Sem Memoria Não Há Aprendizagem

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SEM MEMÓRIA NÃO HÁ APRENDIZAGEM

Durante séculos, na escola, memorizar foi sinônimo de decorar nomes,


datas e fórmulas. Afinal, eram esses os conhecimentos sempre exigidos
nas provas, nas chamadas e nos testes. Com base nos estudos sobre o
processo de aprendizagem da criança, concluiu-se que a decoreba era
inimiga da educação. E a memória — confundida com repetição — foi
posta de castigo.

Um grande erro. A memória é a base de todo o saber — e, por que não


dizer, de toda a existência humana, desde o nascimento. Como tal, deve
ser trabalhada e estimulada. "É ela que dá significado ao cotidiano e nos
permite acumular experiências para utilizar durante toda a vida", afirma
a psicóloga e antropóloga Elvira Souza Lima, especialista em
desenvolvimento humano.

Nos últimos 20 anos, a neurociência avançou muito nas descobertas


sobre o funcionamento do cérebro. Hoje sabe-se o que acontece quando
ele está captando, analisando e transformando estímulos em
conhecimento e o que ocorre nas células nervosas quando elas são
requisitadas a se lembrar do que já foi aprendido. "Com isso o professor
pode aprimorar suas estratégias de ensino", diz o neuropsiquiatra
Everton Sougey, coordenador do curso de pós-graduação em
Neuropsicologia da Universidade Federal de Pernambuco. Estão
provadas, por exemplo, as vantagens de estabelecer ligações com o
conhecimento prévio do aluno ao introduzir um novo assunto e de
trabalhar também a emoção em sala de aula. O cérebro responde
positivamente a essas situações, ajudando a fixar não somente fatos,
mas também conceitos e procedimentos.

"Somos aquilo que recordamos", conceitua Iván Izquierdo, professor de


Neuroquímica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ele dá um
exemplo: nenhum texto é compreendido se não se lembra o significado das
palavras e a estrutura do idioma utilizado. Tudo isso precisa estar registrado
no cérebro para ser resgatado no momento oportuno. A memória, enfatiza
Elvira Lima, é a reprodução mental das experiências captadas pelo corpo por
meio dos movimentos e dos sentidos. Essas representações são evocadas
na hora de executar atividades, tomar decisões e resolver problemas, na
escola e na vida.

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O VALOR DO CONHECIMENTO PRÉVIO

Quando assiste aula, o estudante recebe informações de todo tipo, tanto


visuais como auditivas. Elas se transformam em estímulos para o
cérebro e circulam pelo córtex cerebral antes de serem arquivadas ou
descartadas . Sempre que encontram um arquivo já formado (o tal
conhecimento prévio) arrumam um "gancho" para o seu
armazenamento, fazendo com que no futuro ela seja resgatada mais
facilmente. "É como se o recém-chegado fosse morar em uma nova
casa, mas em rua conhecida", ilustra Elvira Lima. Quando essa
informação é resgatada da memória, trilha os mais variados caminhos.
Se eles já tiverem sido percorridos anteriormente, a recuperação de
conhecimentos será simples e rápida. O que não tem nada a ver com
decoreba.

"Se o estudante não aprende um conteúdo é porque não encontrou


nenhuma referência nos arquivos já formados para abrigar a nova
informação e, com isso, a aprendizagem não ocorreu . Não adianta
insistir no mesmo tipo de explicação", ressalta a neuropsicóloga Leila
Vasconcelos, da Universidade Federal de Pernambuco. Cabe ao
professor oferecer outras conexões. Como? Usando abordagens
diferentes e estimulando outros sentidos. Daí a importância de
investigar os conhecimentos prévios da turma, recordar conteúdos de
aulas anteriores, para formar os "ganchos", e dispor de diferentes
estratégias de ensino.

CRIANDO ELABORAÇÕES MENTAIS

O cérebro funciona em módulos cooperativos, que se ajudam na hora de


recuperar informações. Quanto mais caminhos levarem a elas, mais fácil
será o "resgate". Exemplo: se um conceito estiver conectado
simultaneamente a uma imagem e a um som, pelo menos três áreas
diferentes do cérebro trabalharão para recuperá-lo. Por isso, inventar
uma imagem simbólica — associar conceitos a formas, palavras a sons,
cores a significados e assim por diante — é um hábito extremamente
saudável. "Sair do concreto faz com que determinada informação seja
guardada sob várias chaves, como se fossem fichas de armazenamento,
facilitando a consulta", destaca Jiitka Soskova, psicóloga checa
especialista em inteligência artificial. As fórmulas mnemônicas (criação
de letra para música conhecida, versinhos rimados, frases engraçadas)
são outros exemplos de associações que levam à memorização. Ofereça
esses mecanismos e estimule cada aluno a criar as próprias associações
para os conteúdos que devem ser armazenados.

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O PAPEL DA EMOÇÃO
Os sentimentos regulam e estimulam a formação e a evocação de memórias. São eles
que provocam a produção e a interação de hormônios, fazendo com que os estímulos
nervosos circulem mais nos neurônios. Graças a esse fenômeno cerebral é mais fácil
para uma criança lembrar-se do processo de fotossíntese se ligar esse conteúdo de
Ciências a uma planta que tem em casa ou à árvore em que costuma subir quando
está em férias na casa da vovó.

MEMÓRIA INCONSCIENTE
Algumas lembranças ficam "escondidas" porque estamos expostos a mais informações
do que conseguimos guardar. Aparentemente perdidas, elas ficam num lugar do
cérebro chamado inconsciente. Ninguém sabe explicar exatamente por que, mas elas
voltam à consciência sem que o indivíduo controle. Pesquisas mostram que isso
sempre ocorre em alguma circunstância especial, quando algum fato ou informação
evoca lembranças que se julgavam perdidas.

Esquecer para ESQUECER PARA LEMBRAR

O esquecimento (de fato) é o descarte de algo pouco importante que só


serve para sobrecarregar os mecanismos de memorização. É
fundamental no processo de aprendizagem, porque deixa o caminho
livre para que as informações e conteúdos fundamentais sejam
arquivados. Uma pessoa que conhece os conceitos de presidencialismo e
parlamentarismo (importante) pode explicar a diferença entre os dois a
qualquer interlocutor em qualquer momento de sua vida, mas
provavelmente jamais se lembrará do dia em que aprendeu isso nem da
roupa que o professor usava na hora em que o assunto foi discutido em
classe (pouco importante). O cérebro jogou fora detalhes, mas o
conhecimento foi arquivado e depois conectado com outras informaões
correlatas, formando novos arquivos.

COMO SE FORMA A MEMÓRIA


UM ARQUIVO ORGANIZADO

O cérebro é dividido por uma fenda em dois hemisférios, que são segmentados em lobos,
regiões demarcadas sem muita nitidez. As informações captadas pela visão, pela audição,
pelo olfato, pelo paladar e pelo tato provocam impulsos elétricos e reações químicas em
lobos diferentes e não são guardadas da maneira como foram captadas. Elas são
fragmentadas, classificadas e hierarquizadas. Para se ter uma idéia de como o cérebro se
organiza, podemos visualizar na ilustração ao lado:

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1. elaborações mentais sofisticadas, como o planejamento, o
julgamento e a decisão;
2. dados sobre movimentos corporais, tato, orientação espacial e
análise sensorial;
3. informações olfativas;
4. linguagem, leitura e fala;
5. informações auditivas;
6. estímulos e associações visuais.

Paulo Caramelli, especialista em neurologia cognitiva do Hospital das


Clínicas da Universidade de São Paulo, explica que tanto novas
informações quanto as já armazenadas, depois de conectadas e
reelaboradas, passam obrigatoriamente pelo hipocampo (H), estrutura
que fica sob os dois hemisférios. De lá as informações são espalhadas
por toda a superfície do cérebro, o córtex. A classificação e o
armazenamento de informações são tão específicos a ponto de, dentro
do "arquivo" linguagem, uma "pasta" guardar verbos; outra,
substantivos, e assim por diante.

MAIS CONEXÕES, MAIS MEMÓRIA

A informação captada transita pelos neurônios, células nervosas


semelhantes a árvores sem folhas:
os galhos seriam os dentritos; o tronco, o axônio; e as raízes, os
terminais pré-sinápticos. Eles criam emaranhados de caminhos que se
orientam em diversas direções. Quando os galhos de uma
célulaencontram-se com as raízes de outra forma-se uma sinapse, local
de comunicação entre os neurônios e unidade elementar de
armazenamento da memória. Lá acontece síntese de proteínas, trocas
elétricas e ativação de genes que provocam o armazenamento da
informação. Quanto mais conexões, mais memória. Cada neurônio pode
se comunicar com até outros mil. Como o ser humano tem de 10 bilhões
a 100 bilhões dessas células, é possível haver até 100 trilhões de
conexões sinápticas.

INFORMAÇÃO VISUAL

Uma imagem, por exemplo, é captada pelos olhos e segue pelo nervo
óptico — formado por neurônios — até a parte posterior do cérebro,
chamada occipital. Ela é desmembrada em formas, cores, movimentos e
outros dados que a compõem. Dali essas informações espalham-se
pelas áreas vizinhas, à procura de outra informação correlata.
Encontrando essa referência, surge um novo arquivo que vai para o
hipocampo para depois ser armazenado no cérebro.

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UMA REDE BEM MONTADA

Sempre que você oferecer informações de diferentes naturezas sobre


um mesmo conteúdo, estará ajudando o aluno a formar um aprendizado
e um conhecimento que poderá durar por toda a vida. Fornecendo
imagens, sons, a possibilidade de usar o corpo em movimentos e
produzindo emoções, diversas partes do cérebro serão ativadas quando
esse conteúdo precisar ser resgatado, tornando a sua lembrança mais
fácil. E ao unir esse conteúdo a um conhecimento prévio, serão traçados
vários caminhos que tornarão o aprendizado mais eficaz.

TIPOS DE MEMÓRIA

Acredita-se existirem tantas memórias quantas forem as experiências


acumuladas e, com isso, a capacidade de armazenamento de
informações seria imensa. Aqui vamos falar apenas da capacidade geral
do homem de captar, armazenar e se lembrar de informações. Por isso,
grosso modo, a memória pode ser classificada da seguinte maneira:

1. PELA SUA DURAÇÃO


Memória de curto prazo
Sobrevive o tempo necessário para a informação ser utilizada. Exemplo:
qualquer conteúdo que é decorado para uma prova permanece no
cérebro até o aluno entregar o documento ao professor. Se ele tiver boa
nota, talvez nunca mais se lembre do que estudou. Não forma arquivos.
Só vira memória de longo prazo se encontrar vínculo com outra
informação já armazenada ou pela repetição.

Memória de longo prazo


Fica mais tempo no cérebro e é aquela que todo professor gostaria de
fomentar em seus alunos. Quando dura anos, vira memória remota.
Uma informação permanece no cérebro porque, quando foi apreendida,
seus estímulos geraram novas sinapses, desencadearam síntese de
proteínas, ativaram genes e provocaram a sua consolidação como
conhecimento apreendido.

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2. PELO SEU CONTEÚDO

Memória declarativa

A episódica ou autobiográfica guarda os fatos vividos pelo indivíduo,


como oprimeiro encontro com a pessoa amada ou uma aula especial,
em que algo inusitado tenha acontecido (um teatrinho, show ou uma
situação que despertou algum tipo de emoção no aluno).

A semântica — a mais importante durante o aprendizado — arquiva os


conhecimentos gerais, como o significado de palavras e conceitos.

Memória de procedimentos

É composta pelas habilidades motoras ou sensoriais. Como andar de


bicicleta ou a maneira de proceder diante de determinadas experiências
realizadas na escola.

Muitas vezes, pela observação e pelo treinamento, esses conhecimentos


são arquivados de maneira implícita, sem que haja consciência do
aprendizado.

A memória de trabalho ou ativa

Não se encaixa em nenhuma das categorias anteriores. É assim


chamada por analogia com a memória dos computadores. Iván
Izquierdo define-a como "gerenciadora da realidade": ela conecta as
informações da memória de curto prazo com as já arquivadas para
comparar, analisar, decidir ou não abrir um novo arquivo. Ele dá o
exemplo: conservamos na consciência algumas palavras utilizadas no
início desta frase somente para compreender o significado da sentença.
Depois esquecemos o termo exato, mas conservamos na memória a
idéia principal. É também aquela que o aluno usa ao receber suas
instruções antes de realizar uma atividade, ao recordar as orientações
no momento da execução. Essa memória usa as capacidades do córtex
pré-frontal do cérebro, lugar das chamadas funções cerebrais
superiores, como a tomada de decisão, a análise crítica, o julgamento.

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ENTENDA O CÉREBRO E ENSINE MELHOR

Ao conhecer o funcionamento da memória, você pode planejar ações


para ajudar a turma a armazenar e evocar conhecimentos. Confira
algumas estratégias:

Estabelecer relações entre novos conteúdos e aprendizados anteriores


faz com que o caminho daquela informação seja percorrido novamente
(evocação), tornando mais fácil seu reconhecimento.
Criar elaborações mentais envolvendo recursos como sons, imagens,
fantasias, significados e (por que não?) humor permite que várias áreas
do cérebro trabalhem simultaneamente no resgate de informações e
estimula a memória.
Utilizar gráficos, diagramas, tabelas e organogramas para classificar
as informações faz com que o cérebro tenha mais facilidade para
armazená-las e, portanto, resgata-as com mais facilidade.
Reservar os últimos minutos da aula para conversar sobre o
conteúdo estudado possibilita que o novo conhecimento percorra mais
uma vez o caminho no cérebro dos estudantes. Assim, eles fazem uma
releitura do que aprenderam.
Usar brincadeiras, dramatizações ou jogos para levar emoção à
classe favorece a aprendizagem. Isso só funciona se houver relação
entre o conteúdo e a situação lúdica.

A EVOLUÇÃO VEM COM A IDADE


Até os 9 meses, o bebê já tem praticamente a quantidade definitiva de neurônios. São raras
as pessoas que se lembram de fatos ocorridos antes dos 4 anos de idade. Nos primeiros anos
de vida, os dois hemisférios cerebrais ainda não estão totalmente formados e os feixes de
neurônios que fazem a comunicação entre o lado esquerdo e o direito ainda não foram
consolidados. Nem todo mundo se desenvolve exatamente do mesmo jeito, mas pode-se
dizer que, em geral, até os 7 anos a memória visual é mais dinâmica — daí por que o
desenho deve ser bastante utilizado nessa fase. Se for bem estimulada, por volta dos 9 ou 10
anos a criança começa a usar o raciocínio abstrato — e o material pedagógico deixa de ser
tão útil na ativação da memória. Segundo Mel Levine, pediatra e professor da Universidade
da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, é nessa idade que se constroem os padrões e as
regras que permitirão reconhecer dados semelhantes. Depois dos 13 ou 14 anos é hora de
aprimorar as habilidades matemáticas e de leitura e escrita, pois elas podem ser resgatadas
da memória automaticamente.

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Nos adolescentes, a informação circula em altíssima
velocidade no cérebro — cada hemisfério sabe o que o outro guarda e
faz. A maioria dos estudantes é capaz de criar estratégias próprias para
armazenar dados, estabelecendo relações com sua vida, suas fantasias
e seus conhecimentos prévios. Por volta dos 70 anos, quando não é
estimulada, a memória pode começar a falhar em algumas pessoas.

A MEMÓRIA NO TEMPO
Mnemósine foi a deusa escolhida por Zeus para ser a mãe das musas do
conhecimento: Calíope (poesia), Clio (história), Polímnia (retórica), Euterpe
(música), Terpsícore (dança), Érato (lírica coral), Melpômene (tragédia), Tália
(comédia) e Urânia (astronomia). Com os escritos de Paros, descobertos no
século 17, soube-se que o poeta grego Simônides era um especialista em
memorizar. Único sobrevivente de um desmoronamento, durante um
banquete, ele identificou os corpos das vítimas lembrando-se do local onde
cada uma estava sentada. Na Idade Média, a mnemotécnica era utilizada
pelos universitários para decorar nomes dos reis e períodos de governos.
Assim essa capacidade mental, relacionada a repetições, foi estigmatizada
como uma das barreiras para a verdadeira aprendizagem. Nos últimos 20
anos, pesquisas apontaram a existência de vários tipos de memória, todas
elas essenciais na aquisição do conhecimento

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