois estes estão mais próximos dos conhecimentos originários
de sua gênese. Escolhemos dois protagonistas iniciais e estes indicaram os demais, como
sugerido por Brand (2000, p. 203) “por vezes basta a escolha de alguns informantes iniciais que
sucessivamente indicarão outros”.
Entrevistamos no total doze pessoas entre anciões e liderança com idades a partir de 59
anos, seis pessoas com idade entre 40 anos e 50 anos, quatro pessoas com idades entre 25 e 40
anos. Entre estes temos dez mulheres e doze homens entrevistados.
Entre os entrevistados tivemos seis artesãos, três pessoas da liderança e uma rezadeira.
Ouvimos as histórias contadas pelos anciões sobre os pajés e a cosmologia Terena, com intuito
de compreender a forma como os mais velhos ensinavam a relação com a natureza para seus
filhos na sua origem e como era feita essa transmissão de conhecimentos, e se houve mudanças.
Dois anciões (um com 78 anos e outro com 85 anos) não falavam muito bem a língua
portuguesa, e tiveram dificuldade em entender e em se comunicar comigo, dessa forma, o
professor Délio Delfino, me ajudou durante as entrevistas traduzindo minhas perguntas para o
Terena e vice-versa. Dona Albina Cândido de 102 anos também teve dificuldades de me
entender, mas sua filha Odete Marques de 72 anos, ajudou com a tradução e participou da
entrevista.

Quadro 1 - Entrevistados

NOME IDADE POSIÇÃO NA ALDEIA


Albina Cândido 102 anos Anciã
Berenice G. Joaquim 26 anos Artesã
Diretora da Escola Municipal Indígena Marcolino
Cristiane Marques 46 anos
Lili
Denise Augusto 30 anos Artesã e Professora Pedagoga
Leda Corrêa 80 anos Rezadeira
Lucila Basílio Cabo 64 anos Anciã
30

NOME IDADE POSIÇÃO NA ALDEIA


Matilde Miguel 60 anos Professora Pedagoga
Nilza Miguel da Silva 68 anos Anciã
Odete Marques 72 anos Anciã
Coordenadora da Escola Municipal Indígena
Sônia Regina 42 anos
Marcolino Lili
Ailton G. Joaquim 42 ano Artesão e Motorista da SESAI
Airson G. Joaquim 34 anos Artesão e dono de mercadinho
Antenor Augusto 59 anos Artesão
Cirino da Silva 70 anos Ancião
Délio Delfino 60 anos Professor Pedagogo
Fernando Moreira 49 anos Professor de História
Gilson Carlos 43 anos Pastor da Igreja Batista – Liderança Religiosa
Músico da Igreja Batista e Professor de Fanfarra da
Marcelo Cecé 39 anos
Escola Municipal Marcolino Lili.
Leopoldo 64 anos Artesão e ancião
Lourenço 78 anos Ancião – Liderança
Orlando Moreira 43 anos Cacique – Liderança
Sebastião Pereira 64 anos Ancião
Fonte: Dados da autora.

Por meio das entrevistas, ouvimos cinco mitos que também nos foram contadas em
2009, época do mestrado, que não foram utilizadas na construção da dissertação. Dentre as
pessoas que contaram esses mitos o único que não se encontra mais entre nós é o ancião
Gaudino Cecé, que na época estava com 68 anos e faleceu em 2019. Ele era um integrante
importante na comunidade na época, membro do Conselho Tribal, braço direito do Cacique e
por essa razão, resolvemos homenageá-lo deixando seu nome registrado nos mitos contados por
ele na época, assim como o nome dos demais, que ainda contam esses mitos para as crianças
na escola, visto serem professores na Escola Municipal Indígena Marcolino Lili.
Tivemos a preocupação de não intervir demais para evitar ao máximo nossos
atravessamentos, privilegiando a fluidez natural da conversa (BRAND, 2000). Também
observamos as relações, as atividades diárias, os vínculos entre as pessoas da comunidade
(MEYER; PARAÍSO, 2012) que foram anotados em um diário de campo para reflexão do
discurso e do contexto dos interlocutores. O diário de campo consiste em uma forma de registro
de observações, comentários e reflexões para uso individual do profissional e, ou pesquisador
31

(FALKEMBAC, 1987). “Pode ser utilizado para registros de atividades de pesquisas e/ou
registro do processo de trabalho” (LIMA; MIOTO; DAL PRÁ, 2007, p. 99).
O diário de campo foi utilizado durante todo o período de produção de dados. A maioria
das entrevistas foi gravada utilizando o aparelho de celular, mas fizemos questão de gravar um
vídeo no aparelho de celular entrevistando seu Antenor (artesão), seu Leopoldo (artesão), a
anciã Albina Cândido com 102 anos, e seu Rosalino (ancião) de 85 anos, membros mais idosos
da aldeia. Outra ferramenta utilizada foi a câmera fotográfica, pois foram registrados vários
eventos na aldeia durante a pesquisa. A conversa informal foi adotada como uma estratégia de
aproximação para depois marcar a entrevista, mas nessas conversas foram obtidas muitas
informações relevantes que responderiam nossos objetivos de pesquisa. Após as conversas
anotávamos tudo no caderno de campo. As conversas aconteceram principalmente durante os
eventos que ocorreram na escola e na igreja.
Uma cópia do material produzido, fotos, filmagens serão entregues aos participantes da
Pesquisa. Uma cópia da Tese será entregue na Escola Municipal Indígena Marcolino Lili a
pedido da coordenadora. O Cacique Orlando Moreira expressou o desejo de que a defesa da
tese fosse na aldeia. Informamos que caso seja fosse possível, uma apresentação será realizada
na aldeia, para a comunidade, após a defesa final.
O projeto de pesquisa e o termo livre esclarecido foram aprovados pelo Conselho de
Pesquisa (CEP). Observamos aqui que o termo livre esclarecido foi assinado por todos os
participantes da pesquisa, nos conferindo autorização para a divulgação de todo material
produzido, como, filmagens, entrevistas e imagens, tanto dos adultos como das crianças, na
produção da tese e de artigos frutos da tese.

2.1 Estado do conhecimento

Antes da ida a campo desenvolvemos a parte teórica da pesquisa com as leituras


obrigatórias e complementadores dos textos indicados pelos professores nas disciplinas do
doutorado e com o levantamento de teses a fim de definir o estado do conhecimento sobre a
relação dos Terena com a natureza e como seus saberes podem contribuir com a Educação
Ambiental. Dessa forma, trago Morosini e Fernandes (2014) que afirmam ser um levantamento
de teses, dissertações e livros, um registro da produção científica de uma área num espaço e
tempo determinado sobre a temática pesquisada. Esse levantamento ajudou-nos a observar a
quantidade de trabalhos escritos que abordam nosso tema de pesquisa, as metodologias, os
32

instrumentos ou técnicas de produção dados, as teorias ou abordagens teóricas utilizadas, ou


seja os caminhos já percorridos.
Ao realizar o levantamento de teses que se aproximavam da presente pesquisa,
buscamos a Educação Ambiental incorporando os saberes tracionais indígenas a respeito da
natureza tendo como norte os Princípios 9 e 11 do Tratado de Educação Ambiental para
Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global que reconhece e valoriza os saberes
indígenas:

9 - A educação ambiental deve recuperar, reconhecer, respeitar, refletir e


utilizar a história indígena e culturas locais, assim como promover a
diversidade cultural, linguística e ecológica. Isto implica uma visão da história
dos povos nativos par modificar os enfoques etnocêntricos, além de estimular
a educação bilíngue.
11 - A educação ambiental valoriza as diferentes formas de conhecimento.
Este é diversificado, acumulado e produzido socialmente, não devendo ser
patenteado ou monopolizado (REBEA, 1992, s.p.).

Optamos pelo período de 1992 a 2018, pois 1992 foi o ano em que foi elaborado o
Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global,
durante o Fórum paralelo que aconteceu na tenda 6 no aterro do Flamengo, paralelo à Rio 92.
Este documento subsidia a Política (PNEA) e o Programa Nacional de Educação Ambiental
(ProNEA) e nele também estão os princípios da Rede Brasileira de Educação Ambiental.
Foram pesquisados o Catálogo de Tese e Dissertações da Coordenação de
Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES) e a Biblioteca Digital de Teses e
Dissertações (BDTD).
Primeiramente, utilizamos os descritores: Indígenas + Educação Ambiental, meio
ambiente + indígenas e saberes indígenas + meio ambiente, no portal da CAPES e na Biblioteca
Digital de Teses e Dissertações (BDTD). Foram encontrados diversos trabalhos, no entanto, ou
somente abordavam a Educação Ambiental, ou somente abordavam os saberes indígenas. As
teses que relacionavam a EA e os saberes indígenas, eram de outras etnias, que não a Terena.
Após a leitura dos resumos foram encontrados quatro trabalhos que se aproximavam da nossa
pesquisa, com diferentes assuntos que nos ajudou no desenvolvimento da tese.
A tese de Cavalcante (2010), cujo título é: “A natureza encantada que encanta: histórias
dos seres dos mangues, rios e lagoas narradas por índios Tapeba”, aborda os significados
atribuídos à natureza pelos índios Tabeba presentes em sua vida, saberes que são utilizados na
medicina das rezadeiras, na religião e em suas histórias sobre os encantados que afetam seus
comportamentos e práticas no cotidiano. As histórias dos encantados sempre estão associadas
33

a algum elemento da natureza, seja ele um rio, uma lagoa, uma árvore ou um terreiro. Os
significados dados aos elementos da natureza nessas histórias e mitos dos Tapeba nos ajudaram
a compreender o sentido e significado da natureza na vida dos Tapeba e poder traçar a
comparação com o significado de natureza para os Terena.
Cavalcante (2010) destaca ainda que a comunidade Tapeba vive em um local onde há
uma predominância “do verde”. Esse é um dado relevante, pois indica que, mesmo com os
problemas ambientais enfrentados pelos Tapeba, as práticas indígenas são menos agressivas à
natureza” (CAVALCANTE, 2010, p. 27). Essa situação é muito similar à forma como as
comunidades Terena do estado do Mato Grosso do Sul vivem.
Nas histórias contadas pelos Tapeba, aparecem seres que possuem poderes relacionados
a elementos da natureza, como mata, florestas ou água.

São seres que compõem as histórias dos Tapeba e fornecem indícios para um
maior entendimento da relação com a natureza que o grupo étnico construiu
historicamente. Para os seguidores do Espiritismo de Umbanda, esses seres
também são conhecidos como encantes. Grosso modo, os encantes possuem o
poder de dominar a natureza, são territoriais, possuem também características
humanas e gostam de ser agradados com “alimentos”, objetos ou flores
(CAVALCANTE, 2010, p. 34).

Nesse trecho da tese, assim como em sua maior parte, percebemos que as histórias fazem
parte de um imaginário construído e baseado nos ecossistemas locais. As análises da autora nos
ajudaram na interpretação dos saberes ancestrais Terena sobre a natureza e na análise de como
esses saberes podem ser incorporados na Educação Ambiental.
A segunda tese escolhida é a de Batista (2017) cujo título é: “Saberes tradicionais do
povo Guarani Mbya como cultura de referência: contribuição teórica à sociobiodiversidade e à
sustentabilidade ambiental”. O objetivo geral da autora é “analisar teoricamente o
conhecimento sobre os aspectos socioculturais e os saberes tradicionais por meio dos quais os
povos Guarani Mbya têm assegurado às condições de conservação da biodiversidade e a
sustentabilidade” (BATISTA, 2017, p. 22).
Essa ideia de analisar a conservação da biodiversidade e sustentabilidade por meio dos
saberes tradicionais indígenas se aproxima da nossa pesquisa, mas ao mesmo tempo se distancia
por ser o povo Guarani e pelo fato de sua proposta ser realizada por meio de levantamento
bibliográfico. Além da nossa pesquisa estar voltada para o povo Terena, propomos a produção
de dados por meio da história oral.
Outro aspecto que se assemelha com a nossa pesquisa, está descrito em um dos seus
objetivos específicos que é:
34

Resgatar os saberes tradicionais que possam contribuir e fortalecer os elos


com os conhecimentos científicos em torno da busca de novas abordagens
teóricas e de soluções práticas sustentáveis ante as questões de impactos
socioambientais da atualidade (BATISTA, 2017, p. 23).

Em nossa proposta, um de nossos objetivos é entender como os saberes da cultura


indígena Terena podem contribuir para Educação Ambiental no foco das políticas públicas e
suas práticas. Visamos atingir Políticas Públicas que regem a Educação Ambiental sobre o uso
e conservação da natureza em nosso País.
Batista (2017) em sua tese destaca que os indígenas desenvolveram estratégias de uso e
conservação da biodiversidade pelo fato de convirem com o meio natural por um longo período
de tempo, e que esses saberes podem ser usados como referência de sociobiodiversidade em
estudos de sustentabilidade ambiental (BATISTA, 2017).
Dessa forma, com o levantamento bibliográfico feito por Batista (2017) a respeito dos
saberes tradicionais do povo Guarani e como esses estabelecem suas formas de convivência
com o ambiente, nos auxiliou a compreender e analisar como isso ocorre entre os povos
indígenas e como tais saberes são repassados nas gerações.
Lima (2014) é a terceira tese que contribuiu com a nossa pesquisa, pois a mesma trabalha
com teoria que irá nos orientar nessa jornada. O título da tese é: “Educação Ambiental dialógica
e descolonialidade com crianças indígenas Tremembé: vinculação afetiva pessoa-ambiente na
Escola Maria Venância”, e um dos seus objetivos foi analisar a colonialidade/descolonialidade
ambiental na relação entre pessoa-ambiente. Dessa forma, ao ler essa pesquisa percebemos que
a autora trabalha os conceitos de modernidade, colonialidade e descolonialidade, com questões
ambientais na área indígena, assim como optamos em trabalhar a nossa pesquisa, tendo como
aporte teórico o grupo modernidade/colonialidade.
Segundo Lima (2014, p. 231) “a lógica da colonialidade é de ideologicamente gerar a
imposição de condutas e formas de ser no mundo a partir de parâmetros únicos de construção
de conhecimento e de interação entre os sujeitos”. A autora em outra reflexão afirma que em
uma proposta descolonializante é possível reconhecer que existem outras epistemologias com
possibilidade de integração por meio de diálogos entre os conhecimentos. Os indígenas numa
outra lógica de compreensão, demonstram por meio de seus saberes o conhecimento da
interconexão existentes entre os seres vivos de um ecossistema, e neste sentido, geralmente os
elementos da natureza são sagrados, pois em relação à vida, somos interdependentes.
Diante disso a autora afirma que:
35

Devemos, então, problematizar a lógica que concebe somente este tipo de


saber como válido e possibilitar o diálogo dos saberes científicos com os
populares, reconhecendo, sobretudo o valor dos conhecimentos procedentes
da realidade, que geralmente, são tratados com discriminação (LIMA, 2014,
p. 235).

É nessa linha de pensamento que a nossa tese foi construída, problematizando essas
questões na tentativa de desconstruir a colonialidade moderna que impõe regras e moldes, e
discrimina tudo que foge a ela.
A quarta tese que escolhemos é de Ribeiro (2013) intitulada “Estudos culturais em
educação ambiental: os usos e consumos dos produtos culturais em espaços na/da biorregião
do Caparaó Capixaba”. A autora trabalha a Educação Ambiental articulada com os Estudos
Culturais, e teve como objetivo a compreensão de como os produtos culturais em Educação
Ambiental eram levados à produção de narrativas e formação de identidades a partir dos
processos sociais, político e das relações de poder. A autora também se propôs interpretar os
saberes ambientais a partir de narrativas de pessoas mais idosas do distrito pesquisado, por meio
de entrevistas.
Segundo Ribeiro (2013):

Pensando nas narrativas dos sujeitos caparaoenses, é fundamental conhecer a


tradição dessa biorregião, pois cada um tem uma história de como as
possibilidades humanas e naturais foram exploradas. O que notamos é que a
maioria das histórias são produzidas ainda pela tradição oral e pelo
conhecimento das manifestações culturais, pelas lendas e/ou pelos “causos”
das/nas comunidades. Então, o que vale a pena reforçar é que não se trata de
voltar e viver como os antigos viviam, mas, sim, explorar histórica e
antropologicamente um pouco da sabedoria das culturas anteriores
(RIBEIRO, 2013, p. 56).

Para entender as narrativas é importante que se conheça a tradição local, pois as histórias
orais estão diretamente ligadas ao ambiente e as manifestações culturais. A autora trabalha com
o processo de conhecer/saber e saber/conhecer, a partir das ações socioambientais na biorregião
do Caparaó Espírito Santo.
Essa proposta de Ribeiro (2013) de trabalhar com entrevistas narrativas de pessoas mais
antigas da região para compreender os saberes ambientais se aproxima da nossa proposta, nos
ajudando na interpretação dos dados obtidos tanto no campo dos Estudos Culturais como no da
Educação Ambiental.
Escolhemos também o livro de Diegues (2000) que apresenta o título: “Etnoconservação
da natureza: enfoques alternativos”. O livro questiona os modelos de conservação
fundamentado na separação ser humano/Natureza feita pela sociedade ocidental e mostra a
36

transformação da conservação da natureza em negócio e a negação do conhecimento tradicional


dos povos indígenas que enxergam a natureza na cultura e a cultura na natureza.

Conhecimento tradicional pode ser definido como o saber e o saber - fazer, a


respeito do mundo natural e sobrenatural, gerados no âmbito da sociedade não
urbano/industrial e transmitidos oralmente de geração em geração. Para
muitas dessas sociedades, sobretudo as indígenas, existe uma interligação
orgânica entre o mundo natural, o sobrenatural e a organização social. Nesse
sentido, para estas últimas, não existe uma classificação dualista, uma linha
divisória rígida entre o “natural” e o “social”, mas sim um continuum entre
ambos (DIEGUES, 2000, p. 30),

O conhecimento tradicional sobre o natural e sobrenatural é transmitido oralmente nas


gerações assim como acontece com a etnia que pesquisamos, portanto, as reflexões de Diegues
sobre esse assunto nos auxiliaram na análise de dados.

2.2 Fundamentação teórica

Na busca de compreender essa relação do Terena com a natureza encontramos apoio


teórico/metodológico nas Teorias Pós, e no Grupo Modernidade/Colonialidade, que fazem a
crítica aos modelos de conhecimento impostos pela modernidade como únicos e verdadeiros,
subalternizando os demais conhecimentos, colocando-os à margem como inferiores e sem
valor.
A colonialidade, é interpretada, refletida e criticada pelos campos teóricos “Pós”, que
trazem propostas de metodologias, instrumentos e pedagogias decoloniais, revisando “as
pedagogias nacionalistas ou nativistas que estabelecem a relação do Terceiro Mundo com o
Primeiro Mundo em uma estrutura binaria de oposição” (BHABHA, 1998, p. 241).
A expressão Pós-Colonialismo possui dois entendimentos: o primeiro se refere ao tempo
histórico, a partir da metade do século XX, tempo posterior à descolonização do terceiro mundo,
ou seja, à libertação ou independência das sociedades exploradas pelo imperialismo. A segunda
referência está ligada a várias contribuições teóricas provenientes de estudos literários e
culturais realizados nos anos 80 do século passado em algumas Universidades da Inglaterra e
dos Estados Unidos (BALLESTRIN, 2013).
O grupo Modernidade/Colonialidade (M/C) afirmam a partir do conceito de
colonialidade de poder desenvolvido por Aníbal Quijano (2000), que ainda existem relações de
colonialidade nos setores econômicos e políticos mesmo com o fim do colonialismo territorial
(BALLESTRIN, 2013).
37

O grupo M/C foi criado em 1990, por ativistas e intelectuais latino-americanos que
atuavam em diversas universidades nas Américas. Esse grupo realizou um movimento
epistemológico de renovação crítica das ciências sociais na América Latina, por meio da noção
do giro decolonial. Faziam suas reuniões nos Estados Unidos e América Latina e suas pesquisas
concentravam-se na teoria de Análise dos Sistema-Mundo de Immanuel Wallerstein.
Os membros do grupo M/C, constituído por Walter Mignolo, Enrique Dussel, Aníbal
Quijano, Maria Lugones, Edgardo Lander, Catherine Walsh, Arturo Escobar, Fernando
Coronil, Ramón Grosfoguel, Augustín Lao-Montes, Zulma Palermo, Javier Sanjinés, Santiago
Castro-Goméz e Nelson Maldonado-Torres, se encontravam envolvidos com os movimentos
indígenas, com os movimentos Chicano da Califórnia e com as políticas do continente, mas os
interesses e pontos de vistas ganharam uma diversidade de direções culminando numa grande
quantidade de estudos e pesquisas categorizados como Estudos Decoloniais.

Assumindo uma miríade ampla de influências teóricas, o M/C atualiza a


tradição crítica de pensamento latino-americano, oferece releituras históricas
e problematiza velhas e novas questões para o continente. Defende a “opção
decolonial” – epistêmica, teórica e política – para compreender e atuar no
mundo, marcado pela permanência da colonialidade global nos diferentes
níveis da vida pessoal e coletiva (BALLESTRIN, 2013, p. 89).

Nesses estudos foram percebidos que mesmo a América Latina tendo ganhado
independência, deixando de ser colônia dos europeus, o “ranço” do período colonial como a
racionalidade científica, as hierarquias sócio-raciais permaneceram. A colonialidade de poder
é fundamental na organização e formação do sistema–mundo moderno/colonial, ou seja, as
zonas periféricas (Estados nação periféricos e povos não europeus) criadas pela divisão
internacional do trabalho e pela hierarquização étnico-racial global, se encontram em posição
colonial mesmo não estando sob administração colonial, visto que os Estados Unidos os
controla por meio do Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial, Pentágono e OTAN
(BALLESTRIN, 2013).
O pensamento decolonial latino-americano “surge das lutas e resistências de grupos
sociais historicamente silenciados pela modernidade-colonialidade” (KASSIADOU et al.,
2018, p. 37) e está embasado em Mignolo (2008), Quijano (2014) e Walsh (2009) que
apresentam reflexões sobre a Sociologia da Ausência e das Emergências de Santos (2000)
(KASSIADOU et al., 2018).
Para Quijano (2014) a diferença origina-se na América onde surge a classificação social
de raça a partir da superioridade e pureza de sangue da raça branca. A colonialidade construiu
a diferença colonial e esta foi mundializada. O autor ainda considera as relações de exploração,
38

dominação e conflito estão ordenadas pelas linhas de classificação em raça, gênero e trabalho
o que ajudou a formar o capitalismo mundial colonial moderno do século XVI. “A história do
capitalismo é vista dentro (na Europa), ou de dentro para fora (da Europa para as Colônias) e,
por isso, a colonialidade do poder é invisível” (MIGNOLO, 2005, p. 34).
Entender o conceito de colonialidade do poder, nos faz compreender que a visão de raça
e racismo é quem organiza e estrutura e as hierarquias dos sistemas mundiais, visto que, “[...]
organizou e continua organizando a diferença colonial, a periferia como natureza” (MIGNOLO,
2005, p. 34).
Dessa forma, os estudos do grupo M/C entendem que analisando a colonialidade
presente na modernidade as marcas deixadas na sociedade pelo colonialismo são expostas, e
partindo disso, a decolonialidade propõe a ruptura da universalidade do conhecimento trazida
pelo colonialismo e desvela “a função jurídico-política das constituições [que] é, precisamente,
inventar a cidadania, ou seja, criar um campo de identidades homogêneas que tornem viável o
projeto moderno da governamentabilidade” (CASTRO-GÓMEZ, 2005, p. 89)
Ao fazer as análises das relações de poder existentes desde os tempos coloniais
reconhecem e apontam a continuidade da colonialidade por meio do discurso da ciência
moderna, da razão e da cultura europeia, conferindo subalternidade às alteridades em suas
subjetividades. Mignolo (2017) reflete que o conceito de matriz colonial de poder (MCP) foi
formulada inicialmente por Quijano, definindo-a como uma estrutura complexa e entrelaçada
se alastrando e controlando a economia, autoridade, gênero e sexualidade, natureza e recursos
naturais, subjetividade e conhecimento. Dessa forma, para esses autores a reprodução da
colonialidade se faz nas dimensões do poder, do saber e do ser. A colonialidade foi necessária
para a modernidade se estabelecer e por isso a colonialidade é o mal necessário à modernidade
(MIGNOLO, 2003).
A inserção da raça na noção de sistema-mundo permitiu expor a diferença colonial,
dessa forma, a origem da modernidade/colonialidade está no descobrimento e invenção da
América. Mignolo desenvolveu a noção de diferença colonial relacionando a dimensão
epistêmica, ele chamou de diferença colonial e geopolítica do conhecimento (MIGNOLO,
2003).
As ideias homogêneas disseminadas pela modernidade se assentam “na invisibilidade
de formas de conhecimento que não se encaixam” (SANTOS, 2007, p. 72). Sobre isso Bessa
Freire (2004, p. 17) pondera que, “os saberes indígenas, os processos próprios de aprendizagem,
as concepções pedagógicas de cada grupo e as diversas línguas faladas por cada etnia ficaram
sempre excluídos [...]”. O conhecimento dos que fogem do código, são considerados crenças,
39

opiniões, magia, idolatria, menos conhecimento científico e por isso, na ótica da modernidade,
não devem ser respeitados.
Segundo Santos (2007, p. 72) os “conhecimentos populares, leigos, plebeus,
camponeses ou indígenas do outro lado da linha, [...] desaparecem como conhecimentos
relevantes ou comensuráveis por se encontrarem para além do universo do verdadeiro e do
falso”.
A respeito dos saberes indígenas, após a colonização e a imposição cultural e
religiosa, tiveram que se modificar para sobreviver, ocorrendo a hibridização cultural e a
partir disso, conforme afirma Hall (2003, p. 133), transformam e ressignificam seus
costumes e práticas.

[...] elementos novos e velhos são reagrupados ao redor de uma nova gama de
premissas e temas. Mudanças em uma problemática transformam
significativamente a natureza das questões propostas, as formas como são
propostas e maneira como podem ser adequadamente respondidas. Tais
mudanças de perspectivas refletem não só os resultados do próprio trabalho
intelectual, mas também a maneira como os desenvolvimentos e suas
verdadeiras transformações históricas são apropriados no pensamento e
fornecem ao Pensamento, não sua garantia de correção, mas suas origens
fundamentais, suas condições de existência.

Refletindo sobre esses reagrupamentos apontados por Hall, percebemos que quando
sociedades diferentes passam a conviver, ocorrem trocas de conhecimentos e em ambos os lados
há aquisição de novos conhecimentos com ressignificações, se tornando híbridos. Inspirado em
Hall (2003), pode-se dizer que os indígenas, por conta dos acontecimentos no decorrer da
história, se apropriaram de tais mudanças no pensamento de acordo com suas condições de
existência. Um exemplo disso é o que ocorre com a etnia Terena que segundo Farias e Medeiros
(2017, p. 59-60):

[...] são um povo que luta constantemente para manter viva a sua cultura,
embora com influências de costumes não indígenas presentes nas
comunidades e no entorno e estão sempre fazendo os rituais da dança
tradicional Terena, como a dança do bate-pau, apresentada por homens ou
crianças do sexo masculino, e também mantendo o jeito de ser Terena no seu
cotidiano, como a valorização da oralidade e a continuidade dos ensinamentos
da prática cultural indígena

Esses grupos são os mais expostos e desprotegidos em relação aos impactos ambientais
e, segundo Mignolo (2008), geram “desobediência epistemológica” por meio de outro tipo de
educação, a específica e diferenciada (KASSIADOU et al., 2018).
40

Ao contrário do que o projeto moderno desejava, “as culturas tradicionais colonizadas


permanecem distintas[...]” (HALL, 2003, p. 72), “subvertendo a razão do momento
hegemônico e recolocando lugares híbridos, alternativos, de negociação cultural” (BHABHA
2003, p. 248). Ao invés de homogênias, como objetivava a globalização, elas se tornaram
híbridas, no sentido de mistas e diaspóricas culturalmente, com uma diversidade de
conhecimentos diferentes em relações sustentáveis sem prejudicar sua autonomia (SANTOS,
2007).
Oliveira (1999, p. 169) enfatiza que “[...] as unidades sociais abandonam velhas formas
culturais, recebem (e reelaboram) algumas de outras sociedades e ainda criam novas formas
distintas”, afinal a cultura que é dinâmica se transforma de acordo com a interação entre os
grupos sociais e o ambiente em que vivem. Essa ressignificação é evidenciada na fala do
professor Seizer da Silva8 (2016, p. 15) quando explica esse processo em sua etnia na sua tese
de doutorado:

Terena reelabora, ressignifica, apropria e incorpora, nos dando o


entendimento que a etnia em si é única, mas as características produzidas e
atravessadas por outras relações, produz os povos Terena, ou seja, há um fio
centralizador ancestre que fortalece a teia étnica que nos liga, mais como no
tecer das artesãs, cada qual coloca as cores e as formas que se deseja e/ou são
necessárias, assim se produz atualmente os povos Terena [...]

Com relação a questão ambiental “a cultura dominante tem efeito globalizador, já que
seu mote se inscreve em padronizar o mundo para que o diferente seja excluído, ou que se
sucumba perante aos níveis perversos da competição” (SATO; SILVA; JABER, 2018, p. 29).
Essa imposição cultural trazida pela globalização trouxe às comunidades indígenas vários
costumes alheios à sua cultura, que foram ressignificados. Com o passar do tempo também
trouxe problemas socioambientais como lixo, doenças, desaparecimento de nascentes e corpos
d’água entre outros, todos ligados ao problema de território, mesmo tendo uma forte relação
com o ambiente em que vivem.
Para analisar essas questões é necessário conhecer o meio, os valores sociais, a forma
de produção e sobrevivência, as relações, as histórias de vida, ou seja, a cultura, que segundo
Hall (2003, p. 136) é “o estudo entre elementos em um modo de vida global. [...]. Está
perpassada por todas as práticas sociais e constitui a soma do inter-relacionamento das
mesmas”.

8
Antônio Carlos Seizer da Silva é um intelectual indígena da etnia Terena do Estado de Mato Grosso do Sul,
com formação em mestrado, doutorado e pós-doutorado no PPGE/UCDB.
41

Nesse sentido, é sabido que o Brasil é um país mega diverso, onde essa diversidade
interage; há diversidade social, cultural e biológica, formando uma sociobiodiversidade, que
Carvalho (2008, p. 82) define como “interações complexas entre a sociedade e natureza,
associando as ideias de biodiversidade (diversidade biológica da vida natural) e
sociodiversidade (diversidade social formada pelos diferentes grupos sociais e culturais que
habitam o planeta)”. Assim podemos entender que todo grupo social com sua ação cultural
interfere diretamente no mundo natural.
O encontro da cultura da sociedade indígena com a cultura da sociedade não indígena
resultou na ressignificação de algumas de suas tradições e passando a adquirir outras, como o
consumo de produtos e mercadorias ocidentais, perceptível na culinária e na vestimenta.
Nessas novas condições de vida intercultural, trouxeram e traduziram para sua cultura
costumes ocidentais como as festas de natal, páscoa, ano novo, religião e consequentemente
também passaram a consumir mais produtos industrializados. Esses novos costumes juntamente
com outras problemáticas relacionadas principalmente a diminuição ou perda de seu território
ancestral, foram fragilizando a saúde e modificando a paisagem natural com o passar do tempo.
Segundo Lima (2014, p. 17) para os indígenas:

A interação com o ambiente não visa à exploração inconsequente do meio,


nem o consumo exacerbado, mas, sim, à sobrevivência da aldeia priorizando
o cuidado ambiental em uma perspectiva descolonializante. Por outro lado,
percebemos que existem indígenas que depredam o ambiente e não valorizam
a sua cultura. Negam os seus saberes ancestrais e a sua etnia em uma lógica
colonializante, que é proveniente das influências externas, que introduz
formas de lidar com a natureza e com o humano pautadas no consumismo e
na lucratividade do mercado.

Sobre os indígenas não valorizarem a cultura e negar seus saberes ancestrais


acreditamos que isso se dê de forma inconsciente, como que levados pelo tsunami da
colonialidade, pois as aldeias têm estado abertas às interferências culturais ocidentais. É uma
fantasia colonial gostar da ideia dos indígenas culturalmente tradicionais, puros e intocados,
mantendo-os em seus lugares exóticos (HALL, 2006).
As aldeias indígenas de Mato Grosso do Sul, não são fechadas, intocadas em lugares
exóticos, sofrem interferências externas que Walsh (2009) chama de interculturalidade
funcional9, entendida de maneira integracionista incluindo os anteriormente com objetivo de
controlar o conflito étnico e preservar o equilíbrio social regidos pelo interesse do mercado.

9
É chamada de funcional porque não questiona as regras do jogo e é compatível com a lógica do modelo
neoliberal existente (WALSH, 2009, p. 21).
42

“Ao posicionar a razão neoliberal – moderna, ocidental e (re)colonial – como racionalidade


única, faz pensar que seu projeto e interesse apontam para o conjunto da sociedade e a um viver
melhor” (WALSH, 2009, p. 20).
Acreditamos que a interculturalidade funcional seja uma ferramenta da “colonialidade
do poder”, conceito de Aníbal Quijano, que acredita que “a espoliação colonial é legitimada
por um imaginário que estabelece diferenças incomensuráveis entre o colonizador e o
colonizado” (CASTRO-GOMEZ, 2005, p. 83).
O colonizado é o “outro da razão” podendo ser disciplinado pelo colonizador. O
colonizado é tratado e visto como mau e bárbaro enquanto o colonizador é o bondoso, civilizado
e racional. “Ambas as identidades se encontram em relação de exterioridade e se excluem
mutuamente. A comunicação entre elas não pode dar-se no âmbito da cultura – pois seus
códigos são impenetráveis – mas no âmbito da Realpolitik ditada pelo poder colonial”
(CASTRO-GOMÉZ, 2005, p. 91).
Castro-Goméz (2005) utiliza-se das ideias de Meek (1981) para explicar que os teóricos
sociais dos séculos XVII e XVIII acreditavam que a espécie humana sai da ignorância
gradualmente passando por estágios até chegar ao estágio mais sábio, culto, que seriam as
sociedades modernas europeias. O referencial empírico usado para explicar o “estágio” mais
baixo do desenvolvimento humano, é o das sociedades indígenas e as características desse
estágio são a barbárie, selvageria e a ausência de arte, ciência e escrita. O estágio mais elevado
do desenvolvimento humano é o alcançado pelas sociedades europeias, construído como
totalmente o contrário do primeiro estágio. Nesse último estágio impera a civilidade “pelo qual
deverão transitar todas as nações do planeta” (CASTRO-GOMÉZ, 2005, p. 91).
Para Castro-Goméz, (2005) as ciências sociais nascem com conceitos binários
sustentados em um imaginário colonial de caráter ideológico produzido pelo dispositivo de
poder moderno/colonial, como por exemplo, o imaginário do progresso.

As ciências sociais funcionam estruturalmente como um aparelho


ideológico que [...] legitimava a exclusão e o disciplinamento daquelas
pessoas que não se ajustavam aos perfis de subjetividade de que
necessitava o Estado para implementar suas políticas de modernização
(CASTRO-GOMEZ, 2005, p. 91).

Dentro desse conceito de colonialidade do poder e saber abalizada pelas Ciências


Sociais do Sec. XVII e XVIII, que acreditamos que a interculturalidade funcional se organiza,
colocando a sociedade indígena como primitiva, inferior e desmerecendo seus saberes
tradicionais por não serem produzidos pela ciência moderna. Interculturalidade essa que faz
43

o próprio indígena desmerecer suas crenças e sua cultura com objetivos mercadológicos de
preservar o equilíbrio social e controlá-los. A colonialidade “reflete a imposição de
comportamentos, saberes, conhecimentos que se constituem no modelo ideológico
dominante, que desqualifica e inferioriza quem não está inserido na lógica hegemônica”
(LIMA, 2014, p. 19).
A decolonialidade visa compreender a cultura, o imperialismo e suas influências, é uma
forma de contestar e destituir “as estruturas sociais, políticas e epistêmicas da colonialidade”
(WALSH, 2009, p. 24), que possui padrões de poder fixados na racialização, na inferiorização,
na desumanização e no conhecimento eurocêntrico hegemônico.
A decolonialidade tem a seu favor a interculturalidade crítica que é, segundo Walsh
(2009, p. 22), “uma construção de e a partir das pessoas que sofreram uma histórica submissão
e subalternização”, mas também envolve setores em acordo, que trabalham pela transformação
social buscando alternativas à globalização neoliberal e à racionalidade ocidental (WALSH,
2009).
A interculturalidade crítica nasce das discussões políticas dentro dos movimentos
sociais ressaltando seu sentido contra-hegemônico. Ela parte do problema estrutural-colonial-
racial e vai ao sentido da transformação das estruturas, instituições e relações sociais para
construir condições distintas de práticas políticas, e traçando outros caminhos e em oposição à
interculturalidade funcional (WALSH, 2009). A interculturalidade crítica:

Se preocupa também com a exclusão, negação e subalternização ontológica


e epistêmico-cognitiva dos grupos e sujeitos racializados; com as práticas –
de desumanização e de subordinação de conhecimentos – que privilegiam
alguns sobre outros, naturalizando a diferença e ocultando as desigualdades
que se estruturam e se mantêm em seu interior. Mas, e adicionalmente, se
preocupa com os seres de resistência, insurgência e oposição, os que
persistem, apesar da desumanização e subordinação. Por isso, seu projeto se
constrói de mãos dadas com a decolonialidade, como ferramenta que ajude
a visibilizar estes dispositivos de poder e como estratégia que tenta construir
relações – de saber, ser, poder e da própria vida – radicalmente distintas
(WALSH, 2009, p. 23).

É nessa perspectiva da interculturalidade crítica que precisamos pensar formas de


viabilizar e transformar estruturas que ainda possuem prática e pensamentos dentro da lógica
racial, moderno ocidental e colonial. Esse que fazer10 implica uma orientação de-colonial, com
intuito de reaprender o que foi introduzido em nossas mentes pelas estruturas sociais, políticas
e epistêmicas da colonialidade (WALSH, 2009). Ainda, segundo Walsh (2009, p. 22-3):

10
Conceito de Paulo Freire que representa a teoria e a prática em educação popular.
44

Pensada dessa maneira, a interculturalidade crítica não é um processo ou um


projeto étnico, nem tampouco um projeto da diferença em si. Antes, e como
argumenta Adolfo Albán (2008), é um projeto que aponta à reexistência e à
própria vida, para um imaginário outro e uma agência outra de com-vivência
– de viver com – e de sociedade. [...]. Entender a interculturalidade como
processo e projeto dirigido à construção de modos outros do poder, saber, ser
e viver permite ir muito além dos pressupostos e manifestações atuais da
educação intercultural bilíngue ou da filosofia intercultural.

Pensar a partir da interculturalidade crítica nos faz reconhecer outras visões de mundo,
outras formas de conhecimento, outras interpretações, outros sistemas culturais com
possibilidades de diálogos críticos, como é o caso dos conhecimentos tradicionais.
Esses outros sistemas culturais passaram a ser levados em conta após o movimento
chamado “virada cultural”. No século XX, houve uma revolução cultural, onde a cultura
assumiu uma mega importância em relação à estrutura e organização da sociedade. As
tecnologias da informação foram responsáveis pela expansão dos meios de produção,
circulação e troca cultural. A indústria cultural, por meio da mídia, passou a divulgar ideias e
imagens para a sociedade, tornando a cultura uma mercadoria e sustentando os circuitos globais.
As novas tecnologias viabilizaram uma síntese do espaço e do tempo com o mundo virtual. Tais
mudanças culturais em escolas globais foi responsável por uma mudança social e por
deslocamentos culturais da vida local (HALL, 1997).
A consequência da compressão do espaço e do tempo é a homogeneização da cultua,
visto que, as empresas transnacionais de comunicação exportam para o mundo todo produtos
culturais padronizados por tecnologias ocidentais eliminando o particular as diferenças locais e
produzindo a cultura global. Essas ações enfraquecem o desenvolvimento do ritmo e da direção
de um modo de vida próprio de sociedades mais antigas e ou emergentes, resultando no que
Hall chama de mix cultural, criando possibilidades híbridas entre o velho e o novo (HALL,
1997).
Hall (1997) ainda considera que o ritmo e irregularidade dessas mudanças produzem
resistências, o que pode ser positivo em relação a não deixar se contaminar pela cultura de
massa, mas também pode ser negativo quando induzido a reações defensivas causando um
fechamento levando a atitudes fundamentalistas. A cultura além de se tornado mais dinâmica
também tornou menos perceptível padrões e tradições do passado. A revolução cultural
modificou o cotidiano das pessoas comuns, a vida local. Por meio das mídias facilmente se
obtém informações de outros lugares, povos, modos de vida. A internet deixou mais fácil a vida
à distância, você pode acessar sua conta bancária de casa, conversar com outras pessoas,
escolher, fazer compras virtualmente.
45

Segundo Hall (1997) a cultura penetra em todos os lugares da vida social contemporânea
difundindo e mediando tudo, por isso, é propicio uso do termo centralidade da cultura. A cultura
de massa apresentada pelas mídias interfere na formação da identidade, com apelos do tipo
“mude de vida”, e a tecnologia utilizada pelas mídias são instrumentos de vigilância que
reconhecem pelas plataformas de buscas as preferências das pessoas, o que facilita muito
governanamento por meio da cultura.
A centralidade da cultura interfere também na formação da subjetividade e identidade
das pessoas. Hall (1997, p. 26) argumenta que a identidade surge “do diálogo entre conceitos e
definições que são representados para nós pelos discursos de uma cultura” que possuem
significados, e somos persuadidos a nos apropriarmos de uma configuração de sujeito
construído para nós. Isso quer dizer que:

As identidades sociais como construídas no interior da representação, através


da cultura, não fora delas um processo de identificação que permite que nos
posicionemos no interior das definições que os discursos culturais (exteriores)
fornecem ou que nos subjetivemos (dentro deles). Nossas chamadas
subjetividades são, então, produzidas parcialmente de modo discursivo e
dialógico (HALL, 1997, p. 27).

A cultura tem sido determinante na construção das identidades sociais, por meio dos
discursos interferindo também em nossas subjetividades determinado a formação ontológica do
ser. No campo da epistemologia a cultura tem revolucionado o pensamento humano quanto a
sua importância e peso na vida das pessoas. As ciências humanas e sociais, passou a entender
a cultura como constituinte da vida social provocando uma mudança de paradigmas - a “virada
cultural”, gerando uma revolução nos posicionamentos quanto a linguagem, pois a mesma está
ligada à construção e propagação do significado (HALL, 1997).
Os objetos existem independentemente de qualquer coisa, mas o identificamos e
atribuímos significado a eles de uma forma particular. O significado é um produto da maneira
como o objeto foi socialmente construído por meio da linguagem e da representação, ou seja,
tudo é discutível, não há uma verdade, o que há são formas diferentes de enxergar a mesma
coisa. Dessa forma, a virada cultural está associada a esse entendimento sobre a linguagem,
visto que, a cultura nada mais é que “a soma de diferentes sistemas de classificação e diferentes
formações discursivas aos quais a língua recorre a fim de dar significado às coisas” (HALL,
1997, p. 29).
A virada cultural foi um movimento de retorno a temas sociológicos ignorados pelo
interesse ao estruturalismo e empirismo. Esse movimento entrou e impactou a vida acadêmica
e intelectual formando um campo de estudos em torno da cultura como conceito central,
46

iniciado na Universidade de Birmingham em 1964. A virada cultural promoveu muitas


mudanças na sociologia, mas principalmente forçou a ser repensada a centralidade da cultura e
como esta interfere na vida social das pessoas, já que os processos econômicos e sociais
precisam ser entendidos como práticas culturais e discursivas, já que possuem significado e
interferem em nossa maneira de viver (HALL, 1997). Dessa forma, estudos das práticas
culturais das minorias são desenvolvidos como forma de resistência e fortalecimento de suas
identidades dentro da estrutura e organização da sociedade contemporânea.
Ao estudar o lugar da cultura Hall se refere a como a cultura é usada na transformação
da compreensão: “nos referimos à posição da cultura em relação às questões de conhecimento
e conceitualização, em como a ‘cultura’ é usada para transformar nossa compreensão,
explicação e modelos teóricos do mundo” (HALL, 1997, p. 16). Na compreensão de outros
modelos de mundo, de outros conhecimentos, outras epistemologias, tem se contestado os
limites socialmente construídos.
Neste sentido, a análise do currículo moderno, mostra a arrogância da sociedade
ocidental em desmerecer os conhecimentos, os saberes e a cultura “outra”, considerada como
“o menos-na-origem que resulta em estratégias políticas e discursivas nas quais acrescentar não
soma, mas serve para perturbar o cálculo de poder e saber, produzindo outros espaços de
significação subalterna” (BHABHA, 1998, p. 228). “É crucial que se compreenda [...] que o
processo de recusa, mesmo ao negar a visibilidade da diferença, produz uma estratégia para a
negociação dos saberes da diferenciação” (BHABHA, 2003, p. 189), ou seja, negar a diferença
consiste em si mesma, reconhecer sua existência.
A escola é uma das instituições usadas para nos governar, nos conduzir subjetivamente
por meio do currículo.

Nós fazemos o currículo e o currículo nos faz. O currículo é, pois, uma


atividade produtiva nesses dois sentidos. Ambos os sentidos chamam a
atenção para seus vínculos com relações de poder. Se o currículo é aquilo que
fazemos com os materiais recebidos, então, apesar de todos os vínculos desses
materiais com relações de poder, ao agir sobre eles, podemos desviá-los,
refratá-los, subvertê-los, parodiá-los, carnavalizá-los, contestá-los. Por outro
lado, se, ao produzir o currículo, somos também produzidos, é porque
podemos ser produzidos, de formas muito particulares e específicas. Essas
formas dependem de relações específicas de poder (SILVA, 1995 p. 194).

Para Silva (1995) o currículo nos faz no sentido de conduzir nossa formação. O
conhecimento que está no currículo é aquele que será ensinado pensando no tipo de pessoa que
se quer formar.
47

O conhecimento ocidental tem sido colocado no currículo por meio das relações de
poder, mas podemos modificar o sentido do que nos é imposto, modificando, desviando e
subvertendo tais conhecimentos.
Currículo é tudo que atravessa o percurso escolar do sujeito, todas as propostas que
promovem conhecimentos, planos e planejamentos assim como suas concretizações em todas
as relações e no processo de aprendizagem. O currículo das escolas contemporâneas é linear,
estático, sequencial e separa a cultura em alta e baixa e o conhecimento em científico e do senso
comum. Esse currículo da escola contemporânea possui características modernas num período
pós-moderno, “ele segue fielmente o script das grandes narrativas da ciência, do trabalho
capitalista e do estado-nação. No centro do currículo existente está o sujeito racional, centrado
e autônomo da Modernidade” (SILVA, 2004, p. 115), como é o caso da nova Base Nacional
Comum Curricular (BNCC) que visa a formação do cidadão para o trabalho respeitando as
características econômicas de cada local.
Em outras palavras podemos dizer que o currículo possui conteúdos determinados,
lineares e eurocêntricos e não oportunizam ou favorecem a contextualização da realidade social
e cultural dos alunos. Mas o currículo também é pensado para conduzir as práticas educativas
num sentido de regulação moral advindo de uma seleção de um conjunto de expressões
presentes no currículo (BUJES, 2012). Os currículos de formação de professores estão cheios
de conhecimentos especializados em regular, disciplinar as formas de pensar e agir (BUJES,
2012). Forma-se o professor para que este no futuro molde seus alunos, dentro das normas da
sociedade dita civilizada com identidades homogêneas.

A cultura escolar dominante em nossas instituições educativas, construída


fundamentalmente a partir da matriz político-social e epistemológica da
modernidade, prioriza o um, o uniforme, o homogêneo, considerados como
elementos constitutivos do universal (CANDAU, 2011, p. 241).

A educação regida pelo currículo monocultural e hegemônico tem silenciado e


homogeneizado identidades indígenas, quilombolas e identidades de gênero impactando de
forma negativa a formação de professores e a educação das crianças. A educação precisa ser
ressignificada, por meio de práticas pedagógicas que encorajem a construção de subjetividades
e identidades nessa sociedade multicultural dialogando com as diferenças (CANDAU, 2006) e
não com o que Canen e Oliveira (2002) chamam de “multiculturalismo liberal ou de relações
humanas” onde se valoriza a diversidade cultural sem discutir a construção das diferenças, não
contribuindo tanto quanto o desejado para a transformação da sociedade preconceituosa que
vivemos.
48

Ainda que esse tipo de conhecimento contribua para a valorização da pluralidade


cultural e superação de preconceitos, isso por si só não neutraliza os mecanismos históricos,
políticos e sociais que embasam os discursos de silenciamento de identidades e marginalização
de grupos. O ideal seria lutar e superar tais mecanismos mediante uma postura intercultural
crítica. Dessa forma, o professor deixa de ser “conhecedor cultural” para ser um “trabalhador
cultural”, cruzando fronteiras culturais, transformando relações culturais no seu discurso e na
sua prática (CANEN; OLIVEIRA, 2002).
Nessa ótica, vejo que a maioria dos professores foram formados no multiculturalismo
liberal, portanto, conhecedor cultural, que não discute a construção das diferenças e superação
do preconceito, visto que, “aos corpos que fogem ao código, à diferença, resta a intolerância, a
doença, a descompostura” (SANTOS, 1997, p. 87). As relações de poder ligadas a situações
culturais são criticadas e um posicionamento é tomado em favor dos grupos em prejuízos nessa
relação.
De acordo com Silva (2004), o currículo é uma invenção social e seu conteúdo uma
construção social, onde as relações de poder precisam ser analisadas, visto que tanto sua
definição como os conhecimentos estão postos sem possibilidades de negociações.
Conhecimento e currículo são campos culturais sujeitos a disputa e interpretações onde
diferentes grupos tentam estabelecer hegemonias.
O currículo deveria ser construído socialmente ficando o papel da linguagem e do
discurso no processo de construção e favorecendo a produção de identidades culturais e sociais
e as diversas formas de conhecimento como resultado de um processo de criação e interpretação
social (SILVA, 2004).
No currículo das sociedades ocidentais a Educação Ambiental se faz presente de forma
transversal e tem a função de formar pessoas preocupadas em resolver os problemas
relacionados ao meio ambiente a partir de atitudes sustentáveis. As sociedades indígenas
possuem uma visão diferente sobre o meio ambiente, para eles, sem a terra não há nada, não há
casa, alimento, rituais, religião, etc. O meio ambiente, não é apenas um conteúdo a ser
trabalhado na educação, o meio ambiente e as coisas da natureza atravessam a vida diária do
indígena sendo valorizada espontaneamente, portando, a Educação Ambiental, como a
enxergamos, é inerente à vida diária do indígena, mas, concordamos com Lima (2007) que
entende ser:

[...] necessária a inserção do conhecimento do uso social da biodiversidade


nos currículos das escolas indígenas para o discernimento das questões
ambientais frente aos novos desafios em territórios demarcados, o convívio
49

com a sociedade envolvente e uma economia de mercado capitalista (LIMA,


2007, p. 56).

O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI), criado em 1998,


e organizado com ajuda de professores indígenas de várias etnias, poderia ser mais valorizado
e trabalhado nas escolas indígenas. O RCNEI aborda seis temas transversais, e entre eles: -
Terra e conservação da biodiversidade – que visa ensinar a importância da cultura e das técnicas
de manejo realizada pelos indígenas para a conservação da biodiversidade de seus territórios,
ou seja, o Referencial reconhece que a forma original de vida do indígena, suas técnicas, mitos
e crenças, não impactam negativamente o meio ambiente, ao contrário, são importantes para a
preservação e conservação de muitas espécies.

O estudo das questões da terra e da biodiversidade não pode se esquecer dos


mitos, das explicações culturais de cada povo, que são modos de conhecer que
devem ser apresentados e valorizados. Por exemplo, um assunto muito
importante é a fertilidade dos roçados, que está ligada à qualidade do solo,
mas também a outros significados simbólicos (BRASIL, 1998a, p. 95).

Mais recentemente, o Conselho Nacional de Educação da Câmara de Educação Básica,


aprovou a resolução de nº 5, de 22 de junho de 2012, que definiu as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica, pautadas pelos princípios da
igualdade social, da diferença, da especificidade, do bilinguismo e da interculturalidade,
fundamentos da Educação Escolar Indígena.
Destacamos aqui os incisos VII e VIII do artigo 2º:

VII - orientar os sistemas de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal


e dos Municípios a incluir, tanto nos processos de formação de professores
indígenas, quanto no funcionamento regular da Educação Escolar Indígena, a
colaboração e atuação de especialistas em saberes tradicionais, como os
tocadores de instrumentos musicais, contadores de narrativas míticas, pajés e
xamãs, rezadores, raizeiros, parteiras, organizadores de rituais, conselheiros e
outras funções próprias e necessárias ao bem viver dos povos indígenas;
VIII - zelar para que o direito à educação escolar diferenciada seja garantido
às comunidades indígenas com qualidade social e pertinência pedagógica,
cultural, linguística, ambiental e territorial, respeitando as lógicas, saberes e
perspectivas dos próprios povos indígenas (BRASIL, 2012, p. 2).

O documento preza pela valorização os conhecimentos tradicionais, empoderando a


cultura indígena. Essas conquistas são resultantes da luta e resistência contra a colonialidade do
saber por meio do sistema educacional. Mesmo após a elaboração da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC), as diretrizes continuam valendo pois se complementam. As diretrizes são
a estrutura, enquanto a BNCC detalha conteúdo e competências. Segundo Troquez e
50

Nascimento (2020), a BNCC apresenta contradições em relação às questões indígenas, visto


que, as escolas indígenas terão que adequar os currículos com as propostas da BNCC até o
início do ano letivo de 2020, de acordo com a Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de
2017. Entendemos que está será uma nova etapa de lutas para garantir as conquistas até então
realizadas.
Educação e cultura estão entrelaçadas, articuladas o que não pode ser desconsiderado,
dessa forma, diante das identidades culturais presentes na sala de aula, é fundamental “valorizar
as diferenças combatendo toda forma de preconceito e discriminação” (CANDAU, 2006, p.
41), assim como, o preconceito étnico-cultural.
Em nossa tese buscamos fazer o diálogo entre a Educação Ambiental e a
decolonialidade, com relação ao modelo de nossa sociedade, e pelo fato de não aceitar a
separação entre cultura e natureza, valorizando a diversidade de conhecimento e cultura.
51

3 CONTEXTUALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL E SUA RELAÇÃO COM


OS SABERES TRADICIONAIS DOS POVOS INDÍGENAS

Figura 3 - Construção tradicional Terena

Fonte: Acervo particular da autora.


52

A natureza sempre despertou curiosidade no ser humano, os gregos procuravam


entender seus fenômenos suas explicações eram baseadas na mitologia. A dependência da
natureza fez com que essa relação se desenvolvesse “com o aprimoramento de mecanismos
básicos que os permitissem saciar suas necessidades primordiais”, mas isso não foi suficiente,
pois, a vontade de compreender os fenômenos naturais era intensa “o que promoveu grandes
alterações no modelo de relação ser humano-natureza existente até então (SANTOS, 2013, p.
3). Os gregos passaram a tentar explicar o Cosmos por meio de observação e raciocínio e
progressivamente a natureza passou a ser explicada em suas caraterísticas próprias e não mais
mitológicas (SANTOS, 2013).
Com o passar do tempo a cultura mudou, e o ser humano com sua reflexão do
pensamento passou a se distanciar dos deuses cada vez mais, e a se colocar no centro, e se
distanciar da natureza por efeito das convicções da ciência no período da modernidade. A
modernidade objetiva o esclarecimento e a emancipação e sua Teoria do Conhecimento e se
fundamenta em dois elementos constitutivos a razão e a subjetividade. “A modernidade
capitalista aparece como o resultado desde seus primórdios de transações transcontinentais cujo
caráter verdadeiramente global só começou com a conquista e colonização das Américas”.
(CORONIL, 2005, p. 52).
Ao subalternizar o “outro”, a Europa se colocou no centro e produziu a periferia
(DUSSEL, 1993). O autor afirma que existem dois conceitos de Modernidade:

O primeiro deles é eurocêntrico, provinciano, regional. A modernidade é uma


emancipação, uma saída da imaturidade por um esforço da razão como
processo crítico, que proporciona à humanidade um novo desenvolvimento do
ser humano. Este processo ocorreria na Europa, essencialmente no século
XVIII. [...] Propomos uma segunda visão da Modernidade, num sentido
mundial, e consistiria em definir como determinação fundamental do mundo
moderno o fato de ser (seus Estados, exércitos, economia, filosofia, etc.)
“centro” da História Mundial. Ou seja, empiricamente nunca houve História
Mundial até 1492 (como data de início da operação do Sistema-mundo)
(DUSSEL, 2005, p. 27).

O mercantilismo mundial em 1492, abre a primeira etapa moderna, e a segunda etapa


ocorre com a Revolução Industrial do século XVIII.
A compreensão moderna e racional sobre a natureza foi amplamente expandida nos
séculos XV e XVI, originando um ser humano que se imaginava, autônomo, racional,
consciente e confiante para compreender a natureza, livre dos mitos e não mais tão crente dos
dogmas religiosos, mas a rigor não era exatamente assim. O pensamento moderno traz três
formas diferentes e relacionadas de pensar: 1) o Renascimento; 2) a Reforma; e 3) a Revolução
53

Científica. Essa transformação ocorrida na era Moderna faz surgir a ciência como uma nova
crença do Ocidente (SANTOS, 2013).
O Renascimento (entre os séculos XV e XVI) provoca transformações na literatura,
filosofia, artes e ciência. A mentalidade do ser humano muda, pois passa a tomar consciência
de suas capacidades, se orientando por suas próprias ações. Esse período foi marcado por um
movimento cultural de transição das tradições medievais para um mundo novo, inspirado na
(antiguidade) cultural greco-romana e culminando na ruptura com o fanatismo religioso, se
afastando de Deus e colocando o ser humano no centro. O ser humano toma consciência de suas
capacidades e coloca em questão os dogmas religiosos. “O [ser humano] descobre que é capaz
de decidir por si, buscando objetividade nas suas experiências, o mundo deixa de ser sagrado
para tornar-se num objeto de uso para o próprio [ser humano], embora a crença em Deus
permanecesse” (PRIMON et al., 2000, p. 36). Os dogmas e as verdades são revistos, inclusive
a autoridade religiosa do Papa é contestada por Lutero originando o Protestantismo e a reforma
da igreja. Esse movimento evidenciou a razão humana e isso representou a libertação da
ignorância e dos abusos praticados pela igreja e autoridades da época, dando origem ao que
chamamos de modernidade.
Todos esses acontecimentos também influenciaram o surgimento da ciência moderna
criada por Galileu. A concepção de natureza se alterou, rompendo com a concepção de mundo
incontestada por séculos (ALMEIDA, 2004). O pensamento científico passou a ser a nova
forma de adquirir conhecimento, visto que a capacidade do homem em compreender o mundo
aumentou mudando as velhas concepções sobre a teoria geocêntrica e o universo, assim como,
a relação do homem com a natureza (SANTOS, 2013).
A ciência foi considerada na época, a salvadora da cultura moderna, oferecendo novas
possibilidades da certeza racional, novos experimentos e previsões, muita criatividade e
encorajamento para o desenvolvimento de técnicas de controle da natureza. A partir daí,
conhecer “passava a ser uma questão de investigação científica, constituída de modo impessoal
e realista, tratava-se do domínio intelectual sobre a natureza e da busca constante de
aperfeiçoamento material” (SANTOS, 2013, p. 5).
Segundo Lander (2005, p. 9), as separações ou partições do mundo real se dão
concretamente com o desenvolvimento das ciências modernas, pois ocorre a “ruptura
ontológica entre corpo e mente, entre razão e o mundo”, ou seja, a partir desse momento o
mundo está morto porque já não tem uma ordem significativa. O homem não se encontra mais
em sintonia com o cosmos como na antiguidade, para o homem moderno, por meio da razão, o
mundo passa ser entendido através de conceitos mecânicos, pois este é entendido como um
54

mecanismo em Descartes. Quem inicia esse processo de separação é Kant quando fala em
natureza interior e exterior. “Para ele a natureza interior dos seres humanos compreendia suas
paixões cruas, enquanto a natureza exterior era o ambiente social e físico no qual os seres
humanos viviam” (OLIVEIRA, 2002, p. 1-2).
De acordo com Oliveira (2002), existe uma dupla concepção de natureza: a exterior que
é natureza a primitiva, a matéria-prima utilizada pelo homem e criada por Deus e a natureza
interior, concebida como universal, a natureza humana, aquela que contém o fato dos seres
humanos e seu comportamento serem naturais assim como aquilo que está externo à natureza.
Já Francis Bacon compreendia a natureza como exterior à sociedade, pois a relação entre elas
era mecânica onde o homem exercia o domínio da natureza pela mecânica de Descartes. A ideia
de Bacon só não era considerada arbitraria porque ele já vivenciava a conexão entre indústria e
ciência, onde a mecânica já estava a serviço da produção para aumentar a produtividade por
meio do trabalho (OLIVEIRA, 2002).
As ideias do movimento humanista se tornaram na época, o espírito do Renascimento
gerando o que achavam ser um avanço nas áreas das artes, literatura e ciências. Com o
desenvolvimento da ciência moderna se deu o desenvolvimento de vários instrumentos como
bússola, astrolábio e sextante que ajudaram na expansão marítima que era necessária para os
europeus, visto que árabes detinham o monopólio sobre os produtos orientais, culminando na
colonização da Américas.
O Século XVIII foi considerado o século das luzes, a iluminação racional. O Iluminismo
(movimento cultural filosófico) criticou o modelo de sociedade medieval instaurando um
mundo moderno. Segundo Pontel e Mass (2013, p. 60):

O Iluminismo emerge na sociedade europeia, fragmentada nas diversas


dimensões, em resposta ao antigo sistema, que entra em crise, e que, por
consequência, aspira a uma reorganização social, uma reestruturação da
sociedade. O foco desta reestruturação parece estar centrado em superar tudo
aquilo que limitasse o direito da livre personalidade individual, na defesa dos
ideais liberais que despontavam no século XVIII.

O ser humano toma consciência de suas capacidades e coloca em questão os dogmas


religiosos. Esse movimento evidenciou a razão humana e isso representou a libertação da
ignorância e dos abusos praticados pela igreja e autoridades da época.
A modernidade é um período cujos limites de início e fim são grandes acontecimentos
na história após o período medieval. É o rompimento com a tradição, em função da razão, e
com Deus em função da subjetividade, pois sai de uma visão teocêntrica para uma visão
antropocêntrica.
55

Esta foi uma época de muita criatividade e criações, é nessa atmosfera que ocorre a
Revolução Científica, uma nova forma de conhecer e compreender o mundo culminando na
Revolução Industrial. Com o desenvolvimento das ciências constrói-se a ideia de crescimento,
de desenvolvimento. Esse des-envolvimento altera mais ainda a relação do ser humano com a
natureza para sustentar o capitalismo. O pensamento moderno tinha o objetivo de esclarecer e
emancipar sua Teoria do Conhecimento a partir da razão e da subjetividade.
Acreditava-se na razão e no poder da ciência como resposta para todos os problemas da
humanidade, que a partir dela teríamos uma:

[...] era marcada pela sabedoria, pela paz, prosperidade material e domínio
humano sobre a natureza. [...] Acreditava-se que o triunfo da razão e da ciência
sobre o transcendente sanaria os males sociais, a ignorância e o sofrimento
humano. [...], entretanto, no decorrer do século XX, quando as consequências
práticas do conhecimento científico já não poderiam ser exclusivamente
consideradas favoráveis, o ser humano viu-se obrigado a reavaliar suas
crenças na supremacia da razão (SANTOS, 2013, p. 5-6).

Se a ideia era de uma humanidade sem sofrimento, percebemos no decorrer da história


que a razão e a ciência trouxeram mais situações de injustiças e diferenças. Queremos justificar
que ao citar a história do desenvolvimento da ciência, não estamos com isso, enaltecendo o
ocidente, e sim fazendo uma reflexão necessária para compreendermos como a natureza se
transformou em fonte de riquezas sendo expropriada a partir do pensamento moderno, gerando
uma crise ambiental que vem se arrastando até a contemporaneidade.
A ciência teve seu apogeu no século XIX e início do século XX, com muitos avanços e
sua aplicação prática na vida diária das pessoas por meio da tecnologia, mas é também no século
XX que as consequências negativas apareceram afetando a qualidade de vida do ser humano,
sendo chamados de problemas socioambientais, havendo necessidade de reavaliar as crenças
da razão. A crítica foi feita por ambientalistas de forma ampla e severa em relação ao uso
indiscriminado da tecnologia e ao processo de desumanização do ser humano, pois este se
distanciava cada vez mais da natureza em busca de uma vida superficial, surgindo os problemas
de poluição e efeitos nocivos à vida vegetal e animal - incluindo o ser humano - extinção de
espécies, devastação de florestas, acúmulo de lixo entre outros incontáveis problemas derivados
do capitalismo que visa o lucro a qualquer preço (SANTOS, 2013).
Houve uma crítica severa a respeito do uso indiscriminado da ciência e tecnologia na
exploração do ambiente, assim como aos efeitos dessa exploração na natureza, culminando em
vários impactos ambientais.
56

Essa crise foi atribuída à fragmentação do conhecimento, assim como à degradação


ambiental marcados pelos sistemas de pensamento da ciência moderna e pela enxurrada da
economização do mundo conduzido pela racionalidade técnica e o livre mercado resultando
num modelo de sociedade altamente consumista (LEFF, 2000).
Segundo Riojas (2003) vivemos uma crise tripla, a crise ambiental, a crise social e a
crise do saber que tem fragmentado, simplificado e acelerado o produtivismo suprimindo os
saberes e práticas tradicionais. Associado a essa crise tripla estão o conhecimento científico, o
poder e o modo de produção que estimulam o domínio da natureza com objetivo de exploração.
O conhecimento científico se desenvolveu tanto que provocou consequências na forma em que
o ser humano compreendia seu lugar e suas relações com a natureza. A relação do ser humano
com a natureza passou de submissão para uma relação avançada dos conhecimentos sobre os
fenômenos naturais, provocando a busca pelo seu domínio (SANTOS, 2013). “A natureza,
nesse contexto, está baseada no que concebemos sobre a sociedade. Se a história nos revela
domínio, a biodiversidade estará ameaçada” (OLIVEIRA JÚNIOR; SATO, 2006, p. 127).
No decorrer dos séculos, o projeto de emancipação Moderna foi questionado e criticado.
O caminho que a humanidade trilhou, principalmente em relação aos direitos humanos, levou
à crise da modernidade fazendo-se repensar alguns paradigmas entre eles a cultura.

3.1 Tratado de Educação Ambiental para sociedades sustentáveis e responsabilidade


global

O Tratado foi construído por diversos educadores ambientais de diversas partes do


mundo durante o Fórum Paralelo a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento (CNUMAD), também conhecida como ECO 92 ou Rio 92, realizada no Rio
de Janeiro no ano de 1992.
Na elaboração dos princípios da Educação para Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global (em 1992), foi reconhecida a importância da educação na formação
de uma sociedade sustentável. Com o passar do tempo verificou-se que a EA não havia se
desenvolvido como se esperava, e em 1997, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) com
os Temas Transversais, entre eles havia o tema Meio Ambiente na tentativa de se cumprir todos
os princípios e ter mais efetividade da EA na educação formal. Por essa razão a EA é transversal
na educação formal. Mas acreditamos que ela também seja transversal em relação ao ambiente
porque em sua origem também há o desejo de atingir as pessoas fora da escola, com a educação
não formal e informal, ou seja, em todos os ambientes da nossa casa, o planeta Terra.
57

Em função disso, que o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis


e Responsabilidade Global convida as populações do mundo a se responsabilizar de forma
individual e coletiva, a cuidar do ambiente. O tratado foi criado pela sociedade civil (pessoas
de todas as partes do mundo) em 1992 durante o Fórum paralelo que aconteceu na tenda 6 no
aterro do Flamengo, a Rio 92 e foi considerado o marco mundial para EA (BRASIL, 2005).
O Tratado institui princípios considerados fundamentais da educação para sociedades
sustentáveis, e enfatiza que há necessidade de: desenvolver o pensamento crítico, a consciência
local e planetária; estimular a solidariedade, a igualdade e o respeito; relacionar as políticas
públicas de EA e a sustentabilidade indicando um plano de ação e princípios para educadores
ambientais; promover ações voltadas para a recuperação, conservação ambiental e melhoria da
qualidade de vida (REBEA, 1992)
No Princípio 9 e 11 da Educação para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade
Global, temos:

9 - A educação ambiental deve recuperar, reconhecer, respeitar, refletir e


utilizar a história indígena e culturas locais, assim como promover a
diversidade cultural, linguística e ecológica. Isto implica uma visão da história
dos povos nativos para modificar os enfoques etnocêntricos, além de estimular
a educação bilíngue.
11 - A educação ambiental valoriza as diferentes formas de conhecimento.
Este é diversificado, acumulado e produzido socialmente, não devendo ser
patenteado ou monopolizado (REBEA, 1992, s.p.).

O Tratado ainda segue afirmando que a EA deve possibilitar a cooperação e diálogo


entre as pessoas e instituições com objetivo de conceber uma nova forma de viver, atendendo
a necessidade de todos sem distinções e valorizando as diferentes formas de pensamento. O
ponto que nos chama a atenção é a valorização da diversidade cultural, voltando os olhos para
a história indígena e culturas locais, tirando do foco a cultura eurocêntrica, que foi responsável
pela crise ambiental da modernidade.
Assim como no Tratado, a Constituição Federal já previa em seu artigo 225, inciso VI:
“promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para
a preservação do meio ambiente” (BRASIL, 1988, s.p.). A Lei Federal nº 6.938/81 que dispõe
sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação
(BRASIL, 1981). A Lei Federal nº 9.795/99 que dispõe sobre a Educação Ambiental e institui
a Política Ambiental e o Decreto Federal nº 4.281/2002 que regulamenta a Lei nº 9.795/99 e
que instituiu a Política Nacional de Educação Ambiental (BRASIL, 2002).
58

As Leis criadas em defesa do Meio Ambiente no Brasil e no mundo, surgiram da


emergência ambiental unido às lutas pelas liberdades democráticas onde professores, alunos,
escolas, movimentos sociais e sociedade civil organizada reivindicam a necessidade de
proteger, recuperar e conservar o ambiente (BRASIL, 2005), visto que, no final do século XX
o planeta se encontrava imerso em uma crise ambiental, associada às “relações da sociedade
com a natureza, [assim como às] relações sociais que condicionam as formas de acesso e
distribuição dos recursos deste planeta” (FIGUEIRÓ, 2011, p. 41). Nessa época, algumas
populações estavam entrando em colapso social e correndo o risco de desaparecimento (e
algumas já desapareceram) em decorrência da ruptura com os limites de sustentabilidade em
que vivem.
A pandemia mundial é resultado de um desequilíbrio ecológico que mostra a
superioridade da Natureza frente a insignificância do ser humano.

Na plena era do Capitaloceno11, a Covid-19 é apenas uma parte de uma


dramaticidade maior. A destruição da natureza e os desequilíbrios ecológicos
são alguns dos fatores que mais contribuem para aumentar a proliferação de
doenças causadas por vírus. Isso porque eles vivem em animais silvestres
(hospedeiros) e com o aumento das populações humanas invadindo áreas
naturais, cada vez mais se tem a possibilidade de contato com vírus (SATO;
SANTOS; SÁNCHEZ, 2020, p. 9).

A proliferação de doenças por vírus é apenas uma das inúmeras consequências do


desequilíbrio ecológico, visto que o crescimento da população humana gera a necessidade de
aumentar suas áreas de habitação, invadindo as áreas de florestas onde o vírus habita. Além
desse problema enfrentado mundialmente, no Brasil ainda temos que combater os incêndios
que estão destruindo o ecossistema pantaneiro.
O Brasil apresenta um recorde de focos de incêndios em 2020. O fogo chegou a
consumir cerca de 15% do Pantanal (SALANI, 2020). Segundo o professor Thiago Junqueira
Izzi, o Pantanal pode não conseguir se recuperar integralmente devido a extinção de espécies
locais provocados pelos incêndios. A professora Michèle Sato, em entrevista, afirma que tudo
isso é consequência de uma visão capitalista que visa o lucro imediato do agronegócio e
mineração (SALANI, 2020).
A sociedade Contemporânea possui uma organização de relações fundamentadas no
trabalho, que é um processo de produção e reprodução de mercadorias. Quando Natureza e ser
humano passaram a fazer parte do circuito produtivo, o capital se expandiu (OLIVEIRA, 2002).

11
Capitaloceno foi um termo criado por Jason W. Morre, historiador ambiental, que optou por essa expressão no
lugar de antropoceno, pois acredita que foi o capitalismo que gerou a crise ecológica global (UNESCO, 2018).
59

No processo de acumulação do capital, o trabalhador tem sido despojado do


conjunto dos meios materiais de reprodução de sua existência e forçado a
transformar sua força de trabalho em mercadoria, a serviço do próprio capital,
em troca de um salário. O capital separa os homens da natureza, em seu
processo de produção/reprodução e impõe que o ritmo do [ser humano] não
seja mais o ritmo da natureza, mas o ritmo do próprio capital (OLIVEIRA,
2002, p. 6).

Quando o capital induz o aumento da produtividade do trabalho, aumenta também a


exploração do trabalho e da Natureza provocando a destruição da mesma e o desequilíbrio
ecológico.
Para Coronil (2005) a natureza é vista como força geradora de riqueza e de modernidade
a partir da exploração e transformação que o ser humano fez e faz sobre meio natural. Coronil
ainda salienta que Marx admite que a natureza tem um importante papel na criação da riqueza,
mas ele não amplia essa ideia durante o desenvolvimento de sua tese sobre a produção
capitalista. Porém:

[...] numa outra seção merecedora de muita atenção, Marx sustenta que as
propriedades físicas das mercadorias não têm nada a ver com sua existência
como mercadoria. No meu ponto de vista, a materialidade das mercadorias é
inseparável de sua capacidade para constituir e representar a riqueza. Como
unidade de riqueza, a mercadoria encarna tanto sua forma natural como sua
forma de valor. Apesar de suas diferentes modalidades, a exploração
capitalista implica a extração do trabalho excedente (mais-valia) dos
trabalhadores bem como das riquezas da terra. A exploração social é
inseparável da exploração natural, de sentido distinto, mas de fundamental
relevância (CORONIL, 2005, p. 51).

A exploração capitalista não está apenas na extração do trabalho excedente dos


trabalhadores, mas também extração das riquezas da terra, ou seja, a exploração social está
associada à exploração natural.
É importante, na concepção de Coronil (2005), não pensar apenas em uma dialética
binária, mas sim reconhecer a dialética tripla entre o trabalho, o capital e a terra porque analisar
dessa forma, coloca o desenvolvimento do capitalismo em condições globais desde seu início,
tornando a visão mais ampla em relação à economia e a política ajudando a descrever a divisão
do trabalho como uma divisão simultânea da natureza.
O capitalismo “é um sistema econômico baseado na propriedade privada dos meios de
produção e na propriedade intelectual, que tem como objetivo a obtenção de lucro através do
risco do investimento” (ALBUQUERQUE, 2007, p. 50). A iniciativa privada decide sobre os
investimentos e a lei da oferta e da procura controla a produção, distribuição e preços dos bens.
O objetivo do capitalismo é produzir mercadorias infinitamente para serem consumidas, assim
60

como o contrário também acontece, se consome muito e em consequência se produz cada vez
mais. Cria-se a cultura do consumo onde as necessidades humanas se reduzem à aquisição de
produtos supérfluos instigados pelo marketing que fazem as pessoas acreditarem que sua vida
depende daquele produto preenchendo “a vazia vida humana que se encontra alienada não só
da natureza, mas de sua própria atividade produtiva” (SANTOS, 2013, p. 11).
Analisar o capitalismo a partir do colonialismo permite-nos perceber os papéis que o
trabalho e a natureza colonial tiveram sobre a formação do mundo moderno.

Desta perspectiva, o capitalismo aparece como o produto não só da


engenhosidade de empresários e inventores europeus, da racionalidade dos
Estados metropolitanos, ou do suor do proletariado europeu, mas também da
criatividade, do trabalho e da riqueza natural sob o controle dos europeus em
seus territórios de ultramar (CORONIL, 2005, p. 52).

A invasão do continente americano é o período de articulação de dois processos que


corresponde à modernidade e a organização colonial do mundo (LANDER, 2005). Com o
colonialismo da América inicia-se a organização colonial do mundo em relação aos saberes,
linguagens, memória, imaginário e do ambiente.
A literatura pós-colonial mostra que a conquista ibero-americana desejava ascensão por
meio da dominação de povos, culturas e exploração da natureza, no caso extração de madeira e
minerais (TRISTÃO, 2014). Embora a ocupação territorial tenha acabado as relações de poder
permanecem, sendo importante recuar no tempo para fazer uma releitura crítica da história
como um todo, com objetivo de compreender os reflexos desse evento para as sociedades hoje,
analisando as relações de poder entre as metrópoles e suas antigas colônias assim como
consequências dos processos de colonização (SILVA, 2004).
Na América Latina o pensamento decolonial “emerge das lutas e resistências de grupos
sociais historicamente silenciados pela modernidade-colonialidade” (KASSIADOU et al.,
2018, p. 37), que sofrem com as injustiças ambientais como ribeirinhos, indígenas e
comunidades extrativistas, que possuem com o ambiente uma relação intrínseca.
A exploração capitalista da natureza é um desdobramento da colonialidade do ser, do
poder, do saber e do ambiente (QUIJANO, 2014; FIGUEIREDO, 2010; WALSH, 2009). Sobre
a colonialidade ambiental, Figueiredo (2010) destaca que:

[...] esta metáfora se torna possível mediante o entendimento que falar de


ambiental é falar de um conjunto de princípios e valores que integram o social,
o ecológico, o político, o cultural, o ético. Assim, ao falar em descolonialidade
ambiental fala-se de descolonialidade do poder, do saber, do ser, da mãe
natureza (FIGUEIREDO, 2010, p. 15).
61

Foi a partir da teoria pós-colonial que se iniciou uma análise de como as narrativas
dominantes constroem o sujeito subalterno, o outro enquanto objeto. Já nas escritas dos
colonizados é analisada a narrativa de resistência ao poder imperial (SILVA, 2004).
Neste sentido, a teoria pós-colonial nos faz refletir a partir do passado, as relações de
poder do império sobre a colônia, e em nosso caso, nos aspectos ambientais, visto que, as
colônias sempre foram tidas como locais de exploração de recursos naturais e minerais, pois
nessa época a ciência estava em expansão e a lógica racional dizia que a natureza deveria ser
explorada e dominada.
Tristão (2014, p. 478) compreende que a teoria pós-colonial traz contribuição
significativa ao campo da Educação Ambiental pois:

[...] trata-se de uma forma de compreender as relações cultura e meio ambiente


local/global, com uma contribuição fundamental para rever os pressupostos
da lógica determinista e da proposta oficial de políticas internacionais que nos
conduzem, da mesma maneira, a uma educação para o desenvolvimento
sustentável, por exemplo, com repercussão de um discurso consensual para a
preservação e proteção da natureza.

A autora acredita que a teoria dá suporte para as discussões a respeito da Educação


Ambiental, questionando as relações de poder criadas pela colonização em relação à exploração
da natureza e os impactos socioambientais gerados pela economia extrativista (TRISTÃO,
2014).
A EA inspirada na teoria pós-colonial, está partindo para desenvolver caminhos
alternativos das relações de poder, de colonização e submissão entre culturas e nações
(TRISTÃO, 2014). A teoria pós-colonial tem dado ênfase no:

[...] entendimento dessas três dimensões – lugar, a cultura e a narrativa – e


reforçada pelo argumento de que a cultura residual, cotidiana, ordinária,
dominante e emergente, está intrinsecamente associada à experiência vivida
com o meio ambiente. É um comportamento de busca social com o lugar que
se traduz e se reflete em uma produção narrativa. As práticas narrativas
refletem nossa relação com o mundo e a cultura como produção subjetiva que
coleta experiências com os lugares (TRISTÃO, 2016, p. 45).

As comunidades que se relacionam com as dimensões do desenvolvimento social,


ambiental, econômico e cultural são nomeadas por Tristão (2014) de comunidades sustentáveis,
pois possuem técnicas e práticas sustentáveis. Essa forma como os indígenas se relacionam com
o ambiente faz parte de outra lógica, e na perspectiva os Estudos Culturais (EC) também
favorecem a compreensão dessa outra ótica voltada para o entendimento de como o
62

conhecimento e os significados são elaborados, organizados e reconstruídos (URQUIZA;


CALDERONI, 2015).

Os Estudos Culturais nos parecem ser um campo epistêmico de reflexões e


argumentos que possibilitam compreender a cultura dos povos indígenas com
outros olhares e, ao mesmo tempo, atribuir a ela diferentes formas e
significados, que não aqueles pautados pelas representações preconceituosas
e excludentes. Esse campo de saber se difere de outros campos que buscam
superar conceitos e categorias estabelecidos, indicando-os como insuficientes
para uma análise social e cultural, pois não tem a pretensão de encontrar a
verdade, e sim colocar determinados conceitos “sob rasura” para pensar o isso
e o aquilo que constituem uma relação com lógicas diferentes (URQUIZA;
CALDERONI, 2015, p. 20).

Com esse entendimento, consideramos que as comunidades indígenas possuem uma


cultura com uma lógica diferente, as narrativas contadas pelas comunidades tradicionais a partir
das histórias e dos mitos são valiosas, no sentido de compreender o respeito pelas relações e
inter-relações de interdependência com os outros seres vivos e não vivos (físicos e espirituais).
É uma lógica diferente a sua visão de mundo e de vida, que promove a sustentabilidade em seus
espaços de vivência e convivência, seus lugares de cultura. Compreender tais relações parece
ser um caminho a ser trilhado no sentido de refletir e debater soluções para os impactos
ambientais herdados da Ciência Moderna.
Dessa forma, as teorias Pós-Coloniais, nos possibilitaram fazer análises outras da
relação sustentável do indígena no meio ambiente, assim como compreender de que maneira
sua cosmologia organiza seus conhecimentos e suas relações. Compreender essas práticas e
aprendizagens socioambientais, com intuito de esclarecer se as comunidades autóctones criam
outras formas de produção com o ambiente natural e processos de identificação cultural, diante
dos modos globalizantes de homogeneização cultural, são um dos direcionamentos das
pesquisas em Educação Ambiental proposta por Tristão (2014) com a qual coadunamos.
Pelo fato da cosmologia Terena organizar os conhecimentos e as relações com o
ambiente, com diferentes formas de produção, afirmamos nossa tese de que os saberes
tradicionais da etnia Terena podem ser utilizados no desenvolvimento de uma Educação
Ambiental decolonial.
63

4 OS TERENA EM MATO GROSSO DO SUL E SUA RELAÇÃO COM A NATUREZA


A PARTIR DE SUA COSMOLOGIA

Figura 4: Dona Nilza, seu Cirino (anciões) e o neto Miguel com seu quito (periquito)

Fonte: Acervo particular da autora.


64

A cultura de Mato Grosso do Sul é influenciada por muitas culturas, entre elas a
indígena. As etnias indígenas presentes em nosso Estado são: Kaiowá, Guarani Ñandeva,
Terena, Kadiwéu, Guató, Ofaié, Kinikinawa, Camba e Atikum. Em termos populacionais as
três maiores etnias do Estado são Guarani, Kaiowá e Terena. Vejamos a origem desses grupos
e como chegaram ao Mato Grosso do Sul.
Dois grupos pertencentes a família linguística Aruak, por ocuparem regiões diferentes
recebiam denominações diferentes. O grupo que vivia a oeste ao longo dos Andes, mais
especificamente na borda noroeste do Gram Chaco eram os Chané, e aos que viviam na bacia
do Paraguai, na região nordeste, eram os Txané, os quais foram chamados pelos conquistadores
espanhóis de Guaná12, que significa “muita gente” (BITTENCOURT; LADEIRA, 2000;
OLIVEIRA, 1976).

12
Nome utilizado pelos cronistas dos séculos XVII, XVIII e XIX e assim usado até hoje.
65

Figura 5 - Localização aproximada da região ocupada pela nação Txané Guaná na América do
Sul no século XVI

Fonte: Mapa produzido por Ricardo de Miranda Kleiner (2020), baseado nas coordenadas geográficas fornecidas
por Oliveira (1976) e Sánchez Labrador (1910).
66

A nação Txané Guaná possuía os seguintes subgrupos: Layânas, Etelena, Echoaladi,


Equini Quinau13 e Niguecactemic. Este último grupo não atravessou o rio Paraguai,
conservando-se no Êxiva14 até sucumbir. Os quatro primeiros grupos migraram para o Brasil,
atravessando o rio Paraguai, de forma gradativa durante a segunda metade do século XVIII
(BITTENCOURT; LADEIRA, 2000).

Figura 6 - Possível território ocupado pela Nação Txané Guaná no século XVI

Fonte: Mapa produzido por Ricardo de Miranda Kleiner (2020), baseado nas coordenadas geográficas fornecidas
por Oliveira (1976) e Sánchez Labrador (1910).

No Êxiva, ou Chaco Paraguaio, além da nação Guaná, também viviam os Mbaya


Guaikurú, os Guarani e outras etnias. Os Guaná eram aliados dos Guaikurú e portugueses, os
Guarani aliaram-se com espanhóis contra os Guakurú. A seguir a relação Guaná-Guakurú será
discutida.

13
Layânas, Etelena, Echoaladi e Equini Quinau eram denominações usadas pelos Guaikurú. Equivalentemente
a esses nomes os Guaná se autodenominavam Chanás, Terêna, Choarana e Quainoconas (OLIVEIRA, 1976,
p. 28)
14
Chaco Paraguaio.
67

Os Mbayá Guaikurú eram nômades, caçadores, coletores e viviam em guerras por


território e recursos naturais, com outros grupos chaquenhos devido a sua superioridade pugnaz.
Os sobreviventes dessas batalhas eram levados pelos Guaicurú como cativos. Essa
superioridade guerreira dos Guaikurú aumentou depois que incorporaram os cavalos trazidos
pelos espanhóis na época da colonização.
Segundo Alvar Núñez Cabeza de Vaca, em seus escritos de viagens por volta de 1543,
organizou junto com seus aliados os Guarani15, um ataque contra os Guaikurú, e a reação destes
ao verem o cavalo pela primeira vez foi de terror, conforme descrito abaixo:

E quando os índios inimigos [Guaicurú] viram os cavalos, que nunca haviam


visto antes, o terror que tomou conta deles foi tão grande que fugiram tantos
quanto puderam até adentrar as montanhas, e ao passar pela aldeia atearam
fogo numa das casas e como eram feitas de palha, e de cana de junco, começou
a arder pegando fogo rapidamente e se espalhando por todas as outras casas,
em torno de vinte casas, cada uma com quinhentos passos (CABEZA DE
VACA, 1922, p. 218, tradução nossa).

Embora tenham tido muito medo num primeiro momento, os cavalos devem ter causado
muita curiosidade nos Guaikurú, o que deve tê-los levado a espionar os espanhóis usando os
cavalos durante anos, até o momento que sentiram segurança em roubá-los, como mostra Felix
de Azara, militar das fronteiras espanholas no Paraguai e naturalista entre outros títulos, em
seus escritos:

Os primeiros cavalos dos Mbayá eram poucos e ruins, foram roubados numa
noite aos arredores do vilarejo Ypané, em 1672, e como gostaram deles,
voltaram seis meses depois e roubaram mais juntamente com algumas éguas.
Eles ainda não são bons cavaleiros, e embora tenham experimentado freios de
ferro, eles usam mais a vara (AZARA, 2003, p. 36, tradução nossa).

O cavalo aumentou a mobilidade dos Guaikurú ampliando vastamente seus domínios


até o Pantanal e passaram a ser conhecidos como “índios cavaleiros”. Adotaram a lança com
ponta de ferro aumentando seu poderio bélico. Passaram a roubar com mais frequência
povoados espanhóis, principalmente as estâncias crioulas. Roubavam cavalos, gado e utensílios
de ferro. A soberania guerreira deles era tão grande que seus cativos diversificaram incluindo
portugueses, espanhóis e negros (RODRIGUES, 2009; PETSCHELIES, 2013).
Com os Guaná não era diferente, sempre os afligiram com guerras diárias emboscando-
os no caminho de ida ou volta da roça e pisoteando suas plantações destruindo-as. Isso era tão
constante que obrigou os Guaná a pedirem paz e passaram a dar voluntariamente parte da

15
Os Guaraní eram inimigos dos Guaná e dos Mbayá-Guaikurú e, por essa razão, se aliaram aos Espanhóis.
68

colheita na tentativa de poupar o resto, evitando também mortes de membros do seu grupo.
Além disso, os Guaikurú implementaram a técnica de se casar com cacicas Guaná e também os
presenteavam com ferramentas de ferro para facilitar seu domínio e legitimar sua hegemonia
(OLIVEIRA, 1976).
Pessoas que presenciaram, observaram e descreveram a vida dos indígenas nessa época,
contam que os Guaná estavam ligados aos Guaikurú numa relação subalterna, servindo-lhes
como vassalos. Mas uma análise mais profunda nos permite entender essa relação como uma
aliança e não como submissão, visto que, os Guaikurú eram nômades, caçadores, coletores e
guerreiros, enquanto os Guaná eram agricultores e numerosos. Isso fazia dos Guaná
fornecedores de bens de consumo, dessa forma não seria sensato aniquilá-los como fizeram
com outras etnias na época. Nesse caso, fazer uma aliança com os Guaná era mais inteligente
para a continuidade de sua hegemonia (OLIVEIRA, 1976).
Essa relação de cooperação entre Guaná e Mbayá-Guaikurú, alguns cronistas do século
XVII, como Alexandre Rodrigues Ferreira, a descrevem como sendo uma simbiose: “[...]
procuramos caracterizar o processo de interação intertribal, Guaikurú-Guaná [...] essa estreita
interação – que poderíamos classificar de simbiótica [...]” (OLIVEIRA, 1976, p. 36)
Simbiose é um conceito biológico definido como uma associação entre seres de espécies
diferentes que resulta em vantagens para ambos. Na tentativa de explicar a relação existente
entre os grupos Guaná e Mbayá-Guaikurú muitos autores usaram o termo simbiose, mas como
se tratam da mesma espécie (humana) denunciamos que tal conceito foi usado erroneamente.
Mas, dentre os conceitos de ecologia sobre relações ecológicas, o termo mais adequado nesse
caso é o de sociedade. Essa relação é composta por seres da mesma espécie que vivem em
cooperação, ou seja, há uma divisão de trabalhos para que todos os membros dessa sociedade
tenham vantagens.
É importante destacar que essa relação Guaikurú-Guaná, ocorria mais entre os
subgrupos Exoaladi e Kinikináu, tanto que na metade do século XVIII os Exoaladi estavam
totalmente incorporados aos Mbayá-Guaikurú. Os Terena eram mais reservados e se
mantinham distantes das outras etnias e grupos, assim como também dos não indígenas já
presentes no Êxiva (OLIVEIRA, 1976).
Os Guaná eram subdivididos em cinco tribos16, Terêna, Layâna, Kinikináu Exoaladi
(também chamados de Guaná) e Neguecactemic. Segundo os escritores setecentistas, enquanto

16
Tribo era a denominação usada pelos escritores dos séculos XVII e XVIII para se referir a um grupo indígena,
mas por ter cunho colonialista deixou de ser utilizada e em seu lugar passou a ser usado a palavra etnia ou povos
para designar um grupo indígena.
69

os quatro primeiros subgrupos atravessaram o rio Paraguai em direção ao Brasil, os


Neguecactemic não os seguiram nessa travessia, permanecendo no Chaco até desaparecem
completamente (OLIVEIRA, 1976).
A travessia em direção ao Brasil, iniciou por volta da metade do século XVIII, entre
1760 e 1767, se instalando às margens do rio Miranda, no atual estado do Mato Grosso do Sul.
A saída dos indígenas do Chaco se deu em virtude das guerras em que eram envolvidos, entre
espanhóis e portugueses por território e por metais preciosos.
Sánches Labrador no sec. XVIII tentou explicar o motivo pela mudança de território
pelos povos que viviam no Chaco:

Como eles se multiplicavam muito foi necessário expandir seus territórios, e


muitos caciques passaram para a margem oriental, onde brigaram com
cinquenta índio cristãos que viviam em número reduzido (SÁNCHEZ
LABRADOR, 1910, p. 266, tradução nossa).

Ao mesmo tempo em que os indígenas que deixaram o Chaco, chegavam no Sul de Mato
Grosso em 1760 (séc. XVIII), ocorria a expansão da sociedade brasileira. No sudeste brasileiro,
entre os rios Paranaíba e rio Grande, acontecia uma ocupação de terras por não indígenas,
apontada por Oliveira (1976) como uma onda pastoril. Nessa época (sec. XVIII) essa região,
margem esquerda do rio Paraguai, era ocupada por gado baguá17 e cavalos de origem espanhola,
trazidos por Cabeza de Vaca em 1543.
Os Guaná ocupavam uma região chamada Itatins, naquela época. Essa região recebeu
quase ao mesmo tempo dois grupos humanos vindos de origem distinta. Os grupos vieram do
Nordeste pelos rios Grande e Paranaíba, mas enquanto um grupo descia para ao sul pelo rio
Paraná rumo aos campos de vacaria, o outro grupo seguiu para o oeste, até Coxim.
Em 1791, já vivendo em território brasileiro, os Guaikurú assinaram um tratado de
proteção com a Coroa Portuguesa, fazendo deles súditos da rainha portuguesa. Esse tratado fez
a aliança entre Guaná e Guaikurú desfalecer, visto que ao aumentar o contato com os não
indígenas, os Guaná já não precisavam mais da proteção dos Guaikurú. Esse tempo anterior à
Guerra do Paraguai, os Terena nominaram de “Tempos Antigos” (BITTENCOURT;
LADEIRA, 2000).
Segundo Bittencourt e Ladeira (2000), em 1850, numa forma de forçar a colonização
no interior do Brasil, o governo decretou a “Lei de terras”, determinando que as terras podiam
ser vendidas e compradas sem aprovação do governo, além disso, o governo passou a vender

17
Gado selvagem.
70

por meio de leilão as terras sem registro de propriedade (terras devolutas). As terras passam a
ter mais valor e gerar lucros para seus proprietários. Um mês depois da implantação dessa Lei,
o governo chamou as terras de indígenas que não viviam em aldeias, de terras devolutas. O
grande território indígena “mansos” foi vendido em leilão. Nessa época o governo classificou
os indígenas em dois grupos: os “mansos” e os “bravos”. Os bravos (selvagens) pegavam armas
e defendiam suas terras, essa atitude fazia com que o governo os reconhecesse como donos
dessa terra. Já os mansos (civilizados) que viviam em pacificidade com os não indígenas e os
“bravos”, o governo os despojou tornando suas terras devolutas.
Mas, as consequências desse maior contato com os não indígenas, só foi sentido com
mais intensidade pelos Guaná, após a Guerra do Paraguai que ocorreu de 1864 a 1870 (séc.
XIX). Durante a Guerra do Paraguai os Guaná e Guaikurú se aliaram aos brasileiros para
defender e preservar seus territórios. Após a Guerra do Paraguai, uma parte do exército
brasileiro, não voltou para sua terra natal, preferindo permanecer nessa região, principalmente
entre os rios Miranda e Aquidauana. Quando os indígenas voltaram para suas antigas terras,
viram que estas já eram disputadas pelos novos proprietários18 (OLIVEIRA, 1976;
BITTENCOURT; LADEIRA, 2000). Segundo Bespalez (2015, p. 76), “as terras da região
foram loteadas e os índios remanescentes foram escravizados nas colônias de fazenda, sendo
poucos os grupos que lograram manter identidades étnicas, sistemas culturais e territórios
tradicionais”. Diferente do autor, entendemos que nenhum grupo manteve fixa suas identidades,
sistemas culturais e nem mesmo o território, e no caso dos Terena, até diminuiu, as matas foram
derrubadas para dar lugar ao pasto. Perderam território de caça e pesca, afetando a vida, os
costumes, a cultura e a sobrevivência dos indígenas.
As fazendas cresceram em quantidade e os Terena ficaram sitiados. Parte dos Terena
fugiram para locais mais distantes deixando suas terras para os fazendeiros. Aqueles que
ficaram viram suas roças serem destruídas pelo gado. Com a vida difícil nas aldeias os Terena
se viram obrigados a trabalhar nessas fazendas em regime de escravidão (BITTENCOURT;
LADEIRA, 2000). Em troca do serviço, recebiam uma miséria de dinheiro, com o qual
compravam alimentos nos mercadinhos das próprias fazendas e como não era suficiente para
comprar tudo que precisavam, entravam no fiado e ficavam devendo ao fazendeiro. Os
indígenas lembram-se dessa fase de sua história como “tempos de servidão ou de cativeiro”
(OLIVEIRA, 1976; BITTENCOURT; LADEIRA, 2000).

18
Oficiais do exército brasileiro e comerciantes que lucraram com a guerra.
71

Dom Pedro II, em 1888, deu início a construção de linhas telegráficas pelo interior do
Brasil. Quando o Brasil passou a ser uma república em 1889, o governo tinha o objetivo de
controlar melhor o vasto território brasileiro, então deu continuidade à construção de linhas
telegráficas iniciada por Dom Pedro II e expandiu a política de construção de estradas de ferro,
melhorando a comunicação e o transporte (BITTENCOURT; LADEIRA, 2000). Dessa forma,
o terceiro grupo humano a ocupar essa região, veio com a construção de linhas telegráficas e
da estrada de ferro pela NOB19, que ligou São Paulo a Porto Esperança, desenvolvendo
economicamente essa região, o que atraiu cada vez mais pessoas para fixar residências ao longo
da estrada de ferro (OLIVEIRA, 1976).
Segundo Urquiza (2005), a construção das linhas telegráficas do trecho de Cuiabá até a
fronteira com a Bolívia, foi comandada pelo Marechal Rondon20 que já possuía experiência
anterior. Rondon convenceu os indígenas Bororo do Mato Grosso, a ajudar nessa construção,
mas quando chegaram próximo ao território dos Terena e Guaikurú, por medo, eles o
abandonaram e Rondon os substituiu pelos Terena que permaneceram até o fim dos trabalhos.
Durante esses anos com os Terena, Rondon testemunhou a exploração dos fazendeiros em
relação a eles.
Com a estrada de ferro e a linha telegráfica, estima-se que nessa região, houve um
crescimento populacional em torno de cem mil pessoas (OLIVEIRA, 1976). A ambição dos
fazendeiros por terras, marcava a vida dos indígenas. Com muita crueldade matadores de
aluguel (bugreiros) eram contratados para matar indígenas e facilitar a posse de suas terras.
Com negativa repercussão em nível internacional da situação, o governo se viu obrigado a
resolver o problema com uma política que resolvesse o problema de ambos os lados. Houve
muitos debates e discordâncias, assim como indicações do que seria melhor para os indígenas
em relação às suas terras, vida, educação, cultura. E em meio a toda essa confusão, os indígenas,
que eram os mais interessados, nunca puderam se expressar sobre sua própria vida.
Resolveu-se que os indígenas teriam suas reservas delimitadas e controladas por
funcionários do governo. As reservas direcionadas a eles sempre foram menores que seu
território original. Em 1910, foi criado o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de
Trabalhadores Nacionais e quem ficou à frente desse órgão foi Rondon, escolhido pelo serviço
desenvolvido com indígenas nas linhas de telegráficas (BITTENCOURT; LADEIRA, 2000).
Para assumir esse cargo Rondon fez as seguintes imposições:

19
Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.
20
Cândido Mariano da Silva Rondon.
72

• "pacificar" o índio arredio e hostil, para permitir o avanço dos purutuyé nas
zonas pioneiras, isto é, recém-abertas para a colonização.
• demarcar suas terras, criando "reservas indígenas", lotes de terra sempre
inferiores aos territórios anteriormente ocupados pelos índios. A justificativa
é que "pacificados" não precisavam mais "correr de um lado para outro".
• educar os índios, ensinando a eles técnicas de agricultura, noções de higiene,
as primeiras letras e ofícios mecânicos e manuais para que pudessem sair da
condição de índio bravo e serem transformados em trabalhadores nacionais.
• proteger os índios e assisti-los em suas doenças (BITTENCOURT;
LADEIRA, 2000, p. 95).

Rondon desenvolveu o seu trabalho sem qualquer compreensão da cultura indígena,


sendo perceptível quando ele pondera que os indígenas ao serem pacificados não precisariam
correr de um lado para o outro. Com essa redução de terras ele não levou em conta que o
território tem significados para o indígena nos rituais de caça, pesca e na religião, se o território
não fosse grande, não teria capacidade para sustentar a vida indígena em sua essência. O ensino
de técnicas agrícolas e mecânicas ao indígena e introdução da educação escolar só tinha o
objetivo de descaracterizar a cultura para geração de mão-de-obra barata.
Analisamos as técnicas de Rondon como negativas culturalmente para os indígenas, mas
ao mesmo tempo ele também foi crucial para a sobrevivência dos Terena. Segundo Bespalez
(2015) muitos indígenas que estavam escravizados em fazendas foram libertados por Rondon
e agregados pelo SPI nas reservas indígenas. “Nesse período, muitos índios guaikurú, terena,
layaná e kinikinau foram libertos dos cativeiros e confinados21 em reservas indígenas tuteladas
pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), sob o pretexto da assimilação e da aculturação à
sociedade nacional” (BESPALEZ, 2015, p. 76). Dessa forma, se não fosse Rondon, com essa
atitude, mesmo que truculenta em relação à cultura indígena, não saberíamos se essas etnias
estariam aqui hoje para nos contar suas histórias, talvez essa etnia também fosse exterminada
como ocorreu com muitas outras no Brasil.
No século XIX, as casas eram retangulares com paredes de 1,60 m. O telhado de duas
águas era revestido de sapé ou folhas de acurí e quase chegavam ao chão, possuía no centro
uma viga apoiada em três postes, um no meio e os outros um em cada extremidade da casa. Os
caibros e ripas se apoiavam na viga central e nas paredes. As paredes da frente e do fundo, em
sua parte superior, eram inclinadas para o interior da casa. A casa possuía abertura sem porta.
No século XVIII, a organização espacial da aldeia Terena se dava em função de uma praça
central e ao redor desta, se distribuíam as casas em círculo. Os telhados das casas no Chaco,

21
Termo usado por Brand em sua tese de doutorado em 1997, comparando os aldeamentos a confinamento de
gado, em função da quantidade de pessoas por espaço ocupado.
73

eram arqueados, mas sobre essa característica dos telhados, os Terena entrevistados por
Altenfelder não se recordavam disso (ALTENFELDER SILVA, 1949).
Dentro da casa tinha um jiraus22, usados como camas. Faziam um trançado de bambu e
couro para colocar sobre o jirau e sobre o trançado colocavam-se peles de animais. Enquanto
os Terena do Século XVIII não tinham mesa, banco ou rede, no lugar de bancos usavam e
sentavam-se em esteiras de palha. Os utensílios usados no cotidiano eram potes de barro, bolsas
de fibra vegetal trançada, cabaças cortadas ao meio e cestarias. Os alimentos eram guardados
nas cestas e bolsas que ficavam penduradas no teto e paredes. Nas cabaças eram guardados mel
e água. Dentro das casas eram guardadas as armas que eram arcos, flechas, lanças e clavas, as
ferramentas que eram foice, machado, bastão de cavar e fusos de fiar e peles de animais,
matérias de pintura, enfeites e presas de guerra (ALTENFELDERSILVA, 1949).
Segundo Altenfelder Silva (1949) os Terena se vestiam com xiripá23, e durante a guerra
essa saia era curta e preta e as mulheres prendiam os cabelos longos em um coque. Usavam nos
pés “alpercatas de couro, de forma pentagonal, com uma tira de couro que descansava no peito
do pé” (ALTENFELDER SILVA, 1949, p. 289). No inverno usavam camisas de algodão sem
manga. Usavam colares e pulseiras de fios de algodão com sementes, dentes e ossos de animais
e enfeites de pena na perna. Usavam braceletes de ouro ou prata que conseguiam com Mbayá.
Nas festas pintavam o corpo com riscas em branco e preto, colocavam tiaras de penas vermelhas
e saias de penas de ema. As tintas pretas eram feitas de jenipapo e carvão. Os desenhos feitos
no corpo tinham traços finos, delicados e harmônicos. Os chefes usavam penas amarelas de
papagaio e somente eles podiam usar, porque o papagaio era consagrado como chefe. Usar pena
de papagaio significava que o inimigo havia morrido em batalha. Durante a guerra, o chefe de
guerra vestia pele de onça em forma de capa. Devido a crenças mágicas, depilavam o corpo
todo menos a cabeça (ALTENFELDER SILVA, 1949).
Quando viviam no Chaco, o ambiente era amplo e não dependiam unicamente da
agricultura, lá caçavam, pescavam e coletavam também. O plantio era determinado pelas
chuvas. A primeira florada no mato indicava a época de plantar, por volta do fim de agosto e
início de setembro. A estação das chuvas começava em outubro e se entendia a maio, período
em que os Terena plantavam e colhiam. Fora desse período o Terena desenvolvia a caça, pesca
e coleta. A coleta se dava de janeiro a abril, a caça de abril a junho e a pesca de junho a agosto
fechando o ciclo (ALTENFELDER SILVA, 1949).

22
Cama de varas a meia altura do chão.
23
Saia que ia da cintura até os joelhos.
74

No final de agosto os homens iniciavam a limpeza do mato na roça inicialmente com


uma foice de madeira e depois adotaram a enxada. O mato era amontoado e queimado, e os
troncos carbonizados que sobravam eram cortados e macetados para serem incorporados ao
ambiente novamente. Faziam as covas com um bastão de madeira, e alguns Terena lembrara da
existência de um arado rudimentar de madeira. Depois de abertas as covas, as mulheres
ajudavam colocando as sementes. Costumava-se plantar milho, mandioca, fumo, batata doce,
cará, abóbora (ALTENFELDER SILVA, 1949).
Na atividade de pesca, geralmente saiam em grupos de cinco a doze homens, enquanto a
caça era feita individualmente. Para caçar usavam arco, flecha e zagaia que era de madeira com
ponta de osso no início e depois passaram a usar ponta de ferro. Quando viviam no Chaco caçavam
onça, veado, anta e jaó. Na pescaria usavam o arco e a flecha e o cipó timbó que libera uma toxina
que deixa os peixes atordoados, facilitando a pescaria, também pescavam à mão, com anzol e linha
e com o covo, uma espécie de armadilha de fibras trançadas. Os peixes mais capturados eram o
marobá, traíra, dourado e bagre. Homens e mulheres participavam da coleta de frutas silvestres,
mel, ovos de tartaruga e ema, palmito e raízes medicinais (ALTENFELDER SILVA, 1949).
75

Figura 7 - Atividades Terena desenvolvidas durante o ano, nos séculos XVII a XIX antes da
guerra do Paraguai

Fonte: Autoria própria (2020).

As mulheres se dedicavam aos afazeres domésticos, à fiação e a cerâmica. Os Terena


criavam o cavalo e a vaca introduzidos pelos espanhóis. Esses animais eram capturados após
combates com tribos vizinhas. Como viviam em terrenos pantanosos usavam o boi como meio
de locomoção, pois o boi se locomove melhor nesse ambiente. Criavam também papagaios,
araras e cães (ALTENFELDER SILVA, 1949).
A cerâmica era produzida pelo método de espirais de argila, dessa forma, faziam potes
e panelas que eram enfeitadas com desenhos pintados em preto e branco. Depois de pintados
com resina de jatobá, os potes eram cozinhados e o fogo era feito por meio da fricção de duas
varetas, uma perpendicular à outra, empreendendo o movimento de rotação sobre a base.
Carandá, piri e bambu eram usados na fabricação de cestos e abanicos. Os cestos usados para
guardar alimentos e também usados para carregar crianças. As mulheres fiavam fibras de
palmeiras e algodão. Para fiar algodão usavam um fuso de vareta de madeira e tortural de barro,
para fibras mais grossas, o fuso era do mesmo material, só que maiores.
Quadro 2 - Comparação da vida dos Terena no decorrer dos sécs. XVIII, XIX. XX e XXI

SÉC. XXI
SÉC. XX
FINAL DO SÉC. XVIII E SÉC. XIX Somos irmãos
Viraram brasileiros
Viviam no Gran Chaco Informações sobre a aldeia Lagoinha
Informações sobre a aldeia Bananal
(originaria do Bananal)
VIDA ECONÔMICA Caça, pesca, coleta e agricultura (roça) Trabalhavam: Trabalham empregados nas fazendas
cada família tinha a sua. Nas suas roças nos meses de chuva; nas próximas, nas escolas públicas como
fazendas como peão nos meses de professores, ou servidores, ou nos postos de
estiagem; saúde como técnicos de enfermagem e
Na conservação de linhas férreas; serviços diversos e muitos são contratados
Possuíam profissões: Agricultor, na colheita de maçã, ficando fora de casa de
trabalhador de posto do SPI, ourives, fevereiro a abril e de novembro a dezembro.
comerciantes, carroceiro, cesteiro,
criador, sapateiro, pedreiro e as mulheres
lavam roupas para fora.
Muitos saem da aldeia para trabalhar na
usina de Cana-de-açúcar.
CASA Casas retangulares sem porta com *Casas de tijolos caiados e coberta de *Casa de alvenaria com telhado de tijolos e
telhado de folhas de acurí com duas que telhas; varandas feitas de madeira coberta com
descia próximo ao chão. As casas *Feitas com adobe, caiadas e cobertura sapé, que reduz o calor.
ficavam ao redor de uma praça central. de telhas; Poucas casas são feitas de pau-a-pique
*Feita de adobe, caiadas cobertas com coberta com sapé.
sapé; Apenas uma casa na aldeia não possui porta.
*Feita de pau-a-pique barreadas e
recobertas com sapé;
*Casa de tijolo com telhado de sapé;
*Casa de pau-a-pique com telhado de
telha.
As casas possuíam janelas de madeira e
sem portas, apenas a abertura.

76
Continuação

SÉC. XXI
SÉC. XX
FINAL DO SÉC. XVIII E SÉC. XIX Somos irmãos
Viraram brasileiros
Viviam no Gran Chaco Informações sobre a aldeia Lagoinha
Informações sobre a aldeia Bananal
(originaria do Bananal)
MOBILIÁRIO/UTENSÍLIO Mobília: Jirau recoberto de pele de *Jirau recoberta com coberta de algodão, Todos os moveis e utensílios de uma casa da
animais para dormir; esteiras para sentar; bancos, redes; sociedade ocidental.
tapetes de pele. *Utensílios de cozinha, panelas e canecas
Utensílios: potes de barro, cestaria, de barro e de ferro esmaltadas, xícara de
cabaça, arco e flecha, lança, clava, foice, porcelana, prato de barro e alumínio,
machado de pedra e depois de ferro, colheres de alumínio, copos de vidro, faca,
bastão de cavar, fuso de fiar, enfeites de cestos, vasilhas de cabaça, velas.
pluma e material de pintura. *Instrumentos de trabalho: enxada,
facão, machado.
Nas casas mais abastadas tinha
armários, prateleiras, mesas e cadeiras
construídas por eles mesmos. Fogão de
barro e figueira no fim da cozinha ou
fora da casa.
VESTUÁRIO E ADORNOS Vestuário: Xiripá (saiote da cintura até *Padrão europeu: Vestimenta: igual à sociedade ocidental.
o joelho), na guerra o xiripá preto, cabelo Homens usavam: o cabelo aparado na Adorno: maquiagem e bijuterias ou joias
amarrado para trás da cabeça, alpercatas altura das orelhas, calça e camisa de iguais à sociedade ocidental, mas também
(sandálias de couro), no frio camisa de algodão, os senhores usavam chapéu de são utilizados muitos brincos de penas e
algodão sem manga. palha, sapatos e paletós nas festas, no colares de sementes.
Adorno: colares, pulseiras, enfeites de cotidiano ficavam descalços ou de Nas festas indígenas: são utilizados
pena, feitos com sementes, contas, ossos alpercatas. Os que trabalhavam nas cocares, colares de sementes, brincos de
e fios de algodão, braceletes de ouro e fazendas vestiam como os peões. penas, pulseiras de sementes, tornozeleiras e
prata que conseguiam com os Mbayá. Nas Mulheres: vestidos de chita ou morim, braceletes de pena, pinturas de jenipapo e
festas diademas de penas vermelhas e ficavam descalças ou de alpercatas. As urucum.
saiotes de plumas de ema. Penas amarelas jovens que já estiveram na cidade Os homens vestem saias e adornos com
de papagaio só os chefes usavam. Pintura usavam maquiagem e pulseiras de ouro penas de ema.
– riscas em preto e branco tiradas do ou douradas com o nome gravado. Nas As mulheres vestem roupas de sementes,
jenipapo, carvão e cinzas. Chefe de guerra festas do bate-pau, os homens pintam o de algodão cru ou de juta.
usavam pele de onça. corpo e se adornam com penas de ema.

77
78

Continuação

SÉC. XX SÉC. XXI


FINAL DO SÉC. XVIII E SÉC. XIX Somos irmãos
Viraram brasileiros
Viviam no Gran Chaco Informações sobre a aldeia Lagoinha
Informações sobre a aldeia Bananal
(originaria do Bananal)
PLANTAÇÃO Plantavam milho, mandioca, batata Plantavam feijão miúdo, cará, Poucos se dedicam a roça.
doce, banana, algodão, abóbora, mandioca, milho, banana, arroz, feijão Plantam: mandioca, mamão, banana,
amendoim, feijão miúdo e fumo. rasteiro, batata doce, algodão, cana-de- abóbora, limão, batata doce, amendoim,
Usavam bastão de cavar para plantar e açúcar. feijão, para subsistência e também vendem
limpavam a roça com foice de madeira. As covas eram abertas com enxadas e nas cidades.
Usavam arado primitivo triangulas e cobertas com o pé, não usavam arado. A Toda alimentação é comprada na cidade de
arestas de madeira. As mulheres limpeza era feita de acordo com a planta. Aquidauana e em Taunay.
ajudavam a semear. Compram alguns alimentos em Algumas famílias possuem áreas plantadas
NÃO FAZIAM FARINHA. Aquidauana e em Taunay. na retomada.
FAZIAM FARINHA. FAZEM FARINHA

CAÇA E PESCA Caça: arco e flecha, zagaia com ponta Não possuíam território suficiente para Não caçam e pescam mais;
de osso e depois com ponta de ferro. exercer a caça e a pesca. Possuem piscicultura em área de retomada.
Espécies: onça, veado do campo,
veado monteiro, anta e jaó.
Pesca: arco e flecha (com timbó), covo,
anzol (osso) e linha, pescaria de mão.
Espécies: marabá, traíra, bagre e
dourado.
Assavam para comer
COLETA Frutas: jambo, frutas vermelhas, Não possuíam território suficiente para Não coletam mais.
jabuticaba, flor do capim do brejo. exercer a coleta.
Raízes de plantas medicinais;
Palmitos;
Ovos de ema e tartaruga;
Mel
CRIAÇÃO DE ANIMAIS Cavalos, vacas, cães, papagaios e Gado. Criam gado em área de retomada.
araras;
Para se transportar em terreno
pantanoso preferiam a vaca com sela de
folha de banana.
PRODUÇÃO DE FOGO Fricção de suas varetas Embora Altenfelder não cite, Fósforo e outros tipos de acendedores,
acreditamos que já utilizavam fósforo. como isqueiros.

78
79

Conclusão

SÉC. XXI
FINAL DO SÉC. XVIII E SÉC. XIX FINAL DO SÉC. XVIII E SÉC. XIX Somos irmãos
Viviam no Gran Chaco Viviam no Gran Chaco Informações sobre a aldeia Lagoinha
(originaria do Bananal)
MEDICINA Natural a partir de ervas e rezas, Os médicos feiticeiros ainda resistiam, São raros os médicos feiticeiros. Na aldeia
administrada pelos koichomuneti mesmo em meio à medicina ocidental; Lagoinha tem, mas não se declaram.
(feiticeiros) que também eram guardiões Faziam muito uso da medicina natural A medicina natural segue as margens da
dos mitos e histórias entre outras e só iam ao médico ocidental em último medicina ocidental;
funções. caso ( eram levados para Aquidauana);

RELIGIÃO Religião ancestral: Ohokoti * Ohokoti e as missões religiosas Ohokoti é praticada em poucas aldeias.
(pajelança), conviviam juntos. Católicos e evangélicos conservadores e
Eram orientados pelos espíritos da pentecostais.
natureza que guiavam os Koichomuneti Na aldeia Lagoinha são 90% evangélicos e
(Pajés ou feiticeiros). As celebrações e o restante professa não ter nenhuma religião,
festividade da religião ocorre nos meses mas praticam de forma velada a religião
de abril e maio, mesma época da semana ancestral, inclusive alguns que se
santa dos católicos, com danças num denominam evangélicos.
ritual de benção. Na aldeia lagoinha não existe igreja
católica.
TRABALHO MASCULINO Limpeza de roça, plantação, guerra, Não comenta Hoje não tem diferença se assemelha a
caça, pesca, cestaria e coleta antiga sociedade ocidental;
TRABALHO FEMININO Fiação, cerâmica, trabalho caseiro e Não comenta Não tem diferença de trabalho entre sexos,
coleta. mas a mulher fica responsável pelos
serviços domésticos e educação dos filhos
como a antiga sociedade ocidental;

EDUCAÇÃO ESCOLAR Não existe Passa a existir Existe. Na aldeia Lagoinha há duas Escolas:
Escola Municipal Indígena Marcolino Lili
que oferece o Ensino Fundamental e a
Escola Estadual Indígena Pastor Reginaldo
Miguel "Hoyéno'o" que oferece o ensino
médio.
Fonte: Dados de Altenfelder Silva (1949) e dados próprios (2019)24.

79
24
A figura foi desenvolvida em cima dos dados de Altenfelder Silva (1949) e dados da pesquisa de doutorado (2019).
80

Figura 8 - Atividades Terena desenvolvidas durante o ano no século XX

Fonte: Autoria própria (2020).


Figura 9 - Atividades Terena desenvolvidas durante o ano no século XXI

Fonte: Autoria própria (2020).

81
82

O quadro e as figuras nos mostram o quanto a vida dos Terena mudou desde a saída do
Gran Chaco. No Brasil, os Terena tiveram maior contato com os ocidentais e com o passar do
tempo perderam grande parte de seu território tradicional brasileiro, principalmente após a
guerra do Paraguai.
A maioria dos Terena sabem que vieram do Êxiva/Chaco Paraguaio, e alguns ainda
guardam da lembrança as histórias da travessia no rio Paraguai.

Essa tribo nossa [Terena], veio lá do Chaco, daí houve um confronto dos
paraguaios com os índios, tinha uma parte dos índios que ajudava os
paraguaios, daí quando teve aquela revolução com os paraguaios, daí eles
fugiram para cá assim que minha mãe conta. Atravessar um rio e vieram, diz
que é um tal de oncinha, que atravessava as idosas e as crianças colocava na
jangada de madeira. Então eles pegavam... E aí eles atravessaram o rio com as
pessoas e tinha as pessoas que atravessou a nado, os homens, porque disse que
aquele tal de oncinha (apelido de um indígena) a água não carrega ele aonde
ele desce e vai reto. Antigamente tinha aquilo de fazer corda de cipó, então
eles torciam aquilo, e puxava aquilo pela boca. Conta minha mãe.
Atravessaram para cá porque o Kadiwéu é do Brasil, encontraram na travessia
do rio e ajudou fazer caça para o alimento deles (Entrevista realizada com
ancião Cirino em novembro de 2019).

Sofreram rápidas mudanças em seu modo de vida, deixaram de ser nômades, e foram
“confinados”25 em aldeamentos, aumentando a concentração de pessoas em um espaço
pequeno. Com a diminuição do seu território perderam áreas de caça e pesca, e hoje 60% das
famílias fazem roças, alguns para subsistência e outros para comercializar. Tiveram que buscar
alternativas para sobreviver, trabalhando como empregados nas fazendas vizinhas, buscaram
serviço nas usinas de açúcar, nas plantações de maçã, recebem cestas básicas do governo, se
empregam como funcionários públicos da educação e da saúde nas aldeias.
Segundo Pereira (2009), antropólogo Terena, todas as mudanças ocorridas com os
Terena, inclusive a aparente diluição cultural, na verdade se deve ao fato de serem culturalmente
abertos a exterioridade, mantendo relações pacíficas com outros grupos, como vimos com os
Kadiweus, com a missão Rondon, com o exército brasileiro, ou seja, com a sociedade
envolvente. O Estado criou a ideia de que os Terena teriam grande disposição a serem
aculturados, integrados, pelo fato de estes apresentarem disposição para incorporação de
elementos da cultura nacional, mas na verdade o Terena se empenham em adquirir competência
técnica para ocuparem diversos espaços interinstitucionais, como escolas, igrejas, associações
indígenas, etc., dessa forma, à frente desses espaços podem desenvolver um trabalho do “jeito

25
Termo usado por Brand em sua tese de doutorado em 1997.
83

Terena”, assegurando melhores condições para sua sociedade. “A maneira como os Terena se
relacionam com a exterioridade pode ser um espaço privilegiado para pensar importantes
campos de articulação da vida social de suas comunidades atuais” (PEREIRA, 2009, p. 122).
O mesmo argumento é utilizado por Sebastião (2018, p. 25-6)26:

Percebemos que essa mudança está ligada ao intenso contato com a sociedade
envolvente, nos últimos dois séculos. Se a alteração cultural está ligada aos
contatos interétnicos, especialmente com a sociedade nacional, também está
ligada a política de resistência indígena. Foi necessário criar diálogo e
empréstimo de elementos culturais da sociedade dos puxârara ou não
indígenas. Foi e segue sendo preciso reelaboração para continuar a sobreviver
frente ao mundo dos brancos. Para tanto, deve-se buscar compreender que
seus códigos, interações, valores, conhecimentos e língua são símbolos de
resistência.

Ou seja, as mudanças culturais apresentadas pelos Terena, no decorrer dos séculos,


segundo eles, são uma marca da própria cultura utilizada como tática de resistência para
sobreviverem em meio à sociedade envolvente, o que não diminui, o sofrimento com relação
às imposições culturais, que geraram as negociações e traduções do seu modo de viver.
Hoje os Terena em Mato Grosso do Sul, vivem em aldeias cercadas por fazendas nas
cidades de Miranda, Aquidauana, Anastácio, Dois Irmãos do Buriti, Sidrolândia, Nioaque e
Rochedo, mas há também aqueles que vivem em Porto Murtinho em Terra Indígena Kadiweu
e em Dourados na Terra Indígena Guarani (BITTENCOURT; LADEIRA, 2000; VIEIRA,
2010; OLIVEIRA, 1976). No município de Miranda temos as aldeias: Cachoeirinha, Babaçú,
Passarinho, União, Lalima, Argola, Morrinho, Mãe Terra que possui as retomadas Charqueado
e Paratudal e aldeia Moreira. No município de Aquidauana temos as aldeias: Ipegue, Bananal,
Água Branca, Lagoinha, Imbirussú, Colônia Nova, Morrinho, Limão Verde, Córrego Seco,
Buritizinho, Tico Lipú (aldeia urbana) e 15 áreas de retomadas. Em Anastácio, a aldeia
Aldeinha (aldeia urbana). Em Nioque, as aldeias são: Cabeceira, Água Branca, Taboquinha e
Brejão. Em Campo Grande temos a aldeia Marçal de Souza (aldeia urbana). Em Sidrolândia
temos as seguintes aldeias: Córrego do Meio, Lagoinha, Dez de Maio, Tereré (aldeia urbana),
Nova Tereré (aldeia urbana). Em Dois Irmãos do Buriti, as aldeias são: Barreirinho, Oliveira,
Buriti, Nova Buriti, Recanto, Água Azul, Olho D'Água, André. Em Rochedo, a aldeia Bálsamo.
A relação intercultural do povo Terena com outros povos (indígenas ou não)
transformou a sua cultura, hábitos, costumes e religião. Mas muitas características da vida

26
Professora Doutora da etnia Terena conhecida como Linda Terena.
84

Terena ainda se mantêm, marcando a identidade desse povo. A educação, as relações familiares,
o artesanato, as festas são exemplos de resistência cultural dos Terena.
No Município de Aquidauana há três áreas de concentração indígena, a terra Indígena
Taunay/Ipegue com sete aldeias, a Terra Indígena Limão Verde com quatro aldeias e a aldeia
Urbana Tico Lipu.

Figura 10 - Localização do Município de Aquidauana no MS

Fonte: Mapa produzido por Ricardo de Miranda Kleiner (2020).

A aldeia Lagoinha pertence à Terra Indígena Taunay/Ipegue e está localizada no distrito


de Taunay, pertencente ao Município de Aquidauana. Esse distrito se localiza a 50 km de
Aquidauana e a aldeia Lagoinha se localiza a 2 km do distrito de Taunay. Dessa forma, temos
85

39 km de estrada pavimentada e 13 km de estrada não pavimentada. Além da aldeinha


Lagoinha, nessa área temos mais sete aldeias sendo elas: Ipegue, Bananal, Água Branca,
Imbirussú, Colônia Nova, Morrinho e mais 15 áreas de retomadas que somam 33.900 hectares.

Figura 11 - Localização da Terra Indígena Taunay/Ipegue

Fonte: Mapa produzido por Ricardo de Miranda Kleiner (2020).

Os Terena habitam essa terra desde o século 19, e nessa época só havia as aldeias: Ipegue
e Bananal. Com o passar do tempo as demais foram se formando, e nesse caso, daremos aqui
mais enfoque ao nascimento da aldeia Lagoinha.
Segundo Moreira (2003), alguns Terena da aldeia Bananal plantavam suas roças há mais
ou menos um quilômetro distante de sua aldeia, como era o caso do seu Guilherme Moreira
(Títi) e sua esposa dona Margarida Miguel Moreira (Hin’ne). Conta a história que seu
Guilherme buscava terras férteis para plantar mandioca, milho, melancia, batata, e com o passar
86

do tempo foi cansando de sair cedo de casa e voltar ao entardecer para casa. Dessa forma
resolveu mudar de vez para mais próximo de sua roça. Por volta de 20 de dezembro de 1956, o
casal resolveu deixar a aldeia Bananal, juntamente com seus filhos e um genro, João Delfino
que era casado com Olímpia Margarida Delfino, filha do casal.
A família se instalou próximo as margens de uma lagoa que havia ali. Depois de alguns
dias, o “capitão” da aldeia Bananal, seu Antônio Vicente (Pikihí), foi visitar a família para ver
como estavam. A família constituía o núcleo que futuramente se tornaria a aldeia Lagoinha.
Percebendo isso, o capitão fez uma reunião para decidir o nome da nova aldeia e sugeriu
“Bovery”, mas seu Guilherme foi contrário à ideia e colocou em pauta o nome “Kali-lavona”,
que significa lagoa pequena ou lagoinha. Seu Guilherme sugeriu esse nome para homenagear a
senhora Maria Carolina que admirava a lagoa e sempre que passava em frente dela dizia esse
nome: “Kali-lavona”. Dessa forma ficou decidido que o nome da nova aldeia seria “Lagoinha”,
mas a fundação só seria oficializada anos depois (Délio Delfino, entrevista concedida em 2018).
A família do seu Guilherme aumentou e tiveram seu último filho na nova terra. O nono
filho, Emílio Miguel Moreira, nasceu em três de outubro de 1957, a primeira criança a nascer
na aldeia Lagoinha (Délio Delfino, entrevista concedida em 2018).
Segundo a professora Maria do Carmo Simões Moreira (não indígena casada com o
filho caçula de dona Margarida e de seu Guilherme), quando a família do seu Guilherme passou
a ocupar essa terra, outra família já residia ali. A família Cecé, que morava mais ao oeste do
local onde seu Guilherme fixou residência, longe do que hoje é o centro da aldeia.
O irmão da dona Margarida, o pastor Reginaldo Miguel, anos depois, também foi morar
na aldeia Lagoinha. O pastor Reginaldo fez uma reunião no dia 1º de novembro de 1971, onde
foi lavrada a Ata de Fundação instaurando o senhor Guilherme Moreira como fundador da
aldeia, ele ainda propôs a abertura da primeira rua que foi batizada com o nome do fundador.
Nessa reunião estiveram presentes o capitão Antônio Vicente, Lourenço Moreira, Francisco
Moreira, Tibúrcio Moreira, Paulo Miguel e Inácio Moreira (PAREDES, 2008).
O chefe do posto Indígena da aldeia Bananal convocou uma reunião em 8 de outubro de
1972, para nomear o primeiro capitão (cacique) da aldeia Lagoinha, o senhor Marcelino Pereira
(Canabarro) que teve como assistentes Elias Lipú e Catulino Paulino. Mas em 26 de fevereiro
de 1973, o senhor Marcelino renunciou ao cargo de capitão (MOREIRA, 2003).
A aldeia Lagoinha possui 49 anos de fundação, e em 2021 estava prevista uma grande
festa para comemorar seus 50 anos, mas diante da pandemia, não foi realizado em virtude de
evitar aglomerações, em função da segunda onda da Pandemia.
87

Os Terena se organizam em famílias extensas, os filhos se casam e se agregam, no


grande quintal, onde constroem suas casas ou fazem um puxadinho na casa dos pais. Em
nossas observações percebemos que os Terena da aldeia Lagoinha, e de maneira geral, gostam
muito de estar juntos, seja em família, em festas ou comemorações, tudo é motivo para se
reunirem. Uma aglomeração, onde estiveram presentes vários políticos, que faziam a
promessa de estender a pavimentação asfáltica da rodovia até o Distrito de Taunay, foi uma
dentre várias situações que fizeram com que o novo coronavírus (Sars-Cov-2) se alastrasse
nas aldeias da TI Taunay/Ipegue, ceifando várias vidas.
O Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em seu site, divulgou uma nota no dia vinte
e quatro de julho de dois mil e vinte sobre essa situação:

[...] um grupo de organizações cobrou que se investigue a responsabilidade de


membros do Governo do Estado de Mato Grosso do Sul (MS) e da Assembleia
Legislativa do Estado por assumirem o risco de contágio por coronavírus da
comunidade Terena, em Aquidauana (MS). Membros do primeiro escalão do
Governo do Estado do MS e da Assembleia Legislativa do Estado
promoverem, no dia dois de julho, a assinatura pública de uma obra de
pavimentação asfáltica. Segundo o documento, na ocasião se promoveu a
aglomeração de dezenas de pessoas das comunidades indígenas do distrito de
Taunay-Ipegue. Entre os presentes no evento estava o deputado Paulo Corrêa
(PSDB), que testou positivo para Covid-19 uma semana após o encontro com
indígenas e se afastou da presidência da Assembleia Legislativa. Na nota,
entidades afirmam que a testagem positiva de Corrêa é uma “probabilidade de
alastramento da doença entre os presentes no evento público” com indígenas.
Isso porque indígenas que estiveram no encontro começaram a relatar os
primeiros sintomas paralelamente a confirmação do teste do deputado Paulo
Corrêa (CIMI, 2020, p. 1).

Acredita-se que esse evento tenha desencadeado a rápida transmissão e muitas mortes
de indígenas do Município de Aquidauana e região.
No mês de agosto (2020), 900 indígenas estavam infectados na região de Aquidauana e
33 foram a óbito. As covas para sepultar as vítimas estavam sendo abertas em forma de mutirão
e os indígenas enterravam seus parentes sem a mínima proteção, aumentando a probabilidade
de infecção. Os Terena denunciaram pelas redes sociais que os médicos do programa médicos
sem fronteiras não foram autorizados a trabalhar nas aldeias e mostraram o estado precário dos
postos de saúde sem estrutura de atendimento. Após as denúncias a prefeitura de Aquidauana
enviou três equipes médicas, assim como a Secretaria Nacional de Saúde Indígena criou um
mutirão em sete polos de aldeias (G1, 202027).

27
Disponível em: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/08/20/situacao-e-critica-em-aldeias-de-
aquidauana-ms-quase-mil-indigenas-ja-tiveram-covid.ghtml. Acesso em: 5 dez. 2020.
88

A Secretaria Especial de Saúde Indígena declarou que atendeu mais de


1.200 índios terena em um mutirão nas aldeias da região de Aquidauana no
começo de agosto e que tem quase 700 profissionais de saúde para atender
80 mil índios que vivem em Mato Grosso do Sul (G1, 2020, p. 1).

Ainda segundo o site G1, na cidade de Aquidauana, o polo base de atenção indígena,
após uma chuva, ficou literalmente alagado, molhando medicamentos, materiais e testes rápidos
para a covid-19, onde tudo se perdeu.
A tabela 1 mostra os dados referentes aos casos da covid-19 entre os indígenas em Mato
Grosso do Sul no mês de novembro, onde os casos confirmados triplicaram em relação ao mês
de agosto que eram de 900 infecções.

Tabela 1 - Casos suspeitos, confirmados, descartados, infectados atualmente, cura clínica e


óbitos por COVID-19 em indígenas atendidos pelo Subsistema de Atenção à Saúde Indígena,
por DSEI
Casos Casos Infectados
DSEI Descartados Recuperados Óbitos
Suspeitos Confirmados (atual)
Mato Grosso
21 2827 6781 45 2698 71
do Sul
Fonte: Adaptado de Ministério da Saúde; Secretaria Especial de Saúde Indígena (BRASIL, 2020).

O descaso do Governo Federal com os povos indígenas é perceptível. A FUNAI, órgão


federal responsável pela implementação de políticas de proteção aos povos indígenas, vem
sofrendo há anos com constantes cortes de verbas, sucateamento e falta de estrutura. A
pandemia revelou essa situação crítica que se reflete na saúde dos povos indígenas que possuem
um número elevado de casos confirmados de covid-19.
Segundo o site oficial do Movimento sem Terra (MST, 2020), o Mato Grosso do Sul é
um dos seis estados com maior número de indígenas mortos pelo novo coronavírus, sendo a
maioria da etnia Terena. Os números não conseguem expressar a realidade visto que os
indígenas vivem na cidade, não são atendidos como indígenas não entrando na contabilização
da Secretaria Especial de Saúde Indigenista (SESAI). Em entrevista cedida ao MST, Erik Paiva
Terena membro do Conselho Terena e assessor técnico da Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil (APIB), aponta a vida comunitária como prática que facilita a disseminação da doença,
comprovando nossa observação de que o contato, o estar junto, o convívio próximo dos
familiares e amigos, faz parte da vida Terena, sendo difícil e até um sacrifício manter o
89

isolamento social, como nos confidenciou, entre lágrimas pelas perdas, a professora Sônia,
coordenadora da Escola Municipal Indígena Marcolino Lili.
No dia 3 de agosto de 2020, o advogado Dr. Luiz Henrique Eloy Amado (Eloy Terena),
nascido na aldeia Ipegue em Aquidauana, representando a Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil (APIB), fez uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no
plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). No dia 5 de agosto o STF decidiu, por
unanimidade, aprovar a liminar que obrigou o Governo Federal a implementar um plano
emergencial de proteção aos povos indígenas durante a pandemia da Covid-19 (GENELHÚ,
2020).
Segundo a Fiocruz (2020), Covid-19 não é pandemia e sim sindemia, termo criado pelo
médico Merrill Singer, em 1990, usando a junção das palavras sinergia + pandemia. Segundo
Merrill, em entrevista à BBC, o termo designa uma situação onde

[...] duas ou mais enfermidades interagem de forma que causam um dano


maior do que a mera soma das duas enfermidades causariam. O impacto dessa
interação também é facilitado pelas condições sociais e ambientais que
interagem com essas duas enfermidades, ou fazem com que a população seja
mais vulnerável a seu impacto (BBC NEWS, 2020, p. 1).

A interação das doenças com o aspecto social faz com que não seja apenas uma
comorbidade. Os médicos descobriram que algumas doenças amplificam seus danos em
coexistência como é o caso da covid-19 que interage diabetes, câncer, cardíacos, inclusive
obesos. Doenças como diabetes, desnutrição são comuns em indivíduos de baixa renda e
minorias étnicas, dessa forma, essas comunidades têm sido mais atingidas pelo coronavírus
(FIOCRUZ, 2020). Dessa forma, não se pode pensar no vírus, ou seja, na saúde de forma
desassociada das questões sociais e ambientais.
Sato (2020) considera que ao contrário do que é afirmado o vírus não atinge a todos de
maneira igual. A pandemia tem sido mais letal nas comunidades de baixa renda, entulhados nas
periferias e nas favelas mostrando as desigualdades sociais, expressando a geografia da fome e
a falta de interesse do Estado com essas pessoas. “Na cartografia das desigualdades, a Covid-
19 mata principalmente os que habitam a geografia da fome” (SATO, 2020, p. 1).
A política descoordenada do atual governo, a necropolítica28, provoca a morte de muitas
pessoas dos grupos marginalizados da sociedade. Esse tipo de política decide sobre o valor
humano (MONIELLE, 2020). “No Brasil, identifica-se que os escolhidos pelo governo para

28
Conceito criado em 2003, pelo filósofo negro, historiador, teórico político e professor universitário
camaronense Achille Mbembe (FERRARI, 2019).
90

morrer são: pobres, mulheres, idosos e a população negra e afrodescendente” (MONIELLE,


2020, p. 1).
A pandemia tem mostrado o desmonte do estado com relação aos direitos universais
evidenciando a desigualdade ao acesso a serviços básicos e desequilíbrio socioambiental ligado
ao modelo neoliberal de des-envolvimento. As ações socioambientais estão ligadas ao bem-
estar e saúde da população, ao negar isso a necropolítica pratica o racismo ambiental29 definindo
quem terá prioridade de receber água e esgoto tratados etc. O racismo ambiental inclui questões
territoriais e aborda as injustiças sociais aplicadas por meio das políticas públicas ou obras do
setor privado (MONIELLE, 2020).
Sato (2020, p. 77) pondera que a “necropolítica [...] retira direitos fundamentais e
desmontam as políticas ambientais, destruindo os sistemas e os órgãos de fiscalização que
buscam barrar o avanço do desmatamento no Brasil”. As atividades antrópicas alteram o ciclo
da natureza e o quanto nós por fazermos parte da natureza somos afetados pelas nossas próprias
ações. Desmatamentos, tráfico de animais silvestres, a crise climática, ocasionam a diminuição
ou extinção de espécies, a destruição de habitats entre outros impactos negativos no meio
ambiente o que acaba afetando nossa saúde. A maioria das pessoas não conseguem enxergar a
relação, mas o médico infectologista Marcos Boulos explicou no dia 25 de março de 2020 para
o Repórter Eco30 da TV Cultura, como as alterações ambientais disseminam doenças.

Os microrganismos que viviam de vários animais, que os animais foram


desaparecendo, eles começam a ficar mais frequente no [ser humano]. Então
nós começamos a ter, sejam vírus, bactérias, protozoários, fungos, dos animais
e adquirimos doenças dos animais também, que eram originários dos animais
e elas se adaptam ao [ser humano], então ele fica mais doente (BOULOS,
2020, s.p.).

O que o médico explica é que os microrganismos que habitavam espécies de animais


que estão desaparecendo, se extinguindo, passaram a habitar os seres humanos causando
doenças. Ele ainda compara com o que ocorreu com a febre amarela no Brasil, comum em
aninais silvestres, acabou infectando os seres humanos. A febre amarela é uma doença
(zoonose)31 é transmitida por mosquitos que vivem no topo das árvores, para os macacos que
vivem nesse mesmo habitat, principalmente o bugio. A fêmea suga o sangue do macaco para
produzir os ovos. Se não houver macacos para manter o ciclo de vida dos mosquitos, eles

29
Termo cunhado em 1981 por Benjamin Chavis, líder afro-americano de direitos civis.
30
Programa jornalístico especializado em meio ambiente e sustentabilidade. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?v=6ytj5mvpK0w.
31
“Doenças ou infecções naturalmente transmissíveis entre animais vertebrados e seres humanos” (OMS, 2012).
91

descem a procura de sangue de outros animais, e geralmente encontram o ser humano que
invadiu o habitat desses animais (BOULOS, 2020)
O surgimento de novas doenças pode ter origem em diversos fatores que podem ser
naturais ou decorrentes da ação humana por meio da degradação da natureza como é o caso do
vírus Nipah. Em função do desmatamento, em 1998, na Malásia, os morcegos migraram em
busca de alimentos. Numa região, onde havia produção de mangas e criação de porcos, os
morcegos se estabeleceram. Os porcos comiam as mangas contaminadas pela saliva do
morcego, e contaminavam os humanos que faziam o manejo dos porcos. Embora o vírus não
causasse doença no morcego, ao entrar em contato com o porco sofreu mutação e passou a
causar doença respiratória grave em humanos (ECOHEALTH ALLIANCE, 2020). Além do
Nipah, a Sars, o Ebola, a Mers e a Covid-19, são doenças advindas do morcego que migrou a
procura de um novo habitat em consequência da degradação ambiental.
Tudo está conectado numa rede de relações, assim como a perda de biodiversidade,
consequência dos impactos negativos ao meio ambiente, obrigou o morcego a procurar um novo
habitat, também obrigou os microrganismos procurar outros habitats, ou seja, outras espécies,
causando novas doenças letais ao ser humano. A Pandemia de covid-19 está sendo uma dura
lição para a humanidade, é hora de entendermos que as nossas ações têm causado reações da
natureza contra nós mesmos, e que a sobrevivência da nossa espécie depende da sobrevivência
das demais, ou seja, não somos mais e nem melhores. Essa está sendo uma oportunidade de
mudar o olhar e aprendermos que é possível viver de forma sustentável.
Os povos indígenas e comunidades locais já mostraram que o uso sustentável da terra é
um instrumento poderoso para proteger a natureza.

A diversidade cultural dos povos indígenas e comunidades locais nas


Américas oferecem uma infinidade de conhecimento e visões de mundo para
gerenciar a biodiversidade e as contribuições da natureza para as pessoas de
forma consistente com os valores culturais, promovendo a interação respeitosa
com a natureza. Os sistemas de conhecimento locais e indígenas na região têm
mostrado sua capacidade de proteger e administrar os territórios sob seu
conjunto particular de valores, tecnologias e práticas, mesmo em um mundo
globalizado. Além disso, muitas culturas que imigraram para as Américas nos
últimos cinco séculos contribuem para a diversidade de valores. Este coletivo
de diversidade oferece muitas oportunidades para desenvolver o mundo visões
compatíveis com usos sustentáveis e respeito pela natureza em um mundo
globalizado (IPBES, 2018, p. 12, tradução nossa).

Os indígenas da aldeia Lagoinha, possuem um apreço profundo pelo meio ambiente de


onde vivem. Entre as vezes que conversamos com o irmão do cacique, professor de história,
Fernando Moreira sobre sua cultura e a natureza, ele nos respondeu que o indígena Terena tem
92

uma relação diferente dos não indígenas com a natureza e que “a cultura indígena nunca foi
entendida pelas outras culturas quando se fala em sobrenatural, sobre natureza, estamos (nós
índios) ligados à natureza que até nós não temos como explicar, para entender é preciso viver
aqui no meio da gente”. E depois dessa explicação, ele disse que eu já faço parte da comunidade,
sendo assim estou convidada a morar na aldeia e continuar minhas pesquisas32.
Buscamos entender as palavras de Fernando com a compreensão de Kopenawa, no livro
“a queda do céu”. Os indígenas, enxergam que sua sobrevivência depende dos cuidados com a
natureza. Kopenawa fala sobre as consequências para a existência da humanidade se o ser
humano não indígena continuar a enxergar a Natureza como morta, como mercadoria e
continuar a destruí-la. Para Kopenawa os xamãs como ele, são responsáveis em ajudar a
sustentar o céu, para que o mundo não seja destruído.

Parem de destruir as florestas onde vivem meus espíritos, meus filhos e meus
genros! A terra em que vocês foram criados também é vasta! Portanto, fiquem
morando nas pegadas de seus ancestrais! Essas palavras vêm do que os
habitantes das cidades chamam de natureza (KOPENAWA; ALBERT, 2015,
p. 478).

Kopenawa por ser um Xamã tem o poder de conversar com os espíritos da floresta que
a protegem, ele conta que esses espíritos não gostam dos não indígenas por conta de suas
atitudes. A Natureza tem nos alertado, nas palavras do xamã, mas a sociedade ocidental
continua a não ouvir e a enxergar na Natureza apenas os recursos que ela pode fornecer para
gerar riquezas.
Kopenawa pondera que estão acostumados e adaptados a viver na floresta, comendo o
que ela fornece naturalmente deixando claro que não querem mudar seu estilo de vida. Com
palavras simples ele nos faz pensar em nosso modo insano de nos sustentar. Primeiro
destruímos o que existe, exploramos absurdamente, o estrago é tão grande que o solo não
consegue mais produzir e quando a questão é a mineração os problemas gerados são piores.
Kopenawa explica a dinâmica da floresta ao falar da fertilidade que a faz crescer e amadurecer
os alimentos que sustentam os animais e seres humanos, se referindo ao ciclo da vida e da
matéria mostrando a conexão existente entre os elementos que compõem a Natureza
(KOPENAWA; ALBERT, 2015)

Na ecologia, aprendemos que nenhum ser é independente do outro, nem


das porções que não tem vida, como a água, a terra, o fogo, ou o ar. Os

32
Confesso que tal convite me emocionou e me deixou muito feliz, dada a confiança em minha pessoa. Fernando
foi colega de trabalho, e foi meu aluno no curso de Licenciatura Intercultural Indígena Povos do Pantanal.
93

humanos são ecodependentes dos ecossistemas e o mal que acontece em


um, recairá sobre os outros. Somos elos intrínsecos de uma Terra que
carece de toda sua extensão para que continue existindo (SATO; SANTOS;
SÁNCHEZ, 2020, p. 7).

Kopenawa, Sato, Santos e Sanches se utilizam de palavras diferentes para dizerem a


mesma coisa. Para que tudo continue existindo todos os elos precisam de proteção. O que a
ecologia ensina para os não indígenas, os indígenas já conhecem de sua ancestralidade,
ensinamento dado aos indígenas por Omama33. Os xamãs Yanomami recebem as orientações
para defender as florestas dos espíritos protetores. “As palavras da ecologia são nossas antigas
palavras, as que Omama deu a nossos ancestrais. Os xapiri defendem a floresta desde que ela
existe” (KOPENAWA; ALBERT, 2015, p. 480).
Os indígenas vivem em nosso continente há muito mais tempo que o branco34, sempre
se enxergaram pertencentes à natureza, nunca tiveram em seus pensamentos a separação ser
humano/Natureza, e não conseguem compreender como nós fazemos essa separação.
Os Terena de Mato Grosso do Sul não vivem mais em florestas, vivem confinados35
espremidos em aldeamentos cercados por fazendas. Suas aldeias já não possuem áreas de mata
fechada devido ao aumento da população. O Censo demográfico nos mostra que a população
indígena teve um crescimento além das expectativas. No ano de 2000 havia 350. 829 indígenas
na área rural e em 2010 esse número subiu para 502.783 (INSTITUTO BRASILEIRO DE
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA [IBGE], 2020). As retomadas aumentaram seu território, mas
são áreas de fazendas de gado que possuem apenas a reserva mínima de floresta determinada
por lei, e que atualmente supre parcialmente as necessidades de recursos naturais dos indígenas
Terena. São dessas reservas que são retiradas madeira, remédios, e material de artesanato.

33
Deus dos Yanomami.
34
Quando os indígenas dizem homem branco, se referem aos não indígenas independente da cor.
35
Termo expressado e usado por Brand em sua tese de doutorado em 1997.
Figura 12 - Aldeia Lagoinha - áreas de mata

Fonte: Google Earth, Crédito da imagem: imagem © Maxar Technologies (2020).

94
95

Cristiane Vertelino Marques (46 anos), diretora da Escola Municipal Indígena


Marcolino Lili, e Délio Delfino (60 anos) professor da mesma escola, contam um pouco sobre
sua infância, quando ainda havia uma maior quantidade de matas na aldeia.

A gente ia mais na mata com minha avó pra catar lenha pra acender fogo,
porque o fogão aqui é a lenha, a maioria agora tem o gás, mas tem gente que
ainda prefere usar o fogão de lenha, mais pra isso. Íamos direto nos finais de
semana pegar lenha e a guavira. Lembro que sempre ia com minha mãe
também catar guavira na mata. Tinha a roça era do meu avó, mas não era
aquela roça grande, mas era bonitinha, plantava uma mandioca..., um feijão...
(Entrevista realizada com Cristiane Vertelino Marques36, em janeiro de 2019).

[...] não tinha maquinários como tem hoje, pra auxiliar no mecanismo de
lavoura, a gente ia trabalhar mesmo, ele marcava uma área, 1 hectare, a gente
pegava roçava primeiro. Tirava o mato mais baixo, aí depois ele ensinava
roçar e ele (o pai) deixava sempre aquelas árvores, um monte de árvores.
Plantação de mandioca, banana, feijão, milho essa coisa de lavoura e a própria
família que consumia (Entrevista realizada com Délio Delfino37, em janeiro
de 2019).

Os relatos mostram a diferença no modo de vida, por mais que ainda algumas famílias
possuam o fogão a lenha, muitos usam o fogão a gás, como na aldeia não tem mais essas áreas
de matas, a lenha necessária tanto para alimentar os fogões como para fazer uma casa, uma
varanda ou mesmo um galpão, é retirada da área de retomada.
Sobre a roça, Délio relata que o manejo era artesanal. O uso e manejo tradicional do
solo foram modificados com a introdução da tecnologia. Os Terena do século XXI utilizam
tratores, motosserras, arado, roçadeira, e a terra precisa ser adubada. Os padrões tradicionais
foram alterados por conta da concentração maior de pessoas em um espaço que se tornou
pequeno com o tempo ocasionando uma pressão sobre o meio ambiente onde vivem.

Antigamente o sustento da família era roça, a gente tinha fartura, porque todo
mundo tinha roça. É difícil, porque hoje até os animais do mato destrói a roça,
vem comer, planta, mas quando vai procurar cadê? Esse ano foi abençoado o
que deu de gente com melancia aqui nas aldeias nas comunidades. Hoje não
dá para contar com a chuva, hora ela vem, hora não vem, troveja e tudo, falo
graças a Deus vai vir uma chuva, e passa. As mudanças ... (Entrevista realizada
com Nilza Miguel da Silva, em fevereiro de 2020).

Dona Nilza aponta as mudanças climáticas e a invasão dos animais na roça. Sem grandes
áreas de florestas, os animais saem à procura de alimentos e o que acham comem. Essas duas
situações são exemplos de desequilíbrio ecológico e social, pois afeta a qualidade de vida. A

36
Pedagoga.
37
Pedagogo.
96

falta de chuva, é resultado do aquecimento global. O desmatamento, emissão de gases de efeito


estufa e queimadas que ocorrem no mundo, são responsáveis pelo efeito estufa que atinge a
todos os moradores do planeta (SATO; SILVA; JABER, 2018).
A lagoa que dá nome à aldeia antes utilizada para lavar roupa e tomar banho, está
assoreada com pouquíssima água e muitos matos cresceram no meio dela. Os córregos que
fazem divisa entre as aldeias estão secos e sem mata ciliar. Um poço artesiano abastece a aldeia,
mas devido ao aumento da população é racionada, então a bomba é ligada em horários
determinados para encher as caixas d’água dos moradores da comunidade. A água é uma
preocupação sendo trabalhada na escola em forma de projetos de conscientização ambiental.
Não há coleta de lixo, ou são enterrados ou queimados. A mata nativa já foi quase toda
derrubada para liberação de espaço e construção de moradias.
O cacique Orlando Moreira nos contou que a maneira como os Terena vivem hoje é
muito diferente, do que era no passado, os Terena eram nômades e não havia problemas
ambientais e porque viviam em um extenso território onde caçavam e pescavam. O fato de
serem nômades e viver em extenso território, impedia a pressão sobre o ambiente. Assim que
os recursos naquele lugar diminuíam eles procuravam novos locais, os recursos não eram
explorados de forma que se esgotassem e o ambiente se reestabelecia rapidamente. Isso foi
notado por Diegues (2000, p. 241) ao comentar sobre os indígenas da Amazônia:

Os índios movem suas aldeias, campos e expedições de caça para novas áreas
quando as localidades próximas se exaurem, já que isso requer menos esforço
que ter retorno negativo em seus lugares atuais. O equilíbrio é conseguido,
portanto, de forma não intencional, mais por retroalimentação negativa do que
por uma preocupação consciente de seu uso excessivo.

Dessa forma, o equilíbrio é mais uma questão de ação e reação do que algo pensado, é
a lei da natureza, e Darwin já explicava que sobrevive o mais adaptado. Assim como os
carnívoros comem suas presas sem se preocupar se amanhã terá ou não alimento, e se não tiver,
eles procuram outros locais de caça. Os indígenas nunca em sua origem pensaram em
conservação e equilíbrio, primeiro porque não havia destruição ou perdas e segundo porque
viviam com o que o ecossistema lhes proporcionava, de forma natural.
Podemos até dizer que a forma de vida que os indígenas levavam no passado tinha
sintonia com o ambiente que habitavam, mas não harmonia, como muitos pregam. Porque
afirmamos isso? Porque o conceito biológico de relações interespecíficas harmônicas, aponta
que não pode haver prejuízo para nenhuma das espécies analisadas. Nesse caso, as comunidades
tinham a necessidade de matar outras espécies para alimentação, e tal ação, não se encaixa no
97

conceito de harmonia. Quando recorremos ao conceito biológico, não pretendemos ser


colonialistas, mas sim buscar em nós e em nossa formação, algo que nos permita compreender
esse comportamento outro, para fazer o diálogo entre os saberes.
É muito importante destacar que os ambientes “ocupados por essas comunidades são
menos modificados e degradados que as áreas adjacentes [...] suas economias e tecnologias
tradicionais são, em geral, ambientalmente apropriadas” (DIEGUES, 2000, p. 239), devido a
sua sintonia com o ambiente, e não com relação de harmonia.
Essa sintonia com o ambiente se mantém presente na memória dos Terena, mesmo não
possuindo mais seu território original. Não escolheram viver assim, mas foram obrigados a
mudar para sobreviver. Percebemos que mesmo interculturalizados, estando tão próximos das
cidades, e sem suas matas nativas, os indígenas Terena da aldeia Lagoinha, não perderam essa
visão de natureza descrita por Kopenawa.
Marcelo Cecé (39 anos) músico e Délio Delfino (60 anos) professor, nos explicou como
os Terena, entendem por Natureza:

A natureza é algo essencial, o índio ele tem uma ligação muito forte com a
natureza né, tanto como fonte de alimento, remédio, entendeu? A natureza
para nós é isso, é da onde tiramos tudo, hoje mudou muito, mas no passado,
desde da moradia era extraído diretamente... diferente de hoje que é comprado
material de construção na cidade né, mas antigamente desde da casa da
natureza, a própria cama, colchão, o fogão, entendeu? O alimento em si,
remédio quando precisava, então é tudo extraído da natureza (Entrevista
realizada com Marcelo Cecé, fevereiro de 2020).

Para nós a natureza é a terra, porque é muito sagrada, por que dali tiramos
nossa alimentação e é bem diferente da sociedade que se preocupa em ganhar
dinheiro encima da natureza, aí vemos grande quantidade de matas derrubadas
causando prejuízo para a natureza. A natureza pra mim é isso, mas as pessoas
com imensidão de lavouras pensando na finança, no seu enriquecimento
dentro da natureza. Nós temos lavoura não em grandes quantidades, mas em
pequena quantidade, mas para consumo e sustentar nossas famílias. Planta-se
de tudo, a gente precisa da natureza, da terra, nós precisamos da natureza, da
terra para viver. A natureza pra mim, ou seja, para o povo terena é muito forte,
a natureza para nós é a vida do próprio povo terena, por que a natureza são as
matas, os rios, a própria pessoa como ser, e esse ser antigamente precisava
da natureza, principalmente para curar doenças, antigamente não tinha médico
como temos hoje, então íamos para a natureza, pois os antepassados
ensinavam e eles sabiam sobre os remédios dentro da própria natureza. Por
isso que falamos que a natureza é muito forte para nós, então dentro da
natureza há muitas espécies de plantas que serve para curar a enfermidade,
mas hoje em dia não procuramos saber, pesquisar, estudar, não procuramos
(se referindo aos jovens) os anciões que ainda está sobre as nossas aldeias, se
continuar assim a tendência é acabar e não ter mais história sobre o que é a
natureza (Entrevista realizada com Délio Delfino, março de 2019, grifo
nosso).
98

Mesmo vivendo em outras condições o senhor Délio ainda carrega consigo os saberes
ancestrais repassados para ele, pois estão gravados em sua memória, “codificado na bagagem
tradicional transmitida e refinada de geração em geração” (DIEGUES, 2000, p. 239). Délio
ainda frisa que enxergam a Natureza como sagrada, “bem diferente da sociedade que se
preocupa em ganhar dinheiro encima da natureza”, se referindo à sociedade capitalista. O que
Délio denuncia é corroborado pela professora Michèle Sato: “a humanidade se move pela busca
do desenvolvimento, geralmente material, e que o Capitalismo frenético seduz pessoas do
mundo inteiro a consumir o planeta” (SATO, 2018, p. 210). Outro ponto a ser destacado na fala
dele, é a inclusão do ser humano como pertencente à Natureza, e que no passado dependia
apenas dos recursos in natura para sobreviver, enquanto que a cultura ocidental separou o ser
humano da Natureza.
Embora não conheçam o conceito ocidental da palavra Natureza, no discurso
reconhecemos o quanto eles entendem do assunto e como é diferente da visão ocidental. Depois
de nos dizer o que entendia por Natureza, perguntamos ao senhor Leopoldo da Silva (artesão
de 64 anos) se existia uma palavra em Terena que a representasse. Ele disse, “mêum, significa
mundo, mas tudo, nós, as plantas, o solo, os animais, todos os seres e um depende do outro”
(grifo nosso). Dessa forma, mêum é o mundo Terena, a Natureza que envolve todos, e quando
ele fala sobre um depender do outro, está se referindo ao que entendemos na Biologia como
cadeia e teia alimentar, assim como as relações intra e interespecíficas. Reforço novamente que
recorro à Biologia na busca de compreender o olhar indígena sobre o ambiente e privilegiar o
diálogo entre ciência ocidental e ciência indígena.
Essa mesma palavra mêum encontramos na resposta do seu Antenor Augusto da Silva
(artesão de 59 anos) quando lhe perguntamos o que era Natureza.

Posso responder no idioma? Konokoati koyonoyea koane kátarakea ûti ra


mêum vovoku kuteati tikotihiko maka motovâti enoiyea káxe vovea ra Poké'e.
Enomone ko'omixone ûti enepo'oxo vihuinovamaka vo'oku enomone
veyoponeamaka nika ûti enomonemaka kuti'ino apêti numíkuxoti Koane
ihókoti xapa viyénoxapa. Anekomaka uhe'ekotinoe coxe'u tikoti motovâti
vitukea vovoku. koati vomixone ra mêum kuti kixoa uti vêno38.
(Falou em Terena e depois traduziu). Eu disse aqui que Natureza é as matas e
nós tem que cuidar da natureza das matas, das árvores para que nós possamos
viver muitos anos de vida aqui no mundo. A mata são a nossa vida, nossa
sobrevivência da caça, da pesca, das madeiras que nós utilizamos pra ter a
nossa casa, essa é a nossa vida. A mata são a mãe que nós temos. A minha
ligação com a natureza é muito forte, mas tem gente que não! A gente que
trabalha com mel, a gente tem muito carinho pelas matas, porque se não tiver

38
Transcrito em Terena por Délio Delfino.
99

as matas, as abelhas não vão vir aqui né. Em outros municípios você só vê
veneno que acaba matando as abelhas (Entrevista realizada com Antenor
Augusto, novembro de 2019, grifo nosso).

O senhor Antenor39, como o seu Leopoldo, usaram a palavra mêum para descrever a
Natureza. Seu Antenor ainda se referiu a ela como a mãe que fornece tudo para a sobrevivência.
A ligação dele com a mãe Natureza é forte por ser produtor de mel, e para que as abelhas
produzam mel precisam das matas, mas os venenos utilizados na agricultura matam as abelhas.
Na fala dele podemos perceber que ele conhece as relações entre os seres vivos, “eles são
familiares com as leis da natureza” (DIEGUES, 2000, p. 240).
Segundo Diegues (2000) originalmente não existe em seu vocabulário tradicional as
palavras conservação e ecologia. Buscamos saber entre os anciões se havia essas palavras
entre os Terena e também descobrimos que não, os que falam em conservação aprenderam
na educação escolar. Embora as palavras não existam, o conceito, o entendimento sobre,
existe.
Assim como o entendimento existe entre os Terena, quando Kopenawa entendeu o
significado da palavra ecologia, ele concluiu que a ecologia está entre os indígenas há muito
mais tempo que entre os brancos:

Na floresta, a ecologia somos nós, os humanos. Mas são também, tanto quanto
nós, os xapiri, os animais, as árvores, os rios, os peixes, o céu, a chuva, o vento
e o sol! É tudo o que veio à existência na floresta, longe dos brancos; tudo o
que ainda não tem cerca. As palavras da ecologia são nossas antigas palavras,
as que Omama deu a nossos ancestrais. Os xapiri defendem a floresta desde
que ela existe. Sempre estiveram do lado de nossos antepassados, que por isso
nunca a devastaram. Ela continua bem viva, não é? Os brancos, que
antigamente ignoravam essas coisas, estão agora começando a entender. É por
isso que alguns deles inventaram novas palavras para proteger a floresta.
Agora dizem que são a gente da ecologia porque estão preocupados, porque
sua terra está ficando cada vez mais quente. Nossos antepassados nunca
tiveram a ideia de desmatar a floresta ou es- cavar a terra de modo desmedido.
Só achavam que era bonita, e que devia permanecer assim para sempre. As
palavras da ecologia, para eles, eram achar que Omama tinha criado a floresta
para os humanos viverem nela sem maltratá-la. E só. Somos habitantes da
floresta. Nascemos no centro da ecologia e lá crescemos (KOPENAWA;
ALBERT, 2015, p. 480).

Perguntamos ao Délio se ele lembrava do seu pai ensinando alguma coisa referente
a natureza, ao ambiente em que viviam quando criança.

39
O senhor Antenor reside na aldeia vizinha da aldeia Lagoinha e achamos importante entrevistar, ele e sua filha,
porque eles vivem do artesanato. Embora na Lagoinha tenha muitos artesãos podemos dizer que apenas os
quatro que entrevistamos vivem ainda do artesanato, os demais fazem esporadicamente.
100

Meu pai sempre ensinava e falava pra gente defender a natureza, porque
naquela época o trabalho era só pra roça né, quem fazia roça era bem de vida,
ai ele sempre ensinava a gente que se a gente cortasse uma árvore, tem que
plantar outra árvore, para nunca acabar (Entrevista realizada com Délio
Delfino em março de 2019).

Os termos usados por ele são “defender a natureza” “para nunca acabar”, e ainda admira
da sabedoria do pai não tendo estudo, embora saibamos que a sabedoria não esteja vinculada a
saber ler e escrever, ainda mais em português, mas isso nos mostra como seu pai tinha um bom
entendimento do comportamento da Natureza.
Mesmo morando muito próximos à cidade e atravessados pela cultura ocidental, essa
conexão com a natureza é forte, pois ainda utilizam os recursos naturais em vários momentos
da vida na aldeia.

A casa antiga, olha, era bom era mais fresco era de capim, tem dois tipos de
capim que a gente fazia casa, algumas pessoas já colocaram o capim formado
em cima desse capim colocava barro pra segurar o capim. Eu faço ainda assim
(casa), porque eu gosto de fazer (Entrevista realizada com cacique Orlando
Moreira, em novembro de 2019).

Os Terena ainda hoje, fazem uso das ervas medicinais no chimarrão e utilizam vários
recursos naturais em seus artesanatos. As casas, varandas e galpões são construídas com
madeira do cerrado e coberta de palha amenizando o calor comparado a um telhado de
alvenaria. Medeiros e Sato (2013) afirmam que isso além de refletir a íntima ligação deles com
a Natureza, as varandas e galpões são ecológicos e símbolos de adaptação ao ambiente.

4.1 Observações do Terena a partir da natureza - marcadores do espaço e do tempo

Desde que a humanidade está no mundo observa a natureza imitando-a ou buscando


respostas para seus dilemas. As navegações eram guiadas pelas estrelas, os aviões foram
inspirados nos pássaros, o revestimento reflexivo usado em sinalizações de trânsito foi copiado
dos olhos dos gatos que refletem a luz. O design da frente do trem bala foi mudada para diminuir
o barulho e aumentar a velocidade, baseado no martim pescador40, sua anatomia faz com que
se introduza na água com muita facilidade e não emitindo som. O cimento ecológico foi
inspirado nos corais. Esses são alguns exemplos dentre muitas invenções da humanidade
baseadas na Natureza.

40
Megaceryle torquata, pássaro pescador comum no Pantanal Sul-mato-grossense.
101

Para falar sobre a observação da natureza, vamos trazer a biologia para nos embasar,
pois é nosso lugar de fala, e para mostrar que é possível o diálogo entre a ciência ocidental e
ciência tradicional, decolonizando a ideia de uma ser superior à outra.
Na Biologia o estudo do comportamento social e individual dos animais e de seu habitat
natural, é conhecido como etologia (do grego: Ethos: lugar habitual; conduta; Logos: estudo).
Elementos do ambiente como “as condições climáticas, as plantas, o tipo de solo, os predadores,
as presas e outros animais que convivem com ele”, influenciam o comportamento dos animais
(FREITAS; NISHIDA, 2006, p. 68). Embora muitos grupos humanos, desde a pré-história, já
tivessem o costume de observar o comportamento dos animais tirando proveito tanto na caça
como no convívio, o comportamento dos animais só passou a ser estudado sistematicamente
apenas em meados do século XX, o que também ajudou na compreensão da relação do ser
humano com o ambiente já que estes deixam marcas inscritas na paisagem, com veremos mais
adiante.
A etologia revelou o comportamento animal em relação com o outro, não só de mesma
espécie como com os de outras espécies, outros hábitos, outros nichos. O que parecia ser um
ajuntamento desordenado e com reações automáticas ou reflexos, após serem observados mais
de perto, mostrou-se um todo organizado e com hierarquias (MORIN, 1973). “As primeiras
descobertas etológicas indicam-nos que o comportamento animal é simultaneamente
organizado e organizador. Em primeiro lugar, surgem as noções de comunicação e de território
[...]” (MORIN, 1973, p. 11).
Os dados evidenciados na etologia constituíram a noção de sociedade no meio ambiente.
Sociedade que organiza e protege seu território, disponibiliza uma hierarquia baseada em
competições e conflitos ordenando as relações de submissão e dominação. Mas também as
relações são feitas de solidariedade quando em perigos e próximos a inimigos exteriores
produzindo trabalho de cooperação organizado de forma sutil. A comunicação por meio de
sinais e símbolos faz parte da complexidade das relações sociais múltiplas.
Ainda segundo Morin (1973), as sociedades, como a de formigas, abelhas, ou uma
alcateia, se comunicam, estabelecem as hierarquias num ritual de submissão e utilizam
estratégias coletivas para caçar, se defender, atacar e também para fugir. “Chega-se à conclusão
de que nem a comunicação, nem o símbolo, nem o rito, são exclusividades humanas, e de que
têm raízes muito remotas na evolução das espécies” (MORIN, 1973, p. 14).
Na evolução das espécies existe um elo perdido entre os ancestrais primatas e o ser
humano atual. São de 10 a 5 milhões de anos a lacuna entre essas espécies, um abismo
evolutivo. Dessa forma, é possível que os utensílios, a caça, a linguagem e a cultura tenham
102

aparecido com o desenvolvimento da hominização, antes do surgimento da nossa espécie


(sapiens) (MORIN, 1973). “É nessa lacuna que agora se pode ver um animal humano, uma
sociedade natural, uma elaboração cultural ligada a uma evolução biológica” (MORIN, 1973,
p. 28). A cultura da sociedade humana emerge no decorrer da evolução biológica.

Assim, inscrevemos as condições naturais em que vivemos em nosso mundo


de significados, transformando a natureza em cultura. Essa relação dinâmica
de mútua transformação entre seres humanos e natureza [...] nunca se fecha
[...] produzindo continuamente ambientes de vida e cultura (CARVALHO,
2008, p. 76).

É uma relação dinâmica de transformação, o ser humano transforma a natureza


produzindo ambientes que influenciam na vida do ser humano que também é transformado, e
essas transformações são cultura. Nesse panorama cultural e ambiental, a vida do indígena era
fortemente influenciada pelo ambiente. O comportamento dos animais e o ciclo da lua
orientavam suas atividades diárias.
As relações com o ambiente são refletidas nessas marcas. Essas marcas são
acontecimentos inscritos na paisagem e na memória, tanto no espaço quanto no tempo. Esses
acontecimentos se acumulam formando os marcadores espaço-temporais gerados pela dinâmica
socioambiental. O tempo presente juntamente com as heranças criadas ou não, influenciam os
processos diários nas sociedades tradicionais.
É por meio do trabalho, métodos e procedimentos que as sociedades humanas produzem
artefatos e construções que ficam registrados na paisagem, nas modificações dos ambientes, na
memória e nas informações transmitidas de uma geração para outra (LOIOLA; OLIVEIRA;
RATTS, 2011).
Loiola, Oliveira e Ratts (2011, p. 68), entendem que os eventos do cotidiano exprimem
o movimento de criação da realidade e:

Materializam acontecimentos singulares entre tantos possíveis, cujas marcas


permitem diferenciar os momentos nas sociedades e nos ambientes, sejam no
campo das ideias, processos, fatos ou fenômenos. Suas marcas informam um
lugar no espaço e no tempo do acontecer [...].

Os marcadores espaço-temporais oferecem dados que permitem conhecer vários


aspectos das comunidades tradicionais, como seus costumes, relações, crenças ou seja, sua
cultura.
As memórias socioambientais das comunidades tradicionais, origina-se dos marcadores
espaço-temporais, e alicerçam as representações sociais o que permite identificações culturais
103

e étnicas. Essa produção socioambiental é originada do vínculo entre as questões sociais,


culturais, ambientais e históricas (LOIOLA; OLIVEIRA; RATTS, 2011).
Os autores ainda argumentam que “juntamente com a memória, a paisagem torna-se
guardiã das sucessivas marcas” (LOIOLA; OLIVEIRA; RATTS, 2011, p. 71) socioambientais
inscritas no espaço-tempo que essas noções de espaço e tempo se formam via processos
histórico-sociais de acordo com os símbolos de cada cultura. Essas noções se traduzem em
referenciais ambientais resultantes do acúmulo de saberes e aprendizagens, utilizados no
decorrer da vida e dos afazeres cotidianos.
Focando na cultura Terena, percebemos que são excelentes observadores e que as
referências utilizadas por eles estão nas fases da lua, no florescimento das plantas, no
aparecimento dos frutos, no comportamento dos animais, entre outros que iremos especificar a
seguir.
Seu Leopoldo da Silva Terena (artesão, 64 anos) nos falava sobre os ensinamentos do
seu pai durante o tempo que trabalhavam na roça. Seu pai dizia que

A lua nova é sinal de chuva, se ela virar... se fica com o C pra cima é frio, o C
em forma de C é normal e o C ao contrário é chuva e o C pra baixo não tem
[...]. Depois de uma semana de lua nova chove. É bom de plantar rama em
tempo de lua nova, ai carrega o pé, só que começar a colher tem que ser rápido
porque se não apodrece tudo. Lua crescente, lua cheia e lua minguante é bom
pra plantar, lua nova pode plantar mas vai carregar e apodrecer rápido. Na lua
nova não pode tirar madeira pra construir casa porque fica fraca a madeira, é
bom tira na crescente, cheia e minguante, nada é bom na nova. A lua nova é
uma lua muito forte e as coisas parece que não é nada, mas é, antigamente as
pessoas plantava na cheia e crescente[...]. Se você tiver andando no mato e ver
formiguinha carregando, bom ele carrega o alimento em tempo de seca, antes
da chuva, tem que preparar comida pra quando chover. Se ver tatu galinha,
veado no campo também é sinal de chuva (Entrevista realizada com Leopoldo
da Silva em abril de 2019).

Durante a entrevista com seu Leopoldo, comentei que no dia que cheguei na aldeia,
haviam muitos mosquitos e moscas. Rapidamente ele disse que isso era sinal de chuva, e que
choveu ao redor embora não tivesse chovido na aldeia. Depois que chove a quantidade diminui
consideravelmente.
As lembranças, sobre o ciclo da lua relacionando com o plantio ou sobre o
comportamento dos mosquitos e animais na mata, são classificadas como representações de
base cognitiva e performática. Cognitiva porque envolve imagens do ambiente e performática
porque envolve movimento e ciclos. Segundo Seemann (2003, p. 9) a representação
104

Cognitiva ou mental inclui tanto as imagens do ambiente guardadas na


mente das pessoas para encontrar caminhos ou se orientar no espaço, quanto
artefatos físicos que registram como as pessoas percebem o espaço e os
lugares. [A representação de performance] pode se manifestar em forma de
um ato social não material, oral, visual etc., como gestos, rituais, canções,
processos, danças, poemas, histórias ou outros meios de expressão ou
comunicação cujo propósito primário é definir ou explicar conhecimentos
ou práticas espaciais.

Nos relatos e histórias contadas pelos anciões da aldeia encontramos vários tipos de
representações. “É por meio dos significados produzidos pelas representações que damos
sentido à nossa experiência e àquilo que somos” (WOODWARD, 2000, p. 17). As
representações cognitivas, performáticas e espaciais dos Terena são significativas porque suas
experiências são usadas como fonte de ensino e porque exprimem a identidade desse povo.
O seu Lourenço Moreira (78 anos) nos contou que o nome da aldeia foi escolhido em
homenagem à uma parteira que usava a lagoa como referência para dizer onde morava. “Maria
Carolina, que é avó, mãe do pai dele [Délio], ela era parteira e ia pra alguns lugares, aí
chamavam ela quando a criança ia nascer e perguntaram lá de onde ela mora. Eu moro perto de
uma lagoa a lagoinha”.
Essa fala do seu Lourenço é um exemplo de representação espacial, visto que em sua
lembrança utiliza um referencial espacial físico fixado em um lugar.

A representação espacial também pode ter uma forma material e “não


efêmera”. Os mapas desta categoria são artefatos físicos que podem ser
encontrados fixados em um lugar (arte rupestre, desenho de mapas em
habitações, paredes etc.) ou são registros “móveis”, “portáteis” como
cerâmica, tecidos, descrições ou desenhos de performance (SEEMANN
2003, p. 9).

Seu Lourenço também nos falou sobre alguns sinais que marcam chuvas, baseado no
comportamento dos animais. “A coruja vem em cima de casa, alguma coisa vai acontecer.
Quando o bugio grita de manhã cedo, vai chover”. Délio complementa dizendo que “Anuncia
a chuva na semana né, ele não determina o horário também né [risos]”.
Os Terena que possuem emprego formal utilizam relógio e se orientam de acordo com
os horários determinados pela sociedade, ocidental perfazendo jornada de trabalho de oito horas
por dia. Mas como a maioria da aldeia, não estando em serviço, se orienta mais pela localização
do sol, mas é necessário saber onde o sol nasce e onde se põe. Voltando de uma entrevista
encontrei seu Sebastião Pereira (ancião, liderança religiosa, 64 anos) numa construção de casa
e perguntei para ele que horas a gente poderia conversar, pois havia falado anteriormente sobre
a entrevista. Então ele respondeu: “Agora são quase meio dia... [olhando para o céu], vou dar
105

uma parada e descansar, quando eu voltar às duas horas [14h] para o trabalho, eu passo lá e daí
a senhora pode me perguntar”. Depois disso, perguntamos para seu Leopoldo como funcionava
e ele explicou: de acordo com o movimento do sol.

O sol nasce ali [apontou], antes dele nascer tem que estar na roça, quando o
sol tá mais ou menos ali [apontou], é metade da manhã, hora de dar um
pequeno descanso para tomar uma água..., O sol em cima da cabeça, hora de
almoço, para tudo e vai descansar. Quando o sol tiver ali [apontou] hora de
voltar pra roça e terminar o serviço, e quando o sol tiver lá quase perto do fim,
já hora de voltar p casa, tomar banho, jantar e conversar com os vizinhos
(Entrevista realizada com Leopoldo da Silva em novembro de 2019).

É forma própria de contar e marcar o tempo, orientados pelos astros, de dia pelo sol e a
noite pela lua. “Esses saberes são o resultado de uma co-evolução entre as sociedades e seus
ambientes naturais” (DIEGUES, 2000, p. 38). É a “ciência do concreto” são todos os saberes
sobre a natureza (DIEGUES, 2000, p. 68). Ciência do concreto porque envolve o contato e a
prática milenar, os indígenas conhecem na prática sobre muitas espécies da natureza é um saber
concreto. Isso fica claro nas palavras do seu Leopoldo da Silva:

O mundo, o mundo é muito bonito, e nós não, nós apenas vivemos na face
terra pra acompanhar o mundo. Tem pessoas que estraga o mundo, muitas
vezes queima a natureza, corta as árvores, tem pessoas que corta, queima
errado. Porque nós moramos perto da árvore, a gente cuida das plantas, cuida
das árvores (Entrevista realizada com Leopoldo da Silva em novembro de
2019).

Destacamos aqui o cortar e o queimar errado, visto que, os indígenas possuem bastante
conhecimento sobre a época certa, tanto de podar, quanto de cortar árvores evitando o
desperdício, baseado no ciclo lunar. Os indígenas usam técnicas de aceiro para controlar a
queimada em seu território. Possuem um plano “muito preciso de queimadas para criar zonas
que servirão de barreiras de fogo, quando a época é mais seca” (DIEGUES, 2000, p. 75). O
gerenciamento do território se dá em função do conhecimento sobre as relações e interações
entre as espécies (DIEGUES, 2000).
Há uma diversidade de conhecimentos, saberes, de epistemologias nas relações entre os
indígenas e natureza. As sociedades da natureza percebem os lugares como ambientes
produtores de ensinamentos de pensar e estar no mundo (TRISTÃO, 2016). As palavras de
Tristão são corroboradas por Kopenawa e Albert (2015, p. 75):

Nossos pensamentos se expandem em todas as direções e nossas palavras são


antigas e muitas. Elas vêm de nossos antepassados. Porém, não precisamos,
como os brancos, de peles de imagens para impedi-las de fugir da nossa mente.
106

Não temos de desenhá-las, como eles fazem com as suas. Nem por isso elas
irão desaparecer, pois ficam gravadas dentro de nós.

Délio ao falar sobre o que o pai dele lhe ensinava disse: “o interessante disso é que não
tinha estudo, não tinha estudo nenhum, meu pai era analfabeto, não sabia nem ler e nem escrever
e é isso que ele passava pra gente”. Kopenawa e Délio mostram que os indígenas não precisam
de papel para deixar registrado seus conhecimentos como os não indígenas, mas que seus
conhecimentos são herdados dos seus antepassados e ficam registrados em sua memória.
Para Kopenawa, seus saberes advêm dos espíritos que o acompanham que estão dentro
de si.

A imagem de Omama disse a nossos antepassados: “Vocês viverão nesta


floresta que criei. Comam os frutos de suas árvores e cacem seus animais.
Abram roças para plantar bananeiras, mandioca e cana-de-açúcar. Deem
grandes festas reahu! Convidem uns aos outros, de diferentes casas, cantem e
ofereçam muito alimento aos seus convidados!”. Não disse a eles:
“Abandonem a floresta e entreguem-na aos brancos para que a desmatem,
escavem seu solo e sujem seus rios!”. Por isso quero mandar minhas palavras
para longe. Elas vêm dos espíritos que me acompanham, não são imitações de
peles de imagens que olhei. Estão bem fundo em mim (KOPENAWA;
ALBERT, 2015, p. 76).

Os saberes tradicionais indígenas além de vir dos antepassados que ficam registrados
em sua memória, advêm também dos espíritos que os acompanham que estão dentro de si.
O professor, pós-doutor, Seizer da Silva (2016, p. 19), da etnia Terena, ratifica essa ideia
ao dizer: “Reinventamo-nos, estabelecemos novas conexões com outros saberes, nos tornamos
Terena com memória cosmológica “cristalizada” nos saberes dos meus avós maternos”.
O reconhecimento desses outros saberes, Santos (2008) chama de ecologia de saberes e
a compreende como um conjunto de epistemologias da diversidade, a prática de saberes.

A ecologia de saberes procura dar consistência epistemológica ao saber


propositivo. Trata-se de uma ecologia porque assenta no reconhecimento da
pluralidade de saberes heterogêneos, da autonomia de cada um deles e da
articulação sistêmica, dinâmica e horizontal entre eles. A ecologia de saberes
assenta na interdependência complexa entre os diferentes saberes que
constituem o sistema aberto do conhecimento em processo constante da
criação e renovação. O conhecimento é interconhecimento, é reconhecimento,
é autoconhecimento (SANTOS, 2008, p. 157).

A ecologia dos saberes se situa em um contexto cultural ambíguo, porque enquanto o


reconhecimento da diversidade sociocultural favorece o reconhecimento da diversidade
epistemológica de saber no mundo, todas as epistemologias também partilham as premissas
culturais do seu tempo, sendo a crença na ciência como uma forma de conhecimento válido, a
107

mais consolidada (SANTOS, 2008). Tristão (2014) afirma que é importante ser flexível na
interpretação do mundo dinâmico com economias integradas onde essas comunidades sofrem
pressão da economia de mercado e dos impactos no ambiente de onde tiram sua subsistência.
Concordamos com Sato e Passos (2009, p. 44) que “a cultura talvez seja a chave de
compreensão dos dilemas socioambientais desde que dela emanem as escolhas históricas da
civilização humana”.
Fundamentada nessas compreensões que a Educação Ambiental (EA) tem produzido
narrativas de valorização dos saberes das comunidades tradicionais, o que na concepção de
Tristão (2014) é um pouco preocupante, visto que, se corre o risco de essencializar a cultura
por conta desse encantamento. A EA ao incorporar as narrativas da diversidade cultural expõe
a hierarquização das culturas, principalmente pela homogeneidade dominante da modernidade
e seus processos globalizantes, mas ao mesmo tempo essa supervalorização da herança
tradicional, pode defender e homogeneizar algumas culturas consideradas tradicionais ou
sustentáveis conferindo a elas um sentido de pureza que não existe (TRISTÃO, 2014).
A Educação Ambiental é um processo em que os indivíduos e a sociedade se
conscientizam de seu ambiente e adquirem conhecimentos, valores, experiências para que
sejam capazes de agir e solucionar problemas ambientais (UNESCO- UNEP, 1987). Mas a
Educação Ambiental também pode ser entendida como um processo onde os indivíduos
constroem valores sociais, habilidades e conhecimento para pensar a conservação ambiental
para uso comum e sustentável pela população (BRASIL, 1999a).
De acordo com Brasil (1999a), um dos objetivos da Educação Ambiental (EA) é criar e
ampliar formas sustentáveis de relações entre a sociedade e a natureza (socioambiental) assim
como mitigar os problemas ambientais. Segundo Carvalho (2008) a visão socioambiental
direciona-se para a racionalidade complexa e interdisciplinar pensando o ambiente como campo
de interações entre cultura, sociedade e parte biótica e abiótica. Essa relação é dinâmica e causa
modificações mútuas. Nesse caso a presença humana é vista como integrante à teia de relações
da vida, interagindo no social, natural e cultural.
Para Hall (2003, p. 141-2) não é possível pensar a natureza independente da cultura,
pois cultura é “algo que entrelaça todas as práticas sociais, e essas práticas, por sua vez, como
uma forma comum de atividade humana: como práxis sensual humana, como a atividade através
da qual homens e mulheres fazem a história”. Embora Hall se refira à natureza humana, me
atrevo a relacionar e pensar essa natureza como o meio ambiente, pois a relação humana com
o meio ambiente depende também de sua cultura. Para Guattari (1990, p. 25), “mais do que
nunca a natureza não pode ser separada da cultura e precisamos aprender a pensar
108

transversalmente as interações entre ecossistemas, mecanosfera e Universos de referência


sociais e individuais”.
Se a cultura é baseada nas ideias da modernidade e do capitalismo, com certeza os
recursos ambientais serão explorados até o máximo que as leis permitem, mas se a cultura é
baseada no pensamento de interdependência e que o ser humano faz parte dessa natureza, então
essa relação pode se tornar sustentável.
Já colhemos os frutos podres da nossa cultura Ocidental moderna capitalista, e baseados
nessas consequências voltamos os olhos para culturas outras, na busca de respostas, na busca
de formas sustentáveis de relações entre a sociedade e natureza que resulte numa vida
equilibrada e justa em todos os sentidos para todos os habitantes do planeta.
Nessa linha de pensamento, com o olhar para as culturas outras, apresentaremos aqui
três versões do mito da criação dos Terena, que tentamos compreender, na medida do possível,
na perspectiva dos valores Terena. “Mitos são narrativas lendárias da tradição cultural de um
povo, que explica a gênese do universo, funcionamento da natureza ou enaltecimento de crenças
religiosas” (SATO; PASSOS, 2009, p. 53). Geralmente os mitos eram criados para explicar a
origem das coisas e os fenômenos naturais, ou seja, são expressões da relação do ser humano
com a natureza. Mindlin (2002, p. 150-1) compara o mito a um cristal geométrico “devendo-se
decifrar as relações que estabelecem entre si, as facetas lapidadas da pedra, ligações que surgem
de oposições duais, aspectos a perceber na sociedade e na natureza”.
Sobre nossas proposições, a seguir, a respeito dos mitos, concordamos com Sato et al.
(2012, p. 38):

Os “donos” dos mitos podem não querer negociar suas respectivas versões,
mas é inevitável ouvi-los sem que a imaginação e a interpretação se
manifestem. E quem escreve entrega o fenômeno mitológico a uma
indeterminação dinâmica nos horizontes dos sentidos e da poesia.

É impossível entrar em contato com os mitos e não imaginar, ou tentar interpretar, as


histórias fabulosas com mais de 500 anos, já que habitavam o continente antes dos
colonizadores chegarem.
A versão do mito foi escrita por Baldus em 1947, quando ele visitou o Posto Indígena
Curt Nimuendaú, no estado de São Paulo. Segundo Baldus (1950), Orekajuvakái 41 o herói
civilizador 42dos Terena. Esse herói mítico (Orekajuvakái), deu aos Terena sementes de feijão,

41
Os nomes em Terena, obedecem a escrita de Baldus.
42
Ente mitológico da criação. Aparece a mitologia de várias partes do mundo.
109

milho, algodão e também mandioca. Ele ensinou os Terena a fazer arco e flecha, rancho (casa),
roçar, plantar e tecer (BALDUS, 1950).
Quando moço, não quis ir à roça com sua mãe. Ela irritada cortou o menino em dois
pedaços e cada pedaço se reconstituiu formando dois meninos com o mesmo nome. Acredita-
se que cada metade do menino estejam relacionadas às metades tribais endogâmicas
Súkirikeono e Xúmono. Mas, Baldus afirmou que faltava “saber se esta organização dual tinha
relação com a dualidade de Orekajuvakái” (BALDUS, 1950, p. 223).
Baldus (1950) comenta que esse mito de origem, também aparece entre os Kaigang,
Guaikuru, Bororo e Bakairi, com poucas diferenças. Anterior a 1947, o autor havia escutado
em 1934, uma outra versão do mito de origem dos Terena. Na versão de 1934, Pitanoé que
significa escorpião, seria o nome dos Orekajuuakái, mas também era diferente deste porque
Pitanoé sempre a favor dos Terena, cuidava-os, deu sementes e também um embrulho cheio de
mosquito-pólvora. O embrulho mostra o lado malicioso da maioria dos heróis míticos. Pitanoé
era único, andava sozinho e estaria vivo até hoje, na versão de 1934.

Diz que antigamente não havia gente. Bem-te-vi, vítuka, descobriu onde havia
gente debaixo do brejo. Bem-te-vi marcou o lugar aos Orekajuvakái que eram
dois homens e estes tiraram a gente do buraco. Antigamente, Orekajuvakái
eram um só e quando moço a sua mãe ficou brava, pois Orekajuvakái não
queria ir junto com ela à roça, foi à roça, tirou foice e cortou com ela
Orekajuvakái em dois pedaços. O pedaço da cintura para cima ficou gente, e
a outra metade gente também. Antes de tirar a gente do buraco, Orekajuakái
mandaram tirar fogo, iukú. Pensaram quem vai tirar fogo. Foi o tico-tico,
xavokóg. Ele foi e não achou o fogo. Depois foi o coelho, kanóu. Levou vara
verde de ingá e achou o fogo que estava rodeado dos donos Tokeóre. Enfiou
o ramo no borralho, estourou aquele ramo, o Tokeóre esparramou com aquele
estouro que deu no fogo, kanóu aproveitou e tirou e correu. Achou um pau
deitado e ôco e entrou com o fogo na vara e se bateu o nariz até sair sangue.
Esfregou o nariz na ponta da vara e enleou um pedaço de sua própria tripa no
pau, colocou-o para Tokeóre ver. Aí Tokeóre foi embora. Disse: Já o matamos,
pois viam o sangue. Kanóu saiu do pau e foi queimar o capim velho jogando
fogo onde passou. Tokeóre ficou triste e disse: Tomaram nosso fogo.
Orekajuvakái está sempre a nosso favor, disse o Tereno. O kanóu chegou onde
estava os Orekajuvakái e foram fazendo grande fogueira. Aí Orekajuvakái
tiraram a gente do buraco. Gente levantou os braços e Orekajuvakái neles os
agarraram. Toda gente era nu e tinha frio e Orekajuvakái chamaram para ficar
perto do fogo. Era gente de toda raça. Orekajuvakái sempre pensaram como
fazer falar esta gente. Mandaram-na entrar em fileira um atrás do outro.
Orekajuvakái chamaram lobinho, okué, para fazer rir a gente. Lobinho fez
toda macacada, mordeu no próprio rabo, mas não conseguiu fazer rir.
Orekajuvakái chamaram sapinho, aquele vermelho, kalaláke. Este andou
como sempre anda e a gente começou a dar risada. Sapinho passou ida e volta
ao longo da fila três vezes. Aí a gente começou a falar e dar risada.
Orekajuvakái ouviram que cada um da gente falou diferente do outro. Aí
separaram cada um a um lado. Eram gente de toda raça. Como o mundo era
pequeno, Orekajuvakái o aumentaram para o pessoal caber. [....].
110

Orekajuvakái deu uns carocinhos de feijão e milho e deu mandioca também e


ensinou como se planta. Deu também semente de algodão e ensinou como
tecer faixa. Ensinou fazer arco e flecha, ranchinho, roçar e plantar (BALDUS,
1950, p. 218-20).

No mito de criação também é contada a história da origem do fogo, cobiçado pelos


indígenas para o aquecimento no inverno e para assar a carne, visto que os indígenas de origem
Chaquenha preferiam carne assada, à carne crua. “O fogo significa poder, conquista a ser feita.
Para alguns povos, são os criadores quem dão o fogo – não são os homens quem roubam, mas
os próprios magos” (MINDLIN, 2002, p. 156). Nesse caso, o fogo é dado aos Terena pelo
criador.
Para que os indígenas falassem, provocou primeiro a risada, segundo o olhar de Baldus,
seria porque a criança passa a ter uma alma apenas depois de sorrir, como ocorre na crença dos
Bánaro da Nova Guiné.
“Era gente de toda raça”, essa expressão leva a crer que não foram apenas os Terena
tirados do buraco, mas também outras etnias, visto que esse mito também é contado por outras
etnias que viviam próximos aos Terena no Chaco, como o próprio Baldus apontou.
Geralmente o conteúdo de uma “outra” cultura é representada de forma etnocêntrica, Baldus
indica a falta de etnocentrismo, o que é incomum na mitologia de povos-naturais. Bhabha
(1998, p. 10) faz a caracterização do etnocentrismo dizendo, “embora o conteúdo de uma
cultura [...] seja representada de forma etnocêntrica, [...] a exigência de que ela seja sempre o
bom objeto de conhecimento, o dócil corpo da diferença, que reproduz uma relação de
dominação [...]”. Embora seja dessa forma em outras culturas, no mito de origem dos Terena,
isso não ocorre.
Altenfelder Silva apresenta duas versões do mito e acrescenta que tudo que os Terena
possuem veio dos heróis-civilizadores. Na primeira versão, o Yurikoyuvakai43, foi cortado em
dois pedaços, mas o Yurikoyuvakai formado da parte de cima era quem mandava.

No princípio havia um único Yurikoyuvakai que vivia com sua irmã


Livetchetchevena. Yurikoyuvakai cortavam raio do mundo. Sua irmã plantou
uma árvore, e quando esta frutificou, Yurikoyvuakai roubou o fruto.
Livetchetchevena zangou-se e cortou-o pelo meio. Da parte de cima cresceu
um Yurikoyuvakaique; e da parte de baixo cresceu outro. Mas o primeiro era
quem mandava (ALTENFELDER SILVA, 1949, p. 349).

43
Escrita condiz com a forma que Altenfelder Silva escreveu.
111

Nessa segunda versão, há uma diferença para a versão de Baldus, onde Yurikoyuvakai,
seria lacraia, como apontado por Oberg (1949, p. 42), “Yúrikoyuvakái was a centipede who
lived with his mother [...]”, que também escreveu sobre o mito dos Terena e Cadúveo
(Kadiwéu).

Yurikoyuvakai andava por cima dos Terena. Yurikoyuvakai era uma lacraia
que ir com a mãe na roça. Esta não queria que o filho fosse. Yurikoyuvakaique
insistiu em acompanhá-la, e a mãe zangou-se, cortando-o ao meio. Ficaram
então dois Yurikoyuvakai; eles já eram irmãos os dois Yurikoyuvakai faziam
armadilha para apanhar passarinhos. Mas sempre encontrava a armadilha
vazia e restos de ossos de passarinhos. Yurikoyuvakai mandou então à
lagartixa que vigiasse arapuca. Mas esta se descuidou e não viu que roubaram
os passarinhos. Quando no dia seguinte Yurikoyuvakai encontrou a armadilha
vazia perguntou à lagartixa quem havia roubado. A lagartixa não soube dizer
e, zangando-se Yurikoyuvakai atirou-a contra uma árvore. É por isso que a
lagartixa sobe nas árvores.
Yurikoyuvakai mandou então bem-te-vi que vigiasse armadilha. No dia
seguinte, encontrando armadilha vazia, perguntou quem roubava a caça. O
bem-te-vi começou a voar sobre o monte de capim. Voava e baixava.
Levantava e abaixava. Então Yurikoyuvakai arrancou um monte de capim.
Tinha uma porta. Era num buraco cheio de índios. Os índios todos estavam
ali no ponto quando Yurikoyuvakai espiou, eles estavam todos com a boca
escancarada. Yurikoyuvakai mandou sair todos os índios. Não ficou
nenhum. Eles não falavam. Yurikoyuvakai deu a fala para eles. Então
Yurikoyuvakai pôs os índios no lugar, em que eles podiam viver. Mas os
índios não tinham fogo e tremiam de frio. O fogo nesse tempo era guardado
por um bicho chamado Takê-orê. Yurikoyuvakai mandou a lebre, (Lupus
brasiliensis), que corre muito, buscar o fogo. Takê-orê não quis dar, e para
protegê-lo pôs-se de pernas abertas sobre ele. Mas a lebre apanhou uma
vagem, hivoi, que arrebenta no fogo, e atirou-a sobre as brasas. As brasas
saltaram e Takê-orê se assustou. A lebre se apoderou do fogo e fugiu. Takê-
orê perseguiu-a e quando estava alcançando, a lebre encontrou um pedaço
de pau oco e escondeu-se nele. Takê-orê cutucou com um pau para ver se
matava a lebre, mas esta cortando o dedo pingou com sangue o pedaço de
pau. Takê-orê pensou então que a lebre havia morrido e foi se embora. A
lebre então levou a brasa que roubava e lançou-a num campo incendiando-
o. E assim os índios conseguiram o fogo. Mas os índios não tinham
instrumentos e foram pedi-los a Yurikoyuvakai. Este deu aos terena todos
os instrumentos: para os homens deu a faca de madeira, peritau; foice de
madeira, Chopilocoti; Machado, povooti; a enxada, ahará; e o tacape ou
pu'lac; e para as mulheres, Yurikoyuvakai deu o fuso, hopai
(ALTENFELDER SILVA, 1949, p. 349-50).

Basicamente as versões de Baldus e Altenfelder Silva são iguais, mas Oberg traz um
pouco mais de detalhes embora seja a mesma história de Altenfelder Silva. A versão de
Bittencourt e Ladeira é mais curta e adaptada, pois ela faz uma transposição didática, visto que
seu material foi desenvolvido para ser usado nas escolas indígenas.
112

Havia um homem chamado Oreka Yuvakae. Este homem ninguém sabia da


sua origem, não tinha pai e nem mãe, era um homem que não era conhecido
de ninguém. Ele andava caminhando no mundo. Andando num caminho,
ouviu grito de passarinho olhando como que com medo para o chão. Este
passarinho era o bem-te-vi. Este homem, por curiosidade, começou a chegar
perto. Viu um feixe de capim, e embaixo era um buraco e nele havia uma
multidão, eram os povos Terena. Estes homens não se comunicavam e
ficavam trêmulos. Aí Oreka Yuvakae, segurando em suas mãos tirou eles
todos do buraco. Oreka Yuvakae, preocupado, queria comunicar-se com eles
e ele não conseguia. Pensando, ele resolveu convocar vários animais para
tentar fazer essas pessoas falarem e ele não conseguia. Finalmente ele
convidou o sapo para fazer apresentação na sua frente, o sapo teve sucesso
pois todos esses povos deram gargalhada, a partir daí eles começaram a se
comunicar e falaram para Oreka Yuvakae que estavam com muito frio
(BITTENCOURT; LADEIRA, 2000, p. 22-3).

Segundo Oberg (1949, p. 42, tradução nossa), “Yiirikoyuvakdi, não foram os criadores
do mundo, dos animais e dos homens. Eles eram seres benevolentes que libertaram os índios e
ensinou-lhes as artes da vida social”.
Todas as versões apresentadas mostram pequenas variações, mas todas trazem
explicações muito parecidas para o surgimento dos Terena no mundo, para a origem do fogo e
das ferramentas utilizadas na agricultura, dessa forma, “os mitos são mutáveis, assim como toda
expressão cultural de um povo, tornando-se parte intrínseca da identidade do sujeito que olha o
mundo, sente e atua nele” (SATO; PASSOS, 2009, p. 53).
Intelectuais indígenas, como Seizer da Silva, acreditam que o buraco de onde os Terena
foram tirados, seja o chaco. “Não há dúvidas Yuriyuvakaé nos tirou do grande buraco onde
estávamos, e não era qualquer buraco, era o que denominamos de Êxiva, e/ou Chaco, como
dizem os purútuye44 (SEIZER DA SILVA, 2016, p. 14). Mas como se trata da origem, ou seja,
o nascimento, concordamos com o argumento de Mindlim (2002, p. 152), “a primeira
experiência de qualquer ser é o corpo da mãe, e haveria na mitologia uma relação de busca de
harmonia com o universo, com a sociedade, com a natureza e com o ambiente”. Antes de
nascermos vivíamos dentro do útero, lugar escuro de passagem estreita e ao romper essa
passagem alcançamos a luz e saímos de um lugar quente para um lugar frio, e por isso a
necessidade do fogo para aquecer os Terena recém-nascidos. A retirada dos Terena do buraco
remete ao parto, se o chaco é o buraco, então o chaco vem a ser o útero da mãe natureza.
Sebastião (2012) afirma que o sustento da lavoura e manuseio de ferramentas tem
fundamento no mito de origem. Segundo a autora, os Terena se identificam como poké’e 45

44
Não indígenas.
45
Significa terra.
113

porque seus antepassados saíram da terra. Para Mindlin (2002, p. 155) o “[...] machado, está
muito associado à emergência da humanidade que vivia debaixo da terra antes de o mundo
ser povoado, ou vivia presa dentro de rochas que devem ser partidas [...]”, dessa forma, o
machado para os Terena, num primeiro momento, significaria a libertação do buraco no qual
viviam presos, e em um segundo momento, fora do buraco, usado como ferramenta na
agricultura.
Stuart Hall (2006, p. 88) descreve:

[..] formações de identidades que atravessam e intersectam as fronteiras


naturais, compostas por pessoas que foram dispersadas para sempre de sua
terra natal. Essas pessoas retêm fortes vínculos com seus lugares de origem e
suas tradições, mas sem a ilusão de um retorno ao passado.

Esse forte vínculo com o lugar, a origem e tradições a que Hall se refere, está claro nas
palavras de Sebastião (2012) e de seu Antenor (artesão) que foi conhecer o local de sua origem,
mas diverge de Sebastião quanto ao buraco.

[...] do chaco até posso falar porque eu fui até o lugar aonde as pessoas
morreram no chaco, então de lá para cá depois da guerra do Paraguai no chaco
o Terena veio, correu pra cá, então por isso existe vários lugares com aldeia
Terena, porque foi se acomodando, escapando dos lugar da guerra, então foi
se acomodando e foi se povoando por isso que existiu o Terena. Agora do
fundo do poço [buraco], eu não conheço não. Isso acho que já é estória. [...]
nunca escutei essa história do buraco (Entrevista realizada com artesão
Antenor Augusto, em novembro de 2019).

Esses mitos ainda são contados em algumas aldeias especialmente nas da região de
Miranda, mas os Terena da aldeia Lagoinha, em sua maioria não têm conhecimento sobre os
mitos de origem, as poucas pessoas que conhecem, leram textos na graduação ou na pós-
graduação. 90% dos entrevistados disseram nunca ter ouvido falar em Yuríkoyuvakai e o buraco
de onde foram tirados. Na entrevista eu perguntei a Dona Odete (anciã, 72 anos), de onde os
Terena vieram, e ela disse “do Paraguai”, mas quando perguntei sobre a história de saírem do
buraco, a resposta foi a seguinte:

[...] não, acho que inventaram isso aí, por que os Terena, os primeiros quando
vieram pra cá, foram direto na aldeia Bananal, vieram na beira do rio pra cá,
e achou um pé de banana e os índios que vieram pra cá, tomou essa terra e
ficaram com nome de Bananal.

Como anteriormente descrito, a maioria dos Terena da aldeia Lagoinha são evangélicos
tradicionais e pentecostais e deixaram claro nas entrevistas que acreditam na origem cristã, que
114

todos somos descendentes de Adão e Eva, e talvez essa seja a explicação por não conhecerem
e não contarem mais seu mito de origem, na Lagoinha.

O evangelho chegou em 1912. Já foi centenário foi comemorado em


Anastácio, fez 100 anos de evangelho. Pode olhar a primeira igreja construída
é baseada nesse 1912 UNIEDAS do Bananal (Entrevista realizada com Nilza
Miguel, em novembro de 2019).

Os nossos avós moravam lá [Bananal], os pais deles, a gente morava lá


criança, mas o escocês ora antes de vir para o Bananal, então o primeiro que
recebeu o evangelho foi mais ou menos quatro da família aqui no Bananal,
mas antes de morrer essas pessoas que receberam o evangelho, falecia aí
depois se levantava e teve muitos que crê no evangelho de Cristo e aumentou.
O escocês falava pouco português os índios também pouco, mas entenderam
através do espírito santo, o espírito santo entrou na vida do índio e também do
escocês. Aí converteram essas quatro famílias, dessas quatro famílias,
brotaram os Ramos e deram frutos e aumentou o evangelho aqui (Entrevista
realizada com Cirino da Silva, em novembro de 2019).

Segundo nossos entrevistados o evangelho protestante chegou na aldeia Bananal em


1912. Altenfelder Silva (1949, p. 284) aponta que “em 1910 o missionário Henrique Whittngton
visitou as aldeias do Bananal e Ipegue, e em 1913, sob os auspícios da IInland South América
Missionaryy Union (I.S.A.M.U), fundou junto às mesmas uma missão religiosa”. Mas segundo
o próprio Henrique Whittngtn46 em 1912, ele e o diretor da ISAMU, fizeram uma viagem de
reconhecimento pelas aldeias para ver a possibilidade de fazer o trabalho de evangelização. Em
16 maio de 1913, Henrique Whittngtn com esposa e filha e demais missionários, saíram de
Assunção rumo ao Bananal e chegaram em 30 de maio em Taunay. No dia 31 de dezembro de
1915, foi constituída a primeira igreja evangélica do Brasil.
O evangelho chegou na aldeia Lagoinha por meio do fundador da aldeia, que já veio
evangelizado do Bananal. A primeira Igreja evangélica da aldeia Lagoinha foi a UNIEDAS,
mas hoje tem mais quatro igrejas diferentes: uma Igreja Batista, uma Igreja Adventista do
sétimo Dia, uma Igreja Unidas Pentecostal e uma Igreja Assembleia de Deus, cujos líderes,
hoje, são Terena.
A presença dessas outras religiões colocou a religião ancestral de lado, mas não
esquecida e muito menos praticada. A religião ancestral é mal vista por essas outras religiões,
então é praticada de forma velada, silenciosa, invisível aos olhos forasteiros. Sebastião (2012),
da etnia Terena, em sua dissertação de mestrado, relembra que em sua adolescência os pastores
impediam os membros de sua igreja de participar das danças tradicionais, porque entendiam ser

46
Informações retiradas de sua carta traduzida para o português, disponível em:
https://centenarioevangelicaoterena.webnode.com.br/sobre-nos/.
115

rituais mundanos. Mas com o passar dos anos os pastores compreenderam que as danças, as
festas fazem parte da cultura e passaram a aceitar.
Tivemos a mesma impressão de Benites (2014), quanto religião na aldeia ser polarizada,
tendo os seguidores da religião tradicional e os protestantes, mas em relação a aldeia Lagoinha
eu diria que isso acontecia no passado quando as igrejas não eram dirigidas por indígenas. Como
vimos na fala de Sebastião (2012) a flexibilização se deve ao fato das igrejas protestantes
passaram a ser dirigidas por indígenas que valorizam sua cultura, o que entendemos como uma
forma subversão das relações de poder religioso, pois a “ambivalência na fonte dos discursos
tradicionais sobre a autoridade permite uma forma de subversão, fundada na indeterminação
que desvia as condições discursivas do domínio para o terreno da intervenção” (BHABHA,
1998, p. 163). Dessa forma, os Terena desviaram as condições discursivas de domínio e
intervieram na religião de forma que foi traduzida para sua cultura como afirmou Seizer da
Silva (2016, p. 118), “hoje temos um catolicismo-Terena; uma Umbanda Terena; um
protestantismo Terena, ou seja, nos empoderamos com essas culturas religiosas e fizemos nossa
própria maneira de cultuar”.
Há aqueles que acreditam que “as doutrinas pesadas da igreja mudam o comportamento
dos indígenas, pois a regulação e a não liberdade sufocam o espírito livre” (BENITES, 2014, p.
48) e em função disso, continuam a praticar a religião tradicional, o que entendemos como
desobediência epistemológica, já que é uma atitude de descolonização do conhecimento e da
subjetividade (MIGNOLO, 2008).
Também há aqueles que acreditam que a religião protestante seja boa porque impede de
se cair na vida mundana, afastando-os da “bebida alcoólica, feitiço, violência, desestruturação
familiar e outros” (BENITES, 2014, p. 49). O mesmo é afirmado por Sebastião (2012, p. 68),
“observei a relevância da religião protestante na educação familiar. Acreditam que seguir a
religião afastam seus filhos das práticas mundanas, tais como bebidas alcoólicas, o tabagismo,
e a prostituição à medida que a doutrina impede tais atos”. O mesmo foi nos dito pela professora
Sônia Regina que acrescentou, drogas, gravidez na adolescência e que os casamentos com
meninas ainda crianças já não é mais comum, como ocorreu com ela mesma que foi dada em
casamento, contra sua vontade, aos 14 anos a um homem de 42 anos.
Benites (2014, p. 49) afirma que

As enormes dificuldades, vivenciadas pelos adultos de hoje, postulam que a


única saída é o bem-estar espiritual pregado pelas igrejas, e a salvação da alma
é, ao mesmo tempo, o único referencial espiritual encontrado, segundo essas
igrejas. Talvez isso os leve à conversão a esta religiosidade cristã, marcada
116

pela imposição, como forma de fugir das dificuldades da realidade da[s]


aldeia[s].

Embora essas dificuldades justifiquem a aceitação das religiões ocidentais nas aldeias,
elas representam a ruptura da forma tradicional do Terena viver. Rituais, musicas, danças
deixam de serem prestigiadas e acabam caindo no esquecimento. Os Terena são conscientes
dessa perda em sua cultura, mas acreditam que o contato com outras culturas resulta nessa
mistura, como dizem. Hábitos novos são aprendidos e outros são deixados de lado.
No imaginário da sociedade nacional o povo Terena abandonou a prática do xamanismo
como religião tradicional à medida que se convertia ao catolicismo e ao
protestantismo/evangélico, a princípio introduzido por missionários puxârara [...]. Os xamãs
resistiram a toda essa imposição de caráter colonizador, como podemos constatar na sua
presença entre nós (SEBASTIÃO, 2018, p. 151).
Soubemos nas entrevistas que mesmo alguns que se denominam evangélicos ainda
praticam os costumes da antiga religião as escondidas. Sobre isso o professor Seizer, também
pertencente à etnia Terena, explica que os praticantes da antiga religião se ocultam em função
das novas religiões e para saber de sua existência depende para quem e quando se pergunta.

A presença das religiões não indígenas nas comunidades indígenas, além da


ressignificação das cerimônias Terena, tem provocado uma “ocultação” dos
praticantes e uma “negação de existência” pelos membros de denominações
pentecostais e neopentecostais. A resposta para a existência ou não das
práticas religiosas Terena depende para quem se pergunta e quando pergunta
(SEIZER DA SILVA, 2016, p. 26).

Essa é uma “negação cultural como negociação” (BHABHA, 1998, p. 312) uma
estratégia usada para amenizar, suavizar as imposições culturais estrangeiras que são traduzidas
e incorporadas para serem aceitas num formato diferente como vemos no relato de Dona Leda
a seguir.
A antiga religião era baseada no xamanismo e o líder espiritual é o Koixomoneti47,
também chamado de purungueiro, rezador ou feiticeiro na língua portuguesa.

O xamanismo é um complexo cosmológico que dá movimento aos diferentes


aspectos que constituem as relações entre humanos e espíritos, as pessoas e
os seres invisíveis, no plano cosmológico e no plano sociológico, no mundo-
aqui e no mundo-outro - nos quais se encontram vinculados as sociedades
ameríndias. A condição de viver entre diferentes níveis, marcados por uma
assimetria, explica o caráter ambíguo da trajetória de um xamã. É a partir de
uma perspectiva cosmológica, holística que um xamã procura se relacionar,

47
Esta é a forma como os Terena da Lagoinha escrevem.
117

influenciar as decisões tomadas pelos espíritos que habitam o mundo-outro


em relação aos humanos. Diga-se de passagem, a noção de poder e
conhecimento é o que possibilita a intervenção humana - via xamanismo -
na vida e ecossistema espiritual (e vice-versa) (ROSA, 2005, p. 388-9).

Em outras palavras o xamã é a ponte entre o mundo dos humanos (físico) e o mundo
espiritual, ele transita entre os mundos e por essa razão é um ser ambíguo. A partir do seu
conhecimento sobre a cosmologia pode buscar orientações com os espíritos para o
direcionamento do grupo social sob seus cuidados.
A anciã Leda Corrêa (80 anos), antiga rezadeira (xamã) da região da TI Taunay/Ipegue,
nos explicou que o Koixomoneti e o purungueiro são nomes diferentes para a mesma função.
É chamado de purungueiro porque durante o ritual utilizam um instrumento musical, itâka
(purungo) feito de cabaça e sementes ou pedrinhas dentro. No ritual também usado um penacho
de penas de ema para purificação ou limpeza chamado kouho'okopike. A reza se constitui em
um ato de cantar. Dona Leda nos contou que hoje não existe mais o purungueiro, o
Koixomoneti, que foram substituídos pelos padres e pastores, e ela já foi rezadeira, mas hoje
frequenta a igreja católica, e continua orando para as pessoas, mas de forma diferente, usando
pai nosso e salve a rainha.
Percebemos que há aqui uma estratégia de resistência iniciada com a negação depois
ocorre a negociação por meio de uma tradução cultural agonística para sobreviver hibridizados
(HALL, 2003).
Os Koixomoneti possuíam espíritos protetores e recorria a eles quando precisam de
ajuda. Os espíritos que os guiavam eram de seus ancestrais. Segundo o professor Fernando
Moreira, neto de koixomoneti, nos contou que eles nunca usavam espíritos de animais para
entrar em transe, usavam os espíritos dos ancestrais, os espíritos dos animais eram usados para
revelar seu poder, a sua força: “Pode ser cobra, ou águia, onça, lobo, animais desse tipo... Por
exemplo meu avô tinha seu poder igual a uma pantera, só que é um pouco maior”. Sobre os
espíritos, Rosa (2005, p. 389) corrobora as palavras do professor Fernando, explicando que ao
transitar

[...] entre o mundo-aqui e o mundo-outro, todos os xamãs contam com ajuda


de seres invisíveis aos olhos das pessoas comuns - os espíritos auxiliadores -
que eles servem como emissário e mediadores dos conflitos entre humanos e
espíritos [...]. Em tese, quanto maior o número de espíritos auxiliadores -
maior é o poder dessa chefia da floresta, da cura, da guerra espiritual [...]. Com
relação ao espírito-auxiliar todo [Koixomoneti] possui um [guia] seja um
animal da floresta, seja os santos ligados ao panteão do catolicismo popular.
O poder e o conhecimento desse mediador [Koixomoneti] é atravessado pelo
118

saber “guiado”, isto é, ele se baseia na aliança entre o [Koixomoneti] e seu


espírito-auxiliar.

Ainda sobre a religião perguntamos ao Pastor Gilson (Terena) como ele enxergava as
práticas do passado e as atuais.

O índio Terena antes adorava a criatura que é o sol, lua, estrelas até mesmo
um tronco que foi atingindo por um raio, os Terena adoravam a criatura, hoje
não, hoje é diferente, com a evangelização dos Terena, hoje os Terena adoram
o criador que é Deus, então essa é a grande diferença que tem hoje dos Terena
de antigamente que adorava pajelança, purungueiro, como eu disse a criatura
(Entrevista realizada com Pastor Gilson Carlos em novembro de 2019).

Sobre a crença no passado e a crença atual, Bhabha (1998, p. 166) explica que “a
existência de dois saberes contraditórios (crenças múltiplas) divide o ego (ou o discurso) em
duas atitudes psíquicas e formas de saber para com o mundo externo”. Existe aí uma
“negociação da autoridade cultural” (BHABHA, 1998, p. 172).

Agora quanto a religião os Terena parte do espiritualismo antes do


evangelho, era uma coisa que as pessoas nem acreditava, porque para eles
era um tipo de conversar com seus deuses naquela época, e depois disso,
depois de muito tempo aí veio o evangelho, mas antes disso, os Terena não
tinha um lugar fixo, ficava aqui, outro dia lá, sai de lá vinha pra cá [...]. Em
1912 chega o evangelho no Bananal, é construída a igreja, mas em 1912 para
baixo ainda existia a religião indígena, agora eu não sei como eu vou dizer
se é cultura ou se é religião. Porque na época que ainda mexia com
macumba, feitiçaria, e tudo mais, era forte, não é que nem hoje. Hoje tem
essas pessoas que fala que é feiticeiro, mas não é. É só finge ser. Só está
como aparência de feiticeiro, mas eles herdaram um pouco de alguém pra
ser feiticeiro, mas só que feiticeiro antes, aqui dentro das nossas aldeias,
eram pessoas que era purungueiro, é como se fosse um pastor hoje, porque
alguém fica doente todo mundo vai lá no feiticeiro/curandeiro. Entendeu,
porque há uma coisa assim para curandeiro e feiticeiro, o curandeiro ele usa
mais a raizada, o feiticeiro ele já usa o espiritismo, então há duas coisas que
as pessoas as vezes confunde (Entrevista realizada com Cacique Orlando
Moreira, entrevista em novembro de 2019).

Sobre o poder dos xamãs Rosa (2005, p. 389) entende que:

Os xamãs não são iguais, afinal eles têm formação, especialidade, espíritos-
auxiliadores e poderes diferenciados um do outro. As principais atribuições
dessas pessoas são o equilíbrio de forças no cosmos e o controle do bem-estar
dos demais indivíduos, através do combate ao ataque de espíritos e a feitiçaria.

Conforme explicação do Cacique Orlando Moreira, o poder é diferenciado, visto que,


curandeiro e feiticeiro são funções diferentes, podem estar articuladas à uma pessoa ou a duas
pessoas diferentes. Quando uma pessoa detém as duas funções, entendemos que tem mais
119

poder, sendo necessária uma articulação, uma análise da situação para resolver o caso ou por
meio do curandeiro ou por meio do feiticeiro.

Pelo termo “articulação”, quero dizer que uma conexão ou vínculo que não é
necessariamente dada em todos os casos, como uma lei ou fato da vida, mas
algo que requer condições particulares para sua emergência, algo que deve ser
positivamente sustentado por processos específicos, que não é “eterno” mas
que se renova constantemente, que pode, sob certas circunstâncias,
desaparecer ou ser derrubado, levando à dissolução de antigos vínculos e a
novas conexões - rearticulações (HALL, 2003, p. 196).

Hall considera que depende das condições para emergir um ou o outro para tratar a
situação, pois ao feiticeiro também eram atribuídas a responsabilidade na guerra, de localizar
os inimigos, e prever os resultados possíveis. Durante as caças era ele que localizava os animais
e também eram considerados os guardiões dos mitos e histórias Terena (ALTENFELDER
SILVA, 1949).
A proximidade, a ligação do indígena com a Natureza é fundamentada também em sua
religião original é nessa relação natural e sobrenatural que nasce “o Ser Natural, enquanto elo
essencial, que evidencia a conectividade inata do ser humano com a teia da natureza”, e o
respeito pelos elementos sagrados o torna em “Ser Ambiental” (GUIMARÃES; GRANIER,
2017, p. 1588), e isso fica incrustado dentro de si, pois é cultural e repassado nas histórias e
nas gerações.
Ainda sobre a religião Orlando entende da seguinte maneira:

[...] hoje entrou evangelho, vamos dizer que aqui na Lagoinha temos 90%
de cristão, mas tem gente ainda aí que procura o milagre, a cura na
presunção, não tem fé na religião que segue e não tem fé na religião que não
segue. Conheci uma mulher aqui na região de Jaraguá que foi repassado a
sabedoria de uma benzedeira, feiticeira, antiga e hoje ela está fazendo isso,
agora eu não sei se faz o bem ou se faz o mal, isso eu não posso explicar o
que ela vai fazer, se ela herdou tudo que ela tinha. A religião evangélica
cristã praticamente eliminou todos os rituais que o povo terena tinha, hoje já
não há mais (Entrevista realizada com Cacique Orlando Moreira em
novembro de 2019).

Então eu perguntei a ele se isso, em sua concepção, era bom ou ruim:

Olha se fosse naqueles tempos seria bom, porque seríamos inocente, mas hoje,
como abriu nossos horizontes, abriu o entendimento, abriu a sabedoria que
está errado, essas coisas hoje não é bom. O evangelho foi bom ter vindo,
porque isso é bom, se o evangelho não viesse a Lagoinha não teria sido como
aldeia Lagoinha hoje, por causa do evangelho a Lagoinha tá assim, por causa
do evangelho com um pouco de civilização entendeu (Entrevista realizada
com Cacique Orlando Moreira em novembro de 2019).
120

Diante da sua resposta resolvi perguntar o que ele estava chamando de civilização:

Civilização... olha estou conversando com você hoje! Antigamente ninguém


conversava, não aceitaria o branco, então é civilização, o que o evangelho
trouxe, essa a troca de conhecimento, de amizade. Antigamente os mais velhos
falavam que o homem branco era chamado de puxaxará (trovão)48, porque não
sabia o que eles estavam falando. Era como o trovão, só faz barulho,
antigamente os homem branco só faz um barulho. Aí o evangelho trouxe
civilização para nós... são melhorias das condições de vida (Entrevista
realizada com Cacique Orlando Moreira em novembro de 2019).

Há uma contradição quando é dito que no passado xamanismo era bom e hoje não é.
Esse pensamento subalterno tem origem no processo de colonização religiosa ocidental que
impõe sua doutrina como superior, diminuindo as demais. “É nesse intervalo híbrido, em que
não há distinção, que o sujeito colonial tem lugar, sua posição subalterna inscrita naquele espaço
de interação onde X toma (o) lugar do ‘er’” (BHABHA, 1998, p. 95).
O projeto moderno visava o controle da vida das pessoas regulamentando sua conduta,
estabelecendo fronteiras, promovendo autocontrole e repressão dos instintos para tornar mais
visível a diferença. Para serem considerados civilizados deviam ter um comportamento correto,
ler, escrever e adequar a linguagem às normas (CASTRO-GÓMEZ, 2005). Não enxergar sua
própria civilidade é uma marca do colonialismo que trouxe outras regras e homogeneização.
Apesar de terem mudado sua religião e crenças percebemos que gostam de contar suas
histórias, é como reviver um sonho, nos fazendo lembrar o que diz Bhabha (1998, p. 311)
“Sonhar não com o passado ou o presente, e nem com o presente continuo; não é o sonho
nostálgico da tradição nem o sonho utópico do progresso moderno; é o sonho da tradução, como
sur-vivre, como ‘sobrevivência’, [...] o ato de viver nas fronteiras”.
O Koixomoneti tinha poder sobre vivos e mortos. Além de ser um líder espiritual,
desempenhava o papel de curandeiro, como um médico da comunidade. Os Koixomoneti
entendiam que as doenças eram provocadas pela atuação de outro Koixomoneti, e curavam seus
pacientes com aplicação de raízes e folhas com a interferência dos espíritos. Os feiticeiros
invocavam os espíritos com dois instrumentos, o penacho chamado de kouho'okopike49 e o itâka
(purungo). Os feiticeiros pintavam os braços, peitos e costas com desenhos geométricos e
vestiam um saiote, empunhados com o purungo e o penacho de pena, dançavam em passos
lentos e cantavam várias vezes chamando o espírito protetor ou o espírito de outro feiticeiro,
dizendo: “yokone yokomomonu - vem olha para mim”. Ao chegar o espírito respondia, “na

48
O branco fala muito e rápido, não dá para entender, por isso parece barulhento.
49
Significa penacho de pena de ema.
121

koetí'iye ihéxikinonu – por que me chamaste? E o feiticeiro respondia: “énomone inzáxikinopi


râ'a50 – por isto te chamo” e dizia o motivo (ALTENFELDER SILVA, 1949, p. 355).
Segundo Eliade (1972), em sua pesquisa sobre os mitos, ela pondera que é muito
difundida a ideia de que é preciso conhecer e recitar a origem do remédio para que ele faça
efeito. Altenfelder Silva (1949) explica que o médico feiticeiro (xamã) era o guardião dos mitos,
sendo assim, baseado na fala de Eliade, esse é o motivo dele ter essa responsabilidade, para que
seus feitiços e remédios fossem eficiente deveria recitar a origem daquilo que manipulava. Os
xamãs têm o poder de evocar:

[...] a presença dos personagens dos mitos e torna-se contemporâneo deles.


Isso implica igualmente que ele deixa de viver no tempo cronológico,
passando a viver no Tempo primordial, no Tempo em que o evento teve lugar
pela primeira vez. É por isso que se pode falar no “tempo forte” do mito: é o
Tempo prodigioso, “sagrado”, em que algo de novo, de forte e de significado
se manifestou plenamente. Reviver esse tempo, reintegrá-lo o mais
frequentemente possível, assistir novamente ao espetáculo das obras divinas,
reencontrar os Entes Sobrenaturais e reaprender a lição criadora é o desejo que
se pode ler como em filigrama em todas as reiterações rituais do mito
(ELIADE, 1972, p. 22).

Em seu transe, o xamã tem a oportunidade de estar presente, reviver e aprender com as
obras divinas a lição da criação. Dessa forma, os mitos proferem e exaltam a crença, protegem
e estabelecem princípios, asseguram a validação do ritual e propiciam orientações para a vida
(ELIADE, 1972).

50
Todas as palavras em Terena foram transcritas para grafia atual pelo professor de história e geografia que fala
fluentemente a língua Terena, Fernando Moreira (Undhu).
122

Figura 13 - Koixomoneti - feiticeiro

Fonte: Museu do Índio/Funai (1942).


123

Esse dom (xamanismo), é passado de uma geração para outra nas famílias. O pai passa
para o filho, ou para o neto e assim por diante, como conta nosso entrevistado, anônimo, que
conversou com um feiticeiro.

Eu conversei um pouquinho com ele, e assim ele ainda carrega aquela tradição
antiga dos feiticeiro antigo, porque a avó dele era, passou pra mãe dele e a
mãe dele ensinou ele, não sei nem te explicar como era, é assim ele não tem
nenhum tipo de santo na casa dele, não usa nada desses artifícios, imagens,
essas coisas, ele tem tipo um canto, alguma coisa assim, é parecido como se
fosse uma poesia assim só que é tudo em Terena e fala bem baixinho que você
não entende nada, só ele mesmo, quando ele vai atender alguém ele faz dessa
forma. Eu perguntei pra ele aonde ele aprendeu, ele me explicou que a mãe
dele era, e ensinou ele desde os cinco anos de idade, foi aprendendo, a avó
dele era, e assim ele é uma pessoa bem procurada, vem gente de Campo
Grande, Aquidauana, São Paulo, ligam pra ele, as pessoas ligam e ele faz por
telefone ele pega o celular e faz por telefone, parece sem lógica eu fiquei
olhando e sem entender como funciona aquilo. Outra coisa que ele falou, que
durante a noite sai para visitar as pessoas que está tratando, e vai lá na casa da
pessoa vê como que está, ai perguntei – como assim? Ele só riu e disse – a
única coisa que posso te falar é isso, eu saio para ver como elas estão
(Entrevista realizada com anônimo, em fevereiro de 2020).

Durante o tratamento das doenças o feiticeiro dizia a origem do mal, se era causada por
magia negra ou não (ALTENFELDER SILVA, 1949). Isso é assim ainda hoje, e nossa
entrevistada conta que:

Antigamente as pessoas não precisava ir à cidade para se medicar, na maioria


das vezes, eram curandeiros que tratavam dos doentes. Era raro ver pessoas
com problemas de saúde, pois eles eram fortes e saudáveis, gostavam de tirar
raízes e folhas de matos e marcavam para saber que tipo de doença o remédio
curava. Assim era difícil ficar doente. Mas quando acontecia, algum problema
de saúde grave, iam diretamente ao pajé ou curandeiro para resolver o tal
problema. Eu tinha duas tias e meu avô que era curandeiros. Eles eram bons
em passar remédios para curar pessoas doentes, em troca da cura, as pessoas
curadas ofereciam cabeça de gado ao curandeiro ou curandeira como forma
de agradecimento. Ou o Pajé consultava a pessoa doente e alertava se era
preciso ir ao médico ou se tratava ali mesmo, e fazia o seu remédio. O avô da
Dona Albina, era o maior e o melhor curandeiro da aldeia Bananal
(Entrevista realizada com anciã Albina Cândido em novembro de 2019, grifo
nosso).

[Os feitiços eram usados] mais pra curá e mais para judiá das pessoas, por que
acontecia, porque os deuses deles, para dia que eles teriam que comer alguém,
eles usavam esse termo, como comer, matar alguém, então esse termo que eles
usavam hoje se traduzia em outra forma, mas os feiticeiro eles faziam isso
para ter mais poder e mais força do que os outros, então eles faziam isso. Aí a
minha mãe falava: o pai nunca fez nada aqui na nossa região, nunca fez mal a
ninguém, aqui ele não podia fazer nada mas em outro lugar... Porque ele era
grande, ele era forte, então acontecia isso (Entrevista realizada com Cacique
Orlando Moreira em novembro de 2019).
124

Tanto dona Albina como Orlando usam os termos, grande, maior e melhor, para
designar seus parentes que foram feiticeiros no passado, demostrando, ao nosso ver, o prestígio
e o respeito a essa função na comunidade, pois era o único recurso de cura no passado.
Segundo Altenfelder Silva (1949), no mês de abril os Koéxomoneti promoviam uma
festa anual o oheokoti, ou ohókoti51, que tinha caráter religioso. Antes da festa, os feiticeiros
olhavam no céu verificando se as plêiades estavam na altura máxima para iniciar os preparativos
da festa com um mês de antecedência. Coletavam grande quantidade de mel para fabricação de
bebida alcoólica para toda a aldeia. Os feiticeiros cantavam cânticos, faziam invocações e se
submetiam a uma alimentação diferente e especial. Após a coleta de mel uma cabana rudimentar
era construída no centro da aldeia.
Na madrugada do dia da festa, os feiticeiros reuniam-se em um lugar afastado e as
crianças os acompanham. Sentavam ao redor de uma fogueira e uma a um se levantava em
direção ao cemitério e invocavam o nome dos mortos, dizendo: “acorda”. Após isso, voltavam
para aldeia e iam para a cabana construída no centro, fazendo algazarra, gritando e brincando.
Na cabana invocavam seus espíritos protetores e faziam seus milagres. Retiravam da boca um
bicho ou um objeto que sopravam para crescer e decrescer, e depois engoliam-no novamente.
Depois disso, andavam na aldeia indo na casa de cada um feiticeiro para tomar a bebida que
havia lá. Depois caíam em sonos mediúnicos, que Altenfelder Silva (1949) comparou
erroneamente a bebedeira.
Os entrevistados lembraram dessas invocações dos espíritos protetores, que geralmente
eram animais, feito pelos feiticeiros nesse dia de festa. Contaram que era como uma disputa de
poder entre os feiticeiros para identificar o mais poderoso.

Eles invocava os espíritos dos animais, inclusive eles colocavam na palma da


mão, aparecia e fazia com que o animal estivesse na palma da mão. No olho
da pessoa como se fosse um mágico. No seu olho o mágico vai fazer tudo o
que você acha que não vai acontecer, então as pessoas que eram feiticeiras
fazia isso. E outra, teve um senhor que era um feiticeiro também, ele usava
mais a cobra d'água quantas pessoas pedia para ele ela tempo de ir de calor, as
pessoas iam lá na casa dele ou encontrava na estrada porque não tinha essa
estrada que liga Taunay a Ipegue, aquela Estrada boiadeiro ali onde as pessoas
passavam, as pessoas se encontravam na estrada e pedir para que ele chamasse
chuva, ele deitava no chão e caminhava que nem cobra, era certeza que venha
a chuva, os feiticeiro tinha os seus dons e alguma coisa assim que
representasse. Agora do meu avô que é pai da minha mãe eu nunca perguntei,
que ele mostrava para as pessoas. Ele era feiticeiro, ele era muito respeitado.
O pai da minha mãe era um grande feiticeiro, Antônio Seco. Aqui é um
feiticeiro respeitado, não porque era meu avô, mas as pessoas comentam para
mim os mais velhos, tenho senhor aqui no morrinho que sempre fala sobre

51
Como os Terena da Lagoinha escrevem hoje.
125

Antônio Seco para mim, ele fala, conversa do tempo que eles passaram junto
(Entrevista realizada com Cacique Orlando Moreira em novembro de 2019,
grifo nosso).

Outro entrevistado que preferiu não se identificar, nos contou sobre a disputa e sobre
sua bisavó:

A disputa era mais ou menos assim de quem tinha mais força, mais poder, pelo
menos assim eles meio que contava. E era assim um para mostrar o seu poder
um fazia aparecer um passarinho na mão dele e do nada aparecia um
passarinho aí outro para mostrar que era mais forte fazia aparecer algo maior,
ou um pássaro maior, ou uma cobra, era mais ou menos isso e era o dia inteiro
e a noite toda e ninguém podia passar perto daquela casa aonde estava tendo
a disputa de feiticeiro, tanto que eles não saia de casa nessa época, as famílias
ninguém as crianças ninguém saia de casa de jeito nenhum só os adultos. E
assim mãe da minha avó, ela mexia com essas coisas, tanto é que minha avó
hoje ela é muito ligada nessas coisas, se sente um dor de dente, uma dor de
cabeça ela já que ir em um feiticeiro, não aceita ir ao médico não, se falar que
é pra ir ao médico é chamar pra briga, e é assim eu lembro que quando a gente
era pequeno, 7 ou 8 anos até 9 anos mais ou menos aqui na casa da minha avó
eles fazia muito esse tipo coisa, ela chamava eles pra fazer trabalhos dentro de
casa, eu já cheguei a ver muito, vários feiticeiros diferentes vim e fazer um
trabalho aqui sempre a noite no meio do escuro, eles mudava de voz , era como
se as pessoas estivesse possessa mesmo, sei que quando ele mudava de voz,
uma vez lembro que um deles fez aparecer um monte de formiga na perna de
um senhor, o senhor esticou a perna dele o feiticeiro passou a mão e começou
a sair um monte formiga, aquelas formigas preta depois ele passou a mão e
sumiu. O meu avô, aquele era terrível, dizem que ele conseguia até matar
outras pessoas, não me lembro direito por que era pequeno nessa época tinha
uns 7 a 8 anos quando ele era vivo (Entrevista realizada com anônimo em
fevereiro de 2020).

Os espíritos protetores eram elementos da natureza, ficamos sabendo que também


poderiam ser plantas, e a festa só começa após a marcação das estrelas no céu. Os espíritos eram
invocados por meio de cantos e atendiam o que era pedido, que iam da cura até a morte de um
inimigo. “As mitologias e os conhecimentos tradicionais acerca do mundo natural e
sobrenatural orienta a vida social, os casamentos, o uso de extratos vegetais, minerais ou
animais na cura de doenças, além de muitos hábitos cotidianos” (BANIWA, 2006, p. 43-4).
Embora 90% dos Terena sejam evangélicos, o que Baniwa diz, também é válido para os Terena,
mesmo hoje, alguns ainda utilizam e acreditam muito no sobrenatural.
Nesses depoimentos vemos entrelaçamentos de percepções sobre o profano e o sagrado,
conhecimentos e valores que estão misturados, hibridizados. E podemos perceber isso quando
nosso entrevistado anônimo nos conta que ao conversar com um feiticeiro ele fez revelações
que o entrevistado desconhecia e que lhe causou surpresa.
126

Ele me falou: se eu te contar uma coisa você vai até assustar. Aí eu perguntei
o que era, ele falou: a sua aldeia é aonde tem mais pessoas que mexe com
esse tipo de coisa. E eu falei: mas não é possível lá todo mundo é evangélico.
Ele falou assim: as pessoas vão para a igreja, mas ao mesmo tempo elas
ainda carregam essas tradições antigas, se eu não me engano nas minhas
contas tem mais ou menos umas 15 pessoas dentro da sua aldeia, a sua aldeia
é a que tem mais pessoas (Entrevista realizada com anônimo em fevereiro
de 2020).

Como podemos ver nessa fala, muitos feiticeiros estão escondidos, camuflados,
frequentam a igreja, e continuam a praticar os rituais tradicionais. Se escondem porque seus
rituais são condenados pela igreja como profanos, e ao mesmo tempo não conseguem abandonar
a cultura tradicional, dessa forma negociam e permeiam os dois espaços.
Hall (2003) chama esse comportamento de hibridismo, mas:

[...] não se refere a indivíduos híbridos, que podem ser contrastados com os
"tradicionais" e "modernos" como sujeitos plenamente formados. Trata-se de
um processo de tradução cultural, agonístico uma vez que nunca se completa,
mas que permanece em sua indecidibilidade (HALL, 2003, p. 74).

Concordamos com Hall que seja uma forma de indecisão e o quanto isso causa
sofrimento interno nas pessoas quando tentam transitar por ambientes distintos e antagônicos,
que exigem um posicionamento, quando você não quer ter que escolher.
Complementamos com Sato e Passos (2006), esse pensamento sobre esse sofrimento
vivido pelos indígenas, com relação ao sobrenatural, sobre a separação de espírito e matéria,
onde os autores advertem a necessidade dos sujeitos formados pela EA romperem essa
dicotomia e pensar:

[...] com os corações, ou seja, permitam unificar a racionalidade na sensação,


oferecendo simultaneamente, o estranhamento ao lado do maravilhamento.
Arroubo místico personificado na experiência humana do sagrado, no qual o
tremor e a fascinação, Eros e Thanatos aliam-se no fluxo incontinente da vida
[...] (SATO; PASSOS, 2009 p. 20).

A Educação Ambiental decolonial é um espaço dialógico que não tem objetivo de julgar,
mas sim compreender a pluralidade de pensamentos outros, de culturas outras, em colaboração
com a manutenção e sustentabilidade planetária, e por isso a EA em sua origem é um espaço de
inclusão, de compreensão da relação ser humano/natureza.
Após essa festa dos feiticeiros (ohókoti), seguia-se outras festas que Altenfelder Silva
(1949) chamou de profanas, em seu olhar colonial. Um personagem aparecia, o yunakalú, um
indígena xumonó enfeitado de penas e pinturas corporais, saia de casa em casa, pegando
donativos de alimentos para um grande banquete. Um grupo o acompanhava para fazer o
127

transporte das doações. O indígena xumonó apontava com o yunakalú (bastão) o que ele iria
levar de dentro das casas que passava e o dono não poda negar sendo obrigado a entregar. Após
o transporte das doações iniciava-se o “tadique”, uma espécie de jogo (OLIVEIRA, 1976).
Os Terena se reuniam em torno dos chefes do conselho. Nessa festa as metades
endogâmicas, xumonó e sukirikionó, eram evidenciadas. Essas duas metades eram lideradas
pelos seus chefes de conselho. Se ornamentavam e pintavam os corpos de preto e branco. Os
chefes de conselho sentavam-se no chão em cima de um tapete de piri um de frente para outro,
cantavam tocando um tambor e sacudindo cabaças com sementes. Os demais indígenas ficavam
ao redor observando a disputa das metades endogâmicas que ocorriam aos pares. Um xumonó
disputava com um sukirikionó. A disputa era realizada por meio de socos no rosto um do outro,
até um cair no chão e o outro ser aclamado como vencedor. Após a disputa masculina começava
a feminina que ocorria no mesmo estilo (ALTENFELDER SILVA, 1949).
Após as disputas terminarem, alimentos e bebidas eram servidos e as metades
continuavam separadas, pois a partir daí os xumonó começavam as brincadeiras, caçoando os
indígenas sukirikionó, que deviam aceitar sem revidar as provocações (ALTENFELDER
SILVA, 1949).
Não há muitos relatos sobre as metades endogâmicas, mas o pouco que se tem descrito
indica que estavam relacionadas à escolha do cônjuge e com o passar do tempo adquiriu função
estritamente cerimonial. O casamento entre essas duas metades era proibido, segundo a antiga
lei, um xumonó só poderia casar com outro xumonó, jamais com um sukurikeonó e vice-versa.
Tais comportamentos eram evidenciados durante as cerimônias (OLIVEIRA, 1976).
Acredita-se que as metades endogâmicas tenham surgido com o mito de origem. Quando
a mãe de Oreka Yuvakae o cortou no meio e as metades originaram os irmãos gêmeos, cada um
adquiriu uma personalidade, um, era manso, brincalhão e provocativo, sendo caracterizado de
sukirikionó e o outro era bravo, mais sério e briguento, sendo caracterizado de Xumonó
(OLIVEIRA, 1976).
O Cacique Orlando Moreira nos disse que depois da festa dos feiticeiros os Xumonó e
o sukirikionó “faziam a bagunça” (brincadeiras).

[...] aí sentava uma pessoa daqui uma dali e cada uma socava no rosto, eles
não podia ficar bravo, se alguém desistia o outro vencia, aí socava o rosto do
próximo, até alguém sair da roda, então era um tipo de jogo que eles faziam.
Agora se a gente fizesse hoje eu acho que os mais novos procuraria de pegar
o outro em outro lugar, mas naquela época não existia isso se fosse hoje teria
vingança. Mas como hoje já tem o evangelho não tem sentido essa brincadeira,
porque era um tipo de ritual naqueles tempos, há 50 anos atrás [...] (Entrevista
realizada com Cacique Orlando Moreira em novembro de 2019).
128

A árvore genealógica (figura 14) das metades endogâmicas da família Moreira foi
confeccionada pelo professor de história e geografia Fernando Moreira, irmão do cacique. O
professor Fernando ministra aulas na Escola Municipal Indígena Marcolino Lili e é um
pesquisador da própria cultura, resgatando da memória dos anciões as histórias Terena e
utilizando-as em suas aulas.
Figura 14 - Árvore genealógica da família Moreira

129
Fonte: Desenho produzido pelo professor Fernando Moreira (2019).
130

Atualmente as metades endogâmicas estão esquecidas, já não regulam os casamentos e


os pais analisam a personalidade da criança para ser caracterizado como xumonó ou
sukirikionó, ou a pessoa escolhe mediante análise de sua própria personalidade qual grupo
ocupará. Essas metades só aparecem durante as apresentações da dança masculina Terena,
Kohixóti kipaé (dança da ema), em datas comemorativas, sendo mais comum no dia 19 de abril.
131

5 A CONTRIBUIÇÃO DOS TERENA PARA A EDUCAÇÃO AMBIENTAL

Figura 15 - Dona Albina (anciã de 102 anos)

Fonte: Acervo particular da autora.


132

5.1 Os mitos indígenas Terena em diálogos com a EA

No mundo existem muitos povos, muitas culturas e formas de pensar e interpretar o


mundo, diferentes e singulares. “Há, assim, uma diversidade epistêmica que comporta todo o
patrimônio da humanidade acerca da vida, das águas, da terra, do fogo, do ar, dos homens”
(PORTO-GONÇALVES, 2005, p. 3).
A chegada dos portugueses e espanhóis nas Américas, trouxe além da colonialidade do
poder, a colonialidade do saber. Pensamento, cultura e religião dos nativos foram, e ainda são,
desrespeitadas, deslegitimadas e subalternizadas. Os europeus impuseram, sua forma de pensar,
o seu saber como universal (eurocentrismo). “Em nuestra América mais que hibridismos há que
se reconhecer que há pensamentos que aprenderam a viver entre lógicas distintas, a se mover
entre diferentes códigos e, por isso, mais que multiculturalismo sinaliza para interculturalidades
(PORTO-GONÇALVES, 2005, p. 4). Apesar de estarmos no século 21, e não sermos mais uma
colônia, as relações de poder e saber, continuam coloniais. Dessa forma, é evidente a
importância de discutir tais questões no sentido de “trazer o direito das diferentes formas de
conhecimento a uma existência sem marginalização ou subalternidade por parte da ciência
oficial” (SANTOS; MENESES; NUNES, 2005, p. 30).
Como vimos anteriormente à modernidade fez da ciência moderna um saber validado e
universal, tudo fora dela, é desvalorizado e desprezado. A ciência é a única que prova que um
conhecimento pode ser considerado de fato, verdade universal. “O conhecimento científico se
afirma, por definição, como verdade absoluta” (CUNHA, 2007, p. 78). O saber não científico,
como os saberes tradicionais e outras epistemologias, são desqualificados, “subalternizadas”,
tratadas como demonstrações de “irracionalidades”, de “superstições” (SANTOS; MENESES;
NUNES, 2005). A hegemonia da ciência está marcada na palavra em si, que já se refere ao
conhecimento ocidental em detrimento aos demais (CUNHA, 2007).
O conhecimento científico e conhecimento tradicional além de serem diferentes, são
incomensuráveis, mas os dois são formas de entender e agir sobre o mundo. E ambas são
também obras abertas, inacabadas, sempre se fazendo (CUNHA, 2007, p. 78). O conhecimento
tradicional é sensível, se embasa na percepção das coisas, nos cheiros, nos sabores, nas cores,
nas imagens, no som. Assim como a ciência, essa lógica sensível, também descobriu, inventou
e fez associações, que muitos ainda não entendem e compreendem (CUNHA, 2007).
133

Os indígenas possuem uma relação intrínseca com as florestas e sua biodiversidade.


Possuem vasto conhecimento empírico52 das plantas medicinais e das substâncias sintetizadas
pelos animais peçonhentos, assim como a utilização dessas substâncias em sua vida diária.
Muitos cientistas menosprezam e procuram invalidar o conhecimento tradicional ao dizer que
tal conhecimento “não procede por invenção, somente por descoberta e até, quem sabe, por
imitação de outros primatas, macacos que usam plantas medicinais”, já outros, pesquisam o
conhecimento tradicional em busca de uma utilidade com valor econômico (CUNHA, 2007,
p. 80).
Os cientistas fazem testes farmacológicos com muitas espécies usadas tradicionalmente
pelos indígenas em sua medicina, porque esse conhecimento é fruto de muitos anos de
“observação sistemática de fenômenos biológicos, feitos por pessoas quiçá frequentemente
iletradas, mas algumas tão perspicazes como o são alguns cientistas. A ausência de educação e
cultura formais não implica a ausência de saber” (ELISABETSKY, 2003, p. 35).
Dessa forma, o diálogo entre conhecimento tradicional e conhecimento científico é um
desafio, visto serem epistemologias distintas. Nessa perspectiva de diálogo que devemos
encontrar o “entre lugar” onde o “valor cultural é negociado” articulando “elementos
antagônicos ou contraditórios [...]” (BHABHA, 2003, p. 51) e questionando a colonialidade do
saber sobre culturas e epistemologias silenciadas “pela imagem reflexiva que a modernidade
[...] construiu de si mesma e que o discurso pós-moderno criticou do interior da modernidade
como autoimagem do poder” (MIGNOLO, 2005, p. 34).
Nesse caso, pensamos a EA como o “entre lugar” apontado por Bhabha (2003),
embasamos essa ideia no parágrafo I do artigo 5º da Lei 9.795/99 onde um dos objetivos da EA
é: “o desenvolvimento de uma compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e
complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais,
econômicos, científicos, culturais e éticos” (BRASIL, 1999a, s.p.), também citamos o décimo
primeiro princípio da Educação para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global do
Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, que
considera: “A educação ambiental valoriza as diferentes formas de conhecimento. Este é
diversificado, acumulado e produzido socialmente, não devendo ser patenteado ou
monopolizado” (REBEA, 1992, s.p.).

52
Aqui nos referimos ao conhecimento prático passado de geração em geração e não como senso comum ou
vulgar.
134

A EA é a tentativa de conciliar esses saberes, provocando a dinâmica


pedagógica de aliar conhecimentos locais e universais, de valorizar o saber
regional sem se despedir dos valores das ciências. Porém esse espaço híbrido
nem sempre é compreendido. Entretanto, somente o risco dessa aventura
intelectual possibilitará à EA uma construção diferenciada na ruptura da
rigidez hierárquica imposta pelas ciências tradicionais (OLIVEIRA JÚNIOR;
SATO, 2006, p. 135).

A compreensão do meio ambiente não envolve apenas a compreensão moderna


ocidental, mas vários aspectos, destaco ciência, cultura e etnia, assim como o tratado de
Educação Ambiental valoriza as várias epistemologias, dessa forma, a EA tem todo potencial
para ser o “entre lugar” de diálogo com objetivos híbridos entre conhecimento tradicional e
científico.
No dia 17 de abril de 2020, Marcelo Gleiser, representando os saberes científicos, e
Ailton Krenak, representando os saberes tradicionais, fizeram um diálogo em uma live
intitulada “Conversa Selvagem”. Cada um com seus argumentos fizeram reflexões sobre a
Natureza e a importância desta para a vida na Terra.
Os indígenas de maneira geral, possuem uma memória ancestral, contam histórias
do passado. Os xamãs são os guardiões das histórias e é dele a responsabilidade de contá-
las para que continuem presentes na memória de seu povo. “As palavras dos xapiri
[espíritos] estão gravadas no meu pensamento, no mais fundo de mim. São as palavras de
Omama. São muito antigas, mas os xamãs as renovam o tempo todo” (KOPENAWA;
ALBERT, 2015, p. 65).
Segundo Krenak (GLEISER, KRENAK, 2020), essas histórias sobre o tempo antes de
serem seres humanos, são contadas aos xamãs pelos espíritos que os guiam. Os espíritos dos
xamãs saem de seus corpos e viajam para muitos lugares inclusive para fora da terra e esse
poder chamado de sobrenatural pelos não indígenas, Krenak acredita que todo poder seja
natural, porque fazemos parte da Natureza.
Krenak (GLEISER; KRENAK, 2020), conta que haviam pessoas que eram “árvores,
peixes, e diferentes seres que coabitavam o mundo antes de imaginar seres humanos, todos nós
já fomos alguma coisa antes de sermos seres humanos”. Krenak coloca que todos os seres vivos
são nossos parentes.
A explicação científica para a origem do universo está baseada na teoria do Big Bang,
que nos permite compreender os argumentos de Krenak quando diz que somos todos parentes.
A ciência ocidental tenta se basear em experimentos e a ciência indígena na observação e
repetição dos fatos. São explicações elaboradas de formas diferentes para um mesmo
acontecimento. Uma não deveria anular a outra, mas infelizmente a ciência ocidental foi
135

colocada num pedestal como a verdadeira, desconsiderando as ciências outras. Chegamos


nessa situação por meio da força hegemônica do pensamento neoliberal que utilizou, durante
séculos, instrumentos de naturalização e legitimação para do seu pensamento apresentando
“sua própria narrativa histórica como conhecimento objetivo, científico e universal e sua
visão da sociedade moderna como a forma mais avançada [...] da experiência humana [...]”
(LANDER, 2005, p. 8).
Mas com um olhar decolonial, observamos que as duas explicações são muito parecidas
dentro de suas verdades culturais e subjetivas, portanto as duas têm valor. Ao contrário do
método científico, os indígenas se baseiam na percepção e observação da vida. Percebem que
as plantas precisam dos nutrientes do solo, elementos que passam para nossos corpos quando
nos alimentamos e depois que morremos voltam para o solo e farão parte de outros seres, nos
fazendo ter uma relação íntima de parentesco com os elementos da terra, com as plantas e outros
seres vivos.
A Teoria do Big Bang, explicada de maneira simples, aponta que tudo que existe surgiu
a partir de uma partícula que expandiu há mais de 13 bilhões de anos atrás. Houve uma
recombinação de átomos surgindo novos elementos. No decorrer da formação do universo,
estrelas se formaram e estrelas explodiram, o seu material constituinte, os átomos, fizeram parte
de outros astros e planetas, consequentemente passou a fazer parte dos seres vivos quando
surgiram na Terra.
Outro fato importante é que todas as formas de vida na Terra possuem um ancestral
comum, uma bactéria. Dessa forma, de acordo com a história da evolução os seres humanos
são os últimos a surgirem na Terra (GLEISER; KRENAK, 2020). Segundo Gleiser, 25% dos
nossos genes são divididos com as árvores, ou seja, 25% da nossa genética é igual a das árvores.
Vendo dessa forma, realmente somos todos parentes como afirma Krenak, pelo fato de sermos
constituídos dos mesmos átomos que já compuseram outros astros e pelo fato de todos terem
surgido de um ancestral comum (GLEISER; KRENAK, 2020).
Segundo Krenak, os indígenas se referem as florestas, como nação do povo que fica de
pé, pensam nas florestas como entidade, como organismo inteligente, como seres vivos e não
como “coisas”. As florestas do mundo estão sendo devoradas e cada pessoa pode atuar
positivamente nesse caos, trabalhar com sua própria harmonização, escutar os 25% de genes
das árvores que existem em nós. E talvez não seja mais possível a escolha individual de cada
um, optando por não desmatar, ou não fazer uso de poluentes, é fato as florestas estarem sendo
devastadas e o clima estar aumentando no planeta. As escolhas individuais não estão mitigando
136

as agressões que o planeta vem sofrendo. Se a temperatura aumentar mais um grau e meio
muitas espécies irão desaparecer, como o urso polar (GLEISER; KRENAK, 2020).

Os últimos pentelhos a chegar na festa da Terra, são tão danosos que podem
acabar com a festa de todo mundo e ainda ficar rodando no espaço. Nós somos
muito piores que o vírus [covid-19], que está sendo demonizado como a praga
que veio comer o mundo, a praga que veio para comer o mundo de verdade,
somos nós, se a gente não tomar consciência do que estamos fazendo aqui na
Terra (GLEISER; KRENAK, 2020, s.p.).

O intelectual indígena ainda reflete o fato de todos terem atendido o comando de ficar
em casa e fazer o distanciamento social, e pergunta se seria possível que as pessoas também
atendessem ao comando para parar de depredar o planeta. Krenak complementa dizendo que
infelizmente parece ser preciso um comando totalitarista que convoque a responsabilidade
social de cada um, dizendo que é preciso mudar sua atitude para com a Terra (GLEISER;
KRENAK, 2020).
Essa conversa, entre duas formas diferentes de entender a importância da Natureza para
a vida em geral, é uma prova de que é possível o diálogo de epistemologias diferentes. Dentro
de suas crenças vimos aqui, que os dois intelectuais concordam em muitos aspectos mesmo
tendo explicações diferentes para os fenômenos naturais. “Pode ser que, na sua terra, as pedras
não tenham vida. Aqui elas crescem e estão, portanto, vivas” (CUNHA, 2007, p. 78). O que a
autora diz pode ser enxergado como poético, mas se pensar que as pedras são uma parte de um
todo na vida do planeta e que possuem uma função, então poderemos entender que realmente
as pedras estão vivas. Essa lógica é muito comum na vida dos indígenas, tudo está conectado e
deve ser respeitado, para que essa cadeia, ou esse ciclo não seja interrompido. O indígena que
ainda vive na floresta conhece e respeita os ciclos de chuva, as fases da lua, os ciclos e
fenômenos biológicos. Os indígenas que já não vivem mais nas matas, lembram que esses ciclos
influenciam suas vidas.
O tempo era contado baseado nas mudanças climáticas nas constelações nos ciclos
biológicos. Havia o tempo certo de caçar, de pescar, de coletar, de plantar e de colher. Algumas
comunidades da Amazônia ainda vivem sob a orientação dos fenômenos naturais, dos ciclos
anuais, como é o caso dos povos que vivem as margens do rio Tiquié no noroeste amazônico,
como mostra a figura 16 (INSTITUTO SOCIOAMBIENTAL [ISA], s./d.)53.

53
Pesquisa disponível em: https://ciclostiquie.socioambiental.org/pt/index.html#credits.
137

Figura 16 - Calendário dos ciclos anuais dos povos indígenas no rio Tiquié (Amazônia)

Fonte: ISA (s/d)54.

Embora esse não é o caso da etnia Terena, em várias entrevistas podemos perceber
que isso está gravado em sua memória ancestral. As condições territoriais e mudanças
sociais atuais, restringem a prática de saberes ligados à pesca, caça e coleta, mas como ainda
desenvolvem a agricultura, artesanato, medicina e rituais, observamos essa prática dos
saberes tradicionais.
Sobre a agricultura, os Terena da aldeia Lagoinha hoje, usam o trator para gradear o
solo, a plantadeira manual, o acero e limpeza da roça é realizada com enxada e técnicas de
queimada controlada. O ambiente ainda é interpretado e utilizado no plantio de roças. Por

54
Disponível em: https://ciclostiquie.socioambiental.org/pt/index.html.
138

exemplo, se a florada é abundante, a colheita será boa. O ciclo da lua e das chuvas ainda são
respeitados e observados antes de plantar como já vivos anteriormente.
Esses saberes são importantes, visto que temos apenas esse planeta em nossa
constelação, com todas as condições favoráveis para manter a vida da espécie humana. Sabemos
que a forma como vivemos, nesse sistema frágil, está prestes a colapsá-lo, e que os desastres
naturais e pandêmicos são uma reação da Terra à nossa ação.

A ausência da natureza no pensamento científico atual nos explica a


incapacidade tecnológica para controlar a radioatividade, a destruição da
camada de ozônio, o manejo dos resíduos industriais e radioativos. O perigo
das manipulações biogenéticas e suas consequências posteriores e o uso
irracional de tecnologias, em cuja concentração está ausente a dimensão
ecológica, são os fatores de uma nova geração de enfermidades (MARIN,
2009, p. 139).

Concordamos com Marin (2009), Oliveira e Sato (2006) sobre a educação e


especialmente a ambiental, servir como a conciliadora entre cultura e natureza, visto que, “no
ambientalismo, é consenso defender a biodiversidade, porém, há uma resistência à
diversidade cultural. A perda da diversidade não está restrita apenas ao ambiente biológico,
mas também ao ambiente social” (OLIVEIRA JÚNIOR; SATO, 2006, p. 127). Dessa forma,
mesmo sendo um desafio epistemológico, a concretização do diálogo de saberes pode ajudar
na “reconstrução de uma visão global, multidimensional e interdisciplinar, que associe a
natureza e a cultura como o eixo fundamental para compreender melhor o mundo no qual
vivemos” (MARIN, 2009, p. 129).
Pensando nesse diálogo de saberes os indígenas Terena da aldeia Lagoinha trazem nessa
tese, para refletirmos, algumas mensagens importantes sobre a natureza, o meio ambiente e a
vida. O professor Délio (60 anos) nos disse que “é preciso ser consciente da importância do
meio ambiente para todos, precisamos cuidar as nossas matas, as árvores, as águas, para que
continue a vida sobre a terra”.
O seu Lourenço (ancião, 84 anos) nos disse que “na cidade quando acontece alguma
coisa…, uma enchente por exemplo, aqui não tem prejuízo de enchente quando chove, porque
a chuva vem e infiltra na terra e lá é diferente porque é asfalto”. Ou seja, o ser humano sofre
por conta de suas próprias ações ao alterar o ambiente.
As degradações ambientais estão relacionadas ao desenvolvimento da ciência moderna
e “pelo transbordamento da economização do mundo guiado pela racionalidade tecnológica e
pelo livre mercado” (LEFF, 2000, p. 309). O desenvolvimento da ciência e da tecnologia faz a
nossa sociedade ser reconhecida como a civilização do conhecimento que “é, ao mesmo tempo,
139

a sociedade do desconhecimento, da alienação generalizada, da deserotização do saber e o


desencantamento do mundo” (LEFF, 2000, p. 312). Nessa sociedade tecnicocienteficista, todos
estão totalmente perdidos, desorientados, imersos num mundo de incertezas, de risco e
descontrole onde há um aumento do domínio da natureza pela ciência (LEFF, 2000). O volume
de conhecimento é grande, mas de nada adianta se tal sociedade não refletir sobre a positividade
ou negatividade dessa produção para a qualidade da vida dos seres na Terra.
Segundo Leff (2001) a preocupação com a conservação e preservação da natureza
surge da luta pela sobrevivência, em função da pobreza gerada pela degradação
socioambiental, encabeçada por camponeses, indígenas e parcela marginalizada da sociedade
urbana. Hoje essa preocupação faz parte da vida dos Terena, como vemos no comentário do
músico Marcelo Cecé,

[...] tudo que fazemos hoje, seja preservar ou não, vai influenciar na vida
futura, dos nossos filhos, netos. Se hoje ainda temos de onde tirar
medicamento, alimento, um ar puro, é porque no passado alguém cuidou,
preservou. Se acabar a natureza, daqui uns 10, 20 anos, como será esse
mundo? Acho que não vai ser muito bom! (Entrevista realizada com músico
Marcelo Cecé, em janeiro de 2020).

A concepção que se tem da natureza ou do ambiente determina a forma de tratamento e


exploração dos recursos, ou seja, a sustentabilidade. A sustentabilidade está diretamente
associada às relações entre sociedade e natureza, os valores culturais determinam o valor da
natureza (JACOBI, 2003). No caso dos indígenas, a gestão dos recursos naturais é atravessada
por observações, valores e significados, expressos num “discurso e uma prática de humildade,
presente nos saberes ancestrais” (GUIMARÃES; MEDEIROS, 2016, p. 54).
A relação dos indígenas com a natureza é abrangente e está inserida em todos os espaços,
escolar, cultural, religioso, familiar, em suas histórias e mitos, em seu modo de vida como um
todo.
Os mitos e histórias para os indígenas possui outra essencialidade. “São histórias
carregadas de ambiguidade, de máscaras, tabus e imaginações fálicas da sexualidade, na orgia
de plantas, animais e humanos, que justificam a criação dos povos” (SATO et al., 2012, p. 5).
É como se fosse para nós (ocidentais) o surrealismo, que faz parte da “normalidade existencial”,
sem necessidade de comprovação, de legitimação (SATO et al., 2012). Os mitos e histórias são
carregados de elementos naturais e sobrenaturais, “[...] crenças, opiniões, magia, idolatria,
entendimentos intuitivos ou subjetivos, que na melhor das hipóteses podem se tornar objeto ou
matéria-prima de investigações científicas” (SANTOS, 2007, p. 73). Para Viveiros de Castro
(2004, p. 229) “As narrativas míticas são povoadas de seres cuja forma, nome e comportamento
140

misturam inextricavelmente atributos humanos e não-humanos, em um contexto comum de


intercomunicabilidade [...]”.
Os três autores concordam que os mitos são recheados de seres naturais e sobrenaturais
com atributos humanos e não humanos que são produtos da subjetividade das culturas e
compreender esse universo, não é fácil, é preciso ver, conviver e viver a cultura para então
começar a entender alguns significados, como observa o professor Fernando:

Nós terena relacionamos com a natureza com muito respeito e cuidado


(preservar) pois acreditamos quando Deus criou a natureza precisava do
ser humano para cuidar. Puxa vida... dar conselho aos purutuye [não
indígena], é muito difícil, pois eles não conhecem a realidade da natureza,
do meio ambiente, o valor que tem. Eles [os não indígenas] nunca vão
entender a relação dos índios com o meio ambiente se não morar dentro da
reserva (Entrevista realizada com professor Fernando Moreira, em janeiro
de 2020).

É uma outra lógica de pensamento, outra forma de conhecer, e muito a nos ensinar. A
partir dessa diversidade epistemológica que Santos (2007) propõe a co-presença radical
abolindo a guerra entre conhecimento científico e conhecimento tradicional. Sato (2012 et al.,
p. 5) compreende que os mitos e histórias de origem, “fenomenologicamente, são narrativas
religiosas, compreendidas pelas festas, rituais, rezas, gestos ou simplesmente um conjunto
etnográfico que interpreta o mundo, o outro e cada ser, seja humano ou não”.
Separamos algumas das histórias contadas ainda hoje pelos Terena, que possuem
relação com a natureza, e que em nossa interpretação ocidental, são ensinamentos de ecologia,
conservação das espécies e Educação Ambiental. Assim como Sato, nos interessamos por esses
mitos e histórias com intuito de:

[...] revelar que as histórias indígenas não são fábulas de crianças, nem contos
literários de ficção, mas se encontram intimamente associadas à dimensão
ambiental, que determina o conjunto de expressões etnográficas e ações
políticas da própria existência indígena (SATO et al., 2012, p. 4).

Acreditamos no potencial dessas histórias e mitos para fazer o diálogo entre os saberes
científicos e saberes tradicionais, além de poder “subsidiar a execução de políticas públicas para
a proteção dos territórios onde se situam os lugares e seres concebidos como sagrados para os
indígenas, o que significa realizar o respeito a outra filosofia de mundo que neles se projeta”
(SATO et al., 2012, p. 4).
As histórias que trataremos aqui são: o mito do wapupú, a lenda da eno úne, lenda do
kohéveti karapa, lenda do há'a hôi e a lenda do avokeko. Essas histórias foram contadas a mim
141

há onze anos, durante meu mestrado. Não foram usadas na pesquisa de mestrado. As pessoas
entrevistadas em 2009, anciões e professores, continuam contando essas histórias para as
crianças hoje, permanecendo vivas em sua memória.
O ancião Galdino Cecé que relatou a lenda do kohéveti karapa e a lenda do há'a hôi em
2009, hoje falecido, era um integrante importante na comunidade na época, membro do
Conselho Tribal, braço direito do Cacique e por essa razão resolvemos homenageá-lo deixando
seu nome registrado.

Lenda do kohéveti karapa (lenda do pé de garrafa)

O pé de garrafa é protetor das árvores e mora no mato. Os antigos costumam


contar que quando vários lenhadores entravam na mata para contar as árvores
e cada um tomava uma direção. Lá no meio da mata ouviam um chamado, um
grito igual de um homem, e achavam que eram seus colegas e por isso
respondiam. O pé de garrafa ficava esperando exatamente essa resposta para
fazer com que o lenhador perdesse a memória e esquecesse o caminho de
volta. Ele levava o lenhador perdido lá profundo da mata perto de sua casa,
para que ele não conseguisse achar o caminho de volta tão facilmente. O
lenhador perdido ficava assustado e não queria mais voltar lá. O pé de garrafa
faz isso porque tem muito ciúme e cuidado com a floresta, pois ela é casa de
todos os animais silvestres. Então sempre que tiver que passar pelo meio da
mata nunca deve entrar sozinho, sempre leve um companheiro e se ouvir um
chamado não responda por que pode ser o pé de garrafa achando que você é
um lenhador e que fará mal às suas árvores. (Entrevista realizada com ancião
Galdino Cecé, in memoriam, em 2009).

“Entre assombrações, lendas, monstros e tantos outros “seres encantados”, muitos


protegem a natureza, ou explicam fenômenos sociais, tornando-se fortes aliados da educação
ambiental” (SATO; PASSOS, 2009, p. 53). Nessa lenda acreditamos que os lenhadores sejam
pessoas que vivem do corte de madeira no sentido capitalista do trabalho, e não aqueles que
utilizam a madeira em seu sustento básico, como construção de moradia. Os Terena, em sua
origem, não usavam madeira para construir móveis e a madeira utilizada para cozinhar era
coletada dentre as que estavam no chão. Ficar perdido na floresta impede levar as madeiras
derrubadas, envolve medo dos perigos que a mata impõe. Esse medo impedia o aventureiro de
entrar sozinho e de degradar o meio. A floresta em pé é o habitat dos animais e representa
fartura de comida para os Terena. Como podemos observar:

As narrativas mitológicas não dissociam cultura e natureza, pois ambas as


dimensões são trazidas atadas, numa união de sinergias e mutualidade
constante. Por isso, é possível afirmar que a etnografia indígena se esvaziará
se a natureza for destruída (SATO et al., 2012, p. 7).
142

Por meio dessas histórias percebemos como os indígenas enxergam o mundo, podemos
enfatizar a sustentabilidade no modo de vida do indígena, como também analisar as relações
ecológicas existentes entre as espécies mencionadas nessa lenda, ser humano, planta animal e
a cadeia alimentar.

Lenda do há'a hôi (lenda do Pai do mato)

O pai do mato é um espírito protetor e dono dos animais da floresta. Tem


muitas pessoas que moram no campo que comem carne de caça. Ele só
permite que seus animais sejam mortos por aqueles que precisam levar
alimento para a sua família. O caçador que entra na mata só para se divertir
muitas vezes deixa os animais baleados e feridos, não matam para sua
sobrevivência. Os animais feridos vão direto para a casa do pai do mato para
serem curados por ele. Ele prepara os remédios com as ervas do mato e
demoram muitos dias para que os animaizinhos fiquem bons de novo, alguns
chegam lá tão machucados que não aguentam e morrem. Isso entristece
muito o pai do mato. Curar os animais feridos dá muito trabalho. Quando
isso acontece o pai do mato vai atrás do caçador e come ele. Quando as
pessoas entram na mata o pai do mato fica na espreita observando. Ele fica
dentro do oco do pau batendo na madeira. Isso é um aviso que ele está ali
cuidando os animais. Se você ouvir esse barulho fique atento e finja que não
ouviu nada que ele vai embora. Nunca ande sozinho na mata e ajude o pai
do mato a cuidar dos animais, não mate nenhum bicho por diversão ou
maldade porque o pai do mato sempre diz: “antes matar para comer do que
deixar o animal ferido sofrendo e dando trabalho para mim, quem fizer isso
será minha comida!” (Entrevista realizada com ancião Galdino Cecé, in
memoriam, em 2009).

A caça por esporte é liberada em alguns países da Europa, onde usam o animal
empalhado como troféu. Há uma pressão mundial dos ecólogos contra essa prática. No Brasil
é liberada apenas a caça de subsistência, ou em casos onde a espécie introduzida cause danos a
biodiversidade, como ocorreu em 2013, com autorização do IBAMA, a caça ao javali-europeu
(MARTINS, [2015?]).
A narrativa mostra um espírito que protege os animais de caçadores que agem por
esporte, por diversão. Nosso interlocutor nos informou que o pai do mato embora seja um bicho
muito feio e assustador é o protetor dos animais e permite a caça quando usada para alimentação
e não por esporte. A narrativa apela para o lado sentimental da criança, quando explica o
trabalho que dá para curar os animais e o quanto sofrem quando machucados. Dois alertas são
dados, para não andar sozinho na floresta e para quem matar animais por maldade será punido
com a morte, visto que servirá de comida para o pai do mato. “A diferença entre a ciência e
mitologia é que cada qual escolheu uma metalinguagem para contar suas histórias. Ambas
tentam compreender os fenômenos do mundo, com jeitos particulares [...]” (SATO; PASSOS,
143

2009, p. 53-4). Nesse caso, os indígenas entendem que os animais são sagrados e devem ser
respeitados, visto que, fazem parte de uma rede que sustenta a vida – o fenômeno em questão.
Dessa forma:

[...] mais que um valor de uso, [os elementos da] natureza tem um valor
simbólico e espiritual presentes em sua cosmologia, nos símbolos e nos seus
mitos [...]. A maioria dos povos indígenas tem, nos seus mitos, fundamentos
principais onde o ser humano está no mesmo nível dos animais e outros
elementos da natureza, não sendo superior nem inferior na escala de valores.
Vigora um respeito mútuo e acreditam que seres superiores criaram o universo
e na relação com os outros seres da natureza, é preciso a permissão para
acessar os vários mundos (LIMA, 2007, p. 34).

O significado dos animais está atrelado ao valor da vida, e toda vida deve ser respeitada.
O animal servirá de alimento para manter a vida do indígena, e por isso pede-se permissão.

Lenda do vâpupu (Lenda do Urutau)

Havia um rapaz que morava com a mãe que era forte e fazia de tudo pelo filho,
lavava, passava sua roupa e fazia comida. Mas ele gostava de sair, não parava
em casa. Sempre que voltava estava tudo ali preparado pela sua mãe. Certo
dia, quando voltou para casa, ele viu que já não havia tudo aquilo que ele
encontrava pronto e preparado pela sua mãe. A mãe estava começando a ficar
doente e sempre que ele voltava para casa ela estava na cama. Quando a mãe
dele estava muito doente e fraca pediu para ele ajudá-la e ele não atendia, e
continuava saindo. Um dia ele falou para a mãe que ia num baile. Ela disse:
“Não vá meu filho porque eu não estou bem, fica comigo”. Ele respondeu: “eu
vou sim, porque eu preciso me divertir e eu não posso ficar aqui não”. Mesmo
a mãe implorando, ele desobedeceu e foi. Quando deu meia-noite, uma pessoa
o chamou para falar de sua mãe, mas ele não atendeu. Mais tarde outra pessoa
foi dizer a ele que sua mãe estava muito mal, mas novamente ele não deu
ouvidos. Quando ele foi chamado pela terceira vez ele disse: “agora mesmo
eu vou” e não foi. Já no clarear do dia ele resolver ir embora passou pela
floresta para cortar caminho, e quando foi chegando próximo à sua casa, ele
viu uma movimentação em torno de sua casa, e se perguntou o que estava
acontecendo. Ao chegar mais perto ele viu gente chorando e percebeu o que
havia acontecido ele começou a gritar Wapupú, wapupú, daí ele foi se
transformando num pássaro (urutau) abrindo as asas, transformando-se no
wapupú. Hoje, quando ele canta sabe-se que não é coisa boa, é um aviso de
morte. Nenhum índio Terena gosta de ouvir esse cantar, antes do meu esposo
falecer eu ouvi o wapupú cantar. Não é superstição é a sabedoria da natureza
(Entrevista realizada com Professora Matilde Miguel em 2009 e em abril de
2019).

Os mitos, as crenças são narrativas com fortes cargas simbólicas, valores cognitivos
(TRISTÃO, 2014). Geralmente são usadas para ensinar valores e explicar fenômenos
naturais.
144

Nessa lenda, temos em foco a desobediência, a solidariedade e a morte como punição


associada à presença do pássaro urutau que é visto como mal presságio. Os Terena contam que
a presença do urutau, antes do falecimento de alguém, foi observada repetidas vezes o que torna
o fenômeno considerável. Dessa forma, essa aprendizagem é adquirida por observação da
natureza.

Lenda da eno úne (lenda da mãe d’água)

Na Aldeia Lagoinha existia uma pequena lagoa que deu o nome para a aldeia.
Na lagoa morava uma grande serpente conhecida como mãe d’água. Era ela
quem cuidava da lagoa. Quando as pessoas começaram a desmatar em volta
da lagoa para fazer roça às suas margens, a mãe d’água ficou enfurecida e
muito revoltada fazendo um aviso: “Não retirem as minhas árvores, não
plantem aqui”! As pessoas não deram ouvidos e continuaram a desmatar e a
plantar. Um dia de repente, as pessoas escutaram um forte e alto estrondo no
céu, como se fosse um trovão era a mãe d’água que havia ido embora e desde
esse dia a lagoa começou a secar. Hoje não tem mais água e dentro da lagoa
nasceu muito capim. Agora até no poço falta água (Entrevista realizada com
professor Délio Delfino em 2009 e em abril de 2019).

A mãe d’água, espírito encantado, protetor da água, invisível aos nossos olhos, alertou
aos indígenas sobre a importância da mata para a lagoa. Assim como os cílios protegem os
olhos, a cobertura vegetal nativa ao redor da lagoa chamada de mata ciliar, protegem os lagos,
lagoas, rios, olhos d’água e represas. Sem essa cobertura vegetal nativa, o solo fica
desprotegido, propiciando a lixiviação do solo. Além de empobrecer o solo, as águas das chuvas
ou enxurradas são responsáveis pela erosão e carreamento grande quantidade de sedimentos
para dentro dos corpos d’água causando o assoreamento. A lenda da Mãe d’água alerta
exatamente isso, mas conforme as famílias iam aumentando obrigava os Terena a deslocarem
suas roças mais para o fundo da aldeia, chegando às margens da lagoa, visto que o tamanho do
território continuou o mesmo. Dessa forma, acabaram descumprindo os avisos da mãe d’água
ao desmatar a beira, e a partida da grande cobra protetora, foi relacionada às consequências
dessas atitudes. A lagoa hoje está assoreada, ficando totalmente seca em época de seca, e na
época das chuvas se torna um terreno encharcado com muitas espécies de macrófitas55 dentro
(figura 17). A lagoa, antes, usada para lavar roupas e tomar banho, está viva apenas na memória
dos Terena.
Essa narrativa mostra a relação do Terena com a terra, com a água, com o seu lugar,
mostra sua compreensão da natureza e de como ela funciona. Tais conhecimentos foram

55
Plantas aquáticas que vivem em brejos.
145

adquiridos em sua prática cotidiana e não em bancos escolares com ensinamentos teorizados,
esvaziados de significado e sentido. Compreender essa lógica de pensamento é descolonizar
nossa mente do saber científico e acadêmico descentralizando-os.
Outra forma de compreender os mitos é por meio do surrealismo que foi um movimento
artístico e literário que tinha o objetivo de liberar os olhos da mente para a imaginação, abertas
à interpretação do observador. Interpretar os mitos por meio do surrealismo é uma proposta de
Sato (2012, p. 40-1) em sua obra “Cartografia do Imaginário Indígena”:

Olhar o mito, do ponto de vista do surrealismo poético é, assim, um entrelaçar


de mãos que buscam proteger as histórias pretéritas e ad-mirar com encanto a
tradição que se perpetuou até a contemporaneidade. Na dualidade
fenomenológica do visível e invisível, não há divórcio entre a grande
resistência na luta pelas tradições indígenas e as forças de deusas e deuses que
ainda existem para assoprar as esperanças. Tudo que tocar os mistérios do
mundo, em especial aos mitos indígenas, não se sucumbirá às violências
socioambientais, e se eternizará no projeto poético de escala universal que
chamamos de surrealismo. Assim, será provável que o invisível se module
com o visível, entrelaçando realidade com surrealidade.

É também com esse olhar que procuramos compreender os mitos indígenas, cheios de
seres encantados, espíritos protetores que nos ensinam como conviver com o meio ambiente,
são histórias de conservação da natureza que devemos apreender, já que nossa história ocidental
só nos ensinou a destruição.
Para Tristão (2014) essas narrativas dão significado e valor à existência, e nos permite
entender outras formas de compreensão de mundo e da vida e por essa razão “a forte
necessidade de se compreender certas práticas bioculturais de determinados grupos sociais, tão
valorizados neste movimento educativo-ambiental” (TRISTÃO, 2014, p. 485). A concepção de
ecologia das ideias, de Morin (2005, p. 103), reflete que é preciso dar autonomia às ideologias,
teorias, mitos, tal como “seres noológicos” com “propriedades da existência viva”, nutridos
pelo espírito humano e pela cultura, e não como algo fabricado por estes, constituindo o seu
ecossistema coorganizador e coprodutor.
146

Figura 17 - Lagoa que dá o nome a aldeia

Fonte: Acervo particular da autora.

Lenda do avokeko56 (lenda do irreal, para dar medo)

Meu avô Guilherme Moreira, (TÎTI) contava para meu pai que contava pra
mim que à noite a criança não podia chorar, porque um ser vinha lá da lua,
chamado avokeko que imitava a criança que estava chorando, e chorava como
criança no mato e no céu, e assim a criança adoecia. E às vezes levava a
criança consigo, na sua sacola para ele brincar, assustando e dando medo até
a criança morrer (Entrevista realizada com professor Fernando Moreira em
2009 e em novembro de 2019).

Segundo a explicação do professor Fernando, essa é uma história fictícia, que os


antepassados, os antigos contadores de história, inventaram para assustar as crianças e parar de
chorar à noite. À noite, quando a criança chora, esse bicho, que pode ser pássaro, um ser
imaginário, canta, grita, fazendo esse som avokeko (onomatopeia), se tiver uma bacia fora de
casa. Quando a criança começa a chorar a noite, os pais ameaçam dizendo que o avokekeo vai
aparecer, e as crianças com medo vão dormir. E para aumentar o medo os pais diziam que

56
É uma onomatopeia, é o som que o bicho faz. É uma história irreal, segundo o entrevistado.
147

quando tinha uma bacia fora de casa, esse bicho gritava e jorrava sangue lá de cima que caía
direto na bacia.
Perguntei o porquê do sangue, e o professor respondeu: “a lenda não tem muito detalhe,
ela é contada assim mesmo antigamente as crianças só escutavam, não eram crianças que
indagava, pois elas confiavam e obedeciam seus pais diferente de hoje em dia, que tem
tecnologia e são mais espertas”. Compreendemos as palavras do professor a partir de Sato
(2012), quando explica, baseada no surrealismo, que nem tudo tem que ter uma explicação, na
vida há segredos que não precisam ser revelados,

[...] o mundo carece que seus mistérios fiquem velados, sem nenhuma
necessidade de descobrir ou desvelar os possíveis enigmas postos em segredo
pelos povos indígenas. O encantamento do mundo é também estar ciente de
que não conhecemos tudo e jamais alcançaremos a totalidade imponderada
(SATO et al., 2012, p. 7).

O professor Fernando explicou que a lenda do avokeko foi inventada, demonstrando


que “os mitos são reelaborados no devir das experiências históricas” (SATO et al., 2012, p. 7).
Pela tradição oral, através das gerações, as histórias se modificam e são modificadas conforme
a dinâmica social, trazendo cultura e natureza conectadas (SATO et al., 2012). Para Fernando,
embora nunca tenha visto, os espíritos protetores do mato e das águas eles existem, pois, outras
pessoas viram ou ouviram seu assobio, e dessa forma, é preciso respeitá-los.
A forma como procuramos compreender as histórias Terena, foi baseada nas
informações que nossos entrevistados nos deram, não buscamos em hipótese alguma, pelo certo
ou errado, verdade ou mentira, real ou irreal, porque admitimos que podemos escorregar em
função da nossa formação eurocêntrica, introjetada de cultura científica. Buscamos ir contra a
corrente e dar visibilidade a essas “formas de conhecimento que não se encaixam” [...]
(SANTOS, 2007, p. 72). As teorias pós-críticas nos proporcionam essa oportunidade de refletir
nossos descaminhos e borrarmo-nos na busca de caminhos que apontem novas direções,
espaços e lugares que acolham a pluralidade de conhecimentos, identidades e culturas existentes
no mundo.
Admitido isso, compreendemos que as histórias e “mitos de uma determinada população
só podem ser interpretados e entendidos no quadro da cultura dessa mesma população” (LÉVI-
STRAUSS, 1978, p. 33), dessa forma, não descartamos a existência de uma força sobrenatural
em nenhuma dos mitos apresentados porque para os indígenas tudo tem vida, seja no plano
físico ou no espiritual.
148

Tudo é vivo e tudo vem carregado de valor, de espírito e de mensagens sobre


os segredos da vida que os homens precisam decifrar para viver. [...] O mundo
dos mortos, dos espíritos e dos deuses não está em outra dimensão cósmica,
está na própria natureza que constitui o território indígena (BANIWA, 2006,
p. 102).

Sabemos de alguma forma que o mundo espiritual existe, mesmo não sendo comprovado
cientificamente, pois a ciência não tem resposta para tudo e muito menos para eventos
sobrenaturais. A fé está além da certeza, é a crença inabalável em algo que não se tem
comprovação. Assim como não se tem a comprovação da existência de Deus, enquanto uns não
acreditam, outros têm a plena certeza de sua existência baseada na fé. A intenção não é
desacreditar e sim mostrar que existem muitas formas de ver e perceber a natureza e sua própria
existência.
Por meio dos mitos e histórias que são repassadas nas gerações que ocorre a
aprendizagem, mas em quais momentos esses ensinamentos ocorrem? Existem momentos
durante o dia para essa conversa, e observamos que os Terena continuam a constituir famílias
extensas, em suas casas vivem marido mulher, filhos, filhas, noras, genros e netos. Quando não
vivem debaixo do mesmo teto, vivem todos no mesmo terreno, ou seja, os filhos se casam e
constroem suas casas no terreno dos pais, ficando todos juntos. Nesse caso, os avós são
responsáveis por contar as histórias e mitos aos netos. Aos pais cabem os ensinamentos do
cotidiano para a vida.
Como um dos nossos objetivos foi verificar como se dá a passagem dos
conhecimentos tradicionais nas gerações, perguntamos em que momento e hora aconteciam
os ensinamentos.

Mamãe, dava muito conselhos né, na hora que reunia era a hora de falar
conosco, na janta, antes de escurecer, eles falavam muito, mais a noite. Cedo
ia pra roça. Hoje o povo vai para roça oito horas. Cinco horas nós já estava na
roça já. Três horas da manhã quem toma mate já tava acordando e acordando
os filhos também. Conversava enquanto a mãe prepara alguma coisa para eles
comer (Entrevista realizada com anciã professora Nilza Miguel, em novembro
de 2019).

É muito interessante e bonito de presenciar o carinho e o respeito que os indígenas


possuem pelos pais. Mesmo adultos chamam seus pais de mamãe e papai. Os Terena têm muito
respeito pela sabedoria dos idosos, e sempre são consultados antes de tomarem decisões que
visam interesses da comunidade em geral. Os pais eram responsáveis pelos ensinamentos para
a vida. O serviço era separado por gênero. Os pais iam com os filhos homens para a roça, além
de aprender a mexer com o solo aprendiam a observar os sinais da natureza, para chuva, frio,
149

colheita farta ou não, o ciclo lunar e comportamento dos animais. As meninas ficavam em casa
com a mãe fazendo e aprendendo os serviços domésticos, lavar, cozinhar, tirar e preparar o
barro para fazer cerâmica. As meninas e meninos aprendiam a fazer artesanato.

Cada cultura tem suas próprias e distintivas formas de classificar o mundo e é


por meio da construção de sistemas classificatórios que a cultura nos propicia
os meios pelos quais podemos dar sentido ao mundo social e construir
significados (WOODWORD, 2000, p. 41).

Nesse caso o mundo social dos Terena está diretamente ligado à família e por isso tem
um significado forte em suas vidas. Os filhos se casam e continuam morando na mesma casa
que os pais, ou em outra casa, mas no mesmo quintal. As famílias ficam agrupadas e todas as
crianças provenientes dos casamentos, crescem juntas. Todos os adultos são responsáveis pela
educação das crianças, os irmãos e cunhados e cunhadas cuidam das crianças de forma
coletiva.
Na aldeia Lagoinha os adultos acordam cedo, por volta de cinco horas da manhã, para
tomar mate na casa dos pais. Geralmente reúnem-se filhos, noras, genros e conversam de
assuntos variados durante a roda do mate. Por volta de seis e meia os homens e mulheres já vão
se levantando para organizar as traias57 que irão utilizar na lida do dia. Uns vão para a roça,
outros voltam para a casa para organizar e outros vão para a escola ou outros serviços formais.
Os avós, geralmente ficam com as crianças que estudam no período vespertino e aproveitam
para dormir até mais tarde.
As crianças que estudam pela manhã, geralmente não chegam às sete horas. Geralmente
a escola toca o sino às setes horas, para avisar que já é hora de ir para a escola. O sino é escutado
por toda a aldeia. A partir do momento que se ouve o sino, as crianças começam a chegar na
escola e as aulas começam por volta de sete e dez ou sete e quarenta e cinco min. No período
vespertino, o procedimento é o mesmo, e as aulas iniciam após as treze horas. Tudo ocorre no
tempo deles, não há formalidades com o horário.
Os avós olham as crianças que ficaram em casa, entre os serviços domésticos. As
crianças (primos e vizinhos) se reúnem e brincam com a imaginação. Conversam, correm,
pulam, sobem em árvores, costuram roupas para as filhas bonecas. Brincam de roda, constroem
fogões à lenha para fazer as comidas, usam panelas velhas, folhas, frutas, tudo que está à
disposição no grande quintal de suas casas (figura 18).

57
Ferramentas para os homens que vão para a roça, materiais escolares para os professores.
150

Os idosos que já não trabalham, aproveitam o dia para visitar outros idosos e conversar
sobre diversos assuntos como: roça, plantação, construção das casas pela Caixa Econômica
Federal, política interna e externa à aldeia entre outros assuntos. As idosas cuidam da casa e
fazem almoço. A família das filhas e noras que trabalham fora de casa, almoçam com a mãe
ou sogra. As mulheres que não trabalham fora, fazem serviços domésticos e cuidam dos
filhos.
Durante a tarde, as mulheres lavam e passam as roupas, varrem o terreiro. Com o serviço
de casa pronto, sentam para tomar tereré com as cunhadas e aproveitam o tempo para cuidar a
beleza feminina se ajudando mutuamente, tiram o excesso de pelos das sobrancelhas, pintam
as unhas, fazem tranças nos cabelos longos e conversam bastante enquanto olham as crianças
brincar ao seu redor.
Os quintais das casas não são delimitados por muros e geralmente um passa pelo quintal
do outro para cortar caminho. Quando os quintais são delimitados, são feitos com cercas de
arame liso, e as pessoas passam pelas cercas para cortar caminho entre os quintais vizinhos.
Toda casa tem porta e janelas, mas geralmente não são trancadas, só encostadas para que os
animais não entrem. Encontramos uma casa que não tem porta, a do professor Délio. Sua casa
no lugar da porta tem uma cortina (figura 19). Resolvemos relatar isso, para demonstrar a
segurança na aldeia. As pessoas se respeitam, não há roubos ou invasões, ninguém mexe no que
não lhe pertence a não ser com autorização. A sensação de segurança é muito boa.
151

Figura 18 - Crianças brincando no quintal

Fonte: Acervo da autora.


152

Figura 19 - Casa sem porta

Fonte: Acervo da autora.


153

Como observamos no cotidiano e nos depoimentos, os Terena no decorrer da vida


constroem valor e significado aos anciões e a família. O ancião representa a sabedoria e estão
presentes e são ouvidos em reuniões de tomadas de decisões na comunidade e a família
representa o porto seguro, o estar junto com amor. Para Woodword (2000) a representação é
construída com práticas de significação e sistemas simbólicos e é por meio disso que os
significados são construídos, nos posicionando como sujeitos. “É por meio dos significados
produzidos pelas representações que damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos”
(WOODWORD, 2000, p. 17). Ou seja, se os anciões e a família têm grande representatividade
para o Terena, é por conta dos significados que foram construídos ao longo do tempo.
Ainda sobre a família, Ailton Gonçalves Joaquim (42 anos, artesão), nos contou que os
pais conversavam com os filhos a noite, ensinando e aconselhando, mas também pela manhã
antes de começar a lida.

A família se reunia mais, e conversava mais, ainda mais à noite, uma hora que
eu lembro, assim quando morava com a minha avó era todo mundo reunido,
primos, avô. Era a noite os netos chegavam, para poder escutar a história dele,
ou contar aonde ele passou, o que ele sofreu, tudo, meu avô teve muita história.
Isso já não tem hoje, é muito difícil. A gente não para mais, hoje eu tô
trabalhando e amanhã eu já tô pensando no que eu vou fazer. Eu trabalho 24
horas, eu entrei hoje ontem, vou entregar amanhã, e vou ter essa noite de folga
e amanhã de tarde eu trabalho (Entrevista realizada com Ailton Gonçalves em
novembro de 2019).

Em função do ritmo de vida ele não conversa com seus filhos como o pai e o avô
conversavam. A irmã de Ailton, Berenice (artesã, 26 anos), nos contou que o pai levava os
filhos homens para a roça e ela ficava com a mãe em casa aprendendo o serviço de casa, costura,
considerado serviço feminino. O mesmo relato de Berenice que tem 26 anos, foi contado pela
senhora Odete Marques (anciã, 72 anos). “De manhã, a noite quando a gente vai dormir ela fica
falando, tudo que ela faz ela me ensinou, cozinhar, lavar roupa, passar roupa, eu faço rede, faço
faixa no tear” (Entrevista realizada com Odete Marques em novembro de 2019). Dona Odete
mora com a mãe, pois é ela quem a cuida e aos 102 anos de idade, sua mãe ainda tem o costume
de ensina-la até hoje. Dona Odete contou que tentou ensinar o uso do tear para os filhos e netos,
mas nenhum deles quis aprender, porque o ritmo de vida é outro.
Seu Lourenço (ancião, fez parte da liderança da comunidade) também confirmou que
os pais costumavam conversar pela manhã durante a roda de chimarrão, antes de ir para a
roça.

Tinha de costume os antigos fazer uma roda de manhã enquanto está


tomando chimarrão, aí um vai falando, falando, falando, aconselhando os
154

filhos, faz isso, não faz isso, assim que aconselhava né porque não sabia ler,
não sabia nada, conselho eu dou, vai deixar para os filhos, assim os antigos
né. Naquela época não tinha escola, tinha alguns que falava pouco o
português para conversar, tem pessoa que não consegue conversar porque
não fala o português (Entrevista realizada com Lourenço Moreira em abril
de 2019).

A hora de ensinar os filhos é a hora em que a família se reúne, nesse caso, antes de
dormir e pela manhã, na roda do chimarrão, quando os filhos ouviam os conselhos dos pais.
Seu Lourenço contou que seu pai não tinha estudo, não sabia ler e escrever, não sabia falar
em português, mas aconselhava os filhos na língua materna. Ler, escrever e falar a língua
portuguesa não faz de ninguém uma pessoa melhor ou mais inteligente ou sábio. A sabedoria
está nas experiências vividas e nesse sentido, as pessoas mais idosas estão à frente dos mais
jovens. A imposição da língua portuguesa pela educação escolar, fez com que aos poucos a
língua materna fosse sendo abandonada. A professora Cristiane Marques (46 anos) nos disse
que se preocupa com a perda da língua porque os jovens não querem falar Terena.
Geralmente os avós são falantes, os filhos entendem e falam, mas não falam com seus filhos,
então a terceira geração, os netos nem entendem e nem falam. Por isso, como diretora na
Escola Municipal Marcolino Lili, ela incentiva os professores a falar com as crianças mais
em Terena para que acostumem e comecem a conversar em casa, incentivando os pais a
falarem também.
Hoje a educação escolar está sendo administrada por indígenas e tomando o caminho
inverso do início. A língua está sendo valorizada e retomada na escola, sendo ensinada a
partir dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Mas para que as crianças voltem a ser
falantes há a necessidade das famílias se comunicarem em Terena em casa. A diretora e a
coordenadora da escola estão trabalhando junto com os professores no desenvolvimento de
projetos de revitalização da língua materna dentro das famílias com a ajuda dos avós.
Anciões, líderes e pastores dão palestras, contam histórias, mitos e ensinam a língua Terena
para as crianças.

As diferenças nascidas da diversidade das línguas, dos mitos, das culturas


etnocêntricas ocultaram a uns e a outros a identidade bioantropológica
comum. O estranho aparece aos arcaicos como deus ou demónio. O inimigo
dos tempos históricos é morto ou, transformado em escravo, converte-se em
instrumento animado. As barreiras protetoras de cada cultura fechada em si
mesma durante a diáspora da humanidade têm doravante efeitos perversos em
nossa era planetária: a maior parte dos fragmentos de humanidade, hoje em
comunicação, tomaram-se inquietantes e hostis uns aos outros exatamente por
causa dessa comunicação: diferenças até então ignoradas adquiriram forma de
extravagâncias, insanidades ou impiedades, fontes de incompreensão e de
155

conflitos. As sociedades se veem como espécies rivais e se entredevoram


(MORIN; KERN, 2003, p. 60).

Para Morin e Kern (2003) as diferenças culturais ocultaram a identidade


bioantropológica comum, gerando demonização ao estranho, diferente.

As barreiras protetoras de cada cultura fechada em si mesma durante a


diáspora da humanidade têm doravante efeitos pervesos em nossa era
planetária: a maior parte dos fragmentos de humanidade, hoje em
comunicação, tomaram-se inquietantes e hostis uns aos outros exatamente por
causa dessa comunicação: diferenças até então ignoradas adquiriram forma de
extravagâncias, insanidades ou impiedades, fontes de incompreensão e de
conflitos (MORIN; KERN, 2003, p. 60).

As diferenças que antes eram ignoradas hoje são incompreendidas, e, portanto, alvo de
ataques impiedosos.
Podemos observar que esses mitos e histórias possuem uma finalidade educativa, de
proteção da natureza e proteção da vida, portanto em nossa visão, é Educação Ambiental.
Embora os Terena originalmente não tenham esse conceito, a relação com a natureza é tão
intrínseca que eles já cuidam o que sobrou dela naturalmente. A Educação Ambiental só se fez
presente na cultura indígena após a introdução da educação escolar, pois foi reproduzida para
os indígenas nas escolas de educação básica por meio dos professores não indígenas, e nos
cursos de formação das universidades que recebem alunos indígenas. A maioria dos cursos das
universidades não possuem professores que entendam a cultura indígena e acabam ensinando
conceitos da cultura hegemônica sem fazer o diálogo com esses outros saberes, colonizando os
saberes.
É importe destacar que o diálogo entre os conceitos científicos da cultura ocidental e as
culturas outras. “Os movimentos e lutas de resistências dos povos tradicionais, apontam para
outras lógicas de desenvolvimento e de valoração da natureza e da vida” (KASSIADOU et al.,
2018, p. 44), por isso devemos assumir a perspectiva de uma EA crítica valorizando e
aprendendo com a diversidade de conhecimentos e saberes.
156

5.2 A dança das mulheres e o artesanato Terena como referência para a Educação
Ambiental

Figura 20 - Sipúterena - a dança das mulheres

Fonte: Acervo da autora (2019).

Outra forma de ensinar e aprender entre os Terena é por meio de seus rituais. Trataremos
aqui da dança das mulheres, onde eu enquanto pessoa e pesquisadora pude aprender muito dos
saberes indígenas na prática.
A dança das mulheres geralmente é apresentada no dia 19 de abril em comemoração
ao dia do índio, em grandes encontros entre aldeias e povos, como assembleias, e em datas
festivas que a liderança da aldeia julgue necessária a apresentação. Ultimamente a dança das
mulheres também está sendo apresentada pelas universitárias na Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul, campus de Aquidauana, na Semana do dia do Índio, pois faz parte e um
projeto intitulado “Noite Cultural dos Povos Indígenas UFMS/CPAq” que está em sua quarta
edição e que visa a valorização da cultura indígena regional. O projeto foi criado por um
grupo de acadêmicos indígenas, de vários cursos, com ajuda de seus professores, no ano de
201758.

58
Os acadêmicos idealizadores foram: Cerizi Francelino, Cibele Francelino Fialho, Eriki Miller Paiva, Levison
Candido e Rute Luiz Mendes.
157

Durante uma visita em março e sabendo que eu iria voltar em abril na semana do índio,
o Cacique Orlando me lançou o desafio: “só poderá continuar sua pesquisa aqui se dançar a
dança das mulheres no dia 19 de abril”. Dessa forma, com desafio aceito, baseado nas palavras
do meu orientador Heitor Queiroz de Medeiros, “use todos os sentidos para compreender a
cultura Terena”, procurei participar de todos os costumes de preparação que antecedem a dança
até o dia da apresentação e, literalmente, dancei.
A partir daqui iremos mostrar a importância e significado da dança Sipúterena na cultura
Terena, os detalhes dos preparativos para sua apresentação e a relação com a natureza.
Na aldeia Lagoinha as mulheres da comunidade de todas as idades, combinam para fazer
ensaios todas as noites que antecedem o dia 19 de abril. Os ensaios se iniciam geralmente às 19
horas na quadra de esportes da Escola Municipal Indígena Marcolino Lili. Após o término dos
ensaios da dança das mulheres (Sipúterena) os homens passam a ensaiar a dança masculina
chamada Kohixóti kipaé59.
Encontramos quatro grafias diferentes para a dança das mulheres: Sipúterena, Siputrena,
Siputrema, Xiputerena. De aldeia para aldeia ocorre variações. Conforme informação da
indígena Terena professora e pesquisadora Évelin Tatiane da Silva Pereira a dança também é
conhecida por putu putu, palavras que reproduzem o som das batidas do tambor tocado durante
a dança e apelidado dessa forma pelos não indígenas.
Os ensaios ocorrem a noite por dois motivos: a) O desgaste para as crianças e senhoras
que participam, é menor, pois o clima a noite é mais fresco; b) para que todas as mulheres que
trabalham durante o dia, possam participar no período noturno. Os ensaios são realizados na
quadra de esportes por que além de participar muitas mulheres a dança precisa de espaço amplo
para ser executada. No ano de 2019, setenta mulheres (entre adultas e crianças) participaram da
dança.
Eu comecei a participar dos ensaios a partir do terceiro encontro. Demorei a participar,
porque me senti envergonhada e com medo de errar, ali era eu, a outra. Mesmo sendo tratada
com hospitalidade e com muito carinho pela comunidade, eu me senti totalmente estranha, a
diferente entre elas, e isso me fez imaginar como eles se sentem em nosso meio, nós ocidentais,
historicamente falando. Mas como era um desafio, me enchi de coragem e mesmo toda
desengonçada, fui aprender.

59
Significa dança da ema, mas tem pessoas que também a chamam de dança do bate-pau porque os homens
dançam com um pedaço de bambu e batem um no outro em parte da dança.
158

Durante os ensaios a comunidade se reúne ao redor da quadra de esportes da Escola


Municipal Indígena Marcolino Lili, para apreciar e comercializar salgadinhos, refrigerantes,
gelinho. As senhoras mais idosas que já não conseguem dançar, olham e avaliam os ensaios.
A escola hoje faz parte da vida dos indígenas da aldeia Lagoinha, está presente e se faz
presente. Geralmente os eventos são realizados em espaços escolares como é o caso da
comemoração do Dia do Índio. Além de aprender com os pais e avós, as crianças aprendem
muito de sua cultura na escola, como a língua materna, o grafismo e seus significados, as
danças, o artesanato, as comidas tradicionais60 e os costumes.
Durante a semana que antecede o Dia do Índio, são realizadas atividades especiais, como
contação de histórias e mitos por anciões, desenham e pintam grafismos, expõem os resultados
das pesquisas realizadas sobre os costumes antigos, a religião, dança, comida e artesanato. É
durante essa semana que também fazem a tinta de jenipapo e se pintam, confeccionam e pintam
a roupa, confeccionam os brincos, colares, pulseiras, tornozeleiras e cocares, ou simplesmente
escolhem dentre os quais já possuem, os que irão usar.
Durante a semana que antecede a apresentação as pessoas fazem pinturas no corpo com
tinta à base de jenipapo61 (Genipa americana L.). O fruto verde tem uma substância, a genipina,
que possui coloração azul escura ou azul negro, mas perde seu efeito corante depois que
amadurece (SOUZA, 2007).
Há várias técnicas de extração da tinta. Alguns ralam o jenipapo verde extraem o suco
e misturam com pó de carvão. Outros ralam o jenipapo e cozinham, depois coam e misturam o
suco ao carvão triturado. O ato de ralar o jenipapo deixa as mãos manchadas de azul-negro e
por isso há quem prefira triturar o jenipapo no liquidificador ao invés de ralar. O carvão serve
apenas para deixar o líquido mais preto e poder enxergar melhor na hora de desenhar a pele.
Segundo os indígenas, quanto mais tempo a mistura de suco de jenipapo verde ralado e carvão,
fica em descanso, mais poder de tingimento ela tem. Também acreditam que quanto mais tempo
o suco ficar na pele, mais escura a pintura fica, dessa forma, é preferível que não lave a pele
que foi pintada por um período de cinco horas. Essa constatação dos indígenas, se dá pelo fato
da genipinina ter “alta estabilidade ao calor, à presença de luz e à mudança de Ph” (BELLÉ,
2017, p. 37), ou seja, o tempo de exposição do pigmento ao calor e a luz solar ajudam na fixação

60
A expressão TRADICIONAL está sendo usada neste artigo no sentido de tradição, de original, dos primeiros
costumes e não a convencional que estabelece padrões ou regras já estabelecidas.
61
Segundo o dicionário Aurélio a palavra jenipapo tem origem no Tupi-Guarani e significa fruta que serve para
pintar
159

do mesmo na pele. As pinturas bem fixadas resistem por até dez dias, saindo naturalmente com
a descamação natural da pele durante o banho.
As pinturas corporais sempre estiveram presente na vida dos Terena, usadas nas festas,
nos rituais espirituais e cerimônias. Os corpos e rosto são pintados com um palito ou pauzinho
que é usado como um pincel fazendo parte dos adornos indispensáveis nas cerimônias em que
apresentam a dança nos dias atuais. Essa tradição de pintar os corpos foi registrada por de
Castelnau (1949), que visitou os Terena em 5 de abril de 1845. Em seus registros o autor
comenta que mesmo em contato com os não indígenas, conservavam em toda a integridade os
costumes dos seus antepassados, e descreve também que as mulheres desenhavam:

[...] no corpo de seus maridos delicadas pinturas, quando eles próprios não se
encarregam de sarapintar. Nesta operação utilizam pauzinhos molhados numa
mistura de carvão e suco de genipapo; as vezes., porém, servem-se de
verdadeiros carimbos, com que imprimem na pele uma figura qualquer. [...].
Em pouco tempo vimo-lo com o braço enfeitado de lindos desenhos
triangulares, reunidos em quadrados de tamanho decrescente (CASTELNAU,
1949, p. 304).

Outro autor que testemunhou a cultura Terena no século 19, foi Taunay. Em uma de
suas visitas às aldeias da região de Miranda em 1865, ele presenciou a pintura no corpo dos
feiticeiros durante as festas. Segundo ele o feiticeiro pintava o “tórax, braços e cara com
jenipapo e urucú” (TAUNAY, 1868, p. 119). No século 20, em 1946 e 1947 Altenfelder Silva
visitou a aldeia Bananal no distrito de Taunay, observou e disse que “durante as festas do bate-
pau, prestigiadas pelo S.P.I., os homens ainda pintam o corpo e se adornam com penas de ema”
(ALTENFELDER SILVA, 1949, p. 299).
As fotografias da Aldeia Bananal em 1942, pertencente ao acervo fotográfico do Museu
do Índio/Funai mostram a pintura corporal sendo utilizada nas danças. Conforme Figuras 21 e
22, podemos visualizar os membros do grupo de dança com partes do corpo pintadas, só não
podemos discernir a cor das pinturas por serem imagens em preto e branco.
160

Figura 21 - Pintura Corporal na Dança Kohixóti kipaé

Fonte: Museu do Índio/Funai (1942).

Figura 22 - Pintura Corporal na Dança Kohixóti kipaé

Fonte: Museu do Índio/Funai (1942).


161

Os Terena hoje costumam pintar o corpo com os mais diversos tipos de grafismos, como
mostra a figura 23.

Figura 23 - Pintura Corporal na Dança Kohixóti kipaé em 2019

Fonte: Flávio Cecé (Rede social, 2019).

No corpo as crianças pintam flores de maracujá conforme mostram as figuras 24 e 25,


as mesmas pintadas nas cerâmicas e consideradas femininas. As mulheres também pintam
flores de maracujá em seus corpos, mas há aquelas que preferem os grafismos considerados
masculinos (figura 26), e outras que misturam as pinturas masculinas e femininas (figura 27).
No rosto obrigatóriamente, segundo as anciãs, devem pintar os circulos concêntricos, mas há
também aquelas que fazem três traços nas cores branca, vermelha e preta, indicadas nas figuras,
28, 29 e 30.
162

Figura 24 - Flor de maracujá em pintura corporal

Fonte: Acervo da autora (2019).


163

Figura 25 - Flor de maracujá em pintura corporal

Fonte: Acervo da autora (2019).


164

Figura 26 - Pintura corporal para dança Sipúterena

Fonte: Acervo da autora (2019).


165

Figura 27 - Pintura corporal (tatuagem)

Fonte: Foto de Évelin Tatiane Pereira (2019).


166

Figura 28 - Pintura no rosto de círculos concêntricos

Fonte: Lindomar Lili Sebastião (Rede social, 2019)62.

62
Disponível em:
https://www.facebook.com/photo.php?fbid=2840704129279532&set=a.590063444343623&type=3&theater.
Acesso em: 20 mar. 2020.
167

Figura 29 - Pintura no rosto de círculos concêntricos

Fonte: Eric Marky (Rede Social, 2020)63.

63
Disponível em:
https://www.facebook.com/eric.marky/photos?lst=100000517592339%3A100000379936594%3A159690899
2. Acesso em: 20 mar. 2020.
168

Figura 30 - Pintura no rosto com traços

Fonte: Acervo da autora (2019).


169

Originalmente a cor vermelha era retirada da semente de urucum, a preta do jenipapo


ou carvão e a branca das cinzas que sobravam do cozimento dos alimentos já que utilizavam
um fogão improvisado à lenha.
A coordenadora da escola Sônia Regina Soares Marques Delfino 64 informou que de
2009 até 2019, utilizam tinta de jenipapo e urucum no corpo, mas no rosto foi utilizada tinta
facial artificial. Mas ficou decidido que a partir de 2020 voltarão a usar as tintas naturais e irão
pintar no rosto apenas os círculos concêntricos para que as crianças e jovens aprendam como
faziam no passado. Além dos grafismos tradicionais no rosto as mulheres usam maquiagem
como batom, lápis e rímel.
Com relação à pintura eu, juntamente com duas jovens da aldeia, a Edvânia e Kauane65,
fomos procurar jenipapo para fazer a tinta. Encontramos um pé de jenipapo na vizinhança e
pedimos. Colhemos os frutos e fomos para casa produzir a tinta, mas optamos por não manchar
as mãos e ao invés de ralar, cortamos o jenipapo e trituramos no liquidificador e depois
cozinhamos aquela massa por 30 minutos e deixamos esfriar. Enquanto esfriava, as meninas
escolhiam o desenho que iriam fazer.
Depois de fria, a mistura foi coada e decidimos não misturar ao carvão triturado porque
a tinta estava forte. Eu primeiro desenhei com caneta na perna da Edivânia e depois pintei. Ela
fez uma pintura no meu braço com um grafismo que ela mesma escolheu. Interessante que eu
precisei primeiro desenhar com caneta e medir para sair “certo, esteticamente perfeito”, na
minha concepção, mas não por querer ser melhor, mas para dar o meu melhor. E essa minha
busca pela perfeição nos meus desenhos, talvez esteja ligado ao fato de nossa sociedade
considerar “como os ápices de uma civilização plenamente realizada – aquele ideal de perfeição
ao qual, num sentido antigo, todos aspiravam” (HALL, 2003, p. 135). Ela, por sua vez, me
pintou à mão livre, sem se preocupar muito com as medidas se preocupando mais com a forma
no geral, e no fim os traços desenhados sem se preocupar com perfeição, saíram bonitos e
harmônicos.
A roupa tradicional é feita de juta66 (figura 31), mas também pode ser usado o algodão
cru (figura 32) ou sementes (figura 33). Geralmente fazem um top e uma saia, mas há quem
prefira vestidos. As mães fazem as roupas das crianças, a pintura da roupa é realizada na escola
que fornece as tintas de tecido nas cores tradicionais, vermelho preto e branco. As crianças

64
A professora Sônia também é cacique da dança das mulheres.
65
Parentes da professora Sônia.
66
Juta é uma fibra vegetal extraída da família das tiláceas. A fibra é transformada em fio e depois em tecido
rústico.
170

maiores vão à escola sozinhas e as pequenas com suas mães para desenhar e pintar as roupas
supervisionadas pela coordenadora que além de auxiliar, relembra as crianças os significados.
O que percebemos é que as crianças aprendem a confeccionar e a pintar as roupas desde
a tenra infância.

Figura 31 - Roupa de juta

Fonte: Acervo da autora (2019).


171

Figura 32 - Roupa de algodão cru

Fonte: Acervo da autora (2019).


172

Figura 33 - Roupa de sementes

Fonte: Acervo da autora (2019).


173

O desenho que parece um triângulo aberto, representam as ocas ou casas das famílias
indígenas como indica figura 34.

Figura 34 - Desenho usado na roupa

Fonte: Desenho de Letícia Luíza Prazeres (2020).


174

Figura 35 - Círculos concêntricos

Fonte: Desenho de Letícia Luíza Prazeres (2020).

Os círculos concêntricos significam uma aliança, uma união ininterrupta, sem fim entre
os povos na promoção da paz, usados nos rostos e nas roupas (figura 35). O vermelho representa
o sangue derramado nas guerras, o preto significa guerra e luto pelos mortos nas guerras e o
branco representa a paz. Sobre a sequência de cores nos círculos concêntricos, há muita dúvida,
não há consenso, uns dizem que o vermelho é a cor por fora, outros dizem ser o preto, mas
todos concordam que no centro é o branco (Informação de entrevista com Albina Cândido,
2019).
A juta fica com a professora Sônia para repartir entre os alunos e adultos da comunidade.
Ela faz a distribuição por ser cacique da dança e por ser coordenadora da escola municipal.
Quando a Sônia começou a distribuir os pedaços de juta para a comunidade, eu a lembrei de
deixar um pedaço para a minha roupa (figura 36), e ela confessou que naquele momento
acreditou que eu iria dançar mesmo. Depois ela me mostrou como fazia, e eu fui costurar minha
roupa, que foi um tomara que caia e uma saia. No dia seguinte nós pintamos a roupa com os
grafismos Terena.
175

Figura 36 - Roupa de juta da pesquisadora

Fonte: Acervo da autora (2019).

Os adornos usados pelas mulheres são colares de sementes, brincos de penas, tiara e
cocar de penas coloridas de todos os tamanhos, braceletes e tornozeleiras de penas (figura 37).
Não são todas que produzem as bijuterias, embora seja ensinada na escola na disciplina de arte
e cultura Terena. Geralmente tem as pessoas certas que fazem esse tipo de artesanato e vendem
para os demais. As sementes mais utilizadas são lágrimas de Nossa Senhora, na cor cinza, as
de pau-brasil que são vermelhas, olho de cabra na cor vermelha e preta, cocos e fibras vegetais.
As sementes são coletadas na mata de cerrado, assim como as fibras e a seda do buriti.
176

Figura 37 - Acessórios

Fonte: Acervo da autora (2019).


177

Com relação aos braceletes, tornozeleiras e cocares de penas, muitos artesãos têm
consciência ecológica e usam penas de galinha coloridas para fazer brincos, mas os cocares são
fabricados com penas de papagaios e araras, pois, é parte da identidade do Terena. Eles deixam
claro que além de não ser uma prática constante não utilizam penas de pássaros em extinção. O
tempo de vida desses ornamentos é longo não sendo necessária a troca constante, além de serem
caros, são guardados de forma que se conservam sendo usados ano após ano. Segundo
Altenfelder Silva (1949) cocares feito de penas amarelas de papagaio eram privativos aos
chefes. Hoje, homens e mulheres usam cocares de diversas cores e modelos, e percebemos que
o cocar é símbolo de status entre os Terena nas festas.
Para dançar eu usei colares de sementes, brincos e tiara de penas que ganhei dos meus
alunos durantes os anos. Embora não tenha confeccionado nada durante a semana do índio de
2019, eu já fiz brincos em oficinas realizadas nas escolas indígenas pelos artesãos da
comunidade em anos anteriores. Além dos adornos tradicionais, as jovens usam maquiagem
como batom, lápis e rímel e todas independentemente da idade usam três riscos nas maçãs do
rosco nas cores branco, preto e vermelho, ou os três círculos concêntricos nas cores tradicionais
da cultura. No ano de 2019, a coordenação da escola resolveu que irá pintar apenas os círculos
para que as crianças aprendam que tradicionalmente o que é esse símbolo.
Originalmente a dança das mulheres tem cinco partes, como se fosse uma peça teatral,
mas poucas vezes são dançadas integralmente, pois se leva muito tempo para ser executada.
Sipúterena é dançada aos pares e por isso se formam duas fileiras (figura 38). Hora os pares
dançam juntas e hora se separam, há momentos em que formam um trio incorporando a parceira
do par de trás, e hora se cumprimentam. As primeiras duas mulheres da fila são chamadas de
caciques da dança (figura 38), elas decidem quantas partes serão apresentadas e são
encarregadas dos ensaios e da organização sequencial dos pares.
178

Figura 38 - Configuração das posições na dança Sipúterena

Fonte: Flávio Cecé (Rede social, 2019).

Na dança das mulheres existem regras de organização, sendo a regra número um a


seguinte: a formação e sequência executada no último ensaio, permanece para o dia da
apresentação. A regra número dois é: quem não sabe dançar fica no final da fila e nesse caso as
crianças ficam lá sob a responsabilidade das anciãs que as organiza e as ensina durante a dança
(Informação de entrevista com Sônia Regina, 2019). A figura 39 mostra as anciãs ensinando e
organizando as crianças durante a dança. Uma das anciãs está de vestido preto, pois estava
enlutada pela filha que havia falecido no ano anterior em decorrência de câncer.
179

Figura 39 - Anciãs ensinando as crianças

Fonte: Acervo da autora (2019).

As anciãs que ainda fazem parte do grupo de apresentação da dança, terminaram os


ensaios sorrindo como se não tivessem feito esforço físico nenhum, enquanto eu estava muito
suada, cansada e com as pernas e costas doendo. É interessante fazer essa observação, pois é
necessária uma boa resistência física para aguentar dançar até o final da apresentação.
É uma dança carregada de significados, com movimentos de levantar e abaixar o tronco
como se fizesse uma reverência aos guerreiros recém-chegados da guerra ou das partidas de
caça e pesca. O professor Seizer, durante suas palestras mencionou acreditar que a dança
sipúterena seja uma forma das esposas mostrarem sua sensualidade para seus maridos, após um
longo tempo separados. Nos passos em que as mulheres se cumprimentam e quando dançam a
três com os braços dados, notamos um nível alto de complexidade em termos de ritmo e
sincronia.
180

Algumas danças nossas, que algumas pessoas não entendem, talvez achem
que a gente esteja pulando, somente reagindo a um ritmo da música, porque
não sabem que todos esses gestos estão fundados num sentido imemorial,
sagrado. Alguns desses movimentos, coreografias se você prestar atenção, ele
é o movi mento que o peixe faz na piracema, ele é o movimento que um bando
de araras faz, organizando o voo, o movimento que o vento faz no espelho da
água, girando e espalhando, ele é o movimento que o sol faz no céu, marcando
sua jornada no firmamento é também caminho das estrelas, em cada uma das
suas estações. Por isso que eu falei a você de um lugar que a nossa memória
busca a fundação do mundo, informa nossa arte, a nossa arquitetura, a nosso
conhecimento universal (KRENAK, 1996, p. 202).

As anciãs dizem que as jovens dançam diferente hoje, pois dançam com o corpo mais
ereto e no passado se dançava com o corpo mais curvado para frente, como se estivessem
fazendo uma reverência67. No passado, as mulheres dançavam para dar boas-vindas aos
guerreiros que chegavam da guerra ou da caçada, hoje, a dança é apresentada em datas festivas
importantes para a comunidade, como já foi mencionado68.
Percebemos que ensinar a dança faz parte do processo de resistência da memória69, pois
é por meio dela que podem lembrar o que tiveram que fazer e passar para estarem aqui hoje. E
para se fazerem presentes, os Terena tiveram que se reelaborar, ressignificar, apropriar,
incorporar, e compreender que a etnia em si é única, e que mesmo atravessados por relações
outras, produzem características próprias do povo Terena (SEIZER DA SILVA, 2016).
Própria do povo Terena é a dança das mulheres, carregada de significados, além de ser
uma saudação de boas-vindas aos guerreiros recém-chegados da guerra, o professor Seizer
teorizou em uma de suas falas, que também poderia ser a esposa sensualizando para seus
maridos, após um longo tempo separados. Mas além de todo esse significado da dança, dos
grafismos e das cores, observamos a paciência das anciãs ao ensinar as mais jovens. Não
importa se as crianças não saibam dançar, é importante participar, pois com o tempo elas irão
desenvolver os passos naturalmente. Não tem certo ou errado, não há ninguém para corrigir ou
exigir que seja certo como em nossa sociedade, na aldeia as coisas acontecem e as crianças
aprendem no seu devido tempo sem correria. Há muita atenção e carinho com elas. “Todo
ensinamento repassado pelos anciões[ãs] ficarão vivos em cada memória destes jovens onde
por sua vez deverá também ser repassado para os[as] futuros[as] guerreiros[as] com intuito de
torná-los[as] grandes líderes [...]” (ALVES, 2016, p. 25).

67
Informações fornecidas à autora por Deonizia Delfino da Silva, em 2019.
68
Informações fornecidas à autora por Deonizia Delfino da Silva e Albina Cândido, em 2019.
69
Resistência da memória é uma expressão usada por Naine Terena de Jesus em sua dissertação de mestrado em
2007.
181

Observamos que o momento de apresentação é um momento de união para mostrar com


orgulho a sua cultura.
A dança durou mais tempo que o ensaiado, ao todo foram quatro partes. A certa altura
da apresentação, eu havia errado o passo, mas me senti totalmente amparada, pois o lema é:
“estamos todas no mesmo barco, acertamos e continuamos”. Aprendi nessa hora, que as
mulheres se unem, mesmo aquelas que por ventura tenham algum problema pessoal. Esta união,
representada pelos círculos concêntricos na roupa e nos rostos, é uma das lições da dança das
mulheres, visto que no passado quando seus esposos estavam caçando ou guerreando, as
mulheres Terena só podiam contar umas com a outras e nessas horas as diferenças eram
deixadas de lado para se apoiarem sem a presença masculina. Essa é uma das lindas lições da
dança, o amparo, o companheirismo. Além das questões sociais, a dança nos proporcionou
pensar e aprender mais sobre as questões ambientais e a utilização dos recursos.
Observamos que 80% dos materiais usados pelas mulheres na dança tem origem na
natureza, como sementes, penas, fibras e tinta. Existe uma relação íntima com a natureza e um
sentimento forte de conservação, ou seja, se preocupam com a utilização sustentável dos
recursos naturais usados em sua cultura.
Um exemplo disso está na fala de Denise Augusto, moradora da aldeia Água Branca,
aldeia vizinha da Lagoinha, ela nos contou que aprendeu o artesanato com seu pai e que também
a ensinou o respeito pela mãe natureza. Sendo assim ela disse que sente a necessidade de pedir
autorização para fazer coletas de sementes, de fibras ou de penas. Pede autorização para as
árvores para coletar suas sementes, autorização das galinhas para pegar suas penas, para que
continue conservando e para que haja proteção. Agradece o chão, as plantas e os animais,
demonstrando para a mãe natureza que ela tem respeito por tudo que ela nos dá, e precisa desse
recurso para a sobrevivência dela.

Pois tudo que é vivo, tudo que é natural tem uma mãe, as árvores são as mães
das sementes, as galinhas são as donas das penas, assim tenho essa
necessidade porque aprendi que precisamos ter esse respeito e autorização
para utilização desses recursos (Entrevista realizada com artesã Denise
Augusto em novembro de 2019).

Para Souza et al. (2015), “o saber ecológico e os costumes tradicionais indígenas de


gestão dos recursos naturais apresentam soluções baseadas não somente em generalidades de
experimentação e observação, mas enraizadas em sistemas locais de valores e significados”, e
quando Denise fala em chão, árvores e animais, percebemos os valores e significados, ela sabe
que há a relação entre os seres e o ambiente físico, interligados pela teia alimentar e ciclos
182

biogeoquímicos que reestabelece naturalmente a vida na Terra. Com a utilização dos recursos,
o lucro que tira em suas peças é usado para seu sustento e de sua família e não para ser
acumulado como prega o capitalismo.
Nesse contexto, a noção de sustentabilidade implica repensar o modo pelo qual a própria
natureza é concebida e, consequentemente, os valores culturais que condicionam as relações de
uma determinada sociedade para com a natureza (JACOBI, 2003).
Sabemos que:

[...] os povos indígenas têm mais do que ninguém consciência da sua


dependência, física e principalmente cosmológica na sua relação com a
natureza, da qual não buscam se afastar, como culturalmente vem fazendo a
lógica da modernidade. Pelo contrário, se sentem e são parte integrante da
mesma, e em função dessa forma de ser natureza, desenvolvem formas de uso
racional da mesma (GUIMARÃES; MEDEIROS, 2016, p. 56).

A respeito do uso racional dos elementos fornecidos pela natureza, trazemos aqui os
irmãos Ailton, Berenice e Airson que trabalham com artesanato. Embora Ailton e Airson
tenham emprego, nas horas vagas fazem artesanato, Berenice só trabalha com isso. Eles fazem
brincos, colares, tiaras, abanicos, cocares, arco e flecha, braceletes e tornozeleiras. Utilizam,
sementes de várias espécies e fibras de buriti (Mauritia flexuosa), palmeira do cerrado de grande
porte que possui folhas dispostas em leque. Sementes são coletadas, folhas de palmeiras são
cortadas e madeira é retirada de maneira sustentável sem agredir a natureza.
183

Figura 40 - seu Leopoldo me ensinando fazer abanico

Fonte: Acervo da autora (2019).


184

As fibras do buriti são usadas para fazer cocar, brincos, colares, etc., devem ser retiradas
pela manhã antes do sol raiar, ainda cobertas de sereno da noite. A umidade do sereno sobre a
folha facilita a retirada da seda70. Airson nos explicou que a seda deve ser tirada, das folhas
mais novas da planta, e trançada para formar o fio e o fio utilizado na confecção das bijuterias.
O clima influencia na confecção do fio de fibra, em dias secos a seda perde a umidade com
muita rapidez devendo ser trançada rapidamente pela manhã antes do clima ficar muito quente
e seco. Os dias chuvosos são melhores para trançar pois a umidade do ar está alta e a seda não
desidrata rápido.
Quando perguntamos sobre as penas dos cocares e de outros adornos, explicaram que
os cocares, tornozeleiras e braceletes são feitos apenas por encomenda, primeiro porque são
caros e segundo porque dependendo da pena exigida sendo mais difícil ou mais fácil de se
encontrar. Berenice nos informou que para fazer brincos, utilizam penas de galinha e as penas
brancas podem ser pigmentadas em cores, de acordo com cada pedido. Se a encomenda de cocar
for de pena verde há necessidade de tirá-las do papagaio, se for azul ou amarelo tem que ser da
arara.
Berenice e Airson explicaram que são encomendas raras pois um cocar pequeno não
custa menos que 150,00 reais e quanto maior e mais enfeitado, maior também será o preço,
dessa forma, apenas os que possuem alto poder aquisitivo encomendam os cocares. Eles nos
contaram que têm respeito pelos elementos da natureza, pois aprenderam com seu pai que
também era artesão. Têm apreço em morar na aldeia e disseram ser um privilégio morar
próximo da natureza. Além de terem essa consciência ambiental passada de pais para filhos,
Airson é graduado em Turismo, tem conhecimento de gestão ambiental e assegura que o recurso
é retirado de forma sustentável.
Os indígenas manejam os recursos naturais de forma sustentável sem causar alterações
que possam ser consideradas negativas.

[...] manejam os recursos naturais de suas áreas ocupadas imemorialmente de


maneira branda, aplicando estratégias de uso dos ambientes naturais de forma
que não alteraram os princípios de funcionamento dos mesmos, da mesma
forma que esses usos não colocaram em risco as condições de reprodução
desses ambientes (GUIMARÃES; MEDEIROS, 2016, p. 55).

As espécies utilizadas como fornecedoras de recursos usados para fazer os adornos para
as festas e rituais de comemoração das sociedades tradicionais não são vistas como mercadorias

70
Chamam de seda a pele fina retirada da superfície da folha do buriti.
185

como na sociedade ocidental. Concordamos com Lima (2007, p. 42) quando afirma que “o uso
social da natureza pelos [indígenas] indica conhecimentos que vêm garantindo a conservação
dos ambientes através das gerações”, pois observamos que o modo de vida do indígena depende
da biodiversidade e possuem um grande conhecimento desses recursos tanto como usar quanto
conservar.
O conhecimento tradicional sobre as técnicas de extração de recursos para confecção de
artesanato dos artesãos indígenas acima citados, são compatíveis com os princípios
estabelecidos na Convenção sobre a Diversidade Biológica e são replicados nas escolas
indígenas, servindo-nos de exemplos de valorização ambiental.
As práticas tradicionais pertencem a grupos diferenciados culturalmente, socialmente e
economicamente que mantêm relações específicas com o território e o meio ambiente em que
vivem mantendo sua sustentabilidade. Segundo o Decreto 6.040, de 7 de fevereiro de 2007, que
institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades
Tradicionais, em seu artigo 3, Inciso I, são eles:

Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que


se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social,
que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua
reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando
conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição
(BRASIL, 2007, s.p.).

Comunidades tradicionais utilizam seu território e recursos naturais de maneira própria,


um jeito de fazer e viver diferente da sociedade ocidental que produzem conhecimentos que são
gerados e transmitidos pela tradição, dentre essas comunidades estão as indígenas.

Para [as] populações indígenas, as atividades produtivas são basicamente para


subsistência. Assim, apresentam forte dependência em relação à natureza e
aos recursos naturais renováveis, os quais são os mantenedores de seu modo
particular de vida. Culturalmente, a natureza representa para os indígenas
muito mais do que um meio de subsistência. Representa o suporte da vida
social e está diretamente ligada aos sistemas de crenças e conhecimentos, além
de uma relação histórica (SOUZA et al., 2015, p. 88).

Cada povo ou comunidade tem sua forma particular de pensar e compreender a natureza
e suas relações, pois isso depende de cada cultura. Para os indígenas, as relações entre os seres
vivos mais os aspectos físicos do meio e os espíritos, compõem o mundo natural ou a natureza.
“Ou seja, não se constitui uma relação de exploração do ser humano com o ambiente, como
ocorre nos moldes capitalistas, mas, sim, de reciprocidade, uma relação de dualidade entre
corpo e alma, corpo e espírito [...] uma relação social” (SOUZA et al., 2015, p. 89). A lógica
186

de exploração do ambiente advém da sociedade moderna, diferentemente das comunidades


tradicionais que têm a natureza como uma extensão do seu corpo e alma, e portanto, a relação
de troca de subsistência e, portanto, de respeito para com a natureza.
Sobre essa exploração do meio ambiente pela sociedade capitalista Kopenawa e Albert
(2015, p. 74) alertam que:

Foi [Omama] que nos deu a conhecer as bananas, a mandioca e todo o


alimento de nossas roças, bem como todos os frutos das árvores da floresta.
Por isso queremos proteger a terra em que vivemos. Omama a criou e deu a
nós para que vivêssemos nela. Mas os brancos se empenham em devastá-la, e,
se não a defendermos, morreremos com ela.

As comunidades tradicionais possuem o entendimento de que a vida depende da


natureza e seus conhecimentos, segundo Lévi-Strauss (2012) são profundos e complexos
dotados de grande potencialidade. Segundo Rodrigues e Santos (2014) a Organização Mundial
da Propriedade Intelectual (WIPO) em 1999 definiu conhecimentos tradicionais como
conhecimentos antigos71, que ainda hoje são praticados e desenvolvidos como, por exemplo, o
folclore, a medicina tradicional, técnicas de extração de recursos naturais, conhecimentos
pertencentes a comunidades que os conservam passando oralmente de geração em geração.
Observamos que o modo de vida do indígena depende da biodiversidade e possuem
grande conhecimento desses recursos tanto como usar quanto conservar. Segundo a Convenção
sobre a Diversidade Biológica (CDB) em seu artigo 8 (j) e 10 (c) temos:

j) Em conformidade com sua legislação nacional, respeitar, preservar e manter


o conhecimento, inovações e práticas das comunidades locais e populações
indígenas com estilo de vida tradicionais relevantes à conservação e à
utilização sustentável da diversidade biológica, e incentivar sua mais ampla
aplicação com a aprovação e a participação dos detentores desse
conhecimento inovações e práticas; e encorajar a repartição equitativa dos
benefícios oriundos da utilização desse conhecimento, inovações e práticas,

c) Proteger e encorajar a utilização costumeira de recursos biológicos de


acordo com práticas culturais tradicionais compatíveis com as exigências de
conservação ou utilização sustentável (BRASIL, 1998b, s.p.).

Os conhecimentos tradicionais das comunidades indígenas são reconhecidos na CDB


pelo uso sustentável da biodiversidade e por isso estimula a preservação desse conhecimento
como também incentiva o uso habitual dos recursos biológicos compatíveis com a conservação
e uso sustentável dos mesmos.

71
Antigo no sentido de existente há milhares de anos e não referente a velho ou ultrapassado.
187

Para Diegues (2000, p. 30) esse conhecimento é:

[...] o saber e o saber fazer, a respeito do mundo natural e sobrenatural, gerados


no âmbito da sociedade não urbano/industrial e transmitidos oralmente de
geração em geração. Para muitas dessas sociedades, sobretudo as indígenas,
existe uma interligação orgânica entre o mundo natural, o sobrenatural e a
organização social. Nesse sentido, para estas últimas, não existe uma
classificação dualista, uma linha divisória rígida entre o natural e o social mas
sim um continuum entre ambos.

Embora as definições apresentadas se aproximem, a de Diegues é mais completa, pois


relaciona o natural, o sobrenatural e o social, não como coisas separadas, mas como algo
contínuo, ligado. O modo de ser, viver e fazer das populações indígenas apresentam grande
conexão e dependência da natureza e seus recursos naturais.
Essa conexão e dependência da natureza e dos recursos aparece na fala de Gersem
Luciano Baniwa quando explica o que os sábios indígenas dizem aos seus jovens a respeito dos
deuses e espíritos dos mitos:

É muito comum os sábios indígenas, ao serem perguntados por jovens


sobre os espíritos, os deuses e outros seres sobrenaturais que existiam
segundo os mitos, responderem que foram destruídos juntos com a
natureza. Em outras palavras, os deuses indígenas não existem sem a
natureza real e concreta. Assim, os índios nunca buscam controlar e
dominar a natureza, mas tão-somente compreendê-la, para que se sirvam
dela com respeito para tirar o seu sustento e a cura para as doenças
consideradas como o resultado da transgressão das leis da natureza e da
vida. Para as comunidades indígenas, a natureza não é um recurso
manipulável, mas um habitat, uma casa, um lugar em que se está e onde se
vive. Para os índios, o território é um lugar sagrado, no sentido de que ele
é o próprio gerador da vida (BANIWA, 2006, p. 103).

A relação do indígena com a natureza está associada ao modo de vida, a cultura e com
as inter-relações existentes, não é uma relação de exploração, mas de reciprocidade de
mutualidade entre corpo e alma, corpo e espírito, corpo e natureza (SOUZA et al., 2015).
Podemos dizer que os povos tradicionais da Amazônia são um exemplo desse tipo de relação,
visto que

[...] são ocupantes dessas terras há milênios e são capazes de conviver


harmoniosamente com a floresta e os demais recursos naturais, presentes no
seu habitat. Assegurando essa afirmativa, Posey (1987) observa que os
estudos etnográficos revelam que as sociedades relativamente autônomas,
como as populações tradicionais mais isoladas da Amazônia, têm relações de
profunda familiaridade com o meio ambiente, do qual dependem para suprir
suas necessidades [...]. A forma econômica mais importante que representa
capital, nessa comunidade, é o conhecimento indígena de como sobreviver no
188

ambiente inóspito das serras, que é passado verbalmente dos mais velhos para
os mais novos (SOUZA et al., 2015, p. 89).

Esses povos ou sociedades tradicionais são considerados culturalmente, socialmente e


economicamente diferenciados. Eles mantêm relações com o meio ambiente respeitando o
princípio de sustentabilidade assegurando as mesmas possibilidades para as gerações futuras
(COORDENADORIA DE INCLUSÃO E MOBILIZAÇÃO SOCIAIS [CIMOS];
MINISTÉRIO PÚBLICO DE MINAS GERAIS [MPMG], 2014). Seus saberes são coletivos e
diversos cada sociedade tem o seu, mesmo aquelas que estão em contato mais próximo com a
sociedade envolvente ainda guardam fortes vínculos com a natureza.
Krenak (2018, s.p.) enfatiza esse vínculo:

Cada igarapé tem um nome, e esse nome é invocação de outros seres, dos seus
parentescos, das narrativas mais antigas que chegam em nossa memória. Isso
que dá sentido para chamar a terra de mãe [...]. Por mais que eles tentem
transformar em estoque fundiário, tirar o sentido de vida que a terra tem, essa
gente que nasceu na terra, e tem a memória da terra não aceita isso. Esperneia,
morre, continua reaparecendo em outros termos, mas continua lutando e
berrando, dizendo que aquilo é a mãe terra. [...]

Krenak se considera um exilado de sua terra, o rio Doce. A colonização expulsou os


indígenas daquele lugar, e ele explica que mesmo não podendo mais habitar seu local de origem,
as narrativas mais antigas ainda o acompanham. Narrativas sobre a natureza e sobre a terra que
sustenta os seres e por isso “mãe terra”.
Para entender essa compreensão essa ligação com a terra (lugar), Tristão (2004) aponta,
é necessário compreender que cultura e meio ambiente não se encontram separados, a cultura é
natureza assim como natureza é cultura. Os seres humanos se organizam em sociedade e
mantém relações com o meio em que vive assim cada grupo constrói sua ideia de natureza
relacionando com sua cultura. A noção de natureza depende da cultura em que ela está inserida,
como hábitos, costumes e valores próprios daquele lugar. O lugar “continua sendo importante
na vida da maioria das pessoas, talvez para todas. Existe um sentimento de pertencimento que
[é] mais importante do que queremos admitir [...]” (ESCOBAR, 2005, p. 63).
Escobar (2005) ainda alerta que nos últimos anos com a euforia da globalização, houve
um enfraquecimento da ideia de lugar, impactando negativamente na compreensão da cultura,
do conhecimento, da economia, da natureza e que talvez agora seja o momento de reverter,
fortalecer a importância do lugar e da “criação do lugar, para a cultura, a natureza e a economia
da perspectiva de lugar oferecida pelos próprios críticos” (ESCOBAR, 2005, p. 63).
189

Com o desenvolvimento na Modernidade, houve um rompimento, para as pessoas, do


lugar. No entendimento de Krenak (2018, s.p.) “qualquer um no seu lugar de origem está
totalmente encaixado, [...]. Mas quando ele é arrancado desse lugar e jogado num outro ponto
qualquer, ele tem que se realocar. Esse desterrado agora vai ter que reinventar ele e seu mundo”.
Mesmo em um lugar diferente de sua origem, a cultura, religião e crenças não mudam, o que
ocorre é uma tradução ao novo ambiente.
Por esse motivo, “as teorias do pós-desenvolvimento e a ecologia são espaços de
esperança para reintroduzir uma dimensão baseada no lugar, nas discussões sobre a
globalização, talvez até para articular uma defesa do lugar” (ESCOBAR, 2005, p. 63). Portanto,
o fortalecimento do lugar, a discussão sobre a cultura local contrária ao domínio de espaço, a
modernidade e o capital, temas do discurso de globalização, podem visibilizar possibilidades
de reconstruir espaços a partir de práticas fundamentadas no lugar (ESCOBAR, 2005).
A etnobotânica, a etnociência e a antropologia ecológica muito se desenvolveram
baseadas nas pesquisas sobre o conhecimento local, do lugar, e os modelos culturais de natureza
(ESCOBAR, 2005). Ainda segundo o autor:

[...] muitas comunidades rurais do Terceiro Mundo constroem a natureza de


formas impressionantemente diferentes das formas modernas dominantes:
eles designam, e, portanto, utilizam, os ambientes naturais de maneiras muito
particulares. Estudos etnográficos dos cenários do Terceiro Mundo descobrem
uma quantidade de práticas significativamente diferentes de pensar,
relacionar-se, construir e experimentar o biológico e o natural. [...] num artigo
clássico sobre o tema, Marilyn Strathern (1980: 174-175) afirma que não
podemos interpretar os mapas nativos (não modernos) do social e do biológico
nos termos de nossos conceitos da natureza, da cultura e da sociedade. Para
começar, para muitos grupos indígenas e rurais, a cultura não fornece uma
quantidade particular de objetos com os quais se possa manipular a natureza
[...] a natureza não se manipula. A natureza e a cultura devem ser analisadas,
portanto, não como entes dados e pré-sociais, e sim como construções
culturais [...] (ESCOBAR, 2005, p. 65).

Nas comunidades tradicionais indígenas, “as plantas, os animais e outras entidades


pertencem a uma comunidade socioeconômica, submetida às mesmas regras que os humanos”
(ESCOBAR, 2005, p. 65). Aos seres vivos, não vivos e supranaturais não constituem domínios
distintos ou separados, as relações sociais abrangem mais que aos seres humanos apenas.
“Vivemos num mundo que não está separado de nós, e nosso conhecimento do mundo pode ser
descrito como um processo de adestramento no contexto do envolver-se com o meio ambiente”
(ESCOBAR, 2005, p. 66). Conforme os registros bibliográficos nos indicam, os indígenas
sempre tiveram em sua gênese, essa relação de continuidade com o meio ambiente, eles se
190

sentiam parte do meio e não como algo separado ou superior, tal sentimento de pertencimento
sempre esteve presente em sua cultura e seus rituais.
Essa forma de viver dos indígenas, fez com que Guimarães e Medeiros (2016)
afirmassem que nesse momento de crise socioambiental em que vivemos, precisamos buscar
novas formas de pensar e agir com o objetivo de transformar a nossa realidade, deixando:

[...] o círculo vicioso e inconsciente de agir (“no automático”), referenciado


pelo paradigma disjuntivo da modernidade, nos abrindo para outras leituras
de mundo que nos inspire na diversidade e vitalize a sermos e fazermos
diferente [...] (GUIMARÃES; MEDEIROS, 2016, p. 53).

Compartilho com as ideias dos autores a respeito da importância do contato com outras
epistemologias no sentido de aprender com a sociedade indígena a relação sustentável que
estabeleceram com a natureza mediante sua cosmovisão e sua cultura. Tal pensamento vai ao
encontro da visão socioambiental de Carvalho (2008, p. 37):

A visão socioambiental orienta-se por uma racionalidade complexa e


interdisciplinar e pensa o meio ambiente não como sinônimo de natureza
intocada, mas como um campo de interações entre a cultura, a sociedade e a
base física e biológica dos processos vitais, no qual todos os termos dessa
relação se modificam dinâmica e mutuamente. Tal perspectiva considera o
meio ambiente como um espaço relacional, em que a presença humana, longe
de ser percebida como extemporânea, intrusa ou desagregadora (“câncer do
planeta”), aparece como um agente que pertence à teia de relações da vida
social, natural e cultural e interage com ela.

Para a EA a reflexão e prática tem que estar orientada para o entendimento do sistema
e funcionamento das organizações sociais buscando soluções políticas para a coletividade. A
EA tem procurado trabalhar a educação numa visão socioambiental buscando ajudar as pessoas
que sofrem injustiças sociais e ambientais. Os conteúdos de EA precisam ser trabalhados por
meio de um diálogo reflexivo abordando assuntos ligados à democracia, justiça, equidade e
cidadania como apontam as Diretrizes da Educação Ambiental.
Leff (2000, p. 24), propõe a “reflexão sobre a prática interdisciplinar fundada em um
saber ambiental”. Guimarães e Medeiros (2016, p. 53) apontam para a “convivência pedagógica
com outras referências epistemológicas, [para] nos fertilizar e semear outras formas de viver
entre nós e com a natureza”.
José Marin (2009) entende que a educação como um território onde seja possível colocar
em prática a interculturalidade a serviço do reconhecimento e valorização de outros sistemas
culturais e Sato, Silva e Jaber (2018) lembram que educação não é realizada apenas nas escolas,
191

mas também fora dela, e ao associar a educação escolar com a educação popular oportuniza-se
a construção de projetos cidadãos na promoção do diálogo intercultural nos segmentos sociais.
Essa educação que almejamos, seja ela ocorrendo no ambiente escolar ou em ambientes
informais, vai culminar na Educação Ambiental que tem como princípios estabelecidos no
Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global
durante a ECO 92. Os Princípios da Educação para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade
Global, mais especificamente o 9º e o 11º que trata da recuperação, reconhecimento, respeito e
utilização da história indígena e outras culturas na promoção da diversidade cultural linguística
e ecológica, mudando o enfoque etnocêntrico. Enfatiza também que a EA valoriza as diferentes
epistemologias produzidas socialmente e tal conhecimento não pode ser patenteado e
monopolizado. Partindo desses princípios a maioria dos autores aqui presentes, apontam para o
caminho do diálogo intercultural na promoção de uma sociedade mais justa, igualitária e
sustentável.
Esse “processo de aproximação e convivência com culturas indígenas, [construindo
uma] postura possibilista, a superação da postura determinista da modernidade cientificista
ocidental, que propala o discurso arrogante de quem detém a verdade” (GUIMARÃES;
MEDEIROS, 2016, p. 54). Essa compreensão do funcionamento da Natureza e do meio em que
vivem é uma grande contribuição dos Terena e dos indígenas em geral, para a humanidade. É
preciso repensar, e mudar as ações, já que o desejo da maioria é permanecer vivo pelo tempo
que der e puder aqui na Terra.

5.3 A educação escolar indígena como referência para a EA

Segundo o Parecer 14/99 do Conselho Nacional de Educação – Câmara de Educação


Básica, até 1988 a legislação foi marcada por um viés integracionista. A nova Constituição
passou a garantir aos indígenas o direito à cidadania plena e ao reconhecimento de sua
identidade diferenciada, sendo obrigação do Estado proteger suas manifestações culturais.
Também foi assegurado aos indígenas uma educação escolar diferenciada, específica,
intercultural e bilíngue (BRASIL, 1996).
Em concordância com a Constituição, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Lei nº 9394/06), garante aos indígenas uma Educação Escolar que respeite as especificidades
das culturas e o seu modo próprio de aprender, admitindo a colaboração dos sistemas de ensino
estaduais e municipais (BRASIL, 1996).
192

Para os povos indígenas a escola foi um instrumento de opressão durante cinco séculos
e ficou registrado na memória oral e nos mitos de muitos povos (BESSA FREIRE, 2004). Mas
essa situação começou a mudar a partir da organização de grupos da sociedade civil que
trabalhavam com as sociedades indígenas na busca de alternativas e formas menos violentas de
relacionamento entre as duas sociedades, a indígena e não indígena (BRASIL, 1999b). A escola
para indígenas passou a ter um novo sentido, pois a partir desse momento buscava-se uma
escola sem negar a identidade e as especificidades culturais.
Como constatado e dito, os indígenas possuem uma forte ligação com a escola, todos os
eventos e reuniões ocorrem na escola. Embora recebam a pressão da Secretaria de Educação
para se fazer cumprir o currículo ocidental, a decisão final é da comunidade. Eles se reúnem
internamente e discutem se aquilo é interessante para seus alunos e comunidade. Caso avaliem
que não, o ensino assim como os métodos e os conteúdos são traduzidos à sua realidade. Como
o papel aceita tudo, os documentos que precisam ser preenchidos para comprovar que seguem
o currículo determinado pelos órgãos responsáveis pela educação, estão sempre certos e de
acordo com o que lhes exigem. Não entrarei em detalhes, deixando a cargo dos leitores a
interpretação do que disse.

[…] transgredir, ressignificar, hibridizar práticas, instituições e formas de


saber/poder, pois a escola ocidental, autoritária, assimilacionista,
homogeneizante, foi ou está sendo transformada num espaço/tempo
significativo para a afirmação das etnias indígenas (BACKES, 2018, p. 15).

Essa transgressão e hibridização dos conteúdos na verdade é respaldada pela Lei de


Diretrizes e Bases (LDB 9.394/96) em seu artigo 79:

A União apoiará técnica e financeiramente os sistemas de ensino no


provimento da educação intercultural às comunidades indígenas,
desenvolvendo programas integrados de ensino e pesquisa.
§ 1º Os programas serão planejados com audiência das comunidades
indígenas.
§ 2º Os programas a que se refere este artigo, incluídos nos Planos Nacionais
de Educação, terão os seguintes objetivos:
I - fortalecer as práticas socioculturais e a língua materna de cada comunidade
indígena;
II - manter programas de formação de pessoal especializado, destinado à
educação escolar nas comunidades indígenas;
III - desenvolver currículos e programas específicos, neles incluindo os
conteúdos culturais correspondentes às respectivas comunidades;
IV - elaborar e publicar sistematicamente material didático específico e
diferenciado (BRASIL, 1996, s.p.).
193

O que na verdade existe é um currículo diferenciado que dialoga com os saberes não
indígenas. E ainda arriscamos dizer que se trata de um diálogo complexo, visto que os saberes
indígenas não são fragmentados e são recheados de conhecimentos de diversas áreas formando
um saber único e conciso. [...] “é possível dizer que eles transformam o encontro com
conhecimentos diferentes em uma possiblidade de fortalecer a sua própria cultura e identidade”
(BACKES, 2018, p. 52). Ao invés de homogenias, como objetivava o currículo monocultural
moderno, o currículo indígena se torna híbrido, no sentido de mistos e diaspóricos
culturalmente, possuindo uma “pluralidade de conhecimentos heterogêneos em interações
sustentáveis e dinâmicas [...] sem comprometer sua autonomia” (SANTOS, 2007, p. 85).
Como estabelecido em Leis, a função da escola indígena é promover o ensino
intercultural e bilíngue priorizando a valorização das culturas dos povos indígenas e a afirmação
e manutenção de sua diversidade étnica. A EA visa o diálogo entre as gerações e culturas com
o objetivo de alcançar uma sociedade justa em nível global, dessa forma, os pressupostos da
EA e da escola indígena se completam em relação à valorização da cultura e diálogo entre as
gerações.

A EA é a tentativa de conciliar esses saberes, provocando a dinâmica


pedagógica de aliar conhecimentos locais e universais, de valorizar o saber
regional sem se despedir dos valores das ciências. Porém esse espaço híbrido
nem sempre é compreendido. Entretanto, somente o risco dessa aventura
intelectual possibilitará à EA uma construção diferenciada na ruptura da
rigidez hierárquica imposta pelas ciências tradicionais (OLIVEIRA JÚNIOR;
SATO, 2006, p. 135).

Guimarães e Medeiros (2016) acreditam que a coexistência pedagógica com outras


referências tem potencialidade para encontrar outras formas de convívio entre seres humanos e
entre seres humanos e natureza.

O exercício destas relações pode-se fazer no processo de aproximação e


convivência com culturas indígenas, desconstruindo a visão hegemônica que
coloca a sociedade moderna como mais e as indígenas como “primitivas”,
inferiores. Assim como a construção da postura possibilista, em superação da
postura determinista da modernidade cientificista ocidental, que propaga o
discurso arrogante de quem detém a verdade (GUIMARÃES; MEDEIROS,
2016, p. 54).

Sobre essa aproximação, articulação de práticas pedagógicas outras mencionada pelos


autores, Hall (2003) acredita que é possível a coexistência sem a unidade de cada uma.

É importante ainda que uma articulação entre práticas distintas não significa
que estas se tornam idênticas ou que uma se dissolve na outra. Cada qual retém
194

suas determinações distintas, bem como suas condições de existência.


Contudo, uma vez feita a articulação, as duas práticas podem funcionar em
conjunto, não como uma “identidade imediata” (na linguagem utilizada por
Marx na ‘Introdução de 1857’), mas como “distinções dentro de uma unidade”
(HALL, 2003, p. 196).

Porto-Gonçalves entende que trazendo os deferentes lugares configurados nesse mundo,


abre espaço para a decolonização do saber que colabora para que diferentes epistemologias
dialoguem e se hibridizem gerando “pensamentos que aprenderam a viver entre lógicas
distintas”, a conviver no meio de códigos diferentes, produzindo interculturalidades (PORTO-
GONÇALVES, 2005, p. 4).
Ao considerarmos que a escola foi criada para os indígenas como uma ferramenta de
dominação, percebemos que eles à estão utilizando como uma ferramenta disseminadora de
valorização da cultura, visto que os professores têm incluído o ensino da cultura no currículo
hibridizando o conhecimento e produzindo interculturalidades como fazem as escolas indígenas
Municipal e Estadual da aldeia Lagoinha.
No passado o médico-feiticeiro era guardião dos mitos, histórias e outros saberes
(ALTENFELDER SILVA, 1949), mas a partir do momento que a educação escolar foi
implantada nas aldeias, essa função passou a ser da escola, com foco no conhecimento
ocidental.
Descobrimos nas entrevistas que atualmente os guardiões das histórias, mitos, e saberes
tradicionais, são os anciões das aldeias. Além dos conhecimentos científicos da cultura
ocidental ensinados nas aulas, os professores estão chamando os anciões para contar histórias,
mitos e saberes tradicionais Terena para as crianças, com objetivo de não apenas valorizar sua
cultura, mas também valorizar os anciões como os detentores desses conhecimentos na
atualidade.

Minha avó gostava de contar muito lenda essas coisas, mas só que eu não
guardei eu era muito pequena, mas lembro que ela contava várias lendas,
várias histórias assim. Hoje são os avós que contam as histórias. (Entrevista
realizada com a diretora da escola municipal, Cristiane Marques em janeiro
de 2019).

Délio: não, porque todos os dias meu avô, pai da minha mãe, e minha avó
Margarida Moreira, que é considerada fundador dessa aldeia aqui. Era
precioso essa hora, era a hora de tomar mate de manhã cedo, todos os netos
tinha que ir lá pra assistir a roda de conversa, pra passar as boas maneiras pra
gente e ouvir histórias, ai depois eu ainda vivi esse tipo de coisa com meu avô
(Entrevista realizada com professor Délio Delfino, em fevereiro de 2019).
195

Segundo a coordenação da Escola Municipal Indígena Marcolino Lili, geralmente os


anciões fazem esse trabalho em conjunto com a escola e na semana de comemoração ao dia do
índio é intensificado. Os conteúdos ocidentais não são dados, priorizando a cultura e
significados que envolve o assunto como: tinta, grafismo, música, danças, histórias, ervas
medicinais, comida tradicional, artesanato, brincos, colares, cocar, etc.
Segundo a coordenadora Sônia Regina Soares Marques Delfino, a contação de histórias
Terena nos anos iniciais e finais é uma prática comum dos professores, visto que 99% dos
professores são indígenas, apenas a professora de inglês não é indígena.
No ano de 2019, um projeto anual, foi desenvolvido com os estudantes dos anos iniciais,
onde tiveram a oportunidade de aprender com a dona Odete (72 anos) o manuseio do tear na
fabricação de mantas, com a dona Nilza 68 anos, professora aposentada, aprenderam as
brincadeiras antigas. Com os professores pedagogos Délio Delfino e Matilde Miguel (faixa de
60 anos), o professor de Educação Física Luiz Fernando Delfino (47 anos), o professor de
História Fernando Moreira (40 anos), ouviram semanalmente histórias Terena e sobre o
passado. As crianças dos anos iniciais ouvem as histórias e depois desenham, recontam e fazem
redações sobre o assunto contado, as crianças dos anos finais fazem redações sobre as histórias.
Não é contada a história do Brasil dos livros didáticos, e sim a versão indígena, sendo
uma prioridade no ensino de história. Todos os professores falam Terena e são incentivados
pela direção e coordenação para falar frequentemente a língua materna em sala de aula para que
os alunos acostumem.
Duas brincadeiras Terena que as crianças aprenderam na escola foram a liki-liki
(onomatopeia, som de fazer cócegas) e marékoti xúpu (arrancando mandioca), contou a
coordenadora Sônia.
Na brincadeira Liki-liki, as crianças fazem fila. Ficam lá na ponta, aí começa do último
tem que passar por baixo das pernas das crianças que estão na frente delas, vai passando, quando
sair lá na ponta, por exemplo, eu ficava lá na ponta, aí eu tinha que dar cosquinha (liki-liki) no
pescoço delas. Quem ri fica em um lado e quem não ria fica do outro lado, aí depois a gente
contabiliza quem que é o time que ganhou, os que riram ou os que não. As crianças se divertem
muito.
Na brincadeira marékoti xúpu, as crianças ficam sentadas encaixadas umas nas outras
enfileiradas. A primeira criança fica agarrada numa árvore e as outras as atrás dela, uma
agarrada na cintura da outra. Uma criança será o arrancador de mandioca, que vai tentar arrancar
a última criança da fila. Se conseguir, continua arrancando todas as mandiocas. A brincadeira
gera muita rizada e diversão.
196

No mundo existem diversas formas de conhecimentos, conceitos e critérios sobre vida,


espírito e sociedade. A valorização da existência de conhecimentos populares, da pluralidade
de conhecimentos é uma forma de superar o pensamento moderno. Para Santos (2007), as
sociedades indígenas possuem a sua própria ciência, a sua própria sistematização.
As práticas e políticas da EA têm a necessidade de serem ressignificadas. É necessário
viabilizar formas de enfrentamento e lutas de grupos vulneráveis e promover o diálogo
equitativo de epistemologias e políticas (KASSIADOU et al., 2018).

[...] a EA crítica dialoga substancialmente com as premissas que envolvem o


campo da decolonialidade, pois possibilita revelar as condições de
expropriação dos recursos ambientais e de grupos mais vulnerabilizados,
ressaltando os determinantes sociais que influenciam as condições reais e
objetivas de vida (KASSIADOU et al., 2018, p. 47).

Dessa forma, se a EA crítica dialoga com a decolonialidade, é preciso buscar formas de


visibilizar grupos e povos historicamente subalternizados, injustiçados e descriminados pelo
colonialismo. A EA precisa buscar nesses grupos os saberes que possam auxiliar a construção
de uma sociedade mais justa e igualitária com relação a exploração da natureza (KASSIADOU
et al., 2018). Como já discutimos, são os interesses do capitalismo que determinam a relação
com a natureza.
Dessa forma, a Educação Ambiental que buscamos nesta tese é decolonial, que valoriza
outras epistemologias, outras formas de conhecer e entender o mundo. Entendemos que o
educador ambiental nessa perspectiva decolonial, tem como obrigação e desafio, conhecer a
cultura dos povos indígenas, suas cosmovisões e a sua relação com a natureza tanto na dimensão
física quanto espiritual, e incorporar esses conhecimentos no ensino da EA como propõe os
princípios 9 e 11 do Tratado de Educação Ambiental para as Sociedades Sustentáveis e
Responsabilidade Global.
A educação escolar indígena que retratamos aqui é um exemplo a ser seguido pela
Educação Ambiental, pois é resistente e subversiva, indo contra a corrente do sistema
hegemônico ocidental, por meios de atos de rebeldia e enfrentamento, o que caracteriza o
conceito de decolonialidade.
197

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreendemos que a Educação Ambiental nasce de uma crise originada pela


compreensão moderna e racional sobre a natureza, onde o ser humano autônomo e racional
passa a compreender a natureza livre de dogmas religiosos culminando na ciência ocidental, na
fragmentação do conhecimento e no capitalismo que resulta uma sociedade altamente
consumista gerando muitas degradações ambientais. A história tem nos mostrado que nosso
modelo de sociedade tem sido destrutivo à nossa própria espécie fazendo-nos repensar nosso
estilo de vida e buscar soluções em outras formas de viver. As atenções têm sido voltadas para
a forma sustentável de viver das comunidades consideradas tradicionais, pois possuem outros
valores.
Buscamos compreender o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades
Sustentáveis e Responsabilidade Global, durante a ECO 92, como um chamado para que as
pessoas, de forma individual ou coletiva, cuidassem do meio ambiente. Fundamentada nessas
compreensões a Educação Ambiental (EA) tem produzido narrativas de valorização dos saberes
das comunidades tradicionais, com esse intuito de conhecer, respeitar e refletir a história
indígena e culturas locais e isso nos levou a aprender, apreender mais da cultura Terena e
verificar a relação dos saberes tradicionais com o meio ambiente em que vivem.
Consideramos que a teoria pós-colonial nos foi relevante na reflexão sobre passado, as
relações de poder do império sobre a colônia, e em nosso caso, os aspectos ambientais, já que
éramos uma colônia de exploração de recursos naturais e minerais. Compreendemos as relações
culturais/ambientais e as relações de poder criadas nessa relação de exploração e como a EA
pode aprender com culturas outras para disseminar na cultura ocidental outras formas de viver
sustentavelmente. A teoria pós-colonial também nos ajudou na compreensão da colonialidade
imposta sobre as comunidades indígenas, subalternizando-os em relação à sua cultura em todos
os aspectos, mas prejudicando-os principalmente na questão territorial e religiosa.
Observamos que as comunidades indígenas Terena, apesar de terem sofrido com o
processo de assimilação, aparente diluição cultural devida a imposição de novos hábitos e terem
tido uma grande perda de território com as ondas humanas de colonização do estado de Mato
Grosso do Sul, se traduziram, se hibridizaram, se apropriaram de novos conhecimentos e os
ressignificaram usando-os como mecanismos de diálogo, negociação e alianças políticas,
características que são entendidas como táticas de resistência e sobrevivência. Caso não
198

negociassem72 algumas imposições, hoje não estariam aqui para nos brindar com seus
conhecimentos.
Observamos uma diversidade de conhecimentos, saberes, de epistemologias nas
relações entre os indígenas e natureza. Eles percebem os lugares como ambientes produtores de
ensinamentos de pensar e estar no mundo. As comunidades tradicionais observaram e
compreenderam a biodiversidade com a qual conviviam, e por meio dessa compreensão
desenvolveram práticas e técnicas sobre os recursos. Esses saberes são o resultado de traduções
para sobrevivência que influenciaram sua cultura e seu ambiente.
Consideramos, à luz do Grupo Modernidade/Colonialidade, que as narrativas contadas
pelas comunidades tradicionais a partir das histórias e mitos, enfim sua cosmologia, são
valiosas, no sentido de compreender o respeito pelas relações e inter-relações de
interdependência com os outros seres vivos e não vivos (físicos e espirituais). É uma lógica
diferente a sua visão de mundo e de vida, que promove a sustentabilidade em seus espaços de
vivência e convivência, seus lugares de cultura. Verificamos em seus rituais, histórias e mitos,
um forte vínculo com a natureza, o lugar, a origem e tradições. Os mitos falam da importância
do solo, do fogo, da água, das plantas, dos animais e da religião na vida do Terena. A
proximidade, a ligação do indígena com a Natureza é fundamentada também em sua religião
original, onde seu xamã tem acesso ao natural e sobrenatural para resolução dos problemas
sociais, espirituais e físicos, como doenças.
Embora a presença de outras religiões (ocidentais) tenha colocado a religião ancestral
de lado, esta não foi esquecida e muito menos deixou de ser praticada. A religião ancestral por
ser mal vista por essas outras religiões, é praticada de forma velada, silenciosa, invisível aos
olhos forasteiros, uma forma de resistência. Já as religiões ocidentais passaram a serem
lideradas por indígenas que flexibilizaram suas regras e criaram uma religião hibridizada, na
forma Terena de ser, valorizando e levando sua cultura para dentro dos cultos, embora ainda
haja opiniões polarizadas sobre isso ser bom ou ruim.
Outra instituição ocidental, a qual os Terena dominam, são as escolas, vistas no passado
como um instrumento de opressão, foi modificada passando a ter um novo sentido, o de
valorizar a identidade e as especificidades culturais, visto que os professores têm incluído o
ensino da cultura no currículo hibridizando o conhecimento, produzindo interculturalidades e
construindo um currículo diferenciado que dialoga com os saberes não indígenas.

72
A história Terena nos mostra que toda aceitação foi hibridizada, ressignificada e negociada, sendo realizada do
jeito Terena e não do jeito do colonizador.
199

Suas práticas culturais e pedagógicas estão cheias de conceitos biológicos e ecológicos


que podemos empregar na discussão de uma Educação Ambiental decolonial. Decolonial no
sentido de entender que a nossa cultura e nossa forma de entender o mundo (ocidental,
hegemônico) não é única e nem a melhor. As práticas culturais são uma forma de resistência e
fortalecimento de suas identidades. Compreender tais relações parece ser um caminho a ser
trilhado no sentido de refletir e debater soluções para a crise ambiental herdada da Ciência
Moderna.
Ponderamos que as comunidades Terena se relacionam com o meio ambiente de forma
sustentável, pois em seu modo de vida ainda praticam técnicas sustentáveis aprendidas no
decorrer das gerações como a coivara, fazem a rotação de cultura, e se orientam nas fazes da
lua. Todo recurso natural utilizado no artesanato ou em construção como a madeira tem a hora
e o dia certo de retirada, numa fase lunar específica, a qual acreditam que a mesma durará mais
às intempéries climáticas e ações de cupins e brocas de madeira. Fazem uso comum da terra e
dos recursos naturais que lhes restou em seu território. Se orientam pelo comportamento dos
animais para dizer se o ano será chuvoso ou não. Baseado nas chuvas e nas floradas, sabem se
terão uma boa colheita ou não. Suas histórias e mito estão todos relacionados a elementos da
natureza, água, fogo, terra, ar, animais e plantas, assim como possuem seus guardiões para
proteger na natureza. Se referem à natureza como mãe provedora da vida, reconhecem que a
vidas está associada à mata estar em pé, e percebem e explicam a conexão existente entre solo,
vegetais animais, insetos e seres humanos.
Baseada nessa percepção, nossa pesquisa produziu uma compreensão da relação de
conexão e respeito dos indígenas Terena da aldeia Lagoinha, com a natureza, implícitas no seu
estilo de vida e em seus mitos nos levando defender nossa tese inicial de que os saberes
tradicionais da etnia Terena podem e devem ser utilizados no desenvolvimento de uma
Educação Ambiental decolonial.
A Educação Ambiental é entendida como um processo onde os indivíduos constroem
valores sociais, habilidades e conhecimentos para pensar a conservação ambiental para uso
comum e sustentável pela população, e essas características observamos no estilo de vida dos
Terena, dessa forma, afirmamos que nós educadores ambientais precisamos considerar que os
saberes tradicionais podem contribuem nas reflexões sobre como entendemos e enxergamos a
natureza e o quanto nossas ações culturais estão interferindo negativamente no ambiente.
Dessa forma, como educadores ambientais, devemos olhar para a cultura indígena como
fonte de aprendizagem, na construção de uma EA decolonial, um espaço dialógico e de inclusão
200

que não tem objetivo de julgar, mas sim compreender a pluralidade de pensamentos outros, de
culturas outras, em colaboração com a manutenção e sustentabilidade planetária.
A experiência de estar e aprender com os Terena da Aldeia Lagoinha foi ímpar para meu
crescimento enquanto profissional, enquanto pessoa, enquanto mãe, enquanto família.
Compreendi o que é viver em comunidade, no sentido real da palavra. Na aldeia não há nada
particular, tudo comunitário, os bens materiais são compartilhados sempre que há necessidade.
Reuniões são realizadas, para que as decisões sejam tomadas em prol de todos. Os produtos da
roça são disponibilizados para toda a família, independente de quem plantou. Tudo ocorre pelo
bem comum de todos na aldeia. Se isso não é Educação Ambiental, nós ocidentais ainda
sofreremos muito com as consequências ruins de nossa cultura egoísta e gananciosa.
Não desejamos finalizar, apenas colocar uma vírgula na história ambiental dos Terena,
pois ainda há muito a ser escrito, ou por mim ou por outros pesquisadores que se engajarem
nessa linha de pesquisa. Aproveito as palavras finais dessa etapa para agradecer a todos que
participaram da pesquisa, à comunidade da aldeia Lagoinha, por me acolherem com carinho me
proporcionando uma grande experiência de aprendizagem.
201

DESPEDIDA

A humanidade necessita entender, Alteramos a superfície,


que destruindo a Natureza, exploramos tão profundo,
Gaia perde a beleza, violamos, exaurindo,
e pode com todos zangar. toda riqueza do mundo.
Sacudirá suas pulgas,
como um cachorro de rua, Seguimos por um caminho,
quando precisar coçar. não sabendo bem, pra onde?
tratamos este planeta,
Ela prossegue girando, como se houvesse outro bonde
parecendo acelerada,
aos poucos esquentando, Mais cinquenta ou cem anos,
está se sentindo alterada.. quanto tempo ainda nos resta?
Gaia ficará nervosa,
E nós de forma passiva, terminará essa festa.
não percebemos ainda,
tão rápido isso acontece. Viajando livre no Universo,
Recursos jogamos fora, o rastro de gente na Terra,
junto a fauna e a flora, tempo vai apagar.
só o lixo permanece. Não haverá mais humanos,
esses, cometeram enganos,
Passamos ano após ano, não souberam preservar.
trabalhando ao progresso,
tudo é mal distribuído,
há desperdício no excesso. (Autor desconhecido)
202

REFERÊNCIAS

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