Memória
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Sobre este e-book
Apesar de extraordinário, só recentemente na história da ciência o cérebro tem sido estudado mais a fundo. Os cientistas perceberam que, graças a ele, podemos falar, sorrir, dançar e ter memória. Hoje sabemos, também, que é graças à memória que construímos nossa identidade, aprendemos com lições do passado e somos capazes de interpretar e reagir ao que acontece conosco.
Ao longo deste livro, você vai aprender o que são as memórias de curto e de longo prazo e o que é a memória flash, como elas se formam e quais suas funções em nossas vidas. Depois, entenderá o que são traumas cranioencefálicos e quais as principais doenças que afetam a memória, como acontecem e seus tratamentos. Para finalizar, daremos dicas de como cuidar do seu cérebro, melhorar sua memória e prevenir as doenças que a afetam.
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Memória - Ricardo Cambraia Parreira
Conteúdo
Introdução
Memória de curto prazo
Memória de longo prazo
Memória flash e traumas
Doenças que afetam a memória
Traumatismo cranioencefálico
Como cuidar melhor do seu cérebro
Sobre os autores
Créditos
1. Introdução
Elis Marra da Madeira Freitas, Onésia Cristina de Oliveira Lima, Bruno Lemes Marques, Rodrigo R. Resende, Mauro Cunha Xavier Pinto e Ricardo Cambraia Parreira
O cérebro é um órgão altamente complexo, sendo responsável pelo controle de inúmeras funções do organismo. Entretanto, nem sempre o homem reconheceu a sua importância funcional. Os egípcios, que atingiram seu auge por volta de 2000 a.C., removiam o cérebro e o descartavam antes da mumificação, pois não o consideravam tão importante quanto os demais órgãos. Já os gregos, em torno de 300 a.C., consideravam o cérebro apenas um controlador da temperatura do corpo e atribuíam ao coração superioridade em relação aos demais órgãos (Moraes, 2009). O estudo do cérebro e suas funções data da antiguidade e nos ajuda a entender o quão complexo esse órgão pode ser.
Ao longo dos séculos, esse estudo foi associado à filosofia, pois a humanidade começou a relacionar o cérebro à percepção do ambiente, às emoções e à própria razão da existência humana. De fato, é por meio do cérebro que o ser humano pode ter a percepção do meio ambiente e realizar interações sociais; pode-se dizer, portanto, que esse órgão está ligado a questões existenciais (Moraes, 2009). Com o passar do tempo, a humanidade foi entendendo que o cérebro era responsável por mais que questões existenciais, e outras funções foram sendo atribuídas a ele. De fato, seu cérebro controla muito mais do que você pensa! Ele controla suas sensações físicas, seus movimentos corporais, como você entende o que vê, ouve, cheira, saboreia e toca, seu senso de equilíbrio e coordenação. Além disso, é responsável por sua habilidade de fazer julgamentos e tomar decisões e pelos seus sentimentos de prazer e recompensa. Seu cérebro também controla outras áreas do seu corpo. Ele é responsável por sua memória! Assim, quando você dança, fala, sorri e chora, é o seu cérebro que está recebendo, processando e enviando mensagens para diferentes partes do corpo. Quando você ouve uma música que te remete a um momento vivido, sente um cheiro que te faz pensar de imediato naquela pessoa querida... são os neurônios do seu cérebro que estão sendo ativados! É natural, portanto, que fiquemos curiosos para saber como funcionam as funções cerebrais e como é possível que essas interações do nosso corpo com o ambiente e do nosso corpo com ele mesmo aconteçam.
Apesar de brilhante, o cérebro não atua sozinho. Ele é uma das estruturas que compõem o sistema nervoso central, formado também por cerebelo e tronco encefálico, que estão dentro do crânio, e pela medula espinal, que se localiza no interior da coluna vertebral, no canal vertebral. O sistema nervoso central atua com o sistema nervoso periférico, mediando as funções de controle sobre o nosso corpo ou o colocando em contato com o ambiente. Há dois tipos de células que formam o sistema nervoso: os neurônios e as células da neuróglia. Os neurônios são as células capazes de processar informação, consideradas excitáveis por serem capazes de gerar e conduzir potencial de ação. Já as células da neuróglia oferecem suporte estrutural, metabólico e mecânico aos neurônios, apresentando, também, função imunológica (Kandel et al., 2013). Cientistas continuam a descobrir novas células no cérebro, como o neurônio rosehip, descoberto em 2018 por cientistas americanos e húngaros (Boldog et al., 2018). Considerado o fundador da teoria neuronal, o estudioso Santiago Ramón y Cajal demonstrou, em 1888, a individualidade da célula nervosa. Foi ele, também, que demonstrou que as células nervosas estabelecem conexões entre si (Shepherd, 1972). Como forma de reconhecimento, em 1906, Santiago Ramón y Cajal e Camillo Golgi foram laureados com o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina por seus trabalhos sobre o sistema nervoso. Hoje sabemos que as conexões entre os neurônios, identificadas originalmente por Ramón y Cajal, são as sinapses, que ocorrem quando os neurônios liberam as substâncias químicas chamadas neurotransmissores. É por meio da liberação de neurotransmissores que um neurônio é capaz de modular a função daqueles com os quais estabelece conexão, e é por essas conexões que o cérebro consegue exercer funções altamente complexas. Atualmente, é bem estabelecido que diferentes partes do cérebro são responsáveis por diferentes funções: há, por exemplo, áreas específicas voltadas ao controle dos movimentos, às sensações corporais, às respostas de medo, e, sim, há áreas específicas responsáveis pela memória!
Vários estudos mostram que o hipocampo é a estrutura cerebral mais envolvida no processamento da memória, em sua consolidação, recuperação e até mesmo extinção, tanto em humanos quanto em animais (Eichenbaum et al., 1996; Izquierdo; Medina, 1997; Izquierdo; McGaugh, 2000). Entretanto, sabe-se que o hipocampo não trabalha sozinho em uma função tão importante: ele recebe informações de outras áreas, como do córtex entorrinal, e conecta-se com a amígdala e com outras áreas corticais, de modo que estas também devem ser citadas como envolvidas no processamento da memória (Izquierdo; McGaugh, 2000; Setlow; Roozendaal; McGaugh, 2000).
Nos últimos cem anos, as pesquisas em relação às funções do cérebro se intensificaram muito. Em poucas décadas, a humanidade foi capaz de entender como o cérebro capta informações do ambiente e as armazena em seu sistema. Na década de 1980, Eric Kandel e Paul Greengard, laureados com o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 2000, descreveram como os neurônios são capazes de produzir memórias de curto prazo por meio da sinalização celular. Posteriormente, foi demonstrado como os neurônios de regiões do hipocampo e do córtex entorrinal são capazes de representar no cérebro o ambiente e a localização do indivíduo no espaço. Esses estudos levaram à descoberta de neurônios do tipo células de lugar, que são ativados em locais específicos e mapeiam o ambiente, e células de grade, que são responsáveis por localizar o indivíduo no espaço. Essas descobertas foram laureadas pelo Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina em 2014, quando o prêmio foi divido entre o casal de pesquisadores dinamarqueses May-Britt Moser e Edvard Moser e o pesquisador britânico-americano John O’Keefe.
Os trabalhos sobre memória são uma área de estudo da neurociência que ainda apresenta milhares de perguntas científicas sem respostas, e cientistas do mundo inteiro trabalham exaustivamente – às vezes por uma vida inteira – tentando respondê-las. Um dos motivos para haver muitas perguntas sem resposta é o fato de que a neurociência é complexa em seus aspectos mais intrínsecos. Além disso, o estudo do cérebro humano deve ser feito de maneira não invasiva, sendo realizado algumas vezes de modo indireto, o que é um grande desafio. Diante de um sistema tão complexo, o