(DISSERTAÇÃO) José Orlando Ferreira de Miranda Júnior

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

CAMPUS UNIVERSITÁRIO DO TOCANTINS/CAMETÁ


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO E CULTURA

JOSÉ ORLANDO FERREIRA DE MIRANDA JÚNIOR

EDUCAÇÃO E SURDEZ:
CARTOGRAFIAS DA LIBRAS COMO LÍNGUA MENOR

CAMETÁ/PARÁ
2017
JOSÉ ORLANDO FERREIRA DE MIRANDA JÚNIOR

EDUCAÇÃO E SURDEZ:
CARTOGRAFIAS DA LIBRAS COMO LÍNGUA MENOR

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em


Educação e Cultura, do Programa de Pós-Graduação em
Educação e Cultura, da Universidade Federal do Pará, Campus
Universitário do Tocantins/Cametá, Linha de Pesquisa
Educação, Cultura e Linguagem, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Educação e Cultura.

Orientadora: Profa. Dra. Gilcilene Dias Costa.

CAMETÁ/PARÁ
2017
JOSÉ ORLANDO FERREIRA DE MIRANDA JÚNIOR

EDUCAÇÃO E SURDEZ:
CARTOGRAFIAS DA LIBRAS COMO LÍNGUA MENOR

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado Acadêmico em Educação e Cultura,


do Programa de Pós-Graduação em Educação e Cultura, da Universidade Federal do
Pará, Campus Universitário do Tocantins/Cametá, Linha de Pesquisa Educação,
Cultura e Linguagem, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em
Educação e Cultura.

BANCA EXAMINADORA

Orientadora:
________________________________________________
Profa. Dra. Gilcilene Dias Costa – PPGEDUC/UFPA

Examinador Externo à Instituição:


_________________________________________
Profa. Dra. Geovana Mendonça Lunardi Mendes – PPGED/UDESC

Examinador Externo ao Programa:


____________________________________________
Profa. Dra. Josenilda Maria Maués da Silva – PPEB/UFPA

Examinador Interno:
________________________________________________________
Prof. Dr. José Valdinei Miranda – PPGEDUC/UFPA

Suplente:
_________________________________________________________
Prof. Dr. Cezar Luís Seibt – PPGEDUC/UFPA

Local e Data da Defesa: Cametá, 27 de junho de 2017.


Tudo que tínhamos dito sobre o contíguo e o contínuo em Kafka parece contradito,
em todo caso, atenuado, pelo papel e importância dos blocos descontínuos. O tema
dos blocos é constante em Kafka e parece afetado por uma descontinuidade
intransponível. Falou-se muito da escrita despedaçada de Kafka, de seu modo de
escrever por fragmentos. (DELEUZE; GUATTARI, 2014, p.131).
AGRADECIMENTOS

Os agradecimentos são extremamente intransferíveis e pessoais. Numa perspectiva


cartográfica e de platôs, aqui expresso meus agradecimentos a todos que neste período de 24
meses estiveram ao meu lado (não necessariamente próximo), sem mensurar a importância de
cada agradecimento, mas como uma maneira de retribuir o carinho de todos.

Sigo agradecendo a minha família, que sempre me apoiou em minhas escolhas: meu
eterno pai, que mesmo não estando fisicamente, se fez presente ao longo dessa jornada, sei o
quanto você sonhou este sonho. A minha mãe, Rita Dias, uma fã incontrolável, que me
impulsiona sempre mais, obrigado pelas palavras de afeto e força, quando o caminhar era
árduo. Por vocês dois estou aqui, amor incondicional. Amor eterno amor. Aos meus irmãos,
Anderson e André, obrigado pela força vinda sempre em boa hora.

A minhas meninas, Sophia e Laura, a primeira me apoiou desde a seleção, me dando


forças e doses homeopáticas de um amor que nos une. A segunda, um amor que floresceu ao
longo do curso, e que desde o ventre me tranquilizou e me permitiu continuar, menina sábia
que me permitiu a escrita ainda nos primeiros dias, silenciava à noite para eu poder ler e
escrever e durante o dia me permitia um “cochilo”. Meninas do papai, obrigado pelo
entendimento quando eu achava que jamais entenderiam.

“Simeudeus”, nossa, estou aqui para te agradecer, tua vital presença para que eu
chegasse até aqui, obrigado pelo amor, companheirismo, inclusive madrugada adentro, que
você seguia a me acompanhar, tuas palavras me energizavam para seguir em fluxos, ainda que
desterritorializados, me faziam seguir. Amo-te incondicionalmente.

A minha orientadora, que me permitiu enveredar nos estudos pós-críticos, me mostrou


o tecer de um trabalho científico sem a sobreposição orientador-orientando. Minha admiração,
Professora Doutora Gilcilene Dias da Costa, você me ensinou o quanto podemos ensinar ao
outro com autonomia e liberdade, me acalmava quando achava que tudo estava perdido,
incansável nos atendimentos, seja por mensagem ou pessoalmente, sempre à disposição.
Obrigado a você pelo zelo no decorrer da pesquisa.

A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Educação e Cultura –


PPGEDUC, do Campus Universitário do Tocantins/Cametá, da Universidade Federal do Pará.
À vida, por permitir conhecer colegas maravilhosos; à segunda turma do Mestrado em
Educação e Cultura foi premiada com pessoas incríveis. Obrigada pela companhia e por
compartilhar saberes e experiências.

Aos colegas da Faculdade de Linguagem, do Campus Universitário do


Tocantins/Cametá, que no decorrer deste curso sempre estiveram ao meu lado para seguir na
caminhada, muito obrigado pela colaboração.

Não posso deixar de agradecer à Secretaria Municipal de Educação de Cametá, que me


oportunizou dialogar com 210 professores da Educação Infantil, que atuam em mais de 100
escolas municipais e foram de extrema importância para esta pesquisa.

Agradeço a minhas bolsistas Kelly Cristina, Ana Karoline e Jacigraça Sepeda, que
impulsionaram as atividades do projeto para que obtivéssemos o resultado final. Obrigado,
meninas! Pela dedicação em cada uma das atividades propostas e o cuidado necessário com
cada professor-participante.

Agradeço a minha avó materna, Ivette Villas-Boas, pelas orações diárias e incentivo
ao longo desta escrita. Minha tia, Ivette Dias, obrigado pelas palavras que me foram ditas para
continuar mesmo estando longe, o que a fez tão perto neste processo.

Aos amigos de hoje e de sempre, que a vida me proporcionou ter, muito obrigado pelo
entendimento em minhas ausências em nossos encontros. Vocês me proporcionam o melhor
da vida, a presença de vocês em nosso mundo: Iranilde, Shirlene, Socorro, Jéssica, Rosângela,
Cláudio, entre tantos outros...

Minha querida-amiga Ciléia Menezes, se parar para pensar, você foi a grande
idealizadora deste sonho, me impulsionou quando ainda estava na graduação, me escolheu
para ser aquele aluno-amigo, obrigado pela aprendizagem e amizade.

Aos nossos compadres, padrinhos de Sophia e recentemente de Laura, que sempre me


auxiliaram no exercício constante de paternidade, as conversas e diálogos que sempre tivemos
para o bem-querer das princesas. Obrigado, Custódio Filho e Larissa Pinheiro (padrinhos da
Sophia); Rubens Ferreira e Kliciane Ramos (padrinhos da Laura).

Aos amigos que o Cuntins me proporcionou ter, que meio aos afazeres se
preocupavam no cuidado para comigo e minha família, em especial, Mariana Parreira,
Lucilena Gonzaga, Doriedson Rodrigues e Glaucy Figueiredo que vivenciaram minhas
inquietações.

Agradeço a leitura atenta e cuidadosa da banca de qualificação e defesa, pois me


impulsionaram para a melhoria deste trabalho. Meu agradecimento a vocês: Professora
Doutora Geovana Mendonça Lunardi Mendes, Professora Doutora Josenilda Maria Maués da
Silva e ao Professor Doutor José Valdinei Miranda. Obrigado pela disposição e olhar atento
que vocês tiveram para com o trabalho.

E...e...e... G-R-A-T-I-D-Ã-O!
Às minhas-meninas Sophia e Laura, vocês me impulsionaram a cada dia seguir.

Esposa e amiga de horas a fio, a sua companhia no decorrer desta escrita, foi sem dúvida meu fôlego.

Como não te dedicar? Meu Pai, tua falta me corrói por dentro, mas teu amor me afaga em todas as horas, viver
num paradoxo sem tua presença/presença constante, me fazem seguir e te ouvir todas, às vezes, dizer: “-Você é
você, meu filho!” Ahhh, pai (...), nosso amor continuará para sempre, estamos conectados pelo elo que sempre
nos uniu, Amo-te sem F-I-M. Mãe, a ti a dedicação, pelo amor e dedicação para comigo e minha família, te
amamos...
RESUMO
Esta pesquisa surge a partir da elaboração/execução do projeto PIBEX 2015 intitulado Ensino
de Libras na Amazônia Tocantina: Formação de Professores da Educação Infantil, em
parceria com a SEMED Cametá, o qual visou contribuir para a formação de 210 professores
que atuam na Educação Infantil do município de Cametá-PA. A problemática da pesquisa
consiste em averiguar a constituição da Libras como diferença na Educação, percorrendo uma
zona de vizinhança e distanciamento entre Estudos Surdos e a Filosofia da Diferença. Trata-se
de um exercício autocrítico e analítico que toma o projeto de formação de professores como
atividade do seu próprio pesquisar, por um exercício do pensar capaz de tensionar visões
historicamente instituídas sobre a inclusão e a visão do outro como deficiência e, de modo
afirmativo, almeja potencializar a Libras como diferença na Educação, em atenção às suas
singularidades. O estudo aponta a ideia de um devir-surdo no ensino de Libras, sinalizando a
própria Libras como língua menor atravessada por processos de “desterritorialização” da
língua e cultura surda, e dos elementos voltados para o “político” e o “coletivo” da formação
de professores. Como interlocutores teóricos, dialogou-se com Deleuze e Guattari (2014),
Guattari e Rolnik (1996), Gallo (2012), Skliar (2001), Larrosa (2004), Veiga-Neto (2012),
Meyer e Paraíso (2014), Passos e Kastrup e Escóssia (2015), entre outros, no intuito de
perspectivar olhares multifacetados sobre a Libras como diferença na Educação, articulando
teias de relacionamentos com o outro nos liames da formação. Neste movimento de devir, a
Cartografia de inspiração deleuziana e guattariana forneceu as pistas metodológicas
necessárias para a construção dos itinerários da pesquisa, para estar com o outro e escutar a
sua pergunta (da diferença) na Educação, para captar os fluxos e os processos de um ir e vir
na formação de professores. A composição coletiva de um devir-surdo de percepções da
Libras como língua menor constituiu um dos desafios desta pesquisa, de modo que a cada
leitura foi possível perceber movimentos diferenciados da surdez em meio aos processos
formativos produzidos no decorrer da pesquisa, sinalizando o seu próprio inacabamento e as
fissuras deixadas enquanto possibilidades de descortinar outros estudos no campo da
Educação de Surdos entrecruzada com a Filosofia da Diferença, a fim de refazer
permanentemente a pergunta pelo outro e do outro na Educação.

Palavras-Chave: Educação. Surdez. Libras. Cartografia. Formação de professores.


ABSTRACT
This research arises from the elaboration / execution of the PIBEX 2015 project entitled:
"Teaching of Libras in Tocantina region in the Amazon: The Training of Teachers of Early
Childhood Education", in partnership with SEMED / Cametá, which aims to contribute to the
training of 210 teachers who work with children in the Municipality of Cametá-PA. The
research problem consists in investigating the constitution of Libras as a difference in
education, dealing with close and distant zones between Deaf Studies and Philosophy of
Difference. It is a self-critical and analytical practice that takes the project of teacher training
as an activity of its own research, by an exercise of thinking which is capable of inciting
historically instituted views on inclusion and the vision of the other as deficiency and, in an
affirmative way, it aims to empower Libras as a difference in education, paying attention to its
singularities. The study points to the idea of a deaf-back in the teaching of Libras, signaling
Libras itself as a minor language through processes of "de-territorialization" of deaf language
and culture, and of the elements of the "political" and "collective" teacher training. As
theoretical background, Deleuze and Guattari (2014), Guattari and Rolnik (1996), Gallo
(2013), Skliar (2001), Larrosa (2004), Veiga-Neto (2012), Meyer and Paraíso (2014), Passos
and Kastrup and Escóssia, were used among others, in order to look at multifaceted views on
Libras as a difference in education, articulating relationships networks with each other in the
ties of formation. In this movement of becoming, in the midst of multiple movements of
possibilities, the cartography of Deleuzian and Guattarian inspiration will provide the
necessary methodological clues for the construction of the research itineraries, not only to be
with the other and to listen to their question (of difference) in education, but also to capture
the flows and processes of a coming and going in teacher training. The collective composition
of a deaf-deeper perception of Libras as a "minor language" is one of the challenges of this
research, so that at each reading we can perceive different angles of deafness, and that these
angles make us realize how much the work itself belongs to the unfinished and / or to the
possibility of seeing and seeing the other much further than what we propose ourselves to at
this moment.

Keywords: Education. Deafness. Libras. Cartography. Teacher Training.


LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 – Profissionais vindos do INES-RJ 48


Imagem 2 – Seminário em parceria com o INES-RJ 49
Imagem 3 – Professores nas atividades do Platô I 52
Imagem 4 – Materiais pedagógicos adaptados confeccionados pelos professores 55
Imagem 5 – Interação dos professores no Platô III 56
Imagem 6 – Professores no Platô II 60
Imagem 7 – Interpretação da fábula O Corvo e a Raposa pelas bolsistas do projeto 62
Imagem 8 – Interpretação da fábula O Corvo e a Raposa pelas professoras 63
Imagem 9 – Mesa de encerramento do projeto 65
Imagem 10 – Professores do curso presentes no encerramento do projeto 66
Imagem 11 – Roda de Conversa entre os profissionais do INES e participantes 72
Imagem 12 – Surdos de Cametá e professores surdos do INES 80
SUMÁRIO

1 ROTAS DE ENTRADA ...................................................................................................... 14


2 ESTILHAÇOS DE PESQUISA: POR ONDE FALA O PESQUISADOR E SEU
OUTRO ................................................................................................................................... 26
2.1 O OUTRO NA PERSPECTIVA DA DIFERENÇA, EDUCAÇÃO E LINGUAGEM ..... 30
2.2 ZONAS DE VIZINHANÇA E DISTANCIAMENTO ENTRE ESTUDOS SURDOS E
FILOSOFIA DA DIFERENÇA ............................................................................................... 34
3 A NAVEGABILIDADE CARTOGRÁFICA DO PESQUISAR ..................................... 39
3.1 PLATÔ IV – O OUTRO SURDO ...................................................................................... 47
3.2 PLATÔ I – LÍNGUA SURDA I ......................................................................................... 52
3.3 PLATÔ V – DEBULHAR PEDAGÓGICO ....................................................................... 54
3.4 PLATÔ III – LÍNGUA SURDA II ..................................................................................... 57
3.5 PLATÔ II – CANTO SURDO ........................................................................................... 60
3.6 PLATÔ VI – FABULAÇÃO SURDA ............................................................................... 62
3.7 PLATÔ VII – ROTAS CARTOGRÁFICAS ..................................................................... 65
4 DEVIR-SURDO: A LIBRAS COMO LÍNGUA MENOR............................................... 69
4.1 MOVIMENTO 1: A DESTERRITORIALIZAÇÃO DA LINGUAGEM ......................... 71
4.2 MOVIMENTO 2: AGENCIAMENTOS POLÍTICOS ...................................................... 76
4.3 MOVIMENTO 3: ENUNCIAÇÕES COLETIVAS ........................................................... 79
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 85
APÊNDICES ........................................................................................................................... 88
ANEXOS ............................................................................................................................... 105
13

1 ROTAS DE ENTRADA

Querer ser poeta ou fazer poesia


já é, de um certo modo,
participar de uma minoria
e de uma minoria oprimida. (GUATTARI, 1996, p. 75).

Neste momento em que preciso me apropriar da escrita para discorrer sobre a proposta
de pesquisa por mim trilhada, ponho-me a retornar aos “porões” do pensar com Veiga-Neto
(2012), quando ele chama atenção para uma revisita aos porões do pensamento e da memória,
pois eles potencializam o encontro com o inusitado da pesquisa, superando os medos e as
limitações que se impõem. Cada revisitar me fez perceber quão necessárias serão essas idas e
vindas aos porões de minha graduação, nos idos de 2005, em que fui convidado a participar
das ações do projeto PROINT1, cuja temática relacionava-se à Educação de Surdos na Ilha de
Marajó. Nas ações do projeto, visitei localidades pertencentes aos municípios de Soure e
Salvaterra para mapear os surdos existentes nesses dois municípios marajoaras. Já naquele
tempo me envolvia com a temática da inclusão, voltada para a Educação que era negada aos
surdos daquelas cidades e como sobreviviam com os resquícios educacionais que lhes eram
oferecidos em suas famílias.
A pesquisa que aqui irei apresentar surge a partir de uma dupla relação: inicialmente,
da relação entre minha prática profissional e a continuidade dos estudos voltada para a
qualificação profissional. Desde o ano de 2014 atuo como docente de nível superior da
Faculdade de Linguagem, da Universidade Federal do Pará, no Campus Universitário do
Tocantins/Cametá (CUNTINS), e tenho atuado nos cursos de Licenciatura deste Campus, nas
diversas disciplinas relacionadas à Educação Especial e Ensino de Libras.
De outra parte, a partir do envolvimento docente, no ano de 2015, quando me propus a
executar um Projeto de Extensão intitulado Ensino de Libras na Amazônia Tocantina:
Formação de Professores da Educação Infantil, em parceria com a Secretaria Municipal de
Educação de Cametá (SEMED), que visa contribuir com a formação continuada dos
professores que atuam na Educação Infantil das escolas municipais do espaço rural e urbano
deste município, o que demarca uma estreita relação desta pesquisa com a Educação Básica.
Esse projeto despertou, concomitantemente, o interesse em concorrer ao Curso de
Mestrado Acadêmico em Educação e Cultura (PPGEDUC-UFPA), na Linha de Pesquisa

1
Programa Integrado de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extensão vinculado à Pró-Reitoria de Ensino de
Graduação da Universidade Federal do Pará.
15

Educação, Cultura e Linguagem, apresentando como temática os Estudos Surdos articulados à


Filosofia da Diferença. Desse modo, a partir da aprovação e dos redimensionamentos teórico-
metodológico da pesquisa nas atividades de orientação, o trabalho foi se delineando para uma
perspectiva que visou potencializar a Libras (Língua Brasileira de Sinais) como “língua
menor”, pautada nas contribuições da Filosofia da Diferença, de Deleuze e Guattari (2014),
uma perspectiva que vê o outro como diferença e, nesse caso, o sujeito surdo, sua língua e sua
cultura como diferença na Educação (distanciando-se, de certo modo, do paradigma da
inclusão e dos modos de ver o sujeito surdo como “deficiência”).
Por essa nova rota, o estudo da Libras como “língua menor” se desloca pelos espaços
linguísticos e geográficos da formação de professores da Educação Infantil do território
cametaense, no intuito de fomentar uma formação continuada na Educação de Surdos por
processos cartográficos, capaz de perceber o outro na sua diferença e de potencializar a Libras
como “língua menor”, a partir de três deslocamentos inspirados em Deleuze e Guattari (2014)
em seu livro Kafka: por uma literatura menor: a desterritorialização da linguagem, ação
política e enunciação coletiva.
As atividades desenvolvidas pelo projeto de extensão ocorreram na Escola de
Formação Dom Romualdo de Seixas, localizada na sede do município de Cametá, no período
de março de 2015 a fevereiro de 2016. Ao longo do processo de formação, foram constituídas
turmas de acordo com o quantitativo dos professores participantes da Educação Infantil, para
melhor organizar as ações dos platôs do projeto. É importante frisar que, no momento2, atuam
na Educação Infantil das escolas municipais do espaço rural e urbano de Cametá, 310
professores ativos, dos quais 240 participaram do referido projeto de formação. Do total de
inscritos, foram formadas quatro turmas, com uma média de 60 professores em cada uma. Os
platôs ocorriam às sextas-feiras em dois turnos, manhã e tarde, e aos sábados pela manhã. No
decorrer das ações do projeto pude contar com a participação de 1 bolsista PROEX, 1 bolsista
SEMED e da coordenadora da Divisão de Educação Infantil, além de dez voluntários, entre
estudantes de Letras e Pedagogia do Cuntins.
A partir das ações desenvolvidas pelo projeto, buscou-se oportunizar aos alunos surdos
e professores formadores uma educação com qualidade, e que a língua de sinais fosse
amplamente divulgada e acessível para uma melhor compreensão entre professores e alunos.
Para tanto, os platôs do projeto não apenas trataram do ensino e da divulgação da Libras como

2
Dados fornecidos pela Divisão de Educação Infantil, vinculada à Secretaria Municipal de Educação de Cametá,
referente ao ano letivo de 2015.
16

componente curricular para uma Educação Inclusiva, mas, sobretudo, abriram espaço para a
construção de uma dimensão interligada da Libras com a cultura e as perspectivas sociais da
comunidade surda. Entre os sete platôs propostos, foram trabalhadas as seguintes temáticas:
Língua Surda I, Canto Surdo, Língua Surda II, O outro surdo3, Debulhar Pedagógico,
Fabulação Surda e Rotas Cartográficas.
Imbuído pelos Estudos Surdos e por trilhar pelos emaranhados do pensar, que por si só
se constitui de múltiplas entradas, adjacências e saídas, percorro e retorno sempre que
necessário às leituras da Filosofia da Diferença, sentindo a necessidade de percorrer os
labirintos do pesquisar e, em meio a estes labirintos, ir ao encontro da inquietude do outro na
Educação, não para enfatizar sua diferença como exótica ou abjeta, vitimizada ou excluída (tal
como predomina em uma visão colonial historicamente legitimada), mas sim, por meio de um
diálogo com a diferença, para ressignificar os olhares e as culturas juntamente com o outro
que nos constitui e que nos provoca, para então recolocar, com justeza ética, “a pergunta do
outro na educação” (SKLIAR, 2003, p.25).
Assim, em meio aos estilhaços de pensamento desta pesquisa, questiono: Como pensar
rizomaticamente a Educação de Surdos no contexto da formação continuada de professores
em Libras na Amazônia Tocantina para além do paradigma da Inclusão? Como abrir
caminhos para pensar o ‘outro’ na Educação, indo ao encontro de sua inquietude? Como
pensar uma Educação de Surdos a partir de um devir-surdo, tendo a Libras como língua
menor, como singularidade cultural desta região? Que agenciamentos políticos e coletivos da
Libras como “língua menor” são possíveis de vislumbrar a partir do projeto desenvolvido?
Como a formação continuada dos professores em Libras se tece em meio às práticas
pedagógicas da diferença no decorrer dos cursos de formação? Que conexões podem ser
produzidas entre a Filosofia da Diferença e os Estudos Surdos no caminhar em direção a uma
‘Pedagogia da Diferença’? Como cartografar os processos de uma formação surgida por entre
estilhaços de um devir-surdo4 na Educação de Surdos? O que vem a ser um devir-surdo da
Libras na Educação?

3
Este platô ocorreu em parceria com o INES – Instituto Nacional de Educação de Surdos, com sede no Rio de
Janeiro, uma parceria interinstitucional para o fortalecimento das ações do projeto, foram 12 profissionais que
vieram com a equipe do Instituto para formar os professores da região em temáticas voltadas para a Educação
Infantil.
4
A noção de devir-surdo remete à ideia de um movimento de platôs que propiciam múltiplos deslocamentos do
pensar/existir a Educação de Surdos em meio às surdas fermentações da linguagem que se abrem à transmutação
da própria língua. Essa noção perpassará o texto desta Dissertação, esclarecendo que não se encontra
necessariamente em um campo autoral dos filósofos da diferença, mas aqui está sendo experimentada pela
potencialidade que a Filosofia da Diferença possibilita à abertura do pensar.
17

A partir desses estilhaços de pensamento, o estudo visa tensionar o paradigma da


inclusão e a visão do ‘outro’ como deficiência na Educação; tecer conexões entre a Filosofia
da Diferença e os Estudos Surdos no caminhar em direção a uma ‘Pedagogia da Diferença’;
cartografar os processos de composição da Libras como “língua menor” na formação de
professores da Educação Infantil no município de Cametá, Amazônia Tocantina; perspectivar
a ideia de um devir-surdo da Libras como “língua menor”, em seus múltiplos movimentos de
“desterritorialização” da linguagem, ação “política” e enunciação “coletiva” na Educação de
Surdos.
Percorrendo essas projeções, pretendo reencontrar-me com o outro e sua pergunta,
sem a prévia concepção de captura, guiado apenas por processos livres de experimentações
possíveis na relação eu-outro na Educação. Deste modo, não me atrevo a descrever um mero
trabalho acadêmico, pois esta Dissertação apresenta a fala do pesquisador atravessada pela
inquietude que vem do outro, por caminhos trilhados a partir da ótica de um devir-surdo por
meio do qual proponho a escrever este texto de apresentação.
Ao pensar na qualificação profissional dos professores que atuam na Educação
Infantil, me veio um pensar e um compromisso ético muito maior, o de criar condições de
uma educação de qualidade aos alunos surdos matriculados na rede municipal de ensino. Não
posso me esquecer de que este tratamento ético ao outro, foi meu fio condutor para iniciar o
processo de escrita desta Dissertação. Fugiam-me as palavras, para aqui escrevê-la e organizá-
la.
Após adentrar nas leituras de diversos autores, pude perceber a correlação da temática
com a Filosofia da Diferença, e assim propor o trabalho em que pudesse caminhar em uma
zona de vizinhança e distanciamento entre os Estudos Surdos e a Filosofia da Diferença, de
forma a “dançar molecularmente” – como mostraram Deleuze e Guattari (2014) – com os
passos de plasticidade do pensar, sem me fixar ao paradigma da inclusão ou à estrutura
filosófica que impede de se dialogar. Assim, pretendo percorrer os fluxos do ir e vir do
pensar, sem a fixidez da estrutura, pois volto a lembrar do devir-surdo, em observância dos
movimentos, percebo que os platôs que se conectam permitem perceber novos movimentos e,
desta mesma forma, pretendo percorrer esta escrita, fazendo com que o caminhar seja
orientado por um devir-surdo sem amarras e a fixidez pelos platôs que resolvi navegar.
A partir dos platôs existentes no projeto e de seus movimentos de “dançar
molecularmente”, coloco-me à espreita de acompanhar cada um dos platôs, e a partir dos
movimentos, realizar os movimentos necessários para o caminhar cartográfico desta pesquisa.
18

Não pretendo me fixar em linhas condutoras que me façam percorrer os fluxos da


pesquisa, seja de forma retilínea ou em ziguezague, pois precisarei em momentos percorrer
por linhas “contíguas” e “contínuas” que transitem por tais labirintos, mas sobretudo, diria
Guattari (1996), precisarei percorrer os “blocos descontínuos”, a transitar livremente as
múltiplas entradas e saídas que o pensar da diferença poderá me proporcionar.
Assim sendo, percorrer por construções do pensamento me faz revisitar tantas outras
imagens labirínticas e perceber que as imagens de um devir-surdo poderão compor a escrita
desta Dissertação. Nesta escrita, percebo que por entre rios, furos, igarapés, estradas, ramais,
irei navegar por experiências vividas ao longo deste percurso, pelas rotas dos Estudos Surdos
e da Filosofia da Diferença, buscando novos itinerários para fazer ou refazer o caminho
quando o retorno se fizer necessário. Percorrer por fissuras me faz aproximar da singularidade
do outro, e querer que este outro seja visto na sua diferença, na sua condição singular de
existência. Transitar por entre fissuras, ou retornar múltiplas vezes ao porão, não me faz criar
privilégios entre as entradas ou fissuras, mas tão somente, um recaminhar para conectar-me à
temática desta pesquisa.
Manifesto o compromisso político (como a escrita de um poeta pela minoria oprimida)
em pesquisar e escrever sobre a Libras da comunidade surda como uma “língua menor”,
seguindo a acepção de Deleuze e Guattari (2014), em que atribuíram valor singular e político
às minorias no campo literário mediante os processos de desterritorialização da linguagem,
ação política e enunciação coletiva. Inspirado nesse movimento, buscarei perfazer os
labirintos de uma zona de vizinhança e de distanciamento entre a Filosofia da Diferença e os
Estudos Surdos, percorrendo uma estrutura rizomática – comparada ao castelo de Kafka – de
múltiplas entradas e saídas que o devir-surdo da diferença seja capaz de entrever.
Com base nessa perspectiva, a noção de “língua menor” não implica aqui um
menosprezo à Libras como estrutura linguística, supostamente inferior ao Português, mas por
ser um professor comprometido com a Educação de Surdos, pretendo aqui frisar o aspecto da
“língua menor”, por constituir-se em um empreendimento de militância. Deleuze e Guattari
(2014) na obra Kafka: por uma literatura menor, me fazem perceber a língua como um
agenciamento político e coletivo, uma “língua menor” não por seu status comparativo a outras
línguas, mas pelo processo de desterritorialização que pode operar dentro da própria língua,
por meio de deslocamentos que a singularizam e multiplicam os seus sentidos.
A partir da leitura da obra Kafka: por uma literatura menor, a ideia foi fazer os
deslocamentos da obra para a temática dos Estudos Surdos, deslocar os conceitos de
19

desterritorialização, político e coletivo, remetendo à Libras, como forma de pensá-la como


uma língua menor, um devir-surdo, em que possa se expressar sem amarras, rizomaticamente,
vinculada ao elemento regional de uma cultura, sendo capaz de interrogar o paradigma da
inclusão envolto à inquietude da Filosofia da Diferença, perfazendo um território rizomático
que perpassa todo o trabalho.
Em observância ao conceito de rizoma, de acordo com Deleuze e Guattari (1995), diz-
se tratar de um sistema aberto, um conjunto de conceitos, porém, eles não estão prontos, é
preciso inventar, criar. De tal forma, me “aproprio” do conceito de rizoma deleuziano e
guattariano para partir de tal afirmação, e passo a utilizar o termo rizoma, no sentido de
múltiplo, conectado por entre o meio, sem jamais delimitar-se a um início ou fim, sem se
reconduzir a algo, mas para expandir o diálogo sobre os aspectos a serem apresentados neste
estudo.
Para navegar pelo Rio Tocantins, que se encontra na extensão da cidade de Cametá,
buscarei desterritorializar-me e percorrer rios, igarapés, lagos, ramais, furos e pequenas
fissuras, brechas por dentro da Libras, como uma “língua menor”, em seu processo rizomático
com a cultura local. Tais percursos serão dinamizados ou mesmo percorridos, sem uma
estrutura fixa, ou preestabelecida, mas a cada curso, uma possibilidade a ser analisada, e ter a
liberdade de seguir o fluxo do rio não me tira a possibilidade de tecer novos rizomas, ou quem
sabe os mesmos com outros olhares.

Seguir por fluxos desterritorializados não me faz seguir um modelo, nem ter a intenção
de criá-lo e/ou recriá-lo, porém, leva-me a pensar que a partir de uma não fixidez imposta pela
estrutura do pensar, irei resistir, e assim, não somente voltar inúmeras vezes aos porões da
pesquisa, mas principalmente percorrer os seus rizomas, seguir as linhas de fuga nos labirintos
do pensar, sem fixar-me, experimentando a aposta na perspectiva da Libras como diferença na
Educação.
Ao propor descrever o procedimento teórico-metodológico, em um primeiro momento
percebi-me sem trilhas a percorrer, ao pensar no tradicionalismo científico não me via
contemplado em tal pesquisa, e me questionava, pela veracidade do “objeto” a ser estudado;
em algumas disciplinas do programa fui questionado, por colegas e professores, sobre a
metodologia a ser empregada, pois pela pesquisa que objetivava, se tornara difícil percorrer
um caminho teórico-metodológico. Garanto que tais observações me fizeram pensar que todo
investimento feito até o presente momento, seriam trilhas descobertas e/ou percorridas, porém
temia não serem aceitas e/ou válidas pelo Programa. Ao narrar tal aflição à minha orientadora,
20

ela me tranquilizou sem me dizer o caminho a trilhar, mas com um simples gesto de
apresentar-me o necessário para então descobrir que descaminho seguir.
Ao pensar em caminhos/trilhas metodológicas, tive a oportunidade de verificar
inúmeras, porém, em nada conseguia articular as ações de minha pesquisa em andamento, a
aflição tomava conta, pensava nos procedimentos metodológicos que há muitos embasam os
estudos da pós-graduação e dos pesquisadores, mas que, nesse caso, não definiam nem
acompanhavam o meu fazer-acadêmico. Então, fui ao encontro do livro Metodologias de
Pesquisas Pós-críticas em Educação (2014), organizado pelas autoras Dagmar Meyer e
Marlucy Paraíso, o qual instigou-me a conhecer os desafios dos estudos pós-críticos em
Educação; não pensava em fazer pesquisa qualitativa, quantitativa ou qualiquantitativa, pois
me questionava pela intensidade da pesquisa que venho tentando trilhar até aqui, levando em
conta as paisagens da cultura local que abrigam os cenários da pesquisa.
Fui questionado como iria trabalhar com Filosofia da Diferença e Estudos Surdos, pois
ambos exploram campos diferenciados, mas o que me movia nesse caminhar era a
possibilidade de Cartografia entre ambas, sem me fixar nelas, pois seria prudente de minha
parte observar as contribuições para a minha pesquisa muito além de um caráter normativo,
pois não encontraria nos manuais o “como fazer”, poderia encontrar nas teorias pós-críticas da
Educação, autores que desconstruíssem as normas metodológicas e me colocassem ao
enfrentamento com os desafios de uma pesquisa, sem deixar de lado o rigor científico da
Academia, permitindo pensar maneiras alternativas de pesquisar e analisar tais fenômenos.
Após o contato com as metodologias pós-críticas de pesquisa, precisei observar
atentamente cada uma delas para melhor entendê-las. Prosseguindo o caminhar, deparei-me
com a Cartografia, percebendo uma maior ressonância com minha pesquisa, e então precisei
desbravar suas pistas para extrair dela uma perspectiva valiosa ao caminho a trilhar. Meyer e
Paraíso (2014) assim expressam o modo cartográfico de pesquisar:

Pesquisar talvez seja mesmo ir por dentro da chuva, pelo meio de um oceano, sem
guarda-chuva, sem barco. Logo, percebemos que não há como indicar caminhos
muito seguros ou estáveis. Pesquisar é experimentar, arriscar-se, deixar-se perder.
No meio do caminho, irrompem muitos universos díspares provocadores de
perplexidade, surpresas, temores, mas também de certa sensação de alívio e de
liberdade do tédio. (MEYER; PARAÍSO, 2014, p. 281).

Neste sentido, deparei-me adentrando as cartografias dos igarapés, furos e ramais que
formam o Rio Tocantins, através de uma configuração rizomática, um pensar nascido pelo
21

meio dos infinitos rios e igarapés que compõem a Amazônia Tocantina. Recorrendo a
Deleuze e Guattari (1995), ao falarem do pensamento rizomático:

Falamos exclusivamente disto: multiplicidade, linhas, estratos e segmentaridades,


linhas de fuga e intensidades, agenciamentos maquínicos e seus diferentes tipos, os
corpos sem órgãos e sua construção, sua seleção, o plano de consistência, as
unidades de medida em cada caso. (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 11).

E mais ainda prossegui ao itinerário cartográfico, de inspiração deleuziana e


guattariana, para compor as rotas e percursos deste estudo, por meio de múltiplos movimentos
de um devir-surdo que a cada movimento faz transparecer novas composições cartográficas, e
estas se multiplicarão pelos estilhaços recolhidos do diálogo com os intercessores teóricos e
com os sujeitos da pesquisa em processo de formação; como não tenho um “plano de
consistência” 5, daí a possibilidade de navegabilidade cartográfica por entre os rios, igarapés e
lagos que se encadeiam e (des) encadeiam às margens do Rio Tocantins, levando e trazendo,
deslocando os professores-formadores e deslocando no processo de formação, bem como a
própria Libras. A Cartografia expressa paisagens, localidades, acontecimentos, sem imposição
de um começo, meio e fim; a navegabilidade cartográfica perpassa e transpassa o acontecer da
criação nos movimentos do devir.
Trilhar e (des) trilhar pelos caminhos cartográficos do Rio Tocantins me fazem, como
Deleuze e Parnet (1998), encontrar, buscar, porém não o método, mas como:

Rencontrer, c'est trouver, c'est capturer, c'est voler, mais il n'y a pas de méthode pour
trouver, rien qu'une longue préparation. Voler, c'est Ie contraire de plagier, de
copier, d'imiter ou de faire comme.Lacapture est toujours une double-capture, le vol,
un double-vol, et c'est cela qui fait, non pas quelque chose de mutuel, mais un bloc
asymétrique, une évolution a-paralléle, des noces, toujours <hors> et <entre> 6.
(DELEUZE; PARNET, 1998, p. 13).

Pelos caminhos cartográficos irei percorrer os fluxos desta pesquisa inspirado no


movimento do Rio Tocantins em sua extensão pela cidade de Cametá, entrecruzando rios,
lagos e igarapés, sem uma postura fixa/estática para deslocar o pensamento percorrendo por
fora e por dentro, numa aventura molecular, os fluxos da cultura e da linguagem, na
confluência com a Libras, tal como os fluxos de movimento das águas tocantinas. Assim,

5
É um conceito deleuziano, pensado nem pensável, mas a imagem do pensamento, a imagem que o pensamento
se proporciona do que significa pensar, é a impossibilidade de uma relação entre duas determinações.
6
Minha tradução: “Encontro é achar, é capturar, é roubar, mas não existe um método para descobrir, só uma
longa preparação. Roubar é o contrário de plagiar, copiar, imitar ou fazer como. A captura é sempre uma dupla
captura, roubo, um vôo duplo, e isso é o que faz, não algo mútuo, mas um bloco assimétrico, uma evolução a-
paralela, núpcias sempre <fora> e <entre>”.
22

navegarei trajetos não representativos, sem a fixidez, mas num transitar-molecular por trajetos
rizomáticos, por deslocamentos múltiplos do pensar.
Em Deleuze e Guattari (2014) algo inquieta para ir em direção ao outro e, na
companhia desses filósofos da diferença, buscarei percorrer uma zona de vizinhança e de
distanciamento entre a Filosofia da Diferença e os Estudos Surdos, partindo da premissa da
Libras como diferença na Educação, percorrerei os territórios destas duas teorias, no intuito de
tensionar o Paradigma da Inclusão (amplamente propagado no meio educacional, porém,
pouco problematizado), mas sobretudo, buscarei potencializar a Libras como “língua menor”,
como diferença na Educação de Surdos, uma singularidade inscrita na linguagem desta região,
desta cultura tocantina, em contato e em contraste com outras. Assim, no decorrer do estudo,
farei um duplo movimento: tensionar os territórios paradigmáticos da inclusão e espreitar as
condições de possibilidade da Libras como “língua menor” na Educação de Surdos.

A Dissertação aqui proposta não prima pela temática criadora, mas arrasta consigo
conceitos como desterritorialização da língua, agenciamentos políticos e enunciações
coletivas, estes que estão relacionados à Libras como “língua menor”. Amparo-me, sobretudo,
em conceitos trabalhados por Deleuze e Guattari (2014), Larrosa (2004), Gallo (2013), Skliar
(2014), Lopes (2007), Amorim (2004), entre outros que operaram como linhas moleculares
para transitar entre os campos até aqui apresentados, perfazendo um trilhar pela Educação de
Surdos e Filosofia da Diferença, sem que haja hierarquias ou prioridades, mas que delas
surjam ressonâncias para pensar uma perspectiva da diferença na Educação de Surdos no
contexto desta região. Recorrendo a Gallo e Veiga-Neto (2007), ao explicitarem o outro como
um conjunto de dispositivos e estratégias:

A rigor, cada um não vê o sujeito da mesma maneira que o outro está vendo; no
limite e por mais paradoxal que pareça, não se trata de um mesmo sujeito aquilo que
cada um chama de sujeito. Mas, seja como for, para cada um a educação tem a maior
importância. (GALLO; VEIGA-NETO, 2007, p. 19).

Ao perpassar por Gallo e Veiga-Neto (2007) percebo existir um fluxo continuum que
move a diferença como atravessamento e não como fator determinante, fixo. A própria
linguagem, como devir-surdo, foi inspirada em Deleuze e Guattari (2014), para que as
possibilidades de inúmeros olhares se multipliquem a cada ângulo. Com esses autores, lanço o
desafio de desconstruir caminhos anteriormente percorridos, e com os arranjos de cores, a
possibilidade de ter um novo olhar, pois a pergunta pelo outro na Educação precisa ser
revisitada, uma vez que muito se tem perguntado “quem” é o outro, na ânsia de saber o que
23

lhe falta, mas pouco se tem inquietado com o outro, ouvir sua pergunta, perceber sua
diferença (SKLIAR, 2003). Desse modo, ir aos porões se faz necessário para percorrer e
perceber tais estilhaços. Interstícios entre os Estudos Surdos e a Filosofia da Diferença me
movem na direção de Kafka: por uma literatura menor, a percorrer os labirintos de um
castelo kafkiano de entradas e saídas e percorrer por eles as linhas de fuga que servirão de fio
condutor para a pesquisa.

Ressalto, aqui, em linhas gerais, que a plasticidade do pensar deleuziano e gauttariano


tem sido instigante para os deslocamentos aqui realizados entre os Estudos Surdos e a
Filosofia da Diferença, organizados a partir dos movimentos que comporão um devir-surdo,
uma perspectiva capaz de deslocar seus próprios conceitos, como uma forma de ir ao encontro
do outro independentemente (representação) de suas relações conceituais.

Assim sendo, nesta Dissertação terei o propósito de me deslocar e transitar nos


interstícios e entrecruzares, no objetivo de captar forças e fazer reverberar vozes minoritárias,
por fluxos desterritorializados, uma tentativa de navegar por entre uma Filosofia da Diferença
e os Estudos Surdos, na perspectiva não de contrapor uma a outra, mas de emitir ressonâncias
a partir de uma zona de vizinhança e distanciamento entre elas, percebendo possíveis
conexões e conflitos, assim, não terei um princípio, meio e fim, mas navegares cartográficos
por entre rizomas de um pensar no interstício de ambas. O movimento desse pensar,
corroborando Deleuze (2004),

É descobrir esses agenciamentos coletivos de enunciação, esses encadeamentos


coletivos, esses povos que estão em nós e que nos fazem falar, e a partir dos quais
nós produzimos enunciados. É nesse sentido que opomos todo um campo de
experimentação, de experimentação pessoal ou de grupo. (DELEUZE, 2004, p.
384).

Por entre os deslocamentos realizados e o navegar ao longo da Dissertação,


descortinarei alguns estilhaços a percorrer por entre os rios, igarapés, lagos, furos e ramais da
Educação de Surdos na formação de professores no município de Cametá, por meio de um
conjunto de enunciados que aqui serão experimentados. Desse modo, irei movimentar-me
pela plasticidade do pensar deleuziano e guattariano, por três movimentos que irão compor a
tessitura deste trabalho.

No primeiro movimento irei percorrer por estilhaços da pesquisa, por onde fala o
pesquisador e seu outro, por entre as formações existentes no projeto a explanar os platôs
24

oferecidos, detalhando as parcerias, como foram configuradas, trazer à tona a pergunta do


outro, e não apenas a pergunta “sobre” o outro ou “pelo” outro, a partir dos movimentos
escolhidos nesta pesquisa, eles são: a Educação, a Linguagem e a Diferença. Irei
problematizar paradigmas há muito consolidados na Educação, mas não muito discutidos,
como é o caso da Inclusão, que é propagada, mas não problematizada o bastante, irei
tencionar os Estudos Surdos e a Filosofia da Diferença, tentando mostrar a singularidade do
outro, sem tratar como abjeção e, a partir dessas lentes, mostrar as singularidades. Ver o outro
para além da homogeneidade, que transparece no Paradigma da Inclusão, então, o duplo
movimento entre os Estudos Surdos e a Filosofia da Diferença irá percorrer minha escrita.

No segundo movimento irei navegar pelos rios, igarapés, lagos da navegabilidade


cartográfica que estará presente neste trabalho, no desenvolvimento da cartografia deleuziana
e gauttariana, uma cartografia rizomática, pela conexão dos Estudos Surdos à Filosofia da
Diferença, sem começo nem fim, mas por limiares que se conectam pela multiplicidade
cartográfica a ser expandida pelo mapa do município de Cametá.

Ressalto aqui que as formações dos professores ocorreram ao longo do projeto de


extensão realizado no ano de 2015, e como percorrer pelo meio das conexões escolhidas, sem
me fixar, mas por buscar dimensões possíveis para este trabalho, não intento aqui bifurcações,
mas movimentos a partir de encontros e des(encontros) rizomáticos. Assim, como não partirei
de dualismos entre a Estudos Surdos e a Filosofia da Diferença, mas de uma proposta a se
conectar nas multiplicidades, ao ponto de formar uma “totalidade fragmentária”, buscarei
compor movimentos múltiplos sobre a temática da pesquisa, na interlocução com teóricos e
sujeitos participantes, esperando que sejam visões sem amarras à plasticidade do pensar.

No terceiro movimento após percorrer por furos, lagos, igarapés, a imensidão do Rio
Tocantins que desenha e configura a cidade de Cametá, vou intentar, por agenciamentos
deleuziano-guattarianos, a partir da Libras como uma “língua menor”, movimentos que
possam dobrar a língua por um devir-surdo, atento às surdas fermentações que essa língua
emana nos emaranhados da linguagem. Os movimentos de desterritorialização da linguagem,
os agenciamentos políticos e enunciações coletivas dessa “língua menor”serão relacionados à
comunidade surda e sua língua, composta por coletividades e fluxos molares-moleculares7
que transcorrem neste trabalho. Cabe esclarecer que os movimentos desse devir-surdo foram

7
Conceito deleuziano e guattariano que expressa para linhas molares (fixas) e moleculares (fuga), de acordo com
estes conceitos percorri por fluxos de ir e vir.
25

dispostos em separado apenas para fins de ênfase no desenvolvimento da pesquisa, posto que,
entre esses movimentos não há separação interna, mas uma intrínseca relação de seus
componentes, interligados rizomaticamente.

Finalmente, para não finalizar, apresento as rotas de saída da pesquisa rumo a outros
rios e mares da temática da Educação de Surdos, recorro às perguntas que navegaram comigo
pela Dissertação, não mais com o intuito de respondê-las, mas de experimentar
multiplicidades de olhares para as temáticas da educação e surdez aqui apresentadas,
perspectivas móveis que surgiram rizomaticamente neste estudo, que fazem observar por
outros movimentos do devir-surdo dos quais não foram tocados. As lentes se configuram e
reconfiguram a busca inquietante pelo outro, sua pergunta, sua diferença, por entre rios, lagos,
igarapés e ramais da Amazônia Tocantina.
26

2 ESTILHAÇOS DE PESQUISA: POR ONDE FALA O PESQUISADOR E SEU


OUTRO

Entre as coisas não designa uma correlação localizável


que vai de uma para outra e reciprocamente, mas uma
direção perpendicular, um movimento transversal que as
carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói
suas duas margens e adquire velocidade no meio.
(DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 49).

Ao iniciar a escrita de uma Dissertação por estilhaços, que irão compor tais escritos,
percorro estas linhas iniciais das quais irei descrever a partir das ações do projeto de extensão
Ensino de Libras na Amazônia Tocantina: Formação de Professores da Educação Infantil,
com período de vigência de março de 2015 a fevereiro de 2016. Este projeto foi desenvolvido
em parceria com a Secretaria Municipal de Educação de Cametá, para a formação continuada
dos professores de Educação Infantil. Ao total, são 310 professores vinculados à Divisão de
Educação Infantil da SEMED, sendo que 240 deles participaram dos platôs do projeto.

Foram feitos sete platôs, cada um com quatro turmas, compostas de acordo com os
distritos existentes no município de Cametá, em seu espaço urbano e rural. Cada platô buscou
apresentar aspectos não apenas linguísticos, mas também culturais da comunidade surda
existente nos ambientes escolares em Cametá, ainda que em uma demanda pequena se
comparar o quantitativo universal de alunos matriculados na rede municipal. Das ações de um
projeto de extensão, parafraseando Deleuze e Guattari (2014), em uma direção perpendicular,
de forma transversalizada, desenvolvo as ações do projeto de extensão e sou mobilizado a
pensar, o pesquisador que rói por dentro as ações planejadas e a partir delas pensa, repensa e
faz o estranhamento e distanciamento necessário para seguir a pesquisa.

Para Amorim (2004), o estranhamento se faz necessário, pois é condição primária para
todo o desenrolar da pesquisa:

Tomamos como ponto de partida para nosso trabalho a seguinte proposição: a


estranheza do objeto de pesquisa afirmada enquanto a própria condição de
possibilidade desse objeto. Assim, atribuímos à alteridade uma dimensão de
estranheza porque não se trata do simples reconhecimento de uma diferença, mas de
um verdadeiro distanciamento: perplexidade, interrogação, em suma, suspensão da
evidência. (AMORIM, 2004, p. 26).

O autor me faz perceber quão importante é o movimento entre o distanciar e


aproximar para que este me faça avançar por entre as fissuras do projeto, e tenha um olhar
27

vigilante para os indícios/pistas e/ou rumos à deriva que as águas do Rio Tocantins navegam.
Larrosa; Lara (1998, p. 190) apresenta o pensar como algo a ser vivido, experimentado, uma
realidade a ser vivida: “Pensar a partir de nossos espaços impõe uma realidade, a realidade do
que há; sair de nossos espaços para pensar outra realidade, ainda não imposta, ainda não
havida, propõe uma maravilha: “a maravilha de sair com o outro”, por exemplo.”.

Ir em busca, do novo, sem amarras, seguir pelos caminhos sem as evidências da


pesquisa, experienciar um novo, me faz perceber o quanto há de ser vivido por entre os
estilhaços, ser pesquisador não faz de mim um ser acabado, mas requer, nos meus espaços,
pensar possibilidades para além do planejado, em busca de uma realidade a ser vivida.

Pelos “estilhaços” pude compreender as modificações que se fazem necessários ao


longo do caminhar, de fato fez-me perceber as matilhas do pesquisar “ciente de que para isso
há armadilhas e de que, com isso, desenrolamos outras novas e ignoradas armadilhas”
(LARROSA; LARA, 1998, p. 190). Tais estilhaços me fazem questionar/recolocar a pergunta
pelo outro, utilizo-me das palavras de Nuria Perez: “o outro, esse empenho, esse afã que me
domina de dominar o que nasce fora de mim, o outro” (apud LARROSA; LARA, 1998, p.
185).

Neste duplo movimento, preciso transitar nos estilhaços dispostos e como tais
estilhaços me ajudaram a des (trilhar) este caminho na formação de professores da Educação
Infantil no município de Cametá. Percorrer este caminhar de formação continuada dos
professores me fez perceber o quanto nós, educadores, fazemos a pergunta pelo/sobre o outro,
porém não permitimos que o outro responda ou refaça a pergunta sobre si. Nuria Perez me fez
perceber um outro de mim, que nasce fora de mim, e faz voluntariamente percorrer, por
inúmeras vezes, os caminhos percorridos, fazer os ajustes necessários para que o outro não
seja evidenciado, mas que ele reverbere em formações, leis, em espaços da Escola em todos
os lugares.

Parafraseando Deleuze e Guattari (2014), as coisas não possuem uma correlação


localizável, mas ocorrem de uma para a outra, em um movimento transversal, sem início ou
fim, mas em uma velocidade adquirida. Neste contexto, observo as vozes deste trabalho, não
apenas para apresentar, mas para expor e refazer os caminhos que me levam ao outro, este
outro que constitui o cartografar desta pesquisa.
28

Atualmente, a pergunta sobre o outro tem sido amplamente feita e debatida


relacionada à pluralidade de culturas, raças, gênero e dimensões relacionadas à pessoa com
deficiência, neste caso, o surdo, fala-se sobre o outro e não com o outro, pois como salienta
Amorim (2004, p. 49), “a voz do outro não pode ser transcrita, pois ela é aquilo que da
oralidade não se traduz: a sonoridade – barulhos do corpo, grito e lágrima”. De fato, observa-
se que ao longo da história a pergunta sobre o outro foi feita, mas observa-se que a palavra do
outro, conforme o autor, é considerada “um não-sabido que só o especialista pode revelar”
(AMORIM, 2004, p. 49).

Os discursos sobre a inclusão levam à generalização do outro, fazem pensar, que para
além da deficiência, somos únicos e não podemos generalizar a partir de um grupo em
específico, neste caso, com a surdez, já que, na opinião de Lopes (2013), “geram efeitos
distintos nos sujeitos”:

Portanto, para analisar a inclusão não basta mapear o presente a partir de coletas
políticas, leis, regulamentos, histórias de vida, testemunhos, estatísticas, etc. É
condição para entender a sua emergência focar nos acontecimentos passados,
buscando estabelecer, sempre de forma arriscada e perigosa, relações entre
acontecimentos aparentemente desconexos, mas que são capazes de nos fazer
entender aquilo que nos tornamos, aquilo que lutamos e aquilo que acreditamos no
presente. (LOPES, 2013, p. 19).

Em nenhum contexto pode-se generalizar a opinião em relação ao outro, o objetivo


jamais será medir forças, mas deixar reverberar a voz do outro, sem que ela generalize a toda
uma classe, mas que seja a propulsão de uma categoria minoritária. Analisar o contexto
histórico, leis e histórias de vida, permite entender os acontecimentos passados para que não
se cometa o erro da generalização, e passe a entender o outro como uma perspectiva própria,
sem a necessidade da padronização.

Não me cabe, sobremaneira, diferenciar surdos e ouvintes, falantes de Língua


Portuguesa e Libras, mas uma atenção ao diverso, sem prioridades, e atento à diferença,
outros que vivem angustiados de tantos outros, outros ainda que sejam em minoria, como
hóspedes de nós mesmos.

Se eles vivem entre corpos, vozes e gestos que ainda não tiveram a sorte de serem
hóspedes da hospitalidade (a atenção à...), muito menos o privilégio de receber tal
divino mote (diversidade). E que, muito pelo contrário, foram e continuam sendo
objetos permanentes de uma hostilidade do mesmo. (SKLIAR, 2003, p. 21).
29

Olhar em atenção ao outro, não somente sobre o outro, precisa-se sim estar atento para
a diferença existente no outro e assim conviver na diferença, sem estereótipos que enquadrem
na “normalidade”.

Aqui vale salientar a pergunta pelo outro, é preciso refazer a pergunta que há muito
vem sendo respondida “sobre” o outro, pois precisa-se de respostas que vão ao encontro do
outro, não convém continuar com binarismos que ao longo da história se perpetuam, ainda
que se tenha a pergunta sobre o outro: “Os pares semelhante/dessemelhante, mesmo/outro,
idêntico/diferente onde a escolha é exclusivamente binária, é importante para validar toda
procura do outro, que respeite a identidade e a alteridade de si e de outrem.” (AMORIM,
2004, p. 71). Desde tempos passados, procura-se entender o binarismo, sem estar atentos para
as diferenças, olhar para o outro sem prerrogativas, condicionantes, sem validar
idêntico/diferente, mas ser capaz de perceber o outro em sua diferença.

Conviver e não apenas aceitar o outro, precisa-se recolocar ou até mesmo


redimensionar o devir-surdo para que as lentes nos faça perceber o outro em sua diferença e
não como mera representação de um grupo minoritário. Contudo, é bem verdade, que a
Inclusão, tem sido um acontecimento na contemporaneidade, percebe-se, hoje, que ela
expande seu campo de pesquisa e redireciona suas ações para demandas particulares, porém
não se pode esquecer que o outro, pertencente a um grupo, jamais será igual aos componentes
do grupo, precisa-se entender e difundir a singularidade do outro, conforme diz Skliar (2002):

A pergunta sobre o outro parece estar voltada muito mais na direção da


materialidade desse outro –da sua existência concreta, da sua presença física- e
muito menos sobre a própria pergunta, quer dizer, pela própria obsessão que está se
gerando em nós pelo outro. Assim, duas questões traçam a linha divisória nos
discursos educativos de hoje: 1) Se trata, por acaso, de um outro que volta, que
nunca esteve aqui? Ou, pelo contrário: 2) Se trata, talvez, de um eu que,
simplesmente, se dispõe a hospedar e/ou se inquieta pela própria estética do seu
hospedagem? (SKLIAR, 2002, p. 1).

Para o autor, é preciso refazer a pergunta sobre o outro, para que ela não se volte à
“mesmidade”, assim, os discursos não devem ser gerados sobre o outro, e sim, pelo outro,
situação sine qua non, de escutar o outro e sua pergunta, no convívio com a diferença.

Deve-se perceber, que a partir das diferenças existentes entre a minha voz e do outro,
existirão inúmeras diferenças, pelo simples fato de sermos diferentes, sem a necessidade de
comparações, é preciso sair do campo dos discursos da igualdade, e atentar ao conceito da
multiplicidade, sem a necessidade de sobreposição. Para Rancière (2011):
30

A igualdade é fundamental e ausente, ela é atual e intempestiva, sempre dependendo


da iniciativa de indivíduos e grupos que, conta o curso natural das coisas, assumem
o risco de verificá-la, de inventar as formas, individuais ou coletivas, de sua
verificação. Essa lição, ela também, é mais do que nunca atual. (RANCIÈRE, 2011,
p. 16).

Para elucidar essa senda, Rancière (2011) apresenta quão importante é a igualdade, e
mesmo importante ela se faz ausente em contextos inclusivos, nossa necessidade de
“normalização” ou aproximar-se para a “normalidade” nos deixa sem perceber a condição de
individuo único que somos, e perceber que nesta unidade, existem micropartículas que fazem
a composição do Coletivo.

2.1 O OUTRO NA PERSPECTIVA DA DIFERENÇA, EDUCAÇÃO E LINGUAGEM

Ver o outro na perspectiva de um devir-surdo faz entender a multiplicidade do eu e do


outro, não entender que o outro é um mero reflexo do eu; este duplo e inevitável movimento,
faz perceber o quanto somos fragmentados, e não se pode nunca julgar um coletivo por um
único individuo, e muito menos falar pelo outro sem dar voz a ele. De acordo com Skliar
(2014),
Qualquer tentativa de colocar-se na pele do outro comete uma heresia, pois se trata
de uma sobreposição, uma usurpação, um sequestro, um ultraje, e não de uma
contemplação, uma apropriação, uma disposição: como seria possível estar por
dentro, adentrar-se e respirar numa idade que ainda não tenho ou já tive, um corpo
que não percebo, um país que não hábito, uma língua que não falo? (SKLIAR, 2014,
p. 145).

Sem binarismos, ou sem prioridade para o duplo movimento, entre o eu-outro/outro-


eu, me faz tentar colocar-me na pele do outro sem que esse outro me permita tal tentativa.
Skliar (2014) salienta: como posso apropriar-me de algo que não possuo? Como posso ter
domínios sobre o outro? Até que ponto este outro me permite falar sobre e por ele? O autor
apresenta tantos outros que aqui estão e permanecem no anonimato/desconhecidos.

A proposição nesta secção será de percorrer em travessia com o outro, em companhia


do outro, aspectos da Diferença, Educação e Linguagem. Percorrendo por entre esses
movimentos, sem a dominação ou qualquer tipo de aniquilamento da imagem do outro. A
intenção aqui é percorrer por entre cada movimento, sem sobreposições sobre o outro, mas
corroborando pelas imagens produzidas ao longo do tempo, caracterizando-se por diferenças
existentes entre o eu e o outro. Larrosa e Lara (1998, p. 85) corroboram dizendo: “uma
imagem do outro é uma contradição: Mas, talvez, reste-nos uma imagem do encontro com o
31

outro”. Potencializar o outro, como o reconhecimento de outrem que se difere do eu, este
outro que precisa ser ouvido na sua Diferença, Educação e Linguagem.

Ao falar pelo outro, jamais terei certezas, mas antes, dúvidas que irão estar sempre
presentes: se fosse... talvez seria... Não podemos tratar o outro como massa amorfa, que sem
rosto vai obtendo formas a partir do que o eu diz a seu respeito. Skliar (2014) adverte:

Talvez fosse necessário tentar que essa palavra não dissesse mais do que diz, isto é,
que a palavra “outro” renunciasse, se despojasse, se desvestisse, estivesse
desprovida desses travestismos discursivos que, apesar de sua espetacularidade, não
acabam senão por ser fixações vãs, tipificações, enquadramentos de um outro
específico, singular, material. (SKLIAR, 2014, p. 126).

A palavra “outro” é uma palavra que não precisa de enquadramentos, não se pode
rotular o outro como um limite, mas como um labirinto, um devir-surdo de múltiplas
possibilidades, um “labirinto da travessia”. Skliar (2014) fala da impossibilidade de traçar
linhas retas ou utilitárias, mas a partir de encontros e desencontros de desconhecidos, sem
saber as possibilidades, algo plural, sem a fixidez de uma palavra ou simples significado
linguístico.
Na contemporaneidade, pensar no outro, respeitar o outro e fazer a pergunta pelo
outro, tem se tornado enfadonho, engessado, autoritário, precisa-se recolocar/refazer a
pergunta ao outro, devolvendo-lhe a palavra, sem que seja algo mecânico, conversar e discutir
com o outro, sem pensar o outro como o “diverso”, um “outro eu”, e sim, em uma diferença
existente entre o eu e tu, nós e os outros, nossos outros, recolocar a pergunta ao outro, fazer
atravessar o labirinto sem se fixar em margens, desterritorializando-se das amarras
existentes/insistentes de falar sobre o outro e o que lhe falta.

Não se faz necessário aqui, nem é oportuno medir forças entre o eu e o outro, mas
muito mais que isso, fazer com que este outro seja protagonista de sua própria história com
sua linguagem que lhe é peculiar e principalmente as diferenças, que estão para além de
grupos, pois estão na travessia do ser, estamos territorializados, mas a desterritorialização lhe
é particular, ainda que a luta seja por coletivos, que as imagens do outro não sejam um reflexo
de nossas lutas e conquistas, mas que pelos movimentos aqui realizados e, ainda outros que
possam ser feitos, sejam capazes de protagonizar a diferença, não apenas, perguntar sobre o
outro, mas ouvir dele a sua pergunta.
32

É interessante observar dois aspectos da diferença: o primeiro consiste em separar a


palavra outro de sua forma conceitual e que é utilizada por muito de nós, alguém em cuja
referência é desconhecida, um ser diverso, oposto e desigual. O segundo consiste em analisar
os aspectos antropológicos, não apenas etimológicos da palavra, perceber nas representações
existentes no outro, sem torná-lo algo previsível, homogeneizado, mas o processo pelo qual
um grupo passa, algo/alguém imprevisível, sem a necessidade de rótulos e/ou repetições.

Larrosa e Skliar (2011, p. 119), indagam-se em primeira pergunta: “Quem são os


outros?”. Percebe-se o quanto esta simples pergunta me faz sentir vazio e ao mesmo tempo,
completar-me pela possibilidade de resposta. Para eles, o chamado “travestismo discursivo” é
algo habitual de nossa época, a pergunta, por mais que pareça, não nos é casual. A inquietude
de nossa parte em obter resposta para uma simples pergunta inicial, nos faz silenciar o outro
sem nos atentarmos que esse outro pode falar e sinalizar sobre suas próprias verdades,
recolocar sua pergunta.

Diferença, Educação e Linguagem foram as lentes escolhidas de um devir-surdo, dos


quais intento expressar a perspectiva do outro neste trabalho, sem assertivas ou algo
disciplinar, mas que expressam o tudo e o nada que elas acarretam em sentidos. Sem dizer o
que o outro é, mas fazer com que o ecoar de suas vozes reverberem por entre furos, lagos e
igarapés que formam o Rio Tocantins. Que a plasticidade do pensar não permita o
engessamento da pergunta sobre o outro, que o devir-surdo não reproduza conceitos ou
reverberações do “eu”, mas que se permitam múltiplas possibilidades em relação a tantos
outros existentes na comunidade surda. Para Gallo (2012):

Perceber o outro como diferença radical e não como diferença em relação a uma
identidade impõe à educação confrontar-se com uma problemática filosófica
complexa. As políticas educacionais recentes no Brasil têm lidado com a diferença,
mas num registro filosófico que toma o outro como diferença em relação ao
idêntico. Nesse registro, o outro pode ser assimilado, acolhido, incluído. Mas o
preço é o pagamento de sua diferença radical, na homogeneidade de uma
democracia que a todos acolhe, borrando os conflitos. (GALLO, 2012, p. 139).

Um convite a pensar o outro para além da diferença em relação ao idêntico, ao espelho


da norma. Torná-los idênticos à norma é o preço alto que vem sendo pago por políticas de
inclusão em nosso país, é preciso arriscar e difundir como possibilidade o outro como uma
diferença radical, sem a necessidade de se enquadrar na norma. Sem representações absolutas
sobre o outro. Estranhar a norma é perceber as possibilidades existentes na diferença,
(re)conhecendo a interdependência existente entre os termos, sem a necessidade de
33

sobreposição ou fixidez. Corroborando, Gallo (2012, p. 150): “outrem é a manifestação da


multiplicidade, das múltiplas atualizações das inúmeras virtualidades”.
A questão está em não reduzir questões das diferenças a binarismos arraigados em
nossa sociedade, e sim pensar para além do eu/tu, ele/outro, perceber que binarismos nos
levam ao reducionismo em relação ao outro, entender que as diferenças não se limitam a
grupos específicos, mas se ramificam por entre os grupos, se desterritorializam por entre o
eu/tu/nós/eles. Sejamos diferença! Desafios a não pensar o outro como um limite, algo finito,
mas como diferença radical, sem negligenciar o seu rosto, sem que ele seja uma massa
amorfa, mas viver a diferença como fronteira, sem limites ou fixações:
O fato moderno é a inclusão do fora no mundo, e não além, no além–mundo. O fora
devém hoje uma categoria imanente, e essa mutação conceitual é ao mesmo tempo a
condição de um pensamento da imanência radical. (ZOURABICHVILI, 2016, p.
97).

O fora vem de uma experiência do acaso, sem limites, sem representação, mas uma
condição do acontecimento que circula no fora, sem as clausuras limítrofes. O lugar
fronteiriço do outro, não como representação geográfica, mas como uma cartografia existente,
com múltiplas entradas e saídas, que remetem ao castelo de Kafka e aos inúmeros
movimentos do devir-surdo, não como possibilidades preexistentes, mas como movimentos
de sua própria expressividade, com todas as rotas possíveis. Tais rotas estão presentes na
cultura, língua e indícios de um (lugar, posição) espaço fronteiriço, o espaço do outro. Skliar
(2003) alerta:
Entre tantas imagens, entre tantos olhares do mesmo e do outro, talvez devêssemos
optar por uma cartografia em parte semelhante e em parte diferente das descritas
anteriormente. Uma cartografia e não uma cópia dos espaços talvez simultâneos,
certamente paradoxais, obrigatoriamente disjuntivos, indubitavelmente irredutíveis
entre o mesmo e o outro. (SKLIAR, 2003, p. 103).

Sem disciplinaridades ou normas, sem procurar uma cópia ao olhar para o outro, o
movimento da cartografia lança ao desconhecido e mobiliza a um pensar-outro, o movimento
molecular por entre os espaços para transitar nos emaranhados advindos ao encontro do rio
com a terra, possibilidades que serão lançadas em meio à travessia, sobretudo, de ficar à
espreita aos movimentos e conexões advindas do espaço cartográfico.

Romper com os paradigmas tradicionais da pesquisa em Educação não é algo fácil


(seria possível?), mas não se pode continuar delimitado a partir de propostas binárias, pode-se
abrir mão da fixidez e permitir uma análise rizomática, explorando furos, igarapés e ramais
que nascem ou deságuam no Rio Tocantins, ultrapassar pensamentos dualistas, por um
34

pensamento capaz de conectar as multiplicidades, de projetar devires no pensar, lançando-nos


ao novo, ao inesperado, ou até mesmo em uma nova forma de olhar ao que era visto antes,
despojando-nos de nossas próprias amarras.

A partir das perspectivas cartográficas propostas, experienciar a Educação, a


Linguagem e a Diferença a partir de movimentos que perpassam a experiência do outro,
escutar sua voz, sem ausentar-lhe o direito à sua livre expressão, perceber a partir de uma
língua-rizoma que se desterritorializa os movimentos que produzem... e... e... e... e não ou...
ou... ou... Ecos da diferença, para não perspectivar modos de uma travessia particular, mas
criar rotas de uma travessia-coletiva por movimentos de um devir-surdo aqui experimentado!

2.2 ZONAS DE VIZINHANÇA E DISTANCIAMENTO ENTRE ESTUDOS SURDOS E


FILOSOFIA DA DIFERENÇA

Sem amarras. O pensamento da diferença desafia a pensar a existência do outro para


além dos reflexos ou convenções sociais, para que o outro exerça sobre si a liberdade de
expressar-se em sua própria língua, cultura, pensamento, modos de vida.

Percorrer o gigantesco Rio Tocantins, na possibilidade de acompanhar processos,


afetar e ser afetado na travessia, aproximar, compor, sobrevoar, mergulhar, espreitar e
sofisticar o foco, sem amarras, me faz sentir a necessidade de perceber o percurso de inúmeras
embarcações que diariamente percorrem este imenso rio, travessias estas que possuem
destinos, porém, nem sempre são itinerários rigorosamente percorridos, pois o mais
importante é chegar ao desembarque.

A proposta nesta subseção é percorrer os Estudos Surdos e Filosofia da Diferença, por


fluxos molares e moleculares, sem fixar-me em teorias, mas a partir delas repensar a
Educação de Surdos, tentar não homogeneizar o discurso acerca deste tipo de Educação, mas
a partir das diferenças, agenciamentos políticos, linguísticos e coletivos, problematizar tais
diferenças opondo-se à normalidade, sem ser espelhos da norma, mas ser a própria diferença
que habita cada ser. Não supor que o outro é um ponto fixo e estático, que estará sempre no
mesmo lugar. Reconhecer o/no outro seu próprio espaço, suas lutas, suas conquistas, sem a
estranheza massificadora da maioria ou a lógica binária da exclusão. Dialogando com Meyer
e Paraíso (2014):

Abrir mão de sentidos e conceitos homogêneos e fixos para explorar sua


multiplicidade e provisoriedade. Ao mesmo tempo, explorar a produtividade de
35

pensar e elaborar análises, dentro da lógica rizomática do “e”, evitando a lógica


binária conectada ao “ou” (MEYER; PARAÍSO, 2014, p. 59).

Explorar a multiplicidade de conceitos, jamais abrir mão de múltiplas possibilidades,


ou seja, “desestratificar”, conceito utilizado por Deleuze e Guattari (1995), se abrir para novas
funções, para além do que está, do que nos é posto, envolvido por uma lógica rizomática.
Entre os emaranhados, perceber as zonas de vizinhança e distanciamento entre os conceitos
abordados.

Particularmente, o conceito de Estudos Surdos surge no Brasil em uma tentativa de


expressar o nome em inglês Deaf Studies, termo utilizado em alguns países, como uma forma
de pesquisar a comunidade surda no Brasil relacionando alguns aspectos, como cultura,
língua, comunicação, entre outros costumes e traços de uma comunidade. No entanto, por que
se haveria de pesquisar algo tão estranho? Para Skliar (2001):

Os Estudos Surdos em Educação podem ser pensados como um território de


investigação educacional e de proposições políticas que, através de um conjunto de
concepções linguísticas, culturais, comunitárias e de identidades, definem uma
particular aproximação – e não uma apropriação – com o conhecimento e com os
discursos sobre a surdez e sobre o mundo dos surdos. (SKLIAR, 2001, p. 29).

Problematizando não apenas acepções linguísticas como também, culturais desta


comunidade minoritária, que ainda sofre com as representações dominantes, não se intenta
aqui discutir a norma e/ou não norma, padrão e/ou não padrão. De fato, precisa-se entender
que uma comunidade está para além do padronizado, ou do que é posto em maioria, não
necessariamente deve-se seguir a norma, pois o que seria a norma? Skliar mostra, pelos
emaranhados do pensar, conceitos e reconstrução a partir das potencialidades das pessoas
surdas e vale salientar que os termos aqui utilizados como Estudos Surdos e Filosofia da
Diferença são diferentes do que diz Silva (2014, p. 50): “A diferença pode ser construída
negativamente – por meio de exclusão ou da marginalização daquelas pessoas que são
definidas como “outros” ou forasteiros.”.

Ambos os termos exercem relação um sobre o outro, sem a premissa de sobreposição


entre os termos, ainda que o pensamento seja construído a partir do binarismo existente entre
as palavras, Silva (2014) argumenta, como se um fosse norma e o outro é o “outro”. Tais
termos não pretendem esgotar ou inventar, mas surgem como possibilidade em meio à
pergunta obstinada sobre o outro e que precisa ser refeita, por meio de deslocamentos
realizados entre a Educação de Surdos e Filosofia da Diferença. Será um exercício de
relacionar os conceitos a partir de deslocamentos que abordarei a seguir.
36

Em ambos se percebe zonas de vizinhança e distanciamento, em relação ao outro.


Pensar nas singularidades do outro, nos torna e nos faz diferente a qualquer um, sem a
necessidade de divisão ou classismo, somos singulares, ainda que sejamos grupo e/ou
associação, estamos para além da homogeneidade que tenta nos classificar como seres
humanos.

Ao me aproximar e distanciar entre os conceitos supracitados, às vezes, temos dúvidas


e nos fazem imbuir em profunda reflexão, de forma a fervilhar as ideias em meu pensar, sem
certezas ou reprodução de teorias já apresentadas anteriormente, mas como possibilidade a ser
pensada e questionada sem a sobreposição entre a Filosofia da Diferença e os Estudos Surdos.
Vertentes que divergem e convergem em seus posicionamentos, assim, afinado com Larrosa e
Skliar (2011):

O reconhecimento do outro-diverso é também a evidência da impossibilidade da


totalidade dentro de mim e a colocação em perspectiva de minhas certezas. A
verdade do outro, diferente da minha, revela-se a mim como uma vontade singular e,
portanto, não acabada. (LARROSA; SKLIAR, 2011, p. 258).

Embora confuso o reconhecimento do outro-diverso, preciso refutar a não existência


do outro como minha imagem, ou seja, mesmo tendo a certeza que o outro não é e nem será
um reflexo, pois minhas certezas, certamente serão suas inquietudes, não posso singularizar o
outro. O reconhecimento do outro-diverso revela-se como a nascente do Rio Tocantins, que
percorre por entre lugares que se moldam nos inúmeros igarapés, lagos e riachos que
deságuam no impiedoso Tocantins, ou quiçá nascem dele. Em contrapartida, Guattari e Rolnik
(1996) observam a ideia de reconhecimento de identidade:

Uma ideia de processos transversais, de devires subjetivos que se instauram através


dos indivíduos e dos grupos sociais... mas eles não podem existir em si, e sim num
movimento processual; é isso que lhes dá sua potência de travessia em todas as
estratificações – estratificações materiais, de sentido, de sistemas maquínicos e
assim por diante. (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p. 74).

A ideia de processos transversais relacionados à identidade faz compreender, a


exemplo de minorias, como a reivindicação de um grupo, não apenas pelo reconhecimento de
sua identidade, mas o processo pelo qual trabalham a identidade, diferenças, relações sociais,
devires estes que atravessam e estratificam as singularidades do outro pertencente ao grupo
minoritário. Um processo de desterritorialização, num movimento molar e molecular, que se
intensifica e permeia esses grupos minoritários. As minorias se intensificam como ‘pólos de
37

resistência’ (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p.75). A relação entre a Filosofia da Diferença e


os Estudos Surdos, como forças molares e moleculares que ora se repelem e ora se atraem
neste trabalho, não imprimem forças uma sob a outra, mas intentam uma possível relação que
permeia os devires aqui apresentados. Na visão conjunta de Deleuze e Parnet (1998),

Devir é jamais imitar, nem fazer como, nem ajustar-se a um modelo, seja ele de
justiça ou de verdade. Não há um termo de onde se parte, nem um ao qual se chega
ou se deve chegar. Tampouco dois termos que se trocam. (DELEUZE; PARNET,
1998, p. 10).

De fato, não farei sobreposições entre os campos da Filosofia da Diferença e os


Estudos Surdos, nem intento imitar a “norma”, mas fazer com que o outro seja sentido em sua
confidência, pois, como visto, se os devires não são imitação, pode-se concebê-los como
“orientações, direções, entradas e saídas” (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 10). Neste
pesquisar, o devir-surdo será recorrente, para que se possa observar e compreender, que não
se pode ajustar e/ou moldar a Educação de Surdos aos ouvintes, despedir-se de verdades que
poderão ser construídas ao longo do caminhar, ir ao encontro do (des)conhecido.

Neste sentido, os termos se confluem como águas desterritorializadas, que se deslocam


no Rio Tocantins, corroborando a imagem labiríntica de Costa (2016):

A imagem labiríntica de quarto recusa a linha reta ao pensar, recusa os espelhos e


seus rebatimentos, recusa lugares fixos para habitar, ao contrário disso, instaura a
mobilidade, a pluralidade, as misturas, os deslocamentos desse vaguear a ermo pelo
quarto do mundo, da imaginação; no quarto estranho povoa um universo de
intensidades e forças, encontros e afecções, silêncios e reverberações, signos
circulam por entre-lugares de uma poética gestada no dorso da Diferença (o quarto
do Outro). (COSTA, 2016, p. 101).

A imagem labiríntica se expande para além do castelo de Kafka e percorre o Rio


Tocantins em movimentos desterritorializados, em deslocamentos por entre rios, lagos e
igarapés, que circulam os entre lugares da formação de professores, com múltiplas entradas e
saídas, orientações e direções, como forma de repulsa aos lugares habituais, fixos, neste
vaguear entre a Filosofia da Diferença e Estudos Surdos, sem sobreposições. Tal
entrelaçamento me faz recorrer a Zourabichvili (2016), ao referir-se à obra de Deleuze como
um movimento sempre em curso, como um jogo de ecos ou ressonâncias.

Gilles Deleuze nunca parou de comentar outros autores e, ao fazê-lo, sempre


afirmou um pensamento próprio e original. Os mesmos motivos lógicos,
frequentemente os mesmos conceitos, retornam de um livro a outro e, a cada vez,
variados, deslocados; a obra, sempre em curso, é como um jogo de ecos ou de
ressonâncias. (ZOURABICHVILI, 2016, p. 35).
38

Tais ressonâncias poderão reverberar múltiplas entradas labirínticas do Rio Tocantins,


em cada retorno/trajeto dos professores participantes dos cursos de formação, uma
possibilidade a mais, sempre em curso, um navegar para além do chegar, numa travessia sem
delimitações, mas com possibilidades variadas de estar com o outro, de ser outro.
39

3 A NAVEGABILIDADE CARTOGRÁFICA DO PESQUISAR

As linhas de esboço feitas por este estudo percorrem a extensão do Rio Tocantins no
município de Cametá, rio que se banha e é banhado por inúmeros lagos, igarapés e ramais,
pois o objetivo é apresentar não as linhas e sua fixidez demarcadas pelas linhas gerais do
mapa, representativo e/ou extensão geográfica do município, mas evidenciar suas expansões,
fissuras, aberturas e possibilidades de encontros e desencontros, sem a fixidez e/ou
engessamento da estrutura, nos estudos cartográficos, aqui denominados “navegabilidade
cartográfica”.

Escolho aqui o método da Cartografia por perceber que, para além da extensão do Rio
Tocantins, que em extensão ultrapassa os 2.000 km percorrendo por inúmeras cidades
brasileiras, o impiedoso Tocantins deságua e percorre a extensão territorial do município de
Cametá. Pelos meios e caminhos dos quais nos deslocamos diariamente na cidade, pelos
igarapés, ramais, lagos e rios que se confluem ao Tocantins, percebo a relação deste rio com o
castelo de Kafka, que possui múltiplas entradas e saídas, sem prevalecer nenhuma delas, mas
com a possibilidade de acessar o castelo.

A Cartografia é um método de navegabilidade, sempre em trânsito, de forma a traçar


suas próprias entradas e saídas, de forma a acontecer, sem que seja previamente organizado,
da forma de um rizoma, sem sobrecodificação. Para Deleuze e Guattari (2011):

Mas acontece, justamente, que um rizoma, ou multiplicidade, não se deixa


sobrecodificar, nem jamais dispõe de dimensão suplementar ao número de suas
linhas, quer dizer, à multiplicidade de números ligados a estas linhas. Todas as
multiplicidades são planas, uma vez que elas preenchem, ocupam todas as suas
dimensões. (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 24).

Multiplicidades que se conectam por entres as fissuras e estreitos, que do impetuoso


Tocantins se servem e que nele deságuam conforme sua própria natureza, e os fazem conectar
e/ou conexões. O vislumbre do mapa a seguir, não como uma representação geográfica,
delimitando espaços e territórios, mas em sua multiplicidade, partindo do castelo de Kafka
com múltiplas entradas e saídas, trazendo a experimentação do devir-surdo em sua
multiplicidade, mas que neste estudo irá atentar para as três movimentos que permeiam o que
foi aqui proposto: movimentos de desterritorialização da Libras, os agenciamentos políticos
dos professores e as enunciações coletivas da linguagem que resiste e mobiliza aqui presentes.

Para tal proposição, a partir do rizoma e suas múltiplas entradas, Deleuze e Guattari
(2011) mencionam:
40

O mapa não produz um inconsciente fechado sobre ele mesmo, ele o constrói. Ele
contribui para a conexão dos campos, para o desbloqueio dos corpos sem órgãos,
para sua abertura máxima sobre um plano de consistência. Ele faz parte do rizoma.
O mapa é aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível,
suscetível de receber modificações constantemente. (DELEUZE; GUATTARI,
2011, p. 30).

Os questionamentos vão surgindo a partir da navegabilidade pelo Rio Tocantins, sem a


necessidade de delimitação de espaço, pelas situações ocasionais que acontecem, a partir da
maleabilidade pelo navegar do rio, oportunizando a mim um olhar de um cartógrafo que passa
a descrever o fronteiriço não por seus limites geográficos, mas pela singularidade e/ou
multiplicidade existente ali, tendo um olhar atento estabelecendo relações múltiplas e
diferenciadas, pontos de conexões e interconexões, sem a fixidez do lugar. De fato, não tenho
e muito menos procuro a fórmula, mas sigo minhas pistas que se estendem em oscilação de
ondas no Tocantins.

O rizoma é considerado por Deleuze e Guattari (2011) um “antimétodo”, que tudo


pode, sem o rigor científico, sem julgar o caminho, mas como uma nova definição no fazer
cartográfico, se constituindo em multiplicidades. Tal conceito, ainda é de difícil compreensão,
mas que se configura pelas dimensões das quais o tornam múltiplo, ultrapassando os
dualismos existentes. Os movimentos aqui apresentados tornam-se multiplicidades não para o
esgotamento de suas análises, mas, composto de diferentes linhas dos quais os acontecimentos
proporcionam, a partir dos deslocamentos aqui realizados, nas cartografias da Libras como
língua “menor” de forma experimental, da qual far-se-á conexões, multiplicidades em linhas
variadas e variantes.

Daí a ideia de Platô, definida por Deleuze e Guattari (2011), pois um rizoma é feito de
platôs, algo que se conecta com outras hastes, novas possibilidades, e aqui trabalharei com
três variantes geográficas conectáveis entre si e por si, conforme apresentado no mapa abaixo.
41

Mapa 1 – Município de Cametá e seus distritos.

Elaboração: Secretaria Municipal de Educação de Cametá (2014)


42

Ao observar o mapa do município de Cametá, percebe-se não apenas sua extensão


territorial, ou a impetuosidade que o Rio Tocantins impõe ao banhar, se permitir em fluxos de
ir/vir uma relação de interdependência com o município de Cametá, diferentemente ao que o
Rio Danúbio que “cortava e separava duas cidades em formato ipsilon e bifurcando-se no
alto” (BUARQUE, 2003, p. 51), de fato, o romance em Benjamim ocorre entre a relação
dessas duas cidades, em um importante rio no continente europeu, aqui difere-se porque na
cidade de Cametá o rio imponente desloca a cidade e faz seu curso por entre a mesma cidade;
mover-se pela disposição da maré, pairar e/ou remar leva a fluxos desterritorializados no
cartografar deste rio.

Fluxos constantes se multiplicam na representação deste mapa, mas de fato o processo


pelo qual os platôs presentes no Projeto de Extensão ocorreram, pela força e possibilidade de
deslocamentos necessários para que as formações ocorressem. Possibilidades de abertura por
ambas as margens do rio. As lentes das quais proponho o olhar, não se tornam reducionistas,
mas se caracterizam pelos deslocamentos que aqui foram feitos aos conceitos deleuzianos e
guattarianos: desterritorialização, político e coletivo. Albuquerque Jr. e Veiga-Neto e Souza-
Filho (2008) enfatizam as experiências, das quais vivenciamos:

As experiências do fora, das margens, dos limites, das fronteiras, seriam


experiências que permitiriam cartografar novos desenhos, novas configurações para
o acontecer de uma dada sociedade. Como o saber é perspectivo, esse olhar das
margens permite constituir outras visibilidades e outras dizibilidades sobre qualquer
tema ou problema que se queira colocar para o conhecimento. (ALBUQUERQUE
JR.; VEIGA-NETO; SOUZA-FILHO, 2008, p. 10).

Com Barros e Kastrup (2015), afirmo que “cartografar é acompanhar processos”, dos
quais acontecem simultaneamente, e não apenas na apresentação de fatos/dados, experienciar
a partir dos contextos aqui vivenciados e/ou constituídos no percorrer dos trajetos e nuances
dos quais vivenciei com o projeto. De modo, a não precisar enrijecer o navegar para obter os
objetivos propostos, navegar sem a pretensão de ter o itinerário de antemão, mas permitir-se
navegar pelo Tocantins. A partir de Barros e Kastrup (2015) são apresentadas as quatro
variedades da atenção do cartógrafo, e irei navegar-atravessar-sentir-experienciar para
perceber os elos existentes, em busca das intensidades que estão por todos os lados.

Na imagem acima, o mapa do município de Cametá não representa apenas os limites


territoriais do município, mas transcende ao representar, processos formativos, procedimentos
implícitos ao mapa e como um conjunto de linhas diversas, de fluxos contínuos e
descontínuos que se encontram e se afastam em fluidos de água que correm sobre o Rio
43

Tocantins. O mapa, segundo Deleuze e Guattari (1995, p. 33): “Se é verdade que o mapa ou o
rizoma têm essencialmente entradas múltiplas, consideraremos que se pode entrar nelas pelo
caminho dos decalques ou pela via das árvores-raízes, observando as precauções
necessárias.”.

Refiro-me novamente ao castelo de Kafka, com múltiplas entradas, das quais irei
adentrar para apresentar os platôs do projeto de extensão. No que tange à escrita aqui
apresentada, mostro as linhas que foram traçadas das inúmeras possibilidades, sem a
necessidade de um esgotamento ou a simples relevância de uma única possibilidade, visto que
o mapa nos liga as multiplicidades e a fazer conexões, bem como o devir-surdo, aqui também
relacionado ao rizoma (DELEUZE; GUATTARI, 2011). A transversalização a ocorrer nesta
pesquisa perfaz uma operação a ser realizada pela Filosofia da Diferença e pelos Estudos
Surdos, em um triplo movimento: o processo de desterritorialização da Libras, o
agenciamento político e as enunciações coletivas presentes ao longo de cada formação.

A parir das entradas escolhidas, irei também descrever os movimentos escolhidos


para este estudo. Os movimentos do devir-surdo, que aqui serão apresentados não intentam
refletir a norma como uma massa amorfa, mas que os espelhos líquidos perpassem o simples
reflexo, e faça reverberar o outro em sua diferença, não como deficiente, mas a diferença
existente entre o eu-tu. Questionar-me sobre o outro, não me faz responder pelo outro. Como,
também dizem, Larrosa e Skliar (2011):

A pergunta não é casual, pois vem ao encontro de um tempo de instabilidade


discursiva, no qual conceitos tais como: cultura, identidade, inclusão/exclusão,
diversidade e diferença parecem ser facilmente intercambiáveis, sem custo nenhum
para quem assume, se apodera e governa as representações de determinados grupos
sociais. (LARROSA; SKLIAR 2011, p. 119).

Na pós-modernidade, não se pretende responder que é o outro, mas transversalizar,


dinamizar e potencializar a diferença dentre outros campos, questionar-se sobre um outro que
se configura ao mapear-se em seu próprio mapa, sem a necessidade de agrupar, tornar tudo
igual. De fato, Passos e Kastrup e Escóssia (2015, p. 27) direcionam da seguinte forma: “Não
ao agrupamento, ao conjunto de indivíduos, nem à unidade do diverso, mas ao coletivo como
dinâmica de contágio em um plano hiperconectivo ou de máxima comunicação.”.

Não se pode reduzir um indivíduo a um grupo, pois ainda que sejam do mesmo grupo,
existem diferenças entre ambos, ou melhor, entre todos, assim sendo, irei percorrer por linhas
44

que se conectam, quebram e se recompõem ao longo do Rio Tocantins, ao longo da formação


dos professores. Espaços fragmentários, sem a necessidade de estruturas afixadas.

Desta forma, a Cartografia formulada por Deleuze e Guattari (2011) visa acompanhar
processos e não representar um objeto. Para Passos e Kastrup e Escóssia (2015):

A cartografia é sempre um método ad hoc. Todavia, sua construção caso a caso não
impede que se procurem estabelecer algumas pistas que têm em vista descrever,
discutir e, sobretudo, coletivizar a experiência do cartógrafo. (PASSOS; KASTRUP;
ESCÓSSIA, 2015, p. 32).

Como cartógrafo definindo o caminhar, não pretendo aqui expô-lo como uma via
única, mas como possibilidade das multiplicidades existentes por entre os rios, furos e
igarapés que se interconectam ao Rio Tocantins, como um fio de Ariadne em busca de um fio
condutor que se conecte, sem uma visão totalizante, mas com uma infinidade de pistas. É por
isso que, em algumas palavras de Larrosa e Skliar (2011), há o reconhecimento da
multiplicidade:

O reconhecimento do outro-diverso é também a evidência da impossibilidade da


totalidade dentro de mim e a colocação em perspectiva de minhas certezas. A
verdade do outro, diferente da minha, revela-se a mim como uma vontade singular e,
portanto, não acabada. A presença de uma outra vontade me faz presente, através da
evidência de minha própria incompletude. (LARROSA; SKLIAR, 2011, p. 258).

Não existe totalidade dentro de si, sem que eu precise das incertezas, a perspectiva do
outro me faz perceber o quanto somos serem inconclusos, e não se deve pensar em seres
totalizantes, que somos um rizoma, pois, para Deleuze e Guattari (2011), ele não começa e
nem conclui, mas nasce no meio, entre coisas, como um tecido conjuntivo. Por entre os lagos,
rios, igarapés e ramais, irei aqui percorrer a extensão do Rio Tocantins num transitar
cartográfico ao qual apresentarei e adentrarei por inúmeras entradas e múltiplas saídas cada
um dos platôs existentes no projeto. Navegar, remar, adentrar e até à deriva ficar, porém, sem
cais, portos ou pier para paradas preestabelecidas, mas seguir pelas afluências do Rio
Tocantins em busca das cartografias da Libras como uma “língua menor” a partir das ações do
projeto, sem evidenciar a completude, sua totalidade, mas vislumbrar algumas perspectivas.

Abaixo apresento como se deram os platôs para avançar no pesquisar-cartógrafo, bem


como a configuração das turmas por distrito e como política de ação, além dos movimentos
realizados à medida que a pesquisa se fazia presente. Vale ressaltar que o projeto foi
contemplado com uma bolsa de extensão, e a partir da parceria com a Prefeitura de Cametá se
45

conseguiu outra bolsa estudantil custeada pela SEMED, por fim, concordo com Meyer e
Paraíso (2014) ao falar do navegar sobre o rio.

Um segundo rio corre neste que todo mundo vê. Atrás ou à frente as margens
desaparecem. La ou aqui, forças de velocidade infinita inundam a vida. Seus
movimentos deixam rastros, marcas, traços, linhas. Uma cartografia se situa, de
entrada, no meio, no complexo, no jogo das linhas. (MEYER; PARAÍSO, 2014, p.
289).

O mover-se pelo Rio Tocantins me faz percorrer linhas de segmentação que vão
reagindo uma sobre as outras, sem a necessidade rígida ou enfadonha de se percorrer
metodologicamente a estrutura apresentada, percebe-se uma variante de linhas e a
segmentaridade que as conectam num emaranhado de fios, aqui denominados como
movimentos de um devir-surdo, trata-se da afirmação da incompletude, deixar-se afetar por
agenciamentos que possibilitam seguir em buscar de fundações e não fundamentos, expor
alguns movimentos aqui realizados, para Fonseca e Kirst (2003):

A cartografia propõe-se a capturar no tempo o instante do encontro dos movimentos


do pesquisador com os movimentos do território da pesquisa. É o encontro que se
registra e não seus objetos. O cartógrafo sabe que é impossível congelar um objeto
para estudar sua natureza sob todos os ângulos, isentando-se de implicação direta,
conforme propõe a ciência positivista. Cartografar é seguir o movimento de
ecceidades que se conectam e produzem desvios ao invés de regras e, a partir daí,
novos movimentos. (FONSECA; KIRST, 2003, p.100).

Os movimentos de ecceidades conectados aqui produzirão novos movimentos, mas


nem sempre seguidos, as conexões realizadas aqui, não se findam, a produção de dados se deu
ao longo dos platôs, as multiplicidades de vozes irão cartografar o (ter)ritório da pesquisa.
Segundo Barros e Kastrup e Escóssia (2015, p. 40) são quatro variantes que fazem
parte do trabalho de cartógrafo: o rastreio, o toque, o pouso e o reconhecimento atento. Ainda
que no trabalho do cartógrafo, seja impossível precisar um ponto de partida, essas variantes se
fazem necessárias para iniciar... Difícil é precisar como tudo começou, mas quem disse que
começaremos pelo começo? E qual seria o começo no trabalho cartográfico? Talvez minhas
questões no meio dos estilhaços, deem indícios que seria o começo, mas de fato, este se faz, a
partir de metas em variação contínua, componentes que se conectam entre as travessias que
aqui foram necessárias, e tantas outros que poderiam ser feitas num continuum
desterritorializado.

A partir de agora mergulharei nas entradas realizadas ao longo do processo e como um


bom cartógrafo, acompanharei os processos pelos quais se perpassa para chegar ao cartografar
46

um território, que até então não se habitava, percorrer para então produzir conhecimento ao
longo do percurso, uma cartografia do desassossego.
Pelos atravessamentos perpassados ao longo do processo de cartografar, os
movimentos aqui “recortados” ativam a postura de um professor-militante, partícipe de um
trabalho cartográfico, percorrendo os registros de navegação em busca de endereços e
passagens de uma composição múltipla e permeada por suas diferenciações. Na pesquisa
cartográfica não se prima pela exatidão em suas respostas, ou por enrijecer sua pesquisa, mas
por permitir que de seu ato de cartografar, seja repensada sua eterna criação.
Vale salientar a diferença existente entre os distritos apresentados no mapa geográfico
do município de Cametá, dez ao todo: Vila do Carmo, Carapajó, Janua Coeli, Porto Grande,
Curuçambaba, Torres do Cupijó, Cametá, Moiraba, Areião e Juaba. Já os distritos descritos e
organizados no Projeto de Extensão 2015 totalizam nove, mas diferem-se por não
contabilizarem Moiraba como distrito e sim pertencente a Porto Grande; e Areião pertencente
ao Distrito de Vila do Carmo, bem como não apresenta a divisão entre Cametá sede e rural.
Deste modo, esclareço que em nada alterou a participação dos professores, e esta divisão
territorial ocorre de acordo com a totalidade de alunos x escolas em cada distrito para fins da
SEMED. De fato, percebe-se que o próprio mapa não reproduz um inconsciente fechado,
como disse Deleuze e Guattari (2011), com a possibilidade de reencontros, ou linhas que se
re-estratificam.

Faz-se uma ruptura, traça-se uma linha de fuga, mas corre-se sempre o risco de
reencontrar nela organizações que reestratificam o conjunto, formações que dão
novamente o poder a um significante, atribuições que constituem um sujeito.
(DELEUZE ; GUATTARI, 2011, p. 26).

Para além de representação geográfica, tem-se situações sociais, trabalhistas,


institucionais e tantas outras representações. Observa-se que em um mesmo território
geográfico ele se re-estratifica para se ter novas atribuições e sentidos, neste caso, percebe-se
no mapa uma organização de distritos e, na disposição para organização das turmas, uma
outra reorganização.

As escolhas até aqui feitas, fazem parte do olhar de um aprendiz-cartógrafo, de fato, os


platôs a serem detalhados a seguir, não representam uma forma assimétrica do projeto, mas
como possibilidades a serem iniciadas. De fato, adentrar e navegar pelo Rio Tocantins me faz
perceber e entender que não precisamos de um cais, quando sentimos a necessidade de parar
ou até mesmo para se deslocar em nossa região, têm estruturas que se fazem cais, mas que em
nada se comparam a um suntuoso cais. Dizem que toda pesquisa precisa de uma diretriz, mas
47

na Cartografia o planejamento se faz sem o engessamento metodológico, porém, com a


mesma rigorosidade científica; nela não se busca um caminho linear, muito menos assertivas
a serem apresentadas, mas de fato um caminho que se constrói ao longo do processo, e muito
possivelmente, se reconstrói a cada novo olhar.

Para Passos e Kastrup e Escóssia (2015), o mais importante está em coletivizar a


experiência do cartógrafo e corroboro com os autores ao definirem o método: “Nesta direção,
o método cartográfico não se define pelos procedimentos que adota, mas é uma atividade
orientada por uma diretriz de natureza não propriamente epistemológica, mas ético-estético-
política.” (PASSOS; KASTRUP; TEDESCO, 2014, p. 10).

A Cartografia condiz a um procedimento em que a metodologia é organizada no


processo em curso, com a possibilidade de adentrar os espaços por meio de múltiplos acessos
e escolher quais irão orientar os itinerários da pesquisa, sem um esgotamento. Desse modo, o
método cartográfico transgride a próprio noção de “método” com a qual a ciência opera ao
constituir-se em um antimétodo de que falam Deleuze e Guattari (2011), ou seja, um
caminhar livre e à espreita de novas composições.

Os platôs a seguir foram compostos na Escola de Formação Dom Romualdo de Seixas,


localizada em Cametá e o local foi escolhido pela viabilidade para execução dos platôs, pois
os professores iriam se deslocar até lá. Os platôs IV e VII não foram realizados na Escola
Dom Romualdo, mas sim no auditório do Cuntins, por conta da acomodação dos professores
partícipes do projeto. Os fluxos de intensidade em que cada professor se deslocava de sua
localidade para participar na sede do município dos platôs oportunizou uma aproximação
ainda maior entre os próprios educadores sobre suas realidades. Como rota inicial e não
primária, muito menos a única, irei navegar pelos platôs do curso de formação...

Toda pesquisa cartográfica, conforme Passos e Barros (2015), garante uma


comunicação que não se esgota nos dois eixos hegemônicos... que conecta devires
minoritários. Partindo da transversalização, irei percorrer e cartografar os platôs que
habitaram a organização do projeto em sua realização.

3.1 PLATÔ IV – O OUTRO SURDO


Antes de descrever este platô, recorro às palavras de Deleuze e Guattari (2011):

Mas acontece, justamente que um rizoma, ou multiplicidade, não se deixa


sobrecodificar, nem jamais dispõe de dimensão suplementar ao número de suas
48

linhas, quer dizer, à multiplicidade de números ligados a estas linhas. Todas as


multiplicidades são planas, uma vez que elas preenchem, ocupam todas as suas
dimensões. (DELEUZE; GUATTARI, 2012, p. 25).

Tais palavras, antes de adentrar no platô IV, expressam o movimento do rizoma e a


dimensão de suas linhas emaranhadas, sem a necessidade de superposição e sim da tessitura
das linhas em suas multiplicidades. Este platô foi uma parceria entre o Instituto Nacional de
Surdos – INES, com sede no Rio de Janeiro, e a Universidade Federal do Pará, por meio de
seu Campus Universitário do Tocantins, e aconteceu na cidade de Cametá, para todos os
professores envolvidos no projeto de extensão, além de demais profissionais da educação da
cidade e de outros municípios da região, como Mocajuba, Baião, Limoeiro do Ajuru e Oeiras
do Pará, no período de 1 a 3 de setembro de 2015, nas dependências do Cuntins-UFPA.

A equipe do INES era composta por profissionais que atuam na Educação de Surdos
no próprio instituto, bem como um representante da Coordenação Geral, o Professor Marcelo
Cavalcanti, Diretor-Geral.

Nos emaranhados de um rizoma, a multiplicidade se conecta por numerosos traçados


de linhas, e estas se preenchem em diversas dimensões. De tal forma, que essa multiplicidade
surgiu na realização do Seminário sobre Educação e Surdez, em parceria com o INES, e
manter esse contato fez-me repensar as temáticas trazidas pelo Instituto e pertinentes para a
Educação de Surdos no município de Cametá, fazendo com que as minorias reverberem e
produzam um emaranhado de linhas nas temáticas em debate e tantas outras que surgiram ao
longo do seminário, aqui, as temáticas deixam vazar as multiplicidades:

✓ O cidadão surdo e a identidade cultural;

✓ A importância das LIBRAS no contexto escolar;

✓ A LIBRAS como L1 e L2;

✓ Produção de materiais pedagógicos visuais para surdos;

✓ Formação de professores para prática pedagógica;

✓ A criança surda na Educação Infantil;

✓ Alfabetização de surdos na Educação Básica;


49

Em ações múltiplas, as oficinas ocorriam simultaneamente e se tornavam linhas de


fluxos de experiências entre os participantes e dentre as linhas de multiplicidade, três oficinas
foram ministradas por profissionais surdos, permitindo uma interação com os professores e
um espanto por não terem um conhecimento suficiente em Libras, mas eles estavam com
intérpretes que permitiram maior interação. Essa interação com os surdos fez pensar em
possibilidades outras, como potências de uma minoria.

Imagem 1 – Profissionais vindos do INES

Foto: Acervo do projeto, 2015

A imagem 1 mostra os profissionais do INES em uma roda de conversa respondendo


às perguntas referentes as temáticas debatidas ao longo do primeiro dia, que versaram sobre as
temáticas das oficinas, o momento foi enriquecedor para aproximar o contexto da Educação
de Surdos da realidade da Amazônia tocantina, visto que a maioria dos professores não tinha
o conhecimento de Libras antes do projeto, realidade existente ainda nos demais municípios
participantes do seminário, sendo a maior dificuldade, no processo de inclusão escolar, o não
conhecimento de Libras para auxiliar na relação o aluno-professor na escola.

Aqui, a dimensão rizomática transpassa os limites geográficos de Cametá e consegue


lançar-se além-mar, rumo a parcerias com o INES, como linha de fuga que se arrasta ao
encontro do outro e que os torna indiscerníveis quanto às conexões rizomáticas que
atravessam o vaivém dos encontros. Uma ação transversal, que se conecta por devires
minoritários, dispersos, difusos. Na tentativa de limitar os fluxos aqui destacados,
50

surgem/ressurgem novas demarcações, a vida aflora na captura cartográfica, seria impossível


congelar fluxos contínuos que se desterritorializam e reterritorializam, que se tornam outros
fluxos capazes de produzir tantos outros.

Imagem 2 – Seminário em parceria com o INES

Foto: Acervo do projeto, 2015

A foto 2 apresenta mais um momento do seminário com o auditório do Cuntins


tomado por professores de Cametá e demais municípios da região do baixo Tocantins, em
constante troca de experiências, sendo possível contribuir na formação de alunos surdos.
Dentre as razões para descrever a proporção deste projeto, cita-se apenas duas:

✓ As parcerias firmadas entre a UFPA, SEMED e INES por se entender que a Educação
é para todos, sem a necessidade de se excluir, bem como afirma os documentos, leis e
diretrizes vigentes;

✓ Os professores, por assumirem o compromisso em participar desde o Platô I do


projeto de extensão, por sentir a necessidade de buscar novos conhecimentos e
aprendizados.

As dimensões estão para além das geográficas, mas para uma formação crítica e
inclusiva, que irá contribuir no processo escolar dos alunos surdos, pois os professores
buscam um melhor aprendizado para que este reverbere em sua sala de aula. Um
51

atravessamento reticente faz seguir as ecceidades (ou singularidades) existentes neste platô,
sem a tentativa do esgotamento dos movimentos existentes, mas o que aqui se rastreia para
acompanhar a processualidade existente nos movimentos do devir-surdo.

Tessituras numa mão dupla que atravessam a formação, as aprendizagens socializadas


nos dias de encontro, movimentos realizados pelos professores do instituto e pelos
professores-participantes: “Algo peculiar desta cidade nos faz permanecer aqui, para além de
uma formação, vocês estão em busca de aprendizados, vocês nos motivam a permanecer neste
lugar.” (Professora – INES).

O permanecer neste lugar, para o cartógrafo, é a importante localização das pistas, mas
jamais será a totalidade de suas percepções, rastrear para acompanhar os processos aos quais
se dispõe. Há pelo menos dez anos, o INES já realizou inúmeros seminários como este em
diversas cidades brasileiras e uma das formadoras ainda capta algo tão peculiar em nossa
região, algo imprevisível, para quem há anos está nesse movimento por inúmeros locais, algo
diferente, pertencente ao gesto de rastrear em busca de novas composições. O deslocamento
cartográfico de um devir-surdo sinaliza a abertura ao encontro do outro-surdo, seja este outro
um usuário da Libras, um professor-formador ou alguém desconhecedor dela, de modo que
entre esses diferentes sujeitos perpassam as indeterminações de uma língua surda em pleno
processos de construção-reconstrução.

A composição do outro-surdo, não se dá/define pelo canal da Libras como língua, mas
pela disposição deste outro, em se relacionar com o surdo, numa tentativa de comunicação,
talvez não conheça sua língua, ou esteja em aprendizagem, mas sente-se na necessidade de se
comunicar nesta língua outra, aflora um desejo de se entender nesse espaço que se faz
diferente, o outro-surdo, ainda em minoria, está presente nos setores sociais, e principalmente
na Escola, local para qual se trabalha essa língua-rizoma, possibilidades de se trabalhar uma
língua-outra.

A partir da parceria estabelecida com o INES, professores-participantes do projeto


puderam participar de debates sobre a pessoa surda, e perceber que este outro surdo está em
processos de construção/reconstrução, e que todos aprendem com os processos que deles
advém, essa língua-rizoma possibilita participar destes processos, que estão para além do
conhecimento linguístico, a partir das temáticas debatidas no seminário, pôde-se ver de
múltiplas formas este outro-surdo.
52

3.2 PLATÔ I – LÍNGUA SURDA I


“Eu não conhecia Libras, fiquei muito preocupada com essa formação, pensei que
fosse chegar aqui aí me dariam uma apostila com muitas leituras, teorias pra ler,
mas não, são aulas práticas. Estou gostando muito da dinâmica da formação.”
(Professora A – Distrito de Vila do Carmo).

No momento desta rota irei navegar, delinear e percorrer em busca de possibilidades


sem a clausura da verdade, mas que a própria multiplicidade se encarregue neste navegar.
Longe de mim aqui começar pelo início, se o impetuoso Rio Tocantins me apresenta
múltiplas entradas, como o castelo de Kafka. Saliento aqui Maturana e Varela (1995), que
fazem desconstruir o conceito de referência: “A sensação é de não termos um ponto de
referência fixo e absoluto, onde ancorar nossas descrições e assim afirmar e defender sua
validez” (MATURANA; VARELA, 1995, p. 258).

Ainda que, ao que tudo indica, não se tem um ponto fixo, o propósito foi iniciar a
ação, sem que precise se iniciar pelo começo, de acordo com Deleuze e Guattari (2012, p.
149): “Não se trata mais de impor uma forma a uma matéria, mas de elaborar um material
cada vez mais rico, cada vez mais consistente, apto a partir daí a captar forças cada vez mais
intensas”.

Sem o impositivo, mas com um captar de forças que começam por entre os platôs, no
Platô I, em específico, foi sobre um breve panorama histórico sobre surdez e a legislação
vigente no Brasil, em questões linguísticas aprendeu-se alfabeto, numerais, calendário,
identidade e cumprimentos, pronomes, expressão facial e as cores. Tais conteúdos foram
trabalhados em atividades práticas e contextualizadas em diálogos, entregues previamente aos
participantes, pois, “Com efeito, não é o ponto que faz a linha, é a linha que arrasta o ponto
desterritorializado, que arrasta para sua influência exterior; então, a linha não vai de um ponto
a outro, mas entre os pontos ela corre numa outra direção que os torna indiscerníveis.”
(DELEUZE; GUATTARI, 2012, p. 102).

O ponto desterritorializado, capaz de mover os professores neste momento, foi crucial


para a realização deste platô, pois não se fixaram ao fato de não conhecer a Libras, mas se
lançaram ao novo, por adentrar nos aspectos linguísticos de uma nova língua, já que quase a
totalidade dos professores não conhecia a Libras. O mover-se para o conhecimento da Libras
impulsionava para que eles realizassem as atividades propostas.
53

Imagem 3 – Professores nas atividades do Platô I

Foto: Acervo do projeto, 2015

Na foto 3, os professores na prática das atividades propostas em datilologia. O


envolvimento dos professores foi surpreendente, pois, como já mencionado antes, uma
minoria sabia Libras, a maioria não conhecia e nunca tinha estudado, visto que a disciplina
não foi ofertada na grade curricular de alguns professores atuantes nas salas da Educação
Infantil e os que tiveram a oportunidade, não se acham suficientemente prontos, por isso, a
intenção em formar profissionais conscientes, o que faz lembrar a ideia de experiência
apontada por Larrosa (2002):

A experiência é a possibilidade de que algo nos aconteça, ou nos toque, requer um


gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempo que correm: requer
parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar; parar
para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião,
suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a
atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece,
aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte dos encontros, calar muito, ter
paciência e dar-se tempo e espaço. (LARROSA, 2002, p. 24).

E se a experiência é a abertura para o desconhecido, o novo, o contato com a Libras


no aprendizado e na construção da formação dos professores, torna-se talvez o ponto de
partida para a propagação das mudanças que venham a ocorrer nesta área de aprendizagem
das práticas linguísticas.
54

Nas dinâmicas utilizadas, momentos de medos e incertezas, inquietações que se


transformaram em alegria nas descobertas, o toque é uma sensação rápida, que em primeira
mão, faz com que o professor-participante tenha uma afetação pelo desconhecido dessa língua
surda, língua que se expressa por e para uma minoria linguística existente em sala de aula,
língua que se mostra pelo afeto do contato, do silêncio, da liberdade no aprender, língua
captada pelo toque coletivo e singular, capaz de coletivizar uma ação política por processos
linguísticos minoritários, matéria-força que permite (ex)perienciar uma língua-outra na
liberdade da relação, sem contornos predefinidos.

Língua-surda-língua-minha-nossa-língua, o desassossego existente faz parte/se torna


parte evidenciando as diferenças existentes ao longo dos processos. “– Eu não conhecia
Libras! ” Ela hesitou, e por afetações também me vejo como aprendiz da língua surda. Uma
ação política a partir do aprendizado de uma língua-outra, possibilitou experienciar o outro, a
partir de sua língua, diálogos, situações comuns e, acima de tudo, a cultura do outro,
coletivizar o que aprendi e partilhar com o outro, essa língua-outra que possibilita uma relação
com o surdo, a partir de um movimento tão singular, um desassossego que reverbera na
professora-participante que não conhecia Libras.

3.3 PLATÔ V – DEBULHAR PEDAGÓGICO


“Não podia imaginar que com os materiais que já utilizamos em sala, poderíamos
fazer novos materiais para atender aos alunos surdos. Está sendo muito importante
para nossa prática em sala de aula. ” (Professor C – Distrito de Torres).

Em mais um zoom, adentro aqui para perceber os inúmeros caminhos que se abrem
neste pouso, propor aos professores-participantes que, a partir dos materiais por eles
confeccionados, pudessem de modo atencional, debulhar o ambiente escolar, explorar suas
potencialidades de criação com recurso ao novo e ao existente disponível na escola, sendo
importante experimentar possibilidades-outras de inovar o ensino-aprendizagem da Libras,
fazendo uso de materiais novos e disponíveis, pousar nos ambientes da Escola e perceber o
quanto há de se debulhar em cada pouso realizado.

A ação do debulhar se compara com a prática de debulhar ou extrair o fruto do açaí de


seus cachos, prática comumente realizada na região amazônica, um movimento da economia
local realizado entre o rio e a terra, entre o espaço ribeirinho-rural e urbano.

E assim aproximo tal prática a partir do zoom neste platô, movimento que os
professores-participantes realizaram, ao trazer os seus materiais para que fizéssemos junto
55

com eles materiais para composição do ambiente de sua sala de aula, e que estes materiais
fossem utilizados por alunos surdos e ouvintes, promovendo um ambiente inclusivo,
garantindo a aprendizagem de todos, ajustando o itinerário sempre que necessário.
Trabalhando com as diferenças na Escola, os recursos pedagógicos e de acessibilidade
colaboram para que pessoas com deficiência participem ativamente do processo escolar, de
acordo com Fabris e Klein (2013):

Nos leva a pensar a inclusão educacional de outros modos, mas também e talvez
principalmente, permite nos qualificarmos no sentido de sairmos do lugar-comum da
celebração fácil das políticas e práticas inclusivas e, de fato, conseguirmos promover
algumas mudanças sociais. (FABRIS; KLEIN, 2013, p. 12).

Passei a entender, por outros movimentos, que o processo de inclusão precisa refazer a
pergunta sobre o outro, estando atento à sua pergunta e percepções aos contextos
educacionais, perguntar aos alunos surdos sobre o seu processo de alfabetização,
instrumentalizá-lo em Língua Portuguesa, e proporcionar um ambiente favorável para seu
aprendizado em Libras, em prol de um objetivo social.

O próprio Rio Tocantins passa a ser um trajeto de aprendizado: quantos embarques e


desembarques cada um desses professores já fizeram em busca de formação continuada? E
quanto aos alunos surdos, por que não lhes indagar sobre o seu navegar em sua vida escolar?
O quanto eles não teriam para me fazer perceber os territórios na Escola que estão por
debulhar? Essa atenção mudaria consequentemente minha práxis.

A própria formação inicial se utilizou diversas vezes deste rio, para que o professor se
deslocasse para fazer seu curso de Pedagogia, mas delimita o zoom do aluno surdo. Quando a
confecção de materiais já não é mais simplesmente produção pedagógica, mas possibilidade
de encontro e convivência plural com o outro em sala de aula e na Escola. Estar atento ao
zoom, não pode ser confundido com um gesto focal, pois a percepção será momentânea,
sempre no intuito de fazer do debulhar um gesto experimental de criação.

O debulhar pedagógico aqui é visto como um movimento cartográfico de


(des)construção a partir dos elementos presentes em cada Escola, como uma possibilidade
existente ao se trabalhar uma outra língua, uma língua que se constitui como língua-rizoma,
que percorre os engendramentos que constituem cada platô do projeto.
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Imagem 4 – Materiais pedagógicos adaptados confeccionados pelos professores

Foto: Acervo do projeto, 2015

A imagem 4 apresenta as produções do platô V, os professores com materiais


confeccionados por eles, produção que emite outros signos em sala de aula, cada professor
confeccionou o seu próprio material, visto que suas escolas não dispõem de recursos para
comprar materiais adaptados para todas as salas, e o pouco que adquire, seja por meios de
doação ou por verba própria, não atende a todos os alunos, sendo assim pensou-se neste platô
para que fosse confeccionado no decorrer do encontro e fosse levado para a sala de aula, um
zoom que adentra o espaço escolar, imagens e textos que anunciam a língua e a cultura de
uma alteridade surda para organização juntamente com os alunos, os professores que possuem
alunos surdos em sala, a fim de oportunizar um encontro com a língua surda, cultura surda,
com a alteridade surda.

Debulhar como um ato de compor um novo modo de educar, outras atividades, novas
possibilidades para uma língua-rizoma, que se configura em platôs em movimento,
constituídos por composições que se debulham no fazer pedagógico, presente para além dos
platôs, inserido no cotidiano das escolas: “ – Muito importante para nossa sala de aula” – o
olhar de uma professora ao perceber na língua-rizoma, a partir do existente em sala de aula;
percepção que a faz esquecer que ela não tem proficiência nesta língua rizomática, e que a faz
57

perspectivar possibilidades dessa língua surda e de poder ensinar essa língua-outra de outro
modo, a partir dos materiais debulhados e (re) construídos.

3.4 PLATÔ III – LÍNGUA SURDA II


“Pra mim parecia impossível aprender quando cheguei pensei logo não vou
conseguir, mais desde que aprendi o alfabeto no segundo módulo e as cantigas de
roda no terceiro comecei a utilizar em sala de aula e vi que as crianças tem mais
facilidade que eu de aprender. ” (Professor C – Distrito de Torres).

No exercício de um cartógrafo, o reconhecimento atento é um movimento importante


na arte de cartografar, lembrando que este território, antes, não era habitado. Neste platô, vale
frisar que o foi compartilhado com os professores são adjetivos, animais, sinais de
brincadeiras infantis, substantivos, corpo humano, acessórios e outros itens gramaticais.

Imagem 5 – Interação dos professores no Platô III

FONTE: Acervo do projeto (2015)

Foto: Acervo do projeto, 2015

A imagem acima expressa o momento em que, após trabalhar com o material, os


professores iam para a sistematização dos sinais, organizando contextos da escola em formato
de diálogo, cada dupla apresentava seu diálogo de acordo com os platôs trabalhados até o
momento, a diferença percebida entre este platô e o platô I, é que eles já conseguiam recordar
do sinal e faziam, mas no platô I, se utilizavam de mímica para realizar as atividades,
inclusive atentou-se para isto por lembrar que os surdos da região estão a aprender Libras.

De fato, a formação dos professores do município em Libras iniciou-se em 2014, em


um curso básico de Libras promovido pela SEMED. Fazer da impossibilidade, algo possível,
58

ainda que se estranhe e se perceba aprender ainda que a ‘gagueira’ insista reverberar.
Potencializando a noção de “gagueira” da língua em Deleuze (2011), diria com ele que:

É o que acontece quando a gagueira já não incide sobre as palavras preexistentes,


mas ela própria introduz as palavras que ela afeta; estas já não existem separadas da
gagueira que as seleciona e as liga por conta própria. Não é mais o personagem que
é gago de fala, é o escritor que se torna gago da língua: ele faz gaguejar a língua
enquanto tal. Uma linguagem afetiva, intensiva, e não mais uma afecção daquele que
fala (DELEUZE, 2011, p. 138).

Gaguejar não supõe a impossibilidade da fala, mas sim que os afetos da relação com a
língua surda afetam a fala. Produzir sinais, anteriormente desconhecidos, torna o falante da
língua gago da própria língua, tornar-se estrangeiro em sua própria língua, faz conexões de
sua própria língua com a língua do outro, balbucio de si mesma. De um lado, destaco a
gagueira como desterritorialização da própria língua, que a faz fugir diante do balbucio que
sinaliza. De outro, e num mesmo plano do pensar, sinalizo que a partir da conversação de uma
língua estranha se abre a possibilidade de um compartilhar de mundos diferentes, pois a
gagueira existe e passa a habitar a língua do outro, na possibilidade do progredir: “ – é o que o
professor nos disse: – tudo vai do treino, eu treino em casa meus filhos, pensavam que eu
estava doida. Eu disse: – Vamos treinar comigo, eles agora estão como eu, treinando.”
(Professor C – Distrito de Torres).

Gaguejar a língua, confundir suas estruturas, balbuciar a loucura da língua que lhe
pertence – um movimento sinalizado por Deleuze em Crítica e clínica como a
desterritorialização absoluta da linguagem, sua diferença radical. Um movimento rizomático
em atenção ao duplo processo da diferença existente na mesma língua, entre línguas,
conexões existentes entre a minha língua e a língua do outro, um sistema em complexo
desequilíbrio entre eu e o outro, um entrecruzamento com linhas díspares de linguagens e
culturas, que são os segmentos moleculares de nossa formação: “Aprendemos não a falar, mas
a balbuciar, e só pondo-nos à escuta do barulho crescente do século, e uma vez
embranquecidos pela espuma de sua crista, é que adquirimos uma língua” (DELEUZE, 2011,
p. 139).

Neste balbuciar de palavras descrito por Deleuze (2011), que os professores-


participantes processavam cada um dos movimentos aprendidos desta língua-rizoma, o
gaguejar, a língua-outra como diferença radical, “ao ponto de acharem que estou doida”,
59

salientou a professora, mas à espreita para aprender, compreende-se essa língua-rizoma, a


partir dos movimentos que se configuram em palavras.

Essa gagueira da língua se processa por movimentos de desterritorialização da


linguagem, em que Deleuze e Guattari (2012) assim descrevem:

De qualquer modo, eis uma linha muito diferente da precedente, uma linha de
segmentação maleável ou molecular, onde os segmentos são como quanta de
desterritorialização. É nessa linha que se define um presente cuja própria forma é de
um algo que aconteceu, já passado, por mais próximo que se esteja dele, já que a
matéria inapreensível desse algo está inteiramente molecularizada, em velocidades
que ultrapassam os limiares ordinários de percepção. (DELEUZE; GUATTARI,
2012, p. 75).

A gagueira da língua ou sua desterritorialização é um processo do qual as


movimentações da linguagem não se deixam engendrar-se ou fixar-se, tornando possível
qualquer movimentação como segmentaridade e/ou molecularidade ao passo inicial. Esse
movimento de desterritorialização da Libras dos professores de Educação Infantil engendrou-
se por meio de múltiplos deslocamentos da formação, eles saíam de suas casas, distantes até
10 horas de rabudo8 da sede do município de Cametá, em busca de uma língua surda
desconhecida. No depoimento da Professora C, ela deixa claro que os próprios filhos tiveram
interesse em aprender alguns sinais da Libras, e a facilidade que os alunos dela tiveram em
aprender os sinais: “– As crianças tem mais facilidade que eu de aprender”. Os agenciamentos
coletivos operados por meio da gagueira da Libras teceram conexões com diferentes fluxos de
aprendizagens entre a mãe e os filhos – a professora e os alunos, um gesto atencional no
exercício do cartógrafo, ritmos dissonantes na reconfiguração dos encontros de
aprendizagens.

A partir dos fluxos de ecceidades ou singularidades presentes em cada platô, observa-


se um dissonante, que se fortalece pelo ato de experienciar esta língua-rizoma, pois a partir
das ações realizadas no platô, a mãe leva o que aprendeu para compartilhar com os filhos,
ensiná-los a partir de sua aprendizagem, estratificando a língua-rizoma, que se configura, a
partir dos movimentos cartográficos, numa conexão de aprendizagens múltiplas.

Por entre o gaguejar da língua-surda, a professora introduz aos seus alunos uma língua
que insiste em gaguejar, em diferenciar-se de si mesma, diferença que faz de sua presença e

8
Nome de embarcação de pequeno porte, muito utilizado na região, inclusive é o meio de transporte escolar
utilizado tanto pelos alunos das ilhas e localidades ribeirinhas, quanto pelos professores que se deslocam para ir
trabalhar nas escolas.
60

inserção um movimento necessário na Escola. Esse agenciamento coletivo de aprendizagens


múltiplas põe em funcionamento uma língua gaga, informe, molecular, uma língua-rizoma a
se proliferar nos contextos das salas de aula.

3.5 PLATÔ II – CANTO SURDO


Neste platô, continuo a percorrer por emaranhados de rios, lagos, igarapés e ramais
que banham e se deságuam no Rio Tocantins, minha segunda entrada será pelo platô em que
se trabalhou a parte musical para pessoas surdas, uma multiplicidade de partes com campos
perceptivos diferenciados. Aqui, não se trata de lembrar-se dos platôs que compunham o
projeto, mas o quanto eles se tornaram partes dentro do processo de formação, mas como
eram conectores de um mesmo trabalho, sem a rigorosidade descritiva de cada platô, mas o
quanto se relacionava a cada novo platô, como os professores relacionavam um novo
conhecimento, com os adquiridos anteriormente. Os atos trabalhados se explicitavam num
fluxo contínuo por entre os platôs, em conformidade com Pelbart e Costa (2003): “Os atos
“puramente práticos”, técnicos, administrativos, econômicos e outros contribuem tanto quanto
os atos de discurso para a construção dos agenciamentos coletivos de enunciação, para a
produção das qualidades de ser.” (PELBART; COSTA, 2003, p. 36).

Observa-se na fala de Pelbart e Costa (2003), que tanto os atos teóricos quanto os
práticos contribuem para o processo de formação, e assim foi organizada, para que atendesse
à demanda existente, voltada para as enunciações coletivas. Apresentar os cantos surdos
possibilitou aproximar o universo escolar infantil e dispô-lo ao surdo, os fragmentos talvez
não sejam os mais adequados, mas permitirão um transitar no mundo do outro. A organização
se deu a partir das cantigas apresentadas aos professores-participantes: Borboletinha, A Dona
Aranha, Fui à Feira, Indiozinho e Pintinho Amarelinho, com o intuito desterritorializado de
viabilizar relação entre a sala de aula e as ações do projeto.
61

Imagem 6 – Professores no Platô II

Foto: Acervo do projeto, 2015

A imagem acima apresenta o momento em que a bolsista do projeto ensina aos


professores as cantigas de roda em Libras, os professores atentos aos sinais, para
posteriormente apresentarem aos colegas as cantigas trabalhadas no platô, este envolveu a
todos os participantes de modo que, após o platô, eles nos procuravam para que
participássemos das apresentações que os alunos fizeram com as cantigas, observe a fala de
um participante, a Professora B: “ – Sei que as cantigas de roda são muito importantes em sala
de aula, mas viver esse momento é muito significativo, pois voltei a me sentir criança”.
(Professora B – Distrito de Carapajó).

Neste contexto, a observância está para uma ação que o já sabido retorna em uma
outra língua, nos cantos surdos, produzindo novas aprendizagens e significados, o quanto esta
experiência vem colaborando na aprendizagem dos alunos e, principalmente, dos professores
e a oportunidade de conhecer a Libras em diversos aspectos não apenas os linguísticos, pois
conforme Silva (2006):

É de grande relevância a conscientização de que toda a sociedade e suas instâncias


institucionais (em particular, a escola) e participativas (os movimentos sociais)
precisam atentar-se especificamente para uma escuta sobre o que o surdo tem a dizer
em relação a sua posição de pertencimento social, respeitando a sua forma de (se)
dizer – aspecto linguístico: o uso de sinais – e considerando os processos afetivos
que estão implicados e são constitutivos/característicos da experiência de grupos
sociais minoritários. (SILVA 2006, p. 138).
62

De fato, a sociedade precisa não apenas dar voz ao surdo, como efetivar sua política
linguística e cultural pertencentes a uma comunidade minoritária com características próprias
que independem da majoritária, percebe-se como este platô foi significativo para o processo
de ensino-aprendizagem-afetividade entre professores e alunos das escolas que não possuem
surdos, as cantigas foram realizadas também por interesse dos alunos em aprender um novo
idioma, relatos que se faziam presentes a cada formação, pois sempre era perguntado aos
professores como o projeto reverberava com os alunos deles: “ – Eu já sabia as cantigas mais
com gestos, aí pra nós, professores, é fácil, o diferente aqui é que estamos como nossos alunos
brincando e aprendendo, que os gestos são imitações e que os sinais de Libras é a língua dos
surdos”. (Professora B – Distrito de Carapajó).

A relação que pude estreitar com meus alunos, me fez entender como o processo de
inclusão pode estar presente no ambiente escolar na ausência do surdo, o relato da professora,
mesmo não tendo alunos surdos, mas que levou os cantos surdos e ensinou aos seus alunos do
Jardim II mostra isto. Os fragmentos de uma língua num balbuciar de afetos de crianças que
se tornam sensíveis ao mundo surdo, um devir-criança presente nos fragmentos inadequados.

Este canto surdo que permite não só o balbucio das palavras, mas a interação entre a
minoria linguística presente na Escola, fragmentos de afetos entre alunos-professor-surdo,
tornando-os sensíveis ao mundo do outro. O silêncio do canto se conecta entre os fragmentos
de uma língua-rizoma, o cantar em expressões, aproxima a língua-outra, do contexto escolar e
o faz presente neste ambiente, desde o balbucio as primeiras palavras sinalizadas neste cantar.

3.6 PLATÔ VI – FABULAÇÃO SURDA


“Não há literatura sem fabulação, mas, como Bergson soube vê-lo, a fabulação, a
função fabuladora não consiste em imaginar nem em projetar um eu. Ela atinge
sobretudo essas visões, eleva-se até esses devires ou potências.” (DELEUZE, 2011,
p. 14).

Nesta entrada, experienciar a importância da fabulação e incentivar a formação do


gosto de leitura na idade em que todos os gostos se formam, isto é, na infância. Neste sentido,
a Literatura Infantil é um caminho que leva a criança a desenvolver a imaginação, emoções e
sentimentos de forma prazerosa e significativa.

O platô aqui descrito visa apresentar um histórico da Literatura Infantil, conceitos de


linguagem e leitura e aproximar a literatura da vivência do aluno surdo, já que muitas vezes,
nesta faixa etária, ele não consegue compreender as histórias infantis, pois desconhece as
palavras. A Literatura como é um agenciamento coletivo de enunciação, sem a pretensão de
63

projetar um individuo, mas o coletivo, os devires, algo empreendedor, que enuncia a história
de um povo, ‘escrever por um povo que falta...’ extrair dela “o suco” que fala por um povo,
tão impessoal e íntimo.

Imagem 7 – Interpretação da fábula O Corvo e a Raposa pelas bolsistas do projeto

Foto: Acervo do projeto, 2015

Na imagem acima, as bolsistas do projeto no cenário montado e já caracterizadas para


a apresentação da fábula O corvo e a raposa. De início, as bolsistas apresentavam as fábulas
em Libras e, em seguida, era realizada pelos professores participantes do projeto. Neste platô
foram apresentadas duas fábulas: O corvo e a raposa e A cigarra e a formiga, antes da
interpretação em Libras, foram organizados grupos para que fossem ensinados os sinais que
seriam dramatizados em cada uma das fábulas.

Este platô oportunizou aos professores-participantes, uma relação próxima com a


língua-outra, pois, a partir da fabulação, houve uma intimidade com a cultura do outro, dar
voz a partir dos gestos nela contidos, linhas de aproximação e distanciamento, contidas entre
línguas. Para Deleuze (2011, p. 141): “São grandes à força de minorar: eles fazem a língua
fugir, fazem-na deslizar numa linha de feitiçaria e não param de desequilibrá-la, de fazê-la
bifurcar e variar em cada um de seus termos, segundo uma incessante modulação.”.

Esta linha em constante desequilíbrio, permite essa multiplicidade entre línguas, e


ainda que bifurcada, exprime forças para seguir desterritorializando e reterritorializando uma
64

língua-rizoma. Linhas de segmentaridade que fazem deste processo, um desequilíbrio


imanente dos (des) encontros de línguas, tornando as composições, multiplicidades nos
entrecruzares das línguas, um incessante entre eu e o outro.

Imagem 8 – Interpretação da fábula O Corvo e a Raposa pelas professoras

Foto: Acervo do projeto, 2015

A imagem mostra as professoras atuando na fábula, demonstrando o quanto a ação foi


bem-aceita e fez parte da formação continuada e do contexto da Educação Infantil, de fato
entende-se que a Literatura é um instrumento que transmite conhecimento as crianças sejam
surdas ou ouvintes.

A interação dos professores neste platô foi total, assim como no platô das cantigas de
roda, a questão do Teatro, enfatizada aqui, se caracterizou não apenas em sinalizar a fábula
em Libras, mas se envolver em todo o cenário: desde a caracterização de personagens até a
caracterização do espaço, inclusive como este platô foi apresentado em uma escola na
localidade cametaense de Biribatuba, aqui recorro a Deleuze e Guattari (2011, p. 120): “ Um
território, que não é um meio, nem mesmo um meio a mais, nem um ritmo ou passagem entre
meios. O território é o produto de uma territorialização dos meios e dos ritmos.”.

Este foi um meio, pelo qual adentrou-se na Educação de Pessoas Surdas, a abordagem
linguística da Libras, por meio da fabulação, envolve adultos e crianças por meio do lúdico,
sem esquecer do público pelo qual idealizou-se o projeto, assim sendo, o Teatro está presente
no processo de formação dos alunos da Educação Infantil, em processo de territorialização,
65

sem a definição dos meios pelos quais se desterritorializa, como uma ação em linha de fuga
iniciada por mim, pois fui até a escola de várzea para apresentar e falar com os alunos sobre a
inclusão no ambiente escolar. Assim, de fato, o processo é se territorializar-desterritorializar-
reterritorializar, reverberando automovimentos realizados em infinitudes variáveis.

A experiência da fabulação permitiu que a “gagueira da linguagem” antes posta, aqui


fluísse de um delírio da criação, os movimentos reverberavam, nos próprios movimentos e,
por conseguinte, traçou-se fluxos desterritorializados, seus movimentos expressam o seu fora,
um ‘devir-outro da língua’ (DELEUZE, 2011, p. 16). Assim, a tríade territorializar-
desterritorializar-reterritorializar subverte seu próprio ensinamento, um vaivém a partir das
experiências do outro.

Como um extrator de multiplicidades, o professor-participante se torna sensível à


língua-rizoma e dela faz sua própria experiência, não importa se gaguejou, para ele, o
importante é esta imersão numa língua-outra, experienciar essa cultura, língua-surda, a
oportunidade de se desterritorializar e reterritorializar em uma cultura outra.

3.7 PLATÔ VII – ROTAS CARTOGRÁFICAS


“Podemos observar que nosso aluno tem outras necessidades e que com apenas um
olhar bem delicado e dedicado, podemos enxergar. E que em algum momento da
vida nossos alunos irão precisar dessas orientações.” (Professora E – Distrito Vila
do Carmo).

Na próxima entrada, definida como Rotas Cartográficas, propõe-se a pensar o outro no


ambiente escolar, ter um olhar mais atento e então lançar aos desafios em enxergar o aluno, de
refazer a pergunta sobre o outro, e que este tenha o seu direito de resposta. Nas palavras de
Larrosa e Skliar (2011):

Quem são os outros? (...) a pergunta não é casual, pois vem ao encontro de um
tempo de instabilidade discursiva, no qual conceitos tais como: cultura, identidade,
inclusão/exclusão, diversidade e diferença parecem ser facilmente intercambiáveis,
sem custo nenhum para quem assume, se apodera e governa as representações de
determinados grupos sociais. (LARROSA; SKLIAR, 2011, p. 119).

No decorrer do projeto sempre me fiz e refiz esta pergunta, não por ser um clichê para
muitos que defendem a Educação Inclusiva, mas de fato, fazer questionamentos aos
professores que ali estão por pensar neste modelo de Educação, em que as diferenças sejam
respeitadas, e que o aluno seja visto como um ser singular e não uma espécie, somos
diferentes uns dos outros, e nossas diferenças independem de nossa cultura, identidade, entre
outros fatores.
66

O 7º platô, não é o encerramento em si, mas a possibilidade de se repensar a educação


de minorias, e permitir que a educação seja rizomática e se teça em linhas de multiplicidade,
permitir a criação e recriação de modos outros para a Educação de Surdos, mudar as
rotas/caminhos, e seguir em busca da especificidade, estratégias para a subjetividade do outro.
210 professores-participantes serão multiplicidades desterritorializadas em Cametá, quiçá em
outras regiões.

Imagem 9 – Foto da mesa de encerramento do projeto

Foto: Acervo do projeto, 2015

Na imagem 9 tem-se a mesa de encerramento do projeto aqui apresentado e que


contou com presença do professor Mauro Veloso, diretor de projetos da PROEX/UFPA, que
enfatizou o sucesso do projeto e que ele era o resultado do esforço de todos os participantes, o
que demonstra comprometimento com a inclusão. Entre as falas da mesa de encerramento,
uma que sempre interrompeu os discursos dos participantes é a do sentimento de não terem
sido oportunizados em suas graduações com uma formação que contribuísse em suas práticas
de inclusão em sala de aula. Desta forma, não basta experienciar sobre a prática pedagógica
docente, é preciso refletir criticamente e de modo permanente os processos que envolvem não
apenas o Projeto Pedagógico, mas muito mais a relação interpessoal, conforme relato da
Professora E: “Contribuiu imensamente, me fez ter um olhar mais único a cada criança,
67

porque apesar de percebermos que nossos alunos não possuem alguma necessidade específica
como a surdez”. (Professora E – Distrito Vila do Carmo).

Ao citar a fala da Professora E, ao dizer que se deve ter um único olhar para cada
criança, remete-se ao poema de Carlos Drummond de Andrade, Igual – Desigual, que diz que
ninguém é igual a ninguém, pois somos iguais com diferenças inalcançáveis, e que é preciso
olhar a diferença pela diferença e não pela igualdade. Perceber que tais reverberações estão
para além do território escolar, e que os platôs se desterritorializam a cada atravessamento
potencializado pelos movimentos do pensar. Os atravessamentos realizados ao longo dos
platôs irão se reterritorializar em cada escola, percorrer por rotas que melhor propaguem as
ações desenvolvidas ao longo do projeto.

Imagem 10 – Professores do curso presentes no encerramento do projeto

Foto: Acervo do projeto, 2015

O evento de encerramento (Imagem 10) contou com a presença maciça dos


professores participantes do projeto e de professores da UFPA e todos juntos puderam
compartilhar relatos sobre a importância da realização do projeto de extensão para a região da
Amazônia Tocantina, como estas ações repercutiram em todas as escolas infantis municipais,
e como oportunizou formação continuada em Educação de Surdos para os professores da
Educação Infantil, observa-se que o discurso acima se complementa com a fala da Professora
H:

“A formação foi de fundamental importância, contribuiu muito e proporcionou um


olhar diferenciado para a Educação Inclusiva. Antes se falava em incluir, mas não
68

davam suporte para garantir que esse aluno permanecesse, agora tivemos a
oportunidade de ver que isso é possível trabalhar com este aluno, pois além de
incluir também nos deu a oportunidade de ir além, nos deu um norte de como seguir
adiante e garantir a permanência do aluno surdo junto com os ouvintes”. (Professora
H – Distrito de Curuçambaba).

Ouvir os relatos e compor as movimentações deste processo cartográfico pela extensão


do Rio Tocantins, lembra Kirst e Giacomel (2003):

Cartografar remonta a uma tempestade... Tempestade de escolher rotas a serem


criadas, constituir uma geografia de endereços, de registros de navegação, buscar
passagens... Dentro do oceano da produção de conhecimento, cartografar é desenhar,
tramar movimentações em acoplamentos entre mar e navegador, compondo
multiplicidades e diferenciações. (KIRST; GIACOMEL, 2003, p.91).

Ao perfazer a escolher dessas rotas de navegação para além-rio, teve-se em mãos


entrevistas e discursos em cada encontro, bem como as observações realizadas nos encontros.
A cada novo encontro, recorre-se aos porões de Veiga-Neto (2012), ou ao castelo de Kafka,
para explorar em meios às tempestades, nas tramas que se (dis)põem e pulsam multiplicidades
para cada movimentar-se do cartógrafo. Recorrer às lentes ópticas da diferença implica não
limitar o olhar à norma, mas recriar o vivido e fazer reverberar outros modos de ser e existir,
por diferentes movimentos. Ser cartógrafo é ser um viajante, sem medo de vislumbrar o novo,
de revisitar o pensamento e não temer nem mesmo as tempestades que, por vezes, enfrenta-se
no rio ou curso da formação, desconhecer-se num conhecido sem fim, faz do caos um limiar
de fluxos e intensidades, entre zonas de vizinhança e distanciamento entre eu e o outro.
69

4 DEVIR-SURDO: A LIBRAS COMO LÍNGUA MENOR

“Todas as criações da natureza são iguais.


Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou
[coisa.
Ninguém é igual a ninguém.
Todo o ser humano é um estranho
ímpar.”

(Carlos Drummond de Andrade)

Seguindo as pistas do rizoma de Deleuze e Guattari (2011), por rupturas e


multiplicidades, descrevem-se os movimentos percorridos/feitos neste estudo. Reitera-se que
estes movimentos não são possibilidades únicas, mas que neste caso, melhor dialogam com a
proposta. Os movimentos aqui apresentados serão abordados a seguir: a Libras como “língua
menor” em seu movimento de desterritorialização da linguagem, agenciamentos políticos e
enunciações coletivas.

Esclareço que a delimitação dos três movimentos aqui apresentados, são apenas para
fins desta pesquisa, pois, em se tratando do pensamento da multiplicidade, as imagens e
olhares se multiplicam e para além destes movimentos escolhidos. Eis o Devir para Deleuze
(2011):

Devir não é atingir uma forma (identificação, imitação, Mimese), mas encontrar a
zona de vizinhança, de indiscernibilidade ou de indiferenciação tal que já não seja
possível distinguir-se de uma mulher, de um animal ou de uma molécula: não
imprecisos nem gerais, mas imprevistos, não-preexistentes, tanto menos
determinados numa forma quanto se singularizam numa população. (DELEUZE,
2011, p. 11).

Sem a tentativa de identificação ou amarras, a intenção é adentrar no conceito de


“literatura menor”, traçado por Deleuze e Guattari (2014), aproximando-me da concepção de
“educação menor”, trabalhada por Gallo (2007), fazendo um deslocamento do pensamento
deleuziano e guattariano, por multiplicidades que se conectam e interconectam, em busca de
novas multiplicidades, sem amarras e/ou mimésis. Aproprio-me, do termo, “língua menor”
para buscar o seu meio, o entre, percorrendo os substratos de uma língua sempre aberta, sem
inícios e fins, um entre que se potencializa no modo de operar.
70

Ao perceber a Libras como “língua menor” irei percorrer meu próprio patuá nos
movimentos do devir-surdo: 1 – Desterritorialização da Linguagem; 2 – Agenciamentos
Políticos; 3 – Enunciações Coletivas. Pelo movimentar-se, irei percorrer por deslocamentos
conceituais, operar com a noção de uma “língua menor”, como salienta Carlos Drummond de
Andrade, que todas as criaturas são iguais, porém nenhum outro é igual ao homem, pois ele é
um ser ímpar, na infinitude que se assemelha, percebe a diferença existente no eu-tu-ele-nós.
Sejamos ímpares em nossa singularidade mais coletiva. Deleuze (2011) diz que:

O trajeto se confunde não só com a subjetividade dos que percorrem um meio, mas
com a subjetividade do próprio meio, uma vez que este se reflete naqueles que o
percorrem. O mapa exprime a identidade entre o percurso e o percorrido. Confunde-
se com seu objeto quando o próprio objeto é movimento. (DELEUZE, 2011, p. 83).

Ser cartógrafo me faz ser o próprio viajante, sem encerrar-me em minha própria
subjetividade, mas fazer reverberar, ao longo do percurso, os rizomas que se interconectam
pelo próprio meio, a ponto de confundir-se com o próprio objeto, que tais fluxos, sejam como
um barco à deriva, que se deixe esvair pelos sopros de uma correnteza, mas que jamais se
prenda pelas amarras de uma corrente. Hardt (2003, p. 154) denomina Biopoder à produção
de subjetividades coletivas: “Biopoder é o poder de criação da vida; é a produção das
subjetividades coletivas, da sociabilidade e da própria sociedade. A observação atenta dos
afetos e das redes de produção de afetos revela esses processos de constituição social.”.

O exercício do cartógrafo consiste em observar e registrar cada um dos processos,


pelos percursos e itinerários a seguir, pois, como afirmam Deleuze e Guattari (2011, p. 19),
“escrever nada tem a ver com significar, mas com agrimensar, cartografar, mesmo que sejam
regiões ainda por vir”. Escrever é um movimentar-se sempre atento às redes de afetos que
ainda estão por vir.

Assim, um devir-surdo, inspirado em Deleuze e Guattari (2011), se constitui pelas


diferenças e proximidades entre os sujeitos, permitindo criar os mosaicos por onde se avista as
diferenças, em meios às possibilidades da formação, os fios condutores da pesquisa
[desterritorialização – político – coletivo]. No intuito de cartografar a Libras como “língua
menor” por entre os platôs desenvolvidos, a partir das variantes de um cartógrafo: o rastreio,
o toque, o pouso e o reconhecimento atento (PASSOS; KASTRUP; ESCÓSSIA, 2015, p. 40).
Visto que tais práticas são consideradas elementos de inclusividade, conforme Mesquita
(2013), aqui denominarei de rotas de inclusividade, para se afinar ao trabalho do cartógrafo,
71

que atentamente, percorre, faz pausas e observações, ao longo do trajeto, anotações sempre
pertinentes. Fazem-me a cada observação uma nova possibilidade. Tais rotas de inclusividade
foram realizadas ao longo dos platôs do projeto, pois o professor-participante poderia escolher
qualquer uma das rotas de inclusividade.

Aqui, como um cartógrafo, irei percorrer por movimentos que farão ao leitor deste
texto dissertativo, a produzir outras rotas, que não sejam as minhas, mas a partir delas
produzir, reproduzir, desproduzir e...e...e... que estas múltiplas formas não cessem os espaços
cartografados e possam observar novos espaços que foram vistos antes, mas agora por outros
olhares...Observa-se, então que a intenção não está em apresentar verdades que constituem a
Libras como língua menor, mas para que a partir delas se possa constituir outras
segmentaridades para se pensar a Educação, as movimentações possíveis de se realizar,
independente de um território, pois a desterritorialização, reterritorialização, ações políticas e
coletivas irão conduzir para novas articulações, na perspectiva de romper com os sentidos já
conhecidos.

Aqui se toma como rotas de inclusividade todas as tentativas realizadas pelos


professores-participantes a partir dos platôs do projeto, rota denominada como uma ação
pedagógica por eles realizada, visando um melhor desempenho do aluno-surdo. O gaguejar à
linguagem torna-se uma rota de inclusividade da professora-ouvinte no universo minoritário
surdo a partir de uma língua-rizoma. Tais rotas de inclusividade irão traçar seu percurso por
entre as ações do projeto e outras formações extemporâneas a ele, conforme será visto nos
movimentos a seguir.

4.1 MOVIMENTO 1: A DESTERRITORIALIZAÇÃO DA LINGUAGEM

Não existe língua em si, nem universalidade da linguagem,


mas um concurso de dialetos, de patoás, de gírias, de línguas
especiais. Não existe locutor-auditor ideal, como também não
existe comunidade linguística homogênea. A língua é, segundo
uma fórmula de Weinreich, “uma realidade essencialmente
heterogênea”. Não existe uma língua mãe, mas tomada de
poder por uma língua dominante dentro de uma multiplicidade
política. Ela faz bulbo. Ela evolui por hastes e fluxos
subterrâneos. (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 23).

Neste primeiro fio condutor será descrita a Libras como uma “língua menor”, conceito
deleuziano e guattariano, por assim expressar, uma literatura menor, em que nela está contido
72

o germe de sua “língua menor”, sem levar ao pensamento simplista de inferioridade de uma
língua ou à superposição de uma a outra, pois, ao propor uma “língua menor”, Deleuze e
Guattari (2014, p. 29) fazem pensar na pluralidade da linguagem, conforme discorrem: “assim
se constitui uma conjunção de fluxos de desterritorialização, que transborda a imitação
sempre territorial”.

Desterritorialização é um movimentar-se de forma transformadora, produzir


diferenças, opor-se, resistir, ramificação política de forma coletivizada. Conforme Gallo
(2012):

A aprendizagem é algo que escapa que foge ao controle, resistir é sempre possível.
Desterritorializar os princípios as normas da educação maior, gerando possibilidades
de aprendizado insuspeitadas naquele contexto. Ou, de dentro da máquina opor
resistência, quebrar os mecanismos, como ludistas pós-modernos, botando fogo na
máquina de controle, criando novas possibilidades. A educação menor age
exatamente nessas brechas para, a partir do deserto e da miséria da sala de aula,
fazer emergir possibilidades que escapem a qualquer controle. (GALLO, 2012, p.
67).

Fazer emergir possibilidades desterritorializadas transpassa os limites territoriais, faz


quebrar mecanismos engessados que dificultam o movimentar, a desterritorialização ocorre
por entre as fissuras de um sistema, por dentro, o devir é sempre um enlace de sensações,
porém, jamais serão amarras, um procedimento rizomático que ocorre por entre, um
continuum de intensidades que se singularizam em fluxos desterritorializados. O devir para
Deleuze e Guattari é o desterritorializar em relação ao modelo.

Imagem 11 – Roda de conversa entre os profissionais do INES e participantes

Foto: Acervo do projeto, 2015


73

Na imagem 11 observa-se os profissionais vindos do INES em diálogo com os


participantes do seminário, nela tem-se a seguinte situação: o rapaz em pé no palco é surdo e
interage com os participantes e no canto esquerdo da referida foto está o intérprete, que ao
observar os sinais, fala em Língua Portuguesa para todos os presentes. Se houvesse outro
ângulo da mesma foto, seria mostrado o momento em que a intérprete fazia sinais para os
surdos participantes, residentes em Cametá, que não conseguiam, naquele momento, uma
comunicação satisfatória com os profissionais surdos vindos do INES.
A partir da imagem, me faço lembrar da metáfora da vespa e da orquídea, para melhor
compreender o conceito de rizoma por Deleuze e Guattari (2011, p. 26), “a vespa se
desterritorializa, devindo ela mesma uma peça no aparelho de reprodução da orquídea, mas
reterritorializa a orquídea, transportando o pólen”.
Então, pode-se aqui, se reportar à língua a partir da metáfora deleuzo-guattariana, pois
com a vinda dos profissionais do INES, percebe-se, de fato, que não há língua de modo
universal, mas que existem dialetos, patoás, que se expressam a partir da língua, e que esta
não é língua-mãe, mas em sua particularidade não permitiu que os surdos residentes em
Cametá pudessem entender os sinais em sua totalidade, que então eram feitos pelos intérpretes
e/ou surdos do Instituto, mas se desterritorializa ao ser interpretada por um intérprete de
Cametá, se reterritorializando nas mãos do intérprete do INES, para que então fosse proferida
pela voz do tradutor. Vale ressaltar que a metáfora é carregada linguisticamente, pois,
permitiu que contextos linguísticos fossem criados-recriados, a partir de decomposições
estruturais, formando um patoá de um coletivo presente, cheio de multiplicidades. Larrosa
(2004) traz a pluralidade da linguagem como uma condição humana.

A condição humana da pluralidade, poderíamos acrescentar, deriva do fato de que o


que há são muitos homens, muitas histórias, muitos modos de racionalidade, muitas
línguas e, seguramente, muitos mundos e muitas realidades. Isso é óbvio, ainda que
nunca é demais lembrá-lo contra todos aqueles que querem meter-nos em sua
realidade, em seu mundo com pretensões de ser a linguagem, em sua razão com
pretensões de ser a razão, em sua história com pretensões de ser a história ou em sua
humanidade com pretensões de ser a humanidade. (LARROSA, 2004, p.69).

Esta condição plural da linguagem remete à “condição babélica da língua”, essa marca
da pluralidade, ao causar instabilidade e confusão, faz ir mais longe rumo à
desterritorialização da linguagem, num processo em que a própria linguagem se caracteriza
como infinita. Como não remeter à Babel e pensar como Larrosa (2004, p. 87) ao defini-la
como “uma pluralidade de línguas, e uma língua plural, e uma língua que é sempre mais e
74

outra coisa que ela mesma”. Nestas inúmeras formas e possibilidades de um devir-surdo no
cenário de formação em Libras, propor a pluralidade, o devir como multiplicidade e diferença,
jamais configura uma captura ou uma reprodução da norma.

Ao descrever a gagueira da língua, e a insistência em aprender-ensinar uma língua-


rizoma, percebe-se um movimento de desterritorialização da Libras, pois este movimento de
gaguejar-aprender-ensinar, a própria língua torna-se desterritorializada e se reterritorializa a
partir dos deslocamentos do ensinar-aprender. Neste sentido, Deleuze (2011, p. 140) diz: “É
uma gagueira, cada posição de “um” ou de “o” constituindo uma vibração. A língua treme de
alto a baixo. Há aí o princípio de uma compreensão poética da própria língua: é como se a
língua estendesse uma linha abstrata infinitamente variada.”.

No gaguejar-aprender-ensinar a língua-outra, torna-a minha, pois nesta linha abstrata


que se constitui a desterritorialização e reterritorialização da língua e a insistência do
aprender-ensinar, em movimentos múltiplos, me torna falante de uma poética que pertence a
todos neste gaguejar uma língua-outra.

Na companhia de Deleuze e Guattari (2011), os pensamentos corrompem certezas no


caminho a percorrer, pois não tenho caminhos definidos, sigo o fluxo dos acontecimentos na
esperança de que, ao revisitar os porões do pensar, encontre as linhas moleculares que movam
a pensar sem a fixidez das estruturas, e assim poder des (cobrir) outros caminhos.

Desbravar caminhos outros nessas rotas do pensar implica espreitar, por labirintos os
movimentos que se formam no devir-surdo por múltiplas visões da formação, um perder-se
para se descobrir coletivamente, por entre contornos e cores, nos interstícios da Libras como
diferença na Educação. Observa-se na fala da Professora F, como as atividades propostas pelo
projeto se relacionam com a prática pedagógica do professor em sala de aula.

“Os eixos trabalhados durante o período de formação, sem dúvidas [sic] foram de
muita importância para nós, professores, uma vez que nos ajudou a compreender
esse universo de inclusão e assim promover uma melhoria nas nossas práticas
pedagógicas contribuindo significativamente para nossa atuação como profissionais
e como cidadãos, pois muitos de nós nem conhecíamos Libras” (Professora F –
Distrito de Carapajó).

Nos movimentos realizados pelo projeto, emerge a desterritorialização minoritária da


própria Libras (como língua majoritária), pois, a partir de fissuras, da sua singularidade se
constituem as multiplicidades que se reverberam em cada retorno do educador em sua escola.
75

Assim, os movimentos aqui percorridos são indivisíveis: a desterritorialização, uma


ramificação política e um ato coletivo, como tramas que se tecem por dentro da “língua
menor”.

O outro fala uma língua diferente do mestre, o mestre fala uma outra língua diferente
daquela do aluno. Mas o mestre Jacotot era o estrangeiro. A sua língua era a língua
estrangeira. A pergunta, então, já não é mais se receber a palavra do mestre é um ato
de igualdade ou desigualdade, mas, ao meu ver, outras bem diferentes: como é
possível responder à questão de quem é o outro? Qual é a língua que se torna a
mesmice da pedagogia e qual a língua que advém como língua do outro? (SKLIAR,
2003, p.236).

A que outro se faz referência? Percebe-se na fala da professora, sem conhecimento em


Libras, e aos surdos sem conhecimento no Português, mas ambos estão em um ambiente
formal de aprendizagem, Skliar (2003) apresenta o mestre Jocotot, que fala uma língua
diferente do seu aluno, portanto, o aluno também fala uma língua diferente e, neste caso,
como ensinar a partir de contextos linguísticos diferentes? Quem se torna outro?
Minimamente, o exercício do cartógrafo foi perceber que, neste caso, não se precisa
saber a língua do outro, mas permitir a ensinar-aprender a partir das limitações do cartógrafo,
neste caso, linguísticas. Acompanha-se Deleuze (2011, p. 142) ao falar da gagueira criadora:
“é o que faz a língua crescer pelo meio, como a grama, o que faz da língua um rizoma em vez
de uma árvore, o que coloca a língua em perpétuo desequilíbrio: Mal visto, maldito (conteúdo
e expressão”. Tais disjunções, entre a fala da professora e a fala do aluno surdo, percorrem a
partir de termos disjuntos em um conjunto de possibilidades, recorrente de uma “gagueira
criadora”. Balbuciar uma língua-outra dela mesma, gaguejar, abre canais para a sua
desterritorialização e proliferação lá onde ela apenas é uma surda ausência.

A desterritorialização da língua opera por princípio da multiplicidade, pois os


professores-participantes vinham em busca de aprendizado linguístico para então dialogar em
sala com seu aluno, assim, tentam um diálogo mínimo para a língua que advém do outro.

A percepção dos professores-participantes sobre os movimentos realizados pelo


projeto, incluindo a realização do platô IV, ao fazer uma parceria com o INES, e em todo o
projeto, buscou percorrer rotas de inclusividades da língua-surda, advindas da inserção de
movimentos que a tornem uma língua-rizoma, um movimento dentro/fora do âmbito escolar,
desterritorializada a partir dos movimentos realizados em cada platô.

E...e...e...
76

4.2 MOVIMENTO 2: AGENCIAMENTOS POLÍTICOS


“Ser o primeiro evento em oferecer condições para a participação de todos os
educadores do público infantil do município de Cametá.” (Coordenadora da
Divisão da Educação Infantil do Município de Cametá).

Em meio aos estilhaços de olhares que formam e deformam os movimentos, o devir-


surdo com múltiplas possibilidades permite analisar o agenciamento político referente ao
processo de formação continuada dos professores de Educação Infantil na Amazônia
Tocantina, em primazia, não se pode deixar de falar sobre a natureza dos agenciamentos, estes
que pertencem ao coletivo da enunciação, que se misturam em atos e enunciações, cada um
com as suas engrenagens, que estão encaixados e desarticulados entre si, a partir de seus graus
de desterritorialização, eles se reterritorializam:

As ferramentas não são separáveis das simbioses ou amálgamas que definem um


agenciamento maquínico Natureza-Sociedade. Pressupõem uma maquina social que
as selecione e as tome em seu phylum: uma sociedade se define por amálgamas e
não por suas ferramentas. E, da mesma forma, em seu aspecto coletivo ou semiótico,
o agenciamento não remete a uma produtividade da linguagem, mas a regimes de
signos, a uma máquina de expressão cujas variáveis determinam o uso dos
elementos da língua. (DELEUZE; GUATTARI, 2011, p. 32).

Os agenciamentos tomados por princípios no projeto fazem perceber que independem


de seus estratos, mas parte de um território, neste caso, a formação para os professores, e
busca a partir dos quatro aspectos de exemplos de agenciamentos de Kafka: conteúdo,
expressão, territorialidade e desterritorialização. Os territórios como espécie de passagem,
assim, os agenciamentos ocorrem num território e se torna inseparável em seu processo de
desterritorialização, conhecidas como linhas, a cada agenciamento aqui operado, nestes
projetos, foi se inserindo fragmento a fragmento, pertinentes aos platôs do projeto, que se
desterritorializavam a partir dos atravessamentos de cada um dos platôs.

“Ter um caráter amplo, considerando o universo da criança: buscou-se com isso


trabalhar a comunicação em Libras mesmo de forma básica; propôs meios para
viabilizar em sala de aula contação de histórias em Libras. Ofereceu oportunidade
para trazer cantigas de roda para o mundo da criança surda juntamente com as
ouvintes; inúmeros recursos didático-pedagógicos foram construídos e adaptados
para promover o ensino e aprendizagem da criança surda no contexto de uma
educação inclusiva a começar pela infância”. (Coordenadora da Divisão da
Educação Infantil do Município de Cametá).

Como uma das possibilidades, retoma-se aos movimentos do devir-surdo, para que
esses agenciamentos políticos traçados no decorrer do projeto sejam capazes de potencializar
as parcerias estabelecidas, para que de fato o ensino da Libras, como no depoimento acima, e
as ações do projeto oportunizem a formação continuada para todos os professores da
77

Educação Infantil. A coordenadora, em conversas informais, relatara o quão fora importante a


parceria com o INES para a formação de profissionais da Educação de municípios para além
de Cametá, oportunizando também que outros municípios participassem dos três dias do
seminário, trocas e relatos de experiências de grande valia, com novas metodologias de ensino
para crianças surdas.

Ouvir os relatos e operar os agenciamentos fez-me perceber que conteúdo e expressão


já se tornam novos agenciamentos, que se transbordam das ações advindas do projeto e das
parcerias realizadas. O pensamento de Deleuze e Guattari (2012), referindo-se ao
agenciamento político, faz perceber os deslocamentos realizados.

Em suma, tudo é político, mas toda política é ao mesmo tempo macropolítica e


micropolítica. Consideremos conjuntos do tipo percepção ou sentimento: sua
organização molar, sua segmentaridade dura, não impede todo um mundo de
microperceptos inconscientes, de afetos inconscientes, de segmentações finas, que
não captam ou não sentem as mesmas coisas, que se distribuem de outro modo, que
operam de outro modo. Uma micropolítica da percepção, afecção, da conversa, etc.
(DELEUZE; GUATTARI, 2012, p. 99).

Entre as segmentações existentes, nos agenciamentos políticos, toda segmentaridade


reverbera em micropolíticas e/ou macropolíticas molares e moleculares, de forma a coexistir
uma na outra, pois são inseparáveis, porém, concentram e internalizam modos de operar
diferenciados, já que as linhas molares são fixas e estruturantes enquanto as linhas
moleculares são fluidas e descontínuas, capazes de atravessar com plasticidade a rigidez do
sistema sem dele prescindir.

Tal agenciamento político, referindo-se à Libras, não traz verdades permanentes ao


processo de inclusão, pensado como possibilidade paradigmática na formação continuada dos
professores, ao contrário, os sujeitos são levados a atuar livremente considerando-se as
flutuações dos processos históricos e culturais no estudo da língua, bem como um processo
microanalítico, pormenorizado, a fim de perceber os estilhaços que permeiam a Educação de
Surdos e a recolocação da pergunta sobre o outro nos cenários da Educação.

Para além de buscar refazer permanentemente a pergunta sobre o outro, o gesto de


escutar do outro sua própria voz faz perceber a tessitura de uma teia que se constituiu por
engedramentos institucionais entre a Universidade-Escola-INES-Professor-Aluno, um
TECER em rede que oportuniza a todos os envolvidos neste agenciamento, partindo de uma
micropolítica da Libras no cotidiano escolar, agenciamentos de presença e resistência
78

realizados pelos professores-participantes em suas escolas, movimentos que se tecem num


continuum para além das possibilidades do projeto.

Gallo e Veiga-Neto (2007) compreendem o sujeito não como algo dado, que estivesse
sempre ali, mas como algo que se mostra por diferentes movimentos e saberes, por relações
de poder que cada um estabelece consigo mesmo e com o outro. Pensar no outro, como uma
ressonância ao sistema educacional, faz pensar e recolocar a pergunta: Que educação de
surdos é capaz de expressar a Libras como diferença? Problematizando essa questão, busca-se
não somente em Gallo e Veiga-Neto (2007), mas especialmente em Deleuze e Guattari (2014)
que permitem aproximações com a Filosofia da Diferença como um segmento de pensamento.

Os limites educacionais que permeiam hoje os sistemas de ensino, obstaculizam a


projeção das lentes de um devir-surdo a percorrer por linhas de fuga o agenciamento político
e coletivo da Libras como língua menor. Por isso, se faz necessário provocar fissuras e
rachaduras nas estruturas existentes, percorrer as linhas de fuga no plano de ações em direção
de uma comunidade por vir na Educação de Surdos, percebendo suas diferenças e como se
proliferam estas ações que convergem para a Libras como “língua menor” no contexto da
formação.

Percebendo, então, que este agenciamento político da Libras como “língua menor”,
como diferença na Educação, percebe-se que as diferenças emergem como devires
minoritários por movimentos de forças e fluxos que transitam em seu próprio território e/ou
em espaços segmentados. Não posso deixar de salientar que os estilhaços podem forjar um
coletivo de uma ‘comunidade por vir’ (noção que será mais adiante discorrida), em que as
diferenças perpassem os agenciamentos políticos de desejos capazes de deslocar e recriar os
territórios da formação coletivamente.

O acesso ao coletivo transpassa o político, este por sua vez torna-se como um
movimentar-se de múltiplas imagens, esses agenciamentos produzem diferenças. Tem-se uma
necessidade de pensar sobre o que as diferenças produzem nos estudos de Libras, sem fixar no
terreno da fixidez, por meio de um devir-surdo que produza ressonâncias e sinalizações, sem
que haja prioridades entre elas, mas que sejam polifonias criadoras e multiplicadoras do novo.

Nos entrecruzares que perpassam o agenciamento político da língua, faz-se estratificar


as ações que ora ocorreram nos platôs do projeto, e hoje se configuram a partir das
micropolíticas da Libras existentes em cada escola, foram 210 professores-participantes que
79

se permitem levar as micropolíticas para a Escola fazendo de modo inverso, ou seja,


gaguejando e tornando acessível à comunidade escolar, uma língua-rizoma pertencente ao
outro minoritário, presente-resistente na escola. Tais micropolíticas de presença-resistência se
ramificam, engendram movimentos-outros de tessituras plurais da língua advinda dos platôs
cartografados no projeto e para além deles, no encontro com a cultura local.

4.3 MOVIMENTO 3: ENUNCIAÇÕES COLETIVAS

“Só quando o múltiplo é tratado efetivamente como


substantivo, multiplicidade, é que deixa de ter relação com
o uno como sujeito ou com objeto, como realidade natural
ou espiritual, como imagem e mundo. As multiplicidades
são rizomáticas e denunciam as pseudomultiplicidades
arborescentes.” (DELEUZE; GUATTARI, 1995, p. 23).

Pensar no âmbito coletivo desse devir-surdo faz repensar e modificar os estilhaços de


espelhos e perceber múltiplas imagens que não se findam, pois sua infinitude remete à
pluralidade da linguagem a partir do coletivo, como salienta Larrosa (2004):

Comunidade plural, quer dizer, Babel, pode significar que o que existe é uma
pluralidade que se comunica. E aí a língua é o meio da comunicação entre as
diferenças, ainda que seja da difícil ou até da impossível comunicação. Mas,
comunidade plural, quer dizer, Babel, pode significar também que o que existe é
uma comunicação que pluraliza. E aí é o âmbito da pluralização e da disseminação.
(LARROSA, 2004, p. 96).

As ideias dominantes têm hostilizado a existência de comunidades ‘minoritárias’, é


preciso entender, com base em Larrosa (2004), o que vem a ser uma comunidade plural, pois
estas se configuram dentro de uma estrutura macro, porém não deixam de existir estruturas
menores que compõem essa comunidade plural. A comunidade surda tem se configurado
nestes últimos anos como uma ‘comunidade por vir’, que luta por seus direitos e conquistas.

Não se pode pensar em uma comunidade de interlocutores, em um povo que se projeta


e clama pelo reverberar de outras vozes, por outras sinalizações no campo da Educação, sem
desconsiderar as lutas constantes de diversas comunidades surdas, que, por algum motivo se
fixaram e se tornaram tradicionais por tal configuração. Percorrendo os labirintos das
comunidades surdas, por meio de suas lutas e conquistas, avistam-se os estilhaços que
configuram o seu agenciamento coletivo, um processo de criação e recriação, sem limitar-se à
fixidez e ao engessamento das estruturas por onde circulam.
80

Imagem 12 – Surdos de Cametá e professores surdos do INES

Foto: Acervo do projeto, 2015

Na imagem acima, tem-se um registro do qual nos falam as enunciações coletivas, que
estão para além do registro fotográfico, pôde-se presenciar em momento anterior para o
registro: Um dos surdos do INES conversava com os surdos de Cametá, para registrar esse
momento, explicava aos surdos que os de Cametá fariam o sinal em Libras que representa o
INES e os surdos do INES fariam o sinal em Libras representando a associação de surdos de
Cametá (ASSURCAM), só que ao registrar, os surdos de Cametá fizeram o sinal da
Associação (Configuração de mão esquerda em A, configuração de mão em C sobreposta na
mão esquerda). Somente um surdo entendeu, de fato, a informação e assim o fez, pois no
registro é o único surdo de Cametá a representar o sinal de INES em Libras. Observa-se nesta
imagem, o quanto se tornam indivisíveis os movimentos aqui escolhidos para adentrar no
devir-surdo, pois, os movimentos aqui escolhidos são inseparáveis para Deleuze e Guattari
(2014), pois em cada um, se faz presente o outro, operam como um platô, e desencadeiam
suas variáveis e estas irão desencadear tantas outras, que se interligam por linhas de
segmentaridades, numa perpétua interação.

Percebe-se, que mesmo em comunidades minoritárias, elas se estratificam e


pormenorizam seus estratos, as enunciações coletivas deixam de agregar um eu particular para
expressar partículas coletivas. Toda e qualquer ação minoritária é um ato de revolta e
81

resistência instaurado nas macropolíticas impostas, precisa-se experienciar O FORA, de


acordo com Albuquerque Jr. e Veiga-Neto e Souza Filho (2008):

As experiências do fora, das margens, dos limites, das fronteiras, seriam as


experiências que permitiriam cartografar novas desenhos, novas configurações para
o acontecer de uma dada sociedade. Como o saber é perspectivo, esse olhar das
margens permite constituir outras visibilidades e outras dizibilidades sobre qualquer
tema ou problema que se queira colocar para o conhecimento. Conhecer é, portanto,
também uma questão de localização, de colocação em um dado lugar, da abertura de
um dado espaço para o pensamento. (ALBUQUERQUE JR.; VEIGA-NETO;
SOUZA FILHO, 2008, p. 10).

Experienciar os processos formativos na Educação de Surdos, no limiar das margens


da diferença, é um exercício cartográfico por excelência que transcende as imposições das
línguas e das culturas, que prima pelo acontecer de outras visibilidades, capazes de
desterritorializar e reterritorializar as minorias em favor de ações coletivas e reverberações
coletivas em movimentos de criação sempre por vir.

Tais Enunciações Coletivas se fazem presentes em cada palavra dos professores-


participantes, em experienciar um outro fazer pedagógico que reconfigurou sua prática
pedagógica, sensível as demandas do outro, estas que se configuram no proliferar de uma
língua-rizoma, que não se enraíza no chão da Escola, mas que navega no rio-mar, em seu
processo cartográfico, se faz presente, ainda que ausente, nas exigências de um currículo, se
estratifica pelas rotas de inclusividade, de um olhar atencional do professor, que reverbera o
clamor de uma minoria existente-resistente em sala de aula.
82

5 ROTAS DE SAÍDA

“Escrever é um caso de devir, sempre inacabado,


Sempre em via de refazer-se, e que
Extravasa qualquer matéria vivível ou vivida.
É um processo, ou seja,
Uma passagem de Vida que atravessa o vivível
E o vivido.”
(DELEUZE, 2011)

Para não simplificar uma produção tão complexa, que trabalha com várias dimensões,
pode-se dizer que a obra de Deleuze e Guattari, Kafka: por uma literatura menor, como uma
obra aberta faz olhar a ‘questão do outro’, da linguagem, como deslocamento político e
coletivo em atenção à diferença.

Reformas ou mudanças educacionais estão contidas ou mudam o curso da Educação


de Surdos, e assim comparar ao castelo kafkiano, de múltiplas entradas e saídas, mas também
linhas de fuga por onde se pode avistar outros movimentos, pois assim se fez o movimento
molar e molecular em meio aos fluxos deste pensar a Libras como “língua menor”, como
diferença na Educação.

O cartógrafo-professor-pesquisador retorna alguns dos sentidos e usos que circulam,


em torno da ‘atenção à diferença’ para que se perguntasse se é possível pensar em uma
pedagogia da diferença na Educação de Surdos sem cair em um novo sistema ordenador e
domesticador da alteridade? Pleno de imagens que explodem, se fragmentam e multiplicam,
evitando fixação e domesticação por parte dos sujeitos, assim, é preciso repensar as bases
deste ‘possível’ e pensar na tarefa de educar ao encontro das diferenças, Gallo e Veiga-Neto
(2007) salientam:

Repensar a educação em seus domínios epistemológicos, políticos e ético-estéticos,


possibilitando uma descolonização do pensamento, tornando o pensamento uma vez
mais possível neste território, eis o que nos possibilita o deslocamento da produção
foucaultiana para o território educação. Em outras palavras, tal empreendimento faz
sentido na medida em que permita que nos pensemos a nós mesmos, através das
questões educacionais, fazendo o movimento da filosofia viva. (GALLO; VEIGA-
NETO, 2007, p. 24).

No meio dos emaranhados /rizomas, chega-se por entre os movimentos aqui realizados
e outros ainda advindos do que poderia, aqui ter feito, se não foi feito, não por hesitação, mas
por precisar fazer escolhas, mas permite-se ao leitor que percorra seus próprios movimentos,
83

que serão advindos de minhas escolhas, ou não, mas lhe farão repensar a partir de minhas
impossibilidades, meus movimentos perpassam por minha militância, então desejo aos
leitores que realizem sua própria cartografia, sejam navegadores de um devir-surdo, que
advém dos movimentos aqui realizados.

Aqui posso grafar que esta Dissertação faz parte de minha experimentação
cartográfica, produzida a partir de rizomas, e sempre aberta. Por tessituras que não cessam,
sem a demarcação de começo ou fim, um e... e... e...

Minha postura militante me faz lembrar o que disse em minhas rotas de entrada nesse
texto dissertativo, sem amarras, mas com um olhar atento para as nuances que perpassariam a
partir das ações do projeto, disposto a cartografar os processos de uma formação continuada,
partindo do diálogo feito entre a Filosofia da Diferença e pelos Estudos Surdos. A partir dos
estilhaços de pesquisa, exercitei o olhar cartográfico a partir das quatro variedades de atenção
do cartógrafo, percorri por linhas segmentares, com a ideia de percorrer o caminho que se
constituía ao longo do caminhar. A partir de inquietudes ao longo da caminhada, externei a
partir dos estilhaços em meu pensamento, refazer a pergunta sobre o outro, passou a ser uma
direção possível, ouvir a sua voz e as suas ausências, um devir-surdo, como fio condutor neste
trabalho, e perspectivar a Libras como língua menor, a desterritorialização, as enunciações
coletivas e agenciamentos políticos que perpassaram o curso de formação de professores.

Os erros me fizeram perceber o quanto esta pesquisa era cartográfica, pois se


configurava em um espaço móvel, sem a ideia de fixidez, mesmo que se tenha algo escrito, a
escrita, por si só, não expressa o que deveria ou apenas o que está escrito, fazer-me errante me
coloca na condição de um estrangeiro que advém de algum lugar, e que neste que está, fica
atento ao inesperado, sempre à espreita, deixando-me levar pelos atravessamentos
concernentes ao ato de cartografar.

Ainda como um rizoma, os movimentos aqui realizados não formam totalidades,


porém um conjunto de linhas segmentares que se conectam e se imbricam, a fim de
coletivizar minha experiência cartográfica. Questionei-me em diversos momentos, alguns
deixei em linhas de segmentaridades, já outros, não adentrei, mas não cessei o seu percurso.

Leitor, fique à vontade para que esta leitura lhe permita outras tantas ressonâncias e
que, de fato, a pesquisa seja um tear sem fim, que por inúmeros fios provoque a repensar a
relação com o outro.
84

Ao pensar na obra de Kafka: por uma literatura menor, escrita a quatro mãos e por
fios de segmentaridades que fazem pertencer e também escrever a obra, junto com Deleuze e
Guattari (2014), assim percebo que este trabalho também foi escrito/tecido/cartografado por
inúmeras mãos, uma espécie de ziguezague, tecida por linhas que se intercruzam a cada linha
descrita, escritas múltiplas, para os movimentos labirínticos que da escrita advém, os
deslocamentos aqui realizados.

Minhas experiências profissionais não permitiram um trabalho fácil, mas um olhar


atento para cada movimento realizado, sou um aprendiz-cartógrafo, na tentativa de caminhar
cartograficamente neste trabalho, pude adentrar em diversos caminhos, e me fazer mapa, não
um decalque, intentando que o leitor deste texto seja mapa, trace seu próprio mapa, explore os
seus meios e outros limites.

Esta pesquisa não prima pela criação de conceitos, ou temática criadora, mas advém
dos conceitos trabalhados por Deleuze e Guattari (2014) que aqui denominei de língua-
rizoma, perfazendo um caminhar com todos os 210 professores participantes do projeto, a
plasticidade do pensar deleuziano-guattariano, o deslocamento dos próprios conceitos se faz
necessário. O navegar cartográfico, a partir dos platôs do projeto para melhor, elucida a
composição rizomática deste trabalho.

Sem a intenção de encerrar por estas rotas de saída deste trabalho, desejo que seus
rizomas se conectem a outras linhas do pensar para compor outros rizomas, numa operação
cartográfica feita de fluxos e cortes, de encontros e afecções povoados de uma coletividade a
reverberar nos movimentos singulares do devir-surdo.

E... e... e...


85

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88

APÊNDICES
89

APÊNDICE A – RELATO DOS ENTREVISTADOS-PARTICIPANTES DO PROJETO

RESPONDIDO PELA DIVISÃO DA EDUCAÇÃO INFANTIL DA SECRETARIA


MUNICIPAL DE CAMETÁ/PA

1) O projeto Inserção das LIBRAS na Amazônia Tocantina: Formação de


Professores para Educação Infantil. Aconteceu no período de 2015 a 2016 e teve suporte
participativo da DEI, já havia preocupação a respeito dessa temática?
R: Sim, trabalhar a temática que envolva uma educação voltada para o processo da educação
inclusiva, foi sempre uma preocupação constante da Divisão, uma vez que consideramos que
os profissionais de educação devem orientar-se para acolher a todas as crianças seja ela
deficiente ou não, ouvinte ou surda.
2) Como a Divisão, avalia a participação dos professores que eram o foco da
formação?
R: Embora a formação continuada não estabeleça a obrigatoriedade da participação ela é de
caráter livre, foi possível perceber que os docentes que participaram, na sua maioria,
mostraram-se interessados em aprender em comunicar-se em LIBRAS e assim muitas falas
surgiram ao longo da vivencia do curso: “Não temos alunos Surdos, mais quando esse aluno
chegar em sala de aula, já temos ou já sabemos como nos comunicar com ele, ele não ficará
mais isolado no silêncio absoluto”
Neste relato percebe-se que muitos dos participantes preocupam-se com a interação da
criança Surda com os demais colegas e isso é um ponto de grande relevância quanto à
participação no curso os professores estavam ali com uma verdadeira intenção: adquirir
conhecimentos, técnicas e outras formas para possibilitar à criança surda a oportunidade de
comunicar-se com seus pares e assim propor a essa criança uma participação ativa em sala de
aula.
3) Na avaliação da coordenação, quais os pontos negativos e positivos do projeto?
R: Os pontos positivos do curso foram inúmeros oferecer e oportunizar a participação de
todos os profissionais que atuam na educação infantil adentrarem a LIBRAS
- Ser o primeiro evento a oferecer condições para participação de todos os educadores do
público infantil do município de Cametá.
- Ter um caráter amplo, considerando o universo da criança: buscou-se com isso trabalhar a
comunicação em LIBRAS mesmo de forma básica; propôs meios para viabilizar em sala de
aula a contação de histórias em LIBRAS; ofereceu oportunidade para trazer cantigas de roda
90

para o mundo da criança Surda justamente com as ouvintes; inúmeros recursos didáticos
pedagógicos foram construídos e adaptados para promover o ensino o ensino e a
aprendizagem da criança surda no contexto de uma educação inclusiva a começar pela
infância.
Vale ressaltar o como ponto importantíssimo do projeto foi o compromisso de todos os
envolvidos, desde o coordenador até os voluntários.
As oficinas, as palestras com as temáticas voltadas para educação com foco na
inclusão vieram a somar para uma prática docente mais consistente.
Falar de pontos negativos é desconsiderar o empenho dos envolvidos nessa iniciativa
primeira, primeira, realizada no município de Cametá.

4) Existe uma sugestão vinda dos professores sobre uma possível reelaboração do
projeto, quais as possibilidades dessa sugestão ser aceita?

R: Considerar uma extensão do projeto é uma prática salutar para o preparo dos profissionais
de educação no acolhimento dos alunos deficientes com condições de igualdade de
oportunidade e de direitos e possibilidades, sim uma vez que o reconhecimento, por parte dos
professores, sobre a importância dos projetos é um ponto de partida para que o mesmo
aconteça.
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APÊNDICE B – RELATOS DOS ENTREVISTADOS-PARTICIPANTES DO PROJETO

1 PROFESSORA A: JARDIM II (DISTRITO DE VILA DO CARMO)

1) Antes da Formação Continuada proposta pelo projeto “Ensino de LIBRAS na


Amazônia Tocantina: Formação de Professores da Educação Infantil” você já havia
feito alguma formação relacionada à temática da Educação de Surdos?
R: Só havia feito as disciplinas da área de Educação Especial na época de faculdade.
2) Você tem alunos surdos? No período da Formação Continuada, as temáticas
desenvolvidas contribuíram para a sua prática pedagógica?
R: Nunca trabalhei com alunos surdos.
3) Após o encerramento do projeto você vem desenvolvendo em sala as temáticas
envolvidas na Formação?
R: Trabalho mais no sentido da informação para os alunos, mostrando os sinais e fazendo as
diferenças.
4) Qual a importância do projeto para a sua prática profissional?
R: De grande valia para minha prática não só em sala de aula como também para minha vida.
5) O que você pensa sobre a Educação Inclusiva, especificamente a Educação de
Surdos?
R: Fundamental para que possamos mudar nossa visão a respeito dos alunos especiais.
6) Após o encerramento do projeto, como você avalia os eixos trabalhados ao longo
da Formação Continuada, contribuíram para a sua atuação profissional?
R: Além de ser garantido por lei, apesar de na maioria das vezes esses direitos não são
respeitados, mas esses alunos ganham uma oportunidade de fazer parte de uma comunidade
escolar que antes era negado a eles.
7) Quais os eixos trabalhados ao longo do projeto que você pode destacar, e que
inclusive já tenha utilizado em sala de aula?
R: O de cantiga de rodas foi bem interessante e as crianças gostam muito.
P: Sugiro uma continuidade para melhor aprimoramento.
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2 PROFESSORA B: JARDIM I (DISTRITO DE CARAPAJÓ)

1) Antes da Formação Continuada proposta pelo projeto “Ensino de LIBRAS na


Amazônia Tocantina: Formação de Professores da Educação Infantil” você já havia
feito alguma formação relacionada à temática da Educação de Surdos?
R: Não, para mim foi muito importante o curso, pois comecei a trabalhar há pouco tempo não
tinha experiência e o curso me veio dar suporte de como trabalhar em sala de aula, não só com
alunos surdos, mas com toda clientela de alunos.
2) Você tem alunos surdos, no período da Formação Continuada, as temáticas
desenvolvidas contribuíram para a sua prática pedagógica?
R: Apesar de não ter alunos surdos a formação e suas temáticas foram de suma importância
para minha pratica pedagógica.
3) Após o encerramento do projeto você vem desenvolvendo em sala as temáticas
envolvidas na Formação?
R: Sim, sempre busco aplicar o que aprendi na formação para que meus alunos fiquem sempre
em contato com as Libras através das musiquinhas das fábulas e sempre que passo um
conteúdo, procuro métodos para introduzir Libras em minhas aulas.
4) Qual a importância do projeto para a sua prática profissional?
R: O projeto foi, e é de grande importância para mim, pois deu suporte para trabalhar
com meus alunos, com isso, tive oportunidade de ser mediadora do primeiro contato destes
com a Libras.
5) O que você pensa sobre a Educação Inclusiva, especificamente a Educação de
Surdos?
R: Como disse, não tenho alunos surdos, acredito que os professores devem estar em
constante processo de formação para que não deixe a desejar a esses alunos. Porém, sabemos
que isso é raro em nosso município. Gostaria que tivesse uma continuidade
6) Após o encerramento do projeto, como você avalia os eixos trabalhados ao longo
da Formação Continuada, contribuíram para a sua atuação profissional?
R: Sim, contribuíram bastante, pois alargaram meus conhecimentos em relação ao assunto e
me proporcionou novas metodologias para trabalhar em sala, pena que terminou precisamos
aprender ainda mais.
7) Quais os eixos trabalhados ao longo do projeto que você pode destacar, e que
inclusive já tenha utilizado em sala de aula?
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R: Dos eixos posso destacar as cantigas e as fábulas, pois foram as que mais me chamaram
atenção e é a que mais chama a atenção das crianças. Elas adoram cantar fazendo gestos e
aprendem com facilidade.
94

3 PROFESSOR C: JARDIM I E II (DISTRITO DE TORRES EMEF. DE PRACUUBA)

1) Antes da Formação Continuada proposta pelo projeto “Ensino de LIBRAS na


Amazônia Tocantina: Formação de Professores da Educação Infantil” você já havia
feito alguma formação relacionada à temática da Educação de Surdos?
R: Não, só no curso de Geografia que foi repassado algumas situações de Libras, coisa pouca.
2) Você tem alunos surdos, no período da Formação Continuada, as temáticas
desenvolvidas contribuíram para a sua prática pedagógica?
R: Não tenho alunos surdos, mas convivo com alguns existentes na escola em que trabalho.
Sobre o curso, contribuiu muito na minha prática pedagógica, principalmente, porque
podemos ensinar o que aprendemos em Libras brincando, além disso, é um novo
conhecimento que adquirimos.
3) Após o encerramento do projeto, você vem desenvolvendo em sala as temáticas
envolvidas na Formação?
R: Sim, começo como brincadeira de imitação, porém dando significado aos gestos das mãos.
4) Qual a importância do projeto para a sua prática profissional?
R: Dando mais importância as pessoas surdas e sabendo que estou me preparando para uma
sociedade inclusiva.
5) O que você pensa sobre a Educação Inclusiva, especificamente a Educação de
Surdos?
R: Muito importante, penso que não só nós, educadores, temos que aprender, mas sim a
família também participar para aprender a conviver com essa pessoa.
6) Após o encerramento do projeto, como você avalia os eixos trabalhados ao longo
da Formação Continuada, contribuíram para a sua atuação profissional?
R: Avalio como um ponto muito positivo, os eixos muito bem trabalhados e profissional,
posso dizer sou um pedagogo com um conhecimento a mais. Precisaria de outros desses.
7) Quais os eixos trabalhados, ao longo do projeto, que você pode destacar, e que
inclusive já tenha utilizado em sala de aula?
R: As cantigas de roda, têm mais facilidade por causa das músicas e os gestos.
95

4 PROFESSORA D: DISTRITO DE CAMETÁ RURAL, LOCALIDADE DE CAMETÁ-


TAPERA

1) Antes da Formação Continuada proposta pelo projeto “Ensino de LIBRAS na


Amazônia Tocantina: Formação de Professores da Educação Infantil” você já havia
feito alguma formação relacionada à temática da Educação de Surdos?
R: Não, nunca tinha participado de nenhuma formação relacionada à Educação de Surdos,
sabia apenas o básico que aprendi na faculdade, na disciplina de Libras.
2) Você tem alunos surdos, no período da Formação Continuada, as temáticas
desenvolvidas contribuíram para a sua prática pedagógica?
R: Durante o curso de formação tive um aluno surdo de apenas 3 aninhos. As práticas que fui
aprendendo durante a formação me auxiliaram bastante, pois sem ela não saberia lidar com
essa situação.
3) Após o encerramento do projeto, você vem desenvolvendo em sala as temáticas
envolvidas na Formação?
R: Sim, continuo usando as práticas desenvolvidas no projeto, as musiquinhas em Libras
chamam bastante à atenção de todas as crianças.
4) Qual a importância do projeto para a sua prática profissional?
R: Foi de suma importância, aprendi muitas coisas que utilizo em sala de aula,
principalmente, agora que estou trabalhando na sala de AEE, e tenho dois alunos surdos, todo
aprendizado estudado estou utilizando com eles.
5) O que você pensa sobre a Educação Inclusiva, especificamente a Educação de
Surdos?
R: A Educação Inclusiva de surdos é algo que já deveria ser mais utilizado a língua de
sinais, principalmente, já deveria ser praticada por todos os envolvidos na educação.
6) Após o encerramento do projeto, como você avalia os eixos trabalhados ao longo
da Formação Continuada, contribuíram para a sua atuação profissional?
R: Todos os eixos trabalhados foram bem explicados e de forma bastante divertida, desde o
alfabeto, com a questão de se apresentar fazendo seu nome até o último módulo envolveu
todos nas construções de cartazes. Cada eixo trabalhado venho tentando utilizar na minha vida
profissional.
7) Quais os eixos trabalhados ao longo do projeto que você pode destacar, e que
inclusive já tenha utilizado em sala de aula?
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R: O que mais utilizei foi a musicalização em Libras, que foi bastante aproveitada pelos meus
alunos, pois criança aprende muito rápido e logo aprenderam as músicas em Libras, mas
agora venho tentando utilizar o teatro em Libras, espero alcançar meus objetivos.
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5 PROFESSORA E: SÉRIE: JARDIM I, ESCOLA NOSSA SENHORA DO CARMO,


DISTRITO DE VILA DO CARMO

1) Antes da Formação Continuada proposta pelo projeto “Ensino de LIBRAS na


Amazônia Tocantina: Formação de Professores da Educação Infantil” você já havia
feito alguma formação relacionada à temática da Educação de Surdos?
R: Não, mas tinha interesse.
2) Você tem alunos surdos, no período da Formação Continuada, as temáticas
desenvolvidas contribuíram para a sua prática pedagógica?
R: Não tive na época e nem agora tenho, mas independente de ter ou não um aluno com essa
especificidade, esse curso já contribuiu imensamente, me dando mais oportunidades em
ampliar minhas práticas em aulas.
3) Após o encerramento do projeto você vem desenvolvendo em sala as temáticas
envolvidas na Formação?
R: Sim, com certeza, principalmente as cantigas de roda, quando passa dias que não cantamos
até mesmo as crianças me perguntam “ – Não vamos cantar, professora, a da borboletinha?...”
fazendo logo o sinal da borboleta. Acho interessante porque trabalhamos várias áreas do
conhecimento e o movimento da criança.
4) Qual a importância do projeto para a sua prática profissional?
R: Contribuiu imensamente, me fez ter um olhar mais único a cada criança, porque apesar de
percebermos que nossos alunos não possuem alguma necessidade específica como a surdez,
mas podemos observar que nosso aluno tem outras necessidades e que com apenas um olhar
bem delicado e dedicado podemos enxergar. E que em algum momento da vida, nossos alunos
irão precisar dessas orientações, uma vez que se percebe que nessa idade a criança está mais
suscetível a absorver tais informações.
5) O que você pensa sobre a Educação Inclusiva, especificamente a Educação de
Surdos?
R: Que não podemos deixar quaisquer que seja a pessoa humana sem comunicação, essa é
uma das partes mais importantes do desenvolvimento do ser humano e que seria uma tragédia
se nos omitíssemos dessa relação. Gostaria que nossos gestores pensassem mais
delicadamente sobre esse tema e que fosse criada, de fato, nas escolas uma segunda língua
para que todos os professores e alunos e todos agentes educacionais de uma escola –
aprendêssemos a nos comunicar com a pessoa surda.
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6) Após o encerramento do projeto, como você avalia os eixos trabalhados ao longo


da Formação Continuada, contribuíram para a sua atuação profissional?
R: Sim... Mas já que o tema é formação continuada que pudéssemos dar prosseguimento, pois
nunca estamos prontos e acabados para os desafios da vida.
7) Quais os eixos trabalhados ao longo do projeto que você pode destacar, e que
inclusive já tenha utilizado em sala de aula?
R: Utilizei os cartazes que produzimos nos encontros e, principalmente, e até os dias de hoje
as cantigas de roda.
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6 PROFESSORA F: DISTRITO DE CARAPAJÓ

1) Antes da Formação Continuada proposta pelo projeto “Ensino de LIBRAS na


Amazônia Tocantina: Formação de Professores da Educação Infantil” você já havia
feito alguma formação relacionada à temática da Educação de Surdos?
R: Não, primeira vez que faço um curso voltado a essa temática.
2)Você tem alunos surdos, no período da Formação Continuada, as temáticas
desenvolvidas contribuíram para a sua prática pedagógica?
R: Não, eu não tinha nenhum aluno surdo, porém, as temáticas do curso eu desenvolvi em
sala de aula e contribuíram significativamente para minhas práticas pedagógicas.
3) Após o encerramento do projeto você vem desenvolvendo em sala as temáticas
envolvidas na Formação?
R: Sim, venho desenvolvendo mais as cantigas de roda, as quais eu me identifiquei muito.
4) Qual a importância do projeto para a sua prática profissional?
R: Sem dúvida, esse projeto foi de grande importância, uma vez que nos possibilitou
engrandecer nossos conhecimentos e, assim, nossa prática em sala de aula tornando-nos mais
preparados para saber atuar com o aluno especial.
5) O que você pensa sobre a Educação Inclusiva, especificamente a Educação de
Surdos?
R: Sabemos que a educação é um direito de todos, sem distinção de raça, cor, gênero, religião,
sejam eles portadores de deficiência ou não, todos somos iguais. E a Educação Inclusiva
surgiu da necessidade de se incluir nas escolas esses alunos especiais. Os quais ainda
enfrentam barreiras, mas que aos poucos vão sendo superadas.
Com relação à educação de surdos pode-se dizer que ainda falta muito para
alcançarmos o ideal, mas estamos no caminho certo, pois hoje já contamos com a disciplina
LIBRAS em vários cursos e a Escola, por sua vez, procura se adaptar e se adequar para a
então receber esses alunos.
6) Após o encerramento do projeto, como você avalia os eixos trabalhados ao longo da
Formação Continuada, contribuíram para a sua atuação profissional?
R: Os eixos trabalhados durante o período em formação, sem dúvida, foram de muita
importância para nos professores, uma vez que nos ajudou a compreender esse universo de
inclusão e assim promover uma melhoria nas nossas práticas pedagógicas contribuindo
significantemente para nossa atuação como profissionais e com cidadãos.
100

7) Quais os eixos trabalhados ao longo do projeto que você pode destacar, e que
inclusive já tenha utilizado em sala de aula?
R: Como já mencionei anteriormente, eu me identifiquei muito com as cantigas de roda,
também com as historinhas em LIBRAS, com os jogos (amarelinha, dado etc.), mas o que eu
trabalhei realmente foi [sic] as cantigas, onde pude perceber que as crianças adoravam, pois
me pediam para cantar e fazer os sinais.
101

7 PROFESSORA G: JOANA COELI

1) Antes da Formação Continuada proposta pelo projeto “Ensino de LIBRAS na


Amazônia Tocantina: Formação de Professores da Educação Infantil” você já havia
feito alguma formação relacionada à temática da Educação de Surdos?
R: Não.

2) Você tem alunos surdos, no período da Formação Continuada, as temáticas


desenvolvidas contribuíram para a sua prática pedagógica?

R: Não tive alunos surdos ainda, essa formação contribuiu com a minha prática no sentido de
socializa-la com meus alunos para que eles saibam conversar e acolher os colegas surdos.

3) Qual a importância do projeto para a sua prática profissional?


R: Sim, inclusive na escola que trabalho incluímos na elaboração da cartilha dos alunos o
alfabeto e os numerais em LIBRAS, já fazem parte do planejamento da escola.

4) O que você pensa sobre a Educação Inclusiva, especificamente a Educação de


Surdos?
R: De grande importância, porque nós, professores, estamos em constante atualização para
lidarmos com as diferentes situações, atendendo todos os alunos sem distinção da melhor
maneira possível.
5) O que você pensa sobre a Educação Inclusiva, especificamente a Educação de
Surdos?
R: A Educação Inclusiva é uma modalidade de ensino que veio pra ficar, requer que saibamos
nos atualizar e atender essa clientela sempre que possível e em classes comum com os demais
alunos para que ele se sinta parte da turma, querido e respeitado, e, obviamente, sempre que
necessário ser atendido por uma equipe especializada.

6) Quais os eixos trabalhados ao longo do projeto que você pode destacar, e que
inclusive já tenha utilizado em sala de aula?
R: R: Sim, foram ótimas, gostaria da continuação do curso quem sabe até em forma de
especialização lato sensu.
102

7) Quais os eixos trabalhados ao longo do projeto que você pode destacar, e que
inclusive já tenha utilizado em sala de aula?
R: A parte musical, as cantigas não só atraem a atenção das crianças como sua curiosidade em
aprender a fazer os sinais com as mãos, como o abecedário e demonstrar o nome etc.
103

8 PROFESSORA H: CURUÇAMBABA

1) Antes da Formação Continuada proposta pelo projeto “Ensino de LIBRAS na


Amazônia Tocantina: Formação de Professores da Educação Infantil” você já havia
feito alguma formação relacionada à temática da Educação de Surdos?
R: Não.

2) Você tem alunos surdos, no período da Formação Continuada, as temáticas


desenvolvidas contribuíram para a sua prática pedagógica?

R: Não.

3) Qual a importância do projeto para a sua prática profissional?


R: Ate o momento em que estive em sala de aula. sim.
4) O que você pensa sobre a educação inclusiva, especificamente a Educação de
Surdos?
R: Crucial, uma vez que a educação é direito de todos e uma educação de qualidade.
5) O que você pensa sobre a educação inclusiva, especificamente a Educação de Surdos?
R: A inclusão é um tema muito debatido, mas não é levado muito a sério as leis são garantidas
há anos, mas somente agora está sendo tratada com respeito, somente agora estão os alunos
surdos sendo tratados como iguais em sala de aula
6) Após o encerramento do projeto, como você avalia os eixos trabalhados ao longo
da Formação Continuada, contribuíram para a sua atuação profissional?
R: A formação foi de fundamental importância, contribuiu muito e proporcionou um olhar
diferenciado para Educação Inclusiva. Antes se falava em incluir, mas não davam suporte
para garantir que esse aluno permanecesse, agora tivemos a oportunidade de ver que isso é
possível trabalhar com este aluno, pois além de incluir, também nos deu oportunidade de ir
além, nos deu um norte de como seguir adiante e garantir a permanência do aluno surdo junto
com os ouvintes.
7) Quais os eixos trabalhados ao longo do projeto que você pode destacar, e que
inclusive já tenha utilizado em sala de aula?
R: Cantigas de roda, literatura, saudações, alfabeto e numerais fazem parte das atividades em
sala de aula.
104

9 PROFESSORA I: JARDIM II, DISTRITO DE JUABA

1) Antes da Formação Continuada proposta pelo projeto “Ensino de LIBRAS na


Amazônia Tocantina: Formação de Professores da Educação Infantil” você já havia
feito alguma formação relacionada à temática da Educação de Surdos?
R: Não.
2) Você tem alunos surdos, no período da Formação Continuada, as temáticas
desenvolvidas contribuíram para a sua prática pedagógica?
R: Não, foi uma ótima contribuição.
3) Após o encerramento do projeto você vem desenvolvendo em sala as temáticas
envolvidas na Formação?
R: Sim, de vez enquanto.
4) Qual a importância do projeto para a sua prática profissional?
R: Sim, de suma importância, veio aprimorar o meu conhecimento, seria primordial que esse
projeto continuasse.
5) O que você pensa sobre a educação inclusiva, especificamente a Educação de
Surdos?
R: Uma contribuição muito importante tanto para nossos alunos ouvintes e surdos.
6) Após o encerramento do projeto, como você avalia os eixos trabalhados ao longo
da Formação Continuada, contribuíram para a sua atuação profissional?
R: Foi ótimo ter aprendido libras não o suficiente, mas de bom tamanho espero uma
continuação.

7) Quais os eixos trabalhados ao longo do projeto que você pode destacar, e que
inclusive já tenha utilizado em sala de aula?

R: As cantigas de roda, porque cantando eles aprendem mais. Acho que o projeto precisaria
ter uma continuidade.
105

10 PROFESSORA J: CAMETÁ SEDE

1) Antes da Formação Continuada proposta pelo projeto “Ensino de LIBRAS na


Amazônia Tocantina: Formação de Professores da Educação Infantil” você já havia
feito alguma formação relacionada à temática da Educação de Surdos?

R: Já tinha participado de duas formações, inclusive a nossa formadora era surda-muda.

2) Você tem alunos surdos, no período da Formação Continuada, as temáticas


desenvolvidas contribuíram para a sua prática pedagógica?

R: Não tive e não tenho, mas com certeza essas temáticas foram de muita importância. Cada
conhecimento adquirido é único.

3) Após o encerramento do projeto você vem desenvolvendo em sala as temáticas


envolvidas na Formação?

R: Sim, meus alunos adoram.

5) Qual a importância do projeto para a sua prática profissional?

R: Sem resposta.

6) O que você pensa sobre a Educação Inclusiva, especificamente a Educação de


Surdos?

R: Sem resposta.

7) Após o encerramento do projeto, como você avalia os eixos trabalhados ao longo


da Formação Continuada, contribuíram para a sua atuação profissional?
R: Sem resposta.

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