Terapia Farmacologica e Fonoaudiologica

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Artigo de Revisão Int. Arch. Otorhinolaryngol. 2012;16(2):259-268.

DOI: 10.7162/S1809-97772012000200016

Tosse: neurofisiologia, métodos de pesquisa, terapia farmacológica e


fonoaudiológica
Cough: neurophysiology, methods of research, pharmacological therapy and
phonoaudiology
Aracy Pereira Silveira Balbani 1

1) Doutora em Medicina. Médica Otorrinolaringologista.

Instituição: Consultório particular da Autora.


Tatui – SP – Brasil.
Endereço para correspondência: Aracy P. S. Balbani - Rua Capitão Lisboa, 715 - Tatuí / SP – Brasil CEP: 18270-070 - Telefone: (+55 15) 3259-1152 - E-mail:
[email protected]
Artigo recebido em 13 de Março de 2011. Artigo aprovado em 25 de Junho de 2011.

RESUMO SUMMARY
Introdução: A tosse é o sintoma respiratório mais comum em Introduction: The cough is the more common respiratory
crianças e adultos. symptom in children and adults.
Objetivo: Apresentar uma revisão sobre a neurofisiologia e os Objective: To present a revision on the neurophysiology and
métodos para estudo do reflexo da tosse, bem como a the methods for study of the consequence of the cough, as
farmacoterapia e terapia fonoaudiológica da tosse, baseada well as the pharmacotherapy and phonoaudiology therapy of
nos trabalhos publicados entre 2005 e 2010 e indexados nas the cough, based on the works published between 2005 and
bases Medline, Lilacs e Biblioteca Cochrane sob os unitermos 2010 and indexed in the bases Medline, Lilacs and Library
“tosse” ou “antitussígenos”. Cochrane under them to keywords “cough” or “anti-cough”.
Síntese dos dados: O reflexo da tosse envolve ativação de Synthesis of the data: The consequence of the cough involves
múltiplos receptores vagais nas vias aéreas e de projeções activation of receiving multiples becomes vacant in the aerial
neurais do núcleo do trato solitário para outras estruturas do ways and of neural projections of the nucleus of the solitary
sistema nervoso central. Técnicas experimentais permitem treatment for other structures of the central nervous system.
estudar o reflexo da tosse ao nível celular e molecular para Experimental techniques allow studying the consequence of
desenvolver novos agentes antitussígenos. Não há evidências the cough to the cellular and molecular level to develop new
de que antitussígenos isentos de prescrição médica tenham anti-cough agents. It does not have evidences of that anti-
eficácia superior à do placebo para o alívio da tosse. A terapia cough exempt of medical lapsing they have superior
fonoaudiológica pode beneficiar pacientes com tosse crôni- effectiveness to the one of placebo for the relief of the cough.
ca refratária ao tratamento farmacológico, sobretudo quando The phonoaudiology therapy can benefit patients with refractory
coexiste movimento paradoxal das pregas vocais. chronic cough to the pharmacological treatment, over all when
Comentários Finais: A abordagem multidisciplinar tem pa- paradoxical movement of the vocal folds coexists.
pel fundamental no diagnóstico etiológico e tratamento da Final Comments: The boarding to multidiscipline has basic
tosse. O otorrinolaringologista deve informar os pacientes sobre paper in the etiological diagnosis and treatment of the cough.
os riscos dos antitussígenos de venda livre a fim de prevenir The otolaryngologist must inform the patients on the risks of
intoxicações e efeitos adversos, especialmente em crianças. the anti-cough of free sales in order to prevent adverse
Palavras-chave: antitussígenos, codeína, dextrometorfano, poisonings and effect, especially in children.
expectorantes, tosse. Keyword: anti-cough, codeine, dextromethorpha,
expectorants, cough.

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efeitos adversos e intoxicação, sobretudo na infância.


INTRODUÇÃO Levantamento feito em 63 pronto-socorros norteamericanos
revelou que 5,7% das intoxicações em menores de 12 anos
A tosse é um mecanismo de proteção das vias aéreas foram provocadas por antitussígenos e antigripais, com
e também o sintoma respiratório mais comum em crianças predomínio dos casos (64%) em crianças de dois a cinco
e adultos. Pode decorrer de inúmeras causas infecciosas anos de idade (3).
(Tabela 1) e não infecciosas (Tabela 2), ser caracterizada
como seca ou produtiva, e classificada, de acordo com a A toxicidade dos antitussígenos isentos de prescri-
duração, em aguda (menos de 3 semanas), subaguda (3-8 ção e os dados inconclusivos de sua eficácia clínica (4)
semanas) ou crônica (mais de 8 semanas) (1,2). levaram as autoridades de saúde do Canadá a contraindicá-
los aos menores de seis anos e adotarem medidas de
Os paroxismos de tosse podem prejudicar a quali- segurança adicionais: advertência em bula sobre os cuida-
dade de vida do paciente por interferirem no sono, dos no uso por crianças de 6 a 12 anos e padronização das
provocarem disfonia, vômitos, cefaleia ou incontinência embalagens (frasco à prova de abertura pela criança,
urinária. acompanhado de copo dosador) (5). No Brasil, consta em
bula a advertência de que antitussígenos não devem ser
Antitussígenos e mucolíticos - muitos dos quais são utilizados em crianças menores de dois anos de idade, e as
isentos de prescrição médica, estão entre os medicamen- indústrias farmacêuticas não estão obrigadas a utilizar
tos mais consumidos no mundo. Eles oferecem risco de embalagens à prova de manuseio por crianças.

Tabela 1. Causas infecciosas de tosse.


Exemplos de agentes etiológicos
Vírus Resfriado comum adenovírus, coronavírus, enterovírus, parainfluenza
Influenza (gripe) vírus influenza A e B
Bronquiolite vírus sincicial respiratório (VSR)
Traqueobronquite aguda vírus influenza, VSR
Hantavirose vírus Juquitiba, Araraquara, Castelo dos Sonhos, Laguna Negra, Anajatuba
Bactérias Coqueluche Bordetella pertussis
Traqueobronquite aguda Mycoplasma pneumoniae
Rinossinusites (síndrome da tosse da Streptococcus pneumoniae
via aérea superior) Haemophilus influenzae
Moraxella catarrhalis
Pneumonias bacterianas Streptococcus pneumoniae
Mycoplasma pneumoniae
Chlamydophila pneumoniae
Haemophilus influenzae
Micobacterioses típicas e atípicas Mycobaterium tuberculosis

Parasitas Eosinofilia pulmonar parasitária Ascaris lumbricoides


(Síndrome de Loeffler) Ancylostoma duodenale
Strongyloides stercoralis
Esquistossomose pulmonar crônica Schistosoma mansoni
Larva migrans visceral Toxocara canis, Toxocara cati
Singamose Syngamus laryngeus
Protozoário Leishmaniose visceral Leishmania chagasi
Fungos Aspergilose Aspergillus spp
Blastomicose Blastomyces dermatitidis
Criptococose Cryptococcus neoformans
Histoplasmose Histoplasma capsulatum
Paracoccidiodomicose Paracoccidioides brasiliensis
Pneumocistose Pneumocystis jiroveci

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Tabela 2. Causas não infecciosas de tosse.

Medicamentos Inibidores da enzima conversora da angiotensina


Betabloqueadores
Interferon peguilado (molde brônquico)
Metotrexato (pneumonite)
Doenças cardiovasculares Edema pulmonar
Embolia pulmonar
Refluxo gastroesofágico
Aspiração de corpo estranho
Neoplasias
Asma Variante da asma com tosse (a)
Doença pulmonar obstrutiva crônica
Inalação de irritantes Gás mostarda, formaldeído
Pneumoconioses Silicose
Outras Tosse pós-infecciosaTosse atópica (b)Tosse psicogênica
Nota:
(a) Variante com tosse da asma: tosse crônica responsiva ao uso de broncodilatador ou corticosteroide inalatório/sistêmico.
(b) Tosse atópica: tosse crônica sem obstrução reversível do fluxo aéreo nem hiperresponsividade brônquica, na qual há confirmação
de atopia (eosinofilia sanguínea ou no escarro, ou elevação da IgE sérica específica, ou teste cutâneo de hipersensibilidade imediata
positivo. Refratária à terapia com broncodilatador e responsiva ao uso de corticosteroide inalatório ou anti-histamínico H1.

Em 2007, um fabricante retirou do mercado mundi- Neurofisiologia da tosse


al, preventivamente, antitussígenos contendo cloridrato de
clobutinol, pelo risco de prolongarem o intervalo QT e Componentes periféricos
induzirem arritmia cardíaca (torsades de pointes) (6).
Contudo, este princípio ativo ainda é comercializado por O arco reflexo da tosse é iniciado no epitélio
outras empresas (7). respiratório, diafragma, pericárdio, pleura, peritônio ou
esôfago através do estímulo de mecanoceptores,
O otorrinolaringologista costuma atender casos de nociceptores (quimiorreceptores) ou fibras Aä aferentes
tosse acompanhada de irritação faríngea ou desencadeada vagais (1). Em 2,3%-4,2% da população o reflexo pode ser
por contato com perfumes e outros inalantes, variações evocado também pela palpação do meato auditivo exter-
de temperatura e atos de falar, rir ou cantar. Frequente- no - mais comumente da sua parede póstero-inferior, em
mente o clínico e o pediatra encaminham pacientes para uma ou ambas as orelhas -, por estímulo do ramo auricular
que o especialista investigue a síndrome da tosse da via do nervo vago (nervo de Arnold) (8,9).
aérea superior, antes denominada gotejamento pós-na-
sal. Em animais de experimentação, a secção bilateral
do nervo laríngeo superior não altera o reflexo da tosse. A
Por tudo isso, é necessário que o otorrino conheça secção bilateral do nervo laríngeo recorrente abole a tosse
a neurofisiologia da tosse, os métodos científicos para seu provocada por estímulo mecânico ou elétrico da mucosa
estudo e o tratamento farmacológico e fonoaudiológico da laringe e porção superior da traqueia, mas não interfere
para alívio do sintoma, temas abordados nesta revisão. no reflexo provocado pela inalação de vapor ácido.

Os mecanoceptores de baixo limiar respondem a


REVISÃO DA LITERATURA estímulos mecânicos. Os receptores pulmonares de distensão
(slowly adapting stretch receptors - SARs e rapidly adapting
Foram pesquisados para esta revisão não sistemáti- stretch receptors - RARs) são ativados fisiologicamente
ca os trabalhos originais, de revisão, metanálise e relatos de pela variação do volume pulmonar durante a respiração,
caso publicados entre 2005 e 2010 e indexados nas bases enquanto os mecanossensores de tensão esofágicos são
Medline, Lilacs e Biblioteca Cochrane sob os unitermos estimulados pela deglutição. Em condições patológicas, o
“tosse” ou “antitussígenos”. edema da mucosa ou a broncoconstrição podem ativá-los.

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Tais receptores têm pequena sensibilidade a estímulos Este seria um dos mecanismos predisponentes à tosse nos
químicos (ácidos). pacientes com afecções nasossinusais (síndrome da tosse
da via aérea superior) ou refluxo gastroesofágico.
Os nociceptores ou quimiorreceptores respondem
a estímulos químicos (capsaicina, bradicinina, O glutamato parece ser o principal neurotransmissor
prostaglandinas, ácidos), calor (temperatura acima de 42oC) excitatório das vias centrais da tosse, enquanto as
e alguns estímulos mecânicos extremos. neurocicininas (substância P, neurocininas A e B) seriam
neuromoduladoras. Tem sido pesquisada a ação central
As fibras mielinizadas de adaptação rápida Aδ, deno- antitussígena de antagonistas do receptor de neurocininas
minadas receptores de tosse, têm papel importante na (17).
defesa das vias aéreas, pois são muito sensíveis ao contato
de líquidos ou partículas com a mucosa da laringe, traqueia O reflexo sofre controle voluntário do córtex
e brônquios principais. Possuem características fisiológicas cerebral. A estimulação seletiva das fibras C com
distintas das dos RARs e SARs, não são ativadas pela capsaicina em animais sob anestesia geral não evoca
capsaicina ou bradicinina (10) e se acredita que sua função tosse (16,17). Em humanos, o impulso para tossir
principal seja a regulação do reflexo da tosse evocado nas geralmente precede o ato motor da tosse e pode ser
vias aéreas extrapulmonares. suprimido voluntariamente (18). Em contrapartida, a
tosse psicogênica, que responde por 3 a 10% dos casos
As fibras não mielinizadas do tipo C são os de tosse crônica na infância, pode ser provocada pelo
nociceptores vagais mais numerosos nos brônquios e paciente e se manifestar com ou sem tiques (motores
pulmões (11) e as responsáveis pelo incômodo do impulso ou vocais), cessando durante o sono (19).
para tossir. Expressam vários canais iônicos de membrana,
entre os quais os transient receptor potential vanilloid As vias eferentes da tosse trafegam através dos
(TRPV) 1 a 4 - numerosos também na mucosa laríngea (12) nervos vago e frênico e dos motoneurônios espinhais até
-, e o transient receptor potential ankyrin-1 (TRPA-1), a musculatura expiratória, resultando na sequência caracte-
ativado diretamente por irritantes químicos (10) como a rística de movimentos respiratórios já exaustivamente
alicina da cebola e do alho, os isotiocianatos da mostarda e descrita na literatura (1,2,7).
o formaldeído (13).
Modulação do reflexo
O antitussígeno de ação periférica ideal deveria
inibir seletivamente as fibras C, para abolir os paroxismos O reflexo de proteção das vias aéreas é um meca-
patológicos de tosse sem prejudicar o mecanismo fisioló- nismo dinâmico que acompanha o amadurecimento do
gico de defesa das fibras Aδ contra aspiração. Isso poderia sistema nervoso central (SNC) e sofre influência de fatores
ocorrer pelo uso de: 1) um antagonista dos canais iônicos hormonais e neuro-humorais.
TRPV ou TRPA-1, ou 2) de um medicamento similar aos
anestésicos locais, capaz de bloquear especificamente um Nos mamíferos recém-nascidos, especialmente os
canal de sódio regulado por voltagem e, assim, inibir o prematuros, a presença de secreção, conteúdo gástrico ou
potencial de ação nas fibras C (10). As atuais linhas de outros líquidos nas vias aéreas superiores (VAS) resulta em
pesquisa de novos antitussígenos testam moléculas com movimentos de deglutição e fechamento da glote, apneia,
essas ações. bradicardia e redistribuição do fluxo sanguíneo para órgãos
vitais. A ação das interleucinas no SNC sensibiliza o reflexo
Componentes centrais e prolonga as apneias (20), o que explicaria o maior risco
de morte súbita nos neonatos com infecções das vias
As vias aferentes da tosse convergem para o núcleo aéreas superiores (IVAS).
do trato solitário no tronco encefálico, ponto principal da
regulação do reflexo. De lá partem múltiplas projeções Em filhotes de porco observam-se mudanças bio-
neurais para: a formação reticular, núcleo ambíguo, subs- químicas e bioelétricas nos motoneurônios respiratórios no
tância cinzenta periaquedutal e núcleo dorsal da rafe (14). primeiro mês de vida. Gradativamente diminui a ocorrên-
cia de deglutição e apneia, e a tosse passa a ser o
Nos modelos experimentais, a tosse provocada pela componente principal do reflexo protetor das vias aéreas,
estimulação mecânica da traqueia é intensificada pela característica que se mantém na vida adulta (20,21).
instilação de capsaicina na mucosa nasal ou esofágica,
indicando que no tronco encefálico há integração entre as Em humanos a sensibilidade do reflexo da tosse é
aferências sensitivas do nervo trigêmeo na mucosa nasal e maior nas mulheres e em pacientes com IVAS ou variante
as aferências vagais traqueobrônquicas e esofágicas (15,16). com tosse da asma (asma tussigênica) (22).

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Há dados controversos sobre o efeito do tabagismo reflexo de tosse em até 20% das pessoas, mas pode induzir
no limiar do reflexo da tosse. Alguns estudos mostram broncoespasmo sintomático em outras, o que reduz a
aumento do limiar em fumantes, talvez por ação central ou reprodutibilidade e segurança do método.
periférica da nicotina, ou pelo aumento da espessura da
camada de muco respiratório, que dificultaria a ativação dos Estudos da eficácia de antitussígenos podem sofrer
receptores vagais traqueobrônquicos. Esse fenômeno é o viés do efeito demulcente (estímulo à secreção de saliva
reversível em poucas semanas, razão pela qual muitas e muco nas VAS pelos açúcares) do placebo formulado em
pessoas se queixam de tossir mais após pararem de fumar. xarope (22) ou da inibição voluntária da tosse.
Porém, outros tabagistas padecem de tosse crônica -
possivelmente pelo processo inflamatório nas vias aéreas Na pesquisa clínica, o uso de questionários (Burden
-, aliviada pela abstinência do cigarro (23). of Cough Questionnaire, Cough Specific Quality of Life
Questionnaire, Leicester Cough Questionnaire) é útil para
A enzima conversora da angiotensina (ECA) degra- avaliar o impacto da tosse na qualidade de vida do paciente
da não apenas a angiotensina I, mas também a bradicinina, (27).
substância P e neurocininas, as quais sensibilizam fibras C.
Por esse motivo, cerca de 20% dos pacientes que usam
anti-hipertensivos inibidores da ECA têm tosse como efeito Terapia Farmacológica da Tosse
colateral (1,24). O sintoma tende a desaparecer cerca de
quatro semanas após a interrupção do uso do anti- Antitussígenos de ação periférica
hipertensivo (25).
A dropropizina e seu enantiômero levodropropizina
reduzem a sensibilidade das fibras C vagais (28). No Brasil,
Métodos de Estudo da Tosse várias de suas apresentações em xarope contêm açúcar e
uma apresentação da dropropizina em pastilhas têm corante
Embora tenham numerosos aferentes sensitivos nas amarelo tartrazina, o que as contraindica, respectivamente,
vias aéreas, ratos e camundongos não apresentam o típico para diabéticos e pessoas com intolerância ao ácido
ato motor da tosse, dificultando sua avaliação. Assim, o acetilsalicílico.
porquinho-da-Índia é a espécie de pequeno porte mais
utilizada em experimentos (13,16). Antitussígenos de ação central

Nos trabalhos experimentais a tosse pode ser O dextrometorfano, o clobutinol e o fendizoato de


provocada pela microestimulação elétrica direta do núcleo cloperastina têm ação não narcótica no tronco encefálico.
do trato solitário após descerebração (26), ou por estimulação
mecânica/elétrica da mucosa das vias aéreas em animais O dextrometorfano é agonista do receptor não
conscientes ou sob anestesia geral. opioide sigma-1 e antagonista do receptor N-metil-D-
aspartato (NMDA) do glutamato. Sua ação é similar à do
Tanto nos trabalhos experimentais quanto nos clíni- ácido lisérgico (LSD), quetamina e psilocibina. O
cos podem ser empregados vários estímulos químicos ou dextrometorfano é metabolizado pelo citocromo P450
agentes tussígenos: capsaicina, ácidos (cítrico, acético, (enzima CYP2D6), e indivíduos que o metabolizam lenta-
tartárico) e nebulização ultrassônica de água destilada (“fog”). mente são mais suscetíveis aos efeitos psicoativos, mesmo
nas doses terapêuticas. O medicamento interage com
A capsaicina é o tussígeno mais utilizado, administra- inibidores da monoaminoxidase (MAO) e antidepressivos
do em dose única ou em esquema dose-resposta. Provoca inibidores da recaptação da serotonina (29). Há registro de
tosse imediatamente, motivo pelo qual se recomenda intoxicação fatal por dextrometorfano em criança (30).
avaliar seu efeito nos 15 segundos após a nebulização.
Geralmente o parâmetro analisado nos estudos dose- O clobutinol retarda a repolarização ventricular e é
resposta é a concentração de capsaicina capaz de provocar arritmogênico (31). Já houve relato de anafilaxia pelo
cinco ou mais atos motores de tosse. O método é conside- medicamento (32).
rado reprodutível e seguro em humanos, mas alguns
indivíduos se queixam de irritação faríngea transitória após O fendizoato de cloperastina é sedativo da tosse e
exposição à capsaicina. também tem ação periférica, dessensibilizando as aferências
vagais traqueobrônquicas. Interage com inibidores da MAO.
O ácido cítrico tem maior probabilidade de causar
sensação de sufocação e ardor na faringe. A nebulização Antitussígenos narcóticos (morfina e codeína) agem
ultrassônica de água destilada é insuficiente para ativar o primariamente nos receptores opioides ì no núcleo do trato

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solitário no porquinho-da-Índia. Entretanto, a naloxona, exato mecanismo de ação não está completamente escla-
antagonista desses receptores, não impede a ação recido e os efeitos adversos mais frequentes são: cefaleia,
antitussígena da codeína no gato (14). É possível, então, náuseas e vômitos.
que os narcóticos atuem também em receptores não-
opioides - talvez de glutamato, serotonina ou nociceptina A vasicina é um alcaloide originalmente isolado das
- no SNC (17,26). folhas de Adhatoda vasica, indicadas pela Ayurveda como
expectorante (35). Também as folhas de Sida cordifolia L.
A codeína é um dos antitussígenos mais eficazes, (Malvaceae), popularmente conhecida no Brasil como
porém comumente provoca efeitos colaterais (náuseas, malva-branca, contêm vasicina.
constipação intestinal) e pode causar dependência (26).
O cloridrato de bromexina é um derivado sintético
Os antitussígenos de ação central podem da vasicina. O mucolítico cloridrato de ambroxol é um
potencializar o efeito depressor do SNC do álcool, hipnó- metabólito ativo da bromexina e tem propriedades
ticos e sedativos. antioxidantes, anti-inflamatórias, surfactante e de anestési-
co local, a última por bloqueio de canais de sódio. Seus
Inibidores da bomba protônica efeitos adversos são: náuseas, vômitos, dor abdominal e
erupção cutânea. A superdosagem pode provocar dispneia,
Em muitos casos de tosse crônica há sintomas ou ataxia e convulsões (36). O ambroxol não é aprovado pela
sinais de refluxo gastroesofágico (RGE), e os inibidores da Food and Drug Administration para uso nos EUA (37).
bomba protônica (IBPs), associados ou não aos procinéticos
(bromoprida, domperidona), são comumente prescritos O iodeto de potássio ainda é encontrado na formu-
como teste terapêutico. Porém, a metanálise de 18 estudos lação de alguns expectorantes e seu uso prolongado pode
randomizados e controlados, sendo cinco em crianças e 13 induzir hipotireoidismo.
em adultos, indica que não há benefício do uso
indiscriminado dos IBPs na tosse crônica (33). Estudos clínicos mostram que a monoterapia com n-
acetilcisteína ou erdosteína não tem efeito antitussígeno,
HUNT et al. (2006) (34) avaliaram 22 pacientes mas os mucolíticos são bons coadjuvantes no tratamento
adultos com tosse crônica e 22 voluntários sadios quanto à de afecções respiratórias, presumivelmente pelo seu efei-
ocorrência de tosse e às medidas de pH do vapor condensado to antioxidante (25).
do ar exalado na meia hora seguinte à ingestão de limona-
da. Houve declínio do pH após cerca de 15 minutos, Várias marcas comerciais de antitussígenos isentos
significativamente mais acentuado nos indivíduos com de prescrição médica associam a dropropizina, a
tosse crônica do que nos voluntários. levodropropizina ou o dextrometorfano com anti-
histamínicos H1 clássicos (difenidramina, doxilamina) na
Os oito pacientes que tossiram no período em que formulação. Esses anti-histamínicos ajudam a aliviar a tosse
o pH do ar exalado permaneceu abaixo de 7,4 foram os graças à sua ação periférica e ao controle da atopia, mas seu
que responderam à terapia feita com IBP durante um mês efeito no SNC causa sonolência (25).
- os fármacos, doses e posologia não foram especificados.
Os pesquisadores sugerem aplicar este método na triagem Nas revisões sistemáticas consultadas não se com-
dos casos de tosse crônica para detectar, de forma não provou que a eficácia da guaifenesina (4), das metilxantinas
invasiva, a acidificação das VAS por refluxo gastroesofágico, (teofilina, aminofilina e cafeína) (38), dos anti-histamínicos
e assim evitar o uso desnecessário de IBPs. (39) e do antagonista do receptor de leucotrienos
montelucaste (40,41) seja superior à do placebo para alívio
Expectorantes, mucolíticos e outros da tosse em crianças.

O expectorante guaifenesina é um éter gliceril do Desde tempos imemoriais o senso comum reco-
guaiacol, resina da planta Guajacum officinale L., o guaiaco. menda o mel de abelha para alívio da tosse seca. O mel é
Esta espécie não deve ser confundida com o guaco demulcente e contém fenois com ação antioxidante e
(Mikania glomerata Spreng.), cujas folhas são popular- antimicrobiana. É barato e seguro para uso em crianças
mente empregadas no Brasil no preparo de infusão ou maiores de um ano e, se pasteurizado, raramente provoca
decocto para o combate à tosse. reação alérgica (42).

A guaifenesina tem efeito antitussígeno em pacien- Um estudo randomizado comparou o efeito da


tes com IVAS, mas não inibe o reflexo de tosse em administração, 30 minutos antes de dormir, de 5 ml de mel
voluntários sadios submetidos à inalação de capsaicina. Seu ou de dextrometorfano sobre a tosse noturna e a qualidade

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do sono de 105 crianças e adolescentes com IVAS. Um discinesia laríngea e sintomas de refluxo laringofaríngeo
terceiro grupo de pacientes não recebeu tratamento. O refratários ao tratamento com IBP. A nasofibrolarin-
dextrometorfano foi formulado de modo a ter aspecto e goscopia foi feita antes e após três meses de tratamento
sabor semelhantes aos do mel, para que os participantes do com IBP administrado duas vezes ao dia (drogas e doses
estudo não os pudessem distinguir. Os pacientes que não informados) combinado com retreinamento respira-
utilizaram mel tiveram redução significativa da tosse notur- tório (exercícios para aquisição de ritmo respiratório e
na em comparação com os que não receberam tratamento, estímulo à respiração abdominal, feitos durante 10 a 15
benefício não obtido com o dextrometorfano (43). minutos, duas vezes ao dia). O limiar do reflexo de
adução das PPVV foi obtido ao aplicar pulsos de ar
Outro trabalho randomizado analisou o efeito de comprimido com pressão variável na mucosa da prega
uma dose noturna de 2,5 ml de mel, ou de 7,5 mg de ariepiglótica, inervada pelo nervo laríngeo superior,
dextrometorfano, ou de 6,25 mg de difenidramina, ou de com visualização do movimento de adução das PPVV à
higiene nasal com soro fisiológico sobre a tosse noturna de nasofibrolaringoscopia. A sensibilidade da mucosa foi
139 crianças de dois a cinco anos com IVAS. A frequência significativamente maior ao término do tratamento, e os
e a intensidade da tosse noturna, segundo o relato dos pais, 12 pacientes que completaram o estudo apresentaram
foram significativamente menores no grupo de crianças cura da discinesia laríngea e da tosse. Os autores pro-
que usou mel (44). põem que o edema da mucosa laríngea decorrente do
refluxo ácido reduziria a sensibilidade dos mecanoceptores
Apesar desses resultados favoráveis, não há consen- vagais, e a tosse e a adução das PPVV seriam respostas
so científico sobre a indicação do mel na terapia da tosse adaptativas para defesa das vias aéreas contra aspiração
aguda em crianças (45). nessa circunstância.

Terapia Fonoaudiológica na Tosse DISCUSSÃO


Estima-se que metade dos pacientes com tosse A neurofisiologia da tosse é complexa, envolvendo
crônica apresente algum grau de disfunção motora das ativação de múltiplos receptores nas vias aéreas e de
pregas vocais (PPVV), a discinesia laríngea, na qual há projeções neurais do núcleo do trato solitário para outras
adução paradoxal involuntária das PPVV durante a inspira- estruturas do sistema nervoso central.
ção ou expiração (46). A discinesia laríngea pode ser
desencadeada por: inalação de irritantes (fumaça ou vapo- Desvendar a relação fisiopatológica entre a tosse, a
res), baixa temperatura ou umidade excessiva do ar, atos acidificação das vias aéreas e a discinesia laríngea é um
motores que envolvem a musculatura respiratória (exercí- campo de pesquisa instigante em Laringologia. Estudos
cio físico, fala, riso, inspiração profunda ou deglutição) ou recentes anos apontam que muitos pacientes com tosse
estresse (47). Nesses pacientes a prova de função pulmo- crônica têm neuropatia sensitiva do nervo laríngeo recor-
nar e a oximetria de pulso geralmente são normais, e a rente, ampliando a compreensão do problema e abrindo a
tosse é refratária ao tratamento farmacológico com perspectiva de terapêutica com neuromoduladores como
antitussígenos, anti-histamínicos e inibidores da bomba a gabapentina e a pregabalina (49-51).
protônica (46,48). O diagnóstico é confirmado através da
nasofibrolaringoscopia. A importância do diagnóstico etiológico da tosse é
indiscutível. Contudo, muitos doentes recorrem à
Pesquisadores acompanharam durante dois meses automedicação com antitussígenos e mucolíticos - ou
87 adultos com tosse crônica refratária a medicamentos, solicitam que o médico os prescreva - para atenuar o
sendo 73% do sexo feminino, divididos aleatoriamente em desconforto até que se identifique a causa do sintoma e se
um grupo controle e outro submetido a sessões individuais inicie o tratamento específico.
de terapia fonoaudiológica (orientações de higiene vocal,
exercícios para respiração abdominal e relaxamento volun- O dextrometorfano e o clobutinol começaram a ser
tário da musculatura laríngea). Eles avaliaram a tosse e a comercializados na década de 1950. Desde então, perma-
qualidade vocal dos participantes (análise acústica e por nece questionável a vantagem destes antitussígenos em
eletroglotografia) e constataram melhora significativa de relação ao placebo e têm se sucedido os relatos de efeitos
ambas somente no grupo submetido à terapia colaterais graves. Portanto, é desejável que as associações
fonoaudiológica (48). brasileiras de especialidades médicas e a Agência Nacio-
nal de Vigilância Sanitária, embasadas na literatura cientí-
M URRY e cols. (2010) (47) avaliaram a sensibilida- fica, orientem os profissionais de saúde e o público leigo
de da mucosa laríngea em 16 adultos com tosse crônica, e atuem junto aos fabricantes de antitussígenos para

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impedir o uso indiscriminado desses produtos e prevenir 3. Schaefer MK, Shehab N, Cohen AL, Budnitz DS. Adverse
intoxicações. Nesse sentido, é conveniente padronizar no events from cough and cough medications in children.
País as embalagens de antitussígenos para uso pediátrico, Pediatrics. 2008, 121:783-7.
tornando obrigatórios o frasco à prova de abertura pela
criança e o copinho dosador. 4. Smith SM, Schroeder K, Fahey T. Over-the-counter
medications for acute cough in children and adults in
Apesar dos inúmeros experimentos de ambulatory settings. Cochrane Database Syst Rev. 2008:
neurofarmacologia da tosse ao nível celular e molecular (1):CD001831.
feitos nos últimos anos, a pesquisa clínica de novos
antitussígenos mais eficazes e seguros tem sido 5. Shefrin AE, Goldman RD. Use of over-the-counter cough
decepcionante. Os bons resultados obtidos no controle da and cold medications in children. Can Family Phys 2009;
tosse nos modelos experimentais nem sempre são repro- 55: 1081-3.
duzidos em humanos, e a inovação mais recente incorpo-
rada à prática clínica continua sendo a levodropropizina, 6. Boehringer Ingelheim. Retirada do mercado do Cloridrato
lançada na década de 1980. de Clobutinol (Silomat® e Silomat® Plus). [2007] Encontrado
em URL: http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/
São necessários mais estudos clínicos duplo-cegos 96a21d804237610cbd70fd01cce3dc94Carta+da+
randomizados sobre o benefício do mel de abelha e de empresa+Boehringer+Ingelheim+sobre+a+retirada+do+
outros demulcentes no tratamento da tosse seca. Da mercado+dos+ medicamentos+Silomat%C2%AE+
mesma forma, pesquisas que mostram o impacto positivo e+Silomat%C2%AE+Plus_.pdf?MOD=AJPERES.
da terapia fonoaudiológica em casos de tosse crônica
refratária ao tratamento farmacológico encorajam a reali- 7. Reis AMM, Figueras A. Analysis of the evidence of efficacy
zação de protocolos de avaliação laríngea pelo otorrino e and safety of over-the-counter cough medications registered
fonoaudióloga. Isto confirma a necessidade de atendi- in Brazil. Braz J Pharm Sci. 2010, 46:135-45.
mento multidisciplinar e multiprofissional aos casos de
tosse crônica para assegurar melhor qualidade de vida aos 8. Gupta D, Verma S, Vishwakarma SK. Anatomic basis of
pacientes. Arnold´s ear-cough reflex. Surg Radiol Anat. 1986, 8: 217-
20.

COMENTÁRIOS FINAIS 9. Tekdemir I, Aslan A, Elhan A. A clinico-anatomic study of


the auricular branch of the vagus nerve and Arnold´s ear-
Não há evidências de que antitussígenos isentos de cough reflex. Surg Radiol Anat. 1998, 20:253-7.
prescrição médica tenham eficácia superior à do placebo
para o alívio da tosse. Também não está comprovada a 10. Undem BJ, Carr MJ. Targeting primary afferent nerves
eficácia da guaifenesina, das metilxantinas, do montelucaste for novel antitussive therapy. Chest. 2010, 137:177-84.
e dos anti-histamínicos para o tratamento da tosse em
crianças. 11. Kollarik M, Ru F, Undem BJ. Acid-sensitive vagal sensory
pathways and cough. Pulm Pharmacol Ther. 2007, 20:402-
A terapia fonoaudiológica pode beneficiar pacien- 11.
tes com tosse crônica refratária ao tratamento farmacológico.
12. Hamamoto T, Takumida M, Hirakawa K, Takeno S,
Tatsukawa T. Localization of transient receptor channel
AGRADECIMENTOS vanilloid subfamilies in the mouse larynx. Acta Otolaryngol.
2008, 128:685-93.
A autora agradece às Sras. Márcia Arruda e Marinalva
Aragão pelo auxílio valioso com a bibliografia. 13. Geppetti P, Pattachine R, Nassini R, Materazzi S. Cough:
the emerging role of tge TRPA-1 channel. Lung. 2010,
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