UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE LETRAS E CINCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM HISTRIA SOCIAL DA CULTURA REGIONAL MESTRADO

EM HISTRIA

DENIZE SIQUEIRA DA SILVA

TECENDO MEMRIA: linhas e entrelinhas da trajetria da Universidade Federal Rural de Pernambuco (1912-1936)

RECIFE 2010

DENIZE SIQUEIRA DA SILVA

TECENDO MEMRIA: linhas e entrelinhas da trajetria da Universidade Federal Rural de Pernambuco (1912-1936)

Dissertao apresentada ao Programa de PsGraduao em Histria do Departamento de Letras e Cincias Humanas da Universidade Federal Rural de Pernambuco, como requisito para obteno do grau de mestre, em Histria Social da Cultura Regional, sob a orientao da Prof Dr Maria das Graas Andrade Atade de Almeida.

RECIFE 2010

Aos meus pais Tina e Romo, sem o amor e a orientao dos quais jamais seria quem sou. Tambm, para Ianny e Igor, meus filhos, por uma trajetria de vida...

AGRADECIMENTO
Trabalhos como esse no possvel realiz-los isoladamente. Muitas vezes, a angstia da finalizao, a impresso de que algo no vai bem ou as incertezas em relao aos caminhos escolhidos tomam conta da cabea e do esprito. Nessa hora, encontrar algum com que compartilhar essas inseguranas , sem dvida, o melhor a fazer. Acredito que uma das melhores coisas da pesquisa o caminho percorrido, e, principalmente, as pessoas com as quais convivemos nele. Assim, o apoio e fora de familiares e amigos so fundamentais. Nesse trabalho dissertativo contei com muitos amigos e amigas, o que torna esse momento cheio de entusiasmo e emoo, porque hora de olhar para trs e reconhecer que, no meio de uma trajetria aparentemente solitria, estive junto de pessoas fundamentais, sem as quais, talvez este trabalho no existisse. Mas, inicio esse

momento agradecendo a Deus, ser maior, em quem busco nimo e esperanas quando tudo parece ruir. Um obrigada em especial, a profa. Maria das Graas Andrade Atade de Almeida, minha orientadora, pela preciso dos conhecimentos transmitidos, pelo equilbrio e elegncia de sua conduta no desempenho de suas funes, por representar o porto seguro dessa trajetria, sempre inundado de segurana, carinho e apoio, garantidos nos momentos de incerteza e insegurana. Agradeo, sobretudo, por acreditar nesse trabalho de pesquisa e em minha capacidade para execut-lo. Um obrigada especial ao professor Paulo Donizetti pelo incentivo, sobretudo, por acreditar que a realizao desse trabalho dissertativo traria informaes importantes para a historiografia local ao analisar a gnese da memria da UFRPE, uma Instituio fomentadora de ensino, pesquisa e extenso com quase cem anos de histria. A Belo Belinho Alberto Azevedo, meu marido, porto seguro, companheiro e amigo certo nas horas incertas que conseguiu tornar-se um pai de corao

maravilhoso para meus filhos, durante minhas longas ausncias no perodo de desenvolvimento das atividades de pesquisa, obrigada pela compreenso e o incentivo sempre presente, serei eternamente grata... Aos cunhados Paulo e Geisa, os quais, num momento crucial dessa jornada surgiram como verdadeiros anjos da guarda enviados por Deus; timoneiros a orientar um barco a deriva na imensido do mar. Obrigada pela solidariedade.

Com muito carinho agradeo, tambm, aos cunhados Zlia e Humberto, pelo apoio dado nesse caminhar, principalmente, quando me disponibilizaram a Fazenda Sabugueiro, para concluso da escrita analtica desse trabalho dissertativo. Verdadeiro exemplo de solidariedade. Das professoras Suely Cristina Albuquerque de Luna e Priscila Perazzo, recebi uma leitura cuidadosa do texto original, marcada por consideraes de grande intensidade. Agradeo por terem aceitado participar tanto da banca do exame de qualificao, como da defesa final desse trabalho de pesquisa. Suas sugestes foram amplamente incorporadas a esse trabalho propiciando um refinamento s reflexes. Com as instigantes aulas das professoras Maria das Graas Atade, Giselda Brito, Suely Almeida, Suely Luna, Ana Nascimento, Lcia Falco e Fabiana Bruci tive inmeros momentos privilegiados de acesso a leituras, reflexes e discusses que, sem dvida, foram fundamentais para a construo do nosso objeto. Com as quais procurei manter um bom relacionamento, principalmente, tico. Com vocs minha viso acadmica se alargou consideravelmente. Um especialssimo obrigada a todas. No poderia deixar de referenciar e agradecer ao prof. Wellington Barbosa, Coordenador do Programa de Mestrado. Profissional atencioso, sobretudo,

comprometido com o lugar a ele confiado. Agradeo ao prof. Ricardo Pacheco, pelas leituras incansveis de textos e as dicas bibliogrficas de tericos que trabalham as categorias eleitas nesse estudo, sobretudo, patrimnio cultural. A D. Felipe da Silva, Abade do Mosteiro de So Bento de Olinda, que gentilmente abriu as portas dos Arquivos da Abadia e, acreditou que esse estudo contribuiria para o alargamento da historiografia regional e das Instituies de Ensino Superior. Agradeo, sobretudo, contribuio beneditina para com a educao agropecuria local nas primeiras dcadas do sculo XX. Carinhosamente estendo minha gratido ao Ir. Joo Cassiano, arquivista do Mosteiro de So Bento, que pacientemente me auxiliou durante essa pesquisa. A Conceio Martins bibliotecria da Universidade Federal Rural de Pernambuco e Secretria da Academia Pernambucana de Cincia Agronmica - APCA pelo envio de importantes fontes documentais, por chamar a minha ateno para importantes aspectos sobre o objeto em anlise, e principalmente, pelo companheirismo nos momentos difceis... Muito obrigada. Aos amigos do grupo de estudo Memrias da UFRPE : Evandro, Tereza, Givaldo

e Henrique. O contato permanente com vocs foi para mim um espao formativo relevante. Foram momentos de partilha continua de experincias e reflexes. Sou muito grata a Alexsandra Souza, secretria da Coordenao do Programa de Mestrado em Histria Social da UFRPE, extremamente atenciosa e bem humorada, tornando assim, questes burocrticas menos speras. Expresso minha gratido aos companheiros de trabalho da CCS: Simone Gomes, Renata S Carneiro Leo, Bruno Andrade, Fernando, Thomas, Daniel, Susyane, Adriana, Isabel e Joyce; da EDU Marcelo Athayde, Luciano Frazo, Juscelino e David; da PROAD Djanete, Mozart, Emerson e Pedro; da PRAE Maria Cavalcante; do DSG/DAP Dione Paula; do DED Conceio Ba Viagem; da UFPE/Departamento de Educao Rosane Alencar, verdadeiros amigos que me apoiaram nas dificuldades dirias ressaltando que a cada desafio possvel vislumbrar novos horizontes. Conheci Sandro Vasconcelos na trajetria do mestrado, uma das novas amizades que com certeza levarei por toda vida. Sua disponibilidade em l muitos dos textos dessa pesquisa, a troca de livros e de experincias que vivenciamos juntos, por certo meu amigo, no esquecerei. Obrigada pelo incentivo.... Tambm, aos amigos, que alm da inestimvel contribuio intelectual, devo momentos de companheirismos, descontrao e muitas alegrias. Assim sendo, agradeo a Daniella Keila por seu contagiante humor e pelo seu intermitente incentivo, a Janana pelo o apoio constante e disponibilidade dispensada a esse estudo, a Carlos Andr e Mrio Ribeiro pelo apoio prestado pesquisa, responsveis tambm, pela manuteno desse sentimento de solidariedade e carinho fraterno to caracterstico que desenvolvemos durante essa trajetria. Por fim, a minha famlia, por suportar e superar com pacincia os momentos difceis. Dos meus pais, Tina e Romo, recebi todo o apoio objetivo, dirio e silencioso em relao s situaes prticas da vida cotidiana. A minha doce irm, Dulcineia, que mesmo distante soube como ningum ser parceira nesses momentos delicados. A George e Fabiana meus filhos de corao, agradeo o carinho, a dedicao e a amizade, principalmente, o apoio que sempre recebi nos momentos difceis dessa trajetria.

Ao meu Belo e meus queridos filhos Ianny e Igor, agradeo por toda uma trajetria de vida, ao meu lado. J que compartilhamos momentos de alegrias, tristezas, medos e sonhos, de certa forma, essa pesquisa tambm faz parte de suas conquistas.

A todos minha eterna gratido. Denize Siqueira

Que podemos cada um de ns fazer sem transformar nossa inquietude em uma histria? E, para essa transformao, para esse alvio, contamos com outra coisa a no ser os fragmentos desordenados das histrias recebidas? Cada um tem a sua lista. Por exemplo: raa, justia, pecado, moral, virtude, cu, amor, comeo, vida, cultura, vingana, infncia, nada, deus, arte, sada, remorso, compromisso, eternidade. E cada um dispe, tambm, de uma srie de tramas, nas quais, as entrelaa de modo mais ou menos coerente. E cada um tenta, dar um sentido a si mesmo, construindose como um ser de palavras a partir das palavras e dos vnculos narrativos que recebeu .
(Jorge Larrosa)

RESUMO

A pesquisa tem como objetivo rememorar a trajetria da Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE, a partir de ideais que justificaram o surgimento das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento em 1912, e prticas escolares vivenciadas nesses espaos, que resultaram na laicizao da Escola Superior de Agricultura ESA de So Bento, em 1936, quando essa passou para administrao

exclusiva do Estado. Nesse sentido, sob a orientao terico-metodolgica da Histria Cultural e de conceitos das categorias eleitas nessa pesquisa: patrimnio cultural, memria e cotidiano evocamos atividades escolares, acordos e estratgias percebidas nas relaes de sociabilidades entre os poderes institudos: Igreja e Estado, vislumbrando a compreenso desse processo histrico. Nessa perspectiva, as interpretaes da Anlise de Discurso (AD), da corrente francesa, que privilegia as sentidos construdos no discurso e as formas de produo, do interdiscurso e da intertextualidade deram suporte ao tratamento do corpus documental. Com a desconstruo dos discursos, identificamos os sentidos construdos nas alocues dos homens que teceram as primeiras linhas dessa trajetria. Nessa pesquisa no realizamos uma coleta de dados quantitativos para aferio do alcance e eficcia que subsidiasse uma avaliao do conhecimento agropecurio dos acadmicos. Propomos, sim, com a perspectiva metodolgica situar historicamente o processo, por meio da anlise documental e da bibliografia existente sobre o tema, alm de refletir sobre as razes e os significados desse suporte educativo como prtica cultural e instrumento poltico. Portanto, oferecer comunidade universitria da UFRPE, um referencial para a construo de sua historicidade e identidade, tendo em vista que, quando questionamos a preservao inserida na dinmica do movimento da histria, chega-se a um melhor entendimento de como se costura a cultura histrica. Com essa proposta vislumbramos a importncia do papel da memria coletiva na trajetria de configurao das Faculdades de So Bento e a sua necessria incluso no campo do conhecimento histrico do patrimnio cultural da UFRPE. Palavras-chaves: Patrimnio cultural, Memria e Cotidiano.

ABSTRACT
The research has the purpose of review the trajectory of the Universidade Federal Rural de Pernambuco UFRPE, from ideals that justified the emergence of the Escolas

Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento , in 1912, and the educational practices experienced in those spaces, resulting on the secularization of the Escola Superior de Agricultura ESA of So Bento, in 1936, when it turned to be

administrated only by the Government. In this way, under the theoretical and methodological orientation of the Cultural History and concepts of the chosen categories on this research (cultural heritage, collective memory and daily life), we evoke school activities, agreements and strategies on sociability relations between the established powers Church and State aiming the comprehension of this historical process and the

social role played by these Agrarian Institutes on the region. From this perspective, the interpretations of the Discourse Analysis (DA); of the French current, which privileges the constructed meanings on the discourse and the production ways; of the interdiscourse and the intertextuality gave support to the study of the documentary corpus. With the deconstruction of discourses, we could understand the constructed meanings on the speeches of men that weaved the fist lines of this path. On this research, we didn t make a collection of quantitative data for measuring the reaching and effectiveness that subsidize a evaluation of the agricultural knowledge of the academicians. We propose, instead, with the methodological perspective, to situate historically the process, through the documentary analysis and the bibliography about the subject, and identify the reasons, experiences, senses and meanings of this educational support as a cultural practice and a political tool. Therefore, we wanted to offer to UFRPE s academic community a reference for the construction of its historicity and identity, considering that, when we question the preservation inserted in the dynamics of History, we come to a better understanding of how the historical culture is created. With this purpose, we highlight the important role of collective memory in the path of the configuration of the Faculdades de So Bento and its necessary inclusion into the field of historical knowledge of cultural heritage.

Keywords: Cultural heritage, Memory and Daily Life

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1- Distribuio do corpo docente e respectivas disciplinas lecionadas no primeiro curso preparatrio para ingresso de alunos nas Escolas Superiores de So Bento. Relatrio anual das Escolas Superiores de So Bento. Typographia das Vozes de Petrpolis. Petrpolis, RJ. 1913-1922. Fonte: Mosteiro de So Bento de OlindaPE.....................................................................................................................................99

QUADRO 2 - Total de alunos/ano (1914-1922), matriculados nas turmas dos Cursos de Agricultura e Medicina Veterinria das Escolas Superiores de So Bento. Relatrio anual das Escolas Superiores de So Bento. Typographia das Vozes de Petrpolis. Petrpolis, RJ. 1913-1922. Fonte: Mosteiro de So Bento de Olinda-

PE...................................................................................................................................103 QUADRO 3- Distribuio das disciplinas lecionadas, por curso, nas Faculdades Agropecurias de So Bento. Typographia das Vozes de Petrpolis. Petrpolis, RJ. 1913-1922. Fonte: Mosteiro de So Bento de Olinda-

PE...................................................................................................................................104

QUDRO 4

Distribuio da carga horria e respectivas disciplinas lecionadas nas

Faculdades Agropecurias de So Bento. Typographia das Vozes de Petrpolis. Petrpolis, RJ. 1913-1922. Fonte: Mosteiro de So Bento de Olinda-

PE...................................................................................................................................105

QUADRO 5 - Relao nominal dos formandos das primeiras turmas (1914), das Escolas Superiores de So Bento, referente aos Cursos de Agricultura e Medicina Veterinria. Relatrio anual das Escolas Superiores de So Bento. Typographia das Vozes de Petrpolis. Petrpolis, RJ. 1913-1922. Fonte: Mosteiro de So Bento de OlindaPE...................................................................................................................................107

LISTA DE IMAGENS

Imagem 1 - Mapa de Pernambuco com destaque para o Mosteiro de So Bento, localizado no Bairro Cidade Alta, Olinda-PE....................................................................69 Imagem 2 - Primeiro espao fsico construdo para abrigar os cursos das Faculdades Agropecuria de So Bento, 1914. ................................................................................115 Imagem 3 - Escola Superior de Agricultura - ESA de So Bento..................................124 Imagem 4 - D. Pedro Roeser Primeiro Reitor das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento de Olinda-PE..........................................................163 Imagem 5 - D. Bento Pickel, Primeiro Diretor da Escola de Agricultura de So Bento de Olinda-PE........................................................................................................................163 Imagem 6 - Imagem atualizada, do espao fsico que abrigou as Escolas Superiores de So Bento, em 1914, com algumas intervenes..........................................................164 Imagem 7 - Alunos, professores e autoridades pblicas na ESA de So Bento, em Tapera, aps a solenidade da Aula Inaugural, em maro de 1917................................164 Imagem 8- Hospital Veterinrio da Escola Superior de Medicina Veterinria de So Bento, I do Brasil.............................................................................................................165 Imagem 9 - Laboratrio de Qumica da Escola Superior de Agricultura de So Bento Tapera.............................................................................................................................165 Imagem 10 - Alunos no campo, em aula prtica de Agrimensura. Escola Superior de Agricultura de So Bento em Tapera..........................................................................166

Imagem 11 - Alunos na Sala de Leitura na Escola Superior de So Bento - em Tapera.............................................................................................................................166 Imagem 12 - Alunos em aula prtica no Laboratrio de Botnica da Escola Superior de Agricultura - em Tapera..................................................................................................167 Imagem 13 - Alunos em aula prtica de Mecnica. Escola Superior de Agricultura - em Tapera. ...........................................................................................................................167 Imagem 14 - Vista parcial do prdio da Escola Superior de Agricultura - ESA de So Bento, em Tapera...........................................................................................................168 Imagem 15 - Alunos em momento de descontrao na Escola Superior de Agricultura ESA de So Bento, em Tapera. ....................................................................................168

Imagem 16 - Imagem distncia do espao fsico da Escola Superior de Agricultura ESA de So Bento, em Tapera, em processo de construo........................................169 Imagem 17 Despedida Prior da Ordem Beneditina, quando em visita a Escola

Superior de Agricultura - ESA de So Bento, em Tapera..............................................169 Imagem 18- Estbulos da Escola Superior de Agricultura - ESA de So Bento, em Tapera. ...........................................................................................................................170 Imagem 19 - Monge Beneditino com alunos em aula prtica de Agrimensura na a Escola Superior de Agricultura - ESA de So Bento, em Tapera. ............................................170

ABREVIATURAS

APCA - Academia Pernambucana de Cincia Agronmica. APEJE - Arquivo Pblico Estadual Jordo Emereciano.
APMAG - Arquivo Pblico Antonino Guimares de Olinda.

BPEMCB - Biblioteca Pblica Estadual Marechal Castelo Branco. CFCH - Centro de Filosofia e Cincias Humanas. CCS - Coordenadoria de Comunicao Social DED - Departamento de Educao DH- Departamento de Histria. DPHAN - Diretoria do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. EDU - Editora Universitria ESA - Escola Superior de Agricultura. FUNDAJ - Fundao Joaquim Nabuco. GE - Grupo de Estudos. IAHGPE- Instituto Arqueolgico Histrico Geogrfico de Pernambuco. IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica. IFES - Instituio Federal de Ensino Superior. IPHAN - Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. MACOP - Ministrio da Agricultura, Comrcio e Obras Pblicas. MAIC - Ministrio da Agricultura e Comrcio. PPGH- Programa de Ps-Graduao em Histria. PROAD - Pr-Reitoria de Administrao SEN - Secretaria Nacional de Agricultura. SPHAN - Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. UFRPE- Universidade Federal Rural de Pernambuco. UNESCO - Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura. UNICAP- Universidade Catlica de Pernambuco.

SUMRIO

Introduo...................................................................................................19 Captulo I Patrimnio Cultural, Memria e Cotidiano: um breve

histrico........................................................................................................................33
1.1 1.2 O patrimnio cultural e a elaborao de polticas pblicas......................................33 Discusso acerca da memria: individual, coletiva e

histrica......................................44 1.3 Maneiras de pensar o cotidiano: interior escolar e espaos urbanos......................57

Captulo II

Trajetria das Escolas Superiores de Agricultura e

Medicina Veterinria de So Bento de Olinda-PE..................................68

2.1 2.2 2.3 O despertar de histrias entre idas e vindas a cidade de Olinda: 1912-1914.........68 As nuances do pensamento agrcola no discurso regional.....................................74 Perspectivas para implantao do ensino superior agropecurio e suas

imbricaes com o pensamento positivista......................................................................82 2.4 Bento Relaes de sociabilidades entre: Igreja, Estado e amigos do Mosteiro de So de

Olinda................................................................................................................................91 2.5 Um mergulho na memria: o nascer das Faculdades Agropecurias....................97

Captulo III

Entrecruzando as linhas da histria: evocamos a saga da

ESA de So Bento (1936).............110

laicizao da Escola Superior de Agricultura

3.1

Como espelhos prticas escolares: refletem estratgias e acordos de tempos

vividos.............................................................................................................................110 3.2 Fios de memria tecem: movimento escolar, lembranas e experincias............116 3.2.1 3.2.2 Escola Superior de Medicina Veterinria de So Bento: 1914-1926......116 Escola Superior de Agricultura de So Bento: 1917-1936......................124

3.2.3

Entre acordos institudos: o nascer da Escola de Agronomia de

Pernambuco (1937).............................................................................................138

Consideraes Finais..............................................................................143

Referncias...............................................................................................148

Referncias Manuscritas.........................................................................159

Anexo Fotogrfico...................................................................................163

INTRODUO

No fundo da prtica cientfica existe um discurso que diz: nem tudo verdade, mas em todo lugar e a todo momento existe uma verdade talvez adormecida, mas que, no entanto est a espera da nossa mo para ser desvelada. A ns, cabe a boa perspectiva, o ngulo correto, os instrumentos necessrios, pois, de qualquer maneira, ela est presente aqui e em todo lugar .1

O estudo da memria acerca da criao dos cursos de ensino superior agropecurio, no Brasil, tem sido considerado, de modo crescente, como um importante foco de investigao, para pesquisadores que transitam por vrios campos do conhecimento, possibilitando uma compreenso alargada dos espaos escolares, sobretudo, do cenrio poltico-institucional nas primeiras dcadas do sculo XX. Em linhas gerais, esses estudos apresentam o processo de organizao desse ensino acordando as necessidades regionais, bem como, aspectos do percurso profissional, administrativo e poltico de seus grupos originais. Assim, para realizao da nossa pesquisa, partiremos de uma viso culturalista da histria, de forma integrada e interacionista procurando, segundo ALBUQUERQUE Jr., retramar o que est tramado, redizer o que est dito, rever o que j foi visto ,2 assim sendo, demarcar a nossa diferena, trazendo novos subsdios historiografia regional, particularmente aos estudos das Instituies de Ensino Superior, dedicadas as Cincias Agrrias. O interesse pela problemtica surgiu na graduao de licenciatura em Histria que cursei na Autarquia de Ensino Superior de Arcoverde/Centro de Ensino Superior de Arcoverde AESA/CESA. Nesse perodo desenvolvi uma pesquisa sobre A histria da PE , realizada a partir de informaes colhidas por

apicultura no municpio de Ibimirim

meio de entrevistas com apicultores locais, capacitados por tcnicos da Universidade Federal Rural de Pernambuco UFRPE. Com os resultados das anlises passamos a refletir sobre os problemas gestacionais da Universidade, no sentido de desenvolver atividades culturais preocupadas em salvaguardar o patrimnio dessa Instituio de
1

FOUCAULT, M. Microfsica do poder. Org. e trad. de Roberto Machado. 10 ed. Rio de Janeiro: Edies Graal, 1992, p. 113. 2 ALBUQUERQUE, Jr. Durval Muniz. Histria: a arte de inventar o passado. Ensaios de teoria da histria. EDUSC: Bauru, So Paulo, 2007, p. 153.

Ensino Superior - IFES. Porm, a idia de realizar um estudo criterioso sobre essa a Universidade Rural foi efetivamente gestada, quando entramos em contato com o Grupo de Estudo acerca da memria da Instituio, em Recife, sob a coordenao da Prof Dra. M das Graas Atade de Almeida3, para o qual, fomos convidados a frequentar os encontros quinzenais, onde definimos o objeto a ser analisado, bem como, o recorte cronolgico da pesquisa, vislumbrando compreender as prticas cotidianas, saberes e fazeres de personagens envolvidos com essa problemtica. Durante as discusses no Grupo de Estudo surgiram questionamentos acerca das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento, no sentido de compreender seu papel social no mbito da educao pernambucana, na formao de bacharis em Agronomia e Medicina Veterinria no incio do sculo XX; assim como, sua trajetria, perpassando por duas ditaduras militar, em quase 100 anos de existncia. Diante dessas opes de investigaes, optamos em privilegiar os seguintes pontos dessa histria: os ideais que possibilitaram o surgimento desses Institutos Agropecurios, as prticas, os valores e vivncias no espao escolar; o sistema de internato e externato; e o que levou o Estado a intervir na administrao das Escolas Superiores de So Bento em 1936; assim, contextualizar o objeto de pesquisa na historiografia local, conforme um monumento do patrimnio cultural, a partir da rememorao da memria documental e discursos proferidos pelas lideranas agrrias. Com essa perspectiva, privilegiamos o seguinte perodo: 1912-1936, que se refere fase beneditina. Com essa perspectiva, buscamos a produo historiogrfica relacionada memria e patrimnio de instituies superiores de ensino e pesquisa. Na ocasio debruamos sobre os trabalhos realizados por ATADE DE ALMEIDA4: o primeiro voltado para a memria da Fundao de Amparo Pesquisa em Pernambuco FACEPE, quando a Instituio fez 15 anos, a autora mapeia os gestores trabalhando

A professora realizava pesquisas acerca memria da UFRPE desde os 87 anos da Instituio, quando a mesma escreveu textos relativos aos 87 e 90 anos da Universidade. Este Grupo de Estudo - GE, foi pensado pelos profos. Drs. Paulo Donizeti e Maria das Graas Andrade Atade de Almeida. Cinco funcionrios: Denize Siqueira da Silva, Evandro de Oliveira Cavalcanti, Geraldo Laurentino da Silva, Givaldo Rufino Coelho, Severino Henrique da Costa e Tereza Cristina A. dos S. Silva, da rea das Cincias Humanas (histria), ambos freqentavam as discusses em torno das categorias memria e patrimnio, voltadas para pesquisas que vislumbravam o recorte cronolgico a partir de 1910 at o ps-64. 4 ALMEIDA, M. Das Graas A. Atade de & CABRAL, Ftima. FACEPE 15 anos. FACEPE: Recife, 2005.

com o aporte de memria e intelectuais. O segundo, sobre a UFRPE, quando dos aniversrios de 87 e 90 anos. Nesse ltimo, a historiadora faz uma anlise da trajetria da Universidade, desde sua criao at 1964, relacionando as imbricaes entre os momentos crticos vividos na conjuntura brasileira e a atuao desta no processo histrico. A autora trabalhou com os intelectuais relacionando a idia de progresso e de modernizao presente na reforma arquitetnica que a cidade do Recife vivenciou durante a dcada de 1910, concomitantemente com a criao das Escolas Superiores de So Bento; perpassando pelos anos da Ditadura Varguista, adentrou nos espaos escolares das Faculdades de So Bento quando identificou preconceitos, dentre eles, contra os judeus e contra a presena de mulheres em universidades voltadas para Cincias Agrrias.5 Conclui seu trabalho com a relao entre UFRPE e a ditadura militar. Ainda sobre a Instituio, MARTINS6 tem se debruado em vrios artigos e ensaios biogrficos sobre atores desta trajetria. Teses, dissertaes e artigos tambm, se utilizam dessa temtica, como por exemplo, a pesquisa de CASTELO BRANCO7 sobre o Piau, abordando cotidiano e memria do Colgio Agrcola de Teresina, nas dcadas de 50 a 70 do sculo XX; tendo como lcus de pesquisa a cidade de Joo Pessoa, na Paraba, destacamos os trabalhos de TARGINO8, que a partir das cartilhas do Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico do Estado da Paraba - IPHAEP analisa a experincia de educao patrimonial na cidade entre os anos de1980 a 2003; SCOCUGLIA,9 em tese de doutoramento aborda o

Conferir, tambm, MARTINS, Conceio. Consta nos estudos da bibliotecria, que a Escola Superior de Agricultura ESA, hoje UFRPE, conferiu diploma, a duas mulheres: Ester Feldmuns, da turma de 1944 e Sara Botler, da turma de 1945, ambas judia. 6 MARTINS, Conceio & MARTINS Osvaldo. LINDALO FARIAS: reminiscncias da trajetria de um engenho agronmico. Anais da Academia Pernambucana de Cincia Agronmica. Recife. V. 5-6, 2008/2009, p. 19-31: O pioneirismo das engenheiras agronmas pernambucanas nos 96 anos da UFRPE. In: jornal Folha de Pernambuco, Caderno Cidadania. Recife, 31 de outubro, 2008, p. 11. Memria e informao: o testemunho das engenheiras agrnomas pernambucanas. In: Anais do XV Seminrio Nacional de Bibliotecas Universitrias. So Paulo, 2008. Disponvel em: www.sbu.unicamp.br/snbu2008/anais/site/pdfs/2798.pdf. 7 CASTELO BRANCO, Julinete V. Castelo. Histrias e memrias do Colgio Agrcola de Teresina (1954-1976): formando lderes para a construo do novo e para a implacvel destruio do arcaico. Teresina: Universidade Federal do Piau-UFPI. 2006. 8 TARGINO, M Ivonilde M. Uma experincia de educao patrimonial na cidade de Joo Pessoa: o processo de elaborao das cartilhas do patrimnio pelo IPHAEP. 1980-2003. Universidade Federal da Paraba. Joo Pessoa. 2007. 9 SCOCUGLIA, Jowanka B. C. Sociabilidade, Espao Pblico e Cultura: uso contemporneo do patrimnio na cidade de Joo Pessoa. Universidade Federal de Pernambuco. Recife. 2003.

patrimnio histrico de Joo Pessoa, no perodo de 1987 a 2002, e HEINZ10 com artigo intitulado: Positivistas e republicanos: os professores da Escola de Engenharia de Porto Alegre entre a atividade poltica e a administrao pblica (1896-1930). Em nossa anlise privilegiamos a memria da UFRPE, da sua criao at a dcada de 1930, quando da transferncia para administrao do Estado e consequente laicizao das Escolas. Assim, o objetivo dessa pesquisa, compreender a trajetria histrica das Escolas Superiores de So Bento, fundadas pelos beneditinos da cidade de Olinda sua PE, em 1912, as quais deram origem a UFRPE, a partir de seu cotidiano, e seu patrimnio. Na perspectiva de anlise aqui adotada,

memria

compreendemos que tanto a histria oficial como os silncios da memria coletiva sero objetos de criticidade. O referencial terico-metodolgico nos revela que a trajetria de uma instituio de ensino ganha visibilidade a partir do desvendar do seu universo. Isso requer o reconhecimento de um mundo a portas fechadas, escondido, fugaz11. A anlise nos remete a uma leitura criteriosa, com o compromisso de repensar as histrias do objeto em discusso adentrando os espaos escolares e as experincias vividas, onde identificamos afirmaes de valores dos grupos sociais estudo, os quais definimos como configurao de memria e silenciamentos. Com esse estudo acreditamos na possibilidade de evocar um universo multifacetado que se mostra em aulas, vivncias e prticas cotidianas, da mesma forma os documentos que se transformam em monumento/memria tramados pelos sujeitos que escreveram as primeiras linhas da histria do ensino agrcola em Pernambuco, a partir das Escolas Superiores de So Bento. Mas, para realizao dessa proposta vislumbramos um caminho no qual encontre o conceito das categorias eleitas nessa pesquisa patrimnio, memria e cotidiano . Nessa perspectiva, os estudos de RSEN, orientam nossa discusso, para esse autor,

as teorias so apenas construtos das narrativas e no sejam elas mesmas narrativas. Elas fornecem a estrutura da argumentao, o esqueleto da
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HEINZ, Flvio M. Positivistas e republicanos: os professores da Escola de Engenharia de Porto Alegre entre a atividade poltica e a administrao pblica (1896-1930). Revista Brasileira de Histria rgo Oficial da Associao Nacional de Histria. So Paulo, ANPUH, vol. 29, n 58, jul. dez. 2009, p. 263. 11 CHARTIER, Roger. A histria cultural: entre prticas e representaes. Rio de Janeiro: Difel 1990.

constituio narrativa de sentido, mas no apresentam o prprio sentido construdo narrativamente, como se no importasse o preenchimento da estrutura, a musculatura emprica. Por outro lado, a metodologia consiste num conjunto de diretrizes que conduzem o pensamento histrico pesquisa emprica, reflexo sobre os pontos de partida e teorizao, conferindo-lhe a dinmica do progresso cognitivo, da ampliao das perspectivas e do reforo de identidade12.

PAUL FEYERABEND, ao escrever sobre mtodos de pesquisa histrica, tambm nos auxilia no entendimento dos campos terico e prtico, assim como, alarga a nossa compreenso sobre fatos, segundo o estudioso,

um mtodo que contenha princpios firmes, imutveis e absolutamente obrigatrios para conduzir os negcios da cincia depara com considervel dificuldade quando confrontado com os resultados da pesquisa histrica. Descobrimos ento que no h uma nica regra. Assim, para o que examina o rico material fornecido pela histria e no tem a inteno de empobrec-lo a fim de agradar a seus baixos instintos, a seu anseio por segurana intelectual na forma de clareza, preciso, objetividade e verdade , ficar claro que h apenas um princpio que pode ser defendido em todas as circunstncias e em todos os estgios do desenvolvimento humano. o princpio de que tudo vale13.

Assim, a prtica historiogrfica exige do pesquisador um fecundo dilogo entre a documentao e o aporte terico-metodolgico adotado para o desenvolvimento da sua investigao, esse rigor cientfico o que propiciar legitimidade cientfica ao trabalho a ser realizado. Logo, a proposta terico-metodolgica de anlise deste trabalho insere-se no mtodo prosopogrfico, que tem por base o estudo das biografias coletivas das elites, se orienta pela busca das regularidades, dos sinais comuns, dos condicionamentos sociais e culturais na histria de homens e coletividades, buscando perscrutar a complexidade do social. De acordo com a nossa proposta de anlise, as obras de autores como JACQUES LE GOFF,14 ECLA BOSI,15 MAURICE HALBWACHS,16 PATRCIA

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RSEN, Jorn. Reconstruo do passado. Braslia: Editora Universidade de Braslia, 2007, p.90-101. FEYERABEND, Paul K. Contra o mtodo. So Paulo: UNESP, 2007, p.37- 43. 14 LE GOFF, Jacques. Histria e memria. Campinas: Ed.: Unicamp, 1996. 15 BOSI, Ecla. Memria e sociedade: lembrana de velhos. So Paulo: Cia das Letras, 1998. 16 HALBWACHS, Maurice. A memria coletiva. Traduo de SIDOU, Beatriz. So Paulo: Centauro, 2006.

MARIUZZO,17 RICARDO ORI,18 PAULO DE ASSUNO,19 CARLOS A. LEMOS, 20 PEDRO PAULO FUNARI,21 SANDRA PELEGRINI,22 MICHEL FOUCAULT23 e FLAVO M. HEINZ,24 constituem nosso lugar de reflexo. Utilizamos Foucault a partir da idia de que as relaes de poder fundamentalmente no se passam nem ao nvel do direito, nem da violncia, o autor no define poder como algo que nega ou impe limites. Nessa perspectiva, o poder possui uma eficcia produtiva, uma riqueza estratgica, uma positividade. Assim, a opo pelas elites aqui, antes de tudo, uma soluo de escala, uma chave metodolgica para, atravs do mtodo das biografias coletivas ou prosopografias, perscrutar a complexidade do social. Sobre a memria, enquanto fonte histrica os estudos de BOSI corroboram com a anlise quando afirma que,

a memria permite a relao do corpo presente com o passado e, ao mesmo tempo, interfere no processo atual das representaes. Pela memria, o passado no s vem a tona das guas presentes, misturando-se com as percepes mediadas, como tambm empurra, desloca estas ltimas, ocupando o espao todo da conscincia.25

Sendo assim, entendemos que a memria responsvel pela conservao das experincias, levando-nos a reinventar o j vivido, possibilitando-nos recompor o passado, do marco da intelectualidade pernambucana, no que se refere s Cincias Agrrias. Lembramos aqui HALBWACHS26, quando faz distino entre memria
17

MARIUZZO, Patrcia. Revista Eletrnica Com Cincia. A revista uma publicao da sociedade brasileira para o progresso da cincia, em parceria com laboratrio de Estudos Avanados em Jornalismo da Unicamp. 18 ORI, Ricardo. Memria e ensino de histria. In: BITTENCOURT, Circe (Org.). O saber histrico na sala de aula. So Paulo: Contexto. 2001. 19 ASSUNO, Paulo de. Patrimnio. So Paulo: Edies Loyola, 2003. 20 LEMOS, Carlos A. C. O que patrimnio histrico. So Paulo: Ed. Brasiliense, 2006. 21 FUNARI, Pedro Paulo. Patrimnio histrico e cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. 22 PELEGRINI, Sandra C. Arajo. Patrimnio histrico e cultural. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. No referencial terico apresentado, encontramos os fundamentos para analisar as Escolas Superiores de So Bento, como patrimnio cultural. Buscamos os referidos autores, na perspectiva que j no se entende o patrimnio apenas como obras arquitetnicas ou de grande apelo histrico, mas como a produo humana em seu conjunto. Dessa maneira, encontramos o suporte que vislumbramos em suas interpretaes para essa pesquisa. 23 FOUCAULT, Michel. Microfsica do poder. Organizao, introduo e reviso de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Edies Graal. 1979-2005. 24 HEINZ, Flvio M. Por outra histria das elites. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. 25 BOSI, Ecla. Op. Cit. p. 47. 26 HALBWACHS, Maurice. Op. Cit. 2006.

histrica, de um lado, que supe a reconstruo dos dados fornecidos pelo presente da vida social e projetada no passado reinventado, e memria coletiva, de outro, aquela que recompe magicamente o passado. Entre essas duas direes da conscincia coletiva e individual desenvolvem-se as diversas formas de memrias, cujas formas mudam conforme os objetivos que elas implicam. Para LE GOFF,

o estudo da memria no exclusividade da Histria, mas tambm da Antropologia, da Psicologia e da Educao, porm, ela ganha um significado especial para os historiadores, para quem o estudo da memria social um dos meios fundamentais de abordar os problemas do tempo e da histria.27

Dessa forma, ao rememorar o surgimento e o cotidiano das Escolas Superiores de So Bento, a memria ultrapassa a simples lembrana e ocupa lugar de documento histrico. Assim, diferente do pressuposto positivista em que apenas o documento tem valor histrico, outras perspectivas tericas abrangem como fontes a palavra, o gesto, a imagem entre outros. De acordo com o historiador, o estudo da memria, envolve principalmente aqueles elementos registrados nas inscries grafadas desde a antiguidade, logo a memria, ganha um carter de monumento e como tal deve ser visitada pelo historiador. Pensamos que monumentos so parte do patrimnio cultural de um povo ou de uma nao, eles servem como um elo entre o presente e o passado dando um sentido de continuidade. A preservao do patrimnio pressupe um projeto de construo do presente, por isso vale a pena na medida em que este patrimnio esteja vivo no presente, vivo para que as pessoas que o cercam possam de algum modo usufruir dele. Neste sentido, entendemos que as Escolas Superiores de So Bento podem ser analisadas como monumento ou patrimnio cultural, porque nos ligam ao nosso passado e deve, portanto, fazer sentido no cotidiano. Considerando que todos os elementos que perfazem o patrimnio de uma coletividade, pode ser compreendidos como bens culturais desse grupo social. Os estudos de ORI, interpretam as anlises tericas mencionadas acerca das categorias privilegiadas nessa pesquisa, bem como, refora a nossa opo pela anlise. Para o autor j no se entende o patrimnio apenas como obras arquitetnicas ou de

27

LE GOFF, Jacques. Op. Cit. p. 426.

grande apelo histrico, mas como a produo humana em seu conjunto .28 Logo, a leitura nos diz que os elementos culturais retratados em monumentos: as produes documentais, as prticas, vivncias e conflitos vividos pelos sujeitos da nossa pesquisa passam a ser objeto de preservao. Para o autor atualmente se preserva um bem cultural, quando esse tem significado para a comunidade em que est inserido, e, se a preservao possibilitar a melhoria, principalmente, para a salvaguarda de sua identidade cultural. ASSUNO corrobora com a discusso, quando afirma que a preservao dos bens culturais garantem a manuteno da memria coletiva no decorrer dos tempos, bem como, a construo da sua identidade.
30 29

. Contudo, FUNARI e PELEGRINI,

chamam a nossa ateno o que para uns patrimnio, para outros no . Os valores sociais mudam com o tempo. Nesse sentido, a memria tem a funo de estabelecer

ligaes essenciais entre os sujeitos e o meio no qual vivenciam as experincias. Partindo da construo de um pensamento sobre as Escolas Superiores, a partir de fios de memrias, possvel conhecer as relaes de sociabilidades que se travaram naquele ambiente, bem como, a importncia destas para a trajetria escolar da Instituio. Procuramos tecer o memorial entrecruzando documentos, prosopografias, imagens, discursos, tempos e vivncias. Uma vez que nossos atores histricos, defensores da criao de uma escola preocupada com a causa agrcola em Pernambuco, so caracterizados como parte da elite agrria regional31 que atuaram discursivamente na regio, expandindo seu iderio e suas concepes de educao. Segundo HEINZ os historiadores que se utilizam das biografias coletivas em seus trabalhos, realizam um estudo sociolgico do passado, considerando seu carter social

28 29

ORI, Ricardo. Op. Cit. p.138. ASSUNO, Paulo de. Patrimnio. Idem. 2003. Indicamos para complemento da anlise. O estudo apresenta uma leitura interessante, que objetiva contribuir, bem como, trazer esclarecimentos sobre temticas ligadas ao patrimnio vislumbrando uma melhor interpretao, tendo em vista a sua complexidade, sobretudo, a riqueza do contedo que o livro comporta; enfim, contribuir para que a sociedade volte o olhar para o futuro, sentido a necessidade de preservar o patrimnio. 30 FUNARI, Pedro Paulo. PELEGRINI, Sandra C. Arajo. Op.Cit. 2006, p. 10. 31 MARTINS, Jos de Souza. A sociabilidade do homem simples: cotidiano e histria na modernidade anmala. So Paulo: Contexto, 2008, p. 116-117. professor titular aposentado do Departamento de Sociologia da Faculdade de Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo, tido como um dos mais importantes socilogos brasileiros da contemporaneidade. Suas anlises sobre a vida social, do imaginrio e da viso de mundo de homens simples muito contriburam para compreenso sobre a trajetria do nosso objeto de pesquisa.

para a Histria

32

A anlise da historiografia local nos permite refletir sobre as particularidades dos fatos histricos. A Histria baseada nas avaliaes regionais determinada pelos componentes de permanncias e rupturas universais da Histria, entretanto, tais acontecimentos so momentos particulares que podem decifrar lacunas nos estudos da Histria oficial, que muitas vezes torna-se generalizante, englobando os fatos de grandes eixos poltico-sociais como modelo para o desdobramento da Histria em todos os seus mbitos, sobretudo, o cultural. Assim, no que diz respeito metodologia para o desenvolvimento desse estudo, no primeiro momento, fizemos um levantamento dos tericos que trabalham as categorias eleitas na pesquisa; em seguida inventariamos a documentao, no sentido de separar o corpus a ser analisado, como forma passvel de colocarmos em evidncia as memrias muitas vezes silenciadas. Quanto s fontes documentais utilizadas para a elaborao dessa pesquisa foram encontradas nos arquivos da Abadia Olindense, as quais consistem em trs livros de atas referentes aos anos de 1904, 1905 e 1906; Livro de Crnicas, Livro Caixa, Livro Termo de Exames dos alunos, e Relatrios Anuais33 das Escolas Superiores de So Bento, de 1913 at 1922; nota jornalstica do Jornal do Estado que se refere negociao do Estado com a Ordem Beneditina, em 1936 a qual resultou na laicizao das Escolas. No Arquivo Pblico do Estado de Pernambuco Joo Emerenciano localizamos um exemplar do Jornal Dirio de Pernambuco, que relata a Primeira Aula Inaugural das Faculdades de So Bento, realizada no dia 1 de fevereiro de 1914. Logo, esses espaos se constituem como importantes guardis da memria do objeto em estudo, ao preservar documentos que contribuem para a reescrita de prticas cotidianas, a partir da recuperao de dados, personagens e cenrios. Concomitantemente esses lugares, tambm, nos levam a descoberta do inesperado, do que se encontra oculto em seus espaos. Utilizamos ainda, como fontes, as Plaquetes Comemorativas de 50, 80 e 90 anos da UFRPE, a disposio no Memorial da Academia Pernambucana de Cincia Agronmica - Casa Prof. Ivan Tavares, localizado na Biblioteca Central desta
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HEINZ, Flvio M. Idem. p. 08. Relatrios das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento. Primeiro: 1915; Segundo: 1916; Terceiro e Quarto: 1917/1918; Quinto: 1919; Sexto: 1920; e Stimo e Oitavo: 1921/1922 da Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinria. Rio de Janeiro: Officinas Graphicas do Jornal do Brasil . Arquivos do Mosteiro de So Bento de Olinda-PE.

Universidade. As visitas a esse ambiente de pesquisa nos proporcionou um dilogo com fotografias, peridicos entre outras fontes que instigou-nos a refletir sobre as transies realizadas nos espaos escolares. Documentos que se revelam como monumentos passveis de identificarmos discursos diversos, complementares ou divergentes, traduzidos nos silncios, nos conflitos e nas negociaes, redes de sociabilidades que contriburam para o desfecho dessa pesquisa. Nesse conjunto de fontes utilizadas fazemos referncias s biografias coletivas, as quais se revelam mais do que testemunhas. Elas chamam a nossa ateno, pelo encantamento de seus textos, pela forma como os autores descrevem os aspectos cotidianos das Escolas em anlise. sedutora a leitura, a forma como abordam seus hbitos, valores, conflitos, saudades, perspectivas profissionais, sua cultura. Assim, no interior desse complexo panorama, procuramos focar atravs das lentes do presente o detalhe e a especificidade do ensino promovido por esses Centros do saber agrrio. Com uma perspectiva de rememorao, que revele novos conhecimentos, capazes de fazer ouvir, na histria que buscamos das Faculdades de So Bento outros cotidianos. O tratamento das fontes documentais se volta para a linha terico-metodolgica da Anlise de Discurso (AD)34 francesa, que privilegia as sentidos construdos no

discurso e as formas de produo. O interdiscurso e a intertextualidade daro suporte ao estudo do corpus documental. Com a desconstruo dos discursos, poderemos entender os sentidos construdos nas alocues dos homens que teceram essa Histria. ORLANDI afirma que, o discurso definido no como um transmissor de informao, mas como efeito de sentido entre locutores
35

Nesse sentido, podemos considerar que os discursos proferidos pela elite agrria no dizem respeito ao ensino agrcola, ou seja, no resultaram apenas da inteno de indivduos em informar outros, mas da relao de sentidos estabelecida por eles num contexto histrico social. Dessa maneira, entendemos o discurso como prtica social veiculada sob vrias formas de comunicao, de modo a construir um determinado espao e sendo analisada a partir do contexto scio-histrico onde est inserida, refletindo, assim, uma viso ampla e determinada do mundo que o cerca. Temos, dessa maneira, o conceito de discurso como o resultado de sentidos entre os interlocutores. importante ressaltarmos que alm de suas contribuies terico-metodolgicas a AD desempenha um papel social, na medida em que contribui para o conhecimento do
34 35

ORLANDI, Eni P. Anlise de Discurso. Campinas: Pontes, 1995. ORLANDI, Eni P. O que lingustica. So Paulo: Brasiliense, 2003, p. 63.

discurso, da cultura e da identidade. Como afirma DIANA LUZ DE BARROS as investigaes sobre o discurso tm por preocupao auxiliar para que se conhea melhor, por meio da linguagem, a sociedade .36 Desse modo, se confirma que a produo de sentido gestada a partir de discursos que trataram do ensino agrcola em Pernambuco, nos possibilitar identificarmos alunos e professores das Escolas Superiores de So Bento em seus diferentes discursos, do institucional ao religioso. Esse estudo tambm se apropriou da documentao imagtica encontrada nos arquivos, sendo trabalhada luz dos ensinamentos tericos de KOSSOY, para quem, a fotografia ao ser analisada como fonte histrica ,37 alm de ampliar o conceito de documentao para a historiografia, possibilitam-nos recuperar alguns aspectos que contriburam para a construo e a manipulao do imaginrio social.38 Pensamos, que no estudo sobre o cotidiano interessante buscar outras formas de expresso que nos permitem acesso a elementos que nem sempre as narrativas textuais captam ou expressam. Tal perspectiva nos conduz importncia do trabalho com imagens/fotogrficas, como meio de compreendermos o cotidiano das Escolas Superiores de So Bento, evitando as armadilhas dos textos escritos de modo a perceb-lo em sua amplitude e complexidade, considerando a manuteno dessas caractersticas que as fotografias expressam e os textos procuram entender. Dessa maneira, pensamos que o trabalho com imagens prover acesso s mltiplas realidades que elas captam e nem sempre so traduzidas em textos. Nesse sentido, podemos reafirmar com SAMAIN, que o uso combinado de textos e de imagens em pesquisas,

[...] cada um desses registros, verdade, partem de uma observao, ambos so representaes. Resta que essas observaes, essas representaes, essas interpretaes conjugam-se diferentemente em funo dos suportes utilizados. O suporte imagtico no funciona da mesma maneira que o suporte verbal. Cada um pe em obra operaes cognitivas, afetivas... singulares.39
36

BARROS, Diana Luz de. Estudo do texto e o discurso no Brasil. DELTA: Documentao de estudo e lingstica terica aplicada. So Paulo: 1999, p. 08. 37 KOSSOY, B. A fotografia como fonte histrica. So Paulo: tica, 1989. 38 Acerca do imaginrio social e poltico, conferir: CASTORIADES, C. A instituio imaginria da sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982; BALANDIER, G. O poder em cena. Braslia: UNB, 1982. 39 SAMAIN, Etienne. O que vem a ser portanto um olhar? Prefcio a ACHUTTI, Luiz Eduardo Robinson. Fotoetnografia: um estudo de antropologia visual sobre cotidiano, lixo e trabalho. Porto Alegre: Livraria Palmarinca Ltda e Tomo Editorial Ltda, 1997, p. 28. SAMAIN professor da

Nesse sentido as interpretaes, de ISABEL CALADO reforam a discusso. Segundo a autora a imagem percebida com possibilidades no inscritas em outros materiais para a autora ela multifacetada e polivalente, concreta e abstrata, icnica e racionalizada, eficaz e mgica, esttica e denontativa, funcional e incontrolvel, escapada(ndo) s vises analticas, s grelhas quantificadoras, matematizao .40 Nesse sentido, entendemos que as imagens vo tecendo redes de conhecimentos com relao ao outro. Assim, dialogando com as imagens do cotidiano das Escolas Superiores de So Bento, temos mltiplas possibilidades de interpretao e interlocuo, assim, procuramos escutar as vozes dos personagens que teceram essa trajetria a partir de experincias particulares, do caminhar e do fazer cotidiano, na tentativa de perceber aquilo que a princpio, s se pode crer pela sua invisibilidade e no permanncia, que so os saberes cotidianos presentes nessas prticas. O cruzamento das fontes foi relevante para compreendermos as relaes de sociabilidades identificadas no cotidiano escolar, as quais refletem aspectos da sociedade pernambucana, sobretudo fatores: econmico e poltico. Na maioria das vezes, esses cristalizam determinadas memrias quando elegerem uma nica leitura do passado, melhor dizendo entendem o passado como algo a ser constantemente superado rumo ao progresso inflexvel, exclui e silencia fatos, nesse processo, negam o direito memria de diversos sujeitos. Tambm discorremos sobre trabalhos de cronistas e memorialistas do perodo, esses na sua maioria ex-alunos das Faculdades de So Bento, os quais tecendo fios de memrias contriburam para fundamentao desse trabalho de pesquisa a partir do momento que entrecruzamos suas percepes, seus valores e relacionamos com as nossas fontes. Assim, sentimos a necessidade de buscarmos a historiografia de poca41 vislumbrando a apropriao do contexto poltico-social e econmico da regio, sobretudo, os estudos de MANUEL CORREIA DE ANDRADE42, SOUZA BARROS 43,
Universidade Estadual de Campinas. Antroplogo relacionou a fotografia a interveno subjetiva do fotgrafo e a antropologia visual. Para o autor a tecnologia mudou a relao do homem com a imagem. 40 CALADO, Isabel. A utilizao educativa das imagens. Porto: Porto Editora, 1994, p. 19-20. Segundo a autora, as imagens vo tecendo redes de conhecimentos, ou seja, a imagem como possibilidade de conhecer o outro. 41 Referenciamos as obras de BARROS, Souza. Idem. 1985. E, SETTE, Mrio. Arruar, histrias pitorescas do Recife antigo. Recife: Secretaria de Educao e Cultura do Governo do Estado de Pernambuco. 3 edio, coleo pernambucana. V. XII, 1978. 42 ANDRADE, Manuel C. Histria das usinas de acar de Pernambuco. Recife: FUNDAJ/Editora Massangana, 1989.

PETER EISENBERG44, e ROBERT LEVINE45. Em seu ensaio Histrias das usinas de acar em Pernambuco ANDRADE46, faz uma reflexo sobre o contexto econmico e social da regio, o qual dominava o setor aucareiro desde o perodo colonial. Assim, o autor procurou fazer uma anlise histrica das transformaes dos velhos bangs em usinas, perpassando as experincias dos meios aparelhos e dos engenhos centrais, em suas anlises props observar e caracterizar as mudanas que tal processo imprimiu sobre a organizao do espao regional. Dialogando com BARROS,47 em sua obra A dcada de 20 e Pernambuco compreendemos a relao entre os aspectos econmicos e scio-polticos do espao pernambucano. O autor analisa os quadros da poltica local, os primeiros sinais da indstria urbana, tambm discorre sobre as transformaes ocorridas atravs do processo de modernizao. Dessa maneira, apresenta um vasto estudo sobre aspectos culturais, sobretudo, a diversificao do ensino superior, com o aparecimento de novas escolas e faculdades, bem como seus reflexos na sociedade. Contudo, EISENBERG48, em suas anlises faz um estudo de caso significativo sobre a economia de lavoura de exportao: cana-de-acar, sua obra tem contribudo para debates acalorados na academia. O autor faz uma reflexo sobre os setores que atingiram a indstria aucareira, principalmente, no perodo compreendido entre as seis ltimas dcadas do sculo XIX e a primeira do sculo XX. Debruando-se sobre a problemtica da modernizao industrial e das transformaes no sistema das relaes de trabalho seus argumentos no podem ser ignorados nessa pesquisa. Para complementar a discusso historiogrfica buscamos LEVINE,49 por meio de sua obra Pernambuco na federao brasileira 1889-1937: a velha usina . Objetivando uma anlise comparativa do ponto de vista regional, apontando semelhanas e diferenas entre estados da federao brasileira, dos quais, Pernambuco, So Paulo e Minas Gerais. O autor, tambm, apresenta uma viso global dos setores poltico e
43

BARROS, Souza. A dcada de 20 em Pernambuco. Recife: Fundao de Cultura Cidade do Recife, 1985. 44 EISENBERG, Peter L. Modernizao sem mudana: a indstria aucareira em Pernambuco 18401910. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Universidade Estadual de Campinas, 1977. 45 LEVINE, Robert M. Pernambuco na federao brasileira 1889-1937: a velha usina. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. 46 ANDRADE, Manuel C. Idem. 1989. 47 BARROS, Souza. Ibid.. 1985. 48 EISENBERG, Peter L. Op. Cit. 1977. 49 LEVINE, Robert M. Op. Cit. 1990.

econmico da sociedade local do comeo da Primeira Repblica instaurao do Estado Novo. Nessa perspectiva, propomos nesse trabalho trazer importantes dados, principalmente, interpretaes sobre as elites polticas, os sistemas fiscais e a integrao social dos nossos atores. Com relao ao espao geogrfico, nosso objeto de estudo tem como locus cidade de Olinda PE, dentro de um quadro de modernizao50 e consolidao do

ensino agropecurio, assim (re)afirmamos que o foco dessa pesquisa volta-se para as experincias dos indivduos que construram cotidianamente a histria das Faculdades de So Bento51 incorporando dimenses individuais e sociais de maneira dinmica, complexa e contraditria. Nesse sentido, nossa proposta de trabalho estruturou-se a partir de trs temticas que compe os trs captulos da dissertao. No primeiro captulo ao discorremos sobre um Patrimnio cultural, memria e cotidiano: um breve histrico . Propomos tecer uma discusso terica, objetivando ter uma compreenso do objeto de estudo dentro da pesquisa emprica, uma vez que a teoria tem como objeto realizar as imbricaes entre os achados da pesquisa e a realidade terica. No segundo captulo tecemos Trajetria das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento de Olinda - PE , aps delinearmos o referencial terico-metodolgico incorporamos o objeto na discusso relacionando aspectos polticos, econmicos e sociais, pois entendemos que um dilogo entre as categorias, o mtodo a ser seguido e a historiografia de poca necessrio para justificar a incluso das referidas Escolas na linha de estudo sobre o patrimnio cultural. Nessa perspectiva, analisamos os meios que viabilizaram o Estado, tambm, a Igreja Catlica por meio da atuao dos monges beneditinos a criarem esses centros do saber agrrio. Com o terceiro captulo: Entrecruzando as linhas da histria: evocamos a saga da laicizao da Escola Superior de Agricultura ESA de So Bento (1936)

pretendemos com a (re)leitura do cotidiano da histria e da memria das prticas escolares, somados a discusso sobre seu papel social, trazer nossa contribuio para a historiografia regional e ampliar a discusso sobre as Instituies de Ensino Superior, uma vez que os trabalhos acerca das instituies de ensino, da regio, tm se voltado,

50 51

EISENBERG, Peter. Ibid. 1977. Localizamos documentos oficiais, bem como, biografias coletivas, que se referem s Escolas Superiores de So Bento; como as Faculdades de So Bento .

em sua maioria, para os centros tradicionais de Ensino: Direito e Medicina52. Dessa forma, procuramos rememorar, no s as regras de aproximao ou de cruzamento das sries enunciativas, mas tambm como estas se excluem; como procuraram produzir o silncio das outras. Cientes de que o conhecimento histrico no construdo unicamente pelo que dizem as fontes, mas, as informaes das fontes s so incorporadas nas conexes que do o sentido histria com ajuda do modelo de interpretao. Assim, cabe a ns historiadores, observar no apenas o dito, mas, principalmente o no dito, porque nas entrelinhas da documentao que encontramos as respostas para um novo fazer historiogrfico.

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SCHWACZ, Lilia Moritz. O espetculo das raas: cientistas, instituies e questo social no Brasil, 1870 1930. So Paulo: Companhia das Letras, 1993. Pesquisadora e professora livre docente no Departamento de Antropologia da Universidade de So Paulo USP.

CAPTULO I

PATRIMNIO CULTURAL, MEMRIA E COTIDIANO: UM BREVE HISTRICO

O patrimnio cultural de um povo compreende as obras de seus artistas, arquitetos msicos, escritores e sbios, assim como as criaes annimas surgidas da alma popular e o conjunto de valores que do sentido a vida. Enfim, as obras materiais e imateriais que expressam a criatividade de um povo: a lngua, os ritos, as crenas, os lugares e monumentos histricos, a cultura, as obras de arte, os arquivos, as bibliotecas...53

1.1

O patrimnio cultural e a elaborao de polticas pblicas

A preservao do patrimnio cultural no sentido das aes oficiais, executadas por instituies pblicas, juridicamente estabelecidas para cumprir tal funo, pode ser considerada como uma prtica recente. As primeiras diretrizes internacionais comearam a ser delineadas na dcada de trinta do sculo XX, principalmente nos pases europeus. Concomitantemente a esse perodo observamos um considervel aumento das demandas, pressupostos e motivaes que foram e continuam sendo revistos, reavaliados e ampliados. Tambm, guerras, reconfiguraes de mapas polticos, mudanas nas relaes internacionais, processos de descolonizao e democratizao, novos movimentos sociais buscando identidades tnicas, globalizao, transformaes aceleradas, avanos tecnolgicos, enfim, o ritmo da Histria

provocando constantes adaptaes nas aes oficiais de preservao cultural. O Brasil, de forma pioneira na Amrica Latina, inseri-se nas prticas oficiais de preservao. A problemtica comeou a ganhar espao no setor poltico-institucional brasileiro a partir da dcada de 1920, o qual foi impulsionado por manifestaes de intelectuais ligados ao movimento modernista, preocupados com os riscos de perda pelos quais passavam as obras de arte no pas, sobretudo, bens materiais do perodo colonial. Dessa forma, as primeiras aes pblicas partiram de estados com acervos

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Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. Cartas Patrimoniais. Braslia: IPHAN. Caderno de documentos n 03. 1995, p. 314.

significativos, entre os quais Pernambuco, criando suas Inspetorias Estaduais de Monumentos Histricos. Contudo, no tarefa fcil definir essa categoria ou grupo social, nos deteremos especificamente no seguinte ponto: como caracterizar as formas de atividades intelectuais? Para uma compreenso mais alargada da atuao desses personagens na poltica preservacionista dos bens patrimoniais brasileiros. Nessa perspectiva, quando nos debruamos sobre estudos preocupados em definir o intelectual, ou mesmo, a sua atuao, verifica-se uma multiplicidade de definies, a maior parte delas normativas. Segundo BOBBIO, os intelectuais so a nica categoria social que s pode ser definida por eles mesmos
54

. O problema que

dificilmente a intelectualidade se prope apenas a se definir. GRAMSCI55 destaca o engajamento social dos intelectuais; MILLS56 o seu papel crtico; ARON57 a defesa de valores universais ou ainda a autonomia da categoria dos intelectuais; para WEBER58 essas definies colocam a intelectualidade como uma categoria que surge naturalmente tendo em vista as necessidades da sociedade. A constatao de que existe uma grande diversidade de acepes normativas, cada uma tentando impor sua definio do que deve ser o intelectual, mostra-nos, sobretudo, os mecanismos de construo social dessa categoria. No existe um conceito unitrio e definitivo da intelectualidade, pois o prprio estatuto de intelectual objeto de constante redefinio e disputa entre o contexto histrico e as estratgias dos atores sociais na definio da categoria. Assim, ao neutralizar o papel dos intelectuais na sociedade, alguns autores incorrem no erro de ignorar os processos histricos que compe a identidade do grupo.
54

BOBBIO, Noberto. Os intelectuais e o poder. So Paulo: UNESP, 1997, p. 13. Esse autor considerado um dos maiores intelectuais. Em sua obra tenta unir os aspectos positivos do liberalismo e do socialismo, no projeto denominado socialismo-liberal que conjuga as duas correntes do pensamento poltico ocidental com a democracia, estabelecendo, na mesma estrutura, trs caractersticas da cidadania: as liberdades civis, as garantias polticas e os direitos humanos. 55 Conferir GRAMSCI, Antnio. Os intelectuais e a organizao da cultura. 3 edio. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1979. Para o autor os intelectuais possuem uma funo no processo de tomada de conscincia de classe, no processo de luta de classe e na organizao discursiva das classes. O enunciado invertido pode ser feito. Nesse sentido, os intelectuais possuem uma funo no processo de produo da ideologia dominante, no processo de dominao de uma classe sobre a outra e na organizao discursiva do capital. 56 Sobre a temtica conferir MILLS, C. W. A poltica da cultura. In: MELO, R. de. (Org.). Os intelectuais e a cultura. Lisboa: Presena, 1964. 57 Conferir, ARON, Raymond. A alienao dos intelectuais. In: O pio dos intelectuais. Braslia: Ed. UnB, 1980. 58 Conferir WEBER, M. Cincia e poltica: duas vocaes. So Paulo: Martin Claret, 2004.

 possvel pensar os intelectuais como um grupo socialmente construdo, ou seja, natural a sociedade, dessa maneira torna-se uma categoria objetiva na medida que passa a ser reconhecida e interiorizada como tal. Mesmo estando eles imersos em um processo histrico e social, sua anlise enquanto categoria socialmente construda no significa desconsider-los enquanto atores sociais, mas compreender as razes pelas quais certas acepes so objetivas, de forma a entender as estratgias que emergem no discurso desses personagens. Neste sentido, preciso distinguir a atividade real desses personagens em um determinado contexto histrico pensamos que no Brasil, a intelectualidade enquanto grupo social objetivado prescinde de um ato de nascena da prpria elite. Assim, a partir da interpretao tomaremos as primeiras dcadas do sculo vinte como ponto de partida para compreendermos de qual intelectual estamos falando, bem como sua atuao. Com essa proposta, consideramos as observaes de BARROS, ao interpretar Pernambuco na dcada de 1920, o autor percebe os intelectuais como colaboradores e produtores culturais.

Vindos, sobretudo, dos bancos acadmicos, cheios de idealismos, ingressando de peito aberto nas incruentas do pensamento e da ao, a servio da comunidade. No se podia admitir o intelectual se ele no aparecesse na imprensa numa atividade qualquer, nela trabalhando diretamente ou levando como colaborador as suas produes. 59

Dessa maneira, por meio de suas produes, tinham o poder de instituir formas de pensamento, conscincias coletivas. Nesse sentido, estariam os intelectuais demarcando os limites do campo simblico dentro, no qual, diversos agentes sociais se situariam para tomar decises e assim, optar pelas mudanas a serem implantadas ou revogadas. Segundo a anlise de PCAUT60, isso se deveria constncia com que a produo intelectual brasileira teria sido marcada, a partir, de um, certo realismo. O que o autor procura dar nfase o fato de os diversos projetos nacionais, sucessivamente elaborados, no serem mais que explicaes no plano intelectual de uma realidade subjacente e/ou inquestionvel.
59 60

BARROS, Souza. Idem. p. 180 e 181. PCAUT, Daniel. Os intelectuais e a poltica no Brasil. So Paulo: ed. tica, 1990, p. 07. O autor faz a relao entre as conjunturas do Brasil no incio do sculo XX, com o intuito de situar os personagens e as singularidades nas tramas dos movimentos de carter poltico.

O autor finda por reforar a perspectiva que os caracteriza como uma elite que teria moldado determinada identidade social. Em outras palavras, os intelectuais teriam construdo a imagem, na qual o Pas poderia se v e; com a qual tenderia a se identificar. Assim sendo, vistos como agentes de mudanas, tinham o poder de interferir nas decises a serem tomadas, graas eloquncia das suas produes. Na linha de CHARTIER, compreendemos que as diversas prticas discursivas so quem, de fato, do significado ao mundo social ,61 ou seja, ao disporem de capacidade de criar representaes, de um modo geral, e no apenas do poltico, decorreu a sua capacidade de convencer e instituir projetos de transformao social, dos quais, a salvaguarda dos bens patrimoniais. Na perspectiva do pensamento de CASTORIADIS, as representaes enquanto expresses de um determinado imaginrio social, no so formuladas exatamente a partir de suas imagens, para o autor ,

criao incessante e essencialmente indeterminada (social, histrica e psquica) de figuras, formas e imagens, a partir das quais somente possvel falar-se de alguma coisa. Aquilo que denominamos realidade e racionalidade so seus produtos. 62

Neste sentido, percebemos o intelectual como um personagem que permite mltiplas formas de leituras. Uma leitura que nos leva a investigar o seu cotidiano a partir de suas produes culturais, familiarizando-nos com o meio social em que conviveram seus leitores, enfim, procuramos compreender o papel histrico social desses homens cheios de idealismos e engajados com a causa patrimonial, os quais atuaram de forma a promover a salvaguarda da memria coletiva. Nossa interpretao sobre os intelectuais se aproxima das observaes de Sartre, trazidas por Chau. Para SATRE,

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CHARTIER, Roger. A histria cultural: entre prticas e representaes. Lisboa: DIFEL, Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1988, p. 16 e 17. 62 CASTORIADIS, Cornelius. A instituio imaginria da sociedade. Rio de Janeiro RJ: Paz e Terra, 1982, p. 13. Filsofo grego e pensador, autor de diversas obras de Filosofia e Filosofia Poltica. Crtico social e psicanalista considerado, por pesquisadores, um dos intelectuais, mais referenciado da segunda metade do sculo XX.

o intelectual aquele que pensa e est engajado com projetos coletivos; o escritor de atualidades que opina e intervm em todos os acontecimentos relevantes, medida que vo se sucedendo uns aos outros. um estado de viglia permanente. 63

Pelo que se depreende dessas formulaes primeiras, bem como, dos nexos que do forma ao raciocnio exposto acima, os intelectuais podem ser considerados agentes de mudanas polticas, o que significa dizer que sua produo atuou no sentido de orientar os rumos tomados pela sociedade. Sua produo, que cultural, teve efeito social a partir do momento que interferiram no mbito poltico, ou seja, no lugar de tomada de decises coletivas. Nesse vis, analisamos a preocupao com a salvaguarda dos bens culturais, sobretudo, nos tempos modernos, a experincia transformadora da modernidade trouxe consigo ameaas da destruio daquilo que se tinha; daquilo que era e daquilo que se sabia. A sociedade passava a viver sob o impacto do novo, logo, a permanncia do passado estava sob ameaa. Assim, em nossa discusso buscamos tecer um sentido mais profundo do ato de preservar, que leve em conta como o ser humano relaciona-se com a passagem do tempo, com sua prpria educao cultural, com os ciclos da criao e da destruio, de como o conhecimento pode ser acumulado e recriado, de como a arte pode ser transcendental, enfim, uma srie de relaes que permeiam o conceito que vislumbramos para essa pesquisa. Nessa perspectiva, optamos em dar continuidade discusso sobre a categoria patrimnio cultural. Desde a criao do Servio do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional SPHAN em 1937; a noo de patrimnio cultural consagrada pelo iderio e

pela prtica institucional esteve ligada salvaguarda dos vestgios do passado. Elevado a categoria de Diretoria, em 1946, passa a chamar-se Diretoria do Patrimnio Histrico Nacional - DPHAN e, a partir de 1970, transforma-se em Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional IPHAN64, atualmente vinculado ao Ministrio da Cultura. Como

organismos oficiais, responsabilizados pela defesa e proteo do acervo patrimonial brasileiro, durante anos limitaram-se aos bens caracterizados pela expresso pedra e cal . Assim, valorizaram apenas os elementos de natureza tangvel e a preservao do
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Apud de SATRE. CHAUI, Marilena. Intelectual engajado: uma figura em extino? In: NOVAES, Adauto. (Org.). O silncio dos intelectuais. So Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 25. 64 Sobre as configuraes dessas polticas culturais no Brasil, a partir do ano 1930, atingindo os anos 1970/1990 recomendamos a leitura da obra de ASSUNO, Paulo. Patrimnio. Idem. p. 68.

passado tendo como objetivo a conservao de uma memria nacional. O Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional IPHAN foi criado em 13

de janeiro de 1937, durante o governo de Getlio Vargas. Na poca, o ministro da Educao e Sade, responsvel pelo IPHAN solicitou, em 1936, a Mrio de Andrade um anteprojeto de Lei que tivesse como objetivo principal salvaguardar os bens culturais brasileiros. Ao mesmo tempo incumbiu Rodrigo Melo Franco de Andrade de implantar o servio do patrimnio. Contando com o apoio de Manoel Bandeira, Lcio Costa, Carlos Drummond de Andrade, Afonso Arinos e Mrio de Andrade, o intelectual agiu no sentido de criar mecanismos para proteger os bens patrimoniais da nao. No Brasil, segundo os estudos de FUNARI e PELEGRINI65, o processo de elaborao de uma concepo de patrimnio cultural, ocorre em duas vertentes. A primeira est centrada na tradio secular e na valorizao dos vestgios monumentais das elites do passado, na monumentalidade dos grandes edifcios, na estaturia, nos grandes pintores e escultores, nos estilos cannicos da erudio, encontramos respaldo dessa concepo na sociedade patriarcal e aristotlica. A segunda vem tona com a promulgao da Carta Magna de 1988, que assume interesse pelos valores culturais identificados nos saberes e fazeres das diversas manifestaes do povo brasileiro. Ao longo de sua obra O patrimnio em processo FONSECA66, analisa dois aspectos da institucionalizao do patrimnio cultural, destacando os anos 1930/40 como o momento fundador do patrimnio, e os anos 1970/80 como o renovador, responsveis por discusses conflitantes no interior do IPHAN. Alm de caracterizar a concepo de modernista, liderada por Rodrigo Melo Franco, como preconizadora do iderio elitista dominante, e a concepo de Alosio Magalhes, baseada na idia de bem cultural, como ampliadora do conceito de patrimnio e da introduo de uma noo mais abrangente de memria coletiva. A atuao de Rodrigo M. Franco, no SPHAN, referenciada pelos estudiosos do patrimnio cultural como intelectual, tempos histricos . Segundo GONALVES, para aquele

o patrimnio histrico e artstico era visto como um objeto de conhecimento profissional, mas, simultaneamente, como o objeto de uma causa nacionalista, que, como tal, transcende as fronteiras profissionais.
65 66

FUNARI, Pedro Paulo; PELEGRINI, Sandra de Cssia. Patrimnio histrico e cultural. Idem. p.11. FONSECA, M Ceclia Londres. O patrimnio em processo. Rio de Janeiro: UFJR Editora, 2005.

Essa causa conhecida com base em um conhecimento racional, objetivo da histria, excluindo toda atitude romntica, simplista e sentimental em relao ao passado.67

Dessa maneira, Rodrigo M. Franco buscou a preservao de um passado e de uma tradio, que permitisse ao Brasil lembrar de si mesmo. Valorizou monumentos considerados como signos visuais de uma sociedade. Seus conceitos ancoravam-se numa concepo evolucionistas, os quais refletiram nas formas como esse intelectual lidava com o patrimnio brasileiro, sobretudo, das populaes primitivas: africanas e amerndias, percebidas como remanescentes de um passado desaparecido e ignorado quando se tratava de sua vida cultural e social. Nesse sentido, era um contraponto ao anteprojeto de Mrio de Andrade; Franco trabalhava com um conceito de patrimnio cultural bastante avanado. Porm, com Aluizio Magalhes, o IPHAN inaugura uma nova fase, consagrada entre os estudiosos da rea como moderna . O design pernambucano props uma ampliao do conceito de patrimnio associado a uma perspectiva antropolgica, esse foco levou o rgo federal a sofrer transformaes relevantes no tange as polticas pblicas de patrimnio no Brasil. Percebemos essa atuao como um marco decisivo na trajetria do Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional. FONSECA68, tambm destaca, que apesar de esses dois processos

corresponderem a perodos autoritrios no quadro poltico nacional, os intelectuais, mentores da poltica federal de preservao conseguiram criar um campo prprio com autonomia para implantao de um projeto para a cultura brasileira, buscando valorizar na formao de nossa identidade os saberes e fazeres da produo popular com os bens materiais e imateriais dentro de uma viso antropolgica de cultura, por compreenderem que era possvel e comum existir uma grande diversidade cultural localizada em um mesmo tipo de ambiente fsico. A partir da discusso realizada at o momento, pensamos que por meio do processo histrico a noo de patrimnio vem se modificando de acordo com as

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GONALVES, Jos Reginaldo Santos. A retrica da perda: os discursos do patrimnio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ/IPHAN. 1996, p. 44. O estudo traz uma leitura crtica s estruturas narrativas que concebem os patrimnios nacionais, em especial o caso brasileiro. Segundo o autor, os historiadores, utilizando-se da ideologia da perda, criam o patrimnio nacional num processo que tambm pode ser entendido como contraditrio, porque a perda tambm ocorre por meio de seus discursos. 68 FONSECA, M Ceclia Londres. Op. Cit. 2005.

necessidades de um determinado perodo. Dessa forma, o conceito de patrimnio histrico vem gradativamente sendo substitudo pela expresso patrimnio cultural. Isso se deve ao fato de que as condies e as expresses criadas pelo homem so fundamentalmente culturais. Sobre esse assunto BOSI afirma que,

cultura o conjunto de prticas, de tcnicas, de smbolos e de valores que devem ser transmitidos s novas geraes para garantir a convivncia social. Mas para haver cultura preciso antes que exista tambm uma conscincia coletiva que, a partir da vida cotidiana, elabora os planos para o futuro da comunidade. 69

Considerando o pensamento da autora, pode-se refletir que a expresso patrimnio cultural se origina da prpria concepo de que o monumento apresenta smbolos e valores que transmitem s futuras geraes as caractersticas de uma determinada sociedade. Nesse sentido, pensamos que caberia a UFRPE promover a identificao cultural das Escolas Superiores de So Bento no apenas com o passado, mas, mediante a interligao das temporalidades: presente e passado. Porque entendemos que a cultura muito mais do que aquilo que as sociedades determinam como valores a serem preservados. Logo, pensamos que o conceito de cultura vai alm da classificao geral das artes, religio, crena, instituies, prticas e valores. Alcana o significado do termo como um processo social, constitutivo que cria modos de vida especficos e diferentes. Dessa forma, no podemos dissociar o significado de cultura da produo da vida cotidiana nem das relaes estabelecidas entre os personagens histricos e a sociedade, uma vez, que percebemos esses fatores entrelaados. Nessa perspectiva, pensamos a trajetria das Escolas Superiores de So Bento como um processo de criao de sujeitos, o qual abre possibilidades de reflexo sobre o que e para que preservar. As prticas de preservao vinculam-se a motivaes, objetivos, pressupostos e projetos que, assim como o conceito de patrimnio cultural, so mutveis. Centrando a ateno nas aes oficiais, juridicamente estabelecidas, um dos objetivos elucidar e compreender essas motivaes e justificativas que permeiam as decises sobre quais elementos da cultura, material e imaterial deve ser protegidos. Sendo a preservao

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BOSI, Ecla. Idem. p. 86.

uma construo que envolve atores sociais, sob a gesto de instituies oficiais, os motivos que a ancoram, ou seja, as noes sobre valores, assim como a importncia desses, so variveis no tempo e no espao. Um sentido mais profundo do ato de preservar leva em conta como o ser humano relaciona-se com a passagem do tempo; com a sua produo cultural, com os ciclos de criao e destruio, de como o conhecimento pode ser acumulado e recriado, de como a arte pode ser transcendental, sendo assim, envolve uma srie de relaes que permeiam o conceito a que estamos nos atendo no presente estudo. Se buscarmos traar uma genealogia do conceito de patrimnio cultural, observamos a relao com outras noes e definies, que de diferentes formas na sucesso do tempo, vincularam-se sua configurao. Cada um deles com uma relevncia maior dependendo de cada poca, sendo que na atualidade, o patrimnio cultural est mais conectado aos conceitos de identidade cultural e memria coletiva. Esse ltimo com uma presena muito forte, inclusive na produo historiogrfica, a ponto de alguns historiadores considerarem os estudos sobre memria como um campo especfico da disciplina. Para HENRY,

a memria incontestavelmente da atualidade, por assim dizer: o tempo se repete hoje como um leitmotiv nas campanhas publicitrias dos editores no exterior, e so incontveis as obras que a empregam no ttulo ou subttulo, mesmo quando so de histria, no sentido mais clssico do termo. Sem dvida, no esprito de muito dos nossos contemporneos, a referncia memria deve oferecer uma mais-valia moral que a histria, to em voga h apenas alguns anos, parece ter dificuldade de assumir. Mas esse modismo, e mesmo esses desvios, sem dvida, passageiros, no devem ocultar o fato de que j se faz uma dcada que a histria da memria constitui um campo especfico, quase uma nova maneira de fazer histria, feio dos Lieux de mmoire , concebidos e editados por Pierre Nora no incio dos anos oitenta e concludos em 1993.70

Sendo assim, a noo de patrimnio cultural relacionou-se, desde as suas origens, com diferentes formas de memria coletiva at constituir-se como um conceito e
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HENRY, Rousso. A memria no mais o que era. In: AMADO, Janana & FERREIRA, Marieta de Moraes (Org.). Usos e abusos da histria oral. Rio de Janeiro: FGV. 1996, p. 94. Tambm explanado por BURKE, Peter. O que histria cultural? Rio de Janeiro: Ed. Zahar. 2005, p. 87-90. HENRY historiador e iniciou suas pesquisas com estudos sobre a Segunda Guerra Mundial. Em seguida buscou uma histria de memria da guerra quando dedicou grande parte do seu tempo aos estudos da memria coletiva.

referencial jurdico no sculo XX. Atualmente uma das associaes mais marcantes e que vem sendo trabalhada historiograficamente, a juno dos conceitos de patrimnio cultural e memria. A preservao de um bem um tipo de mediao entre o presente e o passado sendo cada vez mais vinculada ao conceito de memria coletiva. HALBWACHS71 ao trabalhar tal conceito, nas primeiras dcadas do sculo XX, procurou demonstrar que as lembranas humanas so estritamente individuais. Elas so o resultado da histria vivida onde o que o indivduo lembra est imbricado ao grupo a que este pertenceu e determinado pelo tempo histrico em que viveu suas experincias. Nessa perspectiva, medida que cada fonte recompe a memria do objeto, percebemos que as histrias de vida de alunos, funcionrios e professores acabem se cruzando de diversas maneiras. Dialogando com MALUF72 deduzimos que a memria um fenmeno construdo social e individualmente, bem como, as prosopografias compartilham experincias, guardam pontos de contato da mesma memria. Os personagens da nossa pesquisa transitaram por lugares73 comuns, as Escolas Superiores de So Bento, bem como, os espaos ao seu entorno, esses constituram lugares onde suas lembranas revelam-nos um sentido de pertencimento, do lugar social do qual o sujeito discursava. As polticas culturais, quando excluem personagens do campo de discusses e decises, quando autorizam apenas uma nica verso do passado e quando apontam para um nico projeto vivel de futuro, afastam os grupos sociais dos meios, das ferramentas que viabilizam a sua apario como sujeitos atuantes portadores de memrias. Nesse sentido, passa a contempla-se a histria do morto, do consagrado, do oficial, fabricando uma histria de eventos que ignora ou oculta os adventos, no qual, o vivo e o novo retomam o passado em um presente que transforma mudando-lhe o sentido. Acreditamos que essa foi principal razo pela qual introduzimos nessa pesquisa uma breve discusso sobre o conceito de cultura. Sentimos a necessidade de precis-lo, porque nos reportamos a ele com freqncia de forma quase sempre limitada considerando os valores transmitidos nas Faculdades de So Bento. Compreendemos
71 72

HALBWACHS, M. Idem. 1990. MALUF, Marina. Rudos da memria. So Paulo: Editora Siciliano. 1995, p. 40. 73 Conferir as interpretaes de LEITE, Rogrio Proena. Contra-usos da cidade: lugares e espao pblico na experincia contempornea. Campinas, SP: Editora da Unicamp; Aracaju, SE: Editora UFS, 2004, p. 35. De acordo com o autor, podemos entender lugares como demarcaes fsicas e simblicas, cujos usos os qualificam e lhes atribuem sentidos de pertencimento, orientado aes sociais e sendo, por essas, delimitados reflexivamente.

que cultura humanizao, tanto se refere ao processo que nos faz humanos, quanto ao fato de que os bens culturais tambm se humanizam. Atravs do processo de transformao do mundo e simultaneamente do homem percebemos a presena de dois elementos indispensveis: o agente da transformao e o objeto a ser transformado, ou seja, o homem e o meio. A ao de ambos transformadora, o resultado imediato para o meio o produto cultural, em bem, em valor, e, para o homem a modificao de sua prpria condio humana. Fundamentados na discusso, entendemos que cultura se define como algo muito mais abrangente do que o resultado da ao intelectual do homem, a cultura enquanto processo ou produto tem uma exigncia de continuidade que definimos como o prprio modo de ser humano. Distingue-se por seu duplo aspecto de processo e de produto, o primeiro definindo a ao contnua e recproca do homem e do meio, o segundo, o resultado dessa ao, definindo o contedo dos bens culturais conquistados, os quais por sua vez, condicionam novos desafios capacidade perceptiva, sensibilidade, inteligncia e para a imaginao humana. Acreditamos que a sobrevivncia do homem est ligada a continuidade do processo, pois esse garante a preservao de sua condio humana, como tambm a preservao dos bens culturais, que exigem, sob a pena de se perderem, que sejam salvaguardados.74 Tal discusso nos faz compreender, que a continuidade do processo, assim como, a preservao da produo humana esto interligados e fornecem a motivao bsica para a comunicao interpessoal, seja no sentido horizontal relativo aos membros de uma gerao, seja no sentido vertical, referente transmisso das conquistas de uma gerao para outra. Logo, a cultura s sobrevive no meio social. Pensamos que uma das ferramentas das quais ela se utiliza para sobreviver a memria coletiva. Sendo assim, o patrimnio uma construo cultural, por isso, MARIA LETCIA MAZZUCCHI ressalta que o patrimnio muito mais reinventado do que herdado
75

Entender a forma como se evolui uma cultura, ferramenta para se compreender o processo educativo vivenciado nas Escolas Superiores de So Bento. Os choques inevitveis entre a tradio e as novas exigncias educacionais da sociedade foram
74

Sobre a categoria cultura, baseamos nossa anlise na linha terica de BHABHA, Homi K. O local da cultura. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 1998. 75 MAZZUCCHI, Maria Letcia. Patrimnio: discutindo alguns conceitos. Revista Com Cincia, 1993, p. 79-88. Disponvel em www.scielo.br/epsic.

caractersticas das vrias fazes pelas quais passaram as referidas Instituies. Nessa perspectiva, a construo da concepo de patrimnio cultural desses centros do saber agrrio tem adquirido um sentido de processo histrico e de memria coletiva especfico. De acordo com rgos que tratam da preservao fundamentamos a discusso, uma vez, que percebemos uma referncia direta ou indireta ao passado como algo que permanentemente construdo a partir do presente. Nessa perspectiva, a importncia patrimonial do objeto reflete-se, principalmente, no interesse despertado na comunidade universitria da UFRPE, pelo desvendamento do passado atravs da representao de sua memria coletiva, da qual o patrimnio uma vertente, onde o ser social se revela atuante, no apenas como simples admirador, mas como partcipe num dos campos de disputa dessa trajetria. Logo, s podemos compreender a expanso do ensino agrcola, a partir das Escolas Superiores de So Bento, bem como, o rumo que este tomou, por meio da realidade criada pela herana cultural, pela evoluo econmica e pela reestruturao do poder poltico na regio, por entendermos, que cada fase dessa histria reflete a interligao desses setores. Dessa maneira, privilegiamos o conceito de memria coletiva como um dos caminhos a percorrer, o qual, entendemos, possibilitar a compreenso/percepo do cultural atuando sobre os valores procurados nas Escolas Superiores de So Bento, por uma demanda da sociedade, bem como, o poder poltico, refletindo o jogo antagnico de foras conservadoras e modernizadoras com o predomnio da primeira, acabaram, no apenas orientando, mas, controlando o ensino agropecurio na regio.

1.2

Discusso acerca da memria: individual, coletiva e histrica

O trabalho da memria permeado pelo elo entre o seu presente, carregado de novas experincias; e o que permaneceu do seu passado em forma de dor, de alegria, de nostalgia. A rememorao uma tentativa de organizar um tempo sentido, e vivido do passado; reencontrado atravs de uma vontade de lembrar.76

Nesse momento, teceremos algumas reflexes sobre o conceito de memria, a partir de alguns referenciais tericos que analisam a produo cultural e a importncia
76

MALUF, Marina. Op. Cit. 1995, p.29.

de sua preservao no processo histrico, cuja caracterstica principal a multiplicidade de sentidos e definies que a ela podem ser atribudos. Nessa perspectiva, buscamos relacionar o nosso objeto de pesquisa com tais conceitos, com os quais, pensamos tecer, com fios de memria, uma nova histria sobre a intelectualidade agropecuria da regio. Na atualidade, o conceito de memria coletiva ganhou importantes aportes, em diversas reas do conhecimento. Entre os quais, as Cincias Sociais tm essa categoria como um dos seus campos de investigao. Os estudos envolvem necessariamente as maneiras de reteno, esquecimento e seleo. Porm, o estudo da memria uma construo elaborada no presente a partir de vivncias/experincias ocorridas no passado. O crescente interesse que a memria vem suscitando hoje entre historiadores, jornalistas, antroplogos, socilogos, entre outros, decorre, sobretudo, da inspirao historiogrfica francesa, especialmente da histria das mentalidades. Em trabalhos mais recentes a relao entre Histria e memria levou pesquisadores a refletir sobre o conceito dessa categoria, uma vez que o termo passou a ser bastante difundido e valorizado, mas, em contrapartida tornou-se alvo de fragilidade terica . Em uma palavra, muito se fala e se pratica a memria histrica (...), mas pouqussimo se reflete sobre ela JACY A. DE SEIXAS77. Nesse esforo de interpretar tal conceito tornaram-se fundamental o retorno as idias de HALBWACHS,78 o qual, elaborou uma espcie de sociologia da memria coletiva. Para o autor, h uma diferenciao entre histria e memria coletiva. Ele argumenta que geralmente a histria comea somente no ponto onde acaba a tradio, momento em que se apaga ou se decompe a memria social
79

. Enquanto a histria

preocupa-se em interpretaes mais abrangentes e temporalmente distanciadas, a memria coletiva restrita a indivduos que partilham experincias semelhantes no tempo e no espao. A histria trabalha com mudanas e evolues sociais, evidenciando as rupturas; a memria coletiva detm-se sobre aquilo que permanente e similar no seu grupo, o
77

SEIXAS, Jacy Alves de. Percursos de memrias em terras de histria: problemticas atuais. In: BRESCIANI, Stella; NAXARA, Mrcia. Memria e (res)sentimento: indagaes sobre uma questo sensvel. Unicamp, 2004, p. 40-41. 78 Apud. Trabalhos como Les lieux de memoire do historiador NORA, Pierre. Memria, esquecimento, silncio e memria. 1984; e Identidade e memria social do historiador POLLAK, Michael, publicados respectivamente, em 1989 e 1992, encontram-se em constante dilogo com a obra desse pensador. 79 HALBWACHS, M. 1990. Op. Cit. p. 80.

que lhe confere uma identidade no decorrer do tempo. O essencial que os traos pelos quais ele (o grupo) se diferencia dos demais subsistam e que estejam assimilados por todo o seu contedo , HALBWACHS80. A questo central na sua obra consiste na afirmao de que a memria individual existe sempre a partir de uma memria coletiva, posto que, todas as lembranas so constitudas no interior de um grupo. A origem de vrias idias, reflexes, sentimentos, paixes que atribumos a ns so, na verdade inspiradas pelo grupo, para o estudioso haveria ento, na base de toda lembrana, o chamado de um estado de conscincia puramente individual, que para distingui-lo das percepes onde entram elementos do pensamento social, admitiremos que se chame intuio sensvel .81 Tal sentimento de persuaso o que garante, de certa forma, a coeso no grupo, essa unidade coletiva, concebida pelo pensador como espao de conflitos e influncias entre uns e outros, refora a reflexo, uma vez que, a memria individual, construda a partir de referncias e lembranas prprias do grupo, refere-se, portanto, a um ponto de vista sobre a memria coletiva . Para alm da formao da memria, o autor aponta que as lembranas podem ser reconstrudas ou simuladas; podemos criar representaes do passado assentadas na percepo de outras pessoas, no qual imaginamos ter acontecido pela internalizao de representaes de uma memria histrica. Sendo assim, a memria individual no est isolada, frequentemente toma como referncia pontos externos ao sujeito, para isso, o suporte em que essa se apia encontra-se relacionado s percepes produzidas pela memria coletiva e histrica. Tambm, nesse processo HALBWACHS assinala que, os quadros coletivos da

memria no se renem em datas, nomes e frmulas, eles representam correntes de pensamento e de experincia onde reencontramos nosso passado .82 Nessa perspectiva, pensamos que a memria coletiva das Escolas Superiores de So Bento apia-se sobre um passado vivido, o qual permite a reconstituio deste, sobretudo, forma viva e natural. Entendemos que a memria coletiva pautada na continuidade percebida como caracterstica marcante, por outro lado, fundamenta-se na sntese dos grandes acontecimentos da histria de uma sociedade. Dessa forma, procuramos entender a diferenciao interpretada por HALBWACHS entre histria e memria.
80 81

Idem, p. 89. Idem, p. 41. 82 Idem, p. 71.

Nessa perspectiva, para realizao desse trabalho dissertativo, tanto a memria individual como a coletiva se alimentam, tm pontos comuns com a memria histrica e, tal como ela, so socialmente negociadas, guardam informaes relevantes sobre os personagens sociais da nossa saga; tem por funo primordial, garantir a coeso do grupo, sobretudo, o sentimento de pertencimento entre seus membros. Dessa forma, memria individual; coletiva; e histrica se interpelam e vivem num permanente embate pela co-existncia do status de se constiturem como memria histrica. Esse processo est levando pesquisadores a no se limitarem a uma compilao de livros anteriores, mas intensificar as pesquisas nas fontes, fazendo descobertas notveis, levando-os a refletirem sobre os mais variados princpios filosficos e metodolgicos. Tais perspectivas nos permitem perceber que a palavra memria, em sua essncia, rene uma srie de contradies e complexidade quanto a sua definio, apesar disso, ganha cada vez mais espao no cotidiano. Assim, como nos indica LE GOFF, cabe, com efeito, aos profissionais cientficos da memria, antroplogos, historiadores, jornalistas, socilogos, fazer da luta pela democratizao da memria social um dos imperativos prioritrios da sua objetividade cientfica83. Conceito complexo e interdisciplinar, a memria coletiva tem sido abordada, como j dissemos, sob vrios pontos de vista do conhecimento. No entanto, essas aproximaes no so pacficas, especialmente em relao Histria. Dessa maneira, diramos ento, que o embate existente entre os diferentes conceitos sobre os campos dos saberes e seus agentes portadores, ao permitir o desafio e o confronto, incita a produo intelectual. Sobre essa reflexo, BOSI defende que o movimento acadmico de recuperao dessa rea nas cincias humanas pode estar vinculado necessidade de enraizamento, pois do vnculo com o passado que se extra a fora para a formao de identidade
85 84

PINHEIRO , ao refletir sobre os processos de memria e esquecimento, entendidos como duas instncias profundamente interligadas e pensando-os

historicamente, destaca que houve uma mudana de percepo temporal a partir da dcada de 1980, quando o Ocidente passou a atribuir maior valor ao passado, expressado pelo desejo de recordao total . Nesse sentido, a interpretao do autor refora nossa discusso, bem como, os caminhos trilhados para evocar as prticas
83

LE GOFF, Jacques. Op.Cit. 1996, p. 477. BOSI, Ecla. O tempo vivo da memria: ensaios de psicologia social. So Paulo: Ateli, 2003, p. 16. 85 PINHEIRO, M. J. Museu, memria e esquecimento: um projeto de modernidade. Rio de Janeiro: EPAPERS, 2004.
84

escolares do objeto em estudo. Entre os motivos que justificam esse processo, o autor destaca cinco possveis respostas que, segundo ele, fundamentam tal interesse. A primeira seria uma tentativa de recuperar as possibilidades no realizadas como propiciadoras de um futuro mais atraente; em segundo, a volta de passados no resolvidos, sem luto, ligados a processos polticos dolorosos; a terceira seria a tentativa de reinterpretar o passado, representado uma desfigurao da memria; a quarta seria motivada pela conscientizao do homem de seu atual poder de interferir na mortalidade da natureza, o que, segundo o autor o levou a uma maior necessidade de armazenamento da memria como forma de se perpetuar. Por fim, citar crises na estrutura das temporalidades, gerada pela velocidade cada vez maior das sociedades contemporneas. De acordo com as orientaes do autor pensamos que, quando rememoramos a trajetria das Faculdades de So Bento estamos trazendo o passado para o presente e criando um sentido de simultaneidade temporal e espacial, com um permanente sentimento de defasagem, dando a sensao de um presente cada vez mais efmero, resultando em uma busca ansiosa por reter e preservar o passado. Dessa forma, devemos relacionar as fontes de maneira criteriosa, principalmente, quanto percebemos que LE GOFF, v a memria como poder, como apropriao do tempo, para esse autor,
tornarem-se senhores da memria e do esquecimento uma das grandes preocupaes das classes, dos grupos e dos indivduos que dominaram e dominam as sociedades histricas. Os esquecimentos e os silncios da histria so reveladores desses mecanismos de manipulao da memria coletiva.86

Nessa perspectiva, decidir sobre o que deve ser lembrado e/ou esquecido integra os mecanismos de controle de um grupo sobre o outro, desse embate resultaram, entre outras, as escolhas sobre processos vivenciados nas Escolas Superiores de So Bento, o que deveria ser evocado, quais histrias foram consideradas importantes, para constar na historiografia de poca, em livros de cronistas e memorialistas, ou mesmo serem registradas em documentos oficiais. Dessa maneira, pensamos que a memria coletiva, depende da existncia dos grupos que lhes do substrato, o que significaria o tempo de uma gerao que

86

LE GOFF, Jacques. Op. Cit. 1996, p. 426.

compartilha um espao comum, embora as sociedades que guardam as lembranas desapaream, difcil precisar em que ponto uma memria coletiva se perde porque basta que se conserve uma parte limitada do corpo social, para que possamos encontr-la sempre ali .87 HALBWACHS. Podemos inferir ento que salvaguardamos elementos materiais do passado para proporcionar o afloramento e as (re)elaboraes ou construes das memrias coletivas, que atravs dessa preservao podemos preservar a sociedade do esquecimento, pois assim como o indivduo que no lembra, o grupo que perde sua memria fica a deriva, sem condies de refletir sobre si mesmo identidade, e sobre o outro alteridade.

Nesse sentido, podemos afirmar que a preservao do bem cultural uma forma de evitar a amnsia social, o que suscita indagaes sobre o que se quer lembrar; e o que permitido lembrar, pois assim como se produzem lembranas, tambm se produzem esquecimentos. Entendemos, por fim, que a oposio entre histria e memria argumentada pelo autor, chegando ele a considerar imprpria a expresso memria histrica , indica que o socilogo referia-se histria positivista dominante na Frana do sculo XIX e as primeiras dcadas do XX. Porm, contemporaneamente produo de seus estudos sobre a memria
88

coletiva,

disciplina

passa

pela

revoluo

francesa

da

historiografia .

A qual, contribui de maneira relevante para realizao de nossas

perspectivas acadmicas. Assim, tecer as histrias das Escolas Superiores de So Bento, a partir de fios de memria, nos permite reproduzir lembranas das relaes de sociabilidades entre os sujeitos e os espaos escolares, a prtica pedaggica vivenciada e o internato. Em consonncia com essa reflexo, as experincias registradas nas biografias coletivas pelos personagens envolvidos na construo histrica desse evento foram de significativa importncia para a compreenso do funcionamento desses centros do saber agrrio. Segundo os ensinamentos de NORA, aprendemos que os lugares de memrias cumprem a funo de guardar marcas e traos do tempo vivido, bloquear os esquecimentos, transportar o passado para o presente que o remodela e lhe d novos significados que so mutveis. Memria que nos pressiona e que j no mais nossa,

87 88

HALBWACHS, M. Op. Cit. 1990, p. 84. Maurice Halbwachs fez parte do primeiro comit editorial da Revista dos Annales.

entre a dessacralizao rpida e a sacralizao provisoriamente reduzida .89 Logo, a memria seria responsvel pela conservao das experincias levando-nos a

reproduzir o j vivido, atravs dessa reserva crescente a cada instante que dispe da totalidade da nossa experincia. Assim sendo, acreditamos que a ponte entre o presente e o passado feita pela memria, nessa tica, a partir dos conceitos Bergsonianos, CHAU, traz a memria, pela responsabilidade da qual,

somos capazes de lembrar e recordar. As lembranas podem ser trazidas ao presente tanto espontaneamente como por um trabalho deliberado de nossa conscincia. Lembramos espontaneamente quando, por exemplo, diante de uma situao presente nos vem lembrana alguma situao passada. Recordamos quando fazemos esforos para recordar.90

Corroborando com o pensamento da autora, LE GOFF nos lembra o que sobrevive enquanto memria coletiva de tempos passados no o conjunto de monumentos e documentos que existiram, mas o efeito de uma escolha realizada pelos historiadores e pelas foras que atuaram em cada poca histrica.91 Partindo dessa compreenso, preciso mencionar a dimenso social das Escolas Superiores de So Bento, isto , a memria objetiva gravada nos monumentos, documentos e retratos da histria. Porque isso confere notoriedade para transformar o monumento, uma expresso da memria coletiva em patrimnio. De acordo com ASSUNO, a preservao de um patrimnio permite que o coletivo usufrua do legado recebido do passado, ao mesmo tempo em que possibilita que ele seja transmitido s geraes futuras, assim,

o patrimnio cultural, enquanto soma dos bens culturais, constituem uma referncia fundamental para a identidade de um povo; e a comunidade deve reconhecer e valorizar as tradies, os costumes, as experincias e o saber fazer dos seus antecessores, os quais fazem parte do seu legado histrico. Desta maneira, defender e estimular, a sua preservao nada mais do que buscar garantir a sua prpria continuidade. 92
89

NORA, P. Entre memria e histria: a problemtica dos lugares. Projeto Histria. So Paulo: N 10, dez./1993, p.13. 90 CHAU, Marilena. Convite filosofia. 13 edio. So Paulo: Ed. tica, 2005, p. 142. 91 LE GOFF, Jacques. Idem. p. 426. 92 ASSUNO, P. de. Op. Cit. 2003, p. 35-36.

Nos ltimos anos o reconhecimento e a valorizao do legado deixado pelos grupos que nos antecederam, permitem um olhar de forma mais cuidadosa para o patrimnio cultural que possumos, sendo este, tombado ou no. Contudo, importante que a comunidade universitria da UFRPE, esteja mais atenta para as discusses referentes ao patrimnio e procure compreend-lo como a expresso de uma cultura, de um povo, da humanidade. Percebemos a criao das Escolas Superiores de So Bento como um marco na histria regional, haja vista, que tal evento representa o princpio da implantao da Educao Agropecuria no Estado/Pas. Dialogando com FONSECA93, pensamos que o nosso objeto representa um bem pblico por estar vinculado a fatos memorveis da histria pernambucana, entretanto, sabemos que no suficiente a existncia do bem para sua relevncia, necessrio que o grupo social, ao qual estar inserido, atribua-lhe valores, dos quais, estticos; arquitetnicos ou histricos. Dessa forma, descobrir atravs desta

compreenso, o significado da experincia vivenciada por alunos, professores e servidores das Escolas Superiores de So Bento, legada de gerao para gerao. Nessa perspectiva, os estudos de LEMOS, corroboram com esta reflexo terica,

devemos, ento, de qualquer maneira, garantir a compreenso de nossa memria social preservando o que for significativo dentro do nosso vasto repertrio de elementos componentes do patrimnio cultural. preciso considerarmos que preservar tambm , gravar depoimentos, manter vivos, mesmos que alterados, usos e costumes. fazer levantamentos, de qualquer natureza, de stios variados, de cidades, de bairros, de quarteires significativos dentro do contexto urbano. fazer levantamento de construes, especialmente aquelas condenadas ao esquecimento.94

Nesse sentido, compreendemos a necessidade de aes comprometidas em salvaguardar as lembranas, fragmentos de memrias, encontrados nos desvo dos arquivos que referem as Escolas Superiores de So Bento. Mas, a implementao, de polticas patrimoniais deve partir dos anseios da comunidade e ser norteada pela delimitao democrtica dos bens reconhecidos como merecedores de preservao. Lembramos que ao longo do tempo, as Instituies em anlise perpassaram valores que

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FONSECA, M Ceclia Londres. O patrimnio em processo: trajetria da poltica federal de preservao no Brasil. Rio de Janeiro: Editora UFRJ/MinC - IPHAN, 2005, p. 179. 94 LEMOS, Carlos A. C. Idem, p. 29.

aglutinaram servidores, alunos e professores no mesmo espao escolar, unindo interesses em corresponder e fortalecer a imagem que constitui a Universidade Federal Rural de Pernambuco. Chamamos ateno para a importncia de iniciativas preocupadas com a proteo e promoo do patrimnio cultural, exercidas como um processo contnuo de envolvimento da comunidade universitria da UFRPE. Esses grupos sociais devem contribuir para socializar a questo do patrimnio no universo das questes de interesse para a sociedade, num dilogo transparente com o poder pblico, caracterizando a funo social do bem a ser preservado, quer na busca do pensamento andradiano arraigado ao ideal de coletivizao da cultura e na concepo ampla e dessacralizada de patrimnio viso que foi passada a Paulo Duarte: Defender o nosso patrimnio ou, ainda, como histrico e artstico alfabetizao .95 Quer seja no meio acadmico

educao informal, caracterizada pela instrumentalizao prioritria de alfabetizao cultural. Essa expresso remete aos ensinamentos preconizados por Paulo Freire, segundo o autor atuando no mundo que nos fazemos. Por isso mesmo na insero no mundo e no na adaptao a ele que nos tornamos seres histricos e ticos, capazes de optar, de decidir, de romper96. Capazes de fazer a leitura do mundo que nos rodeia levando-nos compreenso do universo scio-cultural e da trajetria-temporal em que estamos inseridos. Nessa perspectiva, pretendemos levar nossos leitores a repensarem suas prticas em relao a salvaguarda da memria coletiva dos eventos/monumentos que marcaram a histria regional, sobretudo, as Escolas Superiores de So Bento. ASSUNO, tecendo discusses sobre a salvaguarda de bens patrimoniais, afirma que,

uma das metas da educao contempornea e dos rgos ligados preservao do patrimnio a educao patrimonial. Acredita-se que, por meio da educao possvel sensibilizar sobre a importncia dos bens culturais para a humanidade, despertando o interesse para a necessidade do respeito aos monumentos pblicos, sua preservao e valorizao, bem como, a salvaguarda da memria das comunidades, considerando o seu contexto sociocultural.97
95

Segundo esse idelogo do patrimnio, a atuao dos poderes constitudos na rea da cultura deveria ter como finalidade principal a coletivizao do saber, o que justifica sua preocupao e envolvimento com o carter educacional contidos em seu anteprojeto para o SPHAN, em 1937, sancionado pela Lei n. 378, de 13 de maio de 1937. 96 FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignao: cartas pedaggicas e outros escritos. So Paulo: UNESP, 2000, p. 90. 97 ASSUNO, P. Idem. p.50.

De acordo com o autor, acreditamos na possibilidade da comunidade universitria da UFRPE criar um sentimento de engajamento, visando preservao de seus bens culturais, ou seja, a salvaguarda da sua memria coletiva que importante para a manuteno dos seus valores; bem como, a transmisso e continuidade de sua histria para as geraes futuras. Como j abordamos, desde as dcadas de 1920 e 1930, os intelectuais, integrantes da elite hegemnica brasileira, tiveram a convico de que o Estado deveria desenvolver aes polticas de conservao e valorizao do patrimnio histrico, atravs de um projeto que contemplasse questes relativas identidade e memria coletiva.
98

Para FONSECA.

sem dvida, no seu anteprojeto Mrio de Andrade desenvolveu uma concepo de patrimnio extremamente avanada para seu tempo, que em alguns pontos antecipa, inclusive, os conceitos da Carta de Veneza, 1964. Ao reunir num mesmo conceito arte manifestaes eruditas e populares, o intelectual afirma o carter ao mesmo tempo particular/nacional e universal da arte autntica, ou seja, a que merece proteo.99

Nesse

vis,

cultura

da

memria

100

tornou-se

um

fenmeno

da

contemporaneidade em que, paradoxalmente, vivemos num regime de historicidade do

98

Mrio de Andrade, no anteprojeto de criao do Servio de proteo do Patrimnio Artstico Nacional ANEXO A -, quis abranger a salvaguarda do conjunto de bens culturais que considerava necessrios para construir um perfil do Brasil. No restringiu bens culturais apenas a bens mveis e imveis, propondo a criao de muitas artes aplicadas s tcnicas industriais, por exemplo: do caf, do algodo, do acar, etc.; ou seja, dos modos de fazer brasileiro. Somente em 1970 essa conceituao seria retomada e estendida aos saberes e fazeres cotidianos do povo, e apenas a constituio de 1988, abarcou os bens de natureza imaterial, portadores de referncia identidade, ao e memria dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, como o caso das formas de expresso e dos modos de criar, fazer e viver, conforme reza o Art. 216. 99 FONSECA, Maria Ceclia Londres. Op. Cit. 2005, p.99. 100 Conferir. HUSSEYN, Andreas. Seduzidos pela memria: arquitetura, monumento e mdia. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2002. Filsofo, crtico da cultura de ps-Frankfurt que escreveu textos referenciais sobre o ps-modernismo, refere-se a crescente tendncia de buscar vestgios do passado como uma cultura de memria. Esta seria marcada por um deslocamento na experincia e na sensibilidade do tempo, a qual ela chama de decodificao do passado. Os novos tipos de discurso de memria que caracterizam tal cultura comearam a surgir os anos sessenta do sculo XX, o qual o autor vincula descolonizao e a novos movimentos sociais que passaram a buscar nas identidades tnicas, outras tradies at ento suprimidas, novas leituras histricas. Nessa busca vrios fins foram decretados: o fim da histria, a morte do sujeito, o fim da obra de arte, o fim das metanarrativas. Todos esses fins so marcas do psmodernismo. Isso tudo localizado no Ocidente principalmente em pases da Europa e EUA, espaos onde

presentismo, mas, buscamos obsessivamente resqucios do passado. Nesse boom, sobre o tema da relao memria x histria pensamos na tarefa do historiador, de analisar as premissas dos discursos que constituem as memrias coletivas. Logo, ao buscarmos analisar a atribuio de valores que justificam a conservao de traos da cultura material e imaterial estamos procurando perscrutar as motivaes, os objetivos e os pressupostos utilizados para construir uma memria coletiva das Escolas Superiores de So Bento. As evidncias da interferncia estatal na cultura encontram-se nos inmeros decretos de criao de organismos responsveis pela execuo de diversas atribuies especficas da gesto cultural, indo desde a criao do SPHAN, atravs do Decreto Lei n. 25 de 30 de novembro de 1937101, que organizou a proteo do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional, o qual, tambm, instituiu o tombamento, regulamentado em 1986. Enfatizamos que esse o mais importante documento legal referente preservao dos bens culturais ainda hoje em vigor. Assim, considerada a legislao mais avanada sobre a matria na Amrica Latina, e mesmo uma das mais significativas entre as demais do mundo no perodo entre - guerras. De acordo com FUNARI e PELEGRINI,

o nacionalismo, associado ao imperialismo, seria superado com o fim da Segunda Guerra Mundial e a criao da ONU, a Organizao das Naes Unidas, e da UNESCO, a Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura, ambas em 1945. Embora desde 1937, sob a gide da antiga Sociedade das Naes, a Conferncia de Atenas tenha defendido a salvaguarda do patrimnio cultural da humanidade, apenas no novo contexto ps-guerra se desenvolveram abordagens mais abrangentes e menos restritivas de cultura.102

desde a dcada de 1970 observa-se a crescente restaurao de velhos centros urbanos, cidades-museu e paisagens inteiras, investimentos patrimoniais, a onda da nova arquitetura de museus, a explorao da moda retr e utenslios repr, a nostalgia comercializada em massa, a crescimento dos romances autobiogrficos e histricos. Enfim, a comercializao da memria pela indstria cultural. Fenmeno tambm analisado por CHOAY, Franoise. A alegoria do patrimnio. So Paulo. Estao Liberdade: Ed. UNESP, 2001. 101 Este instrumento legal ANEXO B apia vrias medidas e propostas complementares: Lei 3.924, de 26/01/1961, 4.845, de 19/11/1965 e 5.471, de 09/071968, respectivamente, de defesa dos monumentos arqueolgicos e pr-histricos e de controle de sada de obras de arte e dos documentos bibliogrficos para o exterior; complementao de Cartas Patrimoniais internacionais, de proteo de stios e monumentos histricos e artsticos. A Lei ROUANET (n. 8.313, de 23/12/1991) oferece estmulo por meio de incentivos fiscais e financiamentos em benefcios de bens tombados, criando-se o PRONAC Programa de Apoio Cultura, do MinC, atravs da Portaria n. 10 do Secretrio do Patrimnio Histrico, Artstico e Nacional, do MinC e regulamentado em 10/09/1986, atendendo aos Arts. 17 e 18 do Decreto-Lei n. 25/1937. 102 FUNARI, P. P. PELEGRINI, S. C. A. Op. Cit. p. 21.

No debate contemporneo, o sentido de patrimnio103 se dilata, indo alm do bem que se herda e do bem constitutivo da conscincia de um grupo. campo de disputas e de negociaes, articulando-se estreitamente memria e as identidades sociais. Passamos hoje de um patrimnio de tipo nacional a um patrimnio de tipo simblico e identitrio, de um patrimnio herdado a um patrimnio reivindicado, de um patrimnio visvel a um patrimnio invisvel, de um patrimnio ligado ao Estado a um patrimnio social, tnico ou comunitrio. A idia de preservao de um bem cultural se articula, pois, estreitamente, ao seu conhecimento e ao seu uso social, cincia e a conscincia do patrimnio, porm, o conceito de patrimnio cultural tende a ampliar-se na medida em que h participao da sociedade no processo de escolha, bem como a seleo do que consideraro bens comuns, alargando e mantendo os critrios de preservao, num dilogo constante de gestores desse patrimnio com a comunidade em defesa dos bens formadores da nossa identidade cultural e da nossa memria histrica. A preocupao com a memria coletiva, a partir dos anos 1970/1980, tem se manifestado com frequncia por meio de reivindicaes de movimentos sociais populares representativos dos mais diversos grupos sociais, que reclamam direitos de cidadania e o direito memria associada a bens culturais, constitutivos de acervo patrimonial. Entretanto, tais questes somente foram inseridas na historiografia brasileira muito recentemente, inclusive na produo acadmica dos cursos de ps-graduao em Histria, deixando-os ausentes, durante algum tempo, do processo de educao patrimonial. Assim, pensamos que o processo histrico das Escolas Superiores de So Bento socializado por meio da comunidade universitria da UFRPE deveria ser o ponto de partida da discusso sobre a valorizao do patrimnio cultural herdado dos grupos sociais que teceram os primeiros pargrafos dessa trajetria. Sabendo que so nos espaos construdos, a partir da relao entre memria e patrimnio que ocorrem as prticas de preservao: aes de colecionamento (museus e colees), restaurao (bens mveis e imveis), ou registros de bens (intangveis ou imateriais). Essas aes expressam a emergncia da retomada da memria pelos indivduos e grupos sociais.

103

Os principais temas patrimoniais e uma extensa bibliografia sobre o Brasil podem ser encontrados no artigo de FUNARI, Pedro Paulo. Publicado em Portugal, Os desafios da destruio e conservao do patrimnio cultural no Brasil , integrante do peridico Trabalhos de antropologia e etnologia , n 41. Porto, 2001, p. 23-32.

O patrimnio identifica-se, assim, como uma vertente da memria, entendida por LE GOFF, como um elemento essencial, do que se costuma chamar identidade individual e coletiva cuja busca uma das atividades fundamentais dos indivduos e das sociedades de hoje, na febre e na angstia HALBWACHS, para quem,
104

Lembramos,

nesse

momento,

a memria coletiva se distingue da histria sob pelo menos dois aspectos. Ela uma corrente de pensamento contnuo, de uma continuidade que nada tem de artificial, pois no retm o passado seno o que ainda est vivo ou capaz de viver na conscincia do grupo que a mantm. 105

Segundo as abordagens do autor, a memria pode ser coletiva quando so construdas por um grupo social, bem como por ele evocada. Logo, sem o uso da memria coletiva o patrimnio cultural se dispersa e compe um tecido esgarado. SANTOS esclarecem o entendimento acerca da urgncia de compreenso dessa categoria, definida pelo autor como processo de construo,
106

assim, os estudos

sobre a memria coletiva tornam-se no s interdisciplinar, como resolve, em grande parte, as antinomias tericas anteriores, pois esta passou a ser compreendida como sendo parte constituinte ou das prticas reflexivas ou das construes sociais analisadas. Para reforar a discusso buscamos as interpretaes de POLLACK, que definiu o sentido de um lugar de memrias sugerido por Pierre Nora, no qual o primeiro acrescenta como lugares ligados lembrana e que podem apoiar-se em um tempo cronolgico, destacando ainda o sentimento de pertencimento na construo das memrias.
107

Nesse sentido, pelo estudo da memria coletiva, a ossatura da UFRPE

coberta e recoberta por canais que se alimentam das vivncias do passado e incorporam o presente. Compreendemos que as imagens refletidas das Escolas Superiores So Bento, por vezes, deixam de ser fragmentos, para fazer parte, do ethos local, no desenrolar das relaes sociais e das prticas cotidianas. Seguindo o raciocnio, as Escolas se desfragmentam no espao temporal, para
104 105

LE GOFF, Jacques. Op. cit. 1996, p. 476. HALBWACHS, Maurice. Ibid. p.13. 106 SANTOS, Myriam Seplveda. Memria coletiva & teoria social. So Paulo: Annablume, 2003, p. 202. 107 POLLACK, Michael. Memria e identidade social. In: Estudos histricos. Rio de Janeiro, vol. 5, n. 10, p. 202.

configurar

cenrios

de

memrias.

Fundamentamos

nossa

discusso

quando

observamos o cotidiano dos grupos que transitam nessa Instituio de Ensino Superior, as histrias da gnese so vulcanizadas por fios de memrias, redirecionando o sentido de existir resgatado pela teia de significados de fios que tecem a cultura. Analisar as memrias um trabalho sobre o tempo vivido, contado pela cultura, contudo, no flui uniformemente, cada grupo o vive diferentemente, assim como cada sujeito, logo, se desejamos preservar esse memorial temos que compreender a existncia e a prpria sobrevivncia desses grupos sociais. Nessa perspectiva, esse patrimnio substancialmente construdo por memrias coletivas que operam com grande liberdade escolhendo acontecimentos no espao e no tempo, no arbitrariamente, mas porque se relacionam atravs de ndices comuns, assim, deduzimos que tarefa do cientista social procurar esses vnculos de afinidades eletivas entre os fenmenos distanciados no tempo. Entretanto, a salvaguarda desses bens deve ter como foco aes que no solidifiquem as memrias desses grupos e nem operem em sentido inverso ao da lembrana individual. preciso estar atento, tambm, para como se d a negociao de papis sociais, e como esse processo imprime/resgata novos sentidos e significados a cultura local alterando as relaes sociais entre os indivduos, comunidade/grupo e desses com a sociedade em geral. Por fim, vale lembrar que enquanto patrimnio esse memorial coletivo das Escolas Superiores de So Bento, se apiam em lembranas que circulam fsica ou metaforicamente entre os membros de um grupo, e, para serem preservadas deve permanecer simultnea ou alternadamente nas lembranas de todos. Dessa forma, a patrimonizao desses bens devem se d de maneira que cada indivduo possa inscrever nela sua representao, sua contribuio, sua verso, permitindo o sentimento de pertena e de implicao. Pensamos, que as polticas culturais em prol da preservao desses bens ampliaro as concepes de memria coletiva sem excluir as temporalidades. Sendo assim, sem modelar a forma de preservao das lembranas, desqualificando as maneiras de passar saberes e conhecimentos que marcam a construo das memrias coletivas e individuais da UFRPE. A discusso nos faz compreender, que a memria coletiva um dos elementos mais importantes das sociedades porque permite que se recorra s recordaes das histrias locais, a um vasto conjunto de conhecimentos no oficiais, no institucionalizados, que ainda no se cristalizaram em tradies formais, mas que de algum modo representam a conscincia

coletiva de grupos inteiros, ou de indivduos, contrapondo-se ao conhecimento privatizado e monopolizado. Nesse sentido, mais do que um objeto da histria, a memria coletiva dentro dessa nova perspectiva de anlise uma de suas matrizes. Ela permanece, em ltima instncia, a nica guardi de algo que efetivamente ocorreu no tempo . Assegurando a continuidade temporal, a memria fragmentada e pluralizada, se aproxima da histria pela sua ambio de veracidade . Visando, portanto, uma apreenso das relaes do passado, presente e futuro, os recentes estudos nessa rea, sobretudo os franceses, atestam a impossibilidade de uma dissociao entre a memria e a histria. A perspectiva da concepo de HALBWACHS, que tendia a separar essas categorias deve-se tanto as mudanas contextuais, quanto epistemolgicas ocorridas na Frana. Resta-nos perceber como se tece a articulao entre a histria dos historiadores e memria dos testemunhos, visto que suas pretenses recprocas, vigilncia crtica e fidelidade ao passado parecem antagnicas constituindo um desafio para a historiografia do presente. Assim, partindo da difcil relao entre histria e memria, entre conservao e apagamento, buscamos entender o significado desse trabalho, de lembrana e esquecimento. Abordamos os mecanismos das apropriaes dos tempos histricos, processos de construo e de transmisso de uma memria coletiva. Servindo-nos, sobretudo, do nosso objeto de pesquisa As Escolas Superiores de So Bento

ilustramos a relao da memria histria, ressaltando por meio da rememorao social as origens dos fundamentos de valores de uma comunidade, a partir de prticas cotidianas.

1.3 Maneiras de pensar o cotidiano: interior escolar e espaos urbanos

A vida cotidiana a vida de todo homem. Todos a vivem, sem exceo, qualquer que seja seu posto no contexto do trabalho intelectual e fsico. [...] A vida cotidiana a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa da vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade. Nela, colocam-se em funcionamento todos os seus sentidos, todas as suas capacidades, suas habilidades manipulativas, paixes, idias. [...] So partes orgnicas da vida cotidiana: a organizao

do trabalho e a vida privada; os lazeres e o descanso; as atividades sociais sistematizadas; o intercambio e a purificao. 108

Entendemos, tambm, que o cotidiano o tempo onde as coisas acontecem, o espao onde se desenrolam as descobertas e as grandes transformaes das coletividades. Por isso, o estudo da vida cotidiana de qualquer grupo social revelador, por ser o mundo da intimidade, da familiaridade e das aes banais, logo, partimos da compreenso de que os sujeitos das Escolas Superiores de So Bento teceram redes de prticas e de sociabilidades, tranadas nos mltiplos contextos vividos, os quais indicam a necessidade de transmitir ao outro o que foram acumulando quanto aos conhecimentos e as aes. Assim, esses personagens se expressaram em histrias contadas e recontadas. Concordamos com as interpretaes DE CERTEAU, ao afirmar que,

o cotidiano aquilo que nos dado a cada dia, nos pressiona dia aps dia, nos oprime, pois existe uma opresso no presente. O cotidiano aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. uma histria a caminho de ns mesmos, quase em retirada, s vezes velada. Talvez no seja intil sublinhar a importncia do domnio da histria irracional, ou desta no histria. O que interessa ao historiador do cotidiano o invisvel. 109

Ao refletir sobre a relao entre o discurso do historiador e a poca na qual ele vive, consideramos de igual importncia destacar que a vida cotidiana na UFRPE tambm influenciou a escolha desse estudo, mais precisamente o fascnio pelas Escolas Superiores de So Bento, as histrias que giram no entorno de sua criao, dos seus cursos, as vivncias nos espaos escolares, entre alunos e professores, o dia-a-dia no campo, na sala de estudos, os encontros no refeitrio, a convivncia dos alunos no internato, que se revelaram timidamente das fontes enclausuradas no silncio de arquivos, as biografias coletivas e a bibliotecas, as quais misteriosamente guardam segredos de muitos momentos interessantes do ambiente escolar.

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HELLER, Agnes. O cotidiano e a histria. So Paulo: Paz e Terra, 1992, p. 17-18. Utilizamos a perspectiva de anlise da autora. Assim, percebemos nas representaes sociais entre os seres humanos, nas artes de fazer, mltiplas formas de interpretaes. 109 CERTEAU, M. de. Op. Cit. p.31.

Dessa maneira, procuramos apresentar o nosso objeto de pesquisa como um lugar onde se manifestou um engajamento social onde a arte de conviver socialmente contribuiu, a partir do saber fazer de cada personagem, para fundamentar formao da coletividade acadmica .110 A partir de reunies, encontros, viagens e acordos entre os poderes constitudos, nasce em 1910-1912, as Escolas de Agricultura e medicina Veterinria de So Bento, num lugar determinado e numa temporalidade definida. Nessas pginas, presente e passado se conectam e se misturam. Percebemos que nem tudo fluxo nessa imensa cocha de retalhos , mas, tambm sedimentao, nem todas as iniciativas sobre o evento circularam livremente houve interesses nos acordos e silenciamentos nas relaes de sociabilidades, cujo rumo dos discursos modificou a escrita das histrias das Escolas Superiores de So Bento. Considerando a problemtica, chamamos ateno nesse estudo para os cursos de Agropecuria vivenciados nas primeiras dcadas do sculo XX, os quais, envolvidos pelo desejo de transformao tecnolgica configuram os setores: econmico e polticosocial, ao mesmo tempo possibilitaram aos grupos aucareiros da regio fazer dos espaos escolas um territrio com significados mutantes e polissmicos, capazes de expressar a mudana e o movimento do tempo histrico. Procuramos construir uma narrativa que questione os modos particulares, com os quais, os diferentes grupos se valeram para percorrer e apropriar-se desses ambientes, como tambm, as prticas cotidianas empreendidas pelos sujeitos que contriburam para evidenciar micro diferenas. Testemunha dessa heterogeneidade os centros agrrios, aparecem, como guardies de um passado acadmico, dos mistrios de alunos, professores e funcionrios, das histrias de boa e m fama sobre o evento. No desenho, dessa geografia, entre pontos, linhas retas e curvilneas investimos na sua atuao pedaggica, bem como, na proposta curricular que ofereceram e fizeram circular, sobretudo no momento de transio o novo e o arcaico para atender aos anseios republicanos. Pensamos que reviver as Escolas Superiores de So Bento, a partir do seu cotidiano, abrir este trabalho e perceber em cada pgina, que as salas aulas, a biblioteca, o estbulo, os laboratrios, o centro acadmico..., foram espaos de convvio,

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CERTEAU, Michel de. A inveno do cotidiano: morar, cozinhar.7.ed. Petrpolis: Vozes, 2008, p. 39.

solidariedade, e aprendizagens, mas, principalmente de negociaes e resistncias protagonizadas por diferentes atores que desenvolveram suas tramas e travaram batalhas dirias pelo poder de enunciao, de afirmao. Esses interesses em reconhecermos a arte de fazer dos nossos personagens; fortalece a comprovao de que efetivamente no existe uma nica verso para a histria das Escolas Superiores de So Bento. Outros discursos existem e so possveis de proporcionar outros contornos, revelar novos sujeitos, novas falas e experincias passveis de desenhar uma nova trama sobre o acontecimento em foco. importante destacar, que s recentemente, a historiografia tem-se preocupado com a descoberta dessas outras histrias que surgem para favorecer os estudos que contemplam abordagens de diversas reas do conhecimento, em especial sobre as instituies de ensino superior. A expanso dos estudos sobre essa problemtica na histria localiza-se no quadro de transformaes por que vem passando a cincia nos ltimos tempos, fruto da crise dos paradigmas tradicionais, cuja procura, por novas perspectivas ampliou o campo da interdisciplinaridade. Dentro dessas abordagens inter e multidisciplinar, a categoria cotidiano tem sido de extrema relevncia para a interpretao dos eventos. Assim, as invenes de grupos, as tticas, as burlas, as questes da vida diria, os processos, as prticas triviais, as conversas, os gestos, as crenas, os cheiros, dos quais fala DE CERTEAU passam a interessar, ao ponto de discorrermos, sobre uma temtica que privilegie o dia-a-dia das Escolas em anlise vivenciado, principalmente, entre as dcadas de 1912 e 1936. No nossa inteno construir uma genealogia do estudo do cotidiano, mas consideramos importante trazer para o centro da discusso esse momento de expanso dos estudos sobre tal conceito, pois abre novas possibilidades para a recuperao de experincias vividas em outros setores da sociedade ampliando o leque de abordagens da produo historiogrfica regional, bem como, a redescoberta do estudo das prticas cotidianas111. Nessa perspectiva, o autor nos instiga a analisarmos as Escolas Superiores de So Bento, sobretudo, pensar a solidez das palavras e das coisas que fixam as relaes legtimas e ilegtimas entre a ordem dos corpos e a ordem dos discursos
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Bebendo dessa fonte, revisitamos o Ensino Agrcola em Pernambuco a partir do nosso

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Sobre a importncia de uma histria atrelada vida cotidiana, conferir DOSSE, Franois. A Histria em Migalhas: dos Annales nova histria. So Paulo: Ensaio; Campinas, Unicamp, 1992. MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e Cultura: histria, cidade e trabalho. So Paulo: EDUSC, 2002. 112 Indicamos como leitura a obra de, CERTEAU, Michel de. Idem. 1994.

objeto de pesquisa, to pouco explorado pelos historiadores, porm, relevante para a historiografia local. No interior dessa histria, compreendemos, segundo DEL PRIORE,113 a inveno do cotidiano, graas s artes do saber fazer , de astcias sutis e de tticas de resistncia vivenciadas por homens que se apropriaram dos espaos escolares, inverteram objetos e cdigos, usando-os a sua maneira. Percebemos que foi no contexto de apropriao de valores, saberes e prticas educativas que surgiu o objeto em anlise, bem como, seus respectivos cursos. Nossa proposta encontrar sentidos na vivncia de professores, funcionrios e alunos; considerar a legitimidade dos saberes e dos valores que permearam prticas subterrneas do coletivo escolar, suas estratgias e tticas prprias, considerar que toda atividade humana pode ser cultura, mas ela no o necessariamente ou, no forosamente reconhecida como tal, pois como j ventilamos, para que haja cultura, no basta ser o autor das prticas sociais, preciso que essas tenham significados para aqueles que as realizam. Porm, na perspectiva do autor, a presena e a circulao de uma representao no indicam, de modo algum, o que ela para os seus usurios. ainda necessrio analisar a sua manipulao pelos praticantes que no a fabricaram. Assim, apreciar a diferena ou a semelhana entre a produo da imagem e produo secundria que se esconde nos processos de sua utilizao, DE CERTEAU, prope como baliza terica,

a construo de frases prprias com um vocabulrio e uma sintaxe recebidos , supondo que, pelas maneiras de usar essa produo, pelas invenes cotidianas, pelas maneiras de fazer, ocorre com os usurios, uma bricolagem com e na economia cultural dominante, pela possibilidade de descobrir inmeras metamorfoses da lei, segundo seus interesses prprios e suas prprias regras.114

A expresso do que aceito como crvel, se constri pelas representaes que vo se articulando em torno dela e que se traduzem por inmeras referncias: fontes, uma histria, uma iconografia, em suma, por uma articulao de autoridades . Sendo assim, a toda uma vontade construtiva so necessrios sinais de reconhecimento e

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DEL PRIORE, Mary. Histria do cotidiano e da vida privada. In: VAINFAS, Ronaldo; CARDOSO, Ciro Flamarion. Domnios da histria. 16. Reimpresso. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997, p. 273. 114 CERTEAU, Michel. de. Idem. p. 40.

acordos feitos acerca das condies de possibilidades para que seja aberto um espao onde se desenvolva. Logo, deduzimos que so as representaes aceitas que inauguram e ao mesmo tempo exprimem essa nova credibilidade. Nesse sentido, anunciada a criao das Escolas Superiores de So Bento, e assumida a sua implantao, foram oferecidas condies de possibilidades que so os sinais de reconhecimento, dos acordos feitos para a realizao. Nesse processo, cria-se ou se recusa condies de possibilidades, torna possvel o impossvel. Para refletirmos sobre prticas, criaes e artes das Instituies de Ensino em anlise preciso (re)memorarmos o discurso de seus idealizadores, pensar a respeito de suas invenes, procurando evidenciar micro diferenas onde tantas vezes percebemos apenas uniformizao. Buscar o cotidiano do nosso objeto de pesquisa, captar as operaes tecidas por alunos, funcionrios e professores, tambm significa um caminho de sondagem das vias da lucidez e da ao. Um estudo que permite lanar novos olhares para os aspectos polticos, econmicos e caractersticas sociais que formaram o contexto mais amplo a partir do qual podemos discutir a importncia social das Escolas. Observamos que as invenes que ocorreram nas Instituies de Ensino representam as diferentes maneiras dos indivduos imersos nesse processo se ajustarem s polticas que lhes foram impostas, s diferentes formas de reorganizando no cotidiano e suas prticas. A investigao acerca dessa trajetria dilatou o campo do possvel do que j havia praticado em outras circunstncia, a partir da compreenso que a pesquisa em histria se faz a partir da articulao de lugares: econmico, sociopoltico e cultural. Dessa maneira, entendemos a idia daquilo que o historiador faz no dia-a-dia em seu ofcio: algo que sempre se d, num enquadramento em meio, a um certo, sistema de referncias, dessa maneira, o gesto de se recortar a experincia um jogo de pertencimentos e de afastamentos. medida que fomos tecendo a narrativa sobre a clula mater da UFRPE, o fizemos trocando idias e informaes com outros saberes, com outros sujeitos do pensamento e da cultura, e com isso os campos foram alargados, os percursos foram transformados. Reafirmamos que no pretendemos construir uma cronologia do estudo do cotidiano, mas sim, trazer para o centro da discusso este momento de expanso
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caa no-autorizada

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que foram se

Expresso usada por DE CERTEAU referindo-se s invenes cotidianas dos consumidores da cultura oficial. O que no significa dizer passivos ou dceis. Ver: Ibid., p. 38.

das Cincias Agrrias, pois abre novas possibilidades para a recuperao de experincias em outros setores da sociedade ampliando o leque de abordagem da produo historiogrfica e redescoberta do estudo das prticas cotidianas. Dialogando com DE CERTEAU, aprendemos trs aspectos que pretendemos destacar ao longo da narrativa: o primeiro, enxergar o cotidiano como aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. um mundo que vivenciamos profundamente, por meio da memria olfativa, dos lugares da infncia, do corpo, dos gestos, dos prazeres; o segundo aspecto relaciona-se com a sua capacidade de se maravilhar e confiar na inteligncia e na inventividade do outro, na possibilidade de escrever a histria das Escolas Superiores de So Bento evidenciando as prticas cotidianas de quem o fez, as astcias, as necessidades, os diferentes momentos. Com isso, passamos a perceber na documentao as diferenas onde at ento muitos s enxergavam uma unidade. Por fim, o terceiro aspecto a destacar o rigor tico com qual o autor trata o homem ordinrio . Reflexes que nos permitem trazer para essa discusso determinados personagens, entre os quais, D. Abade Pedro Roeser, Abade do Mosteiro de So Bento em Olinda - PE, entre 1907 1929. Monge germnico, pensador catlico, um homem

bem relacionado com autoridades polticas e civis, tanto local, como nacional. Possuidor de idias avanadas, consideradas ousadas para a poca, motivos pelos quais foi escolhido entre tantos outros monges, para receber instrues no Mosteiro de Santo Andr na Blgica. A partir das orientaes de seus superiores da Arquiabadia de Beuron foi encaminhado para desempenhar sua misso no Brasil, nas primeiras dcadas da instaurao da Repblica. Segundo nossas interpretaes, a princpio sua misso era orientar novios em alguns mosteiros Pas, posteriormente garantir a permanncia da Irmandade Beneditina em terras pernambucanas. Outro personagem, Jos Rufino Bezerra Cavalcanti, Filho da oligarquia rural de Pernambuco, e dirigente da pasta do Ministrio da Agricultura, no governo do ento presidente Wenceslau Braz; Fbio da Silveira Barros, Inspetor da Agricultura regional; Pedro Correia de Oliveira e Manoel Paulino Cavalcanti, responsveis pela direo da Escola de Agronomia da cidade de Jaboato-PE; Joo Igncio Cabral de Albuquerque, Procurador do Mosteiro de So Bento de Olinda; Jos Maria Carneiro da Cunha e Antnio Pereira da Silva Lima, representantes do Sindicato Agrcola local. E, Joo Alfredo Correia de Oliveira, pernambucano, estadista brasileiro manteve relaes de sociabilidades com os beneditinos de Olinda, a partir da mediao do seu

filho, Pedro Correia de Oliveira, bem como, dos amigos do mosteiro, ambos, filhos da elite agrria local. Sendo assim, enviou em 1911, uma carta em resposta a solicitao dos beneditinos mediante o projeto de educao formal agropecurio em prol da lavoura e dos rebanhos do Estado, na qual declarou a satisfao em aprovar a criao das Escolas Superiores de So Bento. Ambos envolvidos com o processo de criao dos Institutos agrrios de So Bento. Para DE CERTEAU,

a uma produo racionalizada, expansionista alm de centralizada, barulhenta e espetacular, corresponde outra produo, qualificada de consumo: esta astuciosa, dispersa, mas ao mesmo tempo ela se insinua ubiquamente, silenciosa e quase invisvel, pois no se faz notar com produtos prprios, mas nas maneiras de empregar os produtos impostos por uma ordem econmica dominante. 116

Sendo assim, autor mostra que o homem ordinrio inventa o cotidiano com mil maneiras de caa no autorizada , escapando silenciosamente a essa conformao. Essa inveno do dia-a-dia se d graas quilo que o estudioso conceitua de artes de fazer , astcias sutis , tticas de resistncia , que vo alterando objetos e cdigos, estabelecendo uma (re) apropriao dos espaos, cada um ao seu modo. Dessa maneira, acreditamos na possibilidade que os personagens do evento em anlise,
abriram o prprio caminho no uso dos produtos impostos pelas polticas culturais, numa liberdade em que cada personagem procurou vivenciar do melhor modo possvel, criando alternativas a uma ordenao social e buscando a superao da violncia das coisas.117

A partir do dilogo com DE CERTEAU, chamamos ateno para discusso do prximo captulo que discorre sobre o ensino agropecurio vivenciado nas primeiras dcadas do sculo XX, o qual estava envolvido pela nsia de progresso para atender aos objetivos republicanos e eclesisticos. Dessa maneira, percebemos nesse modelo de educao uma ferramenta com significados mutantes e polissmicos capazes de expressar as mudanas, bem como, o movimento do tempo histrico para alm de seus
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DE CERTEAU, Michel. Op. Cit. p. 39. Trecho extrado da contra capa do livro: DE CERTEAU, Michel. Idem. 1994.

interesses. Os estudos de EISENBERG,118 refora nossa anlise, sobretudo, fornece subsdios para uma reflexo relevante, nos captulos posteriores, nos quais procuramos enfatizar desconstruo do sentido unvoco e totalizante que muitos estudiosos atribuem ao evento, principalmente, memorialistas e cronistas. De acordo com as interpretaes do autor, compreendemos a criao das Escolas Superiores de So Bento como processo histrico de construo especfico do conceito da oligarquia rural da regio. Logo, pensamos na possibilidade de construirmos uma histria com diferentes sentidos: polticos; econmicos; sociais e culturais, com essa proposta, (des)cristalizar a idia de que a vivncia nos espaos escolares teve o mesmo significado para todos os personagens envolvidos na problemtica. A leitura que esse autor vislumbra sobre a cultura da cana-de-acar na regio, discorre sobre aspectos econmicos e polticos, bem como, a relao desses fatores com processo de modernizao e contexto social, seus significados e implicaes para a vida cotidiana no cenrio cultural. Nesse sentido, a sua obra Modernizao sem mudana: a indstria aucareira em Pernambuco (1840-1910)
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possibilitou-nos uma

discusso interessante, sobre os ideais que possibilitaram o surgimento das instituies de ensino superior agropecurio e suas imbricaes cotidianas. Tambm, de igual relevncia para essa discusso a tese de doutoramento da profa. Maria das Graas Andrade Atade de Almeida120 as reflexes da autora, sobre educao formal nos leva a analisar as diferentes relaes de poder que circulavam em Pernambuco, especificamente nos anos que antecederam ao Estado Novo. A sua anlise nos aproxima de medidas normativas que transformaram o cotidiano, principalmente, de cidades como Olinda e Recife. Sua abordagem histrica permite-nos uma leitura alargada dos espaos escolares, quando nos leva a transitar pelos principais pontos de circulao de idias, dos quais: cafs, cinemas, teatros, confeitarias, hotis, ruas. Enfatizamos, tambm, s notas de rodap; suas consideraes, sobretudo, os captulos um e dois, esses nos proporcionaram uma aproximao das tticas utilizadas nas redes de sociabilidades entre os poderes institudos para realizao de ideais. Por meio da Anlise de Discurso AD, corrente francesa, a historiadora discorre

sobre o Jornal Folha da Manh e analisa metforas, frases estereotipadas, adjetivos,

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Conferir. EISENBERG, P. Op. Cit. 1977. Idem, 1977. 120 ALMEIDA, Maria das Graas A. A. de. Op. Cit. 2001.
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assim como, a persistncia de palavras-chave nas notas jornalsticas veiculadas cotidianamente. Dessa maneira, proporciona a pesquisadores que utilizam o mtodo da AD, ferramentas relevantes, no sentido de debruar sobre o corpus documental com cautela, descrio e rigor acadmico. Ainda no publicado, mas brevemente

disposio do pblico na Biblioteca da Universidade Federal Rural de Pernambuco e na pgina virtual do Programa de Ps-Graduao, Mestrado em Histria Social da Cultura Regional da UFRPE, a pesquisa de Mrio Ribeiro dos Santos Trombones, tambores, repiques e ganzs: a festa das agremiaes carnavalescas nas ruas do Recife (19301945)
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o qual nos apresenta diferentes discursos com enfoques que redesenham o

cotidiano dos espaos pblicos, a partir das relaes de sociabilidades estabelecidas entre os poderes institudos. Dessa maneira, como nos indica DE CERTEAU preciso despertar as histrias que dormem nos arquivos, nas bibliotecas, nos diversos espaos que visitamos e rememoramos prticas escolares encobertas pelos silenciamentos da histria, assim, ao relacionar as fontes tentamos revelar o cotidiano de professores e alunos por meio de biografias coletivas. Uma misso no muito fcil, haja vista que as Escolas Superiores de So Bento no contam o seu passado, elas a contm nas instalaes construdas, ou melhor, o que restaram, suas runas e rarssimos documentos oficiais, os quais, vetados principalmente, pela Ordem Beneditina. Percebemos nessa prtica uma resistncia lastimvel, uma vez que, a socializar da memria coletiva das Faculdades de So Bento proporcionaria o alargamento da historiografia local, alm de preservar a identidade cultural dessas Instituies. Assim, desafiando os limites da histria, assumimos o compromisso de (re)escrever uma narrativa diferente preocupada com a histria cultural da regio. Com essa proposta, tecemos uma histria sobre um espao que permite mltiplas formas de leituras, com uma percepo que nos leve a decifrar seu cotidiano e torn-lo familiar no contexto social, principalmente onde convive a comunidade universitria da UFRPE. Esse deslocamento, feito por meio de fragmentos de memria permitir os nossos leitores caminharem pelas salas de aula, biblioteca, estbulos, pomares, apirios, pocilgas, laboratrios, internato e refeitrio. A decifrarem cada gesto, cada olhar, comportamentos e ideias como se estivessem vivenciado, ou at mesmo,
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SANTOS, Mrio R. dos. Trombones, tambores, repiques e ganzs: a festa das agremiaes carnavalescas nas ruas do Recife (1930-1945). Dissertao (Mestrado em Histria) Universidade Federal Rural de Pernambuco, Recife, 2010.

desvendado as instituies escolares analisadas. Dentro desse universo de representaes que compe as Escolas Superiores de So Bento, pensamos esses como ambientes onde as invenes humanas eram pensadas no sentido de encontrar caminhos que decifrassem os anseios do Estado e da Igreja atravs do lema modernizao e progresso agrcola sempre presente no

discurso desses poderes. Logo, os personagens, tomados pela subjetividade e pela cultura do seu tempo, inventaram, na tentativa de compreender, por meio de suas criaes, a proposta curricular que lhes era apresentada, afirmando-se como sujeitos em processo; como seres sociais constantemente redefinidos. Como construtores dos espaos escolares, alunos, professores e funcionrios modelaram o ensino agropecurio cotidianamente, os quais nos revelam histria de diversos grupos que se moveram no seu interior, detectaram a atuao de suas partes, bem como, as fissuras da sua estrutura. Isso nos leva a perceber os espaos escolares como uma colcha de retalhos com variaes em suas cores e formas. De acordo com ARRAIS quando um espao no tem uma natureza cristalizada, seus significados derivam dos investimentos simblicos feitos sobre ele, por meio de rituais promovidos pelo Estado ou certos grupos sociais
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Cientes de que no existem espaos sem as prticas que lhe conferem sentidos, entrecruzamos documentos, imagens e gestos, com a perspectiva de apresentar o nosso objeto integrado s vivncias cotidianas do contexto social analisado. Com sinais claros que definem as Escolas Superiores de So Bento e seus personagens; e no como uma realidade oposta aquele universo. Dialogando com DE CERTEAU, compreendemos que,

o conceito de prticas cotidianas est relacionado a uma combinao mais ou menos coerente, de elementos cotidianos concretos ou ideolgicos (religiosos, polticos), ao mesmo tempo, passados por uma tradio(de uma famlia, de um grupo social) e realizados dia-a-dia atravs dos comportamentos, que traduzem, em uma visibilidade social, fragmentos desse dispositivo cultural. Contudo, essas aes so relevantes para a identidade de um grupo, a medida que lhe permite assumir o seu lugar na rede de relaes sociais inscritas nos espaos. 123

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ARRAIS, Raimundo. O pntano e o riacho: a formao do espao pblico no Recife do sculo XX. So Paulo: Humanitas/FFLCH7USP, 2004, p. 15. 123 CERTEAU, Michel de. A inveno do cotidiano: morar, cozinhar. 7. Ed. Petrpolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2008, p. 39-40.

Essa perspectiva de investigao possibilita repensarmos o enfoque do objeto, com o desmoronamento das continuidades e o questionamento da universalidade do discurso histrico, sobretudo, local. Desse modo, conscientes da importncia de que absorver outros olhares tarefa imprescindvel ao mergulhar no mundo do outro, em outro tempo, atribuir interdependncia entre a teoria e a metodologia orientao fundamental no processo de construo dos captulos posteriores.

CAPTULO II

TRAJETRIA DAS ESCOLAS SUPERIORES DE AGRICULTURA E MEDICINA VETERINRIA DE SO BENTO DE OLINDA PE

Para discorremos sobre essa trajetria o aporte terico-metodolgico nos ensina que patrimnio e memria so meros suportes de refinamento apolneo. Ambos incutem a noo de ancestralidade e legitimidade do poder, veiculam hierarquias de valores, idias de bem e mal, de patriotismo, de lealdade, de fronteiras, de pertencimento, imprimindo nas memrias coletivas, o que deve ser excludo e includo, silenciado e esquecido. Compreendemos que no basta substituir antigos valores por outros gerados a partir do mesmo solo que os anteriores. Sendo assim, nesse captulo propomos ampliar a discusso com pesquisadores engajados nas lutas pela preservao do patrimnio cultural das Instituies de Ensino Superior, sobretudo das Faculdades de So Bento de Olinda-PE. Mas, para o desdobramento da nossa proposta necessrio transitar pelo contexto econmico e poltico de Pernambuco, no perodo em estudo. Antes, porm, teceremos algumas informaes sobre a cidade de Olinda, bero da aristocracia canavieira regional e espao onde surgiu nosso objeto de pesquisa.

2.1 O despertar de histrias entre idas e vindas na cidade de Olinda: 1912-1914

a grande construo feita de milhares de tijolos marca a constituio de uma nova relao homem-natureza, medida pela primeira vez por uma estrutura racional e abstrata. evidente o paralelismo que existe entre a possibilidade de empilhar tijolos, definindo formas geomtricas, e agrupar letras, formando palavras para representar sons e ideias. Deste modo, construir cidades significa tambm uma forma de escrita. Na histria, os dois fenmenos - escrita e cidade ocorrem

quase que simultaneamente, impulsionados pela necessidade de memorizao, medida e gesto do trabalho coletivo. 124

Abaixo, a imagem 01, destaca o Mosteiro de So Bento localizado no bairro Cidade Alta, Olinda-PE.

Considerada a fotografia como uma imagem e como uma forma de interao social e de comunicao, tem-se por pressuposto que seu significado mais profundo no se encontra necessariamente explcito, pois imaterial, apesar do realismo fotogrfico da aparncia de que ela se reveste. 125

A cidade de Olinda foi fundada em 12 de maro de 1535, pelo portugus Duarte Coelho. Sendo uma das cidades mais antigas do Pas um municpio essencialmente habitacional, comercial e turstico. Alm de sua beleza natural, essa cidade, tambm, um dos centros culturais mais importantes do Brasil. Acreditamos que esses requisitos impulsionaram de forma relevante o seu tombamento em 1968, pelo Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional; como tambm o reconhecimento pela Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura UNESCO, como

Patrimnio Natural e Cultural da Humanidade, em dezembro de 1982, sendo, no ano corrente, Capital Brasileira da Cultura, de acordo com o termo de parceria firmado entre
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Apud. ROLNIK, Raquel. NETO, Antnio Fonseca dos Santos. Cidades Flagradas. In: CASTELO BRANCO, Juliene V. & SOLON, Daniel Vasconcelos. (Org.). Histria em poliedros: cultura, cidade e memria. Teresina: EDUFPI, 2008, p. 14. 125 KOSSOY, Boris. Op. Cit. 2001, p. 117.

o Municpio e a Organizao no Governamental

ONG, Capital Brasileira da Cultura

CBC. Enfatizamos que no Brasil, at o momento, apenas a cidade de Olinda rene todos esses ttulos oficiais, o que torna singular a velha Marim126. A topografia dessa cidade favoreceu o surgimento de igrejas, conventos, seminrios e casarios em suas colinas, onde se construram os primeiros ncleos urbanos do pas com uma bela e exuberante arquitetura colonial. Para compor a paisagem do espao citadino, tambm no lhe faltaram bibliotecas, tipografias, cinemas e cassino lugar de dana e jogos. Entre os jornais do perodo focamos os seguintes o Olindense, o Independente, o Correio de Olinda e no perodo em tela o Progresso . Pensamos, que por meio desses veculos de comunicao, tambm, os valores da cultura se uniram aos da natureza para formar novos conjuntos. Localizada,

no litoral pernambucano, a 8 00' 32", de latitude sul, e 34 51' 18" de longitude, a oeste de Greenwich; com uma altitude de 16m acima do nvel do mar; apresenta clima tropical, e temperatura mdia de 25,9C; em mdia a precipitao de 2.163,8 mm/ano e; tem uma rea de 37,9 km . Faz limite ao norte com a cidade de Paulista, ao sul e oeste com a cidade do Recife, a leste com o Oceano Atlntico. Atualmente a sua populao chega a 397.268 mil habitantes, aproximadamente. Olinda foi o ponto de partida, no s para o povoamento do interior do Estado, mas tambm para a ocupao dos estados Alagoas, Paraba, Rio Grande do Norte,Cear e Maranho. Somente Sergipe e Piau, por terem sido povoados pelos baianos, no devem sua ocupao a Pernambuco.127

Ao situarmos nosso objeto no espao fsico geogrfico, levaremos nossos leitores a revisitar espaos olindenses. Por meio de suas ruas, suas ladeiras, seus conventos, seus templos, monumentos que ainda circunscrevem, passo a passo, as prticas cotidianas do perodo analisado, bem como, os cursos superiores: Jurdicos, de Agricultura e Medicina Veterinria do Mosteiro de So Bento; dos movimentos literrios;
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Nome primitivo da aldeia que cedeu a Olinda o posto. Marim para uns, segundo outros Mirim. Marim seria uma curruptela de Barim, que quer dizer coxo. De acordo com a historiografia de poca, em luta contra os indgenas, Duarte Coelho teria sido ferido numa perna e se tornado coxo. Da os indgenas chamarem a vila portuguesa de Barim: vila do coxo. Contudo, Mirim, significa pequeno. Sobre essa discusso, orientamos conferir a obra de FREYRE, Gilberto. Olinda: 2 guia prtico, histrico e sentimental de cidade brasileira. Apresentao, textos de atualizao e bibliografia de FONSECA, Edson Nery. Ilustraes de BANDEIRA, Manoel. Mapa turstico de MARIA, Rosa. Capitulares e desenho de JARDIM, Luis. 6. ed. So Paulo: Global, 2007, p. 134. 127 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica - IBGE, 2009.

da Guerra dos Mascates; da Revoluo Praieira; da Conveno de Beberibe, ou seja, o saber e o fazer de homens e mulheres que de alguma maneira erigiram o edifcio da nacionalidade. O que reafirma nossa reflexo com relao ao perfil aristocrtico, ao mesmo tempo, republicano dos habitantes dessa localidade. Pensamos esses espaos citadinos como um territrio de mltiplas formas de leituras e interpretaes, quando os revisitamos atravs de um olhar criterioso procuramos decifrar cada gesto da paisagem urbana, como se estivssemos desvendando um texto, uma escrita, os quais nos possibilitam pensar e sentir suas formas, seus objetos, seus cheiros, cuja paisagem, segundo CALVINO, nos fala da sua produo material, dos pontos simblicos da vida dos que nela habitam; seus caminhos e seus trnsitos, tambm nos falam, das diversas atividades que no seu interior se produz .128 nesse complexo jogo de criaes constantes, no qual os moradores estabeleceram relaes entre si e com a paisagem onde viveram que vislumbramos as Escolas Superiores de So Bento. Evento que se constituiu a partir de diferentes falas e espaos, entre os quais: o discurso poltico agrrio, proferidos em cafs e doarias, na sala de aula, no campo, no internato, nos centros acadmicos e na imprensa por meio dos signos que permearam o imaginrio social, que de alguma maneira, invadem os ares da cidade no presente. em torno de uma identidade inscrita no tempo e na ao, que buscamos estabelecer uma discusso relacionando a memria coletiva e as prticas cotidianas. A rememorao proporciona o sentimento de distncia temporal, porm, a memria a continuidade entre presente e passado recente ou distante que nos permite remontar os acontecimentos mais recuados dessa trajetria. Como atores da vida urbana, por mais de dois sculos, as famlias tradicionais tiveram suas casas nos altos da cidade, se no do ano inteiro, dos meses de inverno, quando as chuvas tornavam melanclicas, a vida nas casas grandes dos engenhos. As histrias sobre a movimentao do cenrio urbano, ou a falta dessa, irrigam os canais da escrita desse trabalho dissertativo com passagens que nos remetem a lugares de convivncia familiar num perodo marcado por transformaes polticas e

modernizantes. Mas, segundo FREYRE,

128

CALVINO, talo. As cidades invisveis. So Paulo: Companhia das Letras, 1990, p. 14-15.

com o passar dos tempos, essas residncias foram transferidas para os sobrados da cidade do Recife, que desde o final do sculo XVII se afidalgaram, ficando Olinda, com seus montes longe dos mangues, dos pntanos e dos rudos da nova metrpole. Porm, percebemos que o esprito poltico dos pernambucanos, republicano e aristocrtico, ao mesmo tempo, teve nos primeiros sculos a sua expresso mais viva na cidade de Olinda.129

Assim, procurando manter o rigor acadmico das pesquisas o autor nos conduz por meio de uma linguagem objetiva, a rememorar a cidade, bem como, diferenciar a relao entre a histria e os sentimentos. Nessa perspectiva, buscamos as crnicas de Pereira da Costa, seus escritos trs contribuies relevantes para (re)construirmos o cotidiano olindense, sobretudo no perodo em tela, ao dialogarmos com autor por tais espaos consideramos que,

quem subir pela primeira vez uma rua velha de Olinda que se lembre de to grande esquisito dos tempos coloniais, que se lembre tambm dos desesperados da justia do sculo que outrora subiram estas mesmas ruas para se queixar ao bispo, que se lembre dos outros homens que h mais quatro sculos sobem estas ladeiras. Uns para ouvir missa em So Francisco. Outros para se confessar em So Bento. Alguns de ps descalos, por penitncia, sob o sol cru do meio-dia pernambucano, ferindo-se nas pedras, arranhando-se nos espinhos, queimando-se nas areias zangadas de tardes, to doces - nas urtigas brancas dos montes. Outros ainda s para comprar doces as religiosas de Nossa Senhora da Conceio. 130

De acordo com as interpretaes do cronista percebemos que pequenos fatos, aparentemente sem importncia, apenas pitorescos, revelados por simples

pesquisadores do passado ou do cotidiano de um povo, podem estar sugestes de muito mais valor do que em fatos grandiosos ou nas generalizaes majestosa. Dessa maneira, as ruas de Olinda se revelam como territrios de consumo, de identidades e cultura histrica, nas quais, buscamos diferentes estilos de vida associadas as artes de fazer , Nesse sentido, andar pelas ruas olindenses vivenciar prticas cotidianas em seu presente e em seu passado: no seu folclore e no seu artesanato; nas suas festas religiosas e cclicas. Em suas ladeiras, altos e balces mouriscos, faris, museus e
129 130

FREYRE, Gilberto. Op. Cit. 2007, p. 24. Idem, 2007, p. 25.

seminrios, tudo isso bem diz da sua presena marcante na historiografia brasileira, sobretudo nos perodos: colonial e imperial. Logo, revisitar esses espaos, nas primeiras dcadas do sculo xx, nos leva a ouvir: o tanger dos sinos das igrejas; perceber seus artistas; sua histria; seus moradores; seus mistrios; suas festas e sua f crist de todos os martizes. encontrar caminhos amaciados pelos ps de muitas geraes. Tambm, ouvir os acordes dos clarins de momo, que autntica e pernambucanamente, anunciavam a passagem dos clubes nas ruas, altos e avenidas olindenses. Assim, nessas idas e vindas com SANTOS NETO, buscamos PESAVENTO, para quem, imagens retidas e memorizadas falam em memria coletiva/social, na interpretao da autora,

[...] as imagens urbanas trazidas pela arquitetura, ou pelo trao da cidade, ou pela publicidade de fotografia [...] - tm, pois, o potencial de remeter tambm, [...] a um tempo. [...] O espao urbano, na sua materialidade imagtica, torna-se, assim, um dos suportes da memria social da cidade.131

Isso nos faz compreender a historiografia de poca, a qual nos apresentar Olinda com diferentes maneiras de interpretaes, sobretudo, dentro do nosso perodo cronolgico. Uma cidade de esprito aristocrtico e republicano, em sua fase urea, tambm triste, ao mesmo tempo alegre e mgica que um dia foi chamas, e das cinzas se ergueu Fnix, se fez luz por meio do saber fazer de homens e mulheres. Para os beneditinos de Olinda, essa cidade era como um subrbio da famosa capital
132

pernambucana, Recife, mxime depois de inaugurada a trao eltrica

. Observamos

contrapontos na discusso que envolve historiadores, cronistas, e memorialistas. Reflexes compreensveis, uma vez, que somos orientados pela teoria-metodolgica da Histria Cultural a revisitar, quantas vezes for necessrio e/ou desejar, um evento social com diferentes enfoques, olhares e perspectivas. Sendo assim, a partir do processo de criao das Escolas Congneres de So Bento, percebemos que as ruas de Olinda adquiriram um ritmo mais urbano, com idas e vindas de jovens, polticos, jornalista, arquitetos, professores, clrigos, agricultores, criadores e os mais variados e imaginveis personagens. Momento com representaes
131

Apud. PESAVENTO, Sandra J.. NETO, Antnio Fonseca dos Santos. Cidades Flagradas. In: CASTELO BRANCO, Juliene V. & SOLON, Daniel Vasconcelos. Op. Cit. 2008, p. 21. 132 Relatrio da Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento. 1 parte. Crnica escrita por Padre Jonas Taurino de Andrade. 1913, p. 06.

de progresso pautado no discurso moderno, voltado para (re)configuraes nos setores econmico, poltico e social, a partir de novas prticas cotidianas incorporadas dia-a-dia por homens e mulheres, principalmente, na lavoura canavieira e nos plantis. Com relao a essas ltimas, h uma farta proviso de interpretaes sobre as profisses do agrnomo e do medico veterinrio, bem como, suas contribuies para o

desenvolvimento da agricultura regional e do Pas nas primeiras dcadas do sculo XX que justificam a nossa discusso. Segundo MENDONA,

a Escolas Superior de Agricultura e Medicina Veterinria, vem satisfazer a uma imperiosa necessidade do nosso tempo. A cincia, nos ltimos tempos, revolucionou tudo, transformando os mtodos errneos, substituindo as regras absolutas ou obscuras por preceitos racionais e de imediato proveito prtico. Hoje s pode lutar com sucesso o agricultor que pe em prtica os recursos que ela ministra. O que mais sabe, o que mais pode, e este o que mais colhe, mais vende e mais lucro aufere de seu incessante labor.133

Nesse sentido, moradores, alunos, professores, jornalistas, polticos e religiosos ao transitarem por espaos urbanos e escolares, entre prticas e vivncias, revelaramse construtores desse processo. Habitaram e inseriram seu dinamismo, suas rotinas, crenas e valores, promovendo tenses e conflitos. Enquanto uns tinham a pretenso de desejo pela inovao, outros manifestam resistncia s foras de dominao, por necessidades de assegurar a sua memria, ou por medo de perder sua identidade oligrquica. Dessa forma, mantinham-se alheios s transformaes que se pretendia realizar, sobretudo, atravs do discurso poltico moderno da intelectualidade. Lembramos que a cidade de Olinda no foco dessa pesquisa. Pretendemos, sim, com essa breve discusso situarmos as Faculdades de So Bento nesses espaos de convivncia plural que acomodaram os mais diferentes modos de saber fazer, onde as referncias trazem mltiplos significados. Pensamos, em meio a esses signos, compreender como reagiram os personagens de nossa saga, principalmente, suas redes de sociabilidades a partir do pensamento agrcola local.

133

MENDONA, Snia Regina. O ruralismo brasileiro (1888-1931). So Paulo: HUCITEC, 1997, p. 126. Verso modificada, reduzida da sua tese de doutoramento.

2.2 - As nuances do pensamento agrcola no discurso regional

O conhecimento histrico perspectivista, pois ele tambm histrico e o lugar ocupado pelo historiador tambm se altera ao longo do tempo. Nem sempre se fez a histria do mesmo jeito, e ela serviu a diferentes funes no decorrer do tempo. O historiador no pode escamotear o lugar histrico e social de onde fala, e o lugar institucional onde o saber histrico se produz. 134

Nessa perspectiva daremos incio a essa reflexo, enfatizando que o econmico e o poltico sempre estiveram imbricados nos discursos que favoreceram a criao das Escolas Superiores de So Bento. Nesse sentido, analisamos a historiografia de poca para uma compreenso mais alargada sobre o evento, assim, buscamos temticas regionais deveras pesquisadas em meios acadmicos, sobretudo a monocultura aucareira, leituras, que por sinal, foram de grande relevncia para essa pesquisa, principalmente, porque ampliou nossa percepo sobre o contexto histrico e o nosso entendimento sobre a problemtica. Isso nos fez perceber que as atividades econmicas agrrias no Brasil, das quais, caf, borracha e cacau, eram inferiores a do acar regional, no conjunto do perodo republicano at 1930, mesmo quando esse apresentava declnio em sua produo. No caso desse ltimo, ocorreram particularidades que lhe do importncia na historiografia local. Em primeiro lugar essa produo ainda era a principal e quase nica atividade econmica de algumas regies, em particular o litoral do nordeste. Alm disso, a evoluo da produo aucareira pernambucana na poca caracterizava-se por certos aspectos peculiares que mereciam destaques e lanavam luz sobre o carter fundamental da economia local, por exemplo, as questes climticas. EISENBERG, refora nossa anlise ao relatar que,

o caf, o cacau e a borracha natural assumiram importantes posies nas exportaes, no final do sculo XIX, mas no havia em Pernambuco clima e solo propcios para estes produtos. Na falta de qualquer atividade exportadora alternativa que produzisse rendimentos iguais aos do acar, torna-se compreensvel a concentrao dos agricultores na cana e em sua industrializao. 135

134 135

Texto retirado da contracapa do livro de ALBUQUERQUE Jr, Durval M. Op. Cit. 2007. EISENBERG, Peter L. Op. Cit. 1977, p. 242.

Dessa maneira, era necessrio acelerar o processo de modernizao das usinas, evento que levou usineiros e fornecedores de cana-de-acar, particularmente, os pernambucanos, a uma preocupao no sentido de inserir novas prticas cultivares em suas lavouras vislumbrando melhorias para produo e condies de competir com outras regies, assim retomar a hegemonia econmica perdida para o Sul aps trs sculos de primazia. No discurso poltico da intelectualidade essas mudanas se dariam por meio da educao formal, tambm acreditamos nessa perspectiva, uma vez que atribumos perda desse produto no mercado nacional e internacional ao relativo atraso em que vinha se processando a transformao tecnolgica local. Havia necessidades de uma poltica agrcola preocupada com as variedades cultivadas, e com a preveno contra pragas, afinal, o acar continuava a ser o investimento preferido da aristocracia regional. Para, os beneditinos de Olinda, esse caos econmico era responsabilidade dos prprios agricultores, por abandonarem o campo,

no geral, em Pernambuco, s os que no podem, moram nos engenhos. De preferncia os ricos residem nas cidades, deixando as fazendas entregues aos administradores, indo apenas uma ou duas vezes por semana visitar as propriedades. Preferindo a vida turbulenta das cidades calma do campo, isso naturalmente se torna prejudicial agricultura.136

Tambm, as arcaicas lavouras no mantinham um ritmo de produo compatvel com as necessidades do processo industrial do momento, nesse contexto Pernambuco apresentava um cenrio de mutao na economia proporcionado pela crescente competio dos cultivadores estrangeiros que fez baixar o preo do acar no mercado internacional e cortou o valor das exportaes do Norte pela metade. Concordamos com a historiografia de poca, tal fracasso foi motivado por desconfianas e intervenes, da elite rural, no processo modernizador uma vez que no o viam com bons olhos. Contudo, admitimos que os discursos para as transformaes nesse setor

136

Segundo Relatrio das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria do Mosteiro de So Bento de Olinda-PE (1916). Officinas Grafhicas da Agncia Jornalstica de J. Agostinho Bezerra Recife: 1917, p. 18.

partiram dessa burguesia haja vista que os primeiros contratantes para a construo de engenhos centrais, consequentemente as usinas, foram,

Jos da Silva Loyo Jr, com oito unidades, acompanhado de Joaquim Verssimo do Rego Barros, Joo Machado Teixeira Cavalcanti, Manoel Machado Teixeira Cavalcanti, Cardoso & Irmos, Felismino de Mendona Vasconcelos, Coronel Joo Carlos de Mendona Vasconcelos, Capito Joo Paulo Moreira Temporal, Manoel Peres Campelo Jcome da Gama e Coronel Manuel de Souza Oliveira; todos de nacionalidade brasileira, ligados ao comrcio e a agroindstria aucareira.137

A elite agrria pernambucana, como percebemos, inclua muitos remanescentes do Imprio, isso contribuiu para conservadorismos e resistncias s mudanas na regio, motivo pelo qual, acreditamos, tais mudanas ocorreram a passos lentos e sem planejamento. EISENBERG corrobora com a nossa reflexo, segundo o autor,

aproximadamente sessenta usinas operavam em Pernambuco em 1910, dois teros das quais tinham sido beneficiadas por subsdios. Mas, outros dois mil engenhos tradicionais continuavam a suprir a demanda local de acar no refinado e de aguardente barata. Assim, embora a ajuda governamental tivesse possibilitado a modernizao de uma pequena parte dos engenhos, a transformao e a reorganizao jamais se completou.138

Para ANDRADE,

a experincia dos engenhos centrais no foi promissora; o Poder Pblico teve que fazer grandes investimentos e garantir juros a empresas que no tiveram capacidade de bem planejar e bem implantar os seus empreendimentos, em geral mal administrados, que no fizeram um planejamento agrcola e no se entenderam bem com os proprietrios que se transformariam de pequenos industriais em vendedores de matriaprima. O projeto da usina em que haveria a integrao da agricultura indstria mostrou, desde o incio, que era mais vivel e que melhor atendia s necessidades e realidade local. 139

137

ANDRADE, Manuel C. Op. Cit. 1989, p. 27. Conferir, tambm, LEVINE, Robert M. Op. Cit. 1980, p. 171. 138 EISENBERG, Peter L. Op. Cit. 1977, p. 240. 139 ANDRADE, Manuel C. Ibid. 1989, p. 29.

Harmonizamo-nos com os autores, uma vez, que no percebemos o estabelecimento da economia local via produo aucareira em nossas anlises mesmo com o monoplio de cargos polticos por parte desses grupos. Assim, todas essas imbricaes, bem como, os discursos polticos agrrios proferidos por esses agentes sociais140, principalmente no primeiro decnio do sculo XX, constituram um ponto importante para a criao das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento. importante rememorarmos, que os primeiros movimentos para modernizao no Pas tinham como foco a produo agrcola segundo o projeto pedaggico positivistas, visto que, essa continuou compartimentada e distribuda pelas diferentes regies, desenvolvendo-se independentemente das demais e voltada inteiramente para exportao como se fossem diferentes unidades acidentalmente reunidas no corpo de uma nao levando vida parte. Nesse sentido, interessante percebermos que as primeiras dcadas do sculo XX representaram para sociedade local um momento histrico que refletiu a tenso entre o moderno e o tradicional. Expressado nos debates de intelectuais, nas notcias e opinies registradas na imprensa. Inclumos aqui os discursos acerca do ensino agrrio sob as luzes do positivismo. Dessa forma, mudanas significativas transformavam o ensino formal e o cotidiano social por meio de invenes e hbitos modernos, entre os quais, iluminao a gs, e depois eltrica, bondes eltricos e metrs, restaurantes, cafs, cinemas, cabars, hipdromos, grandes praas, jardins e parques, que gradativamente, caracterizavam a nova vida das elites e o rompimento com o tradicional. Na regio, as iniciativas voltadas para a modernizao da agricultura iniciaram basicamente com a insero da educao formal de cursos agropecurios e a expanso de ferrovias que objetivavam reduzir os custos com transporte e estimular a construo de novas usinas, principalmente na Mata mida. J as regies, entre as quais, a Mata Norte que dependiam de navios costeiros para o transporte do acar, praticamente no houve mudanas significativas no perodo, principalmente, pela falta de iniciativas do
140

Nesse deflagrar do processo de modernizao, a elite rural, formada pelos senhores de engenho, levou vantagens sobre os detentores do capital comercial e financeiro, uma vez que se destacaram como fundadores de usinas e engenhos centrais, figuras pertencentes s famlias tradicionais como os Pontual, Lins, Holanda Cavalcanti, Bezerra Cavalcanti, Rego Barros, Wanderlei e Carneiro Cunha. Muitas usinas tiveram poucos anos de durao, funcionando apenas por duas ou trs safras; os proprietrios no dispunham de capital de giro necessrio e as facilidades de crditos bancrios nem sempre chegavam. ANDRADE, Manuel C. Op. Cit. 1989, p. 30.

poder pblico. Nesse contexto de contradies, ambigidades e incertezas, com dificuldades em conceber a dimenso das mudanas que eram anunciadas pelas vozes do modernismo progressista a elite agrria regional aos poucos perdia os traos caractersticos da fase urea da economia aucareira local. Foi nesse embate entre o tradicional e o moderno, que um novo pensamento sobre o agrrio se constituiu no imaginrio da aristocracia canavieira provocando inquietaes nos personagens envolvidos com a poltica e a prtica agrcola vigente. Um grupo endividado, mas no enfraquecido politicamente. Por meio das redes de sociabilidades se mantiveram no poder, por vezes, usando verbas oficiais em benefcio prprio. Contudo EISENBERG nos mostra que,

essa prtica nem sempre implicava poder, mas, a oligarquia rural de Pernambuco naquela poca tanto reinava como mandava . No podemos esquecer, tambm, que o fracasso do setor aucareiro foi motivado, sobretudo, por uma prtica contnua no contexto histrico nacional, a inconvenincia da transferncia de modelos externos a uma realidade especfica.141

Mas, as primeiras unidades de produo do acar a se modernizarem na regio com tais recursos foram s usinas e no os engenhos centrais. Logo identificamos o porque, do declnio desse ltimo. PERECYN, ao analisar o poder e o prestgio na Primeira Repblica brasileira observa que esses representantes estavam ligados s origens oligarcas, para a autora,

[...] impossvel separar o estadista do fazendeiro. Da mesma forma que no se separam das razes agrrias o coronel, o senhor de engenho, o usineiro, o bacharel, o deputado, o burocrata, os presidentes do partido, os intelectuais; quanto a estes, salvo excees, poder, prestgio e conhecimento eram implcito s condies de bero. 142

141 142

EISENBERG, Peter L. Op. Cit. 1977. PERECYN, Marly T. Os passos do saber: a Escola Agrcola Prtica Luiz de Queiroz. So Paulo: USP, 2004, p. 84.

A estudiosa refora nossa discusso. Essa era uma caracterstica dos republicanos brasileiros em Pernambuco, os grupos que lutavam para (re)significar o agrrio no diferia aos demais. No podemos esquecer que tal quadro resultado herdado da colonizao, com resqucios, dentre os quais, a definio de Estado essencialmente agrrio. Os grandes engenhos e as usinas simbolizavam a prtica econmica exercida pelas famlias tradicionais da regio fato aproximava o perfil da economia local agricultura. Entretanto, ANDRADE justifica que diferentemente de outros estados brasileiros agrcolas, essas relaes no efetivaram o crescimento econmico local, para o autor,

quando se passava a fazer um exame em escala nacional surgia o grande problema regional, de vez que Estados com maior importncia poltica e maior poder de presso sobre o Governo Federal, como So Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, procuravam obter favores mais significativos que Pernambuco, embora esse fosse o maior produtor de acar.143

Assim, para corroborar com a anlise, buscamos LEVINE, para quem o poder dos grupos aucareiros no foi suficiente para obrigar os governos a reduzir os impostos a fim de fazer o seu produto mais competitivo. Na Primeira Repblica poucos pedidos de assistncia por parte do Estado eram atendidos
144

. A partir das interpretaes do autor

evocamos essa relao de poder e percebamos que os senhores-de-engenho presentes no Congresso Agrcola promovido pela Sociedade Auxiliadora da Agricultura de Pernambuco realizado no Recife em 1879, j demonstravam insatisfao e ressaltavam a urgente necessidade de mudanas, bem como, enfatizavam a preocupao com a educao agrcola. quela poca a grande lavoura do Imprio j demonstrava falta de investimentos, sobretudo, de melhoria na formao profissional, conforme o discurso do Sr. Joo Fernandes Lopes, presente no mencionado Congresso,

na Alemanha, Suissa e Inglaterra a instruco primaria obrigatoria considerada o penhor seguro do engrandecimento destes paizes: e a Alemanha liga tanto apreo quella lei, que a poz immediatamente em pratica na Alsacia Lorena. Ora, sendo este paiz essencialmente agrcola, porque no se fizeram ainda methodos de agricultura para as aulas de primeiras letras?Porque no se comea j a dar mocidade, a par do ensino
143 144

ANDRADE, Manoel Correia. Op. Cit. 1989, p.55. LEVINE, Robert M. Op. Cit. 1980, p. 239.

primrio, a educao agrcola, infundindo-lhe o gosto para o que lhe to til?145

Logo, a preocupao com o ensino agrcola no era uma discusso nova no mbito regional, ao mesmo tempo, refora nossa discusso com relao aos grupos aucareiros local. Os anseios eufricos e as expectativas polticas de modernizao industrial pelos quais passavam o Pas impulsionaram esses sujeitos, mesmo com ressalvas, a aproximarem a agricultura do projeto tecnolgico presente nos discursos republicanos, perodo no qual o ensino agronmico se encontrava em plena efervescncia para atender as necessidades nacionais conforme o Decreto n 13.028, de 18 de maio de 1918, do Presidente da Repblica, Dr. Wenceslau Braz P. Barros. Em Pernambuco, vrios rgos atuaram em prol da melhoria da agricultura e dos rebanhos, dos quais,

a Associao Commercial Agrcola, fundada em Recife em 1838, a mais antiga das organizaes; o Instituto Imperial de Agricultura de Pernambuco, a Associao Auxiliadora da Agricultura de Pernambuco. Por fim, o movimento do sindicato agrcola promovido no Primeiro Congresso Agrcola Nacional, em 1901, conduziu organizao em 1905, do Syndicato Agrcola Regional de Gamelleira, Amaraji, Bonito e Escada; e, em 1906, Unio dos Syndicatos Agrcolas de Pernambuco USAP. Essa ltima se props fundar escolas agrcolas e um laboratrio, a publicar um boletim tcnico e estatstico, a funcionar como grupo de presso em problemas de transportes, a agir como agente comprador e vendedor, a distribuir sementes e a promover cooperativas de crdito. 146

Entendemos ento a modernizao agrcola no como um artifcio novo nesse cenrio, mas, como peculiar no contexto regional scio-econmico e poltico. Tambm o Ministrio da Agricultura e Comrcio nos primeiros anos republicanos discute a inteno do ensino agrcola exposta no Congresso Nacional de agricultura. De acordo com OLIVEIRA a atuao do MAC estava,

145 146

CONGRESSO Agrcola do Recife 1878. Recife: CEPA/PE, 1978, p. 17-18. EISENBERG, Peter. Op. Cit. 1977, p. 158-159.

Coerente com os discursos que eram propagados e produzidos poca, os quais destacavam a situao de abandono, atraso e degenerao da agricultura, foi constituda uma srie de medidas voltadas para a interveno na situao exposta, a qual tinha direo definida: era preciso fomentar o progresso e a modernizao; a civilizao precisava ser levada at o campo. 147

importante rememorarmos que as idias de modernizao no pensamento agrrio regional eram remetidas ao ensino agrcola desde o sculo XIX influenciada por pensadores positivista. Segundo PERECYN, essa influncia se revelou, sobretudo entre 1880 e 1920, para a autora os discursos que apontavam necessidade do referido ensino no Pas, focavam um mtodo mais racional para os conhecimentos da agricultura, dessa maneira,

parte referencial da reforma do ensino que defendia estava no sistema educacional, que deveria ser aparelhado para oferecer o ensino dentro da classificao de Auguste Comte e formar o profissional tcnico embasado nas cincias matemtico-fsicas e da natureza, a serem ministradas nas escolas secundrias e superiores, indispensveis agricultura e indstria do Pas.148

Assim, o movimento dinmico existente na sociedade brasileira, que favoreceu a constituio do pensamento agrcola, sobretudo, as manifestaes pelo ensino, segundo NASCIMENTO, h uma inter-relao entre o sculo XIX e XX,

as mudanas registradas nas ltimas dcadas do sculo XIX e nas primeiras do sculo XX so, assim, parte de um processo que se produziu no Brasil ao longo dos anos oitocentos e que obedece a uma dinmica prpria que no se subordina diretamente ao processo de substituio do regime monrquico pelo republicano. Portanto, no so novidades introduzidas no sculo XX, ou por uma interveno direta de polticos republicanos, aes como o estmulo migrao de trabalhadores ou europeizao, por exemplo, processos que, de resto, foram vividos intensamente durante o sculo XIX, sob a monarquia.149

147

OLIVEIRA, Milton Ramon Pires de. Formar cidados teis: os patronos agrcolas e a infncia pobre na primeira Repblica. Bragana Paulista: EDUSF, 2003, p. 26. 148 PERECYN, Marly T. Germano. Op. Cit. 2004, p. 84. 149 NASCIMENTO, Jorge Carvalho do. Memrias do aprendizado: 80 anos do ensino agrcola em Sergipe. Macei: Catavento, 2004, p. 32.

Logo, para abordamos prticas escolares das Faculdades de So Bento propomos uma breve reflexo sobre os ideais positivistas, uma vez que identificamos fortes indcios desse paradigma no regimento curricular, nas prticas escolares do nosso objeto de pesquisa, ambos relacionados com discursos de rgos institucionais, entre os quais, o MAC.

2.3 Perspectivas para implantao do ensino superior agropecurio e suas imbricaes com o pensamento positivista

Marcante na histria do Pas, desde seus primeiros momentos sob a Repblica, a presena em seus quadros de simpatizantes da doutrina positivista, num perodo de polarizao de tendncias profissionais entre positivistas polticos e religiosos. 150

Propomos essa reflexo, a partir do momento que observamos como a prtica pedaggica das Faculdades de So Bento envolvia o imaginrio de professores e alunos com perspectivas ideais positivistas. Diante dessa percepo buscamos as

interpretaes de PAUL RICOEUR. Segundo o autor a defesa de uma memria esclarecida pela historiografia e a de uma histria erudita passvel de reanimar uma memria poltica para a justa memria, constitui um desafiar para a historiografia presente
151

. Assim, sentimo-nos intimadas a discorrer sobre os fundamentos do

paradigma positivista no Brasil vislumbrando como suas perspectivas foram adicionadas ao modelo curricular do objeto em anlise. Nesse sentido, iniciaremos a reflexo. O Ministrio de Agricultura, Comrcio e Obras Pblicas - MACOP, durante o Imprio foi um espao de defesa da cincia utilitria por meio da aplicao de novas prticas e conhecimentos no meio rural. As atividades cientficas foram uma entre as atividades desenvolvidas pelo MACOP. Acreditamos que o surgimento desse rgo representou um marco na institucionalizao das cincias no
150

Apud. SOARES. HEINZ, Flvio M. Positivistas e republicanos: os professores da Escola de Engenharia de Porto Alegre entre a atividade poltica e a administrao pblica (1896-1930). In: Revista Brasileira de Histria. Op. Cit. n.58. v. 29. 2009 p. 270-271. 151 RICOEUR, Paul. Entre memria e histria. In Projet. Paris. Nmero 248, 1996, p. 11.

Pas, ao mesmo tempo consolidou sua aplicao na agricultura ao constitui-se no primeiro ambiente que aglutinou em torno de si atividades ligadas ao setor produtivo. Esse ministrio adentrou os primeiros anos da Primeira Repblica posteriormente teve o processo interrompido, transformando-se em secretaria ficando subordinada ao Ministrio da Indstria, Viao e Obras Pblicas. Contudo, os valores positivistas disseminados no Brasil a partir da segunda metade do sculo XIX provocaram uma legitimao que fundamentou o pensamento e a ao de setores das elites rurais brasileiras no incio do sculo XX organizando-se em torno da Secretaria Nacional de Agricultura. A dissertao de mestrado de FERREIEA152 dentro da perspectiva de Pierre Bourdieu mostra como a cincia brasileira, no perodo em tela, estava permeada pelo positivismo, e como essas idias atuaram como fator de coeso, conferindo-lhe especificidades e consolidando-a, dentro de um campo social. Dessa maneira, ALONSO153 refora a tese de positivismo difuso, ao realizar um estudo historiogrfico sobre a problemtica, em tese de doutoramento mostra o papel desse sistema no repertrio de idias que se disseminaram no Brasil no final do sculo XIX e fundamentaram a atuao contra a atuao da gerao contra o status quo imperial. Assim, acreditamos que trabalhos acadmicos sobre o tema, merecem destaque, porque alargam a construo de uma nova perspectiva de anlise. Observamos que CRUZ COSTA154 relaciona a adeso ao positivismo a valores tradicionais tpicos do Imprio, bem como, procura entender a insero social dos positivistas. BARROS155 mostra como a temtica conseguiu se integrar nas demandas dos grupos ilustrados da segunda metade dos oitocentos ao formular um projeto de sociedade. Contudo, LINS156 o primeiro que defende a tese de que o positivismo se difundiu nos valores e na cultura da sociedade brasileira. Inspirada em Gramsci, Mendona auxilia MARCOS J. BHERING quando analisa o processo de criao desse organismo, relacionando o seu surgimento s demandas das fraes de grupos alijados do poder no incio da Primeira Repblica. Esses sujeitos se

152

FERREIRA, L. O. Os politcnicos: cincia e reorganizao social segundo o pensamento positivista da Escola Politcnica do Rio de Janeiro (1862-1922). Dissertao de Mestrado, UFRJ, 1989 p. 108. 153 ALONSO, ngela. Idias em movimento: a gerao de 1870 na crise do Brasil Imprio. So Paulo: Ed. Paz e Terra, 2002. 154 COSTA, Cruz. Contribuio histria das idias no Brasil. Rio de Janeiro. Ed: Civilizao Brasileira, 1967, p. 130. 155 BARROS, Roque Spencer Maciel de. Ilustrao brasileira e a idia de universidade. So Paulo: Edusp, 1986. 156 LINS, I. Histria do positivismo no Brasil. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1964.

organizaram atravs da Sociedade Nacional de Agricultura - SNA, criada em 1896. Desse modo,

o Ministrio da Agricultura Indstria e Comrcio - MAIC surgiu, como um espao contra-hegemnico dentro do Estado brasileiro, em que se postulava um tipo de agricultura alternativa quela mais proeminente, baseada no latifndio agro-exportador. Nessa perspectiva, as demandas por uma agricultura racional, de base cientfica e diversificada que simbolizavam um projeto alternativo para a agricultura brasileira se materializou em 1909.157

Deduzimos que as idias de cincias, progresso e civilizao norte-americanos, adotados pelo MAIC como paradigma pedaggico a ser seguido no Brasil, tiveram um papel primordial no processo de escolha do modelo pedaggico adotado das congneres alems para as Escolas Superiores de So Bento. Uma vez que esses ideais possuam um valor ideolgico que buscava legitimar a posio da Secretaria Nacional de Agricultura no interior do jogo de foras que ocorria, sobretudo, nos setores polticos onde seus representantes atuavam em defesa da construo de um espao para seus interesses. Assim, percebemos que o perodo da Primeira Repblica tem sido tomado como momento em que o positivismo158 atingiu seu pice na sociedade brasileira. No interior dos espaos escolares, a idia de positivismo difuso justifica-se no pressuposto da importncia positivista na formao cultural brasileira, sobretudo, a influncia de Estados como So Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais medida que fundamentavam as concepes de modernidade nos finais do sculo XIX e incio do sculo XX. Inclumos aqui o ensino agropecurio das Faculdades de So Bento, atuando como suportes ideolgicos fundamental do projeto de construo e afirmao de uma ordem social burguesa no Brasil, legitimada pelos discursos de progresso, com base na
157

BHERING, Marcos Jungmann. Positivismo e modernizao: polticas e institutos cientficos de agricultura no Brasil (1909-1935). Dissertao de Mestrado em Histria das Cincias e da Sade. Fundao Osvaldo Cruz. Rio de Janeiro: 2008, p. 15. 158 A defesa de uma cincia utilitria pelo positivismo no foi uma adaptao da doutrina pelos brasileiros, e sim defendida por Augusto Comte em suas obras. Esse filsofo formulou um arcabouo terico a respeito do papel das cincias e dos cientistas junto sociedade francesa. Sociedade essa que atingiu o seu mais alto grau de civilizao, essa atividade desempenhou um papel fundamental, juntamente com aqueles que as exerceram, organizaram. A cincia aparece assim como um objeto pragmtico, devia possuir o papel de construo social. O positivismo, dessa forma, postulava uma perspectiva utilitria da cincia. Para Comte, essa viso de mundo possua uma genealogia: a Escola Politcnica da Frana, criada em 1794, no perodo da Conveno, foi um smbolo do novo modelo de cincia consagrado pela nova ordem.

racionalidade positiva do saber cientfico. Um dos personagens emblemticos desse perodo foi MIGUEL LEMOS, filsofo brasileiro, lder da Igreja Positivista do Brasil. A historiografia o aponta como um dos primeiros a se lanar na empreitada de estabelecer a histria do positivismo no Pas. Segundo LEMOS seu primeiro momento de adeso a ideologia de Comte se deu a partir de suas obras matemticas e mais tarde, religio positivista. Assim, a partir de tais princpios iniciou uma contnua ao poltica, social e religiosa. Porm, os ideais positivistas somados ao mtodo alemo as Escolas Superiores de So Bento criaram razes que vo muito alm da Igreja Positivista no Brasil. Sendo assim, esta ultrapassou o pensamento e ao daqueles que se assumiram como adeptos em maior ou menor grau, integrando-se na cultura pernambucana mesmo aps a primeira metade de sculo XX. Seguindo esse vis, pensamos que esses fatores foram de fundamental importncia para a negociao entre o Estado e a Igreja quando refletimos sobre o destino da administrao da Escola de Agricultura de So Bento, em 1936. De acordo com SCHWARTZMAN, estudioso envolvido com a temtica,

os mestres no possuam formao especfica, em caso de escolas como as de Agricultura e Veterinria ministravam um ensino inadequado e insuficiente. Alm de carecer daquelas caractersticas de tempo integral, seleo rigorosa de estudantes, pequenas turmas, etc., que deram marca inicial no ensino agrcola do Pas, ela sofria o peso negativo da ideologia positivista, que, apesar de modernizante em sua inteno, conduzia a uma viso de atividades cientfica e tcnica bastante rgida e ultrapassada.159

De

certa

forma,

esse

fato

impediu, por

um perodo

considervel,

desenvolvimento das cincias agrrias em localidades especficas do Pas, entre as quais o Estado de Pernambuco, por meio de suas proposies monolticas a respeito do fazer cientfico. Pesamos que a contribuio desse paradigma, foi o auxlio para o pensamento liberal atingir seu triunfo quando a idia de ensino livre, a respeito da educao superior brasileira, teria sado vitoriosa nos debates parlamentares acerca da questo. Entendemos que a crtica da sociedade local com relao ao ensino agropecurio superior ministrado nas Faculdades de So Bento e ao modelo pedaggico
159

SCHWARTZMAN, S. Um espao para a cincia: a formao da comunidade cientfica no Brasil. Braslia: Ministrio da Cincia e da Tecnologia/Centro de Estudos Estratgicos. 2001, p.92-135

alemo que regia seus currculos, estava relacionada autoridade imposta pelos positivistas, principalmente, no final do sculo XIX e incio do sculo XX. Evento que provocou uma procura relativamente baixa de determinados grupos sociais aos referidos Cursos. Contudo, o positivismo mesmo sendo alvo de crticas pelos defensores da cincia constituiu-se em uma problemtica obrigatria das quais e pelas quais, pensadores refletem e passam a pertencer a sua poca podendo situ-lo ou dat-lo
160

. Assim, ao

estendermos nosso olhar para alm das Escolas Superiores de So Bento compreendemos a prtica pedaggica em evidncia, a qual se mantinha num vis pragmtico e utilitrio comparados ao do sculo XVIII. O espao em que essa cincia se manifestou foi o MAIC, logo, a difuso e a institucionalizao da relao entre cincia e agricultura sob a gide do Ministrio Agricultura Comrcio e Obras Pblicas - MACOP tiveram espaos diferenciados para se concretizarem, apesar de compartilharem postulados a respeito do papel que as cincias deveriam desempenhar na sociedade. Nessas perspectivas, tanto os discursos poltico da intelectualidade, como os ideais de rgos institucionalizados corresponderam s perspectivas de ensino que vislumbravam a criao de um novo profissional, um personagem com domnio e conhecimentos cientficos. Assim, os republicanos, sobretudo, os pernambucanos

definiram o valor desse modelo escolar representado pela figura do agrnomo e do mdico veterinrio, como sujeitos importantes no processo de valorizao da cincia e das prticas agrcolas do ruralismo regional. Na opinio de MENDONA,

a temtica do ensino agrcola, a despeito de um novo profissional discutido desde o Segundo Reinado, ganhou relevo ao longo da Primeira Repblica, na medida em que as transformaes suscitadas pela abolio impuseram a necessidade de redefinirem-se as formas de controle e/ou coero sobre a fora do trabalho rural, impedindo sua fuga ao circuito do mercado. Nesse contexto, enquanto potenciais gestores da nova ordem social emergente no campo, os agrnomos e veterinrios trabalhadores, a despeito de diferenas quanto a suas posies, guardavam ente si, um denominador comum: o papel de porta-vozes dos interesses da classe dominante agropecuria do perodo, em sua misso de modernizar a agricultura do Pas.161

160 161

FERREIRA, L. O. 1989, Op. Cit.1989, p. 115. MENDONA, Snia Regina. Agronomia e poder no Brasil. Rio de Janeiro: Vcio de Leitura, 1999, p. 30.

No Brasil, as escolas que tinham o objetivo de propor o ensino das prticas agrcolas eram subordinadas ao Ministrio da Agricultura e ficavam sob a direo da Superintendncia do Ensino Agrcola e Veterinrio. De certo modo, isso limitou o conhecimento do mundo agrcola. Em Pernambuco os defensores das cincias agrrias no questionavam o fato de se atriburem o papel como responsveis pela conduo econmica da regio rumo ao progresso e modernizao . Percebiam-se como membros de uma elite patriarcal, tal como, proposta pelo positivismo. Contudo, importante notar que as mudanas ocorridas no Estado, na travessia do Imprio para a Repblica foram necessrias para estabelecer, posteriormente, uma simbologia da conscincia agrria de modernizao. Constituindo-se um novo projeto de concepo moderna sobre a agricultura, principalmente, os representados pelos projetos educacionais. Dessa maneira, as aspiraes para remodelar o perfil da agricultura local so compreensveis. Contudo, no podemos esquecer que a construo de uma imagem por parte dos poderes envolvidos com a criao das Escolas Superiores de So Bento para reafirmar o poder da elite rural, por meio dos processos de apropriao da realidade eram ferramentas de um esquema de prticas e perfis modelados. Logo, ensino agrcola, em especial o curso de agronomia implantado no Estado nas primeiras dcadas do sculo XX, ganhou destaque na Primeira Repblica, tendo como objetivo formar intelectuais orgnicos dos grupos agrrios dominantes,

empenhados na constituio de um discurso de cientificidade da sua atividade para garantir legitimidade e reconhecimento scio-poltico, com essa perspectiva,

implantarem uma agricultura moderna. Nesse sentido, revelou-se um novo tempo para a produo agrcola regional, de certo modo, houve iniciativas para desenvolvimento econmico via agricultura. Para GRAMSCI162, cada grupo social tem papel decisivo na produo, engendra seus prprios intelectuais, ditos orgnicos a este mesmo grupo social. Assim, a elite agrria pernambucana, desenvolvida no seio do regionalismo, trazia consigo no apenas o coronel, mas tambm uma srie de figuras intelectuais mais ou menos distantes dele: o jornalista, o administrador, o economista, o advogado, o organizador das mais distintas esferas do Estado. Tais intelectuais seriam responsveis pela remodelao do Estado, eram sujeitos ligados a poltica e as famlias tradicionais da regio, ocupavam altos cargos pblicos que terminaram por moldar a sociedade local.

162

Sobre a problemtica, conferir, GRAMSCI, Antnio. Op. Cit. 1979.

A Mensagem apresentada pelo desembargador e governador Sigismundo Antnio Gonalves163 demonstra a preocupao e ao mesmo tempo, o interesse desse grupo social pela problemtica, assim relatou Sigismundo,

voltando a administrao no dia 7 de abril de 1904, reencontrei o problema das usinas no p em que havia deixado, sempre temeroso, reclamando soluo, e ameaando a runa total das finanas estaduais. Considerando, em regra, perdido o avultado e louco emprstimo feito pelo Estado aos concessionrios de usinas, e tambm estes grandemente sacrificados, ou mesmo em regra tambm perdidos pelos seus graves erros e desatinos, pareceu-me que devia, no meio dessa runa geral, tentar alguma coisa tanto em benefcio do Estado quando dos concessionrios, procurando harmonizar e conciliar os respectivos interesses.164

Certamente, as iniciativas do poder pblico representavam os interesses da elite agrria local e confirmaram o pensamento de (re)modelagem do espao agrcola por mltiplos caminhos, entre os quais, o ensino superior agropecurio. Pensamos que rememorar essa histria, a partir, das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento, mais do que explicarmos os fatos e interpret-los como sugere DURVAL MUNIZ. Devemos seguir suas linhas de constituio, o rendilhado de lutas, experincias e falas que deram origem ao seu desenho, atentos para os silncios que so incontornveis, mas so tambm elementos de sua tessitura.165 Tambm, ORLANDI nos orienta quando falamos de histria e de poltica, para a autora ao analisarmos os discursos no h como no considerar o fato de que a memria feita de esquecimentos, de silncios. De sentidos no ditos, de sentidos a no dizer, de silncios e silenciamentos
166

. A verdade que os grupos econmicos da

regio, sempre contaram com o apoio financeiro oficial, representado pela garantia dos juros aos capitais empregados, porm, na maioria das vezes, por meio de subvenes a
163

Poltico, jornalista e magistrado. Durante o regime republicano, foi nomeado ministro do Supremo tribunal de Justia. Alm, de chefe de polcia, deputado provincial, no perodo de 1868-1869, deputado federal de 1878-1881; e de fevereiro a setembro de 1885. Tambm, foi presidente da provncia de Pernambuco e, governador desse Estado, por duas vezes, quando esse se tornou unidade federativa, no perodo de 07 de abril de 1904 a 07 de abril de 1908. 164 Mensagem 1907, p. 5. Apresentada pelo Desembargador Sigismundo Antnio Gonalves, ao Congresso Legislativo do Estado, no dia 06 de maro de 1907, e lida por ocasio da instalao da quarta sesso ordinria da 6 legislatura . 165 ALBUQUERQUE Jr, Durval Muniz de. Idem. 2007, p. 153. 166 ORLANDI, Eni P. Maio de 68: os silncios da memria. In: ACHARD, Pierre. Papel da memria. Campinas: Pontes, 1999, p. 59. Tambm conferir ANDRADE, Manuel Correia de. Op. Cit. 1989.

serem pagas em prazo longo e com juros mdicos, onde poucos honraram seus compromissos, nesse caso em especial, silenciar as evidncias seria mais interessante. Fizemos um levantamento cronolgico de 1890 at 1910, desses grupos econmicos e constatamos que todos, sem exceo, estavam ligados por laos familiares elite rural regional, bem como, ao poder pblico, dos quais,

Cel. Augusto Octaviano de Souza, Joo Lopes de Siqueira Santos, Jos M. A. Pontual e Filho, Dr. Pontual & Cia, Guimares de Oliveira & Cia, Pessoa, Maranho & Cia, Jos Queiroz, Agro Pecuria Jaime Beltro Ltda, Roberto Lacerda Beltro, Doroteu, Arajo & Cia, Moura, Doroteu & Arajo, Pedro Corra, Joo Carlos de Mendona Vasconcelos, Joo Paulo Moreira Temporal, Alfredo Osrio, Meira Lins, Estcio Coimbra, Jaime Coimbra, Mendes, Lima e Cia, Manoel de Brito, Othon Bezerra de Melo Mendes, Lima e Silva, A. F. da Costa Azevedo, Joaquim Bandeira, Arquimedes de Oliveira, Antnio Ferreira da C. Azevedo, Rui Carneiro da Cunha, Jlio Maranho, Artur de Lima Cavalcanti, Jos Rufino Bezerra Cavalcanti, Joo Cardoso Ayres Filho, Armando Queiroz Monteiro, Juca Capituliano, Joo Wanderlei de Siqueira & Irmos, Pompeu de Carvalho S. Brando, Fernando Maranho, Visconde de Gonalves Pinto, Cel. Jos Ferraz Abreu, Pontual & Barros, herdeiros de Antnio Martins de Albuquerque, Joo Lira, Igncio de Barros Barreto e herdeiros, Francisco Rego Barros de Lacerda e famlia, Grupo Brennand, Jos Ermrio de Morais e Antnio Correia de Arajo.167

A partir da relao nominal compreendemos os motivos da preocupao se voltar mais para a indstria do que com a agrcola. Acreditamos, que esse fato somado a outros eventos que ocorreram no Pas, no perodo em tela, impulsionaram a tecnologia local por meio de dois caminhos o agrcola e o industrial. Mas para ambos, essa transformao foi muito lenta. Com relao cultura da lavoura, essa era feita por lavradores que na maioria das vezes no dispunham de capital nem de conhecimentos para desenvolver pesquisas que melhorassem a produo. Nesse sentido, poucos foram os engenhos centrais e mesmo usinas que sobreviveram at a segunda metade do sculo XX. Para melhor compreendermos as imbricaes contidas nesse processo, dividimos em trs perodos cronolgicos o jogo das foras antagnicas da economia regional.

167

ANDRADE, Manuel Correia de. Ibid.. p. 39-40-41-42-43-44-45-46.

De 1875 a 1890 nesse perodo foram implantados os engenhos centrais e as

primeiras usinas, marcado por falncias devido a falta de planejamento administrativo.

II

O perodo que se estende de 1890 a 1910, identificamos a falta de capital

financeiro, comercial, bem como, a substituio deste pelo capital agrrio e usinas montadas por lderes do setor aucareiro com o apoio financeiro dos governadores que iniciaram o perodo republicano.

III

Posteriormente de 1910 a 1933, perodo de consolidao do processo

usineiro, proporcionado pela elevao do preo do acar no mercado internacional, observamos muitos conflitos entre usineiros e fornecedores de cana. Nesse momento o Estado racionou a poltica intervencionista, em seguida o Governo Federal criou o Instituto do Acar e do lcool IAA, o qual passou a fazer o controle da produo da

cana, tambm nessa ocasio foi promulgada o Estatuto da Lavoura Canavieira.

Com essa breve reflexo, procuramos de maneira sucinta trazer para a discusso dessa pesquisa os problemas que afligiram a agroindstria aucareira, como tambm, os meios encontrados para super-la, a partir de mudanas ocorridas nos fatores: econmico, poltico e estruturais no Estado, por acreditarmos que a criao das Escolas Superiores de So Bento estava intimamente ligada a tal processo. Chegamos a essa concluso a partir do momento que relacionamos a historiografia de poca com nossas fontes. Logo, concluimos que os amigos do Mosteiro de Olinda-PE
168

, to

referenciados pela Irmandade, eram polticos fortemente ligados a elite agrria da regio. Nesse contexto, os centros do saber agropecurio surgiram de forma intencional para atender no s a uma demanda da sociedade regional, mas tambm, do Pas, em outras palavras foram criados como resposta aos anseios republicanos e eclesisticos, haja vista, que no tratamento do corpus documental deparamos com os alunos da regio Norte, mais tambm, com docentes da regio Sul. A anlise nos permite deduzir que h silenciamentos na histria oficial do objeto em anlise, bem como, na historiografia de poca local, quando essa atribui a iniciativa da criao das Escolas Superiores de So Bento exclusivamente aos beneditinos da cidade de Olinda, ou melhor, a Igreja Catlica.
168

Ata 1906. Arquivos do Mosteiro de So Bento em Olinda-PE.

Percebemos nesse evento, mltiplas redes de sociabilidades entre polticos republicanos e clrigos que resultou no surgimento do objeto em estudo. Nesse contexto, percebemos as Escolas Superiores de So Bento como um bem cultural que viveu permanentemente em transformao e ao mesmo tempo se expandia em novos tecidos para atender a novas demandas em constante renovao. Assim, propomos mostrar como um bem coletivo pode sofrer permanentes injunes transformadoras, principalmente, no jogo antagnico do poder existente nas redes de sociabilidades. Aos sujeitos que circulam na UFRPE de hoje resta perceber o que ainda existe como testemunho das primeiras adaptaes espaciais, dos primeiros critrios de instalao e de apropriao, para de alguma maneira, adequ-los a cultura construtiva das suas atividades cotidianas.

2.4

Relaes de sociabilidades entre:

Igreja, Estado e amigos do Mosteiro de So Bento de Olinda

Este ordenamento conflua para os interesses do Estado e da Igreja. O primeiro necessitava daquele discurso catequtico, enquanto o segundo tentava recuperar o poder perdido. Estavam abertos os canais para o pacto que seria realizado, entre ambas as instituies, nas primeiras dcadas do sculo XX, em Pernambuco.169

Assim propomos uma breve reflexo sobre as relaes de sociabilidades estabelecidas entre a Igreja, o Estado e os amigos do Mosteiro de So Bento no perodo em tela, a qual fortalecer a discusso, bem como, nossa compreenso sobre a criao das Escolas Superiores de So Bento. Para realizao dessa proposta tomamos como fio condutor o cenrio poltico por apresentar fatores relevantes capazes de proporcionarmos uma anlise ampliada do contexto histrico-cultural. Nessa perspectiva esperamos situar de maneira mais compreensvel nosso objeto de pesquisa. Aps ser instaurada, a Repblica brasileira desdobrou-se num conjunto de medidas que serviam ao objetivo de garantir o estabelecimento de uma ordem no Pas e instruir a marca de novos tempos. Com essa perspectiva, os discursos produzidos e as
169

ALMEIDA, Maria das Graas Andrade Atade de. A construo da verdade autoritria. So Paulo: Humanitas/FFLCH/USP, 2001, p. 76.

aes desenvolvidas visavam construo de uma nao forte e civilizada. Assim, uma das formas de assegurar esses ideais foi a implantao de uma simbologia nacionalista, atravs da atuao de intelectuais na imprensa, que ansiavam por dar respostas s mudanas que vinham acontecendo no pas desde a segunda metade do sculo dezenove. Segundo ALONSO nesse perodo h um projeto de estado moderno liderado pelas elites poltico-culturais, que buscavam imprimir uma nova face nao . 170 Porm, a passagem do Imprio para a Repblica assistiu no s a mudana poltica, mas a uma revoluo cultural que mudou a concepo dessa sociedade. no contexto caracterizado por transformaes nas prticas/hbitos cotidianos e inovaes cientfico-tecnolgicas, temticas bastante discutidas na historiografia brasileira, que cidades como Recife e Olinda, seduzidas pelos ares da modernidade, adentram o

sculo vinte. Nesse sentido, importante compreendermos que o novo e o belo estavam fortemente vinculados ao mundo urbano, assim, recebidos com receio causaram reaes diversas na populao que vivenciou esse perodo. O discurso modernizador associado idia de progresso provocou um embate entre o tradicional e o moderno visivelmente percebido nas querelas polticas e no pensamento dos intelectuais. Assim, vrios segmentos da sociedade brasileira passaram por mudanas radicais, dentre os quais, a Igreja Catlica. O decreto n 119 A, de 7 de janeiro de 1890, determinou a separao total entre a Igreja e o Estado, extinguindo, no Artigo 4, o Padroado. Regime que por meio de concesses e privilgios concedidos pela Santa S aos reis de Portugal, determinava que eles assumissem a tarefa de evangelizao das novas terras conquistadas utilizando para esta finalidade os dzimos eclesisticos cuja arrecadao ficava em seu poder. O projeto constitucional, da poca, apresentou uma srie de artigos que foram inaceitveis pela Igreja, como por exemplo, o ensino leigo nas escolas. Diante dessas circunstncias a Igreja reclamou a posse de um patrimnio que lhe pertencia e convocou as elites catlicas a reagir a toda uma rede de medidas oficiais que atingiam as tradies religiosas no pas. Toda essa situao causou grandes preocupaes cpula catlica que no cessava de recorrer ao apoio dos fiis, sobretudo, por meio de sermes. Para reforar nossa reflexo buscamos trechos do discurso de D. Sebastio Leme na obra de Oscar Lustosa,

170

ALONSO, ngela. Idias em movimento: a gerao 1870 na crise Brasil Terra, 2002.

Imprio. So Paulo: Paz e

a mudana rpida porque passam as instituies ptrias, e os decretos subseqentes de que tendes notcias, amados irmos, criaram para a Igreja Catlica no Brasil uma situao nova, e que exige novas medidas para sua permanncia e prosperidade...171

A crescente laicizao na poltica brasileira levou os pensadores da Igreja a dialogar e lutar por seus direitos at conseguirem do Governo uma proposta favorvel para a realizao de suas atividades pastorais. Apesar dos conflitos vividos entre Igreja e o Estado, nesse momento importante ressaltar que diante das dificuldades e de acordo com as necessidades recprocas, uma reaproximao dessas Instituies poderia ocorrer de forma a beneficiar seus interesses, por exemplo: a criao das Escolas Superiores de So Bento. Para fundamentar a discusso historiogrfica os estudos de ALMEIDA trazem importantes contribuies. Segundo a autora, diante das novas determinaes do Estado evidencia-se para a Igreja o momento de ao
172

. Ao analisar documentos

histricos expressivos do pensamento de setores privilegiados pelo Estado, a exemplo da Igreja, da Educao e da Imprensa, a historiadora desvenda as cortinas dos embustes sustentadas pelos homens do poder . Uma das contribuies deste trabalho de pesquisa est na articulao que a professora Maria das Graas Atade faz entre campos distintos: o religioso, o educacional e o poltico. Diante da estabilidade da Repblica, D. Pedro Roeser liderando um grupo de quinze monges reformadores, todos de identidade alem e filhos de camponeses, com pouca ou nenhuma formao acadmica, em dezembro de 1906 chega a Pernambuco. Posterior a esse momento nomeado Abade do Mosteiro da cidade de Olinda e da Paraba, em 08 de junho de 1907, pelo Papa Pio X. A bno abacial foi dada em novembro do mesmo ano pelas mos do Exmo. e Revmo. Arquiabade Dom Geraldo Van Coelen
173

Documentos relatam, que no final do sculo XIX monges beneditinos, a maioria de origem germnica da Congregao de Beuron, foram enviados para a cidade de

Olinda na condio de reformadores por determinao do Papa Leo XIII. Lembramos

171

LUSTOSA, Oscar Figueiredo. A Igreja Catlica no Brasil - Repblica: cem anos de compromisso (1889-1989). So Paulo: Edies Paulinas, 1991, p. 17 e 18. 172 ALMEIDA, Maria das Graas A. Atade. Op. Cit. 2001, p. 74. 173 FOERSTER, P. J. Elias. Dom Pedro Roeser O.S.B.: patrono da cadeira n 17 da Academia Pernambucana de Medicina Veterinria. Recife: Ed. Livro Rpido, 2008, p. 21.

que, a restaurao das Abadias Beneditinas do Brasil foi desencadeada sob os auspcios da referida Congregao. De acordo com o livro do analista e cronista que identificamos nos arquivos do Mosteiro, a Irmandade religiosa em Pernambuco passava por situaes delicadas, por conseqncia de medidas tomadas pelo poder central. Conforme registros documentais,

aps um ano e de isolamento, merc de Deus, a 16 de dezembro de 1906, temos a infinita consolao de receber novos irmos com o Revmo. D. Prior, D. Pedro Roeser, chegam os irmos do cro: Fr. Plcido Guimares d Oliveira, Fr. Tito Doberto, os irmos leigos. Depois de abraarmos cordialmente, saindo do fundo da nossa alma um sincero seja bem vindo . Renderam graas, ao bom som, cantando o Te. Deum, seguindo-se-lhe a beno em Altssimo Sacramento.Tambm uma grande comisso da Associao del. Francisco Xavier, possuda dos mesmos sentimentos, sai-lhes ao encontro para apresentar as suas respeitosas saudaes e dar as boas vindas. As primeiras atenes dos recm-chegados foram dirigidas para a Igreja onde se fizeram trabalhos importantes de restaurao sob a competente direo do habilssimo pintor italiano, o Ilmo. S Jos Rocca, mandado para aqui por ordem do Revmo. D. AbadeBispo.174

A chegada desses homens relacionada a forma como foram recebidos pela comunidade, nos leva a pensar que o clero e a elite catlica local estavam reagindo a toda uma rede de medidas oficiais que atingiam as tradies religiosas no Pas. Convm enfatizar que a partir do tratamento documental, evocar a memria das Faculdades de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento possibilitou-nos transitar pela histria de uma instituio educativa agrcola por via das representaes criadas sobre os espaos escolares. Percebemos na escrita dos textos seus produtores e leitores. Quem falava,

de onde falava e para quem se falava. As burlas, presentes nas entrelinhas da documentao nos fazem perceber como se deram as estratgias nas relaes de poder que construram e envolveram o objeto em estudo. Segundo, a interpretao de FOUCAULT em cada sociedade a produo de discurso controlada, selecionada, organizada e redistribuda por um nmero de procedimentos
175

. Seguindo esse vis terico-metodolgico, analisamos os textos da

Ata 1906 nos Arquivos da Abadia Olindense, a qual faz referncias as tenses

174 175

Livro do Analista e Cronista. Abadia Olindense, 1907 FOUCAULT, Michel. Op. Cit. 1979 2005.

1916.

vivenciadas entre a Igreja e o Estado. Vislumbrando um novo olhar sobre essa Instituio de Ensino Agrrio compreendemos que a relao de poder em torno de sua trajetria, no se passou nem ao nvel de direito, nem de violncia, mas, possuidor de uma eficcia produtiva, positiva. Apesar dos conflitos vividos pela Ordem Religiosa, conforme relatos do cronista datados nas primeiras dcadas do Brasil Repblica,

aps um ano e meio de isolamento, um grupo de monges entre eles o Revmo. Prior, D. Pedro Roeser, chegam em terras Olindenses. As primeiras atenes dos recm-chegados foram dirigidas para a Igreja onde se fizeram trabalhos importantes de restaurao sob a direo do pintor italiano Jos Rocca, enviado por D. abade Bispo. 176

Para compreendermos a posio da irmandade religiosa e sua formao simblica no imaginrio da sociedade pernambucana buscamos CHARTIER177. Segundo o autor, entendemos que mais do que o conceito de mentalidade ela articulou modalidades da relao com o mundo social, das quais o trabalho da classificao e da delimitao que produziram as mltiplas configuraes intelectuais por meio de realidades contraditoriamente construdas, por diferentes grupos. Prticas que visavam reconhecer uma identidade social, assim, esses personagens exibiram uma maneira prpria de estar no mundo, significando simbolicamente um estatuto e uma posio. Maneiras institucionalizadas e objetivas de marcar e perpetuada existncia do grupo, da comunidade. Assim, essa relao simblica reforou os ideais republicanos e eclesisticos que remontaram um discurso j dito. Para essa interpretao utilizamos a concepo de ORLANDI178, para quem o sujeito social no fragmentado, uno, embora tenha a iluso que seja. Ao falar e/ou enunciar seu discurso, ele sempre est se remetendo a outros discursos, nesse sentido, no h discurso destitudo de ideologia que no tenha ou apresente a inscrio de outros, visto que todos eles nascem e apontam na perspectiva de suas relaes com outros discursos. Dessa forma, percebemos os discursos poltico da intelectualidade como uma
176 177

Ata 1906. Arquivos do Mosteiro de So Bento em Olinda-PE. CHARTIER, R. Idem. p. 21. 178 ORLANDI, E. Discurso e leitura. So Paulo: Cortez, 1988.

prtica imbricada de interesses e iniciativas voltados para (re)significar a agricultura local, dos quais, perspectivas de criar estabelecimentos educativos direcionados para formao agropecuria de jovens pernambucanos e de outras localidades do Pas. De acordo com BARROS,

no governo de Alexandre Jos Barbosa Lima, instalou-se, na Usina Frei Caneca, um grupo pioneiro para o estudo da cana-de-acar. Apesar da importncia das pesquisas para a regio, o Centro de Estudos no recebeu o incentivo necessrio para o seu efetivo funcionamento. A segunda tentativa governamental aconteceu na administrao de Herculano Bandeira: a instalao da Escola Mdia de Agricultura, vinculada Escola de Engenharia de Pernambuco e denominava-se Escola de Agronomia de Socorro, localizada no municpio de Jaboato dos Guararapes PE, por fim o autor conclui que, somente em 1912, surgiu definitivamente, a primeira Escola de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento, em Olinda, por iniciativa do beneditino D. Pedro Roeser.179

Porm, o projeto das Escolas Superiores de So Bento apresentado pelos beneditinos s autoridades constitudas da regio, apenas consolidou-se em 1911, sob a influncia do estadista Joo Alfredo Correia, de acordo com a carta resposta enviada a D. Pedro Roeser, esse personagem relatava,

compraz-me do bom ensejo de abrir relaes com V. Exc. Revma. e com sua obsequiosa carta excessivamente me pago do pequeno servio que fiz a pedido do meu filho, alis obrigao de Pernambuco que, aplaudindo as intenes de V. Exc. Revma. para que elas se realizem. [as Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento de Olinda] declaro-me pronto para o que V. Exc. Revma. Mandar, e sinto verdadeira satisfao em subscrever-me de V. Exc. Revma. humilde e obediente servo . 180

Observamos que ambos os poderes lutavam pela preeminncia sobre os assuntos educacionais, para isso, em certos momentos afirmavam nas entrelinhas de seus discursos que a Igreja no tinha problemas a resolver com o Estado e vice-versa. Porm, identificamos que os religiosos no eram bastante conhecedores das questes
179 180

BARROS, Souza. Op. Cit. p. 200. Primeiro Relatrio das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria: 1 Parte. Crnica escrita pelo Padre Jonas Taurino de Andrade, Presbtero Secular. Olinda: Arquivo do Mosteiro de So Bento. 1916, p. 6 e 7. O filho, ao qual, o estadista se referia era Pedro Correia de Oliveira, no perodo mediador entre a Igreja e o Estado para a realizao do projeto da nova escola . Enfatizamos que todos esses personagens eram tidos como filhos e amigos do mosteiro, segundo o referido Relatrio.

brasileiras, sobretudo do ramo da agricultura local, haja vista, que praticamente toda a Irmandade, como j referenciamos, era de identidade alem. Assim, buscaram resolver a problemtica de maneira poltica e estratgica. Segundo o cronista,

reuniram em torno de um almoo ntimo no Refeitrio do Mosteiro de So Bento pessoas de reconhecida competncia sobre o assunto. Compareceu o Dr. Fbio da Silveira Barros, Inspetor da Agricultura; Dr. Pedro Correia de Oliveira e Dr. Manoel Paulino Cavalcanti, nesse tempo diretor da Escola de Agronomia de Jaboato; Dr. Joo Igncio Cabral de Vasconcelos, Procurador do Mosteiro de S. Bento; Coronel Jos Maria Carneiro da Cunha, representante do Sindicato Agrcola; e Coronel Antnio Pereira da Silva Lima.181

De acordo com a relao nominal dos personagens at aqui citados, entendemos o curto perodo de espera, que houve para as Faculdades de So Bento iniciarem suas atividades escolares: do lanamento da pedra fundamental em 1912 at o dia 1 de fevereiro de 1914, data da Primeira Aula Inaugural. Assim, de maneira estratgica os sujeitos foram se envolvendo na problemtica e gradativamente o Estado e a Igreja laaram suas redes, suas teias, de forma a suprirem seus anseios. Nesse sentido, consideramos a possibilidade dos beneditinos colocarem em prtica um projeto arrojado como esse, num espao cronologicamente curto. Para essa anlise levamos em considerao os conflitos existentes, entre os poderes institudos. As biografias

coletivas analisadas registram esses homens como filhos da elite rural, possuidores de engenhos centrais e usinas, ocupando altos cargos pblicos e liderando grupos aucareiros da regio, como podemos perceber, houve uma relao de poder em torno da criao do objeto em anlise.

2.5 Um mergulho na memria: o nascer das Faculdades Agropecurias

Partindo da compreenso que quando evocamos a memria o que surge no o passado, mas, a forma como vivido no momento em que a memria enunciada. Sendo assim, no podemos esquecer que os beneditinos durante sculos tiveram a misso de conservar e transmitir a herana cultural greco-romana ao cultivo de imensas
181

Idem. 1916, p. 6.

propriedades territoriais, embora tivessem vocao de claustro, foram grandes educadores. Na verdade seu grande mrito foi o de no ter sua prpria doutrina e ensinar. Desse modo, riqueza espiritual e intelectual somavam-se aos bens materiais advindos da explorao da terra e da criao de animais. Logo, a memria desses personagens inscrita na vida e no tempo, expressa desejos, intenes, projetos e conceitos que trazem a marca do tempo em que lembrana lembrada. Com essa breve reflexo propomos reconhecer o legado patrimonial da UFRPE iniciado em 1912, sob a administrao da referida Irmandade Religiosa, principalmente, a iniciativa e a experincia dos clrigos. Nessa perspectiva, os estudos de HENZ reforam a opo pela metodologia das prosopografias, uma vez que elas,

ajudam a elaborar perfis sociais de determinados grupos sociais, categorias profissionais ou coletividades histricas, dando destaque aos mecanismos que caracterizam as trajetrias sociais dos indivduos. Enfim, conhecer as estratgias empregadas pelos diferentes membros de uma elite para alicerar uma carreira exitosa e socialmente ascendente. 182

Pensamos que tal experincia levou a tomada de conscincia dos clrigos com relao falta de especialistas para capacitar os mestres, instalar laboratrios e futuras dependncias das Faculdades Agropecurias. Diante dessas dificuldades a Ordem Beneditina consultou revistas, jornais, escolas e setores agrcolas da Europa com perspectivas de contratar professores habilitados. Assim,

aos 03 de maro (1913), trouxe o paguete allemo Aachen o Ir. Dr. Joo Nikolaus, ex-professor da escola agrcola de Czerno Vistz, sua cidade natl e ex-addito do Ministrio da Agricultura na Bukoxvina-Austra. Convidou a este ilustre facultativo, nosso Revmo. Ir Dom Abade vir ao Brasil com a seguinte tarefa: de ensinar Theoria e praticamente toda a sciencia agrcola aos monges da nossa Abbadia Olindense, sendo o prazo fixado para tal empreza de dois annos. Comearam as aulas na respectiva sciencia logo na manh seguinte, visto ter-se provido j de ateno na Europa o dito lente dos necessrios manuais de ensino. 183

A busca por especialistas em reas especficas do conhecimento confirma a nossa perspectiva de anlise. Nada poderia sair errado, afinal o projeto foi gestado pelas
182 183

HEINZ, Flvio M. Op. Cit. 2006, p. 09. Livro n 223. Analista e Cronista do Mosteiro de So Bento de Olinda, 1907/1916, p. 117.

autoridades eclesistico/reformadoras antes mesmo dos religiosos chegarem cidade de Olinda, em 1906. Contudo, fazemos uma ressalva a persistncia e a determinao desses religiosos, visto que enfrentaram momentos difceis, no apenas no perodo que antecedeu a fundao das Escolas, mas, durante a trajetria desse processo. Um fato interessante que identificamos, est relacionado a uma viagem, realizada pelos beneditinos para a Europa, mais precisamente Alemanha184. Levaram consigo a expectativa de atrair incentivos financeiros para a realizao dos projetos reformadores, dos quais, as Escolas Superiores, essas seriam instituies congneres
185

. A proposta

educacional era estimular nos jovens pernambucanos o gosto pelas as atividades agropastoris, dessa forma, favoreceria a economia regional, atendia aos anseios republicanos e daria visibilidade ao Mosteiro, sendo esse ltimo, o fator primordial. No podemos esquecer que a restaurao dos mosteiros do Brasil, foi desencadeada sob os auspcios da Congregao Beneditina de Beuron, na Alemanha, na qual os beneditinos de Olinda congregavam. Contudo, impossvel a recuperao em sua totalidade, o pouco que temos preservado deve-se a aes isoladas de homens e mulheres que, de uma forma ou de outra, preocuparam-se com a salvaguarda dessa memria coletiva. Assim, efetivamente registramos trs momentos distintos na realizao do projeto: no primeiro, o lanaram a Pedra Fundamental, no segundo o incio e a projeo das Escolas, a escolha do local, a definio da arquitetura, bem como, a diviso dos espaos institucionais, a compra da madeira, a construo da olaria e serralharia, as quais aceleraram o processo de construo. Logo, concluram-se as primeiras realizaes salas de aulas, laboratrios, biblioteca, compra de livros e reagentes qumicos, por fim, a terceira etapa, o incio da trajetria acadmica. Concomitantemente a esses momentos constatamos o incio do primeiro curso preparatrio, no qual se matriculou setenta e um alunos, os quais, futuros engenheiros agrnomos e mdicos veterinrios. Aps longas sabatinas e testes escritos, sob a orientao de oito professores, conforme descrevemos no quadro a seguir,

184

Pensamos que esse fato, deve-se a identidade dos monges, haja vista, que a maioria dos religiosos era de origem germnica, da Congregao de Beuron. Os quais foram enviados para a cidade de Olinda-PE, na condio de reformadores, por determinao do Papa Leo XIII. 185 Eram escolas independentes, com o mesmo modelo pedaggico, instituies privadas e gratuitas. A partir do Decreto n 4195 de 29 de janeiro de 1920, foram equiparadas as escolas oficiais e, subvencionadas pelo Governo Federal. Conferir Plaquete Comemorativa da Escola Superior de Agricultura da Universidade Federal Rural de Pernambuco . Recife: Imprensa Universitria/URP, 1962.

ESCOLAS SUPERIORES DE AGRICULTURA E MEDICINA VETERINRIA DE SO BENTO DE OLINDA Professores do I Curso Preparatrio Padre Jonas Taurino de Andrade Dr. Eduardo Corra da Silva D. Plcido de Oliveira D. Tito Dobbert D. Bento Pickel D. Joo Kehrle D. Pedro Bezerra de Mello D. Gabriel de Vasconcelos Beltro Disciplinas lecionadas Portugus Histria e geografia Ingls Alemo Francs e Histria Cincias matemticas Geografia Francs

Quadro 01 - Fonte: Relatrio anual das Escolas Superiores de So Bento. Olinda: Mosteiro de So Bento, 1913-1922.

Nesse perodo, sob os aspectos polticos, Pernambuco enfrentava srios conflitos desencadeando crises partidrias entre rosistas e dandistas
186

. Esclarecemos que a

temtica no o foco dessa pesquisa, mas, pensamos ser interessante evocar esse fato, mesmo que forma sucinta, porque analisamos uma instituio de ensino superior que surgiu mediante essas imbricaes. Obviamente, deduzimos que a criao das Escolas Superiores de So Bento foi de grande interesse, no s para o Estado pernambucano, mas tambm, para os poderes constitudos no pas. Haja vista, que os Centros Agrrios, em anlise, impulsionaram a agricultura e a pecuria local e em outras regies do Brasil. De acordo com o Sr. Dionysio Meill, em discurso proferido ao trmino de uma conferncia,

o Sr. D. Abade presta com a funo destas Escolas, um servio imenso a nossa Ptria! E vos todos que dedicais o vosso tempo a estes estudos,
186

Compreendemos que toda ao social, poltica ou econmica de ruptura da ordem institucional afigurase, pelo sinal de mudana, algo que vem complementar e contemporizar uma nova conduta existencial nas relaes dos grupos ou das pessoas envolvidas no acontecimento registrado pela histria. Assim, no primeiro decnio do sculo XX, em Pernambuco ocorreu uma grande insurgncia popular alimentada pela vontade de radical de mudana entre dantistas, seguidores do partido liderado pelo general Dantas Barreto; e rosistas, seguidores do partido liderado pelo conselheiro Rosa e Silva. Havia assim, dois plos, sociais e polticos envolvidos na luta, um com perfil oligrquico, outro com perfil oposicionista. Indicamos para leitura, conferir ANJOS, Joo Alfredo dos. A Revoluo Pernambucana de 1911: movimento popular liderado pelo general Dantas Barreto contra a oligarquia do conselheiro Rosa e Silva. Recife: Fundao Cultura da Cidade do Recife, 2009.

fazeis o mesmo. So essas cincias que contribuem para o bem estar da humanidade, sem as quais no h progresso. Finalmente, congratulo-me com esta Irmandade Religiosa, pela fundao dessas Escolas, o que significa um grande progresso; e com os senhores lentes, pelos esforos feitos em bem da nossa querida ptria.187

Nesse perodo constatamos a criao de vrios postos de fomento agropecurio no Pas, com perspectivas de transformar as prticas cultivares, entre os quais destacamos: o Instituto Agronmico do Rio de Janeiro, de Viosa, Minas Gerais, da Bahia, do Rio Grande do Sul, de Pernambuco. Nesse sentido, a produo humana em seu conjunto, a cultura, passa a ser objeto de preservao, uma vez que contribui, para a construo de sua identidade e o exerccio da cidadania. Assim, reafirmamos que as Escolas Superiores de So Bento estavam relacionadas rede de transformaes que envolvia as cidades. Logo, as representaes presentes nesse evento, em virtude das circunstncias, passam a ser importantes para determinados grupos sociais. Esse processo ultrapassou o significado de si mesmo e ganhou uma significao social, de patrimnio. Ao mesmo tempo serve como elo entre o presente e passado dando sentido de continuidade. Contudo, as orientaes de JUSTINO MAGALHES, nos ensinam que quando uma anlise se volta para uma instituio devemos refletir sobre,

um processo investigativo de complexificao e integrao, compreendendo e explicando a evoluo institucional no quadro da realidade histrica sociocultural envolvente e escrevendo-a no plano sistemtico, mas deve, sobretudo, apresentar de forma inteligvel a histria de uma realidade institucional na sua identidade e na sua evoluo.188

Nessa

perspectiva,

importante

percebermos

ensino

agropecurio

pernambucano, de maneira frgil, sendo necessrio o estabelecimento de medidas criteriosamente pensadas para a realizao do mais simples projeto. Deduzimos que essa estrutura educacional se configurou aps um perodo intenso de atuao dos

187

MAILL, Dionysio. Docente da Faculdade de Veterinria de So Bento. Na ocasio lecionou as seguintes disciplinas: Farmacologia, Farmacognose; e Teraputica. Primeiro Relatrio da Escola de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento. Op. Cit. 1916, p. 16. 188 MAGALHES, Justino Pereira. Tecendo nexos: histria das instituies educativas. Bragana Paulista: Universitria So Francisco, 2004, p. 142.

poderes constitudos. Com relao s Faculdades de So Bento, a contribuio que fundamentou o seu projeto pedaggico veio do modelo curricular adotado das congneres alems somados aos ideais positivistas, os quais complementaram, tambm, as perspectivas do MAIC. Nesse contexto, vivenciaram uma proposta ampla que favoreceu, sobretudo, aos filhos da oligarquia rural uma formao agrcola com embasamento terico e prtico, priorizando o atendimento a jovens com idade entre 14 e 18 anos. Destinada para esse pblico, com uma estrutura, de certa forma grandiosa, para a poca, as Escolas Superiores de So Bento iniciaram sua trajetria acadmica, em 1 de fevereiro de 1914, com uma solenidade de abertura registrada em todos os veculos de comunicao dos quais dispunha o Estado, porm, nos deteremos publicao do Jornal Dirio de Pernambuco. Segundo o exemplar do dia 02 de fevereiro de 1914,

no 1 de fevereiro de 1914, em Olinda, s 13h, no prdio destinado a Escola Agrcola e Veterinria, inaugurou-se a tal Escola. E pelo Arcebispo da Arquidiocese de Olinda, D. Luiz Raymundo da Silva brito, foi declarada inaugurada a Escola Agrcola e veterinria do mosteiro de So Bento de Olinda. Onde em discurso importante enaltecendo o grande melhoramento e esforos empregados pelos beneditinos e mostrando as vantagens que adviro para o Estado a criao deste proveitoso estabelecimento. Em seguida falou D. Abbade Pedro Roeser, fundador e I Diretor desta Escola, declarou os servios que pretendiam prestar a Escola e comunidade beneditina ao Estado de Pernambuco, a mocidade e a lavoura, ao mesmo tempo lembrando a recepo de uma carta do eminente conselheiro Joo Alfredo Corra de Oliveira, na qual animava a comunidade beneditina a fundar o estabelecimento agora instalado, concluiu agradecendo o comparecimento do Arcebispo Metropolitano, do governador do Estado, Secretrio Geral do Estado, Presidente do Senado: Senador Pedro Corra, Juiz de Direito de Olinda e outras pessoas presentes. 189

A partir desse documento/monumento, reafirmamos que preciso mencionar a dimenso do objeto no imaginrio social, suas mltiplas representaes e

interpretaes, a partir das percepes e concepes do pblico docente. Esse era oriundo de regies pernambucanas, sobretudo da Mata mida, porm, para nossa surpresa, nos registros do movimento escolar
189

190

encontramos relatos sobre jovens de

Livro de Ata n 250:1914 1932. As pginas do referido livro no esto numeradas. Segundo Relatrio das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento: Movimento Escolar. Arquivo do Mosteiro de So Bento de Olinda. Recife: Officinas Graphicas da Agencia Jornalstica de Jos Agostino Bezerra. 1916, p. 05.
190

outros estados brasileiros que realizaram sua formao acadmica nas Escolas Superiores de So Bento, dos quais, representantes dos Estados do Par, Maranho, Paraba, Alagoas, Rio de Janeiro e So Paulo. Nessa relao de sociabilidades, alm de trocas e apropriaes de valores, havia uma rivalidade que unia o alunado no campo do trabalho, a qual percebemos como algo benfico, porque proporcionou um devido respeito aos cursos ofertados pelas Faculdades de So Bento. A exigncia das Escolas com relao a seleo dos jovens que desejavam ingressar nessas Instituies, era fruto do discurso positivista da poca e o rigor dos clrigos/administradores, preocupados com o ensino e a formao profissional de sujeitos destinados a (re)significar o setor econmico a partir da sua atuao em campos especficos. Dessa forma, uma das dificuldades enfrentadas pelos alunos era o exame de admisso. Considerado pelos concorrentes uma avaliao difcil, haja vista, que o teste exigia conhecimento sobre diversas reas do saber, conforme apresentamos no quadro 01. Ao final do curso, o alunado era submetido a um teste de sondagem.

Assim, por meio dos seguintes conceitos aprovado com distino, plenamente e/ou simplesmente sabia-se se o jovem estava apto ou no para ingressar nas Faculdades, o sujeito que recebesse o conceito simplesmente permaneceria por mais um ano no curso preparatrio. Observamos que um nmero significativo de alunos matriculavam-se nos cursos preparatrios
191

os quais eram ministrados, no primeiro momento, pelos mestres,

posteriormente por alunos das prprias Escolas. A historiografia local, ao relatar esse evento passa-nos a idia que houve apenas um perodo para a realizao do curso, em 1913. Ao discorremos sobre a documentao, identificamos que durante toda a trajetria das Escolas Superiores de So Bento essa prtica fez parte de seu projeto pedaggico, como uma espcie de pr-vestibular. Dessa forma, as Instituies concentraram um nmero considervel de discente, embora o interesse pelas faculdades de Direito, Medicina e Engenharia permanecesse em voga. Para as primeiras turmas dos Cursos de Agricultura e Medicina Veterinria em 1014, dos setenta e um alunos sabatinados foram aprovados vinte e quatro concorrentes, sendo treze do Curso de Agricultura e onze, do Curso de Medicina

191

Conferir. Livro de Relatrios das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento: 1913-1922. Ao Snr. D. Abbade: homenagem do C. A. M. V. S. B. Arquivo do Mosteiro de So Bento. Olinda: 1922.

Veterinria. Nos anos seguintes, estatisticamente houve um pequeno aumento no nmero de jovens matriculados. De acordo com o quadro a seguir.

ESCOLAS SUPERIORES DE AGRICULTURA E MEDICINA VETERINRIA DE SO BENTO DE SO BENTO DE OLINDA

Ano 1914 1915 1916 1917 1918 1919 1920 1921 1922 N de alunos matriculados 13
24

Ano 1914 1915 1916 1917 1918 1919 1920 1921 1922

N de alunos matriculados 11 19

Curso de Agricultura

10 11 23 15 16

Curso de Medicina Veterinria

10 14 07 06

Quadro 02 - Fonte: Relatrio anual das Escolas Superiores de So Bento. Olinda: Mosteiro de So Bento, 1913-1922.
192

Com base na orientao do currculo das Faculdades de So Bento, identificamos que eram ministras disciplinas de cultura geral e cultura tcnica como nos indica o quadro a seguir,

Curso de Agricultura Disciplinas

Botnica Entomologia Anatomia e Fisiologia das Plantas Cincias Naturais Mecnica Agrcola Zoologia

Curso de Medicina Veterinria Disciplinas

Farmacologia Farmacognose Teraputica Anatomia Patologia Bacteriologia

192

Com relao s lacunas referentes s matriculas do Curso de Agricultora: anos 1915 e 1917; e do Curso de Medicina Veterinria, referentes aos anos: 1915/1917 e 1918. Informamos que no identificamos nas fontes.

Anatomia Meteorologia Climatologia Agricultura Geral Agricultura Especial Pomicultura Horticultura Silvicultura Agrimensura Qumica Orgnica Qumica Inorgnica Qumica Analtica Fsica

Zoologia Histologia Cirurgia Clnica Parasitologia Anatomia Fisiolgica dos cascos e patas Embriologia Higiene Geral Epidemiologia Soroterapeutica Botnica Doutrina sobre criao de animais domsticos Zootecnia Peste Polcia Veterinria Fiscalizao Sanitria das carnes e matadouros Medicina legal veterinria

Quadro 03 - Fonte: Relatrio anual das Escolas Superiores de So Bento. Olinda: Mosteiro de So Bento, 1913-1922.

Com relao ao Curso de Agricultura as aulas e a carga horria eram distribudas da seguinte forma:

ESCOLA SUPERIOR DE AGRICULTURA

ESA DE SO BENTO

MATRIZ CURRICULAR DO CURSO DE AGRICULTURA

Matrias do Curso 1 ano

Tericas Nmero de aulas Prticas Matrias do Curso 2 ano Tericas Nmero de aulas Prticas Matrias do Curso 3 ano Tericas Nmero de aulas Prticas

Qumic a Inogarn ica 30 18 Qumic a Orgnic a 34 15 Qumic a Orgnic a 40 25

Qumica Analtica

15 50 Anlises Agrcola s 20 84 Indstria s Agrcola s 34 12

Botni ca Agrcol a 55 41 Anato mia e Fisiol. Vegeta l 40 21 PomiHorti Silvicul tura 27 88

Zoologia e Entomol ogia

Agrologia

31 15 Anatomi ae Fisiol. dos Animais 34 46 Zootecni a Agricultura Geral

Minero l. Agrcol a 32 27 Mecni ca Agrcol a 44 34 Fitopat ologia 33 18

Climatologia e Meteorologia

46 30 Agricultura

45 60 Agricultura Especial

32 59 Contabilidade e Economia

31 47

51 72

22 28

partir

das

especificaes

do

programa

curricular

de

cada

curso,

compreendemos o porqu das referidas Escolas funcionarem em regime de internato e semi-internato. Alunos de regies distantes permaneciam no espao escolar desenvolvendo projetos e atividades agrcolas integralmente, fato que caracterizou uma ruptura com seio familiar, nem sempre tranquila. Os discentes de localidades prximas eram liberados nos finais de semana, porm, no ato da matrcula esses apresentavam uma declarao registrada em cartrio, afirmando que o jovem tinha um responsvel, principalmente, nas respectivas cidades: Olinda, Recife e Jaboato dos Guararapes. Quanto ao Curso de Medicina Veterinria, no encontramos indcios no corpus documental da matriz curricular com a distribuio das aulas e da carga horria.

Essa poltica educacional justificava a sada do aluno das Escolas e atenuava a responsabilidade das Instituies sobre o adolescente. Percebemos nessa prtica escolar uma estratgia para conter gastos, uma vez, que as Faculdades, mesmo com perfil de instituio de ensino pblico, eram privadas. Dessa forma, sobreviviam de doaes feitas pelos amigos do mosteiro e trabalhos realizados pelos acadmicos, dos quais, consultas e prestao de servios a sociedade. Nesse sentido, a representao que envolveu o ensino agrcola no Estado consolidou o esteretipo de ser uma educao voltada para personagens de baixo poder aquisitivo, porm, quando analisamos as biografias coletivas identificamos um contra ponto nessa perspectiva, eram os filhos da elite rural que formavam o corpo discente das Faculdades So Bento. Com o passar do tempo esses sujeitos configuraram um perfil social para aquele modelo escolar destinado a um pblico especfico da sociedade regional. Para reforar nossa discusso, interessante discorrermos sobre a relao nominal dos formandos da primeira turma de ambos os cursos, tambm iremos perceber, que esses acadmicos atuaram no s como professores das referidas Escolas, mas, em escolas agrcolas do interior regional, entre as quais, as Escolas Agrcolas das cidades de Escada e Jaboato dos Guararapes. Observemos o quadro a seguir,

ESCOLAS SUPERIORES DE AGRICULTURA E MEDICINA VETERINRIA DE SO BENTO DE SO BENTO DE OLINDA Formandos da Primeira Turma do Curso de Agricultura -1917
Engenheiros Agrnomos Felipe Carneiro Vieira da Cunha Gabriel Castelo Branco Octavio Cabral de Vasconcelos Renato Elysio de Gusmo Neves Ulisses Cavalcanti de Mello Manuel Carneiro Leo Agrnomos Armando Bandeira de Mello

Formandos da Primeira Turma do Curso de Medicina Veterinria

Dionysio Meili Francisco Xavier Pedrosa Armando Pontes Maia e Silva Manoel de Barros Bezerra Benjamin Cavalcanti de Mello Arthur Lopes Pereira lvaro de F. Salles Guilherme Carvalho Antnio A. Brando

1917

Fernando da Rocha Cardoso Joo Gonalves Carneiro Carlos Bastos Tigre Salvador Nigro

Anatlio Djalma Caldas

Quadro 04 - Fonte: Relatrio anual das Escolas Superiores de So Bento. Olinda: Mosteiro de So Bento, 1913-1922, p. 17-18-25-26.

Mesmo com o quadro de alunos aparentemente baixo, esses Institutos Agropecurios tiveram uma relevncia social visvel, principalmente, quando

relacionamos a educao formal ministrada por esses Centros ao contexto histrico do perodo. Lembramos que nem todos os discentes tinham experincias com o campo, entretanto, as Faculdades responderam de forma positiva as expectativas dos poderes institudos, por meio da atuao profissional, tica e moral de professores, alunos e funcionrios. Contudo, identificamos nas entrelinhas desse processo, fatores que dificultavam a adaptao dos acadmicos a Instituio. Em alguns casos, consideramos a idade dos alunos, em outros, o afastamento do seio familiar, mas, sobretudo, a educao domstica dos jovens um fator a ser analisado. O cronista do Mosteiro, em suas crnicas, deixou nas lacunas dessa histria transparecer alguns conflitos enfrentados no cotidiano escolar pelos administradores. Dos quais,

urge pois, que as Escolas lhes proporcione (aos alunos), certos atrativos e diverses que satisfaam suas aspiraes juvenis. Que tenham permisso para sair das Escolas nos dias feriados, naturalmente com o compromisso de voltar hora regulamentar do comeo dos trabalhos. de grande importncia que haja entre eles uma sociabilidade em cujas reunies os professores realizem conferncias que interessem aos alunos e estes apresentem trabalhos concernentes agropecuria ou de carter literrio. O que gera um esprito de iniciativa; faz um contrapeso s saudades da cidade, to prejudiciais mocidade estudiosa, especialmente agrcola, fazendo brotar amor as Escolas e vida rural...193

Assim, estudar e conviver nesses espaos representou diversos significados para aqueles jovens que nem sempre foram definidos de maneiras especficas na historiografia regional. Nesse sentido, esses personagens constituram espaos de
193

Quinto Relatrio das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento: 1919. Op. Cit. 1913-1922, p. 38.

conflitos e de interao partilhando, pois, dessa capacidade mgica do imaginrio de fazer o mundo existir dessa ou daquela maneira, dando existncia coisa nomeada e admirada. Segundo PESAVENTO sendo um universo paralelo de sinais, o imaginrio, como uma constelao de representaes, tem a propriedade tambm de se substituir ao mundo real, pois as pessoas fazem dele e nele a sua capacidade .194 Nessa perspectiva, pensamos a realidade das Escolas Superiores de So Bento como um universo a ser desvendado, sendo compreensvel para os personagens que interagiram cotidianamente no mesmo espao. Nessa discusso a proposta da cultura escolar aproxima-se da interpretao de CERTEAU,

como prticas das pessoas comuns, as maneiras de fazer que majoritrias na vida social, no aparecem muitas vezes seno a ttulo de resistncia ou da inrcia em relao ao desenvolvimento da produo sociocultural; uma cincia prtica do singular que faz dos espaos pblico e privado um lugar 195 de vida possvel.

Assim percebemos alunos, professores e funcionrios, como pessoas comuns que representaram uma possvel condio de exercer a construo do lcus, onde se travaram, por resistncia ou no, suas posies. Dessa forma, teceram cultura e construram valores, comportamentos e significados de uma poca vivida. Nessa perspectiva, a cultura tem representaes e expectativas discrepantes e ao mesmo tempo, convergentes, na qual um grupo compartilhou e construiu socialmente sua histria. Logo, uma nova leitura sobre a trajetria das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento, foi percebida, quando nos debruamos sobre o corpus documental nos desvo dos arquivos, o qual possibilitou certa intimidade com o cotidiano escolar quando transitamos entre aulas, festas, negociaes, acordos, enfim, prticas e representaes de uma instituio educativa agropecuria, nas primeiras dcadas do sculo XX. Para construir a nossa proposta de anlise recorremos a fragmentos de memrias, sobretudo, das biografias coletivas de alunos, de professores, de funcionrios e dos amigos do Mosteiro, sob as orientaes terico-metodolgicas oferecidas pela anlise do discurso e pela Histria Cultural.
194 195

PESAVENTO, S. J. Histria cultural: experincias de pesquisa. Porto Alegre: UFRGS, 2003, p. 209. CERTEAU, Michel de. A cultura no plural. Campinas: PAPIRUS, 1995, p. 02.

CAPTULO III

Entrecruzando as linhas da histria: evocamos a saga da laicizao da Escola Superior de Agricultura - ESA de So Bento (1936)

A memria, onde cresce a histria, que por sua vez alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro.196

3.1

Como espelhos prticas escolares:

refletem estratgias e acordos de tempos vividos

Nesse captulo, o objeto de pesquisa apresenta-se no sentido de revisitar o interior escolar adentrando os espaos vividos, as experincias, a afirmao de valores, os acordos, as tticas e burlas na busca de uma configurao da memria coletiva. Com essa perspectiva, harmonizamo-nos com a interpretao de CHARTIER, de que, a histria, tal como a entendemos tem por principal objeto identificar o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social construda, pensada, dada a ler .197 Nesse sentido, temos a mesma percepo sobre a trajetria de uma instituio escolar, a qual se delineia a partir do conhecimento de seu universo. Por esse vis, seguimos para construir a Histria que vislumbramos entrecruzando

documentos/monumentos fios de memria que deram forma a esse trabalho dissertativo. Entre tantos acontecimentos, com os quais nos deparamos, rememoramos dois momentos que consideramos relevantes para realizao da proposta de anlise: a trajetria das Faculdades, aps a instalao e os possveis fatos que levaram a negociao entre a Igreja e o Estado resultando na laicizao e na transferncia da Escola Superior de Agricultura - ESA de So Bento para o Bairro de Dois Irmos, na cidade do Recife, sob a administrao exclusiva do Estado. Nessa perspectiva, compreendemos que o ofcio do historiador est intimamente ligado ao processo de construo, de constituio de uma realidade observvel. De acordo com as orientaes de PESAVENTO,
196 197

Conferir LE GOFF, Jacques. Op. Cit. 1996 CHARTIR, Roger. Idem. p. 17.

escrever a histria ou construir um discurso sobre o passado sempre ir ao encontro das questes de uma poca. A histria se faz como resposta s perguntas e questes formuladas pelos homens em todos os tempos. Ela sempre uma explicao sobre o mundo, reescrita ao longo das geraes que elaboram novas indagaes e elaboram novos projetos para o presente e para o futuro, pelo que reinventam continuamente o passado.198

Por esse caminho, daremos continuidade s histrias das Faculdades de So Bento com nfase para a Escola Superior de Agricultura, a qual iniciou suas atividades acadmicas com treze alunos matriculados, conforme evocamos no captulo anterior. As imbricaes contidas nesse fato nos permitem falar de uma memria coletiva que ao se construir estabeleceu um sentimento de pertencimento entre os personagens que conviveram no mesmo espao, de modo a perceber como alunos, professores e funcionrios buscaram arquitetar os quadros de memria no ambiente em que estavam inseridos. Assim, no bonde da memria coletiva vivenciamos as prticas cotidianas: a orao matutina na capela do Mosteiro, tambm as missas aos domingos, o caf regional tpico de fazenda, com leite, cuscuz, po, queijo, batata doce, macaxeira, carne de sol, mel, frutas, tudo produzido na Escola. O labutar no arado, na casa de mquinas, no estbulo, na pocilga, no apirio. No podemos esquecer as longas horas de estudo na biblioteca, as pesquisas nos laboratrios, as aulas tericas e prticas, as conversas, os sonhos, os choros, os conflitos, os jogos de futebol, as aulas de tiro de guerra, as competies com outros institutos, em momentos de exposies agropecurias do Estado. Das quais a Exposio Agrcola e Industrial dos Municpios ,

a convite da patritica Comisso da Exposio Agrcola e Industrial dos Municpios do Estado de Pernambuco, as Escolas Superiores de So Bento, aderiram esse certame, sendo os seus produtos expostos no Pavilho do Municpio de Jaboato. Entre os produtos expostos salientamos: produtos derivados da mandioca, sorgo e milho cultivados fora de poca e po misto. Na sesso de apicultura: colmeias e todos os aparelhos para beneficiamento do mel e cera, favos artificiais. Na sesso de horticultura: variedades de couve, nicas na exposio por seu tamanho e peso, que revelaram-se a possibilidade da horticultura em Pernambuco. A sesso de pecuria: reprodutor suno, puro sangue, da raa Edelschwein, com dezoito meses de idade, uma cabra Ebicon que
198

PESAVENTO, S. J. Op. Cit. p. 57.

j pela segunda vez dera cria a quatro cabritos e diversas galinhas das raas Leghorn e Pescoo Pelado, da Transsylvania. Na sesso veterinria: uma coleo completa de instrumentos cirrgicos e modelos anatmicos zootcnicos, alm, de dois quadros da formatura dos primeiros engenheiros agronmicos e mdicos veterinrios. A Escola foi premiada com trs medalhas de ouro, pelo reprodutor suno, sesso de hortalias e apicultura; uma medalha de prata pela cabra; uma de bronze pela sesso veterinria e dois diplomas pelos derivados de mandioca.199

Tambm viramos as pginas da Revista Agrcola

Veterinria, do Centro

Acadmico nesta encontramos professores e alunos editando exemplares trimestrais. Participamos de musicais, das cavalgadas, dos banhos de rio, dos passeios de canoa sobre as guas do Rio Tapacur, oportunidade nica desse grupo social apreciar a fauna e a flora da exuberante Mata Atlntica, por fim, identificamos a euforia que invadia os coraes ao aproximar-se o perodo de frias contrastando com a profunda saudade ao despedir-se dessas Instituies de Ensino ao trmino do curso. No que se refere s atuaes pedaggicas de professores e diretores, podemos afirmar que esses dividiam os espaos escolares, porm, com perspectivas diferentes. Alguns eram influenciados pelos discursos que viriam a fortalecer o Estado Novo a partir de 1930, por meio da educao, outros nem tanto, havia resistncias nesse sentido. Pensamos que a identidade da maioria dos religiosos, os valores que agregaram ao longo da vida no claustro e a forma como concebiam a formao do profissional agropecurio eram contrapontos para os ideais republicanos e mesmo eclesisticos. A histria que vamos construindo por meio de documentos e imagens que identificamos nessa trajetria procura montar poliedros de memria que possibilite aos nossos leitores conhecer os primeiros momentos da trajetria dessa Instituio possuidora de uma identidade cultural, formada pelo conjunto dos valores e das tradies de um determinado grupo, que constituram a sua maneira uma forma de estar presente no mundo. Entendemos que identidade cultural pressupe liberdade porque dinmica, ao mesmo tempo passa continuamente por um processo de criao. Com essa perspectiva terico-metodolgica iniciaremos a proposta desse captulo. No dia 1 de fevereiro de 1914, o evento da Primeira Aula Inaugural contou com uma comisso de recepes composta pelos alunos Mariano, Luiz Passos, Luiz Correia, Waldemar Dantas, Armando Maia e Gabriel Castelo Branco essa foi

199

Terceiro e Quarto Relatrio das Escolas Superiores de So Bento: 1917-1918. Op. Cit. 1913-1922, p. 12.

providencial em gentileza, quer prestando informaes solicitadas; quer no servio do biffet, em auxlio aos padres beneditinos .200 Segundo o Jornal Dirio de Pernambuco,

a solenidade teve incio com um vibrante discurso do Sr. Arcebispo D. Luiz, abrindo a sesso, seguindo-se com a palavra o Abade D. Pedro Roeser, que historiou os esforos da comunidade religiosa vivenciou para chegar a instalao da Escola, salientando o auxilio oficial que recebeu dentre outros cooperadores do Sr. Conselheiro Joo Alfredo e Dr. Pedro Correia, cujos retratos ornamentam o Salo de Honra da Escola.201

Nesse sentido, a nota jornalstica refora a discusso do captulo anterior que analisa acordos e estratgias existentes nas relaes de sociabilidades estabelecidas entre a Igreja, o Estado e os amigos do Mosteiro. Preocupados em atender seus anseios a partir da criao do objeto analisado. No apenas no evento supracitado, mas, anterior e posteriormente a este, observamos a presena de intelectuais e polticos ocupantes de altos cargos pblicos atuando nas decises e destino das Escolas Superiores de So Bento, entre esses,

Arthur Moura, representante da polcia; Juvenelo Mariz, inspetor agrcola; Graciliano Martins Sobrinho, farmacutico; Rmulo Lins, inspetor de veterinria da Escola Mdica de Agricultura; Manuel Borba, deputado federal, Herculano Bandeira, 15 governador de Pernambuco; Rosa e Silva, que atuou em vrios cargos pblicos, dos quais, a vice-presidncia da Repblica, de 1898 at 1902; e Dantas Barreto, governador do Estado, de 1911 at 1915.202

A imprensa local tambm circulava nos espaos. Entendemos essa atuao como forma de reforar o discurso poltico da intelectualidade, bem como, enfatizar por meio de seus veculos de comunicao a necessidade de modernidade relacionada ao sentido de progresso. No podemos esquecer que esses personagens idealizavam uma agricultura industrializada e urbanizada com perspectivas de melhorias econmicas para a regio. Entre os comuniclogos identificamos
200 201

Annibal de Almeida, do

Jornal

Jornal Dirio de Pernambuco. Recife, 02 de fevereiro de 1914. Idem. Recife, 02 de fevereiro de 1914. 202 Quinto Relatrio das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento: 1919. Op. Cit. 1913-1922, p. 24.

Pequeno ; Luiz Cordeiro, da Provncia ; Dioclecio Duarte, do O Tempo ; Raphael Correia, do Pernambuco ; Abelardo Maia, do Estado de Pernambuco ; Gaspar Peres, do Dirio ; Alfredo Silveira, do Jornal ; e Marcello Peres
203

Nesse sentido, pensamos que a trajetria dessas Escolas amplia o leque de informaes e refora os debates no apenas histricos, mas, em diversas reas do conhecimento na academia, a partir do momento que identificamos prticas cotidianas, que de certa forma, estavam relacionadas com a ideologia do que viria a ser Estado. A princpio esses encontros eram realizados na Abadia Olindense e nas residncias dos amigos do Mosteiro, com o apoio da imprensa ocupou o espao citadino: praas, cafs, doarias, bibliotecas, ptios de Igrejas e cassinos. Nesses ambientes o debate preferido era as mudanas culturais que as Faculdades de So Bento propiciariam a regio. Assim, o discurso poltico da intelectualidade massificava no imaginrio da sociedade a importncia e a necessidade dessas Instituies para o crescimento econmico local. Dentro desse contexto, as Escolas iniciaram suas atividades pedaggicas. Nesse momento, buscamos a iconografia como forma de recuperarmos alguns aspectos que contribuem para ampliar a relevncia da documentao para a historiografia. Porque diferente do pressuposto positivista em que apenas o documento escrito tem valor histrico, outras perspectivas tericas abrangem como fonte a imagem, que ao ser analisada alargar o conceito da discusso e possibilita-nos recuperar alguns aspectos que contribuem para a construo desse trabalho dissertativo. Parafraseando
LE GOFF,

h que se considerar que a fotografia, simultaneamente como imagem documento e como imagem monumento. No primeiro caso, considera-se a fotografia como ndice, como marca de uma materialidade passada, no qual objetos, pessoas, lugares nos informam sobre determinados aspectos desse passado condies de vida, moda, infraestrutura urbana ou rural, condies de trabalho etc. No segundo caso, a fotografia um smbolo, aquilo que, no passado, a sociedade estabeleceu como a nica imagem a ser perenizada para o futuro. Sem esquecer jamais que todo documento monumento, se a fotografia informa, ela tambm conforma uma determinada viso de mundo. 204

203 204

Idem. Recife, 02 de fevereiro de 1914. LE GOFF, Jacques. Documentos/Monumentos. In: ROMANO, R. (Dir.). Ensiclopdia Einaudi. V. 1 Memria, Histria. Lisboa: Impr. Nacional/Casa da Moeda, 1984. p. 95-106.

Sem esquecer, no menos, que muito tempo depois de realizada, ela segue sendo interpretada, oscilando os seus significados205, afinal a fotografia seja em sua produo, seja em sua recepo, sempre d margem a um processo de construo de realidade. Nessa perspectiva, observamos que um mesmo edifcio ligado ao Mosteiro abrigava as Escolas gmeas. A ilustrao 01 possibilita-nos uma apropriao das instalaes. Um ambiente bem planejado, com portas e janelas largas, salas amplas, arejadas e bem projetadas. Contudo, no era suficiente para o aprendizado idealizado, principalmente, para os estudos e atividades prticas do curso de agricultura.

Ilustrao 2 Prdio das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento 1914. Na atualidade, a instalao abriga a Biblioteca do Mosteiro aberta ao pblico para visitaes. Ver tambm, Ilustrao 05 do anexo fotogrfico. Fonte: Memorial da UFRPE

Motivo pelo qual, os beneditinos em 1915 com ajuda oficial, compraram o Engenho de So Bento, localizado no distrito de Tapera, municpio de So Loureno da Mata PE, com uma rea territorial de 1.071 hectares. Nele construram as instalaes ESA de So Bento. Providenciaram vrios campos

da Escola Superior de Agricultura

de culturas prprios para o ensino experimental e o consumo alimentcio dirio das Escolas, assim cultivaram milho, sorgo, feijo, cana-de-acar, mandioca, batata doce,

205

KOSSOY, Boris. O relgio de Hiroshima: reflexes sobre os dilogos e silncios das imagens. Revista Brasileira de Histria, So Paulo, v. 25, n.49, 2005 p.35-39-42.

arroz, hortalias, pomar, tambm dispunham de avirio, apirio, pocilgas, estbulos, criao de bois, cavalos, cabras e coelhos. Com o apoio do Estado, rapidamente essas Escolas passaram a ter vidas independentes, porm, fatores primordiais as ligavam: um mesmo princpio

administrativo e uma mesma orientao pedaggica adotados das congneres alems Munich e Halle. Enfatizamos que a adoo desse modelo pedaggico s foi possvel graas aos discursos positivistas, os quais buscavam substituir uma escola de currculo humanista por outra de natureza cientfica conforme analisamos no captulo anterior. Alm, das estreitas ligaes, entre os beneditinos de Olinda e seus confrades alemes.

3.2 - Fios de Memria Tecem: movimento escolar, lembranas e experincias

Uma vez, que percebemos a memria em cada passo que damos nas ideias pensadas e aes realizadas .206

3.2.1 - Escola Superior de Medicina Veterinria de So Bento (1914-1926)

Com a transferncia da Escola Superior de Agricultura para o Engenho de So Bento, a Faculdade de Medicina Veterinria permaneceu na cidade de Olinda, esse fato reforou a implantao do regime de externato para essa Faculdade, o que a diferenciou de sua irm gmea. importante, nesse momento rememorarmos que desde a elaborao do projeto de criao foi previsto para esses Institutos Agropecurios o sistema de regime de externato e internato, o primeiro objetivava absorver jovens oriundos de outras regies do Pas e o segundo conteno de gastos. Porm, a rotina acadmica levou os religiosos a repensar a proposta educacional do externato, uma vez que os acadmicos, mesmo quando estavam em atividades escolares frequentavam bares, teatros, cinemas e outros tipos de casas
207

. De acordo

com nossa interpretao, para os monges essas prticas s eram passveis porque a

206 207

SANTOS, Mirian Seplveda. Memria coletiva e teoria social. So Paulo: Annablume, 2003. p. 25 Quinto Relatrio das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento: 1919. Op. Cit.1913-1922. p. 37.

Escola de Medicina Veterinria estava localizada na cidade, logo, na percepo dos administradores essas prticas cotidianas, to comuns no dia-a-dia, sobretudo, de jovens comprometiam o aprendizado e consequentemente o funcionamento da Faculdade. Contudo, pensamos que o regime de externato adicionado a dedicao de polticos, clrigos e amigos do Mosteiro, quase que exclusiva, para com o Curso de Agricultura favoreceu o encerramento das atividades acadmicas da Escola Superior de Medicina Veterinria em 1926, por ordem do diretor geral D. Pedro Roeser. Entretanto, no podemos deixar de evocar a importncia dessa Faculdade para sociedade regional. Em 1918, o curso de Medicina Veterinria de So Bento foi objeto de notcia na revista paulista Chcaras e Quintaes, de acordo com a redatora,

o Curso de Veterinria de relevante importncia, destinado em formar e a constituir um corpo de profissionais idneos, para manter o exerccio da medicina veterinria e do magistrio superior, nos cursos da referida especialidade e, ainda, para as funes tcnicas pblicas, no Exrcito e no Ministrio da Agricultura.208

Diante da notcia, entendemos que essa Faculdade funcionou com mxima regularidade, nos primeiros anos. Apenas algumas interrupes foram identificadas, das quais, em perodo de festas religiosas e na greve dos operrios da Pernambuco Tramways, essa ltima por sinal, muito criticada pelos monges. Esses se viram forados a interromper as atividades escolares por mais de quinze dias, isso nos leva a crer que os acadmicos do Curso de Medicina Veterinria participavam ativamente de conflitos civis e polticos ocorridos na regio. Segundo ALFREDO DOS ANJOS,

o desajuste social em que se encontrava o Estado, j refletia o desequilbrio das contas pblicas e, notadamente, a presso econmica sofrida pelas camadas scias mais baixa. A Nao, certamente, suportava as crises advindas da mudana do trabalho escravo para o regime da livre mo de obra; acrescentando-se a essa mudana, os empreendimentos corporativos ocorridos com a implantao do Regime Republicano. Havia falta de uma legislao mais justa para fisco, como ainda para os trabalhadores em geral, fatores que motivaram revoltas sem qualquer tipo de controle, na regio. Levando grupos formais e informais darem seu grito de desespero.209
208

Revista Chcaras e Quintaes, n. 2, fevereiro, 1918. In: Plaquete Comemorativa do Cinquentenrio da Escola Superior de Agricultura, 1962. 209 ANJOS, Joo Alfredo dos. Idem. p. 126.

Vale salientar que nesse perodo o Pas, sobretudo Pernambuco, vivenciava um dos momentos polticos mais agitados, cidades como Recife e Olinda passaram a vivenciar combates violentos nas ruas, teatros e cinemas, que convergiam para a paralisao de bondes, casas comerciais, entre outros espaos, alm do grande temor que esse evento causava na populao em sair s ruas. Nesse contexto, pensamos que a Faculdade de Veterinria de So Bento, a exemplos de outros espaos sociais, era um celeiro revolucionrio. Dessa forma, teve avanos de ideias, mas, principalmente prejuzos, material e imaterial. Haja vista, que no houve uma preocupao, pelos personagens envolvidos no processo em salvaguardar a memria coletiva dessa Instituio, no perodo investigado. Atitude que propiciou uma lacuna lastimvel na historiografia local, uma vez, que a memria mesmo que fragmentada, visa uma melhor apreenso das relaes presente e passado. Porm, orientados pela teoria-metodolgica da Histria Cultural, mais

precisamente, a Terceira Escola dos Annales, revisitamos alguns espaos escolares desse Centro vislumbrado momentos que traduza o papel social desempenhado por alunos, professores e funcionrios. Entre os quais, o Hospital Veterinrio concludo em dezembro de 1914, registrado na historiografia como o primeiro do Pas. Nesse espao eram realizados aulas prticas, consultas, exames e cirurgias. Identificamos um grfico referente s internaes do ano 1916, no qual, se encontra registrado aproximadamente cem casos. Distribudos da seguinte maneira: 17 cavalos, 11 vacas, 05 porcos, 15 aves domsticas, 48 cachorros e 04 gatos .210 Alm dessas atividades, no matadouro Cabanga da cidade do Recife, realizavam exames do carbnculo bacteriano em preparados de sangue de aves abatidas. Diante da demanda, ficam as evidncias da relevncia desse espao escolar, tanto no que se refere ao aprendizado dos acadmicos, como no servio de utilidade pblica vislumbrando a melhoria da pecuria local. Enfatizamos que nesse perodo, o discurso de higienizao tambm envolvia o consumo de alimentos de origem animal, dessa forma, a atuao do mdico veterinrio tinha uma importncia fundamental para o bem estar social. Entretanto, a falta de uma poltica patrimonial preocupada em proteger os documentos/monumentos dessa trajetria, adicionado no socializao dos mesmos
210

Segundo Relatrio das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento: 1916. Op. Cit. 1913-1922, p. 06.

deixa uma lacuna na continuidade temporal. Essa inquietao nos levou a persistir no estudo crtico sobre a memria dessa histria. Assim, propomos nesse momento, registrar perspectivas dos administradores com relao essa Faculdade, os quais pretendiam elevar,

altura de um estabelecimento modelo. Com tenacidade e organizao, o segredo das grandes obras, concluiremos o que nos propomos. O que realizamos nesses anos de existncia da Escola, no foi pouco, porm no foi tudo. E continua o vice-diretor da Escola infelizmente no temos como acompanhar o registro dos trabalhos efetuados nos diversos lugares, o que constituiria uma base de valor, no s para um interessante estudo comparativo, como tambm para futuros melhoramentos.211

A citao refora nossa anlise, com relao proteo de bens materiais e imateriais dessa Instituio. Por certo as polticas patrimoniais devem partir dos anseios da comunidade e ser norteadas pela delimitao democrtica dos bens reconhecidos pelo prprio grupo como merecedores de preservao. Mas, compreendemos que esses bens precisam estar integrados aos marcos identitrios para serem reconhecidos e valorizados pela comunidade na qual se insere. Isso nos faz pensar que os bens culturais no pertencentes s elites acabam relegados ao esquecimento. No queremos afirmar que essa Instituio no tivesse ligao com a elite agrria local, pelo contrrio, chegamos a essa concluso a partir da atuao desse grupo com relao Faculdade, da relao entre nossas fontes e dessas com o aporte terico-metodolgico. O Curso de Medicina Veterinria, no perodo em tela, era ridicularizado, assim relatam as poucas biografias coletivas de professores e alunos que identificamos. A maneira como eram percebidos os profissionais dessa rea levou a elite regional a um descaso relevante, fator que muito contribuiu para a vida efmera dessa Faculdade. Contudo, a realidade no cotidiano escolar era uma contradio a tais discursos, havia relaes fraternas entre os alunos e desses com o corpo docente, que percebemos como ferramenta positiva no aprendizado e aperfeioamento do carter daqueles jovens. Analisamos algumas prticas escolares vivenciadas por esse Instituto Veterinrio e deduzimos que suas atividades eram realizadas com disciplina e dedicao, entre as quais, enfatizamos as conferncias organizadas por esse Centro que vislumbravam

211

Ibid. p. 26-34.

sanar problemas de sade pblica, tambm, visitas biblioteca, onde dedicavam vrias horas aos estudos, na poca, esse espao era tido como um dos melhores do Pas, nesse contexto, tais prticas ampliaram o conhecimento dos acadmicos. Tambm identificamos um movimento financeiro proveniente de consultas, exames e cirurgias, nesse sentido, representou uma Escola de economia para diversos alunos. Um fato chamou nossa ateno, o alunado dessa Faculdade no se sentia a vontade com a metodologia aplicada pelos mestres, principalmente os exerccios prticos. Atribumos esse fato ao rigor como a teoria era repassada em detrimento da prtica, assim, de certa forma, coagidos e envaidecidos os alunos abandonavam o curso. Para os filhos da elite rural o ensino prtico ao invs de estimular o esprito de iniciativa e observao, em suas percepes humilhava-os, chegamos a essa deduo a partir da interpretao do contexto histrico-cultural. De acordo com o Livro de Relatrios das Escolas, havia no discurso dos administradores uma preocupao nesse sentido, segundo eles os alunos no deveriam considerar humilhante trabalho algum da fazenda, porque o nico meio de conhecer a fundo a vida desta pratic-la em seus menores detalhes .212 Nesse processo, pensamos que o projeto pedaggico no era vivenciado de acordo com o Estatuto que regia essa Instituio, havia uma proposta de trabalho dinmico direcionado para o ensino que entusiasmasse o acadmico. Diante de conflitos e desafios enfrentados por essa Faculdade, perceptvel a falta de envolvimento de seus idealizadores com o movimento escolar. Identificamos um descaso de ordem geral, que envolvia clrigos, polticos, professores, funcionrios e alunos com relao ao andamento dessa Instituio. Nem mesmo a visita dos Srs. Crespo Braga e Slvio de Almeida Andrade em dezembro de 1919, representantes do Ministrio da Agricultura, ativou o nimo dos sujeitos que ansiavam o reconhecimento dos seus diplomas. Apesar do descaso a Escola resistia, aps a visita oficial dos personagens, acima citados, foi assinado pelo Governo Federal o Decreto n 4.195 de 29 de novembro de 1920, o qual estabelecia as bases para o reconhecimento dos diplomas conferidos pelas Faculdades de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento, a partir desse ato, passaram a ser equiparadas e subvencionadas pelo Poder Federal. Mas, as dificuldades
212

Terceiro e Quarto Relatrio das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento: 1916. Op. Cit. 1913-1922, p. 51.

continuaram somadas a conflitos visveis entre a Ordem Beneditina e o Estado. Motivos pelos quais deduzimos, em 1922, Samuel Hardman, Secretrio Geral do Governo do Estado cogitou o fechamento da Faculdade de Medicina Veterinria alegando a falta de pessoal, tanto docente como discente e, sobretudo, a inoperncia dos administradores. Diante da presso, os clrigos e alguns amigos do mosteiro reforaram os acordos com o Estado, assim foi possvel contratar dois professores alemes Lachenschmied e Hasgenkopf, cujo pagamento viria de recursos oriundos de impostos de exportao de todo produto agrcola pernambucano. Nesse perodo, em janeiro de 1923, foi realizado o Congresso de Agricultura do Nordeste em homenagem aos cinquenta anos da Sociedade Auxiliadora da Agricultura de Pernambuco. Todos os Estados da regio Nordeste enviaram representantes para discutir questes ligadas ao melhoramento agrcola e pecurio. Localizamos discusses sobre o algodo, a cana-de-acar, construo de redes de estradas, emprego do lcool, defesa sanitria vegetal e animal e o auxlio Escola Superior de Medicina Veterinria de So Bento. Na poca, o governador Srgio T. Lins de B. Loreto argumentou que era mais interessante e econmico aos cofres do Estado manter e melhorar seu curso do que criar um novo estabelecimento. Mas, o auxlio cogitado ficou apenas presente no discurso do parlamentar. Nesse perodo o Estado j demonstrava fortes indcios de insatisfao com relao Irmandade Religiosa, esse fato gerou atritos entre os amigos do Mosteiro que pertenciam a grupos polticos e aucareiros, os quais tinham poder de deciso e de mando sobre o futuro dessa Faculdade. O auxlio financeiro prometido, tambm, no veio. Nessas imbricaes, a Histria Oficial silencia fatores importantes para uma compreenso mais alargada das circunstncias e condicionamentos que conduziram o encerramento das atividades escolares da Escola Superior de Medicina Veterinria. Nesse sentido, pensamos que a memria coletiva tem uma importante funo nesse evento, com relao trajetria da UFRPE, de contribuir para o sentimento de pertinncia a um grupo de passado comum, que compartilha memrias. As palavras do diretor geral das Escolas, de certa forma, reforam nossa reflexo,

se ainda ao lado destas palavras coloco as cartas, que provam a intimidade com os mestres comunicando-lhes casamento, o nascimento de um filho, etc. e se me lembro das muitas visitas, que aqui em Olinda recebo dos antigos acadmicos, ento no tenho motivo de queixar-me de uma certa ingratido, pelo contrrio venho aqui agradecer-vos publicamente pelos nobres sentimentos, que sempre

tendes guardado para com o vosso e antigo velho Diretor. Por isso tenho o desejo vivo, de que venha quanto antes o dia, em que os antigos alunos da Escola se renam com suas famlias, para eu ter uma ocasio propicia de documentar-vos pessoalmente o protesto da minha gratido pela vossa generosidade. D. Pedro Roeser O. S. B. Abade. 213

O memorial garante o sentimento de identidade do indivduo calcado numa memria compartilhada no s no campo histrico do real, mas, sobretudo no campo simblico. Passaram os anos e observamos que a prtica se repete. Mudou o ambiente, os espaos, os personagens a memria se modifica e se rearticula conforme a posio que ocupa e as relaes que estabelece em diferentes grupos. Dessa maneira, a Escola de Medicina Veterinria de So Bento desempenhou funes diversas e de formas diferentes, as quais esto associadas histria da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Um espao permeado de trocas, caracterizado pelas experincias humanas como um lugar de singularidades e diferenas. Logo, ao revisitar esses espaos fomos construindo lembranas de alunos, professores e funcionrios to relevantes para a memria como instrumento do tempo presente. Com essa interpretao, evocamos as lembranas da colao de grau dos mdicos veterinrios Turma 1919 vislumbrando as imbricaes das relaes existentes entre presente/passado, assim,

os diplomados so Guilherme de Carvalho, Anatlio Djalma e Antnio Augusto Brando. s 12h, repleto o Salo Nobre dos corpos docente e discente das Escolas Superiores da capital, sacerdotes, mdicos, juristas, representantes do Supremo Tribunal do Estado, da imprensa, Prefeito municipal, etc. etc. O paraninfo dos diplomados Dr. Otavio de Freitas, diretor de higiene e sade pblica, e o Juiz de Direito da Comarca Dr. Victoriano Rigueira, na ocasio representado o Exmo. Governador do Estado Manoel Borba. O primeiro a fazer uso da palavra foi o Diretor geral das Escolas, inaugurando o retrato do Sr. Governador como preito de gratido pelo muito que V. Ex. fez por nossas Escolas, concedendo-lhes valiosos auxlios. 214

213

Quinto Relatrio das Escolas Superiores de So Bento: 1919. Op. Cit. 1913-1922, p.65. Quinto Relatrio das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento: 1919. Op. Cit. 1913-1922, p. 24.
214

 interessante apontar que a memria uma ferramenta de luta pelo poder, travada entre indivduos e grupos. Decide sobre o que deve ser lembrado e tambm esquecido, integra os mecanismos de controle de um grupo sobre outro. A partir da anlise, pensamos que desse embate resultaram, entre outras, as escolhas sobre a histria da Faculdade de Medicina Veterinria de So Bento. Para ns foi importante pontuar as relaes e articulaes identificadas entre a memria coletiva e a memria histrica dessa trajetria, as quais foram socialmente negociadas, guardaram informaes importantes e tiveram por funo primordial garantir a coeso do grupo e o sentimento de pertinncia entre seus membros, fossem clrigos, republicanos ou amigos do mosteiro. Identificamos que foram diplomados, at o ano de1925, vinte e quatro mdicos veterinrios, quantitativo aparentemente baixo, mas, com embasamento na discusso realizada at o momento somada a regulamentao oficial do ensino agrcola superior no Brasil, por meio do Decreto 8.319, de 20 de outubro de 1910, no governo de Nilo Peanha e por ser um fato relativamente novo no processo da Primeira Repblica, consideramos que tal nmero teve uma representatividade relevante, mesmo diante da falta de polticas de interao que gerasse a integrao entre a sociedade regional e a Faculdade no sentido de fortalec-la institucionalmente. Nesse contexto, at o ano de 1922, foram diplomados pela Faculdade veterinria de So Bento, os seguintes personagens:

Dionysio Meili, catedrtico da Escola e chefe da fiscalizao de leite e estbulos do Recife; Francisco Pedroza, mdico veterinrio da Prefeitura da Capital Paraibana; Benjamin de Mello, mdico veterinrio do Matadouro Modelo do Recife; Armando P. Maia, medico veterinrio da Diretoria da Indstria Pastoril do Ministrio da Agricultura em misso em Guaratinguet So Paulo; Manoel de B. Bezerra, medico veterinrio militar em Trs Coraes, Minas Gerais; Arthur Lopes Pereira, clinico em Olinda PE; lvaro de F. Salles, premiado pelo Governo Federal, para se especializar em veterinria, em Npoles, Itlia; Antnio A, Brando, catedrtico de clnica da Escola Superior de Medicina Veterinria de So Paulo em Butantan, S. Paulo; Guilherme A. Carvalho, premiado pelo Governo Federal, para se especializar em veterinria, em Npoles, Itlia; Anatlio D. Caldas, premiado pelo Governo Federal, para se especializar em veterinria, em Npoles, Itlia; Jos W. Braga, clinico em Olinda-PE; Almir Pires Ferreira, Recife-PE; Antnio Magno de Miranda, Recife-PE; Abdon Gomes Fernandes, Recife-PE; Carlos Cavalcanti Paes, Recife-PE.215

215

Escolas Superiores de So Bento. Relatrio 1921-1922. Op. Cit. 1913-1922, p. 39.

Por fim, podemos afirmar que o encerramento desse curso constituiu um difcil momento para os administradores da Instituio e uma lacuna na educao formal da regio. Esse ato afetou o elo que organizava as relaes escolares de ensino agropecurio de So Bento, alm de reforar as tenses entre a Irmandade e desses com o poder pblico. Para ATADE DE ALMEIDA em qualquer momento da histria, a ruptura da unidade catlica era olhada como prenncio da desordem e da anarquia .216 Nessa poca, o Estado j dava os primeiros passos, para fortalecer o discurso da intelectualidade encarregada de formular e executar o projeto poltico por meio do ensino.

2 - Escola Superior de Agricultura de So Bento (1917-1936)

O vestgio da vida cristalizado na imagem fotogrfica passa a ter sentido no momento em que se tenha conhecimento e se compreendam os elos da cadeia de fotos ausentes na imagem. Alm da verdade iconogrfica.217

Ilustrao 3 Instalaes da Escola Superior de Agricultura de Agricultura - ESA de So Bento 1917. Localizada em Tapera, So Loureno da Mata PE, atual Bonaza, distrito da cidade de Moreno PE. Fonte: Acervo Fotogrfico da CCS/UFRPE Hoje essas instalaes encontram-se submersas na represa do Rio Tapacur.

Tudo comeou em 03 de maro de 1917, numa manh ensolarada, na Estao da Estrada de Ferro Central de Pernambuco, quando se notou um movimento pouco
216 217

ALMEIDA, Maria das Graas A. A. de. Op. Cit. 2001, p. 71. KOSSOY, Boris. Op. Cit. 2001, p. 117-118.

frequente em companhia de seus pais e parentes, jovens alegres se cumprimentavam mutuamente, era os acadmicos da Escola de Agricultura do Mosteiro
218

que seguiam

para inaugurar as novas instalaes. A forma como as biografias coletivas narram o reencontro desses rapazes nos faz perceber que no havia por parte da administrao das Escolas uma poltica de interao entre esses estudantes no perodo de frias, nem mesmo durante o ano letivo. De certa maneira, isso favorecia um afastamento que reforava a competio entre os jovens alunos, fato esse, fortemente aprovado e muitas vezes incentivado pelos monges no espao escolar, observamos que os religiosos percebiam esse

comportamento como um fator positivo que levaria os acadmicos a se dedicaram com afinco aos estudos aproximando-os cada vez mais da proposta republicana e eclesistica. Porm, apesar dos conflitos que identificamos, os jovens estudantes mostravamse entusiasmados e curiosos com relao ao aprendizado, haja vista, que para alguns o mato era conhecido apenas pelo nome .219 Pensamos nos signos que permearam o imaginrio daqueles rapazes, ao perceber que deixaram para trs a cidade com sua vida ativa e turbulenta, para vivenciar o cotidiano do internato, canaviais, engenhos, plantaes cortadas por riachos, matas sombrias, capoeiras intricadas e selvagens, enfim, panoramas novos para os filhos da cidade. O impacto da separao familiar, assim como, a adaptao ao mundo escolar fechado ao sexo masculino, apresentou algumas dificuldades para os alunos e os administradores. De acordo com os relatos,

nos primeiros dias, alguns deles estranharam bastante a vida do mato, mas em geral, encontramos muita boa vontade. Rapazes mesmo que pareciam nunca terem encontrado na sua vida disciplina alguma, pouco a pouco comearam a conformar-se e fazer amizade com ela.220

O dia-a-dia apenas com homens exigia uma postura mais austera e por vezes dura frente ao cotidiano escolar. Deduzimos que este quadro levou a uma rigidez disciplinar que implicou mudanas de costumes, como tambm, exigncias de novas prticas de relacionamentos relevantes para o referido espao, no raro depararmos
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Conferir o Livro de Relatrios da Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento: 1913-1922. Mosteiro de So Bento de Olinda-PE. Terceiro e Quarto Relatrio, 1917-1918, p. 05. . 219 Idem. Terceiro e Quarto Relatrio. 1917-1918, p. 07 220 Idem. p.09.

com prosopografias que relembram a dura realidade, principalmente, do internato. Para ns, o encontro com as novas instalaes significou um divisor de guas na trajetria escolar, principalmente, dos futuros engenheiros agrnomos, uma vez, que esse pblico mantinha-se interno durante todo o semestre letivo no referido engenho. No Livro de Relatrios encontramos o Engenho de So Bento com noites frias, tristes e saudosas, as quais eram preenchidas com longas horas de estudos, trabalhos e um cntico, bem adaptado as circunstncias O luar do serto sempre cantado nos espaos escolares, sua melodia de carter montono e melanclico simbolizava momentos de profunda solido. Segundo TAURINO DE ANDRADE, ao narrar s experincias dessa Escola Faculdade deixa claro a preocupao da administrao com o internato, a disciplina, os estudos e os trabalhos prticos. Dessa maneira, fios de memrias tecem questionamentos, dos quais,

possvel manter um internato mais ou menos disciplinado para rapazes?... A forma do internato possvel, porm, dificlima para o nosso jovem de seus 17 a 24 anos, que imbudo da idia da mais ampla liberdade e de grande instabilidade, com dificuldade se acomoda monotonia de um internato longe da cidade. A Escola Superior de Agricultura de So Bento tem sustentado at o presente o internato com lutas e dificuldades. Precisa ser muito idealista para manter um internato disciplinado para rapazes dessa idade. 221

Nesse sentido, no concordamos com a historiografia oficial, mais precisamente os escritos dos memorialistas, entendemos que a construo do ensino agrcola na regio, a partir das Escolas Superiores de So Bento, percorreu uma difcil realidade, seja de ordem financeira, epidmica ou emocional. Haja vista, que o futuro econmico no s da regio, mas tambm, da Ptria, no discurso da intelectualidade poltica, dependia de certa forma, desse novo profissional, logo, era necessrio empregar todos os meios possveis para sanar as dificuldades existentes objetivando torn-los fortes e nobres perante a sociedade. Na leitura que fizemos, s vezes faltava ao alunado, ideais, interesses, um programa de vida, uma direo, fatores to comuns juventude, mas, nem sempre compreendidos pelos administradores da Escola. Com perspectivas de sanar os conflitos, principalmente, os de ordem emocional, a Instituio vivenciava uma srie conferncias e prticas religiosas que reforavam a
221

ANDRADE, Jonas Taurino de. Quinto Relatrio das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento: 1919. Op. Cit. 1920, p. 45.

simbologia ansiada por polticos e eclesisticos. Os clrigos atravs dessas prticas incutiam no imaginrio do acadmico os fundamentos pedaggicos da educao agrcola da forma como era idealizada por esses poderes. Logo, o futuro agrnomo deveria apreender, principalmente, colocar em prtica sua misso, sua vocao sublime e rdua, bem como, as condies em que ele poderia conseguir o resultado glorioso, ou seja, um personagem moldado a partir de interesses institudos. Para reforar a reflexo evocamos temticas sobre as quais a Escola de Agricultura de So Bento se ocupava.

O agricultor e a moralidade; o engenho e a famlia; as condies para a constituio da famlia; a economia; o rei do engenho: a moradia; higiene; alimentao; a estabilidade; a instruo dos moradores; a independncia: de qualquer proteo; da cidade; as relaes com os vizinhos; a amizade; os cuidados prudentes para o futuro: a sade; a boa reputao; a independncia; as obrigaes com Deus: a orao da manh e da noite; a missa do domingo; a recepo dos santos sacramentos no tempo pascal; a confederao das Repblicas Sul-americanas; e um programa poltico.

A partir, do discurso poltico da intelectualidade e o rigor dos monges beneditinos o imaginrio do alunado era moldado, inculcando-lhes o compromisso com as dificuldades enfrentadas pela lavoura nacional. Segundo Incio de Barros Barreto,

so grandes e difceis os problemas, cuja soluo cabe s Escolas Agrcolas! Tal o alvo a que se prope a Escola Superior de Agricultura de So Bento... ao qual dirigi todos os seus esforos e que bem cedo pretende ver realizado, pois sente-se aliciada pelos conhecimentos e concluses prticas que a experincia lhe sugeriu aps a transferncia da Escola para o interior do Estado, para desempenhar a misso que lhe cabe em prol da lavoura nacional. O futuro engenheiro agrnomo tem a sublime misso de sanar os grandes males da lavoura.222

Assim, os projetos elaborados com perspectivas de formar o engenheiro agrnomo em dois anos, com toda experincia, formao terica e prtica que lhes era mister, para atuar na lavoura, foram executados sob a direo dos professores ou por

222

ANDRADE, Jonas Taurino de. Op. Cit. 1920, p. 27. Discurso proferido por Incio de Barros Barreto, advogado e senhor de engenho/usineiro; aos acadmicos do curso de agricultura no encerramento do ano letivo 1918.

intermdio de acadmicos mais velhos que por suas habilidades eram escolhidos e nomeados chefes de turma. Entretanto, os exerccios prticos ordinrios, que representavam duas horas por dia e os extraordinrios com tempo indeterminado, contrariavam os discentes, de certa forma, obrigava-os a vivenciar prticas com as quais no concordavam, alm, do trabalho ser exaustivo. Logo, para garantir o xito de suas metas, os poderes constitudos colocaram em vigor as seguintes normas,

os professores daro notas nos exerccios prticos; o acadmico que tiver nos exerccios prticos mdia do ano insuficiente perde o direito ao exame terico; ao acadmico que tiver o nmero de quinze faltas no justificadas ser negado o exame; o exame terico ser precedido do prtico, e quem neste for reprovado, no fluir do direito quele; o aluno que tiver como mdia do ano tima ficar dispensado do exame prtico.223

Sendo assim, o discurso da intelectualidade afirmava que a Escola de Agricultura de So Bento, com seus programas curriculares anlogos constitua o almejado paralelismo entre as teorias e prticas da agronomia, ambas indispensveis ao futuro profissional, fundamentavam os signos desejados no imaginrio dos acadmicos, no sentido de que ociosidade sugava as foras vitais da agricultura, logo, era necessrio,

fazer brotar o esprito de iniciativa que na agricultura d cem por um... levantam o moral... desenvolvem o fsico... e o que h de mais belo, formam homens capazes de enfrentar com coragem e esperana os males que ameaam estacionar a lavoura nacional. Tem ainda um outro efeito de importncia capital resolve em grande parte a questo social na classe agrcola. Esses trabalhos unem a aristocracia agrcola democracia, originam o respeito mtuo. 224

De acordo com ATADE DE ALMEIDA o discurso articulado pela intelectualidade pernambucana perpassava pela reconstruo social e moral do Estado, liderada, principalmente, pela educao .225 No entanto, esse iderio no tinha mbito regional, encontrava-se atrelado a um projeto nacional concretizado, anos depois, na reforma pedaggica empreendida pelo ministro Capanema, segundo o personagem,

223 224

ANDRADE, Jonas Taurino de. Idem. 1920, p. 28-29. ANDRADE, Jonas Taurino de. Ibid.. 1920, p. 29. 225 ALMEIDA, Maria das Graas A. A. de. Idem. 2001, p. 61-62.

urge levar ao homem do campo, acorrentados terra pelas cadeias da misria, da ignorncia e da fome, o vitico da civilizao, que, com a abundncia, o conforto e sade, ir transform-los em cidados vlidos, robustos agentes de foras econmicas e sociais de servir Ptria e a humanidade.226

Compreendemos que as atividades escolares atribuam educao agrcola a possibilidade de adestramento e submisso de agricultores nova ordem poltica que surgia, sob esses aspectos, os administradores do objeto em estudo envolviam os agentes em um processo de apropriao, concomitantemente assumiam o papel instrumental de modelar perfis visando atender aos interesses institucionais. Para JUSTINO P. MAGALHES,

a ao educativa integra um sujeito, um agente, um argumento, os meios adequados, e desenvolvem-se em um determinado contexto, com vistas a um fim. A educao o constructo que resulta destes elementos e destes fatores por apropriao do sujeito; relao e relacionamento. 227

Dessa maneira, os jovens acadmicos participavam ativamente das atividades escolares, sobretudo, os exerccios prticos enfatizamos que esses sempre obedeciam aos princpios da Congregao, ficando a cargo de professores catedrticos a aplicao da proposta pedaggica, na ocasio sete mestres vivenciavam prticas escolares da seguinte maneira:

nas aulas de Botnica exigiam frequentes excurses na mata, para colecionamento de plantas e confeco de herbrios. Na cadeira Anatomia Vegetal foram realizados estudos sobre as clulas e suas modificaes; tambm, debruaram-se sobre a estrutura de diversos vegetais. As aulas de Fisiologia Vegetal eram divididas entre o campo e o laboratrio, localizamos experincias de culturas desenvolvidas no vidro e em latas com demonstrao dos fertilizantes necessrios ao seu desenvolvimento. Da mesma forma, as aulas de Fitopatologia, entre o campo e os laboratrios os acadmicos estudavam sobre vrias doenas bacterianas, cryptogamicas e molstias tropicais. No podemos deixar de referenciar o rico herbrio, bem como, uma coleo de preparados microscpicos sobre Anatomia e Fisiologia, organizados pelos alunos da Escola de Agricultura. A cadeira de Agricultura desenvolveram tcnicas de araduras em figuras e em
226 227

Ibid. 2001, p. 29. MAGALHES, Justino Pereira. Tecendo nexos: histria das instituies educativas. Bragana Paulista: Universitria So Francisco. 2004, p. 31.

carr, em camalhes e leiras, araduras em encostas, gradagem, destorroamento, sempre utilizando parelhas de bois ou burros. Na cadeira de Agricultura Especial, preparao da terra e execuo da semeadura de milho, feijo, da cana-de-acar, do caf, entre outras culturas. Em horticultura, preparo de formao de canteiros e sementeiras, execuo de estrumao de todas as regras, da sacha e monda, cultivao de vrias espcies de hortalias, repicagem e muda da proteo contra o sol, armao e empa do tomateiro, ainda colheita de legumes. Em Pomicultura, os acadmicos desenvolveram tcnicas de diversos alfobres e de novo tanchoal, repicagem e mudas de fruteiras, enxertia de roseiras e laranjeiras pela borbulhia, garfagem e encostia, alm do tratamento de fruteiras adultas e velhas. Cadeiras de Zootecnia, Zoologia e Entomologia: os acadmicos realizaram execues para colees entomolgicas, estudo anatmico dos insetos, estudo com auxlio dos mapas e ao microscpio da biologia de vrios coleo e leptobrocas. Na cadeira de Anatomia e Fisiologia dos Animais, estudos e armao de esqueletos. Em Zootecnia, estudos prticos sobre o exterior dos animais. Na cadeira de Zoonomia Rural, escriturao dos livros da fazenda, direo dos trabalho prticos, trabalhos de lavra e cultivao. No campo de experincia, em trs lotes, foram feitos vrios ensaios sobre a aclimao da alfafa, que cresceu admiravelmente, resistiu a seca de 1918 a 1919, e chegou a desenvolver semente de valor cultural de 60%. Foram cultivados o teosinte, mucuna branca e preta cowpea e mamona, cactus forrageiro, feijo branco. Foram feitas consociaes com espcies forrageiras e com milho, alm disso, fazemos dez ensaios sobre a maneira mais favorvel do plantio da cana, e alguns da batata inglesa pela rama.228

Segundo a normatizao que regia as prticas escolares e o rigor disciplinar adotado pelos educadores no estavam de acordo com a educao domstica que os jovens acadmicos recebera no seio familiar, sobretudo o discurso proferido por seus pais, os quais, em sua maioria ansiavam altos cargos pblicos e visibilidade poltica para seus filhos, proporcionados no perodo, pelas Faculdades de Direito e Medicina ou mesmo por meio do matrimnio. Diante dessa anlise, deduzimos que tais fatores, tambm, tenham sido responsveis pela baixa procura de jovens ao ensino agrcola supereior mesmo sendo essa Instituio uma porta de entrada para altos cargos pblicos a nvel local e nacional. Diante desse contexto, identificamos um alto ndice de evaso nessa Instituio, mas um fato chamou nossa ateno com relao aos poucos jovens que optaram por essa rea do conhecimento, aceitaram os desafios e foram fies as suas escolhas. Apesar das dificuldades enfrentadas notamos que o afastamento da cidade, sobretudo, das diverses dirias: cinemas, cabars, bondes eltricos, nibus, automveis e mesmo do convvio familiar os acadmicos obtiveram um excelente resultado no aprendizado,
228

ANDRADE, Jonas Taurino de. Op. Cit. 1920, p. 08-09-10.

fato esse, que fortalecia o discurso poltico da intelectualidade o qual tinha por lema modernidade e progresso . No devemos esquecer, que a localizao dessa Escola e a constante presena dos mestres que orientavam o alunado a dedicarem-se com afinco aos estudos tericos e prticos, alm de responder a seus questionamentos, fortaleceram as relaes interpessoais nesses espaos. Em outras palavras, queremos dizer, que apesar dos ideais do Estado e da Igreja, havia um compromisso dos professores para com a formao dos acadmicos e desses para com a sociedade. Quando percorremos os espaos da Faculdade de Agricultura notamos que na maioria das vezes as prticas escolares burlavam a proposta do regimento pedaggico, atitudes que nem sempre eram vista com bons olhos pelos poderes constitudos, sobretudo, o Estado. Pensamos que essas prticas acentuaram a necessidade de substituir uma orientao pedaggica preocupada com o fator econmico, por uma educao voltada para a construo de um saber que no tivesse sua base na transmisso e armazenamento de conhecimentos, mas, sobretudo, um saber que tivesse como proposta: Ptria, Catolicismo e Famlia . Mas, para nossa surpresa, essa Instituio, de maneira sutil, resistiu por um bom perodo, aos interesses de uma poca, a epidemias, a crises das mais diversas possveis, das quais, perodos extensos de estiagens provocando a destruio suas culturas e como conseqncias, trouxe consigo crises financeiras. Contudo, a atuao e determinao de alguns personagens a Escola Superior de Agricultura ESA de So Bento desempenhou seu papel social, a partir do momento

que decidiu educar no apenas os filhos da elite rural da regio, mas tambm, os trabalhadores de engenhos e usinas, exercendo o compromisso profissional voltado para a coletividade. Sentimento despertado, cotidianamente nos acadmicos. Estes deveriam repassar o conhecimento recebido para aqueles que no tinham

oportunidades de ingressar numa faculdade, bem como, orientar os funcionrios de suas propriedades. Propomos esse debate quando relacionamos as biografias coletivas e percebemos a relevncia dessas fontes para nossa pesquisa, uma vez, que identificamos nessa prtica escolar uma preocupao com o bem estar social. A partir desse evento as relaes de sociabilidades voltaram a ficar estremecidas entre a Igreja, sobretudo a Ordem Beneditina e o Estado. Naquele contexto de grandes conflitos sociais, jovens e trabalhadores rurais politizados, conscientes de seus deveres, principalmente seus direitos, pensamos que no era um fato interessante para os donos

do poder . Alm do mais, identificamos, nesse momento, refugiados da Grande Guerra (1914-1818) habitando os espaos da ESA, entre os quais os alemes Oto Moneke, construtor e mestre de oficinas e Henrique Tross, o ferreiro, ambos trabalhavam na construo e manuteno da Escola. Apesar, da problemtica no ser o foco dessa pesquisa, consideramos importante esse breve comentrio, para reforar nossa compreenso e proporcionar novos debates entre pesquisadores. Nesse contexto, identificamos a criao do Centro Acadmico de Agricultura e Medicina Veterinria o qual fazemos uma analogia aos Diretrios Acadmicos da atualidade. A primeira diretoria era composta pelo presidente, na ocasio, o diretor geral das Escolas, D. Pedro Roeser229; primeiro secretrio, Joaquim Maurcio Wanderley Filho;

229

D. Pedro Roeser (*1870 - +1955), Abade do Mosteiro de So Bento em Olinda - PE, entre 1907 1929. Monge germnico, pensador catlico, um homem bem relacionado com as autoridades civis e polticas, local/nacional. Possuidor de idias consideradas modernas para a poca , motivo, pelo qual, pensamos fora escolhido, entre tantos outros monges, para receber instrues no Mosteiro de Santo Andr, na Blgica, a partir das orientaes de seus superiores da Arquiabadia de Beuron que, pretendiam encaminh-lo para o Continente Sul Americano. Capacitado, foi enviado para o Brasil nas primeiras dcadas da instaurao da Primeira Repblica. De acordo com a anlise, a princpio a sua misso era orientar novios em alguns mosteiros brasileiros, posteriormente garantir a permanncia da Irmandade Beneditina em terras pernambucanas. A relevncia das fontes documentais possibilitou essa anlise. Nesse contexto, a atuao desse religioso impulsionou de maneira decisiva o Ensino Superior das Cincias Agrrias na regio. Entretanto, para trilharmos os caminhos percorridos por esse personagem, faz-se necessrio uma reflexo de alguns pressupostos tericos tecidos sobre o papel do intelectual nas primeiras dcadas do sculo XX, essencial para a compreenso da sua atuao. Dom Pedro Roeser se chamara Edmmundo Roeser antes de emitir os votos monsticos. Nasceu no ano de 1870, na cidade de Mergentheim, situada no reino de Wrttemberg, na Alemanha do Sul, filho de Jos e Maria Roeser. A documentao em anlise faz poucas referncias aos familiares do monge, dificultando, assim, o aprofundamento de informaes sobre a origem do bero desse personagem. Contudo, rompemos a barreira das fontes oficiais e vasculhamos os arquivos do Mosteiro de So Bento, em Olinda, bem como outros espaos, afim, de viabilizar a realizao dessa pesquisa. A historiografia nos fala do gnio inventivo e da vocao comercial do povo da referida regio germnica. Dentro dos registros acerca dessa histria, pode-se perceber que as produes intelectuais e artsticas preenchem numerosos captulos da histria cultural alem. O fato nos leva a pensar que as atividades cotidianas dessa famlia no seriam diferentes as atividades de seus contemporneos. Pedro Roeser terminou seus estudos secundrios aos vinte e um anos. Ao concluir os estudos humansticos ingressa nos cursos filosfico e teolgico no Seminrio de Insbruk, localizado no Tirol austraco. Foi ordenado sacerdote em 10 de outubro de 1898, e, trs dias depois, celebrou a primeira missa. Recebeu como padroeiro na vida monstica o apstolo Pedro. Algum ano, mais tarde expressou, por meio de escritos, ter compreendido a responsabilidade do nome que recebera. E afirmava que esta expresso interpretava bem a sua vida de monge: cum esses Junior, cingebas te et ambulabas ubi volebas; cum autem senueris, extendes manus tuas, et alius te cinget et ducet quo tu non vis . Nos primeiros momentos da vida monstica, sob a orientao de seu Abade, Dom Plcido Wolter, em Beuron, iniciou um estudo sobre diversos problemas da famlia, apesar da disciplina, no chegou a concluir sua anlise, as idias renovadoras do jovem, despertara outros interesses nas autoridades eclesisticas. Logo, o enviou para o Mosteiro de Santo Andr, na Blgica, onde foi preparado para empreender a sua misso. Em curto perodo, aprendeu o necessrio sobre a lngua e tomou conhecimento de alguns valores da terra onde seria sua morada, at ento, por alguns meses o Brasil. Assim, em 28 de setembro 1899, religioso embarca no porto de Hamburgo, no navio Itaparica, da companhia Hambug Amerika Linie, com escala em Tenerife, rumo ao Brasil. Aps trs anos de permanncia no Pas, com estadia nos Estados de Pernambuco e Cear,

segundo secretrio, Raul de Barros Moreira; um tesoureiro, Christiano Carneiro Dias Vieira; um orador, Paulo Alpheu de Miranda Henriques; um bibliotecrio, Jos Galvo de Mello.230 Esse rgo tinha uma representatividade social relevante para o contexto histrico no perodo em anlise. Como toda organizao instituda possua regimento e uma diretoria para aprovar e/ou reprovar projetos apresentados por grupos sociais, sobretudo, dos acadmicos. Esse espao escolar, segundo seu estatuto foi criado para defender e proteger os interesses das nossas Escolas e de seus acadmicos; concorrer para o desenvolvimento intelectual e moral; em particular da sua turma e em geral da coletividade acadmica pernambucana
231

. Com essa proposta, o rgo dispunha de

regalias, entre as quais, uma sede prpria onde eram realizadas reunies mensais com personagens de diversos segmentos da sociedade entre os quais trabalhadores rurais - que j brotou os seus primeiros frutos
232

matutos

. Nesse momento a

diretoria se referia a assiduidade desses sujeitos as aulas noturnas. Assim, considerando a realidade scio-econmica do trabalhador rural sobretudo, os da regio Norte do Pas e o contexto poltico, deduzimos que o Centro Acadmico foi uma grande realizao para o momento. Relacionamos quinze biografias coletivas, nas quais encontramos ressalvas direcionadas ao referido Centro. As quais enfatizavam, principalmente, a atuao dessa organizao sobre problemticas que envolviam o ensino agropecurio da regio. Entretanto, no podamos deixar de mencionar os discursos antagnicos do poder, segundo Joaquim Maurcio Wanderley Filho, primeiro

nesse ltimo, como instrutor e prior, retorna Arquiabadia de Beuron, na Alemanha, para relatar a situao das comunidades beneditinas visitadas, que vinham enfrentando profundas mudanas decorrentes da poltica vigente. Na Europa, permaneceu apenas alguns meses o tempo necessrio para seus superiores avaliar a sua atuao e os relatrios levados do Brasil, posteriormente, em 1903, decidiram reenvi-lo ao Brasil como mestre de novios, para as Congregaes da Bahia e de So Paulo. Pensamos que essa deciso muito custou ao jovem monge e pode at ser aceita talvez, at ento, como a ruptura mais rude de sua trajetria. Pois deixara de lado sonhos, ideais e sua amada Beuron, ou seja, a intimidade de sua comunidade, na qual, entendemos, o religioso esperava viver e morar. Mas, em obedincia aos superiores, retorna. Em terras brasileiras, trabalhou intensamente com projetos sociais. Entre os quais, destacamos as Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento e o Hospital Centenrio do Recife. Aps quinze anos de produo e atuao, Roeser naturalizou-se e recebeu o ttulo de cidado brasileiro. 230 ANDRADE, Jonas Taurino de. Op. Cit. 1920, p. 20. Para uma melhor compreenso sobre a discusso indicamos a trabalho de, FOERSTER, P. J. Elias. Dom Pedro Roeser O.S.B.: patrono da cadeira n 17 da Academia Pernambucana de Medicina Veterinria. Recife: ed. Livro Rrido, 2008. 231 Terceiro e Quarto Relatrio das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento: 1917-1918. Op. Cit. 1913-1922, p. 38. 232 Idem. 1913-1922, p. 38. Expresso utilizada por grupos sociais da regio para designar trabalhadores rurais.

secretrio do Centro Acadmico e Igncio Barros Barreto, proprietrio da Usina do Meio da Vrzea,
compreendem a importncia, necessidade e salutares consequncias dessas reunies!... repugnante?... edificante!!... ensinando-lhes os deveres e direitos de brasileiro,... inculcando-lhes os princpios higinicos e agronmicos... a moral... combatendo-lhes o alcoolismo, a indolncia proveniente do deplorvel ambiente em que vivem...233

Todas essas orientaes eram vivenciadas por meio de conferncias, palestras, representaes teatrais, projees luminosas, ou seja, maneiras que atrasse, impressionasse e despertasse aqueles sujeitos. Assim, a experincia das primeiras turmas possibilitou aos alunos a apropriao do lugar e dos espaos escolares, podemos dizer, com a permisso dos leitores dessa pesquisa, que esses acadmicos moldaram no s as Escolas Superiores e seus cursos, mas tambm, o meio social onde atuaram. Romperam barreiras e fundamentaram a importncia de suas profisses na sociedade regional, voltamos a enfatizar que no perodo em anlise, os rgos de fomento voltados para causa rural, no Pas, sobretudo, em Pernambuco234 eram tidos como o primo segundo das faculdades de Direito e Medicina, apesar do discurso moderno da intelectualidade. Mas, segundo FOUCAULT,

o momento histrico das disciplinas o momento que nasce uma arte do corpo humano, que tem por objetivo aumentar as suas habilidades, aprofundar sua sujeio, estabelecer uma relao onde esse corpo ao mesmo tempo se torne mais obediente e mais til, extraindo desse corpo o mximo possvel de energia e canalizando-a para a eficcia de uma maior produtividade. 235

Assim, esse espao escolar, por meio de sua diretoria, aprovou vrios projetos que reforam a nossa reflexo sobre o papel social dessa Instituio de Ensino, entre os quais,
233 234

Idem. 1913-1922, p. 39. Sobre a discusso relacionada s faculdades de Direito e Medicina, principalmente, a Faculdade de Direito da cidade do Recife, indicamos o trabalho dissertativo de: MOURA, Carlos Andr de. F, Saber e Poder: os intelectuais entre a Restaurao Catlica e a poltica no Recife (1930-1937). Defendido no Programa de Mestrado em Histria Social, da Universidade Federal Rural de Pernambuco, em 2010. 235 FOUCAULT, M. Vigiar e punir: nascimento da priso. Petrpolis: Ed. Vozes, 2002, p. 119.

criar e regula o funcionamento da Escola Noturna D. Pedro Roeser, destinada a difundir a instruo entre os filhos dos trabalhadores rurais to desprotegidos e dela sequiosos. O nome a que consagrada uma justa homenagem ao Exmo. Revmo. Snr. Presidente Honorrio um brado de gratido pela obra de patriotismo que o Snr. tem prestado ao Brasil. A fundao da Escola Noturna j tem cabalmente demonstrado seu alcance, esta foi sugerida pelo agronomando Alfredo Gomes Coelho de identidade paraibana .236

Para manuteno da Escola Noturna D. Pedro Roeser, o Centro Acadmico apresentou outro projeto instituindo e regulando a Bodenmller
237

Caixa Escolar D. Amaro

que foi aprovado juntamente com a deciso em adaptar como oficial a

Arquiconfraria do Corao Eucarstico de Jesus, da qual faziam parte os scios do referido Centro que se inscrevessem voluntariamente . Contudo, percebemos essas iniciativas como estratgias fortemente imbricadas de interesses polticos, no podemos esquecer, que havia um desejo latente para (re)significar agricultura para alm das fronteiras regional, logo, era necessrio colocar em prtica todas as ferramentas disponveis para realizar os anseios ora republicanos, ora eclesistico. Porm, observamos que nem todos os clrigos e republicanos acatavam essa arte de saber fazer motivo pelo qual, houve grandes divergncias de opinies entre os monges beneditinos, pensamos ser esse, tambm, um dos fatores que contribuiu de forma significativa para a negociao entre o Estado e a Igreja. Nesse momento, identificamos D. Pedro Roeser, diretor geral das Escolas; e D. Bento Pickel, diretor da Escola de Agricultura, como personagens totalmente envolvidos com os ideais republicanos, fato que acentuou a insatisfao entre os monges, na tica de alguns clrigos o Abade tinha de certa forma, esquecido alguns princpios da Regra do Pai So Bento. Apoiados do Centro Acadmico criaram o Tiro Acadmico So Bento com o discurso de que essa medida foi de mximo alcance para a questo disciplinar em nossas Escolas
238

. Assim, sob a orientao do 1 Sargento Francisco Sabino da Silva,

instrutor do referido Tiro,

os exerccios militares e de tiros ao alvo, foram feitos com toda regularidade, obedecendo ao regulamento dos Tiros de Guerra. As duas horas sacrificadas
236 237

Ibid. p. 21. Ibid. p. 22. 238 Relatrio das Escolas de So Bento: 1921-1922. Op. Cit. 1913-1922, p. 22-23.

diariamente aos exerccios militares no prejudicaram absolutamente os estudos ou a disciplina escolar, ao invs, alm das vantagens corporais e dos sentimentos sos de patriotismo que os acadmicos auferiram na linha de tiro, notamos com grande satisfao, um grau sempre crescente de operosidade e mais disciplina na vida escolar.239

E continua,

a experincia mostra que, tempo em demasia sob o pretexto de estudar mais, gera a ociosidade, faz medrar as paixes, ao passo que, um pouco menos de tempo, porm metodologicamente aproveitado, expulsa a indolncia e desperta a conscincia do dever. Assim, que se formam os grandes caracteres...lutando... O adgio ingls: time is Money, ns brasileiros devemos verter: tempo vale mais que dinheiro. 240

Tambm, localizamos os exames dos primeiros reservistas do Tiro Acadmico So Bento, ocorrido aproximadamente, entre os dias 15 e 16 de agosto de 1922, havia uma comisso escolhida pelo comandante da 6 Regio Militar para constituir a banca examinadora, a qual era composta por Capito Carlos de Barros Barreto, o Primeiro Tenente Jos Rodrigues da Silva e o Segundo Tenente Armando Bandeira de Moraes. Submeteram-se as provas: oral, prtica e de tiros dezenove atiradores/acadmicos, conforme relao nominal a seguir,

Jos Augusto de Cliveira Gusmo, Luiz Pinheiro Filho, Jos Agnaldo de Souza, Joo Maria Collier, Antnio Joaquim Louzeiro, Agnaldo Velloso Borges, ngelo Varela de Albuquerque, Benedicto Baboza de Souza, Dorgival de Souza Barboza, Edisio Tasso da Costa Cirne, Apollonio Jorge de Farias Salles, Joo Miguel de Aguiar, Jos Alves Massa, Jayme de Azevedo Gusmo, Luiz de Souza Monteiro, Manoel da Silva Martins, Oscar Espnola Guedes, Moacyr Fernandes Cartaxo e Paulo Nery Ferreira.241

Nesse sentido, deduzimos que essas prticas no cotidiano escolar, de certa forma, contriburam para acirrar, cada vez mais, os nimos entre a Ordem Beneditina e o Estado. Esse ltimo, por meio do Decreto n 07, de 03 de outubro de 1933, criou a Escola de Agronomia e Medicina Veterinria de Pernambuco, de acordo com as fontes, esse decreto foi revogado. Mas, de certa forma, estavam lanadas as razes para a
239 240

Idem. p. 23. Idem. p. 24. 241 Ibid. p. 24.

desapropriao do Engenho e da Escola Superior de So Bento, considerando o contexto histrico-poltico. Nesse momento, buscamos JOSEPH L. LOVE e BERT BARICKMAN, os quais, com o intuito de identificar como esses personagens atuaram como elites, foram alm da simples comparao biogrfica de idade, educao e ocupao. Para os estudiosos,

Pernambuco, o mais importante Estado do Nordeste, talvez seja o que melhor represente os dilemas polticos, sociais e econmicos que sua regio, como hoje, colocava para o resto Pas. Outras variveis foram acrescentadas, incluindo a participao em eventos polticos chave, os atributos sociais, laos com outros Estados, as ligaes familiares e os aspectos relativos gerao.242

Isso nos faz perceber, e de certa forma nos revela, que a Repblica seria comandada pelos conservadores desde seu incio. Sendo assim, entendemos a atitude dos administradores, entendemos esse comportamento como forma de resistncia encontrada por esses sujeitos para sobreviverem a determinadas imposies a eles apresentadas. Tambm, envolvemos nesse processo, a continuidade das atividades da Escola Noturna. Mesmo diante dos conflitos, internos e externos, essa funcionou com regularidade em dias teis, no horrio de 18h s 21h, alm das instrues agropecurias no foram esquecidas as aulas de catecismo ministradas pelo presidente do Centro. As despesas com aquisio de livros, cadernos e outros materiais distribudos gratuitamente para os alunos ficavam sob responsabilidades da Caixa Escolar. Ressaltamos que havia um descaso da oligarquia rural e de outros grupos sociais, com relao Escola Noturna D. Pedro Roeser. Pensamos que esse fato tinha haver com a proposta pedaggica vivenciada e o pblico ao qual se dirigia o ensino. Segundo o estatuto,

essa patritica instituio, pretende difundir as cincias elementares e levantar o nvel moral entre trabalhadores rurais. De fato merecia maior apoio. Apenas Dr. Joo Igncio de Vasconcellos dela se lembrou, enviando para os alunos 300 exemplares do livro de leituras agrcolas. Por justa homenagem a Escola nomeou Dr. Cabral Diretor Honorrio da Escola Noturna.243
242 243

LOVE, Joseph L. & BARICKMAN Bert J. Elites regionais. HEINZ, Flvio M (Org.). Op. Cit. p. 78. Sexto Relatrio das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento: 1920. Op. Cit. 1913-1933. p. 19.

Observamos que o Centro Acadmico alm de reunies, conferncias, promovia festas profanas e religiosas com regularidade. Tambm fundou o So Bento Football Club, o qual tinha como diretor o acadmicos J. Galvo de Mello e como secretrio o acadmico Jos Maranho. Assim, a comunidade acadmica da ESA penetrou em outros espaos, a partir de sua influncia, seus pontos de vista, suas disposies ideolgicas, suas tendncias polticas, suas cotidiano . A partir da anlise das biografias coletivas, conhecemos as propriedades sociais mais requisitadas desse grupo, sua valorizao ou desvalorizao atravs do tempo, os atributos culturais, econmico e sua inscrio nas trajetrias dos indivduos. Isso nos fez identificar os espaos e os mecanismos do poder nos diferentes pblicos. Assim, o propsito da metodologia que privilegiamos dar sentido ao poltica, ajudar a explicar a mudana ideolgica ou cultural, dessa forma, explicarmos com preciso a estrutura da sociedade, o grau e a natureza, dos movimentos que se deram no seu interior, sobretudo, na esfera regional. As nossas visitas, a essa histria, nos fez perceber que todos os eventos realizados na Escola, sobretudo, do Centro Acadmico de Agricultura e Medicina Veterinria, eram registradas em atas, principalmente, as solenidades dos meses de agosto e outubro de 1919, na primeira o conferencista Manoel Carneiro Leo falou sobre a agricultura no Brasil , bem como, os meios para seu engrandecimento . Frisamos que o personagem era scio remido do referido centro e primeiro agrnomo diplomado pela Escola. Posterior, no segundo evento, discursou Incio Barros Barreto com a temtica Vida do campo e a sade , advogado e lder poltico da regio, sempre decidiu sobre os destinos da Escola, tinha uma espcie de escritrio no Engenho de So Bento, pensamos que por esse motivo esbarramos constantemente com suas filhas circulando nos espaos escolares e despertando paixo nos coraes solitrios dos acadmicos. Esse personagem emblemtico, tambm disponibilizava suas fazendas para artes de saber fazer, de inventar o

experincias e aulas prticas vivenciadas por professores e discentes. Assim, as lembranas da Escola esto presentes em fios de memria compartilhados por outros atores sociais, dos quais, os que circulam pela UFRPE. HALBWACHS mostra como possvel entender as memrias de um grupo, segundo o autor,

 difcil encontrar lembranas que nos levem a um momento em que nossas sensaes foram apenas o reflexo dos objetos exteriores, no qual no misturvamos nenhuma das imagens, nenhum dos pensamentos que nos prendiam aos homens e aos grupos que nos rodearam.244

Ao atribuir a memria uma funo social BOSI, refere-se ao papel da lembrana da seguinte maneira diamante bruto, que precisa ser lapidado pelo esprito. Sem o trabalho da reflexo e da localizao seria uma imagem fugidia. O sentimento tambm precisa acompanh-la para que ela no seja uma repetio do estado antigo, mas uma (re)apropriao .245 Nas biografias coletivas a Escola aparece como um lugar de aprendizado, com signos que traduzem vrias interpretaes, das quais, afetividade, dor, alegrias, tristezas, solido, profissionalismo, compromisso, f, amor, justia, saudades, vida, agradecimento, para com a instituio escolar. Nesse momento, pensamos ser interessante relacionar nominalmente os agrnomos e engenheiros agrnomos diplomados pela ESA de So Bento, bem como, as funes e os estabelecimentos onde esses atuaram aps conclurem o curso.

Sendo assim, identificamos os engenheiros agrnomos,

Fellipe C. Vieira da Cunha, scio de uma casa commercial em Recife, Pernambuco; Gabriel C. Branco, assistente de combate a lagarta rosada, em Natal, Rio Grande do Norte; Octavio C. de Vasconcellos, alcanou o prmio de viagem, fazendo na Universidade de Baton Rouge o curso de Chimica; Renato F. Neves, empregado no City BanK, em Recife, Pernambuco; Ulysses C. de Mello, Inspector da Vigilancia sanitria vegetal no Porto do Recife, Pernambuco; Joo H. de Carvalho, premio de viagem ao estrangeiro, especializando-se em Chimica assucareira na Universidade de Baton Rouge, actualmente na Fazenda Imbury, em Coruripe, Alagoas; Manoel de Oliveira Braga, fallecido; Antnio Joaquim Louzeiro, em Cururup, Marano.246

E os agrnomos,

Manoel C. Leo, administrador da prpria fazenda, em Escada, Pernambuco; Armando B. de Mello, premiado pelo Governo
244 245

HALBWACHS, Maurice. Op. Cit. p. 23. BOSI, Eclea. Op. Cit. p. 02. 246 Livro de Relatrio das Escolas Superiores de So Bento: 1921-1922. Op. Cit. p. 25.

Federal, faz o curso de Chimica assucareira na Universidade de Baton Rouge; Fernando da R. Cardozo, conproprietario de uma casa commercial no Recife, Pernambuco; Joo G. Carneiro, inspector da vigilncia vegetal do Porto de Santos, S. Paulo; Salvador Nigro, commerciante no Recife, Pernambuco; Adauto F. de Azevedo, deputado estadual em Natal, Rio Grande do Norte; Carlos B. Tigre, obteve do Governo Federal o premio da viagem, fazendo o curso de Silvicultura na School of Forestry em Iale; Francisco H. de Carvalho, administrador do prprio engenho em Cururipe, Alagoas; Ildefonso P. Lopes, conproprietario de uma casa commecial no Recife, Pernambuco; Jos Regis, director da defeza do algodo em Itabayanna, Parayba; Kurt Repsold, chefe de culturas no Paran; Manoel C. Netto, director de aprendizado agrcola de So Luiz Maranho; Manoel V. Fraga, commerciante no Rio de Janeiro; Tasso de Miranda, ajudante do servio de algodo em Montes Claros, Minas Gerais; Alfredo G. Coelho, Parahyba; Joaquim M. Wanderley, premiado pelo Governo Federal e enviado a Universidade de Baton Rouge, para estudar Chimica assucareira; Lauro C. Dias Vieira, funccionario de Fomento Agricola, Maranho; Paulo A. de Miranda, estudante de zootechnia na agricultura and mechanical College of Texas, como premio de viagem; Arthur dos R. Novellino, proprietrio do Engenho Monjope, em Igarass, Pernambuco; Joel A. Ferreira, Chimico da Companhia Brasileira de productos chimicos, no Rio de Janeiro; Nelson V. S Bareto, inspector dos campos de demonstrao de Companhia Algodoeira do Nordeste, em Timbauba, Pernambuco; Mario M. de Hollanda, Engenho Brejo Velho, em Gameleira, Pernambuco; Jos G. de Mello, Engenho Uma, em Reis Parahyba; Fernando C. Rolim, ajudante na 5 zona do servio de algodo, em Cajazeiras, Parahyba; Jos A. Meirelles, chefe da cultura do campo de sementes de Esprito Santo, Parahyba; Raul de B. Moreira, capital da Parahyba do Norte; Flaviano R. Coutinho, fazendeiro em Itabayanna, Parahyba; Jos G. de Moraes, em Campos, Rio de Janeiro; Aurelio U. Lins, usineiro em Maceio, Alagoas.247

3.2.3

Entre acordos institudos:

o nascer da Escola de Agronomia de Pernambuco (1937)

Assim, fragmentos de memria tecem fios sobre a emoo do momento de transio da Escola entre clrigos e republicanos, que culminou na transferncia da Instituio para a Fazenda do Estado, localizada no Bairro de Dois Irmos, na cidade do Recife-PE, em decorrncia da Lei Estadual n 2.243, de 09 de dezembro de 1936 e do
247

Livro de Relatrio das Escolas Superiores de So Bento: 1921-1922. Op. Cit. p. 25-26.

Ato n 1.802 do Poder Executivo, a referida Escola ficou sob a exclusiva administrao do Estado. Porm, essa Faculdade permaneceu no Engenho de So Bento por dois anos, posteriormente, em 12 de maro de 1938, inicia suas atividades acadmicas nas instalaes erguidas no Bairro de Dois Irmos, para esse fim. Abaixo, algumas palavras colhidas no Livro de Crnicas, do Mosteiro de So Bento de Olinda, sobre o discurso de despedida entre professores, alunos, funcionrios e administradores. Assim,

lanando um olhar retrospectivo e, vendo a boa vontade dos catedrticos e a assiduidade da maior parte dos estudantes, bem como os felizes sucessos com que Deus nos agraciou, ainda nos fica grato dever de rendermos graas ao altssimo, autor de todos os bens e benefcios, e o reconhecimento dos esforos dos nossos colaboradores na rdua missa do ensino superior, que nos foi confiada a bem da mocidade brasileira.248

No discurso, percebemos uma relao de sentimentos imbricados, como tambm, acordos que nos proporcionaram uma vasta interpretao sobre o evento, entre os quais, as bulas que estrategicamente silenciaram informaes sobre personagens que atuaram no fato. No estudo dessa trajetria, a memria coletiva, nos revelou interesses que envolveram ambas as partes, uma vez, que apresenta o processo de criao do ensino agropecurio na regio, como uma ferramenta usada de maneira intencional para atender aos anseios eclesisticos e republicanos. Como reforo para essa discusso, buscamos o Dirio do Estado, o qual registra em suas pginas o fato da seguinte maneira:

Atos do Sr. Governador do Estado. Ato n 41, de 11 de janeiro de 1937, - O presidente da Assembleia Legislativa, no exerccio do cargo de Governador do Estado, atendendo a uma apresentao do oficial privativo do Registro de imveis, da Capital, sobre no ser possvel fornecer as certides a que aludem dispositivos dos Arts. 2 e 7, do Regulamento baixado com o Ato n 1870, de 19 de dezembro ltimo, para execuo da lei n 235, de 7 do mesmo ms, sob o fundamento de no haver ainda naquele Ofcio de Registro indicador de pessoas e ser impraticvel a busca no indicador real, resolve: ARTIGO NICO: A prova exigida em os nmeros II e I dos Arts. 2 e 7 do Regulamento baixado com o Ato n 1870, de 19 de dezembro, ser feita mediante certido da Prefeitura Municipal do Recife, revogadas as disposies em contrrio. Ato n 42, de 11 de janeiro de
248

Livro de Crnicas: Ata das Sesses Capitulares. Olinda: Mosteiro de So Bento, 1936. Informamos que as pginas dos referidos documentos no esto datadas nem enumeradas.

1937, - O presidente da Assembleia Legislativa, no exerccio do cargo de Governador do Estado, tendo em vista a Ato n 1802, de 09 de dezembro de 1936, que determinou a desapropriao por utilidade pblica do Engenho de So Bento e da Escola Superior de Agricultura de So Bento, sitos em Tapacur, do Municpio de So Loureno da Mata, e ainda de acordo com feito com o Mosteiro de So Bento de Olinda, sobre o preo e condies de pagamento da referida desapropriao. RESOLVE determinar que o termo de acordo a ser lavrado na forma de ________, do Art. 1234 do Cdigo do Processo Civil e Commercial do Estado, obedea ao teor ________ da minuta que acompanha este ATO, e da qual se extrair cpia para entrega ao Sr. Procurador dos Feitos da Fazenda do Estado, a quem compete assinar, como representante do Estado, o referido termo, ficando ressalvada, em tempo, a referncia que na mesma minuta se faz a taxa de 7% dos juros das aplices de que trata a clausula 3 dessa minuta, por serem efetivamente, as aplices a que se refere a Lei Estadual n 243, de dezembro ltimo, de 7% e no 5%, como ali se declara.249

E continua,

Bases para o acordo sobre a indenizao do Engenho de So Bento e a Escola Superior de Agricultura So Bento. 1 - a indenizao ser de valor de oitocentos contos de reis ($800,000$000) em moeda legal e corrente e paga da seguinte forma: uma primeira prestao, de trezentos contos de reis /$300,000$000), vista no momento da assinatura do acordo, a ser tomado por termo, na forma do _____ 2 do Art. 1254 do Cdigo do Processo Civil e Commercial do Estado, e os restantes quinhentos contos de reis ($500,000$000) em duas prestaes iguais de duzentos e cinquenta contos de reis ($250,000$000), cada uma, a serem pagas a primeira em doze meses e a segunda em vinte e quatro meses depois da data da assinatura daquele acordo. 9 - So excludos da desapropriao: a) a Igreja com todos os seus mveis, utencilios e alfaias, construdas nas proximidades da Escola Superior de Agricultura de So Bento e uma rea de terreno anexo mesma Igreja com cinco (05) hectares, as quais continuaro de propriedade do Mosteiro; b) o prdio, instalaes e terreno anexo de cinquenta metros (50m) de frente por cinqenta metros (50m) de fundo, da Fundao Arcelina Amorim de Vasconcellos, cuja administrao, de acordo com os respectivos estatutos, fica dependente da Abadia do Mosteiro de So Bento de Olinda. 10 - O Estado de Pernambuco obriga-se a construir na rea a que se refere a clausula anterior, e entregar ao Mosteiro de So Bento de Olinda, no prazo de trs meses a contar da assinatura do acordo, uma casa para residncia dos Padres, com capacidade para hospedagem de quatro (04) pessoas, de acordo com a planta aprovada pelo Mosteiro, empregando na referida construo a importncia de trinta contos de reis ($30,000$000), correspondente a um trator diesel, um arado para trator, uma grade roadeira, um motor de serraria e toneis para lcool ________________ adquiridos recentemente pelo Mosteiro e que no constaram de _______________________________________ do Estado.

249

Dirio do Estado, tera-feira, 12 de janeiro de 1937, p.

Nesse contexto, houve equvocos na Histria Oficial, identificamos que apesar dos conflitos, no percebemos a interveno do Estado nesse evento, e sim, acordos tramados entre os poderes institudos. No entanto compreendemos as vrias interpretaes, com quais, deparemos sobre a temtica no decorrer dessa pesquisa. Infelizmente, continuamos a enfrentar os entraves que dificultam a interpretao dos fatos no que se refere ao tratamento documental, principalmente, no desvo dos arquivos. Contudo, o desafio serviu para apresentarmos as contradies inerentes a essas Instituies enquanto formadoras de grupos sociais em um perodo delicado da nossa histria. Por fim, evocar os silncios, nas linhas e entrelinhas da trajetria da Universidade Federal Rural de Pernambuco, atravs de prticas escolares vivenciadas por personagens das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento, possibilitou-nos ampliar a historiografia local e da histria das instituies de ensino superior, por via das representaes criadas sobre esses espaos. Nesse sentido, podemos afirmar com base na realidade pesquisada que esse estudo atendeu nossa perspectiva, ou seja, proporcionar visibilidade ao papel social desempenhado por essas Faculdades agropecurias como espao de mltiplas significaes, histrias e memrias, dessa forma, situ-las na histria regional como um patrimnio histrico e cultural.

CONSIDERAES FINAIS

No decorrer dessa pesquisa, encontramos na anlise do corpus documental, fortes indcios de que tanto a Igreja, representada pela Ordem Beneditina quanto o Estado desenvolveram aes que concorreram para o desenvolvimento da educao superior agropecuria na regio, no que tangia formao de profissionais com vistas ao trabalho prtico agrcola, sobretudo, moderno, fundamentado s luzes do positivismo darwinista. Assim, consideramos que os rgos institucionalizados, de certa forma, deram uma indita contribuio para o desenvolvimento da agricultura e melhoramento gentico dos rebanhos, concomitantemente para a economia local, enquanto referencial de identidade cultural e construo de uma memria histrica. Tendo como princpio terico-metodolgico o rigoroso empenho em seguir as pistas encontradas, procuramos apreender seus sentidos e significados, investigando-as para se chegar a uma interpretao sobre o passado. Nessa investigao histrica, rememoramos sistematicamente a experincia do cotidiano das Escolas Superiores de So Bento a partir de 1912, consubstanciadas nos discursos eclesisticos e

republicanos. Nesse sentido, entendemos que esse trabalho de pesquisa cumpriu com seu objetivo de compreender a trajetria da UFRPE, bem como, o papel social que desempenha. A partir do momento, que tecendo memria, historicizamos iniciativas das instituies e de personagens que impulsionaram o ensino superior agropecurio no mbito regional. Rememorar a experincia vivenciada pelas Faculdades de So Bento nos fez perceber que pesquisar o cotidiano escolar, est alm de captar artes de fazer realizada por professores e alunos, significa um caminho de investigao pela sondagem das vias de lucidez e da ao o qual, permite recuperar aspectos

contraditrios e as diversas perspectivas presentes, bem como, os mltiplos aspectos sociais e polticos que formaram o contexto mais amplo, a partir do qual pudemos discutir o desempenho de medidas encetadas pelos poderes institudos. perceber como professores e alunos se valeram de diferentes tticas para se ajustarem a essa poltica; reorganizarem o dia-a-dia de suas prticas. Tais invenes do/no cotidiano foram produzindo uma cultura de saberes pedaggicos, (tcnicos e prticos); transformados em representaes, os quais significaram, tambm, uma ao calculada, uma singularidade no uso de regras e produtos impostos que podem levar a possibilidades mltiplas de compreenso. Dessa maneira, tiveram como caractersticas

suas astcias em conformidade com as ocasies proporcionando uma ligao entre os anseios da Igreja e do Estado, os quais estabeleceram um ideal h muito ansiado -, um personagem que dominasse o conhecimento tcnico e emprico da agricultura. Sob esses aspectos, as Faculdades de So Bento incorporaram projetos que objetivavam d visibilidade e credibilidade ao novo perfil do trabalhador rural. No discurso, a imagem que se constituiu sobre tais personagens, ao longo da histria, era gradativamente superada pelo uso de conhecimento das novas tecnologias adaptadas em conformidade com as exigncias do momento, sobretudo, as atividades desenvolvidas pelos mdicos veterinrios. Consideramos que Pernambuco lanou uma proposta de ensino agrcola consistente, o qual tinha perspectivas de proporcionar a regio, melhorias econmicas politicamente relacionadas com a nova ordem vigente. Mas, para os poucos jovens, que acreditaram nessa aventura , estudar nas Escolas Superiores de So Bento significou a oportunidade de promover um rico aprendizado sobre as diversas reas do conhecimento das cincias agrrias, principalmente, em razo da equivalncia do quadro de professores, e do comprometimento dessas instituies com o social. Percebemos uma preocupao em seus administradores em selecionar os melhores mestres objetivando no apenas formar o homem profissional, mas, prepar-lo para os desafios que a vida lhes apresentasse. A luta intensa, e posteriormente a conquista do reconhecimento oficial de seus diplomas, representou um novo momento, essa vitria de certa forma, reforou a construo do ensino agrcola local, bem como, o perfil do agrnomo e do mdico veterinrio, os quais correspondiam aos anseios republicanos da poca. De certa forma, consideramos salutar tal reconhecimento, a partir de ento, percebemos uma (re)significao nas prticas cotidianas dos espaos escolares, principalmente, na Escola Superior de Agricultura - ESA de So Bento, localizada em Tapera, municpio de So Loureno da Mata PE, onde deparamos com momentos de sociabilidades, entre

acadmicos, professores e religiosos, os quais proporcionaram um aprendizado ininterrupto para o jovem que se dedicava aos estudos agronmicos. Com relao Faculdade de Medicina Veterinria de So Bento, pensamos que houve fatores que favoreceram o encerramento de suas atividades acadmicas em 1926. Entre eles, podemos citar: questes administrativas; a poltica de externato; problemas de relacionamentos entre seus idealizadores; a baixa procura de jovens para ingressarem no curso; sobretudo a maneira como essa profisso era percebida, pela

sociedade, muitas vezes ridicularizada. Contudo, identificamos lembranas importantes nas prticas cotidianas do futuro mdico veterinrio, entre tantas, destacamos a preparao dos acadmicos para participarem de exposies organizadas pelo Estado, nas quais, os estudantes apresentavam os resultados de pesquisas desenvolvidas em laboratrios; matadouros; farmcias e; operaes cirrgicas realizadas em animais de pequeno e grande porte. Demonstravam, assim, intimidade com a rea de conhecimento escolhida para atuar. Consideramos uma lacuna lastimvel a interrupo desse curso, tanto no que se refere a educao formal, como para o mbito regional considerando o contexto histrico, no qual os Estados brasileiros buscavam afirmar-se economicamente e delimitar suas fronteiras, ansiando o reconhecimento do Pas como Estado Nao

perante o mundo. Os administradores das Escolas, em suas relaes de sociabilidades no tiveram, com esse curso, a mesma sensibilidade e dedicao que dispensaram, por exemplo, a ESA de So Bento, fator que consideramos primordial para a continuidade de qualquer projeto institucional. Voltamos nossa ateno, tambm, para a construo dos espaos escolares das Faculdades, no que tange afirmao do gnero masculino, consideramos que houve equvoco na Histria Oficial. importante ressaltar que nesse universo masculino localizamos mulheres, que de alguma maneira, transitaram nos referidos ambientes. Para ns, essa atuao significou os primeiros passos para a quebra de uma resistncia imperativa masculina ao mundo da educao agropecuria formal. Mesmo no sendo o foco da nossa pesquisa, discorrer sobre gnero, identificamos que essas personagens conseguiram conquistar um respaldo que lhes garantiu acesso posteriormente, aos referidos cursos que at ento eram destinados a fora masculina. Dessa maneira, consideramos que a retomada da histria das Escolas Superiores de So Bento, por pesquisadores de diversas reas do conhecimento, deixar seu diferencial na historiografia local, sobretudo, na histria das instituies de ensino superior. trazer o novo. Com base na discusso que vislumbramos ao longo dessa pesquisa, perceptvel o interesse manifestado por diversos segmentos da sociedade (principalmente o Estado) pelas Faculdades de So Bento. Consideramos que algumas prticas escolares inseridas na proposta pedaggica, ao longo da trajetria das Escolas, visitas de ministros de estado, governadores, representantes das bancadas legislativas: municipal, estadual e federal, entre outras ditas honrosas bem como, o patrimnio material e imaterial desses centros do saber

agrrio, despertaram expectativas no sentido de que ao Estado caberia a construo de seus currculos e o direcionamento administrativo do objeto aqui analisado. Assim, o discurso articulado da intelectualidade ao longo da histria dessas Escolas, provocou questionamentos com relao cincia em detrimento dos ideais nacionais, percebemos que a partir da criao das Faculdades de So Bento j houve uma preocupao, disfarada, com relao ao futuro administrativo desses Centros, por parte do Estado, uma vez que seus programas curriculares foram pensados e voltados para o primado econmico . Os investimentos do Governo Federal nessas instituies, sobretudo, a ESA, reforam nossas consideraes. Contudo, a inteno do Estado de incorporar a Faculdade de Agricultura de So Bento para atender a ideologia nacionalista se concretizou em 1936, no pice do Estado Novo. Consideramos que o poder poltico apegou-se a questes cotidianas do espao escolar, que nem sempre eram percebidas com bons olhos pela oligarquia rural e por chefes polticos, tais como: asilo a estrangeiros refugiados da guerra e as dificuldades nas relaes interpessoais e administrativas entre a Irmandade Religiosa. Nesses termos, o Estado colocou em prtica seu projeto. Outro fato relevante nesse processo foi a renuncia de D. Pedro Roeser, em 1929, do Abaciado e da direo geral das Faculdades de So Bento, culminando na transferncia definitiva do monge para a cidade de Jundia SP. Entre tantos conflitos que identificamos nessa trajetria,

afirmamos que esses fatores ruram os acordos existentes entre republicanos e clrigos do Mosteiro de So Bento de Olinda. importante rememorarmos que nesse perodo, o diretor do Departamento de Educao, Nilo Pereira, justificava a importncia da Interventoria por esta realizar e promover a reforma do ensino, afirmava que o senso prtico deveria dominar a reviso dos programas escolares. Isso significava que, ao trmino do ano letivo o aluno teria adquirido a noo de coisas, sobretudo, da famlia, unidade da Ptria, grandeza humana, bom trabalho, justia do cu, sacrifcio e solidariedade . Nesse sentido, o universo escolar, bem como, seus programas e currculos emergiam como ferramentas de poder e veculo doutrinrio. Assim, a busca por uma sociedade hegemnica evidenciou-se em 1936, quando se criou um grupo de intelectuais encarregados de formular e executar o iderio poltico, por meio da legislao do ensino. Nesse sentido, um fato importantssimo na histria das Escolas Superiores de So Bento, veio tona, quando discorramos sobre a documentao. Apesar do discurso poltico e as iniciativas se voltarem para a ideologia do Estado Novo,

consideramos que no houve Interveno na Escola Superior de Agricultura - ESA de So Bento, mas, acordos que vieram suprir os anseios dos poderes institudos a Ordem Beneditina de Olinda, os amigos do Mosteiro e o Estado. Contudo, a transferncia da Escola para o Bairro de Dois Irmos, na cidade do Recife-PE, em 1938, com a denominao Escola de Agronomia de Pernambuco constituiu um difcil momento para funcionrios, docentes e acadmicos, haja vista, que a transio afetou o elo que organizava as relaes escolares, principalmente, entre os religiosos. Em sua maioria os clrigos no possuam formao acadmica, apesar dos servios prestados em prol do ensino agropecurio para a regio, esses no atendiam as expectativas ideolgicas do Estado, com relao educao formal, dessa maneira gradativamente foram descartados do cenrio acadmico dessa Escola. Assim, evocar os silncios, as estratgias, os acordos e as expresses nas emoes dos personagens que (re)significaram a agricultura, no s atravs de prticas e tcnicas modernas, mas, tambm, da determinao e persistncia, possibilitou-nos percorrer os espaos de uma instituio educativa agrcola: Seguindo fios de memrias, entrecruzando documentos e imagens tentamos fazer uma leitura e compreender as relaes de sociabilidades inseridas no evento, dessa maneira, esperamos contribuir com a historiografia da cultura regional, das Instituies de Ensino Superior, sobretudo, despertar em pesquisadores curiosidades sobre as Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento e/ou simplesmente as Faculdades de So Bento a partir de questionamentos identificados nesse trabalho dissertativo. Por fim, face importncia e s possveis conseqncias positivas das iniciativas reais aqui analisadas, a rememorao desse processo histrico pareceu-nos significativa e relevante para evitar-se a perda de seu registro na cultura histrica pernambucana e na memria da UFRPE, uma instituio fomentadora de ensino, pesquisa e extenso, que de certa forma favorece a preservao do patrimnio cultural local e nacional a partir do papel social que desempenha ha quase um sculo de histria.

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Mensagem 1907: Apresentada pelo Desembargador Sigismundo Antnio Gonalves, ao Congresso Legislativo do Estado, no dia 06 de maro de 1907, p.5, e lida por ocasio da instalao da quarta sesso ordinria da 6 legislatura . Relatrios: Primeiro: 1915; Segundo: 1916; Terceiro e Quarto: 1917/1918; Quinto: 1919; Sexto: 1920; Stimo e Oitavo: 1921/1922 das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento. Rio de Janeiro: Officinas Graphicas do Jornal do Brasil . Mosteiro de So Bento de Olinda, 1913-1922.

Relatrio das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento: 1 parte. Crnica escrita pelo Pe. Jonas Taurino de Andrade. 1913. Rio de Janeiro: Officinas Graphicas do Jornal do Brasil . Mosteiro de So Bento de Olinda, 1913-1922.

Segundo Relatrio da Escola Superior de Agricultura e Medicina Veterinria do Mosteiro de So Bento de Olinda-PE: 1916. Officinas Grafhicas da Agncia Jornalstica de J. Agostinho Bezerra 1913-1922. Recife: 1917. Mosteiro de So Bento de Olinda,

Quinto Relatrio das Escolas Superiores de Agricultura e Medicina Veterinria de So Bento: 1919. Officinas Grafhicas da Agncia Jornalstica de J. Agostinho Bezerra Recife: 1917. Mosteiro de So Bento de Olinda, 1913-1922.

ANEXO FOTOGRFICO

Imagem 4 D. Pedro Roeser Diretor Geral das Escolas Superiores de So Bento de Olinda-PE

Imagem 5 - D. Bento Pickel Diretor da Escola de Agricultura de So Bento de Olinda-PE

Imagem 6

Imagem atualizada, do espao fsico que abrigou as Escolas Superiores de So Bento, em 1914, com algumas intervenes. Fonte: Acervo da UFRPE

Imagem 7 - Alunos, professores e autoridades pblicas na ESA de So Bento Tapera. Aps solenidade da Aula Inaugural, em maro de 1917. Fonte: Coordenadoria de Comunicao Social da UFRPE

Imagem 8 - Hospital Veterinrio das Escolas Superiores de So Bento, I do Brasil Fonte: Acervo da UFRPE

Imabem 9 - Laboratrio de Qumica da Escola Superior de Agricultura de So Bento Tapera Fonte: Acervo da UFRPE

Imagem 10 Alunos no campo em aula prtica de Agrimensura Escola Superior de Agricultura de So Bento. Fonte: Acervo do Mosteiro de So Bento, em Olinda - PE

Imagem 11 - Alunos na Sala de Leitura das E de So Bento Fonte: Acervo do Mosteiro de So Bento, Olinda PE.

Imagem 12 Alunos em aula prtica no Laboratrio de Botnica Escola Superior de Agricultura em Tapera. Fonte: Acervo do Mosteiro de So Bento

Imagem 13 Alunos em aula prtica de Mecnica Fonte: Acervo do Mosteiro de So Bento de Olinda - PE

Imagem 14 Vista parcial do prdio da Escola Superior de Agricultura, em Tapera Fonte: Acervo do Mosteiro de So Bento, Olinda - PE

Imagem 15 Alunos em momento de descontrao Escola Superior de Agricultura de So Bento. Fonte: Acervo do Mosteiro de So Bento, Olinda - PE

Imagem 16 - Vista distncia do prdio da Escola Superior de Agricultura, Em processo de construo. Fonte: Acervo do Mosteiro de So Bento, em Olinda - PE

Imagem 17 Despedida Primaz da Ordem Beneditina. Quando da sua visita a Escola Superior de Agricultura, em 1922. Fonte: Acervo do Mosteiro de So Bento

Imagem 18 - Estbulos da Escola Superior de Agricultura Fonte: Memorial da UFRPE

Imagem 19 - Monge Beneditino com alunos em aula prtica de Agrimensura Fonte: Acervo do Mosteiro de So Bento, em Olinda - PE