ASMA e DPOC PIESS
ASMA e DPOC PIESS
ASMA e DPOC PIESS
Aspectos-chave
► A asma é uma doença heterogênea, apresenta-se em diversos
subtipos e é caracterizada por hiper-responsividade e inflamação das
vias aéreas.
► O diagnóstico de asma deve ser considerado em todas as faixas
etárias, quando ocorrer: episódios variáveis e recorrentes de
dispneia, sibilância e tosse, particularmente aos esforços, à noite e
pela manhã, ao acordar.
► Recomenda-se realizar e registrar uma anamnese estruturada quando
se suspeita de asma, buscando identificar a história familiar
(principalmente materna/paterna ou irmãos com asma), a presença
de fatores desencadeantes ou agravantes e monitorar os sintomas
durante o acompanhamento.
► O objetivo do acompanhamento de uma criança ou de um adulto com
asma é controlar os sintomas, manter a melhor função pulmonar
possível, prevenir as crises, monitorar os efeitos adversos dos
medicamentos e prevenir a morbimortalidade por asma.
► Ações educativas, consultas regulares e a utilização de um plano de
ação são consideradas medidas fundamentais no controle da asma,
que é considerada uma condição sensível à atenção primária à
saúde (APS) ou seja, sem necessidade de internação, se bem
controlada.
► Estimula-se um cuidado multiprofissional no controle da asma, assim
como a participação ativa da pessoa com asma na escolha de seu
plano terapêutico.
Caso clínico
Henrique, 4 anos, acordou à noite com tosse e com a respiração
mais rápida, “ofegante”, como relata Cristina, sua mãe. Quando
questionada, ela referiu que o menino já passou por essa situação
outras vezes e melhorou com o uso de um medicamento, em
aerossol, “que serve para dilatar os brônquios”. Ultimamente, ele
tem feito essa medicação mais ou menos quatro vezes por semana
e tem faltado à escolinha devido à tosse e à falta de ar e, muitas
vezes, não consegue acompanhar os amigos nas brincadeiras.
Cristina relata que faz a medicação inalatória sempre que percebe a
respiração rápida ou o chiado no peito, ou quando observa que a
tosse não cessa com um “xarope”. Costuma fazer um jato de 4/4 h e
não segue nenhum plano de ação escrito. Refere que sente medo
em usar o medicamento na dose prescrita, pois acha que o menino
pode “acabar viciando”, ou prejudicar o seu coração. Nega febre ou
outra sintomatologia. As vacinas estão em dia. Na história
pregressa, consta que o menino nasceu a termo, sem
intercorrências, foi amamentado por apenas 2 meses, apresentou
algumas alergias de pele quando bebê e infecções respiratórias
virais sem complicações. Nega internações prévias. Em relação à
história familiar, a mãe do menino teve asma na infância, e ambos,
pai e mãe, são fumantes. No exame físico, a criança apresenta-se
ativa, eupneica, com tosse seca eventual e discreta sibilância
durante a ausculta pulmonar forçando a expiração. Ao solicitar que a
mãe mostre como realiza a técnica inalatória, observa-se que agita
o frasco, usa um espaçador, inclina um pouco a cabeça do menino
para cima e aciona o jato durante uma inspiração lenta e profunda.
Do que se trata
A asma é uma doença heterogênea caracterizada por hiper-responsividade e
inflamação das vias aéreas. Nos seus diversos subtipos, ocorrem sintomas
respiratórios variáveis, ao longo do tempo e de intensidade, e uma limitação,
também variável, do fluxo aéreo expiratório, que podem ser revertidos
espontaneamente ou com tratamento.1,2
É considerada uma das enfermidades mais antigas da humanidade3 e que,
apesar da atual existência de recursos terapêuticos efetivos, ainda carrega um
estigma de doença grave, intratável e geradora de sofrimento.A prevalência
média brasileira de asma é alta, em torno de 24% entre escolares e 19% entre
adolescentes,4 e encontra-se entre os 20 principais motivos de consulta na
APS.5,6 No Brasil, consiste em uma das principais causas de internação
hospitalar no Sistema Único de Saúde (SUS),7 apesar de ser considerada uma
condição sensível à APS, ou seja, uma condição em que a atenção primária
efetiva e a tempo pode evitar idas a emergência e internações.8,9 A taxa de
mortalidade no país, entre 1998 e 2007, foi de 1,52/100.000 habitantes, com
estabilidade na tendência temporal desse período.7
O diagnóstico de asma deverá ser considerado em todas as faixas etárias na
presença de episódios recorrentes de dispneia, sibilância, opressão no peito e/ou
tosse, particularmente à noite e pela manhã, ao acordar. Os indicativos clínicos
de asma estão descritos no Quadro 151.1. Testes adicionais procuram
demonstrar a obstrução variável do fluxo aéreo ou a presença de inflamação e
auxiliam no diagnóstico de asma. No entanto, o valor preditivo muitas vezes
pobre desses testes objetivos faz sua interpretação ser sempre realizada junto
com a clínica.1,2
O que fazer
Anamnese
Recomenda-se realizar uma anamnese estruturada/dirigida quando se suspeita de
asma, buscando identificar os sintomas, a história familiar e a presença de
fatores desencadeantes ou agravantes (ver Quadro 151.1). É importante
identificar também a idade do aparecimento dos sintomas, a sua frequência e a
intensidade, a data da última crise, a necessidade de atendimentos de
emergência, internações, internações em unidades de terapia intensiva (UTI) e a
presença de comorbidades.1,2,7
Diante de pessoas que apresentam tosse como único sintoma se deve pensar
em asma, mas também na possibilidade de outras patologias, tais como:
síndrome da tosse crônica de vias aéreas superiores (VAS) (gotejamento pós-
nasal), RGE, disfunção de cordas vocais, bronquite eosinofílica. A identificação
da variabilidade da função pulmonar é importante para fazer o diagnóstico de
asma, mas também a falta de variabilidade no momento do teste não exclui o
diagnóstico.2
Se os sintomas iniciaram na vida adulta (ou se desapareceram na infância e
retornaram na vida adulta),1 deve-se excluir asma ocupacional ou asma agravada
pelo trabalho, ou seja, situações em que a pessoa costuma relatar melhora
quando afastada do ambiente. O diagnóstico de asma ocupacional deverá ser
confirmado e, de preferência, com avaliação de um pneumologista. Nestes casos,
o afastamento da exposição deve ser realizado o mais rápido possível.2
No idoso, a asma pode ser subdiagnosticada devido a uma má percepção dos
sintomas ou a uma interpretação equivocada da dispneia como sendo despreparo
físico ou natural da idade. É importante também pensar, especialmente no idoso,
em IC.2
Asma e DPOC podem coexistir, ou sobrepor-se, particularmente em fumantes
e idosos. A história e o padrão dos sintomas, assim como registros passados
podem ajudar a distinguir asma de uma limitação de fluxo de ar mais fixa. A
incerteza deve resultar em encaminhamento precoce a um pneumologista. A
superposição DPOC e asma resulta em piores resultados.2
Exame físico
O exame físico de uma criança ou adulto com asma pode ser normal. No entanto,
uma sibilância à ausculta pulmonar é o achado mais frequente e, muitas vezes,
apenas audível durante a expiração forçada ou tosse, manobras que devem ser
realizadas sempre que possível.
Outros sinais de disfunção respiratória que podem estar presentes no exame
físico, especialmente em crises mais severas: taquipneia, uso da musculatura
acessória, tiragem intercostal e supraclavicular, batimentos de asas do nariz,
diminuição da intensidade dos sibilos, cianose e alteração no nível de
consciência.1,2,7
Exames complementares
O diagnóstico de asma é fundamentalmente clínico (Quadro 151.1) e pode ser
feito sem o auxílio de exames complementares. Exames adicionais são
recomendados, em especial quando os achados clínicos não são típicos, em casos
de sintomas compatíveis, mas isolados, ou quando não houve resposta
satisfatória após o tratamento, situações que, por si só, sugerem referenciamento
ao pneumologista. Pessoas acima de 5 anos de idade já são capazes de executar
as manobras expiratórias necessárias para a avaliação funcional, e, embora não
seja mandatório, consensos atuais recomendam a confirmação do diagnóstico e o
acompanhamento com essas medidas mais objetivas, sempre que possível.
Comparações entre esses exames adicionais quando realizados em diferentes
momentos (pessoa assintomática e sintomática) podem ser úteis para detectar a
variação ao longo do tempo.1,2
As provas funcionais mais utilizadas são as seguintes:
Espirometria. Considera-se o exame complementar preferencial, tanto para
diagnóstico quanto para documentar a gravidade da obstrução e monitorar o
curso da doença e resposta ao tratamento.7 É realizado medindo o volume
expiratório forçado no primeiro segundo a partir de uma inspiração máxima
(VEF1) e observando sua relação com a capacidade vital forçada (CVF), que
corresponde ao volume total de ar expirado o mais rápido possível em uma
expiração única, partindo da capacidade pulmonar total (CPT). Os resultados
compatíveis com o diagnóstico de asma são: VEF1, 80% do previsto e relação
VEF1/CVF inferior a 86% em crianças e inferior a 75% em adultos; aumento de
7% da VEF1 em relação ao valor previsto e 200 mL em valor absoluto, após
inalação de agonista β2 adrenérgico de curta duração – confirma o diagnóstico,
uma vez que se observa melhora da obstrução com o uso de broncodilatador, ou
seja, demonstra a reversibilidade característica; e aumento espontâneo do VEF1,
no decorrer do tempo ou após uso de corticosteroides (30-40 mg/dia, VO, por 2
semanas), de 20%, excedendo 250 mL.10 A espirometria obstrutiva com
reversibilidade broncodilatadora positiva aumenta a probabilidade de asma. A
espirometria normal em um paciente assintomático não exclui o diagnóstico de
asma.1
Medida do pico de fluxo expiratório (PFE). O PFE corresponde ao fluxo
máximo que pode ser gerado durante a manobra expiratória forçada após
inspiração máxima. Utiliza-se um medidor portátil. É mais utilizado na avaliação
da gravidade da crise e no acompanhamento pós-tratamento; no entanto, auxilia
no diagnóstico de asma quando ocorre um aumento de pelo menos 15% no PFE
após inalação de um broncodilatador ou um curso oral de corticoide ou, ainda,
quando a variação diurna do PFE é maior do que 20% (diferença entre a maior e
a menor medida do período), considerando medidas feitas pela manhã e à tarde,
ao longo de um período de 2 a 3 semanas.10 Vale lembrar que a medida do PFE
avalia grandes vias aéreas, é esforço-dependente, produz medidas de má
qualidade e seus valores variam entre os diversos aparelhos.7
Teste para detectar inflamação eosinofílica. Teste capaz de medir a fração
de óxido nítrico exalado (FeNO). Se disponível, e positivo, pode auxiliar no
diagnóstico de asma. Se negativo, não exclui asma.2
Testes cutâneos para alérgenos comuns e dosagem de imunoglobulina E
(IgE). A sensibilização alérgica pode ser confirmada por meio de provas in vivo
(testes cutâneos) ou in vitro (determinação de concentração sanguínea de IgE
específica). Testes cutâneos devem ser realizados utilizando-se extratos
biologicamente padronizados (a técnica mais utilizada é a de puntura). Em nosso
meio, predomina a sensibilização a antígenos inaláveis, sendo os mais frequentes
os ácaros. Outros alérgenos inaláveis (pólen, baratas, epitélio de gatos e cães)
também são importantes, mas sensibilizam um número menor de pessoas.
Alimentos raramente induzem asma. Poluentes ambientais ou ocupacionais são
desencadeantes e/ou agravantes de asma. A determinação de IgE sérica
específica confirma e complementa os resultados dos testes cutâneos.10
Testes adicionais podem ser realizados em indivíduos sintomáticos, que
apresentem espirometria normal e ausência de reversibilidade demonstrável com
o uso de broncodilatador, como o teste de provocação com broncoconstritores
(metilcolina, histamina, carbacol), ou de provocação com o exercício
demonstrando a hiper-responsividade brônquica, tendo queda acima de 10 a 15%
do VEF1. A radiografia torácica pode ser utilizada quando houver necessidade
de excluir outros diagnósticos, como malformações congênitas na infância ou IC
em adultos.10
Conduta proposta
Antes de prescrever medicamentos ou orientar sobre as medidas não
farmacológicas, é importante identificar como o adulto, o adolescente ou a
criança e seu familiar percebem a doença, quais as suas expectativas em relação
ao tratamento e estimulá-los para que participem ativamente da conduta
proposta.2 Não seria possível corresponsabilidade sem promover o conhecimento
da fisiopatologia básica, de como agem os principais medicamentos ou da
técnica inalatória adequada, aspectos que serão descritos adiante no item
Atividades preventivas e de educação. Existem fortes evidências de que todas as
pessoas com asma (ou seus pais/cuidadores) devem receber orientações para o
automanejo, um plano de ação escrito e acompanhamento regular.1
Entre os objetivos do tratamento e o acompanhamento de uma
criança/adolescente ou de um adulto com asma, encontram-se:2,7
Tratamento farmacológico
O objetivo do tratamento farmacológico é manter o controle da asma por
períodos prolongados, diminuir a variabilidade da doença, considerando
obviamente os riscos e benefícios da utilização dos medicamentos. É importante
verificar questões práticas, como técnica inalatória, adesão, possibilidade de
acesso aos medicamentos e custo, e estimular para que a pessoa participe sempre
das decisões sobre o tratamento instituído.2
Os medicamentos mais utilizados para o tratamento da asma podem ser
classificados em: medicamentos de crise (ou de alívio/resgate), utilizados na
presença de sintomas, atuando de forma rápida na broncoconstrição; e
medicamentos controladores, que são utilizados para o tratamento de
manutenção regular. Estes últimos reduzem a inflamação das vias aéreas,
controlam os sintomas e reduzem riscos futuros, tais como crises e diminuição
da função pulmonar.2
Os agonistas β2-adrenérgicos de curta ação são os fármacos escolhidos no
tratamento da broncoconstrição (na presença de sintomas) e, também, para
utilização antes de exercícios naqueles com sintomas induzidos pelo exercício,
tanto em adultos como em crianças. Os corticoides inalatórios são os
medicamentos considerados mais efetivos para o tratamento de manutenção
(atuando na inflamação) em todas as faixas etárias.1,2
Recomenda-se iniciar o tratamento controlador o mais breve possível, após
diagnóstico de asma, lembrando que os critérios que levaram ao diagnóstico
devem ficar bem registrados. O uso de corticoide inalatório em baixa dose
resulta em uma melhor função pulmonar do que se os sintomas estão presentes
por 2 a 4 anos. As pessoas que experimentam crises severas e que não recebem
corticoide inalatório têm piores repercussões na função pulmonar futura e, na
asma ocupacional, a remoção e o tratamento controlador precoce também
aumentam a probabilidade de recuperação.2 Inicia-se o tratamento controlador
especialmente naqueles que apresentam sintomas mais de duas vezes no mês,
despertar noturno pelo menos uma vez por mês ou que apresente qualquer
sintoma ou tenha fator de risco para apresentar crises (necessidade de corticoide
oral no último ano, VEF1 baixa, necessidade de internação em UTI por asma).2
A Quadro 151.1 apresenta os passos/etapas a serem seguidos na busca do
controle da asma com o uso de medicamentos de primeira escolha, assim como a
necessidade de referenciamento a um pneumologista. Os medicamentos de
segunda escolha podem ser encontrados no especialista recomendado. Sugere-se
iniciar em um nível mais alto (p. ex., corticoide inalatório em dose média ou
alta) se a pessoa apresentar sintomas mais frequentes ou se estiver acordando
mais de uma vez por semana e especialmente se tiver algum fator de risco para
ter crise. O estado de controle da pessoa com asma (Quadro 151.2) determina a
escolha e as doses dos medicamentos a serem prescritos. É fundamental sempre
avaliar primeiro o uso correto dos medicamentos (adesão e técnica) e excluir
outros fatores de descontrole, antes de passar para a etapa seguinte.1,2 Em
adultos, recomenda-se associar um agonista β2-adrenérgico de longa ação antes
de aumentar a dose de corticoide inalatório.1,2 Após um período de 3 meses de
asma controlada, recomenda-se passar para o passo anterior. Durante a redução,
quando estiver sendo utilizada a associação de corticoide inalatório com agonista
β2-adrenérgico de longa ação, recomenda-se reduzir a dosagem de corticoide
inalatório e depois suspender o agonista β2-adrenérgico de longa ação, que
nunca deve ser usado como medicação única.2
Tratamento crianças < 6 Crianças < 6 Crianças < 6 Crianças < 6 Criança sendo
controlador anos: anos anos anos acompanhada
(primeira Tratamento Dose baixa de dobrar a “dose Continuar o por
escolha) de alívio corticoide baixa” de tratamento pneumologista
inalatório corticoide controlador e
(100 mcg/dia inalatório (200 referenciar ao
de mcg/dia de pneumologista
beclometasona beclometasona
ou fluticasona ou fluticasona
HFA) HFA)
Sintomas e
despertares
noturnos
Necessidade de
medicação para
alívio dos
sintomas mais do
que duas vezes na
semana
Limitação das
atividades
Fonte: Adaptado de Global Initiative for Asthma.2
Grupo Reações
medicamentoso Opções Dose adversas*
Forma
Idade Forma preferencial alternativa
No domicílio
É fundamental fornecer às pessoas com asma e/ou familiares orientações para o
automanejo e estimular a utilização de um plano de ação escrito.1,2 Tal plano
deve ser entregue à pessoa e ao familiar e ser revisado a cada consulta. A sua
utilização tem demonstrado bons resultados em adultos e crianças, sobretudo se
combinado com orientações educativas e consultas regulares. O automanejo
reduz idas a emergência, internações, consultas extras, além de diminuir
sintomas, faltas ao trabalho e resultar em melhor qualidade de vida.1
O serviço de APS, integrado com atenção secundária e terciária, realizou o
estudo de recepção de um plano de ação ilustrado (Figura 151.1), planejado a
partir das maiores dificuldades evidenciadas no automanejo da asma. Um
mesmo plano de ação, elaborado com a participação dos usuários e dos
profissionais de diferentes níveis de atenção, visa a reforçar orientações
consensuais, evitar cuidados fragmentados e estimular a sua utilização.18
Manejo da crise em APS
O algoritmo das Figuras 151.2 e 151.3 descrevem os passos para o tratamento
da crise de asma. Recomenda-se que o profissional saiba identificar e tenha o
registro das pessoas com maior risco diante da crise, ou seja, as pessoas que
apresentam:
Acompanhamento
O acompanhamento regular em um serviço de APS é reconhecido como um fator
de proteção à internação por asma, e é considerado importante1,2 não apenas para
reavaliação do tratamento, mas também devido à redução progressiva do
conhecimento e habilidade adquirida pelo asmático e sua família, refletindo a
necessidade de reforço educativo constante.19,20
As consultas subsequentes devem ser agendadas conforme a situação
individual e depende, por exemplo, do nível de controle, de sua resposta ao
tratamento e de sua vontade e capacidade de se engajar no autocuidado
utilizando um plano de ação.2 O protocolo internacional determina que, em
geral, a consulta seguinte à primeira visita pode acontecer após 1 a 3 meses, e as
subsequentes, a cada 3 a 12 meses se a evolução da pessoa assim o permitir. Na
gestação, recomenda-se revisar a cada 4 a 6 semanas. Preconiza-se um mínimo
de uma revisão anual.2
A necessidade de consulta extra, as idas à emergência ou a necessidade de
internação são indicativos de falha no tratamento. Para essas pessoas, uma
consulta de revisão deve ser agendada prontamente, de preferência na primeira
semana.1,2
Em todas as oportunidades, devem-se avaliar pessoas com asma em relação à
sua doença. Não só quando estão sintomáticos ou após uma crise recente, mas
também quando solicitam nova receita/ prescrição. O Quadro 151.5 descreve
os principais tópicos da avaliação da pessoa com asma.2
AOS, apneia obstrutiva do sono; RGE, refluxo gastresofágico; UTI, Unidade de Tratamento Intensivo;
VM, ventilação mecânica; VEF1, volume expiratório forçado no primeiro segundo.
Fonte: Global Initiative for Asthma.2
Quando referenciar
Existem critérios estabelecidos que indicam a necessidade de referenciamento a
um médico pneumologista, tais como: dúvidas quanto ao diagnóstico da doença;
necessidade de exames complementares sem acesso na APS; resposta pobre ao
tratamento inicial; sintomas presentes desde o nascimento ou afecções
pulmonares perinatais. Em crianças: suspeita de asma ocupacional, em adultos:
crise de asma severa com risco de vida; presença de entidades clínicas
complicando a asma; interesse da pessoa ou dos pais para confirmação
diagnóstica.1
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► CAPÍTULO 152
Aspectos-chave
► A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma doença muito
prevalente, subdiagnosticada, subtratada e pouco percebida.
► É uma doença multissistêmica e tratável. O tratamento é efetivo para
as manifestações respiratórias da DPOC.
► A DPOC deve ser suspeitada em qualquer indivíduo de 40 anos ou
mais com sintomas de tosse, expectoração, ou falta de ar, e história
de exposição a fatores de risco, particularmente o tabagismo.
► A tosse é o sintoma mais frequente, e a dispneia é o mais importante.
► A espirometria tem importância tanto para confirmar a impressão
diagnóstica como para avaliar a gravidade e auxiliar nos diagnósticos
diferenciais.
Caso clínico
Jaílson, 52 anos, trabalha na construção civil, é casado, morador da
periferia de São Paulo. Ele procura sua equipe de saúde da família
em sua Unidade Básica de Saúde (UBS) para uma consulta não
agendada em virtude de uma tosse produtiva que vem lhe
incomodando há mais de 2 meses. Atualmente, essa tosse se
acompanha de um chiado no peito, ocasional, além de um cansaço
que ele nunca teve antes. Na verdade, ele resolveu procurar a
unidade muito mais devido ao cansaço, que tem prejudicado seu
trabalho, do que devido à tosse, com a qual ele já aprendeu a
conviver. Ele relata que bebe um pouco nos finais de semana, mas
nunca foi alcoólatra, e que fuma desde os 17 anos, atualmente
quase dois maços por dia. Nunca teve problemas de saúde, exceto
pequenos traumas relacionados ao trabalho. Não tem história na
família de qualquer problema de saúde mais grave.
Do que se trata
A DPOC é uma doença respiratória comum que causa incapacidade substancial,
redução da qualidade de vida e risco aumentado de morte prematura. Há um
conjunto considerável de evidências mostrando que o tabagismo é o principal
fator de risco para essa doença, sendo responsável por mais de 90% dos casos.
Um achado fisiopatológico característico, presente em todos os estágios da
doença, é a inflamação pulmonar crônica, o que recentemente contribuiu para a
compreensão da DPOC como uma doença complexa, com manifestações
pulmonares e extrapulmonares e presença de inúmeras comorbidades, como
doença cardiovascular (DCV), câncer de pulmão, perda de massa muscular,
diabetes melito (DM) e depressão, o que possivelmente tenha impacto adicional
sobre a qualidade de vida, hospitalizações e redução da sobrevida.1
DPOC é um termo que abrange uma série de condições patológicas que têm
em comum a obstrução não totalmente reversível ao fluxo aéreo. O termo DPOC
engloba os conceitos de enfisema pulmonar e bronquite crônica, embora
enfisema se refira a uma alteração patológica da arquitetura do parênquima
pulmonar e bronquite crônica seja definida clinicamente. Além disso, alguns
indivíduos com asma podem, em longo prazo, desenvolver uma obstrução não
totalmente reversível ao fluxo aéreo, sendo, dessa forma, classificados como
portadores de DPOC. A Figura 152.1 ilustra, de forma esquemática, as relações
entre enfisema pulmonar, bronquite crônica, asma e DPOC.
▲ Figura 152.1
Relações entre enfisema pulmonar, bronquite crônica, asma e DPOC.
I 10,1
II 4,6
III 0,9
IV 0,2
Fonte: Menezes e colaboradores.8
≥ 60 anos 25,7
Fonte: Menezes e colaboradores.8
Variáveis 0 1 2 3
MRC (escala de 0 a 4) 0 ou 1 2 3 4
Quando pensar
O diagnóstico de DPOC deve ser sempre considerado em pessoas, sobretudo
com mais de 40 anos, que têm um fator de risco, principalmente o tabagismo, e
apresentem sintomas respiratórios crônicos, como dispneia aos esforços, tosse
crônica, produção regular de catarro e/ou crises de “bronquite” ou “chiado”
(Quadro 152.4). Esses indivíduos são candidatos a uma avaliação mais
minuciosa, inclusive com realização de espirometria.
Tosse crônica
► Presente de modo intermitente ou todos os dias. Presente, com frequência,
ao longo do dia; raramente, é apenas noturna. Pode preceder ou aparecer
simultaneamente à dispneia
Exacerbações agudas
► Episódios repetidos
Dispneia
► Progressiva (agrava-se com o passar do tempo)
► Persistente (presente todos os dias)
► Pior com exercício
O que fazer
A avaliação inicial de indivíduos com suspeita de DPOC na APS deve ser
eminentemente clínica, com a utilização da espirometria como ferramenta para
medir o grau de obstrução, avaliar o grau de reversibilidade e a progressão da
obstrução brônquica. A presença de obstrução ao fluxo de ar faz parte do
diagnóstico, de forma que a espirometria tem papel fundamental na confirmação
diagnóstica. Em todo o mundo, há uma grande discussão sobre qual é a melhor
maneira para se aprimorar o diagnóstico e, portanto, o tratamento de pessoas
com DPOC na APS: facilitar a referência para o especialista, facilitar o acesso à
espirometria ou instrumentalizar a unidade básica com um espirômetro,
treinando alguns profissionais da unidade para realizarem o exame. A alternativa
mais aceita é facilitar o acesso direto à espirometria solicitada pelo médico de
família e comunidade,23 embora o uso de espirômetros nas UBS possa ser uma
alternativa adequada.
Após a consideração do diagnóstico de DPOC, o médico de família deve fazer
a diferenciação com outras doenças que cursam com tosse e dispneia, em geral a
asma. Os principais diagnósticos diferenciais da DPOC são a asma, a
insuficiência cardíaca (IC), a TB, as bronquiectasias e o câncer de pulmão
(Quadro 152.5).
Bronquiectasias
Faixa etária variada; tosse com expectoração
purulenta diária, radiografia ou tomografia
torácica com dilatação brônquica. Pode
coexistir com DPOC
Outros: bronquiolite
obliterante, EP recorrente,
massas mediastinais e
hipofaríngeas e outras
obstruções de vias aéreas
(bócio), AOS, síndrome de
Löeffler, infecções virais e
bacterianas, fibrose cística,
aspergilose broncopulmonar
alérgica, RGE
DPOC, doença pulmonar obstrutiva crônica; EP, embolia pulmonar; AOS, apneia obstrutiva do sono;
RGE, refluxo gastresofágico.
Fonte: Price e colaboradores.24
I – leve VEF1/CVF < Neste estágio, o indivíduo pode não ter percebido
(GOLD 1) 0,70% que sua função pulmonar está comprometida
VEF1 ≥ 80%
do predito
Com ou sem
sintomas
crônicos
VEF1, volume expiratório forçado no primeiro segundo; CVF, capacidade vital forçada; DPOC, doença
pulmonar obstrutiva crônica.
Fonte: Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease.2
Anamnese
A história clínica deve ser detalhada e incluir, além da avaliação dos sintomas, a
história de vida do indivíduo, incluindo aspectos socioeconômicos, hábitos de
vida, aspectos ocupacionais e aspectos psicodinâmicos; o impacto da doença na
vida do indivíduo, incluindo limitação de atividades, faltas no trabalho e o
impacto econômico; efeito sobre a rotina familiar; presença de sintomas
depressivos e/ou ansiosos; disponibilidade de suporte social e familiar; padrão de
desenvolvimento dos sintomas; história familiar de DPOC ou outras doenças
respiratórias; avaliação da presença de comorbidades, como DCV, depressão,
anemia, neoplasias, osteoporose e problemas osteomusculares; história de
exacerbações e hospitalizações prévias; exposição a fatores de risco,
principalmente o tabagismo atual ou pregresso, o tabagismo passivo e/ou
exposição ocupacional, incluindo intensidade e duração; história pessoal de
asma, alergias, sinusopatia e outras doenças respiratórias; possibilidades para a
redução de fatores de risco e, por fim, a adequação do tratamento atual, a
percepção do indivíduo sobre sua doença e suas expectativas em relação ao
tratamento.
Os principais sintomas que sugerem limitação ao fluxo aéreo são o chiado, a
tosse e a produção de catarro. Tosse é o sintoma mais frequente, precedendo ou
aparecendo simultaneamente à dispneia na maioria dos casos (75%). É diária ou
intermitente e, geralmente, produtiva. A dispneia é o sintoma mais importante,
associando-se a incapacidade física, a piora da qualidade de vida e o pior
prognóstico. É insidiosa no início e progressiva. O chiado está frequentemente
presente, tendo sido relatado em 83% dos casos em algumas séries.
Exame físico
O exame físico de indivíduos com suspeita de DPOC deve procurar por sinais de
hiperinsuflação pulmonar (tórax em barril, hipersonoridade à percussão do tórax,
ausência de ictus, bulhas abafadas, excursão diafragmática reduzida), os quais
estão geralmente presentes na doença avançada, além de sinais de obstrução ao
fluxo aéreo (sibilos, expiração prolongada) e presença de secreção nas vias
aéreas (roncos). A oximetria de pulso, por ser de baixo custo, deve ser incluída
no exame físico da pessoa com DPOC. É importante também medir o peso e a
altura (IMC), bem como avaliar sinais de desnutrição e consumo muscular, que
comumente acompanham os casos de DPOC graves.
Avaliação de sinais de comorbidades associadas e de diagnósticos diferenciais
deve fazer parte do exame físico. Um dos exemplos típicos é o paciente com
suspeita de DPOC que tem, na verdade, IC isoladamente ou associada à DPOC.
Assim, a avaliação de sinais de IC, como estase jugular, hepatomegalia, sopros
cardíacos, desvio de ictus, crepitações pulmonares, edema de membros
inferiores, deve ser realizada cuidadosamente.
Do ponto de vista da avaliação formal dos valores diagnósticos de itens do
exame físico, apenas quatro deles têm valor diagnóstico independente para
DPOC: a presença de sibilos à ausculta pulmonar, o tempo expiratório forçado
aumentado (> 9 segundos), a descida da laringe (distância entre o topo da
cartilagem tireóidea e fúrcula esternal ≤ 4 cm) e a expiração prolongada.25
O sinal de Hoover refere-se à incursão paradoxal do gradeado costal inferior
durante a inspiração e pode ajudar no prognóstico. Esse sinal pode estar presente
em até 76% dos pacientes com DPOC grave e ser um marcador clínico útil de
obstrução severa de vias aéreas para auxiliar em situações de triagem e manejo
na emergência, além de um bom preditor de desfechos clínicos. É de fácil
observação e tem uma boa concordância interobservador.26 Há ainda o uso de
musculatura acessória e o pulso paradoxal, que podem ser úteis em situações de
exacerbação aguda.
Exames complementares
O principal exame complementar para o diagnóstico da DPOC e sua
classificação de gravidade é a espirometria. Exames de imagem, como
radiografia torácica ou tomografia de tórax, são usados para avaliar diagnósticos
diferenciais e comorbidades.
Espirométrico (funcional)
A espirometria é recomendada para todos os fumantes com mais de 40 a 45 anos
que apresentam falta de ar aos esforços, tosse persistente, chiado, produção de
catarro ou infecções respiratórias frequentes. É importante frisar que, embora a
espirometria seja o exame confirmatório de excelência para o diagnóstico de
DPOC e sua realização deva ser estimulada, em locais em que ela não esteja
disponível, o diagnóstico clínico é suficiente para o início do tratamento.
Os aspectos espirométricos principais na DPOC são o VEF1 e a CVF. A
limitação do fluxo aéreo é definida pela presença da relação VEF1/CVF < 0,7
após uso de broncodilatador pela maioria das diretrizes clínicas mundiais.
Portanto, esse achado é suficiente, do ponto de vista espirométrico, para o
diagnóstico de DPOC.
Há uma discussão, entretanto, sobre os parâmetros utilizados para o
diagnóstico de obstrução. Uma relação VEF1/CVF < 0,7 (GOLD e ATS) pode
levar a muitos resultados falso-positivos, uma vez que essa relação diminui com
a idade em indivíduos saudáveis não tabagistas, o que faz com que a taxa de
falso-positivos aumente depois dos 50 anos e fique muito alta após os 70 anos de
idade. Por outro lado, embora menos importante, o uso de uma relação fixa
como valor de corte pode subdiagnosticar pessoas mais jovens (aumentar a taxa
de falso-negativos), conforme ilustra a Figura 152.3.24
▲ Figura 152.3
Potencial de subdiagnóstico e sobrediagnóstico de doença pulmonar
obstrutiva crônica com o uso de uma relação fixa do volume expiratório
forçado no primeiro segundo e da capacidade vital forçada < 0,7.
Fonte: Price e colaboradores.24
Radiológico
A radiografia torácica frequentemente mostra hiperinsuflação pulmonar, mas tem
a função principal de afastar diagnósticos diferenciais e outras comorbidades,
como câncer de pulmão, bronquiectasias, IC, TB e doença intersticial pulmonar.
Radiografia torácica anual para rastrear câncer de pulmão ou avaliar a evolução
da DPOC não está indicada. Alguns estudos tem demonstrado benefício em
rastrear câncer de pulmão com tomografia de tórax de baixa dose anual em
populações selecionadas, porém isso ainda não é uma prática seguida
mundialmente.
Outros exames
Alguns exames, embora não sejam necessários para o diagnóstico de DPOC, são
importantes para avaliar suas comorbidades e complicações, devendo ser
solicitados conforme a suspeita clínica. O hemograma deve ser realizado para
afastar anemia e policitemia. O eletrocardiograma e o ecocardiograma podem ser
realizados em pessoas com sinais sugestivos de IC/ cor pulmonale ou que
apresentem sinais ou sintomas de outras DCVs. A oximetria de pulso de repouso
e aos esforços deve ser realizada para avaliar hipoxemia e necessidade de
oxigênio domiciliar, além da gasometria arterial (GA) para confirmação deste
quadro.
Conduta proposta
A abordagem de pessoas com DPOC na APS deve incluir pelo menos quatro
componentes: avaliação e monitoramento da doença, redução de fatores de risco,
manejo do indivíduo com DPOC estável e manejo das exacerbações agudas.
Os objetivos do acompanhamento e tratamento de pessoas com DPOC na APS
são:
● Aliviar os sintomas.
● Prevenir a progressão da doença.
● Melhorar a capacidade física (tolerância aos exercícios).
● Melhorar o estado geral de saúde e bem-estar.
● Prevenir e tratar complicações.
● Prevenir e tratar exacerbações agudas.
● Reduzir a mortalidade.
● Referenciar ao especialista quando necessário (função de filtro). Realizar a
prevenção quaternária (não referenciar ao especialista quando não
necessário, não expor a pessoa a intervenções diagnósticas e terapêuticas
desnecessárias e prevenir e minimizar os efeitos colaterais do tratamento).
▲ Figura 152.4
Etapas para o diagnóstico, a classificação de gravidade e o tratamento.
VEF1, volume expiratório forçado no primeiro segundo; CVF, capacidade vital forçada; DPOC,
doença pulmonar obstrutiva crônica; mMRC, medical research council modificado; CAT, teste de
avaliação da DPOC (em inglês, COPD assessment test).
Quadro 152.6 | Terapias efetivas disponíveis para indivíduos com doença
pulmonar obstrutiva crônica estável
Talvez
Melhoram a melhorem a
sobrevida sobrevida Melhoram os desfechos clínicos
▲ Figura 152.7
Algoritmo para manejo centrado na pessoa com doença pulmonar
obstrutiva crônica estável na APS.
SatO2, saturação de oxigênio; VEF1, volume expiratório forçado no primeiro segundo.
Fonte: Adaptada de Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease.2
▲ Figura 152.8
Fabricação de espaçadores com garrafas PET.
Tratamento farmacológico
Os principais objetivos do manejo farmacológico de pessoas com DPOC são a
redução na severidade dos sintomas e a prevenção das exacerbações. A terapia
broncodilatadora é central para o manejo da DPOC. Esse tratamento produz
pequenos aumentos da função pulmonar medida pela espirometria e uma
redução da hiperinsuflação dinâmica que leva à dispneia da DPOC. Indivíduos
com DPOC frequentemente procuram o médico de família e comunidade por
dispneia, e os broncodilatadores são o primeiro tratamento prescrito na maioria
das vezes. Inicialmente, os broncodilatadores de ação curta, como os β2-
agonistas salbutamol ou fenoterol, ou o anticolinérgico ipratrópio, podem ser
utilizados, mas em indivíduos com sintomas persistentes, os broncodilatadores
de longa duração produzem alívio mais uniforme e duradouro. Atualmente, há
duas classes de broncodilatadores de ação longa ação disponíveis – β2-agonistas
de longa ação (LABA, do inglês long-acting beta-agonists) – formoterol e
salmeterol – e os anticolinérgicos de longa ação, ou antagonistas muscarínicos
de longa ação (LAMA, do inglês long-acting muscarinic antagonists) –
tiotrópio. Ambas as classes de agentes, comparados com placebo, se mostraram
efetivas em aliviar os sintomas de portadores de DPOC. Embora as medicações
para DPOC (broncodilatadores) não se tenham mostrado efetivas em impedir o
declínio da função pulmonar em longo prazo ou reduzir a mortalidade, sua
efetividade para reduzir os sintomas, diminuir as exacerbações e melhorar a
qualidade de vida das pessoas justificam sua utilização no tratamento com
DPOC.
▲ Figura 152.9
Algoritmo para farmacoterapia inalatória na doença pulmonar obstrutiva
crônica.
* Primeira escolha de tratamento
** Caso persistir exacerbando após o tratamento de primeira escolha
*** Indicado em pacientes com DPOC e bronquite crônica
LABA: β2-agonista de longa duração; LAMA: anticolinérgico de longa duração; mMRC: escala de
dispneia do Medical Research Council modificada; CAT, teste de avaliação da DPOC; VEF1%,
VEF1 em % do predito; BD, broncodilatador; NAC, N-acetilcisteína.
Fonte: Fernandes e colaboradores.27
Intervenções específicas
Uso de mucolíticos
Alguns estudos sugerem que a N-acetilcisteína e a carbacisteína reduzem o
número de exacerbações agudas.
Oxigenoterapia domiciliar
Indicações:
Flebotomias (sangria)
Indicações:
Vacinação
Indicações:
Apoio psicossocial
● Educação, para otimizar a autonomia e o desempenho físico e social.
● Abordagem das exacerbações agudas.
Quando referenciar
A maior parte dos indivíduos com DPOC pode ser acompanhada exclusivamente
na APS, entretanto, existem situações que justificam uma avaliação do
pneumologista.28 Entre essas situações, destacam-se:
● Incerteza diagnóstica.
● DPOC em pessoas com menos de 40 anos.
● DPOC em pessoas que possuem um parente de primeiro grau com história
de deficiência de α1-antitripsina.
● DPOC grave.
● Exacerbações frequentes.
● Hemoptise.
● Dificuldade em controlar os sintomas.
● Necessidade de oxigenoterapia domiciliar.
● Necessidade de reabilitação pulmonar.
● Necessidade de cirurgia.
Essas indicações são diretrizes gerais e não devem ser tomadas como norma
absoluta a serem seguidas. Dependendo da experiência do médico de família e
comunidade que atende a pessoa na APS e da disponibilidade de equipamentos
locais para um manejo adequado, a necessidade de referenciamento ao
especialista deve ser individualizada, lembrando-se de que o vínculo com a APS
permanece.
Dicas
► Ao examinar indivíduos com suspeita de DPOC, deve-se
procurar por sinais de hiperinsuflação pulmonar – tórax em barril,
ausência de ictus, hiper-ressonância e redução da
movimentação diafragmática –, que estão geralmente presentes
na doença avançada. Embora o exame físico seja uma parte
essencial da avaliação, ele é pouco sensível para detectar
limitação ao fluxo aéreo.
► Anotar o peso e a altura. Avaliar sinais de desnutrição ou perda
muscular, que, em geral, acompanham os casos mais graves de
DPOC.
► Realizar uma radiografia torácica para excluir diagnósticos
diferenciais ou comorbidades, como câncer de pulmão, TB, IC,
bronquiectasias e doença pulmonar intersticial.
► Explicar que, para confirmar o diagnóstico, é preciso solicitar uma
espirometria, que é o padrão-ouro para diagnosticar e avaliar a
gravidade da DPOC. A espirometria deve ser considerada em
todas as pessoas com 40 anos ou mais, com história de
tabagismo (atual ou pregresso) que se queixam de falta de ar
aos esforços, tosse persistente e produção de catarro ou
infecções respiratórias frequentes.
► Encorajar fortemente a cessação do tabagismo em todas as
oportunidades.
► Lembrar-se de que a DPOC é uma doença suscetível de
tratamento. Ser positivo e incentivador.
► Aconselhar sobre modificações de estilo de vida, como dieta e
atividade física.
► A parceria com toda a equipe da APS deve ser encorajada, com
a utilização de todas as formas de intervenção possíveis
(consultas médicas, consultas de enfermagem, grupos, visitas
domiciliares). Essa parceria permitirá um melhor entrosamento
do paciente com a equipe, uma melhor avaliação da adesão, da
técnica inalatória, do comprometimento da qualidade de vida e
do grau de limitação, da resposta ao tratamento e das
comorbidades, sobretudo a depressão.
► Usar a escala de dispneia do Medical Research Council para
avaliar a falta de ar e o grau de incapacidade nas avaliações de
seguimento. Se não houver melhora, considerar não adesão,
uso inadequado dos dispositivos inalatórios, comorbidades
psiquiátricas e ajustar o regime de tratamento para fornecer um
melhor alívio dos sintomas.
► Considerar a referência ao especialista se não houver nenhum
progresso.
Rastreamento
Não há indicação de se realizar rastreamento com espirometria ou peak-flow de
obstrução ao fluxo aéreo em pessoas assintomáticas. A busca ativa de casos
sintomáticos por meio da utilização de questionários ou perguntas-chave pode
ser realizada na APS e é muitas vezes confundida com o rastreamento. Porém,
antes de qualquer busca ativa, é importante preparar a rede para receber as
possíveis demandas. Também não está indicada a realização de rastreamento de
DPOC em fumantes assintomáticos,29 como recomendado por algumas
sociedades de especialistas.
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