Culinaria Cultura e Identidade Na Fronte

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Revista desenvolvimento, fronteiras e cidadania – vol.3 – n.2 – p.

1-38 – OUTUBRO de 2019

CULINÁRIA, CULTURA E IDENTIDADE NA FRONTEIRA BRASIL E


PARAGUAI
Dores Cristina Grechi1
Beatriz Dutra dos Santos2

RESUMO

A história da alimentação humana vai além da história sobre os alimentos, de sua produção,
distribuição, preparo e consumo, sob esses aspectos, a culinária pode ser considerada um elemento
cultural e de construção da identidade local. Assim sendo o presente artigo objetiva investigar qual
a relação entre a culinária, a cultura e a identidade na fronteira entre Brasil e Paraguai (Ponta Porã
e Pedro Juan Caballero). Para a consecução deste estudo optou-se pelos recursos técnicos de
pesquisa baseado em revisão bibliográfica documental, e método analítico descritivo, com
abordagem qualitativa, cuja coleta de informações foi realizada através livros e periódicos
impressos e digitais acerca do tema. Os resultados indicam que há relação entre os elementos –
culinária, cultura e identidade, que a culinária da região de fronteira é capaz de revelar a cultura e
representar os indivíduos atribuindo-lhes o senso de pertencimento/identidade.

Palvaras-chave: Práticas culinárias; elemento cultural; marcas identitárias; fronteira.

ABSTRACT

The history of human food goes beyond the history of food, its production, distribution, preparation
and consumption, under these aspects, cooking can be considered a cultural element and
construction of local identity. Thus the present article aims to investigate the relationship between
culinary, culture and identity on the border between Brazil and Paraguay (Ponta Porã and Pedro
Juan Caballero). In order to achieve this study, we opted for the technical resources of research
based on bibliographic review, and a descriptive analytical method, with a qualitative approach,
whose collection of information was carried out through printed and digital books and periodicals
on the subject. The results indicate that there is a relationship between the elements - culinary,
culture and identity, that the cuisine of the frontier region is able to reveal the culture and represent
the individuals attributing to them the sense of belonging / identity.

1
Graduada em Turismo e Hotelaria pela Universidade do Vale do Itajaí (1998), Mestre em Meio Ambiente e
Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília - UNB (2002) e Doutora em Economia do
Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (2011). Atualmente é
professora/pesquisadora da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Líder do Grupo de Pesquisa Turismo:
Planejamento, Gestão e Desenvolvimento/PLANGEDTur. É docente do Programa de Pós-graduação em
Desenvolvimento Regional e de Sistemas Produtivos - PPGDRS/ Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul
(UEMS) - Brasil. E-mail:[email protected]
2
Administradora. Bolsista CAPES. Mestranda do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e de
Sistemas Produtivos - PPGDRS/ Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) - Brasil. E-mail:
[email protected].
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Keywords: Culinary practices; cultural element; identity marks; border.

INTRODUÇÃO

Dentre as cozinhas internacionais, o mundo elegeu a francesa como norteadora das demais
cozinhas presentes no mundo, a culinária francesa há muitos anos é considerada a melhor cozinha,
segundo Maciel (2001), tida como referência para ciência da culinária, uma identidade que foi
construída ao longo do tempo dentro e fora de suas fronteiras.
A culinária, a cultura alimentar presente nas Américas está fortemente relacionada com as
populações colonizadoras, as quais trouxeram consigo seus hábitos, suas necessidades, a
diversidade de alimentos, de temperos de suas preferências, suas receitas preferidas e suas crenças.
No que diz respeito à culinária brasileira, está é um resultado das influências portuguesa,
africana e a indígena, porém se faz necessário considerar as suas dimensões continentais, e a sua
multiplicidade cultural, advinda dos imigrantes italianos, alemães, japoneses, espanhóis, árabes,
suíços, sírios dentre outros.
A culinária pode ser considerada um elemento cultural. Cada país, região tem a sua
culinária própria, baseada em sua cultura local e nos ingredientes disponíveis, e os seus hábitos
alimentares consistem na mais básica das necessidades humanas.
Fagliari (2005, p.4) ressalta que cada povo possui uma “culinária permeada por hábitos
alimentares distintos, os quais refletem muitos aspectos da sociedade, como características
geográficas, climáticas, socioeconômicas e culturais”.
Todos os povos têm sua própria cultura, que nada mais é do que os seus costumes, a forma
como agem a partir de sua identidade, assim como as características do lugar em si. Segundo
DaMatta (1986), um dos significativos aspectos culturais que se pode destacar é a culinária. É
possível identificar um povo por aquilo que ele come.
Esta investigação justificou-se, pela frágil documentação bibliográfica própria que
apresente uma discussão sobre o assunto da culinária, especificamente na região de fronteira
Ante essas constatações e a necessidade de investigação sobre a temática, perguntase:
Existe relação entre a culinária, cultura e identidade na fronteira? Qual? Desta maneira, as próximas
linhas tem por objetivo geral investigar qual a relação entre a culinária, cultura e a identidade na
fronteira Brasil e Paraguai (Ponta Porã e Pedro Juan Caballero).

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Os métodos empregados na pesquisa, incluem em um primeiro momento a leitura de


materiais, os quais subsidiaram a pesquisa bibliográfica documental. Logo, os autores utilizados
na revisão bibliográfica foram: Brandão(2009); DaMatta (1986); Fagliari (2005); Garofalo (2011);
Gimenes (2006); Hall (2015); Maciel (2001); Montanari (2009); Sachs (2005) e outros. O que
auxiliou em seguida a organização e a interpretação das informações coletadas (LAKATOS e
MARCONI, 2003).
A pesquisa está alicerçada na abordagem qualitativa, que permite um entendimento acerca
dos fenômenos sociais, a partir de uma realidade vivida pelas pessoas, a qual não se pode
quantificar. Para Richardson (1999), busca compreender e classificar os processos dinâmicos
vividos por grupos sociais
Para a composição do tecido conceitual norteador deste artigo a presente investigação foi
estruturada da seguinte forma: introdução, os aspectos relacionados à culinária, cultura e identidade
na fronteira Brasil e Paraguai; conclusão sobre a proposta de estudo e referências bibliográficas.

CULINÁRIA, CULTURA E IDENTIDADE NA FRONTEIRA BRASIL E PARAGUAI

O capítulo a seguir inicia-se com uma breve apresentação sobre as distinções semânticas
entre os termos relacionados à gastronomia e a culinária.
Segundo o dicionário infopédia da língua portuguesa (2018), gastronomia é a “arte de
cozinhar” com o objetivo de proporcionar o maior prazer aos que comem; conhecimento e
apreciação dos prazeres da mesa. Medeiros (2014) define como sendo uma arte ou ciência que
exige conhecimento e técnica de quem a executa e formação do paladar de quem a aprecia.
Ainda segundo a autora, a palavra “gastronomia” foi criada por Arquéstratus3 no século
IV a.C., pesquisador dos prazeres da mesa, a palavra têm sua origem do grego gaster (estômago)
e nomo (lei) - as leis do estômago. O termo ganhou notoriedade no século XVIII com Brillat-

3
Arquéstrato (em grego antigo: Ἀρχέστρατος; Gela, século IV a.C. — c. 330 a.C.) foi um poeta, gastrônomo, e
provavelmente cozinheiro grego de Gela ou Siracusa, na Sicília, que viveu em meados do século IV a.C. Wikipédia
(2018).

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Savarin, tido como amante da boa mesa e apelidado como “O filósofo gourmet”, o qual dizia que
a gastronomia é estilo de vida, é a diferença entre o prazer de comer e o prazer da mesa4.
A respeito da culinária, é a “arte de cozinhar” ou “conjunto de pratos característicos de
determinada região”, conforme o dicionário infopédia da língua portuguesa (2018), Soares (2016,
p. 480) afirma que “remete-nos para produtos-ingredientes, utensílios e técnicas culinárias.”
Medeiros (2014) complementa a definição dizendo, que corresponde ao conjunto de utensílios,
ingredientes característicos da região, também diz respeito à forma de preparar os alimentos, com
práticas e técnicas específicas. Está associada ao dia a dia e para a cozinha caseira.
A partir deste ponto, cabe esclarecer que utilizamos neste trabalho o conceito de Culinária,
uma vez que o lócus da pesquisa envolve práticas e pratos característicos da região de fronteira,
que não utilizam de maior requinte em seu preparo, justificando assim a escolha do termo.

A CULINÁRIA – ASPECTOS HISTÓRICOS DA ALIMENTAÇÃO

A história da alimentação abrange, portanto, mais do que a história dos alimentos, de sua
produção, distribuição, preparo e consumo. (CARNEIRO, 2003). Podemos iniciar o percurso
histórico sobre a alimentação, destacando que a alimentação é um tema que interessa a diversas
disciplinas: Antropologia - Claude Lévi-Strauss; Luis Câmara Cascudo; Gilberto Freyre; Maria
Eunice Maciel, da Sociologia - Claude Fischler; Carlos Alberto Dória, da História - Massimo
Montonari; Jean-Louis Flandrin, Henrique Soares Carneiro, dentre outros.
A história da humanidade está relacionada com o alimento. Deste modo Cascudo (1983,
p. 26) destaca que “o homem pré-histórico era onívoro, mas o proto-histórico e o contemporâneo
já não pertencem a essa classe generalizadora. Nem todos os animais e vegetais existentes na região
figuram na sua cozinha”.
No início os primeiros hominídeos tinham a necessidade de mudar constantemente seu
modo de vida para conseguir o seu alimento, é nesse período que o homem passa da fase de coletor
de raiz e sementes para caçador de animais.

4
Prazer de Comer - é a sensação atual e direta de uma necessidade que encontra satisfação; Prazer da Mesa - é a
sensação refletida que nasce das várias circunstâncias, dos fatos, do local, das coisas e das pessoas que estão
presentes à refeição. Medeiros (2014, p. 8)

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A passagem do estágio de coletor para o de caçador resultou em uma grande descoberta:


o fogo – meio pelo qual, passa a transformar o alimento, passou a cozinhá-los, assá-los, tornando-
os mais fáceis de ingerir.
O uso frequente do fogo no ambiente doméstico modificou consideravelmente a
alimentação, o ato de cozinhar, surgiu mediante a descoberta das diversas possibilidades de
transformar o alimento por meio do fogo, ou seja, a comida in natura, crua, como as frutas,
verduras, legumes e carnes provenientes da caça em pratos cozidos.
Carneiro (2005) afirma que o uso do fogo há pelo menos meio milhão de anos trouxe um
novo elemento formador da produção social do alimento. As pessoas se reuniam ao redor do fogo
para preparar os alimentos, conversar, contar as ocorrências do dia a dia, tornando o ato um ritual
agregador. Cascudo (1983) reforça dizendo que o ato de comer é orgânico e que a inteligência
humana transformou em um ato social.
Assim, podemos dizer que o ato de se alimentar para o homem é cultura, e não apenas um
meio pelo qual o indivíduo satisfaz uma necessidade biológica, pois o comer tem seus modos,
significados, como afirma Cascudo (1983), dentre as ações humanas consideradas naturais, o
alimentar-se foi o único a receber protocolos, transformou-se em expressão de sociabilidade, ritual
político, aparato de alta etiqueta. Deu-se um significado, um simbolismo de fraternidade, de início
de continuidade de contatos.

CULINÁRIA: ENTRE O NATURAL E O CULTURAL

A definição de cultura mais propagada na antropologia é a publicada pelo por Edward


Burnett Taylor no século XIX e apesar de sua atualidade, gerações e gerações de antropólogos
procuraram aprofundá-la para melhor compreender o comportamento social.“La cultura es algo
vivo, compuesta tanto por elementos herdados del pasado como por influencias exteriores
adoptadas y novedades inventadas localmente. La cultura tiene funciones sociales. Una de ellas
es proporcionar una estimación de sí mismo, condición indispensable para cualquier desarrollo,
sea este personal o colectivo” (Verhelst, 1994, p. 42) apud (Molano, 2007, p.72)
Assim, cabe ressaltar, que a cultura abarca tanto uma concepção ampliada quanto restrita
e ambas dever ser consideradas como afirma Sachs (2005) que a cultura é um termo polissêmico.

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Na alimentação humana, natureza e cultura estão intimamente ligadas, pois trata-se de


uma necessidade vital, isto se deve também ao fato de que todas as informações sobre os sistemas
alimentares, são considerados como sendo o resultado de processos culturais que envolvem a
domesticação dos animais, a transformação e a interpretação dos fenômenos da natureza.
O alimentar-se, o simples ato de comer, envolve a seleção, a escolha, os rituais, as ideias
e significados, todos os alimentos para assim serem considerados, devem ser selecionáveis,
preferidos dentre os outros, selecionados e preparados ou processados pela culinária, e tudo isso é
um elemento cultural, como afirmam (CANESQUI; GARCIA, 2005).
A culinária pode ser considerada um elemento cultural, cada país ou região tem a sua
culinária própria, baseada em sua cultura local e nos ingredientes disponíveis, e os seus hábitos
alimentares consistem na mais básica das necessidades humanas.
A culinária, a cultura alimentar presente nas Américas está fortemente relacionada com as
populações colonizadoras, as quais trouxeram consigo seus hábitos, suas necessidades, a
diversidade de alimentos, de temperos de suas preferências, suas receitas preferidas e suas crenças.
No que diz respeito à culinária brasileira, está é um resultado das influências portuguesa,
africana e a indígena, porém se faz necessário considerar as suas dimensões continentais, e a sua
multiplicidade cultural, advinda dos imigrantes italianos, alemães, japoneses, espanhóis, árabes,
suíços, sírios dentre outros.
Fagliari (2005, p.4) ressalta que cada povo possui uma “culinária permeada por hábitos
alimentares distintos, os quais refletem muitos aspectos da sociedade, como características
geográficas, climáticas, socioeconômicas e culturais”.
No que tange à alimentação Cascudo (1983) argumenta que faz-se necessário a
compreensão da cultura popular a qual faz parte da formação de moças e rapazes, pois, certos
sabores estão alicerçados no ambiente familiar de regiões inteiras, os quais são considerados
unânimes em se tratando de ser nutritivo ou agradável, tais valores foram consolidado através dos
séculos, os quais não são modificados com a mesma facilidade que as roupas, os transportes.
Deste modo pode-se dizer que os grupos sociais, a comunidade, a sociedade são
formadores de cultura. Wagner (2010) em “A invenção da cultura”, ressalta que a cultura tornou-
se uma forma de falar sobre o homem e suas particularidades, evidentemente que a palavra cultura
possui outras conotações como define Brandão (2009, p. 719) “culturas são panelas de barro ou de

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alumínio, mas também receitas de culinária e sistemas sociais indicando como as pessoas de um
grupo devem proceder quando comem”.
A respeito disso DaMatta (1986, p.56) estabelece uma distinção entre comida e alimento,
em que "comida não é apenas uma substância alimentar mas é também um modo, um estilo e um
jeito de alimentar-se. E o jeito de comer define não só aquilo que é ingerido, como também aquele
que o ingere".
Assim, entende-se que a alimentação humana está repleta de cultura e deste modo é
possível pensar em hábitos alimentares como sistemas simbólicos os quais estão presentes e
atuantes no estabelecimento das relações entre o homem e a natureza.
Ainda segundo DaMatta (1986), um dos significativos aspectos culturais que se pode
destacar é a culinária. Pois é possível identificar um povo por aquilo que ele come, como afirma
Savarin (1995, p. 15) “Dize-me o que comes e te direi quem és”.

A CULINÁRIA COMO IDENTIDADE

Aperfeiçoando o conceito de Brillat-Savarin, Bessis (1995, p.10) apud Maciel (2005, p.50)
assim afirma: “Dize-me o que comes e te direi qual deus adoras, sob qual latitude vives, de qual
cultura nascestes e em qual grupo social te incluis.”
Assim, entende-se que a construção de identidades sociais/culturais, ora definida por Hall
(2015), a identidade na concepção sociológica, preenche o espaço entre o “interior” e o “exterior”,
conecta o mundo pessoal ao mundo social, pois é o resultado da internalização que as pessoas
fazem dos significados e valores de determinada cultura na qual o indivíduo encontra-se inserido,
deste modo transmitindo-lhes o sentimento de pertença a um espaço exterior.
Assim, elementos culturais como a comida podem ser transformados em marcas
indenitárias, apropriadas e utilizadas pelos grupos sociais como símbolos de uma identidade local,
como ocorre com a pizza e o macarrão que são rapidamente ligados à Itália, os fast foods que nos
remetem aos Estados Unidos, ao arroz com feijão alimentos considerados como sendo tipicamente
brasileiros, e por que não a chipa como um alimento típico que identifique a fronteira de Ponta
Porã-Ms(Brasil) e Pedro Juan Caballero no Paraguai.
Deste modo quando se fala em culinária é praticamente impossível dissocia-la da cultura,
uma vez que o alimento faz parte da formação do complexo processo de formação de identidade

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de um povo. Para Montanari (2009, p. 11), “[...] exatamente como a linguagem, a cozinha contém
e expressa a cultura de quem a pratica, é depositária das tradições e das identidades de grupo [...]”.
Mintz (2001) afirma que os alimentos são indicadores de suas próprias histórias, nessas
histórias estão presentes os valores culturais, as representações das trocas das chipas 5 entre os
familiares e os visitantes, as práticas artesanais 6 de preparo, todos esses elementos auxiliam a
construção e a conservação dos grupos sociais.
Neste sentido, a culinária da fronteira entre Ponta Porã-Ms e Pedro Juan CaballeroPy, é
uma forte expressão de sua cultura. Gimenes (2006) corrobora ao dizer que a culinária típica é
carregada de simbologias locais, os quais incitam o paladar de quem é de fora.
Em se tratando de sabores, quando se fala em comida é possível visualizar a existência de
tradições, as quais foram e ainda são passadas de geração para geração, como a elaboração de
alguns alimentos típicos da região de fronteira: a chipa e a sopa paraguaia7.
Desta maneira Hall(2015), corrobora ao dizer que a identidade é definida historicamente
e é formada e transformada junto com a cultura e a sociedade. Por conseguinte, o sujeito tem uma
vasta gama de identidades que ele pode assumir dependendo das condições oferecidas a ele, e isto
se reforça nas palavras de Castells(2018) que entende, que para um determinado indivíduo ou ainda
um ator coletivo, pode haver identidades múltiplas, no entanto essa pluralidade é fonte de tensão e
contradição tanto na auto representação quanto na ação social.

A CULINÁRIA DE FRONTEIRA

A culinária da fronteira de Ponta Porã (Brasil) e Pedro Juan Caballero (Paraguai) é


composta por uma mistura de ingredientes – carnes, legumes, mandioca e milho; influências –
espanhola e indígena; e técnicas de preparo – cocção, tem sua identidade própria para a cultura da
culinária local, que segundo Chagas (2006, p.12), “um país com as dimensões continentais como
o Brasil apresenta significativa diversidade regional, derivada não apenas de seus aspectos físicos,
mas também de variadas condições históricas e de apropriação e colonização do território.”

5
Chipa – de origem paraguaia, é parecida (mas não igual) ao pão de queijo mineiro, cujos ingredientes são: fécula de
mandioca ou amido, gordura ou manteiga, anis, sal, ovos, queijo, leite.
6
Práticas artesanais – utilização do Tatakua – forno de barro típico paraguaio.
7
Sopa paraguaia – que não é sopa, mas uma espécie de bolo salgado que leva em sua receita ingredientes como farinha
de milho, cebola, banha de porco ou manteiga, leite, queijo e ovos. (GAROFALO, 2011)

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Sampaio (2012) destaca a contribuição cultural paraguaia advinda de elementos culturais


espanhóis e guaranis. Junto com os espanhóis vieram o trigo, o arroz, a cana-deaçúcar, a videira, a
melancia, o melão e animais domésticos os quais foram adaptados rapidamente ao nosso
continente, como o gado, as ovelhas, as cabras, os cavalos e uma variedade de animais de fazenda.
(GAROFALO, 2011).
Ainda segundo Garofalo (2011) os guaranis exerceram influência por meio de alimentos
como a batata-doce, abóbora, amendoim, feijão, coco, palmito, a erva, peru, abacaxi ou ananá, o
milho e a mandioca, estes ingredientes que dão origem à matéria prima utilizada no preparo de
muitas das comidas típicas da fronteira.

Práticas culinárias e suas representações

A respeito da prática culinária na fronteira, está pode ser entendida como sendo, um
conjunto de aromas e sabores específicos de cultura da região, que é o resultado da interação das
pessoas com o seu contexto local, envolve diferentes dimensões, como a cultura, as sensações, as
emoções e as lembranças e ou memórias afetivas, despertadas tanto pelos atos de preparar como
de consumir alimento (MINTZ, 2001).
Embora a prática culinária seja universal, as maneiras de fazer e de saber fazer, são
diversas tendo em vista que todas as sociedades desenvolveram formas culturalmente
determinadas, próprias e reconhecidas de preparo de seus alimentos como observa (MACIEL,
2001).
A prática culinária exerce papel importante na vida de cada indivíduo. De modo mais
amplo, ela pode ser compreendida como um tipo de processamento para transformação do alimento
ou, de outro modo, a passagem do alimento da categoria de cru para o cozido, conforme
argumentam Garcia & Castro (2011).
Dentre as principais técnicas de preparo ou cocção descritas por Garofalo (2011)
encontramos o Mimói ou fervido; Ka`ê ou cozido/assado no Tatakua uma espécie de forno de barro
utilizado principalmente no preparo dos alimentos como a chipa e a sopa paraguaia; Chryry ou
frito; Mbichy cozido direto sobre as chamas; Hesy, assado ao ar livre. Entre os utensílios utilizados
temos: a cerâmica; Olla y pavas de hierro ou panela, chaleiras de ferro, utilizado para cozinhar os
alimentos; Ña’ẽ pyũ ou recipiente para torrar alimentos; Avatisoka ou pilão; Asador espécie de pá

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de madeira com cabo longo para levar os alimentos ao Tatakua – forno, para o cozimento. (Figura
1).
Figura 1 – Tatakua (Forno de barro)

Fonte: David Galeano Oliveira (https://dgaleanolivera.wordpress.com


A culinária da fronteira é composta em sua maioria por alimentos que tem em seu preparo,
ingredientes derivados do milho – avati e da mandioca - mandió. O milho branco ou avati morotí,
é base para a elaboração de uma farinha de milho, utilizada preparo da sopa paraguaia, que não é
sopa mais um tipo de bolo salgado, o qual pode ser cortado, ainda com o milho é possível produzir
o Locro um tipo de sopa à base de canjica amarela, carne bovina com osso, geralmente se utiliza o
puchero e cheiro verde, com o milho verde cru, têm-se a elaboração de pratos como a Chipa guasu,
um tipo de torta salgada de milho, que pode ser cozida ao forno ou no Tatakua, outra forma de
preparar é sobre o fogão a lenha, utilizando uma panela tampada com brasas quentes sobre a tampa,
outra iguaria derivada do milho, que se pode saborear na fronteira é o Vori Vori, um tipo de sopa
feita com bolas, bolinhas de farinha de milho, carne bovina com osso (puchero) e cheiro verde.
Com a mandioca é possível elaborar diversos pratos como nhoque de mandioca, porém os
mais consumidos são os feitos com a farinha de mandioca – fécula, dentre os quais podemos citar
o Mbeju e suas variações, em formato circular, similar à panqueca o qual acompanha o cocido um
tipo de chá feito à base de erva-mate (Ilex paraguariensis), consumido nas refeições matinais e a
chipa ou chipá como é chamada na língua guarani.

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A chipa: história e particularidades


Apesar dos choques iniciais entre bandeirantes e missioneiros, apesar da Guerra do
Paraguai no Séc. XIX e de outros tantos conflitos, alguns maiores outros menores, as relações do
dia a dia da fronteira entre o Brasil e o Paraguai, caracterizam-se por grande carga de afetividade,
miscigenação, interação e solidariedade, trocando não apenas receitas culinárias, como a chipa.
(SAMPAIO,2012).
A chipa ou chipá é um tipo de pão, semelhante ao pão de queijo mineiro, cujos
ingredientes principais são: a fécula de mandioca, farinha de milho, sal, ovos, queijo, banha e anis
ou erva-doce.
Registrado pela escritora Margarita Miró como “Pão Sagrado”, a qual resgata em sua
pesquisa, uma variedade de 70 tipos diferentes de chipa. Garofalo (2011) destaca que a chipa ou
chipá está presente em todas as festividades paraguaias e, especialmente em eventos religiosos
como a Semana Santa, Páscoa, o dia da cruz ou kurusu ára, que acontece no dia 03 de Maio, e nos
presépios de natal e novenas, orações, rezas. (Figura 2).
Figura 2 – Kurusu-ára (Dia da Cruz) 03 de Maio

Fonte: Fernando Allen Galiano (2013) - http://www.portalguarani.com


A inserção de ingredientes, como queijo e ovos, se deve à fusão das culturas europeia e
guarani, que serviram para formar o que hoje conhecemos como gastronomia típica da fronteira.
No que diz respeito ao formato das chipas, utiliza-se formas populares, religiosos e animais, como
o pombo um formato bastante popular, geralmente dedicado às crianças; o jacaré com seu sentido
pitoresco; o sapo para os idosos; figuras de flores ou plantas desenvolvendo nestas formas o senso
artístico popular que retrata o cotidiano local Figura 3).
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Figura 3 – Formato das chipas

Fonte: http://www.paraguay.com / - http://www.tembiuparaguay.com (2018)


Com relação ao cozimento das chipas, têm-se diferentes formas de cozinhar/assar, sendo
a mais utilizada o forno a gás, elétrico e o típico Tatakua, modo artesanal de se preparar a chipa,
onde as fôrmas que irão ao forno são untadas e recebem folhas da bananeira, outros modos de
cozimento são conhecidos, no entanto não são utilizados como o exemplo do cozimento sob as
cinzas - uma forma que caiu em desuso nos dias de hoje.
Dentre as variedades que são encontradas, as mais consumidas depois da tradicional, são
a mestiça com fubá e amido de mandioca, a chipá so´o, chipa de carne, chipá rora com o farelo de
milho, de manduví – amendoim, chipá piru, crocante, chipa frita e a chipa em formato circular.
Outro elemento bastante presente em relação à chipa é que as famílias na fronteira, em
época de Semana Santa, saem para fazer visitas, conversar, e ocorre as trocas entre famílias, das
chipas preparadas.

CONCLUSÃO

A história da humanidade está relacionada ao alimento, o ato de alimentar-se para o


homem está relacionado à cultura, pois este foi o único ato a receber protocolo. Assim deuse um
significado, um simbolismo. Entende-se que pode ser considerada como elemento da cultura, pois
cada região tem a sua própria.

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A culinária, a cultura alimentar presente na fronteira está fortemente relacionada com os


seus colonizadores (espanhóis) e habitantes originais (indígenas), sendo que os primeiros
trouxeram consigo seus hábitos, a diversidade de alimentos, temperos, receitas e suas crenças,
mesclando com aquelas que aqui já existiam. Este trabalho objetivou investigar a relação entre a
culinária, a cultura e a identidade na fronteira Brasil e Paraguai (Ponta PorãMS e Pedro Juan
Caballero-PY).
Neste sentido DaMatta (1986) destaca a possibilidade de identificação de um povo por
meio daquilo que se come, o que se justifica nas palavras de Savarin(1995) que a comida fala muito
sobre nós.
Deste modo, percebeu-se que a culinária da região de fronteira, é essencial para entender
os costumes de um povo, que é capaz de revelar a cultura e representar os indivíduos atribuindo-
lhes o senso de pertencimento.
As referências a respeito da culinária na fronteira, revelam ingredientes disponíveis na
região como a mandioca e o milho matéria-prima principal dos pratos elaborados como a Sopa, a
Chipa, o Vori Vori, o Mbeju, a Chipa Guasu, o Locro, o modo de fazer assado ou frito, cozido ou
cru, e até mesmo os utensílios usados no preparo a exemplo do Tatakua.
A literatura demonstra que ao estudarmos a culinária de uma região, desvenda-se muito
da identidade da local, seus hábitos, jeito de viver, aspectos históricos e culturais, transformações
que ocorrem no tempo e influencias de outras culturas.
Deste modo conclui-se que a é impossível separar a culinária da cultura, uma vez que o
alimento faz parte da formação de identidade de um povo, que a relação entre esses elementos,
contribui na criação de identidade territorial, que vai para além das fronteiras da mesa, a qual
influencia e é influenciada pelo modo de vida da região, gera emprego e renda, desenvolve e
fortalece setores ligados indiretamente a: agriculta familiar, como o turismo que atrai visitantes
oriundos de outras regiões que buscam o conhecimento daquele modo de vida e tipo de alimentação
única e peculiar, a hotelaria, a indústria e o comércio, promovendo assim o bem-estar social.
Enfim, a culinária que identifica um povo vai além da própria arte de cozinhar, de saber
preparar os alimentos, de quantidade e disposição na mesa, que ao longo da história foram
evoluindo com a diversidade de pratos que se pode encontrar, para tornarem-se parte da cultura de
cada indivíduo atribuindo-lhes senso de pertença.

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