Elba Monique Chagas Da Cunha PDF
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RECIFE – 2013
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Recife – 2013
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Ficha catalográfica
CDD 981.34
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5
AGRADECIMENTOS
Nesta fase da escrita, tão importante como qualquer outra deste trabalho, é o momento
de tornar público todo o apoio e incentivo que tive durante esta caminhada.
Agradecer acredito que seja uma de nossas mais necessárias obrigações, sendo
também uma das tarefas mais delicadas. Isto porque ao longo de nossa jornada encontramos
tantas pessoas que ajudaram de forma mais direta que acabamos negligenciando as que
tiveram uma participação menos óbvia. Assim, gostaria de agradecer a estas pessoas: amigos,
familiares, colegas e os mais diversos profissionais que cruzaram meu caminho, bem como
aos professores que de diversas formas, com discussões em sala de aula, conselhos, estímulos,
sugestões e críticas, deram suas contribuições a este trabalho e ajudaram a produzi-lo.
A minha família agradeço pelo apoio e incentivo incondicional que tornou possível
minha formação acadêmica, principalmente a minha mãe Maria do Carmo Chagas da Cunha,
um dos meus alicerces, pelo amor, dedicação e força. Ao meu pai, Antônio José da Cunha,
meu outro alicerce, pelo exemplo de ser humano e por ter me dado todo apoio que um pai
possa dar a um filho. Minha irmã Elva Millena, pela coragem e garra. A minha tia Maria José
pelo exemplo, fé e força.
Falando em família, não posso deixar de falar daquela que vamos construindo ao
longo da vida. Aquela formada por amigos que com o passar do tempo se tornam essenciais à
nossa caminhada. Começando por aqueles que acompanham minha jornada desde menina, a
Elma, que sempre me deu força e apoio às minhas decisões. Suellen (amiga e Tia Su), uma
fortaleza, coragem e porto seguro; a mamãe Aline, uma mulher forte e independente; a futura
mamãe Gerlaine, pela força, gentileza e coragem. Um trio que me acompanha desde a
adolescência, com elas aprendi a ser a pessoa que sou hoje. A Roberta, Kayro, Andreza,
Anderson, Jim “os faxa” companheiros muito amados e sempre à postos quando solicitados.
Estes amigos com certeza tornam meu fardo mais leve.
encanta; a Rodrigo Marinho, pela amizade construída ao longo dos trabalhos de campo; ao
mestre César, amigo, compreensivo e sempre gentil e a Pollyanna Calado pelo apoio tático
necessário à defesa do trabalho.
Sou muito grata aos meus amigos da graduação, Emmanuelle Valeska, Bruno Melo,
Vittor Prestrelo, Gustavo Mendonça, que compartilharam de muitas angustias, noites em claro
e conversas on line, num verdadeiro mutirão para conseguirmos alcançar nossos objetivos,
são pessoas queridas, amigos que levarei sempre comigo.
A Josué Lopes um agradecimento mais que especial pelo carinho, apoio, incentivo,
contribuições, cumplicidade e por sempre estar ao meu lado, sempre me apoiando seja qual
for a situação. Mais que um amigo se tornou um irmão.
Agradeço à minha orientadora a Profª. Drª. Suely Cristina Albuquerque de Luna, que
foi quem primeiro acreditou no meu potencial acadêmico, que além de orientar, rompe com as
barreiras profissionais, aconselhando também na vida, me apoiando e dando o tempo
necessário para a conclusão deste trabalho. Da mesma forma quero agradecer a Profª. Drª.
Ana Nascimento e ao Prof.º Drº. Osvaldo Girão, pelas dicas, incentivo, confiança e apoio
necessários, que tanto acrescentaram à minha formação.
A Prof.ª Dr.ª Fátima Lopes (UFRN) agradeço pela leitura crítica do texto e pelas
sugestões para a finalização deste trabalho. Da mesma forma agradeço ao Prof. Dr. Edson
Silva (UFCG) sempre disposto a me ajudar na pesquisa, com questionamentos, indicações de
leitura e disponibilização de material. Uma pessoa muito querida, que além da ajuda
profissional, também me ajudou muito com conselhos e conversas num momento bastante
delicado por qual passei. Maria da Penha, este agradecimento também se estende a você,
muito obrigada pela força e pelos conselhos.
A CAPES/ CNPQ, agradeço pela bolsa de pesquisa, o que viabilizou a realização deste
trabalho.
UFRPE, aos funcionários dos arquivos e bibliotecas que foram uma ponte na busca para
elucidar nossas inquietações. A professora Maria Lana, ao professor Lucas Silva agradeço
pela paciência, compreensão, apoio e carinho.
Por fim e não menos importante, agradeço a Lucas Michel, Nilde, Marcus, Mariinha,
Anne. Pessoas que cruzaram meu caminho, mas por força do destino tiveram que seguir outra
trilha, sempre me lembrarei com carinho dos momentos que tivemos juntos, sem dúvida
foram muito importante para minha formação tanto acadêmica quanto pessoal.
RESUMO
Em meados do Século XVIII, houve uma mudança na política planejada por Francisco Xavier
de Mendonça Furtado, Governador de Grão-Pará do Maranhão junto com a Coroa Portuguesa
para os indígenas que foi compilada em uma única lei conhecida pela Historiografia pelo
Diretório dos Índios ou pelo Diretório Pombalino. Estudiosos apontam que as reformas
pombalinas no Brasil tinham basicamente três pontos fundamentais: o econômico, o político-
administrativo e o cultural-pedagógico. Na Capitania de Pernambuco, além destes três
objetivos, o Diretório foi responsável por trazer a “paz” e “tranquilidade” aos incultos sertões
que, apesar de ser considerada uma região pecuarista integrada as principais atividades
mercantis coloniais, não usufruía da estabilidade e tranquilidade almejada pela sociedade e
pela Coroa. Nesse período, têm-se notícias de grupos indígenas como os Paraquió, Xocó,
Mangueza, Pipãe, dentre outros, causando destruição a fazendas de gado da região, gerando
pânico e instabilidades para as vilas e povoados. Estas incursões indígenas serviram como
justificativa para a implantação da nova política indigenista que visava incorporar e/ou
reincorporar os índios em aldeamentos estabelecidos, transformando-os em vilas controladas
pelo Estado.
ABSTRACT
In the middle of eighteenth century, there was a politics change that was planned by Francisco
Xavier de Mendonça Furtado, the Governor of Grão-Pará do Maranhão between Portuguese
crown to the Indians that was considered in a single law which is knowed for the
historiography for the Indians Directory or for the Pombalino directory. Some studies show us
that pombalinas reforms in the Brazil have basically three points: economic, political-
administrative, cultural-teaching. In the captaincy of Pernambuco, furthermore theses three
aims, the directory was responsible for bring “peace” and “stillness” to the unrefined
backwoods that was considered a cattleman region linked with the main colonial mercantile
activities, did not enjoy stability and tranquility desired by society and crown. In this period,
there are news about Indians groups like: Paraquió, Xocó, Mangueza, Pipãe and others,
causing destruction to cattle farms of the region, creating panic and instability in the towns
and villages. These Indian incursions woks like a strategic to the implantation of the new
Indians politics that view incorporate or reincorporate the Indians divided in villages
established, become this villages controlled by the government. At this assignment we will
discuss the process of implantation of new Indian politics trying to understand how the
natives living with the social force that tried to control them with this news politics and how
the backwoods of Pernambuco become ,from the action of this Indians that participated of the
change, making conflicts and alliances like a resistance way, as well as understand the process
of developed of people already organized in villages had helped in the implementation of the
new guidelines.
Key-words: Indigenous politic pombalina; Indians history; Captaincy of Pernambuco
11
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 12
CAPÍTULO 1 – (RE)INVENTANDO MUNDOS: rupturas e permanências na política
indigenista colonial. .................................................................................................................. 25
1.1 – A missão como alicerce da política indigenista .......................................................... 26
1.2– Conflitos no espaço colonial: colonos, missionários e indígenas. ................................ 36
1.3 - Eis que sai de cena a Igreja e sobe nos palcos o Estado: o Diretório dos Índios ......... 43
INTRODUÇÃO
O que possibilita uma construção de uma narrativa histórica? Quais relatos do passado
são possíveis? O que o fazer historiográfico permite e não permite?1. Ao ler Certeau
encontramos respostas que nos levam a refletir que o historiador produzirá uma narrativa
intimamente ligada ao seu tempo, suas intencionalidades, suas necessidades. Assim, a
(re)escrita da História torna-se algo necessário e inevitável, devido a especificidades de cada
momento e dos objetos de estudo que os indivíduos selecionam no seu presente, relacionando
este conhecimento com seu passado.
1
CERTEAU, Michel. A operação historiográfica. In: A escrita da História. Rio de Janeiro, Forense
Universitária, 2007, p. 45
2
REIS, José Carlos. As identidades no Brasil: de Varnhagen a FHC. Rio de Janeiro: Editora FGV, v.1, 2000,
p. 26.
3
Idem, p. 12
13
tomamos como base o estudo de José Carlos Reis sobre a formação do Brasil4.
Nossa escrita se inicia no Século XIX, já que foi neste período que a História viveu
sob a hegemonia do cientificismo metódico, que adotava uma série de procedimentos e
métodos buscando regras universais, com o intuito de tornar o conhecimento histórico em
uma ciência. Influenciada pela visão Positivista e pelo processo de profissionalização, esta
História metódica anunciava uma concepção do fazer historiográfico caracterizado também
pela sucessão linear dos fatos. Nesta perspectiva, cabia, ao historiador, a tarefa de
reconstrução dos fatos através dos documentos escritos.
No Brasil, esta influência europeia chegou através dos intelectuais ligados ao Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), criado em 1838, que tinha por finalidade e objetivo
metodizar, construir e guardar os documentos históricos, fatos relevantes e sujeitos
considerados importantes, que ajudassem a construir uma identidade coletiva para aquela
nação recém-criada, além de visar conhecer geograficamente todo o território. Assim, o
Instituto lançou um concurso para escolher a melhor forma de se produzir a História nacional.
O projeto vencedor foi “Como se deve escrever a História do Brasil”, escrito por Karl Philipp
Von Martius.
Seguindo este texto, Francisco Adolfo de Varnhagen, que era sócio do IHGB,
escreveu, utilizando uma grande quantidade de documentos coloniais, uma história
sistemática em uma visão totalizante da formação da nação brasileira. Nas primeiras páginas
de sua obra, ele abordou o indígena brasileiro, descrevendo os seus costumes considerados
bárbaros; a localização e distribuição geográfica de alguns povos, concluindo que “de tais
povos na infância não há história: há só etnografia”5. Assim, para este autor, a História do
Brasil claramente só começou quando os portugueses aportaram nestas terras.
Para além de povos sem história, no Século XIX, os indígenas também foram
classificados como povos sem futuro devido à Teoria do Evolucionismo que enquadrava as
sociedades humanas em categorias, dentre elas os povos americanos, considerados primitivos,
fatalmente não sobreviveriam. Esta visão ficou também impregnada na historiografia
nacional, e teve sua sentença dada com Martius que escreveu “não há dúvida: o americano
está prestes a desaparecer. Outros povos viverão quando aqueles infelizes do Novo Mundo já
dormirem o sono eterno”6.
4
Ibidem
5
VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História geral do Brasil [1854]. São Paulo: Melhoramento, 1978, p. 30.
6
MARTIUS, Carl Friedrich. O Estado de Direito entre os autóctones do Brasil. São Paulo: Melhoramento,
14
Na década de 1930, Sérgio Buarque de Holanda e Gilberto Freyre, nas suas produções,
evidenciaram a permanência das características da perspectiva metódica utilizada para
organizar a história indígena na historiografia brasileira. De certa maneira, o índio foi
apontado como povo fraco e fadado de fracasso e extinção, legitimando e formando no
imaginário coletivo uma visão negativa do indígena.
1982, p. 70
7
SILVA, Edson Hely. O lugar do índio. Conflitos, esbulhos de terras e resistência indígena no Século XIX:
o caso de Escada-PE. (1860-1880). Recife: UFPE, 1995 (Dissertação de Mestrado em História).
15
História.
A partir da década de 1970, aquela velha tese do desaparecimento dos índios no Brasil
começou a ser contestada graças às mudanças teóricas e metodológicas do movimento dos
Annales que provocou uma renovação na produção historiográfica nacional. Os trabalhos
acadêmicos superaram a estrutura de História voltada para a política, os estadistas e heróis
nacionais. Entrou em cena, então, a chamada “História vista de baixo” destacando as
vivências, experiências e a vida social das pessoas comuns, possibilitadas, inclusive, pelo
diálogo entre a Antropologia e a História.
Este inovador debate trouxe aspectos relevantes que alargaram os horizontes de análise
para ambas. Na Antropologia, o interesse pelos processos de mudança social possibilitou,
conforme mostrou Manuela Carneiro da Cunha, “perceber no desenrolar dos povos ágrafos a
dialética entre a estrutura e o processo; do outro, a necessidade de perceber, naquilo que
propriamente se poderia chamar de etno-história, a significação e o lugar que diferentes povos
atribuem à temporalidade”8. Na História, os historiadores passaram a valorizar os
comportamentos, as crenças e as vivências das pessoas comuns, possibilitando outros
conceitos para as suas análises. Isto significou para a historiografia sobre os índios uma nova
postura, um novo olhar, que segundo John Manuel Monteiro tinha por objetivos, “recuperar o
papel histórico de atores nativos na formação das sociedades e culturas do continente, não se
esquecendo de repensar o significado da história a partir da experiência e da memória de
populações que não registraram – ou registraram pouco – seu passado através da escrita”9.
Elizabeth Lago, João Pacheco de Oliveira, Manuela Carneiro da Cunha dentre tantos outros,
foram pioneiros neste sentido, e têm colocado o índio como agente ativo da e na História,
capaz de tomar atitudes importantes que mudaram tanto o rumo da história dos seus grupos,
como também dos colonizadores que por aqui passaram. Porém acreditamos que este é um
tema que ainda tem muito por revelar devido a sua dinâmica extremamente fecunda.
Nosso estudo sobre o Diretório dos índios na Capitania de Pernambuco está voltado
para o Sertão que, como veremos, era um espaço onde, em meados do Século XVIII, as
relações coloniais ainda não estavam totalmente dominadas pelos colonos, causando conflitos
e incertezas. O recorte temporal é justamente o período em que a lei esteve em vigor, por ser
de nosso interesse entender o primeiro impacto de implantação e repercussão da lei para as
comunidades indígena e colonial, como um todo.
Esta nova jornada tem, então, como objetivos continuar os estudos já realizados que
buscaram (re)ver a temática indígena, sob uma nova ótica, ampliando o leque de discussões
para além da fórmula clássica “europeu + índio = massacre/aculturação”; buscar, além de
aprofundar informações sobre as implicações que as leis pombalinas trouxeram para as
populações indígenas; atentar para as particularidades das relações que a legislação previa
principalmente para os sertões da Capitania de Pernambuco. Desta forma, estudar as ações,
metamorfoses e estratégias desses índios coloniais utilizadas para sobreviverem na nova
ordem social, também são focos de nosso estudo. Somando a esta discussão, procuraremos
observar a atuação das forças indígenas e da Coroa no controle e administração desses
10
CUNHA, Elba Monique Chagas da. Revisitando a História dos grupos indígenas no litoral da Capitania de
Pernambuco”. Recife: UFRPE. 2010 (Monografia de conclusão de curso).
17
“novos” lugares de índios, bem como na manipulação de ações que procuraram assegurar a
liberdade e sobrevivência dos nativos no espaço colonial.
Ao longo de nossa Graduação, pela qual tivemos contato com uma bibliografia básica
sobre o assunto e tendo acesso a documentos encontrados nos arquivos referentes ao nosso
objeto de estudo, percebemos que há ainda muito a ser explorado sobre a temática indígena,
especificamente sobre o impacto causado pela política pombalina nas comunidades nativas da
capitania de Pernambuco e as variadas ações produzidas a partir deste Diretório.
Maria Regina Celestino de Almeida defendeu que a associação com os portugueses
teria representado para as populações nativas um prejuízo menor diante das inúmeras
identidades existentes no universo colonial, por exemplo, a condição de índios aldeados, se
lhes afiguraria melhor que a de escravo. Além do mais, a autora aduz que os europeus traziam
consigo instrumentos e técnicas que se tornaram objeto de desejo dos indígenas e cujo acesso
se dava por meio do estabelecimento de relações amistosas, as quais, por sua vez, tinham um
enorme valor para a política de amizades e confrontos das nações indígenas onde habitavam.
Tal fato acabou por constituir a América Portuguesa.
Nádia Farage, Marcus Carvalho e Maria Regina Celestino de Almeida, nos seus
estudos, indicam que os pesquisadores ainda se deparam com o problema das associações
entre populações indígenas e os europeus, que não foram amplamente estudadas. Arno Kern
afirmou que a colonização moderna implicou duas faces: por um lado, o etnocídio tanto físico
quanto cultural, que aniquilou diversos grupos indígenas; na outra face, um processo longo e
gradual de uma agregação forçada ou integração de diversos grupos ameríndios. Assim,
subsistem enormes lacunas a serem preenchidas no que tange à compreensão das diversas
dimensões assumidas pelas relações que emergiram do processo da conquista e que ficaram
encobertas por esse dualismo tradicional.11
Maria Almeida, em sua Tese de Doutorado sobre os indígenas no Rio de Janeiro,
discutiu que a condição de subordinado, que foi conferida aos indígenas aldeados, possibilitou
a estes nativos se reinventarem, trocando a condição de submissos para de vencedores da
ordem colonial, lutando contra uma história de vencidos. Seguindo esta perspectiva, Almeida
mostrou que a história indígena precisa ser reavaliada, principalmente no que tange o papel do
11
Respectivamente: FARAGE, Nádia. As muralhas dos sertões: os povos indígenas no Rio de Janeiro e a
colonização. Rio de Janeiro: Paz e Terra; ANPOCS. 1990; CARVALHO, Marcus. Clientelismo e contestação: o
envolvimento dos índios de Pernambuco nas brigas dos brancos na época da Independência. In F. L. N. de
Azevedo & J. M. Monteiro (Orgs.) Confronto de culturas: conquista, resistência e transformação. Rio de
Janeiro: Expressão e Cultura; São Paulo: Edusp. 1997; ALMEIDA, Op. cit., 2003; KERN, Arno Alvarez.
Escravidão e missões no Brasil Meridional: impactos e contatos entre as sociedades indígenas ibéricas, no
Período Colonial. In: M. Flores (Org.) Negros e Índios: História e Literatura. Porto Alegre: EDIPUCRS. 1994,
p. 36
18
nativo como construtores de sua própria história, o que para John Manuel Monteiro é um
espaço político pautado na rearticulação de identidades, contemplando ou não a sua inserção
nas estruturas de poder que passaram a controlar e vigiar a sua forma de viver.
Partindo desta ideia, nosso estudo tem por objetivos buscar, na esfera política,
utilizando as legislações pombalinas para os indígenas, a identificação e compreensão dos
impactos que tais leis produziram para a comunidade ameríndia, bem como, as ações destes
nativos diante desta nova regulamentação, visto que:
[...] um grupo étnico não é apenas uma coletividade que compartilha padrões
de comportamento normativo, ou cultura, também faz parte de sua estrutura
a ação política desta comunidade. Também defendemos a idéia de que um
grupo indígena pode ser estudado não apenas pelos seus aspectos culturais,
mas também pela sua interação política na sociedade colonial.14
Nesse sentido, nosso trabalho tem como objetivo apresentar uma análise assentada
no“Directório com que se deve observar nas Povoações dos Índios do Pará e Maranhão,
enquanto Sua Majestade não mandar o contrário”, que foi a política implantada pelo Conde
de Oeiras, futuro Marquês de Pombal, em meados do Século XVIII, inicialmente para o
estado do Maranhão e Grão-Pará, sendo posteriormente ampliada para toda a colônia, com
foco na Capitania de Pernambuco. A nova lei tinha por objetivo, segundo Isabel Vieira
Rodrigues, fortificar, delimitar, povoar e desenvolver o Estado do Grão-Pará e Maranhão, a
fim de garantir a posse de vastos territórios da Bacia Amazônica15. Nessa política, segundo o
Governador do Grão-Pará e Maranhão e irmão do Marquês de Pombal em potencial, os índios
foram incluídos, pois, como novos “súditos” para garantir a presença da Coroa portuguesa nas
áreas setentrionais da fronteira com os domínios espanhóis.
Na tentativa de encontrar o nativo como agente de sua História, Anna Lago procurou
12
MONTEIRO, John Manuel. Armas e armadilhas: História e resistência dos índios. In: NOVAIS, Adalto (Org.).
A outra margem do ocidente. São Paulo: Companhia das Letras, 1999, p. 241.
13
GRUZINSKI, Serge. O pensamento mestiço. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 28
14
SILVA, Geyza Kelly Alves da. Índios e identidades: formas de inserção e sobrevivência na sociedade
colonial (1535-1716). Recife: UFPE. 2004, p. 13 (Dissertação de Mestrado em História).
15
RODRIGUES, Isabel Vieira. A política de Francisco Xavier de Mendonça Furtado no Norte do Brasil (1751-
1759). In: Oceanos: A formação territorial do Brasil, nº. 40, p. 94-110, out./ dez. 1999.
19
Visto que, segundo Carlos Araújo Moreira Neto, o Diretório foi uma tentativa da
Coroa de intervir na administração das populações indígenas, integrando-as à sociedade, “[...]
o que aumenta extraordinariamente o processo de desorganização e dominação dessas
comunidades, iniciado pela ação missionária”17, uma vez que a relativa autonomia que os
aldeamentos possuíam quando eram administrados pelos missionários, foi perdido quando o
estado passou a controlar estes lugares. Assim, “O Diretório [...] é um claro instrumento de
intervenção e submissão das comunidades indígenas aos interesses do sistema colonial. Nesse
sentido, amplia e completa a obra de desorganização da vida indígena tribal, inaugurada pelas
Missões”18
16
LAGO, Anna Elizabeth. O ideal de liberdade no Século XVIII: a política de Sebastião de Carvalho e a
resistência indígena em Pernambuco. In: CLIO. Revista de Pesquisa Histórica. Nº. 25-2, 2007. Recife: Ed.
Universitária da UFPE, 2007, p. 216.
17
NETO, Carlos Araújo Moreira. Índios da Amazônia: de maioria à minoria (1750-1850), 1750-1850.
Petrópolis, Vozes, 1988, p. 20
18
LOPES, Fátima Martins. Diretório dos índios: implantação e resistência no Nordeste. In: Tellus, ano 3, n. 5, p.
37-53, out. 2003. Campo Grande – MS.
19
LOPES, Fátima Martins. Em nome da liberdade: as vilas de índios do Rio Grande do Norte sob o Diretório
Pombalino no Século XVIII. Recife: UFPE, 2005, p. 30 (Tese de Doutorado em História).
20
20
Respectivamente: MEDEIROS, Ricardo Pinto de. Política indigenista do Período Pombalino e seus reflexos
nas Capitanias do Norte da América portuguesa. In: OLIVEIRA, Carla Mary da Silva; Medeiros, Ricardo Pinto
de. (Org). Novos olhares sobre as Capitanias do Norte do Estado do Brasil. João Pessoa: Editora
Universitária / UFPB, 2007 p. 125 a 160.; MONTEIRO, John Manuel. Negros da Terra: índios e bandeirantes
nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.; ALMEIDA, Maria Regina Celestino de.
Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Arquivo
Nacional, 2003.; FALCON, Francisco José Calazans. “Pombal e o Brasil”, In: José Tengarrinha (Org.). História
de Portugal. Bauru: EDUSC; São Paulo: Editora da Unesp; Lisboa: Instituto Camões, 2001.; ALMEIDA, Rita
Heloísa de. O Diretório dos Índios: um projeto de “civilização” dos índios do Século XVIII. Brasilia: Editora
da UnB, 1997.; PERRONE- MOISES, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação
indigenista do período colonial, In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org). História dos índios no Brasil. São
Paulo: Companhia das letras, 1992.; SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Espelhos partidos: etnia, legislação e
desigualdade na colônia: Sertões do Grão- Pará, c. 1755-c. 1823. Niterói: UFF (Tese de Doutorado) 2001.;
SALDANHA, Suely Maris. Fronteiras dos sertões: conflitos e resistência indígena em Pernambuco na época
de pombal. Recife: UFPE (Dissertação de Mestrado) 2002.; PIRES, Idalina Maria da Cruz. Resistência indígena
nos sertões nordestinos no pós-conquista territorial: legislação, conflito e negociação nas vilas pombalinas,
1757-1823. Recife: UFPE (Tese de Doutorado) 2004.; LOPES, Fátima Martins. op cit., 2005.
21
Desta forma, estudar as sociedades indígenas não é tarefa fácil, uma vez que o período
que estudamos era um momento em que prevalecia a ideia de superioridade europeia e que os
documentos do período estavam a serviço da afirmação do “direito europeu”, e como nosso
objeto de estudo era considerado inferior, sua História foi relegada a segundo plano. Mas, são
exatamente estas lacunas, que nos inspira a investigar e tentar discutir tais fatos que por tanto
tempo foram camuflados pela historiografia dos vencedores, servindo apenas como ‘pano de
fundo’ para a narrativa dos grandes colonizadores europeus, que “vieram resgatar da perdição
os selvagens do novo mundo”.
Com isso, acreditamos que a chamada Nova História, através das pesquisas e das
análises de documentos, possibilita outros olhares sobre as sociedades indígenas, fornecendo
informações que têm contribuído para ressaltar a complexidade cultural, e a importância
destes índios na História do Brasil, pois segundo Ricardo Medeiros, diante de “Uma grande
quantidade de documentos burocráticos oficiais [...]. Foram priorizadas sobre a cultura, a
localização espacial, formas de contato, exploração da mão-de-obra, e as tentativas de sua
destruição ou incorporação à cultura dominante”23.
23
MEDEIROS, Ricardo Pinto. Povos indígenas do Sertão nordestino no Período Colonial: descobrimentos,
alianças, resistências e encobrimentos. In: Fundhamentos. São Raimundo Nonato (PI), V1, nº 2, 2002, p. 07-52.
24
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008, p. 4
23
Para entender o contexto que nos levará às situações encontradas, no período abordado
por este trabalho de dissertação, começamos discutindo no primeiro capítulo, intitulado
(RE)INVENTANDO MUNDOS: rupturas e permanências na política indigenista colonial,
discutimos, traçando um panorama, como foi estruturada e planejada a polticia indigenista ao
longo do período colonial, e como aconteceu as mudanças do tratamento dispensado aos
índios em relação à administração dos aldeamentos, e de que forma a Coroa defendia a
possessão de sua nova colônia.
25
BURKE, Peter (Org.). A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo, UNESP, 1992.
26
RAGO, Margaretti; GIMENES, Renato Aloizio de Oliveira (Orgs). Narrar o passado, repensar a História.
Coleção Idéias 2, São Paulo: Unicamp, 2000, p. 9
27
RAGO, Op.cit., p. 10
24
As dinâmicas internas das sociedades nativas também foram muito utilizadas pelos
invasores europeus, e deu o tom múltiplo e variado das ações de cada grupo indígena, que
interpretaram, a partir das suas relações sócio-culturais e de interesses particulares e grupais, a
presença e ação do elemento “branco” no seu território, direcionando o seu posicionamento
frente ao “outro”29.
28
SILVA, Geyza, op. cit., 2004, p. 25
29
Idem, p. 48
30
Ibidem, p. 70/ 71
31
FAORO, Raimundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. São Paulo: Globo, 2008,
27
Nesse sentido, o sistema colonial português instaurou uma política indigenista que
fragmentou a população nativa em dois grandes grupos: os aliados e aldeados e os não-
aliados. Para estes últimos considerados inimigos dos portugueses, eram dirigidas ações e
representações contrastantes. Os procedimentos adotados foram, genericamente falando, a
catequização reservada para os grupos aliados; porém, para os indígenas contrários a este
processo acusados de prejudicar o sucesso da colônia, eram obrigados a trabalhar como
escravo por meio de mecanismos como, por exemplo, escravização ou redução forçada,
através das missões32.
Na época das conquistas, os reis de Portugal tinham seu poder temporal ligado ao
poder espiritual, tornando-se uma união indissolúvel e corporificada no exercício do
Padroado. Este, de acordo com Charles Boxer33, pode ser definido como uma combinação de
direitos, deveres e privilégios que são concedidos pelo papado à Coroa portuguesa como
patrona das missões e instituições católicas romanas nos seus territórios e além-mar. Na
prática, o Padroado concedia aos reis católicos o direito de administração dos negócios
eclesiásticos, tornando-os chefes da Igreja Católica Romana nas suas possessões. Suas
funções abarcavam além da expansão da fé católica, mediante a construção e manutenção dos
templos e do clero, a ajuda na implantação e administração dos espaços coloniais e ordenação
social, através do controle das práticas dos moradores, colonos e índios.
p. 179
32
Ver SILVA, Geyza. op. cit. e Beatriz Perrone-Moisés. Índios livres e índios escravos: os princípios da
legislação indigenista do período colonial (séculos XVI a XVIII). In: História dos Índios no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1992. Ambas autoras exploram estes conceitos de aliados e não-aliados.
33
BOXER, Charles. O império marítimo Português 1415-1825. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
28
Ordem Franciscana que até 1549 era a única a se dedicar a tal responsabilidade nas terras de
Santa Cruz conforme atestou Glauce Burity34, prestando relevantes serviços à Coroa
portuguesa na pacificação dos grupos considerados rebeldes anunciando a doutrina de Cristo.
Depois dos Franciscanos, diversas ordens religiosas foram introduzidas na colônia, dentre
elas, se destacaram: os Jesuítas, Capuchinhos franceses e italianos, os Carmelitas e
Oratorianos35. Sem falar nos sacerdotes seculares que em diversos momentos também
administraram aldeamentos que se encontravam sem missionários.
[...] por causas particulares, violências dos que governavam, ambição dos
Principais, interesse dos Párocos, e emulação de Religiosos de outra Família,
de que se seguiam aos nossos, súditos, e Prelados, turbações, contendas,
calunias, e outros graves, e quotidianos incômodos, [...], foram os nossos
desobrigados desta pesada carga,[...]37
Neste trecho escrito pelo Frei Jaboatão, encontramos indícios dos conflitos que
envolveram os diversos atores do mundo colonial. Entraves com outros missionários,
desentendimento com as diversas autoridades locais, embaraços com os nativos, bem como as
inúmeras reclamações geradas pelos colonos levaram os Franciscanos, em 1619, a
abandonarem a conversão indígena, encerrando o seu trabalho missionário. Após se retirarem
34
BURITY, Glauce Maria Navarro. A presença dos Franciscanos na Paraíba. através do Convento de Santo
Antônio. Rio de Janeiro: Bloch, 1988, p. 25.
35
CAVALCANTI, Alessandra Figueiredo. Aldeamentos e política indigenista no bispado de Pernambuco –
séculos XVII e XVIII. Recife: UFPE, 2009, p.36 ( Dissertação de Mestrado em História)
36
CAVALCANTI, op. cit. 2009, p. 40-41. / SOUSA, Mônica Hellen Mesquita. Missão na Ibiapaba: Estratégias
e táticas na Colônia nos séculos XVII e XVIII. Fortaleza: UFC. 2003, p. 12 (Dissertação de Mestrado em
História)
37
JABOATÃO, Antonio Santa Maria de. Novo Orbe Seráfico Brasílica ou crônica dos frades menores da
província do Brasil (1761). Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. 1º vol. 2ª parte, p. 363.
29
Esta constante busca pela catequização representava uma dura tarefa que deveria ser
reafirmada a cada dia. A institucionalização das ordens religiosas na colônia se deu com a
instalação de conventos, colégios, igrejas e da efetivação das missões as quais poderiam ser
fixas ou volantes, disseminando a proliferação de símbolos religiosos, tais como cruzeiros,
oratórios e imagens. Essas instalações possibilitaram a ação missionária junto aos
38
PUNTONI, Pedro. A Guerra dos Bárbaros: povos indígenas e a colonização do Sertão Nordeste do Brasil,
1650 – 1720. São Paulo: Hucitec: Editora da Universidade de São Paulo: Fapesp, 2002.
39
LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Lisboa: Portugal; Rio de Janeiro: Instituto
Nacional do Livro, 1938-1950. 10 v. il. p.7
30
aldeamentos indígenas40. Essas aldeias eram um espaço nos quais os nativos seriam reunidos
e administrados pelos padres, que nas atividades cotidianas moldavam os índios para a
vivência cristã com vigilância constante. Os missionários com a fixação em um local também
ficaram livres de procurar pelos grupos indígenas que constantemente mudavam de lugar. Os
aldeamentos também são apontados como uma contenção militar, e também serviam para
obtenção de trabalhadores para os colonos e soldados na defesa do território41. Do mesmo
modo, esses locais foram apontados como reduto nos quais os indígenas puderam sobreviver e
(re) inventar seu cotidiano, fugindo do extermínio42.
Com pensamentos e expectativas diversas, o lema dos colonos era a submissão para
integração dos indígenas ao sistema. A legislação indigenista foi lançada também para conter
os problemas das relações entre colonos e índios. Geralmente, o problema era a escassez de
mão-de-obra, mas também havia queixas dos moradores acerca dos índios, como a destruição
de suas lavouras e o roubo de gado44.
40
OLIVEIRA, João Pacheco de; FREIRE Carlos Augusto da Rocha. A presença indígena na formação do
Brasil. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade.
LACED/Museu Nacional, 2006, p. 48
41
FAORO, op. cit., p. 231; CAVALCANTI, op. cit., p. 119; BAETA, Luís Felipe. O combate dos soldados de
Cristo na terra dos papagaios: colonialismo e repressão cultural. Rio de Janeiro: Forense/Universitária, 1978,
p. 114.
42
Maria Regina Celestino de Almeida aborda este direcionamento em seus trabalhos.
43
Cf. CUNHA, op. cit. p. 118; ALENCASTRO, Luiz Felipe de. Os luso-brasileiros em Angola: constituição do
espaço econômico brasileiro no Atlântico Sul, 1500-1700. Tese de Livre-docência. Campinas: 1994, p. 81. Apud
PUNTONI, Pedro. Op.cit., p. 54
44
LOPES, Fátima Martins. Missões religiosas: índios, colonos e missionários na colonização da Capitania do
Rio Grande do Norte. Recife: UFPE, 1999. (Dissertação de Mestrado em História).
31
Mas não era apenas o preparo do missionário que determinava o sucesso de sua obra.
Outras dificuldades para o êxito do pregador eram, por exemplo, os nativos que facilmente
esqueciam os ensinamentos cristãos e voltavam a praticar seus costumes. Para Cristina
Pompa, a evangelização era mais que uma imposição; era um processo de traduções mútuas,
que a linguagem religiosa parece tornar-se o terreno de mediação, na qual missionários e
indígenas viam outros reflexos de suas práticas sócio-culturais. Diante desta interação durante
o processo de evangelização/tradução, criaram-se novos paradigmas, no qual os indígenas
propensos a aceitar a ideologia missionária, modificavam-lhe os sentidos, introduzindo-os aos
45
NÓBREGA, Manuel da. Cartas do Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia/São Paulo: Edusp, 1988, p. 95
46
CAVALCANTI. op. cit., p. 49
32
seus costumes47. O capuchinho francês Martinho de Nantes deixou relatos das dificuldades na
conversão, no qual conta que durante muito tempo não batizou nenhum índio, apenas dava a
extrema unção aos adultos que se encontravam à beira da morte devido à incerteza dos íncolas
em permanecerem na fé. O capucho só fazia o batismo depois de os índios demonstrassem ter
se convertido verdadeiramente, e mostrando “[...] sinais e provas de seu desejo de tornar-se
cristão pela fidelidade às práticas respectivas, de forma que queremos ter cristãos pelas obras
antes que pelo nome”48. O missionário, por vezes, dizia que muitos acreditavam que era
impossível a conversão dos indígenas, pois suas atitudes eram variadas. Havia os que eram
mais “dóceis”, que se convertiam facilmente; bem como os dissimulados que fingiam a
conversão, e outros que eram “indóceis e perversos”, por serem muito dedicados as suas
cerimônias pagãs e, além disso, muitas vezes, “pervertiam” os índios já convertidos. No
trecho abaixo, percebe-se como a conversão era fluida:
47
POMPA, Cristina. Religião como tradução: missionários, Tupi e Tapuia no Brasil Colonial. Bauru, São
Paulo: EDUSC, 2003
48
NANTES, Martinho de. Relação de uma missão no Rio São Francisco: relação sucinta e sincera da missão
do padre Martinho de Nantes, pregador capuchinho, missionário apostólico no Brasil entre os índios chamados
cariris. São Paulo: Ed. Nacional, 1979, p. 10; 18.
49
BRANDÃO, Ambrósio Fernandes. Diálogos das grandezas do Brasil. 1ª. ed. Recife: Universidade do Recife,
1962, p. 239 – 240.
50
CAVALCANTI, Op. cit., p. 39
33
51
Cf. ALENCASTRO. Op. cit.
52
FERNANDES, Florestan. Organização social dos tupinambás. São Paulo: Ed Hucitec, 1989
53
SILVA, Geyza. Op. cit.
54
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses Indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais
34
A questão do trabalho ocupava um lugar central na vida das aldeias, era importante
retirar os catecúmenos do ócio e discipliná-los em relação aos horários dedicados aos
serviços. A disciplina era palavra de ordem e os indígenas, assentados nas aldeias, trocaram a
“caça e a pesca” pela agricultura e o cuidado com as lavouras. Um pequeno trecho do estudo
de Serafim Leite demonstra como os jesuítas davam importância ao trabalho braçal nas
aldeias, acreditando ser um método eficaz para a conversão dos nativos. “Os índios andavam
ocupados nas suas lavranças. E foi uma conquista da civilização a regularidade no trabalho57.”
Nesse universo (re)criado, os aldeamentos também serviram como refúgio para alguns
índios escravizados, devido às prisões ilegais de nativos feitas por colonos através do
apresamento ilegal. A Coroa proibiu que índios refugiados fossem tirados à força das aldeias,
como também que os missionários entregassem-nos aos seus supostos senhores, antes da
decisão do Governador da Capitania, do Ouvidor Geral e depois de serem ouvidas as partes,
para averiguar a condição de escravo do índio. E mesmo se fosse provado estar na condição
de escravidão, se a razão de sua fuga para a aldeia fosse espiritual, havia ainda uma chance
dele não ser entregue ao seu “senhor”58.
Seguindo esta linha de pensamento, as missões foram vistas não como um espaço para
o índio na sociedade colonial, mas um lugar da cultura cristã para a salvação e enquadramento
do nativo aos moldes europeus, além de servir estrategicamente como ponto político,
geográfico e militar para a Coroa portuguesa. Nesses locais, os indígenas foram inseridos
dentro de uma nova lógica social, econômica, política e ecológica, com as quais as diversas
tradições sócio-culturais de outras etnias em contato com as práticas cristãs se misturavam,
forjando uma identidade única e uniforme, de acordo com o modelo súdito-cristão, mas
também puderam utilizá-lo para sobreviver e reescrever a sua história utilizando estes
ambientes, como ferramenta importante para a integração à uma sociedade em construção já
59
apontado por Regina Celestino .
57
LEITE, Serafim. Op. cit., . p. 93.
58
Livro de Registro de Cartas Régias, Provisões e Outras Ordens para Pernambuco do Conselho Ultramarino.
AHU_ACL_CU_015, códice 257. 11/01/1701 - Carta Régia. fl. 65
59
SILVA, Geyza. Op. cit. p. 96. / ALMEIDA, Maria. op. cit., p. 34
36
nações”60.
Diante de relações tão complexas com objetivos tão diversos e até contraditórios,
explica-se que os atores envolvidos neste ambiente frequentemente entrassem em conflito,
uma vez que a ocupação colonial foi um projeto sem volta, cada sujeito buscou a sua maneira
se estabelecer e conquistar seu espaço, que se tornou palco de diversas contendas e acusações
como veremos a seguir.
A condição de aldeado foi imposta pelos europeus aos grupos indígenas como um
instrumento para enquadrá-los na sociedade colonial e objetivava provocar, com isso, um
esvaziamento e uma ruptura com os símbolos sócio-culturais nativos. Todavia, esta perda não
foi completa, uma vez que foi utilizada como instrumentos político e como recurso de
negociação por parte de algumas etnias que se colocando na situação de aliado/aldeado
garantiam uma situação vantajosa para o grupo e principalmente, para os seus líderes61. Nota-
se, com isso, que em momentos de desigualdade, a etnicidade pôde e se manifestou, como
“uma grande consciência política por parte dos grupos que buscam reverter uma lógica de
dominação”62.
60
PUNTONI, Pedro. Op. cit. , p. 50
61
ALMEIDA, Maria. Op. cit., 2003
62
POUTGNAT, Philipp. Teorias da Etnicidade Seguido de grupos étnicos e suas fronteiras de Fredrik Bart.
São Paulo. Fundação Editora da UNESP. 1998, p.103.
37
Uma das principais atribuições dos aldeados e aliados era a de participar nas guerras
movidas contra os índios hostis e estrangeiros, sendo também encarregados de defender as
vilas e plantações dos ataques do grupo inimigo e as fronteiras das investidas dos inimigos de
outras nações. Considerados homens livres, os aldeados deveriam ser tratados como tais e
serem remunerados pelos serviços prestados, o que recomendado inclusive por regimentos
legais, pois os colonizadores tinham total consciência de que dependiam desta ajuda para a
manutenção da colônia.
63
Confirmação do Rei de patente ao Governo de Pernambuco 14/05/1703. AHU_ACL_CU_015 cód.124-ff 19
1v.
64
Para melhor aprofundamento no tema indicamos o trabalho de Juliana Lopes que mostrou como a força das
lideranças indígenas foi importante para mediar conflitos no espaço colonial.
65
SILVA, Geyza. op. cit., p. 106
38
Essa política de Mem de Sá para com os indígenas foi um reflexo da vontade da Coroa
para submeter, a todo custo, os nativos dentro dos padrões ditados pela Igreja ou pelo Estado.
Desse modo, o Rei utiliza a “guerra justa”, como um instrumento de combate contra a
resistência ao projeto colonialista político e religioso.
Todavia, a medida gerou alvoroço nas capitanias, provocando a busca desenfreada dos
indígenas, pois muitos colonos promoveram guerras contra várias etnias, inclusive os aliados,
justificando serem Caeté. As proporções foram tão grandes que entre os convertidos/aliados
geraram revoltas e fugas dos aldeamentos por medo de se tornarem cativos. Diante deste
contexto, Mem de Sá revogou a lei contra os Caeté, mas não antes dela provocar grandes
perdas nas missões e danos às nações aldeadas,
66
PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios livres e índios escravos: os princípios da legislação indigenista do
período colonial (Séculos XVI a XVIII). In: História dos índios no Brasil. São Paulo: Companhia das letras,
2009, p. 123.
67
VASCONCELOS, Simão de (1597-1671). Crônicas da Companhia de Jesus. Petrópolis, Vozes; Brasília:
INL, 197, p.104.
68
POMPA, Cristina. História de um desaparecimento anunciado: as aldeias missionárias do São Francisco,
séculos XVIII – XIX. In: OLIVEIRA, João Pacheco de. A presença indígena no Nordeste: processos de
territorialização, modos de reconhecimento e regimes de memória. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2011
39
na aldeia da [...] a que assistem dois Padres, vivem 200 tapuias pouco mais
ou menos, mas como estão oprimidos dos moradores, que os tem cercado da
sorte que os pobres não podem ter planta alguma; que logo não seja
destruída: donde resulta o irem em ranchos procurar o sustento pelo mato,
aonde gastam ás vezes 15 a 20 dias ao dano considerável de suas
consciências; tratamos de os mudar, e se anda atualmente fabricando nova
aldeia acima do sitio, com que agora assistem, algumas três Léguas. Esta
mudança tem custado bastante trabalho pela Repugnância dos moradores
quiseram estorvar, por que com ela cessão alguns dos seus interesses, o que
os missionários não querem atender com prejuízo das almas dos tapuias, cuja
educação está encomendada69.
No trecho da carta acima, notamos o conflito existente entre os colonos e os padres.
Estes acusam os colonos de impossibilitarem a vida nos aldeamentos, pois, com a destruição
das plantações, os índios ficavam sem opção e para buscarem seu sustento procuram os matos
se ausentando por longos períodos da missão, o que prejudicava muito a sua conversão. A
solução encontrada pelos padres foi a mudança do aldeamento, causando também a
insatisfação dos moradores/colonos, uma vez que, na verdade, estes queriam utilizar os
aldeados como mão-de-obra, os padres se negavam a ceder aos interesses dos moradores,
usando como justificativa o prejuízo à alma dos nativos.
A citada consulta acima também revela que os índios se utilizavam dos serviços
69
CARTA do Propósito da Congregação dos Padres de São Felipe Neri para o Secretário do Conselho
Ultramarino, Pernambuco 30/06/1700. AHU_ACL_CU_015, doc. 1859, anexo 2, fl. 1.
70
CONSULTA do Conselho Ultramarino ao Rei D. João V, sobre uma consulta da Junta das Missões
28/04/1718, onde os índios da aldeia Siri pedem para se comprarem terras onde possam fazer suas roças.
AHU_ACL_CU_015, CX. 28, doc. 2540
40
prestados à Coroa para barganhar mercês reais. Os índios da Aldeia Siri solicitaram terras para
plantação de roças, argumentando que os aldeados passavam necessidade por não poderem
manter suas plantações, logo, necessitavam de terras para manterem suas roças, sanando os
problemas de subsistência. Este documento revela ainda, que os índios conheciam os
mecanismos legais da burocracia portuguesa e buscavam meios de sobreviverem neste
espaço, apesar de serem considerados inferiores. O Governador de Pernambuco negou o
pedido dos índios, mas estes não se deixaram abater e recorreram ao Conselho Ultramarino
que reconheceu suas utilidades. Mesmo com parecer negativo do Governador da Capitania, o
Conselho concedeu a aldeia “trezentos e setenta e cinco braças de largo e três mil de
comprido”.
Outro exemplo dos impasses em torno do controle da população nativa aldeada pode
ser vista na carta enviada pelo Governador de Pernambuco ao Rei na qual relata que o
Governador dos Índios, D. Antonio Domingos Camarão, se queixava de os colonos
persuadiam os nativos com promessas de abandonarem suas casas e roças nas aldeias para
viverem nas fazendas dos colonos. D. Antonio pediu que se confirmasse a sua jurisdição sob
os índios para que pudessem ir ao encontro dos índios cativos e trazê-los de volta aos
aldeamentos71.
Em diversos outros documentos encontramos queixas referente ao tratamento
dispensado aos índios aldeados tanto por colonos, quanto pelos seus pares. O Capitão-mor da
Paraíba fez queixas ao Rei acerca do mesmo Governador dos Índios, D. Antonio, que estava
determinado a retirar cinquenta casais das aldeias sob a jurisdição da Paraíba para o serviço
nas minas de salitre, o que não foi permitido pelo Capitão-mor da Paraíba. Em resposta, o Rei
escreveu aprovando a decisão do Capitão-mor e informando ao D. Sebastião que tirasse índios
das aldeias e sertões da Capitania de Pernambuco, mandando para o salitre os 80 casais de
índios que havia ordenado72.
Diante das brechas previstas nas leis e dificuldades a respeito da administração dos
indígenas, impunha os colonos a solicitar a administração particular sobre os índios, como foi
o caso da Família Garcia Dias d’Ávila que possuía aldeamentos particulares em suas terras.
Esta administração particular foi apontada por John Manuel Monteiro como estratégia dos
71
CARTA do [Governador da Capitania de Pernambuco], D. Manoel Rolim de Moura, ao rei [D. João V], sobre
as queixas do governador dos Índios, D. Antônio Domingos Camarão, dos índios que se encontram foragidos e
servindo em casas fora de suas aldeias. AHU_ACL_CU_015, CX. 31, doc. 2821
72
Livro de Registro de Cartas Régias, Provisões e Outras Ordens para Pernambuco do conselho Ultramarino.
AHU_ACL_CU_015, códice 257, f. 87v/89.
41
Após estas breves explanações, concluímos que, enquadrar os indígenas nos objetivos
do projeto colonial português foi uma tarefa bastante árdua e inconclusa. Não se pode afirmar
na totalidade que os indígenas tenham sido de fato convertidos, nem que tenham se tornados
73
MONTEIRO, Jonh. Op. cit., 1994. p. 137 a 140.
74
CAVALCANTI. Op. cit., p. 35
75
FERNANDES. Op. cit., p. 18
76
COUTO, Domingos Loreto. Desagravos do Brasil e glórias de Pernambuco. Recife: Fundação de Cultura
Cidade do Recife, 1981, p. 53.
42
súditos do Rei, visto que muitos grupos se aliaram aos portugueses atuando com agentes da
colonização, mas houve também indígenas que ao longo do processo procuraram caminhos
para escapar das regras estabelecidas e das obrigações às quais estiveram sujeitos a partir da
colonização. Entre um e outro evento resistiram diretamente através da luta armada;
indiretamente simularam obediência quando lhes convinha e disposição para participar da
sociedade colonial apenas enquanto servisse aos seus interesses imediatos. Nas palavras de
Héctor Bruit,“[...] os índios não foram tão pacíficos, obedientes e desenganados [...] passada a
etapa bélica, os índios praticaram uma resistência camuflada”77.
77
BRUT, Héctor Hernan. Bartolomé de Las Casas e a simulação dos vencidos. Campinas: UNICAMP, 1995, p.
154.
43
1.3 - Eis que sai de cena a Igreja e sobe nos palcos o Estado: o Diretório dos
Índios
78
NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na crise do Antigo Sistema Colonial (1777-1808). 6ª ed. São Paulo:
Hucitec, 1995.; FALCON, Francisco José Calazans. A época pombalina: política econômica e monarquia
ilustrada.São Paulo: Ática, 1993, p. 369-482.
79
SCHWARCZ, Lilia Moritz. A longa viagem da biblioteca dos reis: do terremoto de Lisboa à Independência
do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
80
AZEVEDO, Anna Elizabeth. O Diretório pombalino em Pernambuco. Recife: UFPE. 2004. (Dissertação de
Mestrado em História)
44
política financeira de modo a superar a crise, Dom José I nomeou para a pasta dos Negócios
Estrangeiros e da Guerra Sebastião de Carvalho e Mello, o Conde de Oeiras, futuro Marquês
de Pombal, que tinha ideias influenciadas pelos iluministas. Assim, iniciou-se em Portugal o
período conhecido pela historiografia como Despotismo Esclarecido, que buscou nivelar
todos os estamentos burocráticos perante o poder do Rei, abolindo privilégios baseados nas
tradições e laços hereditários, subordinando os organismos políticos ao poder central e o
poder da Igreja à Coroa81.
81
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Op. cit. 2002
82
Idem. p. 94
83
BOXER, Op. cit., p. 190
45
O Marquês de Pombal defendia o Absolutismo, que era a ideia de que todos os poderes
deviam estar nas mãos do Rei. Foi por isso que tomou uma série de medidas para dar mais
poder à Coroa, limitando a ação de alguns aristocratas e do clero. Todavia, quem de fato
exercia esse poder era mesmo Pombal, como podemos perceber no excerto acima citado “às
vezes do seu rei representando”. Sua relação com o poder o fez ser conhecido para além do
triangulo, Portugal, Brasil, África.
84
FRANCO, Francisco de Mello. Reino da estupidez: poema. Hambourg: 1820, disponível em
www.nead.unama.br. Acessado em 15/05/2012
85
BOXER, Charles, Op. cit.
46
Segundo Jorge Couto, o Brasil foi a pedra angular do sistema imperial setecentista lusitano,
aqui o reinado de D. José foi estruturado em oito temáticas: demografia, imigração,
povoamento e importação de mão-de-obra escrava, concessão de liberdade aos índios,
expulsão dos Jesuítas, economia e fiscalidade, delimitação de fronteiras, política militar e
guerras luso-espanholas pela posse de territórios sul-americanos, organização administrativa
e judicial e, finalmente, questões de ensino e cultura86.
O Diretório Pombalino foi regido segundo um processo que visou integrar os objetivos
metropolitanos e coloniais. Antes de sua formulação, houve a tentativa de implantar na
Colônia as Instruções Régias, que, basicamente, concediam a liberdade à população ameríndia
para que esta pudesse exercer satisfatoriamente a ocupação territorial, em virtude do Tratado
de Madri, incentivando a agricultura, principalmente produtos de vulto comercial, como o
algodão e o tabaco. Visava-se, sobretudo, o desenvolvimento da Colônia para que esta
pudesse enriquecer o Estado português, que passava por um processo de decadência em
comparação com os outros países europeus90.
Então, nós nos deteremos ao Diretório dos Índios e nas medidas impostas
86
COUTO, Jorge. O Brasil pombalino. In: Revista de letras e culturas lusófonas. Janeiro/junho 2003, nº. 15.16,
p. 53
87
AB'SABER, Aziz Nacif [et. al]. História geral da civilização brasileira. Tomo I, vol. 2: administração,
economia, sociedade. Introdução geral de Sérgio Buarque de Holanda. 10.ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
2003, p. 364
88
AVELLAR, Hélio de Alcântara. História administrativa do Brasil: administração pombalina. 2ª.ed. Brasília:
Editora UnB, 1983, p. 21
89
FALCON, Francisco. Op. cit., 1993, p. 30-31
90
COELHO, Mauro Cezar. Op. Cit., 2006
47
Estas medidas foram moldando as futuras ações para os indígenas, o que representou
pouco tempo depois, na expulsão em 21 de julho de 1759, da Ordem de Santo Inácio de
Loyola do Brasil. Pombal planejou uma instituição que promoveria a “liberdade” dos povos
indígenas, livrando-os da catequização inaciana e fazendo os ameríndios alcançar a graça
civilizatória e emancipatória. Esta “liberdade” abriria o caminho rumo à civilização em níveis
de pensamentos das luzes: “secularizar para civilizar.”92 Na verdade, esta lei veio substituir
um núcleo de poder que ameaçava os interesses da Coroa. As missões que, resolutas em não
se submeterem à autoridade portuguesa e ao que havia sido decidido por meio de numerosos
tratados e negociações internacionais, rebelaram-se em episódio histórico, conhecido como
Guerra dos Sete Anos93. Após o fim de tal guerra, com o intuito de substituir a tutela dos
Jesuítas aos povos indígenas - massacrados, dizimados e desestruturados em sua organização
91
RAIMUNDO, Leticia de Oliveira. O estado do Grão-Pará e Maranhão na nova ordem política pombalina: a
companhia geral do Grão-Pará e Maranhão e o Diretório dos índios (1755 – 1757). In: Almanack brasiliense.
Informes de pesquisa. nº 3. Maio/2006, p. 126
92
FALCON, Francisco. Op. cit., 1993, p. 398
93
MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal: paradoxo do iluminismo. 2ª. ed. Trad. Antônio de Pádua Danesi.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, p. 122
48
social original - a Coroa Portuguesa criou o Diretório mais no sentido de se fazer presente na
colônia que de preservar liberdades efetivas, e acabou por pulverizar uma experiência social e
jurídica complexa, que articulava entre si as chamadas culturas inferiores ou “subculturas”, a
legislações religiosas.
Diante deste contexto, a lei de reforma da vida indígena foi elaborada por Francisco
Xavier de Mendonça Furtado que ficou conhecida como Diretório dos Índios e oficializada
pelo Rei de Portugal em 1758. Esta norma sintetiza as transformações, instituindo regras que
visavam à civilização dos nativos, garantindo aos moradores o acesso à força de trabalho
indígena livre; a estabilidade das vilas do sertão e o desenvolvimento produtivo dos locais,
bem como a utilização da estrutura já montada, bem sucedida e criada pelos missionários, mas
a qual não estava subordinada à Coroa portuguesa.
Em seu estudo, Mauro Cezar Coelho retratou o Tratado de Madrid como um dos
principais estopins para o anseio da Metrópole em formular uma política indigenista
consistente, segundo o qual, o território pertenceria ao Estado que o ocupasse e usufruísse,
iniciando uma disputa fronteiriça acirrada entre Portugal e Espanha. O Estado português viu
na população indígena a oportunidade para salvaguardar as fronteiras, garantindo a posse da
Colônia (neste período Portugal perdeu grande parte de seus territórios na Ásia) e expandir
suas conquistas, que seriam reafirmadas pelos novos súditos95. Assim, os índios, considerados
pelo Estado vassalos do Rei, foram arregimentados e enviados para os focos dos conflitos
fronteiriços, servindo de barreira humana; contribuíam também à causa da Coroa através da
produção de gêneros enviados aos soldados.
94
MONTEIRO, John. Op. cit., 1994
95
COELHO, Mauro. Op. Cit., 2005, p. 108.
49
pois foi extinto o Regimento das Missões, em voga desde 1686, extinguiu-se também a
administração eclesiástica dos aldeamentos e se emancipou os índios da tutela dos
missionários. Além disso, a administração espiritual foi passada a cargo do Prelado das
Dioceses96. Assim, saiu de cena o processo de conquista pela catequização, representada pela
figura dos missionários religiosos e entrou em cartaz um instrumento legal amparado na
administração estatal. Com o fim da administração temporal dos padres regulares sobre os
índios, esta ficou a cargo de um governo civil realizado nas vilas por juízes ordinários,
vereadores e mais oficiais de justiça; e nas aldeias independentes das vilas, pelos seus
principais97.
Foi através das Instruções que S. Maj. É servido mandar dar a Francisco Xavier de
Mendonça Furtado e Capitão-General do Estado do Grão-Pará e Maranhão , que o Conde
de Oeiras ordenou que o processo de secularização da gestão indígena fosse posto em prática.
Nesse momento quatro objetivos foram definidos: fortificar, delimitar, povoar e desenvolver o
Estado do Grão-Pará e Maranhão, a fim de garantir a posse de vastos territórios da bacia
amazônica98. Nessa política, segundo o governador do Grão-Pará e Maranhão, os índios foram
incluídos, pois figuravam como novos “súditos” em potencial para garantir a presença da
Coroa portuguesa nas áreas setentrionais da fronteira com os domínios espanhóis. Conforme
Coelho99, esse fato foi uma modificação das Instruções Régias, observando as exigências da
Metrópole e as necessidades da Colônia. Dessa maneira, foi regulamentado o Diretório dos
Índios e executado, a priori, na região Amazônica, Pará e Maranhão e, posteriormente
determinado para todas as capitanias.
Desta forma, novas vilas deveriam ser fundadas à moda portuguesa, visto que a posse
das terras era garantida pelo estabelecimento de colonos, assim a assimilação dos índios à
estrutura hierárquica da sociedade colonial, a fim de garantir a presença colonial na região a
qual era fundamental para a Coroa portuguesa100.
De acordo com o Diretório, em cada núcleo seria nomeado um diretor que tutelaria os
nativos aldeados, garantindo seu processo de civilidade e assegurando o cumprimento de seus
96
LAGO, Anna Elizabeth. O ideal de liberdade no Século XVIII: a política de Sebastião de Carvalho e a
resistência indígena em Pernambuco. In: CLIO. Revista de Pesquisa Histórica. nº. 25-2, 2007. Recife: Ed.
Universitária da UFPE, 2007, p. 217
97
AZEVEDO, Ana . Op. cit., p. 220
98
Lopes, Fátima. Op. cit., 2005, p. 40
99
COELHO, Mauro. Op. cit., 2005
100
RODRIGUES, Isabel Vieira. Op. cit., p.101
50
direitos e deveres101. O poder sobre o autóctone, antes pertencente aos Jesuítas, foi
transmitido para o Estado após a expulsão dos mesmos por Pombal, na segunda metade do
Século XVIII. Sob o protetorado da administração civil, a Coroa portuguesa garantia reservas
de mão-de-obra indígena e a ocupação legal de seu território, ao mesmo tempo em que
legitimava seu poder sobre a população colonial102. Segundo o discurso português, os índios
foram penalizados pela má administração dos Jesuítas que não promoveram a “civilização”
dos mesmos, mantendo-os na “barbárie” e miséria:
não se podendo negar, que os índios deste Estado se conservaram até agora
na mesma barbaridade, como se vivessem nos incultos Sertões, em que
nasceram, praticando os péssimos, e abomináveis costumes do Paganismo,
não só privados do verdadeiro conhecimento dos adoráveis mistérios da
nossa Sagrada Religião, mas até das mesmas conveniências Temporais, que
só se podem conseguir pelos meios da civilidade, da Cultura, e do Comércio:
E sendo evidente, que as paternais providências de Nosso Augusto Soberano,
se dirigem unicamente a cristianizar, e civilizar estes até agora infelizes, e
miseráveis Povos, para que saindo da ignorância, e rusticidade, a que se
acham reduzidos, possam ser úteis a si, aos moradores, e ao Estado: Estes
duos virtuosos, e importantes fins, que sempre foi a heróica empresa do
incomparável zelo dos nossos Católicos, e Fidelíssimos Monarcas, serão o
principal objeto da reflexão, e cuidado dos Diretores.
Este entendimento também é o de Carlos Araújo Moreira Neto, ao afirmar que o
Diretório representou “[...] um esforço de intervenção e de integração das populações
indígenas – sem intermediários – o que aumenta extraordinariamente o processo de
desorganização e dominação dessas comunidades, iniciado pela ação missionária”. Todavia,
houve um agravante, pois, enquanto foram administrados pelos missionários, os aldeamentos
preservavam uma “relativa autonomia” que foi perdida quando a administração laica foi
imposta: “O Diretório [...] é um claro instrumento de intervenção e submissão das
101
ALMEIDA, Rita. Op. cit., 1997
102
MACHADO, Marina Monteiro. A trajetória da destruição: Índios e terras no Império do Brasil. Niterói:
Universidade Federal Fluminense, 2006, p. 35 (Dissertação de Mestrado em História)
103
FURTADO, Francisco Xavier de Mendonça. Diretório que se deve observar nas Povoações dos Índios do
Pará, e Maranhão enquanto Sua Majestade não mandar o contrário. Pará, 02/05/1757. Edição fac-similar
em José Oscar Beozzo, Leis e regimentos das missões. São Paulo: Loyola, 1983
51
comunidades indígenas aos interesses do sistema colonial. Nesse sentido, amplia e completa a
obra de desorganização da vida indígena tribal, inaugurada pelas Missões”104.
As contribuições que a lei deveria trazer eram imensas e propunha suprir as exigências
do Estado cujo objetivo era tornar o índio súdito para ocupar legalmente o território e
promover o desenvolvimento da Colônia a fim de “salvar” a economia lusitana atrasada e
pobre diante de outros países europeus, e as necessidades dos colonos que visavam à
produção e ao enriquecimento105. O discurso metropolitano estava implícito no parágrafo 35
do Diretório dos Índios: “Consiste essencialmente o Comercio na venda, ou comutação dos
gêneros, e na comunicação com as gentes; e se desta resulta a civilidade, daquela o interesse,
e a riqueza”.
A mão-de-obra indígena foi definida, ao longo da lei, como uma das principais
atividades a ser desenvolvida pelos índios das povoações. A obrigatoriedade do trabalho
indígena se justificava como uma questão filosófica apontada no parágrafo 60 do Diretório
que diz: "Ditam as leis da natureza e da razão que, assim como as partes no corpo físico
devem concorrer para a conservação do todo, é igualmente precisa esta obrigação nas partes
que constituem o todo moral e político."
Ângela Domingues afirmou que a existência da tutoria representada pelo Diretor sobre
os indígenas tinha, antes de tudo, uma “razão de Estado”. Pois, a Coroa portuguesa jamais
reconheceria a capacidade dos nativos de se autogovernarem: “[...] e não apenas pela
incapacidade indígena, mas sobretudo porque a Coroa queria assegurar o domínio efetivo
sobre as suas possessões”108.
Era por meio do controle das terras e das pessoas; bem como através da liberdade e
civilização que a Coroa planejava o preparo dos índios para a exploração da terra e dos
produtos do Sertão, que deveriam ser entregues à direção da Companhia de Comércio de
Pernambuco e Paraíba. Nota-se que o ato de civilizar deveria, necessariamente está atrelado
ao trabalho compulsório, garantindo a prosperidade do comércio da colônia.
107
LOPES, Fátima. Op. cit., 2005, p:77
108
DOMINGUES, Ângela. Os conceitos de guerra justa e resgate e os ameríndios do norte do Brasil. In: SILVA,
Maria Beatriz Nizza da (org.). Colonização e escravidão. Rio de Janeiro: Nova fronteira, 2000, p. 308
109
FARAGE, Nádia. Op. cit., 1990, p. 41
110
ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000, p. 143
111
FARAGE. Op. cit., 1990, p. 41
53
esta a razão de ter substituído o Regimento das missões112. Para Heloísa Bellotto, o propósito
do Diretório foi muito mais o afastamento dos padres missionários do que uma menor
sujeição dos nativos ao trabalho forçado113. A transformação das aldeias em vilas e lugares,
extinguindo o sistema missionário, embora utilizando o seu modelo de ação, foi uma maneira
da Coroa controlá-los através do discurso da liberdade dos índios. Na verdade, estavam
buscando formas de garantir a funcionalidade econômica das capitanias.
No próximo capítulo, veremos como a lei pombalina foi articulada e estruturada para
ser implantada na Capitania de Pernambuco. Utilizando do discurso do trabalho, da educação
e do comércio, o indígena seria forçado a cooperar com a sociedade colonial, atuando como
trabalhador. Assim, a adaptação na lei pombalina para Pernambuco, foi pensada para que esta
pudesse atender às demandas que a capitania precisava suprir. Baseado no ideal do trabalho e
civilidade, a Direção de Pernambuco apesar de ser considerada uma lei de liberdade de
comércio e de bens individuais, estava longe de poder ser chamado de “trabalho livre de
pessoas livres”, regra foi, na realidade, uma servidão disfarçada, pois havia uma
regulamentação, ou seja, uma obrigação de prestar os diversos serviços, seja para o Estado,
seja para os moradores, uma vez que a liberdade de comércio era controlada pelo diretor que
recebia ordens do estado. E a liberação de poder possuir bens particulares passa mais pela
vontade da Coroa de manter um fluxo de comércio com os nativos. Desta forma, acreditamos
que a verdadeira intenção da Coroa lusa era proporcionar um fluxo na economia da colônia
que, consequentemente geraria mais lucros para Portugal.
112
ALMEIDA, Rita. Op. cit., 1997, p. 162 e 194
113
BELLOTTO, H. L. Trabalho indígena, regalismo e colonização no Estado do Maranhão nos séculos XVII e
XVIII. In: Revista Brasileira de História. São Paulo, 2 (4), 1982, p. 189.
54
Vimos que o Diretório dos Índios foi uma lei pensada e estruturada a partir das
relações estabelecidas no Estado do Grão Pará e Maranhão, pelo então Governador que tentou
instituir medidas para resolver as diversas contendas na região. Um ano depois, no ano de
1759, esta foi ampliada para todo o Estado do Brasil. Todavia, a regra pombalina tinha artigos
muito específicos que só se aplicavam ao local para o qual ela foi pensada. Conhecendo as
particularidades da lei e as necessidades da Capitania de Pernambuco e capitanias anexas, o
então Governador Luiz Diogo Lobo da Silva, repensou o Diretório Pombalino, estudando-o e
adaptando-o à realidade da Capitania. Assim, apresentou a El Rei a Direção em Pernambuco,
com alterações, algumas bastantes ousadas, e adaptações que julgou ser melhor para realizar e
garantir o sucesso do projeto da Coroa.
A partir de então, tentaremos apontar como esta adoção dos valores civis foi pensada
pela administração colonial e como deveria ser posta em prática. Nosso foco está voltado para
as relações de trabalho e educação por entendermos que foi utilizando estes parâmetros que a
lei foi estruturada, sendo considerados os meios mais eficazes de civilização do nativo,
transformando-os em vassalos de El Rei.
ocupados por militares que continuariam a receber seu soldo, fardas e munições114. Para estes
novos lugares e vilas, o Diretório determinava que fossem alocados o maior número de índios
possível, já a Direção determinava que nas vilas e lugares deveriam se englobados, no
mínimo, cento e cinquenta índios.
Sendo o Diretório dos Índios uma lei criada, incialmente, para o Gão-Pará e
Maranhão, o Governador de Pernambuco achou que deveria ser feita uma adaptação para
enquadrá-la à realidade local. Isto porque se acreditava que a aplicação do Diretório na
Capitania de Pernambuco seria prejudicada, pois alguns artigos não poderiam ser aplicados,
visto serem muito específicos para o contexto ao qual foi planejado. Especialmente no que se
refere às questões econômicas, com os gêneros que não podiam ser cultivados e que era de
interesse da metrópole, assim como em questões culturais, como o uso da Jurema, típico dos
grupos indígenas do nordeste.116
Baseados nos trabalhos de Maria Idalina da Cruz Pires e Fátima Martins Lopes, que
abordam três pontos básicos nos quais a lei seria desenvolvida para garantir o sucesso dos
objetivos da Coroa, que seriam: a civilidade, a cultura e o comércio. A partir deste tripé,
elaboramos um quadro comparativo no qual serão expostas as mudanças e adaptações que o
Governador de Pernambuco, Luiz Diogo, tinha planejado para a implantação do Diretório
pombalino em Pernambuco.
plantio de subsistência:
21 – 23 25 e 26 mandioca, feijão, milho e
arroz.
plantio comercial: algodão e
24 – 25 27
tabaco, modificações.
Plantio comercial: anil,
colheita de drogas e raízes
medicinais, cultivo de
Nada consta Artigo 28 – 39 gravatá, cultivo e extração de
dendê e madeiras diversas,
cultivo de pasto para
pecuária.
Fala sobre o gado, os pastos
e a maneira como os currais
serão feitos. Estipula
também que se tenham
Pecuária Nada consta Artigo 33 a 37 guardas responsáveis pelo
cuidado dos animais; trata
ainda do uso deste gado que
basicamente seria para corte
e uso nas atividades diárias.
Recolhimento e
Artigo 27 - 33 Artigo 41 – 47
contabilidade dos dízimos.
[...] civilizar seria, tanto para os homens quanto para os objetos, abolir todas
as asperezas e as desigualdades, ‘grosseiras’, apagar toda rudeza, suprimir
tudo que poderia dar lugar ao atrito, fazer de maneira a que os contatos
sejam deslizantes e suaves. A lima, o polidor são os instrumentos que,
figuradamente, asseguram a transformação da grosseria, da rusticidade em
civilidade, urbanidade, cultura[...]117
A utilização do índio como escravo nas lavouras da colônia foi reafirmada em leis que
permitiram três modos de apropriação de indígenas: os resgates, que consistiam basicamente
na troca de índios prisioneiros de outros índios por mercadorias. Em Alvará de 1574, somente
os índios “à corda”, ou seja, já presos e amarrados para serem mortos, podiam ser objeto de
um resgate, os índios obtidos por esses expediente, tinham sua escravidão limitada a dez anos;
os cativeiros eram os índios apresados numa chamada “guerra justa”, consentida e
determinada pelas autoridades régias, contra certas etnias, onde nesse caso o cativeiro era por
toda a vida; e a última categoria eram os descimentos, referiam-se a deslocamentos forçado de
nativos para as proximidades das instalações europeias, onde os índios exerciam trabalhos
para os senhores118.
117
STAROBINSKI, Jean. Op. cit., 2001, p. 26
118
ALENCASTRO, Luiz. Op. cit., 2000, p. 119.
119
SCHWARTZ, Op. cit., p. 52-53
60
Nesse contexto, percebemos que, com a chegada dos europeus e a inserção do trabalho
indígena primeiro para as feitorias e depois nos engenhos modificou o cotidiano e a sociedade
nativa radicalmente. Os índios passaram a trabalhar de forma sistemática, sendo peças chave
no projeto colonizador de exploração implantado pelos europeus. E esse trabalho na grande
lavoura não se ajustava aos padrões sócio-culturais dos indígenas, mas iam de encontro aos
aspectos fundamentais da sua vida. Desta forma,
120
RAMINELLI, Ronald. Imagens da colonização: a representação do índio de Caminha a Vieira. Rio de
Janeiro: Edusp / FAPESP / Jorge Zahar Editor, 1996.
121
SCHWARTZ, Op.cit., p. 45
61
urbanos que, embora sofressem desfalque de população devido à demanda das expedições,
eram unidades autônomas de produção122.
122
FARAGE, Nádia. Op. cit., 1990, p. 27
123
LEITE, Serafim. Op. cit.
124
FAORO, Raimundo. Op. cit., 2008, p. 231
62
lusitana atrasada e pobre diante de outros países europeus, bem como às necessidades dos
colonos, que visavam à produção e enriquecimento127.
Assim, uma vez que estes três objetivos fossem alcançados, Portugal ganharia também
vassalos para El Rei, o que significava para este direitos e deveres a serem aplicados aos
índios, como pagamento de tributos, controle da mão-de-obra, garantindo serviços e
comércio, além do controle do Sertão, bem como das especiarias, chamadas de “drogas do
sertão” e demais gêneros que se produziam neste espaço.
O comércio entre os nativos e os colonos era utilizado também como forte argumento
para se garantir a civilidade dos índios e sua inserção no mundo colonial. Diferente da política
missionária, que segregava os nativos, acreditava-se que através do contato com os colonos e
suas práticas cotidianas, os indígenas se tornariam mais facilmente vassalos de El Rei.
127
COELHO, Mauro. Op. cit., 2005, p. 117 a 134.
128
Artigo 36, Diretório do índios / artigo 50, Direção em Pernambuco.
64
Todo esse trabalho realizado a custo dos indígenas era rigorosamente controlado pelos
Diretores, a quem cabia preparar os nativos para as atividades a serem exercidas na nova vila.
Pois, os antigos aldeamentos eram considerados de péssima qualidade, conforme registrado
no parágrafo setenta e oito da Direção, que consideram estado de ruínas, vivendo os índios em
choupanas à imitação dos que viviam nos matos.
No artigo vinte e quatro da Direção, nota-se que uma das preocupações do Governador
e Capitão General da Capitania de Pernambuco era com a falta de mantimentos e víveres. O
capitão general apontou também como responsável pela carência de produtos básicos dois
motivos: primeiro a ociosidade apontada como vício geral e insuperável a todas as nações
incultas e o segundo o uso errado feito do trabalho dos índios, que foram utilizados pelos
padres nos aldeamentos e missões para fins particulares. Prejudicando, conforme afirmou na
Direção, não só os moradores da Capitania que se sentiam prejudicados por não terem quem
os servisse e ajudasse na colheita, bem como os próprios índios que também sofriam e
padeciam com as práticas dos padres, pois com o trabalho compulsório prestado aos
particulares não lhes sobrava tempo para cuidarem de suas próprias colheitas,
consequentemente passando por profundas privações.
sendo pois a cultura das terras o sólido fundamento daquele comercio, a que
129
Artigo 26, Direção em Pernambuco
65
O anil também foi considerado de igual utilidade pelo Governador da Capitania, Lobo
da Silva, pois com o incentivo da produção de algodão para fabricação de tecidos, o
tingimento também tendia a crescer. Nesse período, o anil era utilizado para a tintura dos
panos, sendo muito procurado na Europa por várias nações, também era considerado um
produto de rápida saída, portanto de lucro fácil.
130
Artigo 27, Direção em Pernambuco.
131
BARBOSA, Bartira Ferraz. Paranambuco: herança e poder indígena Nordeste séculos XVI – XVII. Recife:
Ed. Universitária da UFPE, 2007, p. 133
132
Idem, p. 136
66
Além disso, com o incentivo a outro tipo de atividade econômica além da cana-de-
açúcar, garantiria cada vez mais a interiorização da ocupação portuguesa nas terras da
Capitania aliviando a faixa litorânea, já saturada de colonos, escravos e vadios. Esse processo
implicou também na ocupação de fato dos sertões, área que ainda vivia longe do controle
rigoroso da Coroa portuguesa. Na pesquisa feita por Kalina Silva, a conquista do interior da
colônia (o Sertão nordestino) ganhou diferentes significados para os grupos envolvidos: para
Coroa significou alargar os seus domínios para além do litoral e assegurar a defesa interna
contra possíveis invasões; para as elites coloniais, a possibilidade de aquisição de terras (as
sesmarias) e títulos; para os paulistas, a busca de terras, títulos e escravos; para a Igreja a
abertura de novas fronteiras para a catequese; para os grupos indígenas além das perdas, a
possibilidade de negociar com a sociedade que estava se construindo; e para os pobres e
vadios das vilas açucareiras, a possibilidade de ascender socialmente e aquisição de terras
“desocupadas”134
133
A Companhia Geral de Comércio de Pernambuco e Paraíba - Fundada em 1759, detinha o monopólio do
comércio na área de Pernambuco e suas capitanias subalternas; como também do tráfico delas para a Costa da
África. Possuia privilégios parecidos com os de sua congênere do Grão-pará e Maranhão. A empresa que em tese
iria promover o dinamismo da empresa açucareira, maior circulação de numerário, promover empréstimos aos
produtores coloniais, como também fortalecer a elite mercantil da capitania; foi um instrumento de barganha
para os que ocuparam os cargos diretivos da respectiva Companhia, em Pernambuco. Para Clara Farias de
Araujo a Companhia teria sido fundada após a solicitação dos homens de negócio da praça de Pernambuco de
uma companhia que atuasse interna e externamente no resgate de carnes secas e couros do Sertão e escravos na
Costa da Mina (anais XIV Anpuh-Rio). O privilégio das companhias iam desde o monopólio do comércio, da
navegação e dos direitos ficais até o “direito de senhoria”, ou seja, a organização política dos territórios
ocupados, podendo armar exércitos e marinhas de guerra para executar operações terrestres e navais que
resultassem na ampliação das possessões marítimas. VAINFAS, Ronaldo (Org.). Dicionário do Brasil Colonial,
1500-1808. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2000. p. 128. Mais informações consultar: RIBEIRO JÚNIOR,
José. Colonização e monopólio no Nordeste brasileiro: a Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba (1759-
1780). 2ª ed., São Paulo: Hucitec, 2004. CARLOS, Érica Simone de Almeida. O fim do monopólio: a extinção
da Companhia Geral de Pernambuco e Paraíba (1770-1780). Recife: UFPE. 2001. (Dissertação de Mestrado em
História).
134
SILVA, Kalina Vanderlei Paiva da. 'Nas Solidões Vastas e Assustadoras': os pobres do açúcar e a conquista
do sertão de Pernambuco nos Sséculos XVII e XVIII. Recife, UFPE: 2003, p. 188, 234 e 311 (Tese de Doutorado
em História).
67
Cada detalhe das atividades nativas seria controlado e regulamentado como podemos
observar no parágrafo vinte e um, logo abaixo da Direção em Pernambuco, nota-se o cuidado
que o governador, aliado aos desejos da Coroa, teve em preparar e manter os indígenas para o
serviço nos moldes coloniais, com argumentos que foram além do castigo físico.
Desta forma, os índios não podiam trocar seus produtos por qualquer artigo, era
função dos diretores controlar e fiscalizar as trocas e vendas realizadas entre nativos e
colonos. Estas funções foram apontadas como prova de confiança e lisura por parte da
administração, pois, conforme apontava o regimento, era rotineiro enganar os índios no
comércio. Para evitar estes transtornos, tanto o Diretório quanto a Direção concluíram que,
[...] para que os Diretores possam dar uma evidente prova da sua fidelidade e
135
Artigo 21, Direção em Pernambuco
136
Direção em Pernambuco
68
zelo, e os índios vender os seus gêneros livres de todo o engano com que até
agora foram tratados, […] haverá em todas as povoações um livro chamado
do comércio, rubricado pelo Provedor da Fazenda Real, no qual os Diretores
mandarão lançar pelos Escrivães das Câmaras, ou do publico, e na sua falta
pelos Mestres das escolas, os frutos e gêneros que venderem, e fazendas com
que os comutarem, explicando-se a reputação destas e preços daqueles, além
dos nomes das pessoas com que eles comerciaram, de cujos assentos
assinados pelos mesmos Diretores e comerciantes se extrairá uma lista em
forma autêntica, que se remeterá todos os anos ao Governador destas
capitanias para que se possa examinar com a devida exação a pureza com
que eles se conduziram, como matéria da primeira importância, por depender
em grande parte dela a subsistência e aumento do Estado137
O trabalho manual realizado pelos índios extrapolou as fronteiras das povoações e
vilas indígenas, chegando ao universo colonial como um todo. Na verdade, esta força de
trabalho sempre foi cobiçada pelos colonos, pois era de baixo custo. A lei previa que os
indígenas transformados em trabalhadores poderiam e deveriam ser enviados e distribuídos
entre os colonos que precisassem de mão-de-obra. Como vimos, neste período, fazendeiros,
senhores de engenho e colonos em geral, frequentemente reclamavam que ficavam sem ter os
operários de que necessitavam para a produção das lavouras e para a extração das drogas. Tal
fato, consequentemente ocasionara a diminuição nas produções e o declínio do comércio na
Capitania que, neste período, saiu um pouco do foco da Coroa, graças ao lucrativo
crescimento das atividades mineradoras, que estavam absorvendo muito a mão-de-obra
escrava.
Uma das soluções adotadas pela Coroa para resolver o problema da sustentabilidade
econômica da Capitania e dos colonos respectivamente, e que fora referendada tanto no
Diretório como na Direção foi a "distribuição dos índios" entre os agentes da colonização,
como pode ser visto abaixo:
137
Artigo 58, Direção em Pernambuco
138
Artigo 67, Direção em Pernambuco.
69
receber soldo em troca de sua mão-de-obra. A remuneração deveria ser feita de acordo com o
“jornal regulado pela lei de junho de 1665, que consiste em ganhar o trabalhador por dia uma
parte mais do que consome no seu sustento, e o oficial duas, além do que no mesmo dispende,
em premio de ter aprendido o seu oficio”139. O pagamento deveria ser entregue aos
responsáveis pelo nativo, no caso, os diretores das vilas, visto que eles eram tutelados, item
previsto também no Diretório.
De acordo com a Direção, o trabalho fora das vilas indígenas deveria seguir um tempo
pré-estabelecido, sendo o controle dessa mão-de-obra realizado a cada seis meses, quando os
colonos tinham que prestar contas aos diretores das vilas, ou sempre que fossem solicitados.
Esta era uma solução que, segundo a legislação, dava garantias para os índios de serem
tratados como trabalhadores livres e não escravos.
Sendo um dever prestar serviços para as vilas coloniais e fazendas, aos índios que se
recusassem a sair de suas vilas e lugares, eram aplicadas várias punições dentre eles, sendo os
líderes dos “motins” mantidos acorrentados enquanto trabalhavam para servirem de exemplo
para os demais. A questão de subjugar as lideranças indígenas era importante, pois dentro da
estrutura social nativa, elas exerciam grande poder entre os índios, apesar de comumente não
existir uma hierarquia entre eles, como na sociedade colonial europeia.
139
Artigo 16, Direção em Pernambuco.
70
Uma das novidades geradas com o Diretório Pombalino como visto anteriormente, foi
a mudança de uma política de segregação para uma política de assimilação. Para tal fim, além
de transformações sociais importantes, houve também uma mudança nos espaços e suas
denominações e administração com a elevação dos aldeamentos indígenas em vilas ou lugares
portugueses. Para efetivar essa mudança de estrutura, foi necessária a adaptação desses
lugares para os moldes portugueses. Assim, a implantação destas novas vilas coloniais exigiu
certas estruturas, como novas casas, prédios públicos para receber os administradores, casas
de câmara e cadeia dentre outros.
140
MEDEIROS, Ricardo. Op. cit., 2007, p. 125 a 160
141
Lopes, Fátima. Op. cit., 1999, p 114
71
funcionar como vilas coloniais, objetivo considerado essencial para que os indígenas
pudessem sair do estágio em que se encontravam e para que as vilas lograssem os lucros
dessas atividades.
O primeiro passo para transformação das vilas foi a regulação e criação de cargos
públicos; como juízes; meirinhos; mestres; vereadores; capitães-mores dentre outros, para
efetiva instalação da nova unidade colonial. Algumas dessas funções como a de vereador
poderia ser exercida pelos índios, considerados mais aptos e civilizados. Esta foi inclusive
uma forma de persuasão e de mostrar aos nativos que existia uma nova política sendo
implantada, diluindo-se a diferença entre brancos e índios. Cabia também ao Governador
solicitar que as novas vilas buscassem meios de sobreviverem sem auxílio da Coroa.
142
Parágrafo 60, Direção em Pernambuco
72
expedida, além da fatura das lenhas nas vilas, ou lugares, em que tenhão
conveniência pela proximidade dos engenhos de praticar esse trabalho.143
Para o que terão grande cuidado de pedirem aos principais lhes dêem de cada
vila oito índios dos que reconhecerem com mais aptidão para aprenderem os
ofícios mecânicos, como sejam dois para pedreiros, dois para carpinteiros,
um para ferreiro e serralheiro, um para sapateiro, um para alfaiate e um para
barbeiro; os quais serão obrigados a remeter aos capitães-mores das antigas
vilas ou cidades circunvizinhas, para estes lhes faltando com o devido trato e
vestuário necessário a poderem comodamente subsistir em premio do
trabalho, que deles receberem no tempo em que aprenderem os ditos ofícios,
como se pratica entre os brancos; em que terão grande cuidado os mesmos
capitães-mores e justiças das referidas vilas, mandando, na mesma forma dos
lugares, um para cada um dos mencionados ofícios, por carecerem estes de
menos oficiais.”144
Pelo trecho acima percebemos que para a primeira fase de implementação da Direção,
que seria a transformação dos lugares de índios em vilas coloniais, os ofícios de mecânicos
exercidos pelos índios seriam essenciais e basilares, visto que toda uma estrutura física
deveria ser instaurada e mantida, sendo necessário para tal de trabalhadores aptos a realizar
tais tarefas.
143
Parágrafo 61, Direção em Pernambuco.
144
Parágrafo 14, Direção em Pernambuco.
73
O trabalho dos mecânicos não foi pensado apenas para uso interno das vilas. Pelo
contrário, junto ao desejo de incorporação dos índios ao universo colonial, existia uma
preocupação de suas atividades serem úteis às demais localidades da Capitania e com maior
proporção, conforme indicado no artigo quinze, que previa inclusive a criação de fábricas de
telhas e tijolos e fornos de cal. Nessas manufaturas, os homens mais habilidosos produziriam
materiais para fundação dos edifícios públicos e ornamento dos mesmos, atividades que
fomentavam o comercio intracolonial, dinamizando a vida econômica dos novos espaços
urbanos.
Sendo a base da economia das novas vilas, a agricultura era um serviço obrigatório a
ser realizado pelos homens que ficassem na vila. Estes eram divididos entre si para cuidarem
de suas lavouras e das lavouras ditas como comunitárias, que era uma parte da terra na qual,
todos deveriam prestar serviço, pois seu fruto era destinado a manter as viúvas, idosos e
inválidos que não tinham condições de se sustentarem. O trabalho nestes roçados também
poderia ser realizado pelos índios que desobedeciam às ordens e/ou às leis, que receberiam
como castigos a tarefa de cuidar sem soldo dessas roças.
Nas vilas também tinham os currais, com algum gado que serviria de apoio para as
atividades cotidianas como transporte de mercadorias; uso nas lavouras; produção de leite e
até carne. O gado domesticado poderia ser alugado para as partes circunvizinhas e para
aqueles que não tiverem condições de possuir um animal, o pagamento poderia ser feito a
dinheiro ou frutos devidamente regulamentados pelas câmaras145.
Do gado, poderia também obter o couro, que deveria ser cuidadosamente secado, “[...]
pondo-os ao sol com o carnal para a terra, e o pêlo ao ar, afim de se expelir toda a humidade
de que se origina a sua corrupção, ficando desta sorte aptos para o curtimento e
145
Parágrafo 35, Direção em Pernambuco.
146
Idem.
74
utilizados[...]”.147
Sendo este comércio tão enriquecedor, a lei determinava ainda que os principais,
capitães-mores, diretores e demais autoridades que enviassem cada um alguns índios para
irem pessoalmente explorarem os produtos do Sertão em seu lugar, visto que era fundamental
a permanência destes homens nas vilas. Conforme a lei os homens não poderiam ultrapassar a
quantidade seis, podendo os responsáveis pela infração serem punidos.
147
Parágrafo 38, Direção em Pernambuco.
148
Parágrafo 32, Direção em Pernambuco.
75
dentro da sociedade ameríndia, sendo seus trabalhos uma das bases dessa sociedade. Cabia a
elas o cuidado com a alimentação, que ia desde o cultivo dos alimentos, como a extração, a
preparação e divisão entre a comunidade. Além do plantio, eram elas também coletavam os
frutos e faziam as bebidas utilizadas nas refeições diárias para as guerras e os rituais
religiosos. Como tal, elas eram responsáveis pelo transporte da caça, fiavam algodão, teciam
as redes e cestos; fabricavam os utensílios de cerâmica; cuidavam dos filhos e dos animais,
enfim, eram fundamentais na sociedade.
Mas, essa sociedade não era tão rígida assim, algumas índias conquistavam o direito
de viverem como homens.
Algumas índias há também entre eles que determinam de ser castas, as quais
não conhecem homem algum de nenhuma qualidade, nem o consentirão
ainda que por isso as matem. Estas deixam todo o exercício de mulheres e
imitam os homens e seguem seus ofícios como se não fossem fêmeas.
Trazem os cabelos cortados da mesma maneira que os machos, e vão à
guerra com seus arcos e flechas e à caça perseverando sempre na companhia
dos homens, e cada uma tem mulher que a serve com que diz que é casada, e
assim se comunicam e conversam como marido e mulher149.
Com a abrupta inclusão das comunidades indígenas às regras europeias, essa
“liberdade” permitida á mulher foi totalmente retirada. Na sociedade europeia, o mundo
feminino era permeado de regras e deveres, e a quebra dessas normas trazia para elas o
ostracismo social, sendo colocadas imediatamente à margem da sociedade.
Entre os indígenas, a mulher possuía certo prestígio, assim, muitas índias, quando
capturadas pelos matos, eram remetidas às vilas e lugares onde, depois de devidamente
instruídas, eram enviadas para os mesmos matos para persuadirem os homens para se
reduzirem aos lugares de índios: como as 17 mulheres capturadas de uma grande maloca dos
Ohê, no sertão pernambucano, sendo elas cuidadas e instruídas para voltarem aos matos e
persuadir os outros índios a se aldearem. Os índios, portanto, atraídos, eram conduzidos à
missão do Araxá150. Essa era uma função atribuída às mulheres para convencerem os índios
que viviam nos matos. Todavia, quando aldeados o tratamento era outro.
149
GANDAVO, Pero. Op. cit, p. 126
150
Carta do Sargento-mor Jerônimo Mendes da Paz ao governador de Pernambuco Povoação de Belem de S.
Francisco. 09/09/1760, ACL_CU_LIVROS DE PERNAMBUCO, Códice. 1919, fls. 133-145.
76
Esta instituição já era utilizada pelos povos Tupi como regulador de hierarquia social,
legitimação de alianças e pacificadoras de conflitos, mesmo momentaneamente entre as
nações. Com a instalação dos colonos europeus, estes acabaram utilizando o casamento como
uma forma de introdução ao universo indígena, pois, através do casamento com as índias, os
portugueses foram “incorporados na figura de 'genros' aproveitando a relação, para introduzir
objetos do seu universo como armas, ferramentas mais funcionais para o trabalho na mata,
quinquilharias cobiçadas pelos principais e até mesmo, condições de aliança e cooperação
contra os inimigos de ambas as partes”151. Tudo isso serviu como preparação para a efetiva
ocupação das terras, legitimadas pelo grau de parentesco incorporado.
As índias já exerciam algumas dessas atividades, mas não nos moldes europeus. Desta
forma, foram criadas escolas, onde as mestras responsáveis por transformarem as índias em
151
SILVA, Geyza. Op. cit., p. 52
152
COELHO, Mauro Cezar. Do Sertão para o mar: Um estudo sobre a experiência portuguesa na América, a
partir da colônia: o caso do Diretório dos índios (1751-1798). São Paulo: USP, 2005, p. 184 (Tese de Doutorado
em História).
77
mulheres de bem e sobretudo, úteis ao estado, através de suas rendas e costuras. Para garantir
o sucesso ministravam as atividades para que as moças fossem devidamente instruídas nos
ofícios acima citados.
Muitas das moças eram destinadas à produção de fios de algodão e tecidos, sendo,
portanto, as mulheres inseridas no comércio colonial através também da produção de rendas,
Para tal atividade “foram enviados para as vilas jogos de bilros, agulhas e linhas com que as
meninas aprenderiam a fazer rendas que deveriam ser vendidas para ajudarem no sustento das
moças que as produziam”153.
Mas, para a devida inserção com pleno sucesso dessa índia ao universo colonial, elas
deveriam se dedicar também ao aprendizado da Língua Portuguesa, por isso tinham a
permissão de frequentar a escola de primeiras letras, sendo obrigatório, inclusive para as
crianças como veremos adiante.
153
LOPES, Fátima. Op. Cit., 2005, p. 312
154
FUNES, Rudnei Francisco. Educação e autoridade: Um estudo do Ratio estudiorum. Piracicaba: Unimep.
2006, p. 10 (Dissertação de Mestrado em Educação).
78
Erradicar os costumes dos nativos era uma preocupação constante mesmo quando sua
administração era de responsabilidade do clero regular. Essa precaução acompanhou todo o
período colonial, sendo comuns as queixas dos padres e colonos à metrópole relatando a
dificuldade de conversão e civilização dos íncolas que, mesmo depois de aldeados, fugiam das
missões se embrenhando no mato, voltando a viver como “bárbaros”.
155
MELLO, José Antônio Gonsalves de; ALBUQUERQUE, Cleonir Xavier de. Cartas de Duarte Coelho a El-
Rei. Recife: Imprensa Universitária, 1967, p.88.
156
SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brazil (1500-1627). Curitiba: Juruá, 2009, p.121.
157
NAVARRO, Azpilcueta, et. al. Cartas Avulsas (1550 – 1568). Belo horizonte. Ed. Itatiaia. São Paulo EDUSP,
1988, p.427.
79
Joan Nieuhof, também no Século XVII, apontou que até certo ponto, os índios vivendo
entre os europeus, seguiam a doutrina cristã “mas de maneira tão tíbia, que poucos
perseveraram em seu zelo até idades avançadas [...] isso principalmente porque somente
enquanto crianças, longe de seus pais aceitavam os artigos principais da nossa fé” 159.
Tomando como base o artigo seis do Diretório, que afirma ser necessária a adoção da
língua do Rei, o Governador de Pernambuco, Lobo da Silva incluiu, conforme informou em
carta enviada a Francisco Xavier de Mendonça Furtado, que pediu ao Padre Dr. Francisco
Guedes Cardoso e Menezes, Secretário da Reforma Jesuíta, Juiz dos Resíduos do Bispado e
Arcediago da Sé de Olinda, para traduzir uma cartilha francesa e elaborar a “Breve Instrução
para ensinar a doutrina Cristã, ler e escrever aos meninos, e ao mesmo tempo os princípios da
língua portuguesa e sua ortografia”. Este documento era composto também de uma cartilha,
com princípios de gramática e ortografia portuguesa e uma espécie de guia para os futuros
mestres.160
O pré-requisito para exercer a função de mestre era que as pessoas fossem dotadas de
bons costumes e prudência. A criação de uma cartilha era uma necessidade fundamental, para
direcionar e padronizar o ensino, pois nem todos indicados eram mestres de formação. Um
exemplo disso são os mestres nomeados para a Capitania do Rio Grande do Norte, todos
enviados para assumirem o ensino eram na verdade soldados de El Rei. Assim sendo,
erudição não deveria ser a especialidade destes homens. Kalina Silva nos apresentou esses
soldados que tinham por ofício a defesa da colônia, como homens extraídos, basicamente das
camadas mais marginais da sociedade. Desta forma, a necessidade de se criar uma cartilha
com instruções, normatizando o direcionamento das aulas, era de fundamental importância e
necessidade, além de ser uma forma de garantir e controlar o conteúdo, portanto a visão de
mundo que seria transmitida.
161
Cartilha, enviada junto aos diretores para fundação das vilas, AHU, caixa 89.
162
MAIO, Lígio José de Oliveira. Serras de Ibiapaba. De aldeia a vila de índios: Vassalagem e identidade no
Ceará colonial, Século XVIII. Niteroi: UFF, 2010, p. 254 (Tese de Doutorado em História).
163
POMPA, Cristina. Op. cit., 2003, p. 32
81
Fátima Lopes, em seu estudo, apontou que a adoção da língua portuguesa seria uma
maneira de converter e civilizar os nativos, uma vez que a língua indígena permitia a
transmissão de valores culturais indígenas, dificultando a transformação sócio-cultural
desejada pelos agentes da administração colonial165. Desta forma os administradores do
período pombalino, viram na língua nativa um entrave, que impedia os nativos de
socializarem com os colonos, por isso, quando o Diretório foi implantado, ela foi substituída
pela língua do rei, justificada como um sinal de civilidade dos indígenas e sucesso para a
Coroa visto que,
Desta forma, a conquista linguística era apontada pela Coroa portuguesa como fator
164
BITTENCOURT, C. M. F.; Silva, A. C. da. Perspectivas históricas da educação indígena no Brasil. In: Prado,
M. L. C.; Vidal, D. G. (Orgs.). À margem dos 500 anos: reflexões irreverentes. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2002, p. 63-81.
165
LOPES, Fátima, op. cit., 2005, p. 89
166
Parágrafo 6, Direção em Pernambuco, (grifo nosso).
82
crucial para a completa “assimilação cultural” dos nativos, visto que, nos aldeamentos, não se
falava o idioma português, ficando o universo colonial comprometido. O uso da língua geral
foi justamente considerado pelo Governador Mendonça Furtado da colônia do Grão-Pará e
Maranhão, como uma arma dos Jesuítas para controlar os índios nos aldeamentos, pois, por
dominarem a língua nativa, seus discursos eram facilmente entendidos pelos aldeados, ao
mesmo tempo em que mantinham uma distância desses índios com os colonos, pois não havia
entendimento linguístico tão rápido quanto entre os missionários.
Com a implantação da lei pombalina, a escola regulamentar e básica era realizada aos
moldes europeus, o que previa antes de tudo educação religiosa, incluía também a leitura, a
escrita e contagem, servindo como a base tanto para os meninos quanto para as meninas para
antes de tudo aprenderem o idioma português. Os meninos frequentariam a escola até a idade
de 14 anos quando deveriam ser entregues aos mestres para aprenderem algum ofício
mecânico, pois as atividades relacionadas com a terra viam aprendendo no dia a dia.
Para as meninas, estava reservada outra sorte. Estas aprendiam, até a idade de 9 anos,
apenas as primeiras letras da Língua Portuguesa, pois não era interessante continuarem nos
estudos, uma vez que a finalidade maior da educação feminina era a de boa esposa e mãe,
tendo uma vida reclusa, voltada para o lar. Desta forma, frequentavam as escolas para
aprenderem a Língua Portuguesa, bem como tecer, fiar, costurar e fazer rendas.
167
Documentos sobre o índio brasileiro (1500-1822): 1ª parte. Revista de Informação Legislativa, 28, São
Paulo, pp. 437-520.493) / FERREIRA NETTO, Waldemar. Os índios e a alfabetização: aspectos da educação
escolar entre os Guarani de Ribeirão Silveira. São Paulo: USP, 1994, p. 35. (Tese de Doutorado em Semiótica e
Linguística Geral).
83
A educação regulamentar não estava somente na vida pública, ela também abarcava a
vida íntima. Pois, os colonos sabiam que não bastavam apenas algumas horas de lições diárias
com os mestres para erradicar a cultura ameríndia. Para o efetivo aprendizado da cultura
portuguesa, ela deveria abarcar todas as esferas da vida indígena, toda a sua sociedade, e
sendo a família a unidade básica dessa estrutura, ela também foi repensada.
Em uma sociedade patriarcal, na qual o chefe da família era o homem, foi permitido
aos colonos viverem nas novas vilas e foi incentivado por lei a formarem famílias através do
casamento com índias. Esta ação tinha tripla finalidade: social, econômica e também
pedagógica, pois “atribuindo à família um projeto do Estado: a educação de mulheres e
crianças conforme um padrão europeu, o qual previa a educação religiosa, não se limitava a
ela. Os pais deveriam incutir valores, formas de pensar, posicionamentos e uma nova atitude
168
Diretório..., 1988, p., 168-169
169
Artigo 9 Direção
84
que distinguisse e libertasse as novas gerações da herança deixada por seus avós maternos”170.
E essa “liberdade cultural” foi a mais veemente estratégia adotada para a submissão
dos nativos pensada ao longo do período colonial, com abordagens das mais díspares
possíveis, o que para muitos pesquisadores teria sido uma política com ações contraditórias.
Porém, ao mergulhar no universo colonial, a compreensão destas ações fica mais clara, pois o
que parece ser uma contradição, na verdade são estratégias adotadas a partir da classificação
dos índios entre os aliados e os não-aliados.
170
COELHO, Mauro. Op. cit,. p.104
171
SILVA, Geyza. Op. cit., p. 104
172
ALMEIDA, Regina,. Op. cit., 2003, p. 102
173
Idem, p. 119
85
Neste capítulo tentamos apontar quem foram os sujeitos, e as estratégias que foram
utilizadas para inserir os nativos que ainda não estavam submetidos ao sistema colonial, os
que haviam abandonado os aldeamentos, que viviam de corso pelos matos, impedindo a
efetiva implantação da política pombalina, e quais “resultados” surgiram deste embate.
Iniciaremos mostrando, em linhas gerais, o cenário onde os fatos aconteceram – o Sertão. Este
espaço influenciado pelo clima marcado pela rigidez da seca e “barbaridade” das pessoas se
tornou palco de conflitos, envolvendo colonos, padres seculares e missionários, índios “do
174
Para mais informações sobre o significado e sentido da palavra “Sertão” no período colonial consultar. O
trabalho ‘As Representações do Sertão no Imaginário Barroco Açucareiro Entre os Séculos XVI e XVIII de
Kalina Silva, segundo a autora o Sertão colonial foi definido enquanto Sertão a partir da construção de uma
imagem de deserto de súditos no século XVI. Tal imagem se baseava, não no fato de ser essa região um deserto
físico, mas pela ausência de exploração econômica efetiva que a caracterizaria como um espaço civilizado. Não
existia um único sertão, mas diversos: toda região para além da colonização, em suas fronteiras, era um sertão. E
tal conceito tinha pouco de geográfico, importando pouco as características climáticas, de relevo, vegetação.
Além disso, com a expansão gradativa da conquista e colonização, o Sertão era um espaço sempre em mutação.
175
ARAÚJO E. Tão vasto, tão ermo, tão longe: o Sertão e o sertanejo nos tempos coloniais. In: Del Priore, Mari.
Revisão do paraíso: os brasileiros e o estado em 500 anos de história. Rio de Janeiro: Campus, 2000.
87
mato” e até mesmo os aldeados que já inseridos no sistema colonial se tornaram aliados dos
portugueses.
Então, o Sertão, pode ser pensado no plural – Sertões, pois é também uma
representação, que é um símbolo construído em variados contextos históricos, servindo a
diferentes propósitos, em diversos momentos. A seguir, apresentaremos alguns pontos de vista
e concepções sobre nosso espaço de estudo.
Sertão. O senhor sabe: Sertão é onde quem manda é forte, com astúcia. Deus
mesmo quando vier, que venha armado!
Sertão. Sabe o senhor: sertão é onde o pensamento da gente se forma mais
forte do que o poder do lugar. Viver é muito perigoso (...)
O Sertão é do tamanho do mundo.
Sertão é o penal, o criminal. Sertão é onde homem tem de ter a dura nuca e
mão quadrada.
Sertão é isto, o senhor sabe: tudo incerto, tudo certo.
O sertão é isto: o senhor empurra para trás;, mas de repente ele volta a rodear
o senhor pelos lados. Sertão é quando menos se espera; digo.
176
BLUTEAU, Raphael. Vocabulário Português e Latino (1712-1727). Coimbra: 1712, p. 244.
177
BARROSO, Gustavo. Vida e história da palavra Sertão. 3 ed., v. 1 Fortaleza: ABC Editora, 2004, p. 9 -12
178
ROSA, Guimarães. Grande sertão veredas. Rio de Janeiro: José Olimpio. 12 ed., 1978, respectivamente. p.
17-18, 22, 59, 86, 121, 218, 343, 370 e 374
88
A maioria das reflexões sobre o Sertão aponta-nos como sendo um espaço distinto da
costa (litoral) que possuía riquezas não exploradas pelos portugueses; um local não civilizado
pelos súditos da Coroa portuguesa; um espaço de fuga e liberdade para os que não se
enquadravam na sociedade açucareira; um lugar temido ocupado por povos bárbaros e
selvagens personificados na figura dos grupos indígenas genericamente chamados de
“tapuia”, considerados inimigos da civilização portuguesa182. Enfim, nota-se então que não
existia apenas um sertão, mais sim vários sertões que tinham em comum o fato de ser um
espaço não civilizado pela sociedade colonial, apesar de já ser conhecido e demarcado
geopoliticamente em freguesias nem sempre com ocupação do homem branco183.
179
ROSA, Guimarães. Op. cit., respectivamente. p. 17-18, 22, 59, 86, 121, 218, 343, 370 e 374
180
SILVA, Kalina. Op. cit., 2003, p. 189
181
Idem, p.192.
182
Ibidem, p. 192, 214.
183
BARBOSA, Bartira. Op. cit., 2007, p. 11
184
Idem. p. 21. De acordo com o trabalho de Bartira Barbosa, as ordens religiosas também foram responsáveis
pela ocupação do território, no final do século XVII
89
mas obstaculado pela presença dos índios”185. Assim, ainda no Século XVII, documentos
oficiais citados por Pereira da Costa e Nelson Barbalho, levam-nos a admitir que muitas
léguas de terra foram doadas a ordens religiosas no intuito de instituir missões de catequese e,
a partir daí dispersar o processo de colonização”186 com a efetiva conquista de terras e
segurança através do controle dos nativos que habitavam aquele espaço.
De acordo com a historiadora Kalina Silva, o litoral foi também responsável pela
ocupação deste espaço, uma vez que já em meados do Século XVII e XVIII, a zona litorânea
era densamente ocupada, politica e economicamente pela sociedade portuguesa, que nestas
terras (re)criaram seu universo social. Esta sociedade era hierarquicamente dividida, excluía
os pobres e vadios que paulatinamente eram “empurrados” para ocupar outros espaços. O
lugar mais provável foi o sertão. Assim sendo, “O Sertão recebia o excesso populacional das
vilas canavieiras que não encontrando oportunidades de enriquecimento no litoral viam na
ocupação do interior a chance de acumular uma pequena fortuna”187, bem como a
possibilidade de encontrar um lugar dentro das estrutura social existente. Todavia, esse
ambiente não era um espaço desabitado, pelo contrário, era povoado por índios que lutaram e
travaram guerras de resistência a ocupação portuguesa, durante todo o período colonial.
O Jesuíta André João Antonil, no livro Cultura e opulência do Brasil, informava sobre
as condições econômicas da pecuária no Sertão do rio São Francisco, apresentando-as como
aparentemente restabelecidas.
185
SILVA, Kalina. Op. cit., 2003, p. 201
186
BARBOSA, Bartira, op. cit., 2007, p.113
187
SILVA, Kalina. Op. cit., 2003, p. 213
188
SALDANHA, Suely. Op. cit., 2002. p. 96.
189
ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil [1711]. 3ª ed. Belo Horizonte, São Paulo: Itatiaia,
90
Para historiografia colonial brasileira, “os Sertões” eram regiões não inseridas nos
processos civilizatórios, ou seja, ainda eram habitadas e controladas por grupos que não
estavam subjugados social e economicamente pelo poder oficial. No decorrer de todo o
período colonial, essa imagem praticamente não sofreu mudanças. O Sertão continuou sendo
– na visão das autoridades - o espaço habitado por índios ferozes, nada dispostos a aceitar o
contato com o europeu. Assim, tornou-se também um espaço de guerras contra estes
indígenas. Mesmo o Sertão mantendo-se como uma região perigosa, cada vez que a
colonização precisava avançar, novas áreas eram requisitadas e novas necessidades se
impunham aos colonos rumavam ao interior. Estas terras ao serem controladas, passaram a ser
condição importante para a viabilização econômica da colônia. Desta maneira, o Sertão no
século XVIII tornava-se uma região essencial ao projeto de civilização pensado para o
Brasil191.
A pecuária exigiria pouco desses excluídos sociais. O cuidado com o gado era mínimo,
pois estes necessitavam apenas de pasto, água e um pouco de atenção do vaqueiro, que
vigiava o comboio de animais que percorriam as terras em busca de alimento. Depois de certo
tempo, o vaqueiro poderia conseguir terras e a chance de ter suas próprias cabeças de gado.
Mas, este era um ambiente hostil, considerado terra de ninguém, um local onde colonos e
nativos resistiam e lutavam para garantir seu território, provocando uma instabilidade social
que atingia a todos, vilas, povoados, fazendas e até mesmo nas missões não existia sossego,
como podemos ver no excerto abaixo:
Na aldeia da [...] a que assistem dois Padres, vivem 200 tapuias pouco mais
ou menos, mas como estão oprimidos dos moradores, que os tem cercado da
sorte que os pobres não podem ter planta alguma; que logo não seja
destruída: donde resulta o irem em ranchos procurar o sustento pelo mato,
aonde gastam ás vezes 15 a 20 dias ao dano considerável de suas
consciências; tratamos de os mudar, e se anda atualmente fabricando nova
aldeia acima do sitio, com que agora assistem, algumas três Léguas. Esta
mudança tem custado bastante trabalho pela Repugnância dos moradores
quiseram estorvar, por que com ela cessão alguns dos seus interesses, o que
os missionários não querem atender com prejuízo das almas dos tapuias, cuja
educação está encomendada.193
No trecho acima, alguns pontos são importantes. O aldeamento não garantia uma
tranquilidade para os povos nativos. Por isso percebemos que estes sofriam com ataques da
vizinhança que destruíam suas roças, obrigando-os a procurar outros ranchos buscando o
sustento ou indo aos matos, o que afirmava o documento prejudicava o trabalho dos padres.
Para solucionar o problema do ataque foi necessário mudança da aldeia. Essa medida, também
não agradou aos moradores porque iam de encontro com os seus objetivos. Que interesses
seriam estes? Porque os moradores não queriam a mudança dos índios? Acreditamos, que
estes mesmos moradores oprimiam os nativos, prejudicando o progresso da aldeia porque se
utilizavam da força de trabalho destes índios em seus ranchos. E isto ia de encontro ao projeto
dos missionários que tinham por dever educar os tapuia para trazê-los à civilidade.
É nesse clima que se encontrava os sertões, um espaço “sem leis”, onde prevalecia o
mais forte, um local onde o poder da Coroa tinha pouco alcance, onde missionários, nativos
192
SILVA, Kalina. Op. cit., 2003, p. 188, 234 e 311
193
CONSULTA do Conselho Ultramarino ao rei D. Pedro II, sobre as cartas do Bispo de Pernambuco, [D. Frei
Francisco de Lima] e do prepósito da Congregação dos padres de São Filipe Neri, informando a situação das
missões naquele bispado.Anexos: 20 docs. AHU_ACL_CU_015_Avulsos de Pernambuco. Doc. 1859
92
Uma carta datada de 1761 exemplifica o que foi exposto acima. Este documento
representa o sertão como um local de refúgio para aqueles marginalizados pela sociedade
açucareira, pela frouxidão das regras coloniais: os vadios e “foras da lei” que buscavam esse
espaço como local propício para fugas.
[...] pela diversidade dos distritos, e sua vizinhança, costumam os que devem
alguma coisa as justiças de um território, destes refugiarem-se no outro, que
sendo sertões mal povoados de justiças em toda a parte enquanto se recorre
as justiças do respectivo distrito, tem a comodidade de se livrarem da de uma
e outra jurisdição, inconveniente a que acudiu a providência do Rei Nosso
Senhor.197
Do aspecto acima comentado, identificamos um traço geral na construção do
imaginário sertanejo: o Sertão foi comumente concebido como um espaço para a ampliação e
194
SILVA, Kalina, op. cit., 2005, p. 1 - 2
195
Idem, p. 206
196
Ibidem, p. 297
197
AHU_ACL_ CU_015. 31/ agosto/ 1761 – 3 documentos – Recife, 31 de agosto de 1761. Apud: CRUZ, Maria
Idalina,. Op. cit., p. 56.
93
também como o objeto de um movimento expansionista que buscou incorporar aquele novo
ambiente, assim denominado, a fluxos econômicos e sociais ou a uma órbita de poder que lhe
escapava naquele momento. Considerado um lugar inóspito, ausente de civilização deveria ser
além de ocupado incluído dentro do sistema colonial, tal qual ocorria no litoral, com ordens e
regras explicitamente elaboradas.
O Sertão também foi definido como um lugar ocupado por povos diferentes, exóticos,
qualificando-se como a morada dos “outros”198. Era um espaço com habitantes culturalmente
ou racialmente distintos na classificação dos tipos nacionais. Tratava-se de discursos que
classificavam a localidade como povoadas por seres identificados como saídos de outra época
ou descendentes de outra origem que aquela que tipifica a formação da nacionalidade199.
Enfim, “os Sertões” são muitos e “as narrativas constroem este lugar cultural cristalizando o
sertão enquanto conceito, ao mesmo tempo em que ele se dilui enquanto espaço
geográfico”200. Foi assim que concomitante à formulação do conceito e da imagem de sertão,
o conceito e a imagem do Tapuia também foi sendo construída.
198
TODOROV, Tzvetan . Nós e os outros: a reflexão francesa sobre a diversidade humana. Rio de Janeiro,
Zahar, 1997
199
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil, 1870-
1930. São Paulo, Companhia das Letras, 1993.
200
POMPA, Cristina. Op. cit., 2003, p.199.
94
inimiga. Até com alguns povos de sua própria nação trazem guerras
contínuas[...]”201
Os indígenas genericamente chamados de Tapuia eram os que:
201
BLUTEAU, Op. cit., p. 47
202
MAMIANI, 1942 [1698], Apud. KRAISCH, Adriana Machado Pimentel de Oliveira. Os índios tapuias do
cariri paraibano no período colonial: ocupação e dispersão. Mneme – Revista de Humanidades. UFRN. Caicó
(RN), v. 9. n. 24, Set/out. 2008, p. 21-22. ISSN 1518-3394. Disponível em www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais.
Acessado em 16/08/2012.
203
AHU. Códice 1919. Doc. 25/10/1759. 8/10
204
Idem
95
3.2 – A guerra das bandeiras: as mobilizações dos índios pela manutenção dos seus
espaços
Com o fim da Guerra dos bárbaros, estes homens, conhecidos por bandeirantes
tiveram sua atuação reduzida, uma vez que sua principal função era repressora. No entanto,
ainda foram solicitados no século XVIII, para acalmar os levantes provocados pelos índios
aos sertões207.
205
ABREU, Capistrano João. Capítulos de História colonial: 1500 - 1800 & Os caminhos antigos e o
povoamento do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1982, p. 113
206
PIRES, Idalina. Op. cit. p. 91
207
Idem. p. 92
96
se alcançar a paz, teve início uma guerra, pode soar incoerente, mas é justificável de acordo
com Starobinski:
Seguindo as diretrizes, Jerônimo da Paz se organizou para implantar a lei. Primeiro fez
um levantamento sobre as missões210 que já existiam na região do São Francisco, indicando a
localidade, a quantidade de moradores e quem eram os responsáveis pela missão. Ao todo, ele
contabilizou 12 missões, sendo 10 instaladas nas ilhas do rio São Francisco e 2 em terra firme.
Para melhor visualização do leitor, organizamos as informações em uma tabela que pode se
vista no quadro abaixo:
208
STAROBINSKI, Jean. As máscaras da civilização. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p., 26, 32
209
AHU_ Códice 1919, doc. 25/11/1759, p. 58 – 60
210
AHU_ Códice. 1919, doc. 21/12/1759. Relação das missões que existem no Rio São Francisco. p. 75-77
97
Missão de Ilhas do rio São Frades capuchos Porcas, e Até duas dúzias
Sorobabé Francisco portugueses Brancaruru de casais
Ainda de acordo com o levantamento sobre os indígenas que viviam na região do São
Francisco, Jerônimo Mendes da Paz identificou os Uman que não estavam reduzidos nas
missões, ele assim os descreveu:
Fora destes há os índios chamados Umans que não tem Aldeia, nem missão,
vivem sem rancho, nem morada certa, andando todo o ano caçando e
sustentando-se das frutas agrestes e de gados dos moradores, e a estes andam
agregados de outras nações: Saem dos matos algumas vezes, e trazem os
filhos para que os batize o Pároco, que algumas vezes os entretem alguns
dias ainda que com algum dispêndio afim de os catequizar e instrui-los nos
dogmas da nossa santa fé, o que não obstante se tornão aos matos.212
Este documento revela a fragilidade das relações que eram estabelecidas entre os
nativos e os padres responsáveis pela submissão da fé católica e civilidade. Estes índios
transitavam tranquilamente entre os dois mundos. Eram nômades, viviam livres pelo mato,
mesmo tendo conhecimento das normas da sociedade colonial, se recusavam a abandonar os
seus ritos, embora com as tentativas dos padres de convertê-los à santa fé. Todavia,
adquiriram o hábito de levar seus filhos para serem apresentados ao primeiro sacramento
católico cristão – o Batismo213. Este ritual era simbólico e no contexto colonial, possuía uma
característica peculiar, pois o neófito, na ocasião do batismo, recebia um novo nome, um
nome cristão, um nome civilizado, que lhe proporcionava ser aceito na sociedade portuguesa.
Pelo fato de não terem abandonado seu modo de vida, será que podemos afirmar que eles não
eram cristãos? O fato de muitos deles serem batizados já não é um sinal de que se trata de
índios cristãos, não-gentis? Ao que parece para o oficial “da Paz”, não por eles não estarem
submetidos a nenhuma missão e ainda viverem de corso era um sinal de que estavam à
margem da sociedade colonial, portanto, deveriam ser aldeados.
211
Publicada no Volume XXVIII dos Anais da Biblioteca Nacional, p. 117 a 496
212
AHU_ Códice. 1919, doc. 21/12/1759. Relação das missões que existem no Rio São Francisco. p. 76
213
São 7 os Sacramentos: Batismo, Eucaristia, Confissão, Crisma, Matrimônio, Ordem e Unção dos Enfermos.
99
A partir deste trecho, podemos ainda levantar outras questões, mas por ora ficaremos
com três possibilidades: a primeira sobre a ineficiência das missões que não cumpriam tudo o
que se propunham, que era tirar os indígenas do barbarismo em que viviam, submetendo-os
ao cristianismo; a segunda é apontar para o fato que mesmo vivendo pelos matos, com seus
antigos costumes, estes indígenas não deixavam de ser cristãos, pois traziam seus filhos para o
batismo ou poderia também ser encarado como uma forma de sujeição branda ao sistema.
Esse fato intrigou o sargento Jerônimo da Paz, pois mesmo com os esforços dos padres de
catequizarem estes índios, eles não se deixavam submeter à vida no aldeamento, voltando
sempre para a sua antiga vida nos matos; a terceira é, através deste excerto, conseguimos ver
claramente a mobilidade que permitia a vida pelos sertões, onde os índios dialogavam e
mantinham contato com o universo colonial quando assim desejavam, e mostrando que o
sistema de missões tinha suas adaptabilidades nesses espaços, que serviam de parada por
algum tempo até que o grupo decidisse deixá-lo. Conforme apontou Cristina Pompa214,
durante os séculos XVIII e XIX na região do São Francisco, existia um quadro de mobilidade
indígena, mostrando que as relações estabelecidas nesses espaços, eram maleáveis e apontam
estratégias políticas e culturais por parte dos nativos.
Para Maria Regina Celestino de Almeida, os aldeamentos não foram simples espaço
europeu e cristão, pois possibilitaram também a reconstrução da identidade e da resistência
indígena. “As aldeias coloniais foram também um espaço indígena, onde os índios
encontraram possibilidades de adaptar-se à Colônia, recriando suas tradições e
identidades”215. Subjugados pelo sistema colonial, os indígenas reagiram à sua nova condição,
reivindicando seus direitos, ainda que os fizessem em uma posição subordinada e em
desvantagem em relação aos demais súditos do rei216.
214
POMPA, Cristina. História de um desaparecimento anunciado: as aldeias missionárias do São Francisco,
século XVIII e XIX. In: OLIVEIRA, João Pacheco de (Org.). A presença indígena no Nordeste: processos de
territorialização, modos de reconhecimento e regimes de memória. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2011, p.
268
215
ALMEIDA, Maria. Op. cit., 2003, p. 90
216
Idem, p. 259
100
Na pesquisa através da leitura das cartas enviadas pelo o que conseguimos identificar,
haviam 14 bandeiras formadas por colonos, fazendeiros e ainda contavam com a participação
de alguns índios que relacionamos com as nações Panaty, Pega, Icozinho, Xucuru, Tamaquiu,
Carnijo e índios do Curral dos Bois, da parte da Bahia. Para melhor visualizarmos esses dados
confeccionamos uma tabela mostrando onde elas foram formadas, a quantidade de homens e
se era composta por indígenas.
Quadro 2 - Relação das bandeiras organizadas pelo sargento - mor Jerônimo Mendes da Paz
BANDEIRA COMANDANTE LOCALIDADE QUANTIDADE
DE MEMBROS
217
DANTAS, Beatriz Góis, SAMPAIO, José Augusto L, CARVALHO, Maria Rosário G. de, Os povos indígenas
no Nordeste brasileiro: um esboço histórico. In: CUNHA, Manuela Carneiro da (Org.). História dos índios no
Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, FAPESP. 1992, p. 446
218
Carta de 28/03/1760 ao capitão Faustino Vieyra. AHU_ACL_CU_015. Códice 1919, p. 101.
101
Comandante da Penedo
Freguesia de Nossa
Senhora do Ó da
Vila de Penedo –
capitão Ignácio de
Barros Leyte
Manuel de Góis
Francisco José
Seyxas
Francisco Barbosa
102
Capitão Cosme
(roiz) Rodrigues
[...] com os soldados moradores, e os cabos dos índios das Missões de São
Felis, Varge e Axará, e com os soldados das ditas aldeias busque a travessia
da cana brava que entra em São Francisco. Ocorrerá toda a campanha da dita
travessia mandando bater de uma e outra parte até encontrar os Índios
Pipipãns, Xocós, Oês aos quais mande persuadir que venham de paz, que
lhes não pretendo fazer mal, senão aldeá-los, e pô- los em termos de
gozarem das felicidades, que gozão os índios mansos das mais missões, e
que os não ei de matar, nem cativar, nem permitir que se lhe faça o menor
dano e só quero que venhão a obediência das leis do Rei Nosso Senhor, e a
viverem em sossego, e na lei de Jesus Cristo [...]219
Quando às negociações feitas pelos aldeados falhava, o sargento–mor mudava a
estratégia e ordenava o envio de índios que haviam sido presos de volta para persuadir os
outros de seu grupo a se entregarem a fim de serem reduzidos a algum aldeamento.
[...]E poderá ser colher alguma mulher com filhos, e entender portugueses
(sic), soltará a mulher, para que vá falar aos mais, e propor-lhes a paz,
deixando em penhor os filhos. O que tudo espero fará vossa mercê executar
com a inteireza que deve a honra e ao zê-lo do serviço do Nosso
Soberano[...]220
Neste trecho enxergamos o papel da mulher nesse processo, quando elas eram
obrigadas a fazer as negociações, para isso mantinham suas crianças em cárcere até a sua
volta aos matos a fim de negociar a rendição dos rebeldes e convencê-los a viver conforme as
leis coloniais.
219
AHU_Códice 1919. Doc 156
220
AHU_Códice 1919. Doc. 152
103
Mas, nem sempre a diplomacia vencia. Neste caso o comandante, baseado na lei,
exigia o uso da força, mesmo para aqueles que se recolhiam em alguma missão, como foi o
caso dos Pipipã e Paraquió, que deveriam ser presos e enviados ao sargento mesmo que se
abrigassem em uma missão.
221
AHU_ Códice 1919. Doc. 151
222
AHU_Códice. 1919. Doc. de 21/12/1759. pp. 75-77; Doc. 26/12/1759 pp 77-79
104
3.3 – O Diretório dos Índios: a fundação das vilas no Sertão Pernambucano e a política
de terras.
[...] Os que tinha vestidos, achei nus, e a maior parte fugidos, e o pior é que
não posso saber ao certo os que andam fugido, nem quais os que ainda se
conservam na povoação, porque todos os dias me aparecem de novo na
povoação uns, que eu já tinha por fugidos, e me desaparecem outros dos que
eu imaginava tinha mais empenhado na Povoação e mais seguros, e daí a
poucos dias me tornão a aparecer [...]225
A vida no Sertão seguia assim frouxa, sem muitas regras, mesmo com as sociedades
indígenas já aldeadas. As relações dentro destas aldeias eram mais maleáveis e até mesmo
para a escolha dos lugares eram respeitadas as experiências e costumes dos nativos, que
tinham conhecimento dos melhores pontos para fixarem moradia. De tal sorte, os aldeamentos
geralmente estavam localizados em terras férteis cobiçadas por colonos, que exerciam pressão
para esbulhar as terras. Com a política pombalina exigindo a redução dos aldeamentos, ela
serviu também para os não índios usurparem estas terras, posto que as missões deveriam ser
reduzidas e transformadas em vilas e povoados não mais restritos aos índios.
223
ABREU, Capistrano de. Op. cit., 1982, p. 138
224
AHU._Códice. 1919. Doc. de 21/12/1759
225
idem
105
[...] se fazia preciso em execução das ordens novamente expedidas, para este
continente reduzi-las a menor juntando todos os índios de uma mesma nação
naquelas aldeãs que se acharem mais convenientes [...] praticando o mesmo
a respeito das mais referidas e conciliando na união dellas aquelas nações em
que se reconhece mayor antypathia ou opozição a viverem em boa harmonia
[...] por deste modo se adiantar a civilidade dos mesmos [...]”226
A aplicação da política pombalina nos sertões pernambucanos foi bastante difícil,
mesmo com os índios já aldeados. Estes também resistiram às novas mudanças impostas, e
fugiam das povoações a que eram enviados, utilizando, inclusive das estruturas e jurisdição
vizinha a fim de abrigo. Como foi o caso dos índios da Missão do Axará que fugiram para
missão de Rodelas, recebendo proteção do frade da missão.
Nos sertões, logo após o “fim” das incursões no interior que ficaram conhecidas como
Guerra dos Bárbaros, muitas missões foram sendo criadas por diversas congregações. Por
volta de 1729 na Capitania de Pernambuco, existia 22 missões, em 1760 foram reduzidas para
14 e em 1763 as antigas aldeias indígenas foram incorporadas as recentes vilas que somaram
7. No quadro abaixo, visualizamos melhor em números, o impacto que a política pombalina
trouxe para os nativos do Sertão. O que antes eram 22 aldeias, onde viviam índios, foram
reduzidas a 7 vilas coloniais, ou seja, abertas para não índios. O impacto desta mudança
trouxe outras possibilidades para estes colonos que poderiam usufruir das benesses deixadas
pelos índios nas antigas aldeias.
Oratório
Pirassinunga Carmelitas X
Palmar Missionário: X
capitão terço do
palmar
226
AHU_ Códice. 1919. Doc. de 21/12/1759 pp. 75-77; Doc. 26/12/1759 pp 77-79
227
CAVALCANTI, op. cit. 2009. p. 91
106
Montanhas
Aratagui X Congregação do
Oratório
Comunaty
107
Para a implantação da nova política imposta aos povos indígenas, foram necessárias
além da força, negociações como, por exemplo, a distribuição para alguns índios de terras que
pleiteavam como forma de garantir seu apoio na luta contra os índios bravos e também como
forma de assegurar a fixação na terra. Foi o que aconteceu com o índio D. Felipe de Souza e
Castro, Mestre de Campo da Serra da Ibiapaba e principal, conforme revela o trecho do
documento a seguir:
Pelo trecho da carta, percebemos que o índio Felipe Castro detinha conhecimento das
estruturas sociais da Coroa. Utilizando de sua posição, o índio fez exigências em benefício
próprio, garantindo o que já possuía e exigindo mais terras para com isso manter a
estabilidade do aldeamento, que posteriormente se transformou em Vila Viçosa Real, e dos
demais índios que viviam causando instabilidade na região. O Governador Lobo da silva,
também conhecedor das estruturas coloniais e da força numérica que o Principal Felipe Castro
possuía, cerca de 7 a 8 mil almas, percebeu que não seria por imposição que a lei garantiria o
228
OFÍCIO do [Governador da Capitania de Pernambuco], Luís Diogo Lobo da Silva, ao [Secretário de Estado da
Marinha e Ultramar], Tomé Joaquim da Costa Corte Real, informando que os principais das aldeias reduzidas em
vilas, estiveram em sua companhia, para tomarem as instruções devidas. AHU_ACL_CU_015, Cx. 91, D.
7284.AHU_ACL_CU_015_Avulsos de Pernambuco. Doc. 1859.
108
sucesso das novas medidas, haveria que se ter negociação com os índios para diminuir as
discórdias, assim cedeu as exigências, pois era preciso ter aliados para apaziguar os ânimos
dos sertões.
A questão da terra servia também como um prêmio aos índios por seus serviços
prestados, como estímulo para outros seguirem seu exemplo e seria também benéfico para a
Coroa porque resultaria em dízimos para a Fazenda Real.
As incertezas acerca da execução das vilas eram muitas, a começar pelos índios que se
recusavam a partir de suas antigas localidades e seguiam o comando de seus antigos
missionários que os persuadiam a seguirem-no causando muitas vezes transtornos entre os
vizinhos, como apontou uma carta enviada à Jeronimo da Paz informando que os índios da
missão Axará saíram da vila de Assunção, ao qual foram remetidos e partiram para a Bahia e
Missão do Rodelas persuadidos por pessoas de má intenção. A Carta informa, ainda que
nativos do lado baiano do São Francisco navegavam para o lado de Pernambuco, roubando as
fazendas de gado das redondezas e em algumas ocasiões [...] se expuzeram nas vizinhanças da
Povoação da Assunção em parte acomodada a inspirarem em os índios o que podem afim de
me perturbarem no progresso desta diligencia[...]”.230
229
Idem
230
Carta de Jerônimo Mendes da Silva. AHU_ACL_CU_015, Cx. 90. Doc. 7211
109
comandante que os índios apoiados pelo padre, oficiais, soldados e alguns senhores e
moradores, se recusam a ir à vila de Assunção. “[...] os índios meteram-se na Igreja, e dizem
que de lá não saem, e por esta razão é que o Missionário se mostra mais empenhado. Vossa
Mercê mande o que for servido que eu fico a sua obediência como sempre.”231.
[...] depois que a esta missão chegou o governador dos índios Leandro da
Silva [...] se puseram os índios mais soberbos e altivos, tomou posse o
governador para o que se ajuntaram todos quantos na ocasião se achavam.
Leram-se as patentes, a isto levantaram a vós que não queriam o tal
governador que queriam viver como tinham vivido: a esta determinação se
portou o governador com toda a prudência, e só lhes disse que se eram
vassalos de El Rei de Portugal deviam seguir as suas ordens, retirou-se o
gentio de tarde procuram os cabos ao governador no seu quartel e ai lhes
falaram, e foi tão intensa a prática que já saíram todos obedientes, e
começaram a fazer obrigações de soldados. Agora entra Antonio Vieira de
Mello a fazer a figura do demônio como é costumado.232
Este fato mostra como o Estado lidou com as forças que atuavam nestes espaços, os
fazendeiros e índios que se recusavam a aceitar a vida nas novas vilas e procuravam fazer
acordos e alianças para manterem suas posições. O episodio também aponta também como
seria difícil a implantação do novo sistema, pois os indígenas não foram passivos ao processo
231
OFÍCIO do [Governador da Capitania de Pernambuco], Luís Diogo Lobo da Silva, ao [Secretário de Estado da
Marinha e Ultramar], Tomé Joaquim da Costa Corte Real, informando que os principais das aldeias reduzidas em
vilas, estiveram em sua companhia, para tomarem as instruções devidas. AHU_ACL_CU_015, Cx. 91, D. 7284.
232
26 de março de 1761 –Auto de testemunhas tirado por requerimento do sargento mor a Povoação de Monte
Alegre, João Mendes Branco. AHU_ACL_CU_015. Cx. 95, Doc 7512, 43 folhas
110
[...]que vem a ser depois da experiência mostrar não cederem aos remédios
brandos, usar dos mais ativos, prendendo-lhe os cabeças e remetendo-os com
sumários quem com esta receita temos igual ou muito maior dureza nos
Pegas e Apodis que sendo dos mais bárbaros deste continente, se acham com
a prizão dos que os fomentavam a não largarem os sítios em que residiam,
obedientes e ativos trabalhadores nas Vilas a que se uniram por força das
comodidades e vantagens que se lhes seguem destas novas assistências e
observância das Reais Ordens, e precisão de se separarem daquele distrito
em que as não podiam lograr [...].233
233
Carta do Governador de Pernambuco Luiz Diogo Lobo da Silva ao dr. Ouvidor das Alagoas Manoel de
Gouvea Alvares sobre várias matérias a respeito dos novos estabelecimentos. Recife, 16/12/1761. BN – I –
12,3,35, fls. 147v / 149v
234
SALDANHA, Suely. Op. cit., 2002, p. 91
235
PORTO ALEGRE, Sylvia. In: Diniz, E.; Lopes, J. S. L. e Prandi, R. (orgs.). Ciências Sociais Hoje. São
Paulo: Hucitec/Anpocs, 1993, p. 195-219.
111
Através da criação das vilas e povoados, os índios que antes tinham a “liberdade” de
percorrer todo o espaço do sertão, fazendo das terras e matas sua morada com a nova política
e o confinamento nos povoados, os nativos perderam muitas léguas de terra, e estas ficaram
livres para a ocupação colonial. Observa-se que as terras mais cobiçadas estavam localizadas
em lugares eminentes, como serras e morros, próximos a cursos d’água, matas e com solo
bom para o cultivo e também lugares estratégicos protegidos da invasão de inimigos. Como
por exemplo, as ilhas do São Francisco e as terras férteis nas proximidades dos rios Ipanema e
Moxotó e também pelos brejos de altitude, como a Serra do Comunati e Serra do Ararobá,
espaços onde o clima é ameno e a população instalada coexiste com as atividades agrícolas e
a pecuária236.
Sobre esta questão territorial, a análise de Rita Heloisa de Almeida é bastante pontual, a
saber:
É inevitável identificar esta concepção de extensão territorial presente nas
estratégias de ocupação de largas extensões territoriais, percorridas pelos rios
brasileiros. Toda uma legislação foi elaborada para tornar real a
transformação de habitações indígenas em ‘missões’, e estas em ‘lugares’,
‘vilas’, e cidades portuguesas [...].238
236
SILVA, Edson. Xukuru: memórias e história dos índios da Serra Ororubá (Pesqueira/PE), 1950-1988.
Campinas, Unicamp, 2008, p. 114 (Tese de Doutorado em História).
237
“Relação dos novos estabelecimentos das vilas e lugares dos índios do Governo de Pernambuco da parte do
Sul, executados por Manoel de Gouvea Alvares, cavaleiro professo na Ordem de Cristo, Ouvidor Geral da
Comarca das Alagoas”. In: Carta de Luis Diogo Lobo da Silva a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. 23 de
novembro de 1763. APEJE
238
ALMEIDA, Rita .Op. cit., 1997. p. 67
112
Esta era a epígrafe do mapa, que demonstra o avanço da sociedade colonial, ou seja,
da civilidade, e o domínio dela sobre os temidos “Sertões”. Este mapa é uma representação do
“sucesso” teoricamente obtido com a política implantada. Apresentando a formação dos
espaços antes não civilizados em lugares da civilização.
239
Relação das aldeias que há no distrito do Governo de Pernambuco, e capitanias anexas, de diversas nações de
índios [1760]. (MEDEIROS, 2007: 148-152). / “Relação dos novos estabelecimentos das vilas e lugares dos
índios do Governo de Pernambuco da parte do Sul, executados por Manoel de Gouvea Alvares, cavaleiro
professo na Ordem de Cristo, Ouvidor Geral da Comarca das Alagoas” in Carta de Luis Diogo Lobo da Silva a
Francisco Xavier de Mendonça Furtado. 23 de novembro de 1763.
240
- Carta topografica, a onde se compreendem as capitanias de que se compoem ao prezente o governo de
Pernambuco : oferecida ao Il.mo e Ex.mo S.r Fran.co X. de M.ça Furtado, do Conselho de S. Mag.e Fidelissima,
Ministro, e Secretario de Estado da Marinha, e Conquistas / Josê Gonsalves da Fonseca. - Escala [ca.1:4 300
000], 1 grau de latitude = [2,6 cm]. - 1766. - 1 mapa em 2 folhas coladas : ms., color. ; 96 x 62 cm
(http://sidcarta.exercito.pt/bibliopac/imgweb/03/3-38-52/4586-3-38-52.jpg, acessado em 15 de fevereiro de
2013)
241
DIAS, Thiago Alves. O espaço cartográfico enquanto escrita do poder. Anais do I Simpósio Brasileiro de
Cartografia Histórica. Disponível em www.ufmg.br/rededemuseus/crch/simpósio, acessado em 18/11/2012
113
Figura 1
Figura 2
FONTE: idem
Vila de Assunção
A vida econômica da vila era conforme aponta a carta, baseada na cultura de algodão,
para a fábrica de tecidos. Vivia-se, também de lavoura, de “passarem canoa e barcos nas
cachoeiras”, e de transportar gados para a Bahia242.
Apesar da criação da vila, esta não era efetivamente um espaço colonial, visto que
conforme informa uma carta de Jeronimo Mendes, a transformação dos índios em súditos real
foi difícil, uma vez que muitos mantinham velhos hábitos, como o abandono de vestimenta.
“O vestido lhe serve de pezo (sic),e embaraço, e melhor se acomodam a viverem nus expostos
a toda calamidade do tempo, e mosquitos, que vestidos[...]”.
A Vila de Santa Maria criada em 11 de setembro de 1761, era formada por índios da
nação Kariri, Tamaquió, Coripó, Paraquió e humans. Nesta vila, o Governador dos Índios
Leandro da Silva, passou a exercer a função de mestre de escola conforme as designações do
Diretório dos Índios.
Por viverem em uma ilha, os índios conheciam bem o curso do rio e suas corredeiras,
por isso viviam de transportar pessoas entre a Bahia e Pernambuco, “[...] de passar canoas, e
barcas, nas caixoeiras, e gados para a cidade da Bahia..243.” Tinha cento e noventa e seis
pessoas de desobriga.
Vila de Cimbres
242
Ideia da população da Capitania de Pernambuco e suas anexas, extensão de suas costas, rios e povoações
notáveis, agricultura, número dos engenhos, contratos e rendimentos reais, aumento que eles têm tido &* &*
desde o ano de 1774 em que tomou posse do Governo das mesmas capitanias o Governador General José César
de Meneses. Anais da biblioteca nacional. v. 40, 1918, p. 1 - 111
243
Idem, p. 37
244
Carta de Luis Diogo Lobo da Silva a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. 23/11/1763. APEJE
116
A economia da vila girava em torno de plantar algumas lavouras para próprio sustento,
de acordo o Diretório no artigo vinte, e de trabalharem como vaqueiros levando as boiadas
para a Bahia e Pernambuco.
A Povoação de Águas Belas foi fundada a partir do Lugar de Águas Belas em 1762,
provavelmente com a união de duas aldeias de Carnijó, a da Serra do Comunati e a da Ribeira
do Ipanema. Tem de acordo com a “Relação dos novos estabelecimentos das vilas e
lugares[...]” duzentas e treze pessoas de desobriga.
Situada no alto da serra, possuia casas feitas de palha, com Casa de câmara, cadeia,
pelourinho, capitão mor e diretor, uma igreja consagrada a Nossa Senhora da Conceição. Seus
habitantes vivem de pequenos roçados e de conduzirem boiadas que descem dos sertões para
a praça de Pernambuco e cidade da Bahia.
Em 1766, logo depois de instalado o povoado, foi criada a paróquia de Nossa Senhora
da Conceição de Panema, instalada pelo vigário o padre José Lopes da Cunha, sendo a matriz
a capela da antiga missão da Lagoa da Serra do Comunati. Em 1787, D. Maria I, Rainha de
Portugal homologou a criação da freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Águas Belas
criou o distrito de mesmo nome com sede na povoação.”245
Lugar de Barreiros
Em 1759, por ordem de sua majestade a Aldeia de Barreiros, virou lugar de Barreiros.
Seus habitantes são índios de língua geral e Cariri, que faziam parte da antiga aldeia. Esta
situada num alto de nome monte de Barreiros, ao norte corre o rio Una, o qual informa os
anais tem abundancia de peixes, o que nos faz inferir que a pesca fazia parte da economia do
povoado. Também vivem de plantar roças e legumes.
245
DANTAS, Mariana Albuquerque. Dinâmica social e estratégias indígenas: Disputas e Alianças no
Aldeamento do Ipanema, em Águas Belas, Pernambuco. Niterói: UFF, 2010, p. 60 (Dissertação de Mestrado em
História).
117
Vila Atalaia
Criada em 1764, a partir das aldeias de Urucu, Santo Amaro, Macaco e índios que
viviam dispersos nas palhoças da Gameleira, Palmeira, Maincó, Sabalangá, contava com 229
fogos e 924 almas.
Conta a história que já existia desde meados do Século XVI, conhecido como Arraial
dos Palmares pelo fato de o lugar ter sido usado como base para a luta contra os Palmares. A
esse posto foram então afluindo habitantes de outros lugares, não só para venderem aos
soldados gêneros alimentícios e outros produtos de sua cultura agrícola como o açúcar, a
rapadura, o mel, o fumo e aguardente, mas também para estabelecerem ali sua residência,
amparados e garantidos pelos soldados contra as depredações dos quilombolas, que
costumavam assaltar e roubar suas propriedades e lavouras.246
Criada em 1762 com a junção das aldeias de São Braz, Alagoa Comprida e índios da
Palmeira e olhos de água dispersos, possuía 113 fogos, 407 ou 470 almas. Os bandeirantes em
demanda ao nordeste, que desciam o Rio São Francisco, em companhia dos padres Jesuítas,
foram os primeiros “civilizados” a pisar o aldeamento que ficava à margem do grande rio.
Neste lugar no alto de uma colina, os missionários Jesuítas erigiram entre densas
florestas, uma capela rústica sob a invocação de Nossa Senhora da Conceição, em torno da
qual começou a florescer a povoação. Nos meados do Século XVII, estes religiosos fundaram
um convento e um colégio em frente à capela, hoje Matriz de Nossa Senhora da Conceição,
ao lado sul da margem esquerda do Rio São Francisco.
246
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=260140&search=pernambuco|barreiros#historico.
Acessado em 22/11/ 2012.
118
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao iniciar essa pesquisa, nos deparamos com um sujeito histórico que durante muito
tempo foi relegado em segundo plano pela historiografia tradicional que insistia em retratá-lo
como agente morto, fisicamente nos combates no início da colonização e culturalmente pelo
processo de aldeamento. Apesar de vários trabalhos realizados para modificar essa imagem, a
história dos índios ainda hoje é marcada pela ideia de aculturação e extermínio. A sociedade
não enxerga o índio como elemento construtor de nossa sociedade, mas antes um empecilho
ao desenvolvimento da nação, como atualmente está sendo transmitido pela mídia.
Para conter as disputas, a Coroa procurava meios para mediar esses conflitos e
conciliar os interesses desses agentes coloniais, criando leis que estabelecessem condições
para o cativeiro: as regulamentadoras do uso da mão-de-obra indígena e as que garantissem a
liberdade dos índios aldeados e a posse das terras dos aldeamentos.
Estas bandeiras que se formaram para aldear as nações indígenas nos chama atenção
para uma realidade da Capitania pernambucana. Em meados do Século XVIII, as terras
interioranas ainda não haviam se submetidos plenamente à colonização. Apesar dos esforços
dos colonos e padres, os “sertões” ainda eram o lugar do medo, da barbárie e que precisavam
da foraça dos indigenas para garantir o controle total da Capitania.
120
Não podemos garantir que a política pombalina alcançou seus objetivos com
plenitude. O que podemos considerar é que depois da aplicação da lei, o Sertão passou a
contar com mais 7 vilas e lugares que produziam roças; curtiam couro; criavam gado;
transportavam as boiadas para as praças de Pernambuco e Bahia e ocasionalmente lutavam
com os nativos rebeldes, servindo também como escudo militar para a Coroa.
Por fim, no nosso estudo visualizamos o índio como um grupo heterogêneo, sujeito
ativo e atuante com ações de aceitação, de rejeição e resistência ao sistema colonial que
possibilitou aos índios (re)significar e reconstruir a sua cultura. Essa metamorfose de
identificação étnica pode ser considerada como uma estratégia do indígena de se firmar
etnicamente, e ao mesmo tempo se caracteriza por ser uma maneira de sobrevivência na
sociedade colonial. Partindo desta ideia, esta pesquisa não entende a cultura indígena como
algo que se perdeu ou se fundiu simplesmente, mas também como algo que assumiu novas
formas e funções em uma nova estrutura social montada, pois segundo Wachtel “As culturas
não são entidades abstratas, só vivem sustentadas por grupos humanos, adaptados a um meio
geográfico, comprometido numa história”.247
247
WATCHEL, Nathan. A aculturação. In: 4 LE GOFF, Jaques. História: novos problemas. Rio de Janeiro.
Francisco Alves. 1995, p. 114.
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Silva a Francisco Xavier de Mendonça Furtado. 23 de novembro de 1763. APEJE
Caixa 49. - Direção com que interinamente se deve regular os índios das novas vilas e lugares
que Sua Majestade Fidelíssima manda erigir das aldeias, pelo que pertence as que estão
situadas nesta capitania de Pernambuco e suas anexas. AHU_ACL_CU_015, Cx. 49
terras no sertão, dêem a cada pároco e missionário uma légua de terra. Recife, 28 de junho de
1700. AHU_ACL_CU_015, Cx. 18, D. 1840.
Carta do Governador da Capitania de Pernambuco, Luis Diogo Lobo da Silva, ao Rei D. José
I, sobre a contenda entre os índios da aldeia situada na serra de Ibiapaba e os moradores das
terras circunvizinhas. Recife, 15 de maio de 1756. AHU_ACL_CU_015, Cx. 81, D. 6736.
Anexo: 2 docs.
Carta do Governador de Pernambuco Luiz Diogo Lobo da Silva ao dr. Ouvidor das Alagoas
Manoel de Gouvea Alvares sobre várias matérias a respeito dos novos estabelecimentos.
Recife, 16/12/1761. BN – I – 12,3,35, fls. 147v / 149v
Carta do Propósito da Congregação dos Padres de São Felipe Neri para o Secretário do
Conselho Ultramarino, Pernambuco 30/06/1700. AHU_ACL_CU_015.. Doc. 1859
Cartilha, enviada junto aos diretores para fundação das vilas, AHU, caixa 89.
Cartilha, enviada junto aos diretores para fundação das vilas, AHU_ACL_CU_015, Cx. 89.
133
CONSULTA do Conselho Ultramarino ao Rei D. João V, sobre uma consulta da Junta das
Missões 28/04/1718, onde os índios da aldeia Siri pedem para se comprarem terras onde
possam fazer suas roças. AHU_ACL_CU_015, Cx. 28, doc. 2540
Ideia da população da Capitania de Pernambuco e suas anexas, extensão de suas costas, rios e
povoações notáveis, agricultura, número dos engenhos, contratos e rendimentos reais,
aumento que eles têm tido &* &* desde o ano de 1774 em que tomou posse do Governo das
mesmas capitanias o Governador General José César de Meneses. Anais da biblioteca
nacional. V. 40, 1918. p. 1 – 111
Livro de Registro de Cartas Régias, Provisões e Outras Ordens para Pernambuco do Conselho
Ultramarino. AHU_ACL_CU_015, códice 257. 11/01/1701 - Carta Régia. fl. 65.
Livro de Registro de Cartas Régias, Provisões e Outras Ordens para Pernambuco do conselho
Ultramarino. AHU_ACL_CU_015, códice 257, f 87v/89.
Livro de Registro de Cartas Régias, Provisões e Outras Ordens para Pernambuco do conselho
Ultramarino. AHU_ACL_CU_015, códice 257, f 87v/89.
Livro de Registro de Cartas Régias, Provisões e Outras Ordens para Pernambuco do conselho
Ultramarino. AHU_ACL_CU_015, códice 257. 11/01/1701 - Carta régia. folha-65.