ASMA e DPOC PIESS

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► CAPÍTULO 151

Asma em crianças e adultos


Maria Lucia Medeiros Lenz
Elineide Gomes dos S. Camillo
Paulo Roberto Silva da Silva
Norma Vieira Pires

Aspectos-chave
► A asma é uma doença heterogênea, apresenta-se em diversos
subtipos e é caracterizada por hiper-responsividade e inflamação das
vias aéreas.
► O diagnóstico de asma deve ser considerado em todas as faixas
etárias, quando ocorrer: episódios variáveis e recorrentes de
dispneia, sibilância e tosse, particularmente aos esforços, à noite e
pela manhã, ao acordar.
► Recomenda-se realizar e registrar uma anamnese estruturada quando
se suspeita de asma, buscando identificar a história familiar
(principalmente materna/paterna ou irmãos com asma), a presença
de fatores desencadeantes ou agravantes e monitorar os sintomas
durante o acompanhamento.
► O objetivo do acompanhamento de uma criança ou de um adulto com
asma é controlar os sintomas, manter a melhor função pulmonar
possível, prevenir as crises, monitorar os efeitos adversos dos
medicamentos e prevenir a morbimortalidade por asma.
► Ações educativas, consultas regulares e a utilização de um plano de
ação são consideradas medidas fundamentais no controle da asma,
que é considerada uma condição sensível à atenção primária à
saúde (APS) ou seja, sem necessidade de internação, se bem
controlada.
► Estimula-se um cuidado multiprofissional no controle da asma, assim
como a participação ativa da pessoa com asma na escolha de seu
plano terapêutico.

Caso clínico
Henrique, 4 anos, acordou à noite com tosse e com a respiração
mais rápida, “ofegante”, como relata Cristina, sua mãe. Quando
questionada, ela referiu que o menino já passou por essa situação
outras vezes e melhorou com o uso de um medicamento, em
aerossol, “que serve para dilatar os brônquios”. Ultimamente, ele
tem feito essa medicação mais ou menos quatro vezes por semana
e tem faltado à escolinha devido à tosse e à falta de ar e, muitas
vezes, não consegue acompanhar os amigos nas brincadeiras.
Cristina relata que faz a medicação inalatória sempre que percebe a
respiração rápida ou o chiado no peito, ou quando observa que a
tosse não cessa com um “xarope”. Costuma fazer um jato de 4/4 h e
não segue nenhum plano de ação escrito. Refere que sente medo
em usar o medicamento na dose prescrita, pois acha que o menino
pode “acabar viciando”, ou prejudicar o seu coração. Nega febre ou
outra sintomatologia. As vacinas estão em dia. Na história
pregressa, consta que o menino nasceu a termo, sem
intercorrências, foi amamentado por apenas 2 meses, apresentou
algumas alergias de pele quando bebê e infecções respiratórias
virais sem complicações. Nega internações prévias. Em relação à
história familiar, a mãe do menino teve asma na infância, e ambos,
pai e mãe, são fumantes. No exame físico, a criança apresenta-se
ativa, eupneica, com tosse seca eventual e discreta sibilância
durante a ausculta pulmonar forçando a expiração. Ao solicitar que a
mãe mostre como realiza a técnica inalatória, observa-se que agita
o frasco, usa um espaçador, inclina um pouco a cabeça do menino
para cima e aciona o jato durante uma inspiração lenta e profunda.

Teste seu conhecimento


1. Que aspectos da história de Henrique fazem o médico pensar
em asma como diagnóstico?
a. Episódios recorrentes de tosse e taquipneia, principalmente
à noite
b. Boa resposta ao broncodilatador
c. História de atopia e familiar de asma
d. Todas as alternativas anteriores
2. Qual relato da mãe de Henrique indica asma fora de controle?
a. Pais fumantes
b. Tosse que não cessa com o uso do xarope
c. Ausência de febre durante manifestação de tosse e
dispneia
d. Despertar noturno pela asma, frequência da manifestação
dos sintomas e da necessidade do uso de broncodilatador
3. Na utilização do broncodilatador, o que precisa ser melhorado?
a. A técnica inalatória utilizada
b. O momento de iniciar o medicamento e a dose aplicada
c. O reconhecimento dos sintomas
d. O conhecimento sobre o mecanismo de ação do
medicamento
4. Que conduta farmacológica não estaria adequada para o
manejo dessa situação?
a. Prescrever corticoide inalatório com o objetivo de controlar
os sintomas
b. Ajustar a dose do broncodilatador e estimular a utilização
de um plano de ação escrito
c. Prescrever agonista β2-adrenérgico de longa ação
combinado com corticoide inalatório
d. Desestimular a utilização de medicação via oral para a
tosse
5. Qual é a ação educativa mais adequada para essa família?
a. Destacar a presença de inflamação, além do
broncoespasmo na manifestação da asma
b. Orientar sobre os benefícios, a segurança e os possíveis
efeitos adversos dos medicamentos
c. Desestimular o tabagismo na família – em todas as
consultas – oferecer suporte para a sua cessação e
identificar outros possíveis fatores desencadeantes e
agravantes
d. Todas as alternativas anteriores
Respostas: 1D, 2D, 3B, 4C, 5D

Do que se trata
A asma é uma doença heterogênea caracterizada por hiper-responsividade e
inflamação das vias aéreas. Nos seus diversos subtipos, ocorrem sintomas
respiratórios variáveis, ao longo do tempo e de intensidade, e uma limitação,
também variável, do fluxo aéreo expiratório, que podem ser revertidos
espontaneamente ou com tratamento.1,2
É considerada uma das enfermidades mais antigas da humanidade3 e que,
apesar da atual existência de recursos terapêuticos efetivos, ainda carrega um
estigma de doença grave, intratável e geradora de sofrimento.A prevalência
média brasileira de asma é alta, em torno de 24% entre escolares e 19% entre
adolescentes,4 e encontra-se entre os 20 principais motivos de consulta na
APS.5,6 No Brasil, consiste em uma das principais causas de internação
hospitalar no Sistema Único de Saúde (SUS),7 apesar de ser considerada uma
condição sensível à APS, ou seja, uma condição em que a atenção primária
efetiva e a tempo pode evitar idas a emergência e internações.8,9 A taxa de
mortalidade no país, entre 1998 e 2007, foi de 1,52/100.000 habitantes, com
estabilidade na tendência temporal desse período.7
O diagnóstico de asma deverá ser considerado em todas as faixas etárias na
presença de episódios recorrentes de dispneia, sibilância, opressão no peito e/ou
tosse, particularmente à noite e pela manhã, ao acordar. Os indicativos clínicos
de asma estão descritos no Quadro 151.1. Testes adicionais procuram
demonstrar a obstrução variável do fluxo aéreo ou a presença de inflamação e
auxiliam no diagnóstico de asma. No entanto, o valor preditivo muitas vezes
pobre desses testes objetivos faz sua interpretação ser sempre realizada junto
com a clínica.1,2

Quadro 151.1 | Indicativos clínicos de asma

► A presença de mais de um dos seguintes sintomas: “chiado”/sibilos, “falta de


ar”/dispneia, sensação de aperto no peito, tosse. De forma particular, esses
sintomas são episódicos, variáveis ao longo do tempo e em intensidade e
ocorrem mais frequentemente à noite ou no início da manhã
► Os sintomas podem ser desencadeados ou agravados por infecções virais
(resfriados), exercício físico, exposição a alérgenos (ácaros da poeira
doméstica, pólens, baratas), mudança de temperatura, riso, choro, emoção,
fumaça de cigarro, cheiros fortes, uso de medicamentos (AINEs,
betabloqueadores)
► Uma história pessoal de atopia (eczema ou rinite alérgica) ou história familiar
de asma ou de atopia
► Presença de sibilância confirmada pela ausculta de um profissional de
saúde. Os pais muitas vezes consideram “chiado” outros ruídos
respiratórios, tais como estridores e ruídos de transmissão
► A ausência de sinais e sintomas que sugerem diagnósticos alternativos
AINEs, anti-inflamatórios não esteroides.
Fonte: Healthcare Improvement Scotland1 e Global Initiative for Asthma.2

Alguns diagnósticos diferenciais, na suspeita de asma, devem ser sempre


considerados. Em crianças, os principais são: rinossinusite, fibrose cística,
doença pulmonar crônica da prematuridade, discinesia ciliar, malformações
congênitas, bronquiectasias, bronquiolite obliterante pós-infecciosa, discinesia
ciliar imunodeficiências, infecção bacteriana, aspiração recorrente, refluxo
gastresofágico (RGE), hiperventilação, crise de pânico, distúrbio na traqueia e
laringe, anomalias cardíacas, aspiração de corpo estranho, tuberculose. Em
adultos, deve-se excluir: síndrome da tosse crônica, respiração disfuncional,
síndrome do pânico, disfunção de cordas vocais, rinite, RGE, insuficiência
cardíaca (IC), fibrose cística, doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC),
bronquiectasias, inalação de corpo estranho, sarcoidose, doenças da circulação
pulmonar, câncer.1,7

O que fazer

Anamnese
Recomenda-se realizar uma anamnese estruturada/dirigida quando se suspeita de
asma, buscando identificar os sintomas, a história familiar e a presença de
fatores desencadeantes ou agravantes (ver Quadro 151.1). É importante
identificar também a idade do aparecimento dos sintomas, a sua frequência e a
intensidade, a data da última crise, a necessidade de atendimentos de
emergência, internações, internações em unidades de terapia intensiva (UTI) e a
presença de comorbidades.1,2,7
Diante de pessoas que apresentam tosse como único sintoma se deve pensar
em asma, mas também na possibilidade de outras patologias, tais como:
síndrome da tosse crônica de vias aéreas superiores (VAS) (gotejamento pós-
nasal), RGE, disfunção de cordas vocais, bronquite eosinofílica. A identificação
da variabilidade da função pulmonar é importante para fazer o diagnóstico de
asma, mas também a falta de variabilidade no momento do teste não exclui o
diagnóstico.2
Se os sintomas iniciaram na vida adulta (ou se desapareceram na infância e
retornaram na vida adulta),1 deve-se excluir asma ocupacional ou asma agravada
pelo trabalho, ou seja, situações em que a pessoa costuma relatar melhora
quando afastada do ambiente. O diagnóstico de asma ocupacional deverá ser
confirmado e, de preferência, com avaliação de um pneumologista. Nestes casos,
o afastamento da exposição deve ser realizado o mais rápido possível.2
No idoso, a asma pode ser subdiagnosticada devido a uma má percepção dos
sintomas ou a uma interpretação equivocada da dispneia como sendo despreparo
físico ou natural da idade. É importante também pensar, especialmente no idoso,
em IC.2
Asma e DPOC podem coexistir, ou sobrepor-se, particularmente em fumantes
e idosos. A história e o padrão dos sintomas, assim como registros passados
podem ajudar a distinguir asma de uma limitação de fluxo de ar mais fixa. A
incerteza deve resultar em encaminhamento precoce a um pneumologista. A
superposição DPOC e asma resulta em piores resultados.2

► Vale lembrar que os critérios que levaram ao diagnóstico de


asma em determinada pessoa devem ser bem registrados em
prontuário. Dessa forma, permite uma avaliação melhor do
tratamento instituído e um acompanhamento mais adequado.
Após ter iniciado o tratamento controlador, torna-se bem mais
difícil resgatar o diagnóstico de asma.2 Um sistema de registro
estruturado, nas consultas de pessoas com asma, é sempre
estimulado.1

Exame físico
O exame físico de uma criança ou adulto com asma pode ser normal. No entanto,
uma sibilância à ausculta pulmonar é o achado mais frequente e, muitas vezes,
apenas audível durante a expiração forçada ou tosse, manobras que devem ser
realizadas sempre que possível.
Outros sinais de disfunção respiratória que podem estar presentes no exame
físico, especialmente em crises mais severas: taquipneia, uso da musculatura
acessória, tiragem intercostal e supraclavicular, batimentos de asas do nariz,
diminuição da intensidade dos sibilos, cianose e alteração no nível de
consciência.1,2,7
Exames complementares
O diagnóstico de asma é fundamentalmente clínico (Quadro 151.1) e pode ser
feito sem o auxílio de exames complementares. Exames adicionais são
recomendados, em especial quando os achados clínicos não são típicos, em casos
de sintomas compatíveis, mas isolados, ou quando não houve resposta
satisfatória após o tratamento, situações que, por si só, sugerem referenciamento
ao pneumologista. Pessoas acima de 5 anos de idade já são capazes de executar
as manobras expiratórias necessárias para a avaliação funcional, e, embora não
seja mandatório, consensos atuais recomendam a confirmação do diagnóstico e o
acompanhamento com essas medidas mais objetivas, sempre que possível.
Comparações entre esses exames adicionais quando realizados em diferentes
momentos (pessoa assintomática e sintomática) podem ser úteis para detectar a
variação ao longo do tempo.1,2
As provas funcionais mais utilizadas são as seguintes:
Espirometria. Considera-se o exame complementar preferencial, tanto para
diagnóstico quanto para documentar a gravidade da obstrução e monitorar o
curso da doença e resposta ao tratamento.7 É realizado medindo o volume
expiratório forçado no primeiro segundo a partir de uma inspiração máxima
(VEF1) e observando sua relação com a capacidade vital forçada (CVF), que
corresponde ao volume total de ar expirado o mais rápido possível em uma
expiração única, partindo da capacidade pulmonar total (CPT). Os resultados
compatíveis com o diagnóstico de asma são: VEF1, 80% do previsto e relação
VEF1/CVF inferior a 86% em crianças e inferior a 75% em adultos; aumento de
7% da VEF1 em relação ao valor previsto e 200 mL em valor absoluto, após
inalação de agonista β2 adrenérgico de curta duração – confirma o diagnóstico,
uma vez que se observa melhora da obstrução com o uso de broncodilatador, ou
seja, demonstra a reversibilidade característica; e aumento espontâneo do VEF1,
no decorrer do tempo ou após uso de corticosteroides (30-40 mg/dia, VO, por 2
semanas), de 20%, excedendo 250 mL.10 A espirometria obstrutiva com
reversibilidade broncodilatadora positiva aumenta a probabilidade de asma. A
espirometria normal em um paciente assintomático não exclui o diagnóstico de
asma.1
Medida do pico de fluxo expiratório (PFE). O PFE corresponde ao fluxo
máximo que pode ser gerado durante a manobra expiratória forçada após
inspiração máxima. Utiliza-se um medidor portátil. É mais utilizado na avaliação
da gravidade da crise e no acompanhamento pós-tratamento; no entanto, auxilia
no diagnóstico de asma quando ocorre um aumento de pelo menos 15% no PFE
após inalação de um broncodilatador ou um curso oral de corticoide ou, ainda,
quando a variação diurna do PFE é maior do que 20% (diferença entre a maior e
a menor medida do período), considerando medidas feitas pela manhã e à tarde,
ao longo de um período de 2 a 3 semanas.10 Vale lembrar que a medida do PFE
avalia grandes vias aéreas, é esforço-dependente, produz medidas de má
qualidade e seus valores variam entre os diversos aparelhos.7
Teste para detectar inflamação eosinofílica. Teste capaz de medir a fração
de óxido nítrico exalado (FeNO). Se disponível, e positivo, pode auxiliar no
diagnóstico de asma. Se negativo, não exclui asma.2
Testes cutâneos para alérgenos comuns e dosagem de imunoglobulina E
(IgE). A sensibilização alérgica pode ser confirmada por meio de provas in vivo
(testes cutâneos) ou in vitro (determinação de concentração sanguínea de IgE
específica). Testes cutâneos devem ser realizados utilizando-se extratos
biologicamente padronizados (a técnica mais utilizada é a de puntura). Em nosso
meio, predomina a sensibilização a antígenos inaláveis, sendo os mais frequentes
os ácaros. Outros alérgenos inaláveis (pólen, baratas, epitélio de gatos e cães)
também são importantes, mas sensibilizam um número menor de pessoas.
Alimentos raramente induzem asma. Poluentes ambientais ou ocupacionais são
desencadeantes e/ou agravantes de asma. A determinação de IgE sérica
específica confirma e complementa os resultados dos testes cutâneos.10
Testes adicionais podem ser realizados em indivíduos sintomáticos, que
apresentem espirometria normal e ausência de reversibilidade demonstrável com
o uso de broncodilatador, como o teste de provocação com broncoconstritores
(metilcolina, histamina, carbacol), ou de provocação com o exercício
demonstrando a hiper-responsividade brônquica, tendo queda acima de 10 a 15%
do VEF1. A radiografia torácica pode ser utilizada quando houver necessidade
de excluir outros diagnósticos, como malformações congênitas na infância ou IC
em adultos.10

Conduta proposta
Antes de prescrever medicamentos ou orientar sobre as medidas não
farmacológicas, é importante identificar como o adulto, o adolescente ou a
criança e seu familiar percebem a doença, quais as suas expectativas em relação
ao tratamento e estimulá-los para que participem ativamente da conduta
proposta.2 Não seria possível corresponsabilidade sem promover o conhecimento
da fisiopatologia básica, de como agem os principais medicamentos ou da
técnica inalatória adequada, aspectos que serão descritos adiante no item
Atividades preventivas e de educação. Existem fortes evidências de que todas as
pessoas com asma (ou seus pais/cuidadores) devem receber orientações para o
automanejo, um plano de ação escrito e acompanhamento regular.1
Entre os objetivos do tratamento e o acompanhamento de uma
criança/adolescente ou de um adulto com asma, encontram-se:2,7

● Evitar sintomas incômodos durante o dia e à noite.


● Precisar de pouco, ou de nenhum, medicamento de alívio.
● Manter as atividades da vida diária (AVDs) normais, incluindo atividade
física.
● Manter função pulmonar normal ou o mais próximo possível do normal.
● Prevenir crises graves de asma.
● Minimizar os efeitos colaterais dos medicamentos.
● Prevenir mortalidade.

Em pessoas com alta probabilidade de asma,1 recomenda-se:

● Registrar os critérios diagnósticos e monitorá-los.


● Iniciar o tratamento com corticoide inalatório e reavaliar em 6 semanas.
● Avaliar o estado de controle, preferencialmente, utilizando um questionário
validado (Quadro 151.2) e, se possível, obter a medida objetiva da função
pulmonar (VEF1).
● Confirmar diagnóstico de asma, com a boa resposta ao tratamento inicial.
● Verificar sempre a adesão e a técnica.
● Considerar a necessidade de diagnósticos alternativos e testes
complementares, principalmente na ausência de boa resposta.

Tratamento farmacológico
O objetivo do tratamento farmacológico é manter o controle da asma por
períodos prolongados, diminuir a variabilidade da doença, considerando
obviamente os riscos e benefícios da utilização dos medicamentos. É importante
verificar questões práticas, como técnica inalatória, adesão, possibilidade de
acesso aos medicamentos e custo, e estimular para que a pessoa participe sempre
das decisões sobre o tratamento instituído.2
Os medicamentos mais utilizados para o tratamento da asma podem ser
classificados em: medicamentos de crise (ou de alívio/resgate), utilizados na
presença de sintomas, atuando de forma rápida na broncoconstrição; e
medicamentos controladores, que são utilizados para o tratamento de
manutenção regular. Estes últimos reduzem a inflamação das vias aéreas,
controlam os sintomas e reduzem riscos futuros, tais como crises e diminuição
da função pulmonar.2
Os agonistas β2-adrenérgicos de curta ação são os fármacos escolhidos no
tratamento da broncoconstrição (na presença de sintomas) e, também, para
utilização antes de exercícios naqueles com sintomas induzidos pelo exercício,
tanto em adultos como em crianças. Os corticoides inalatórios são os
medicamentos considerados mais efetivos para o tratamento de manutenção
(atuando na inflamação) em todas as faixas etárias.1,2
Recomenda-se iniciar o tratamento controlador o mais breve possível, após
diagnóstico de asma, lembrando que os critérios que levaram ao diagnóstico
devem ficar bem registrados. O uso de corticoide inalatório em baixa dose
resulta em uma melhor função pulmonar do que se os sintomas estão presentes
por 2 a 4 anos. As pessoas que experimentam crises severas e que não recebem
corticoide inalatório têm piores repercussões na função pulmonar futura e, na
asma ocupacional, a remoção e o tratamento controlador precoce também
aumentam a probabilidade de recuperação.2 Inicia-se o tratamento controlador
especialmente naqueles que apresentam sintomas mais de duas vezes no mês,
despertar noturno pelo menos uma vez por mês ou que apresente qualquer
sintoma ou tenha fator de risco para apresentar crises (necessidade de corticoide
oral no último ano, VEF1 baixa, necessidade de internação em UTI por asma).2
A Quadro 151.1 apresenta os passos/etapas a serem seguidos na busca do
controle da asma com o uso de medicamentos de primeira escolha, assim como a
necessidade de referenciamento a um pneumologista. Os medicamentos de
segunda escolha podem ser encontrados no especialista recomendado. Sugere-se
iniciar em um nível mais alto (p. ex., corticoide inalatório em dose média ou
alta) se a pessoa apresentar sintomas mais frequentes ou se estiver acordando
mais de uma vez por semana e especialmente se tiver algum fator de risco para
ter crise. O estado de controle da pessoa com asma (Quadro 151.2) determina a
escolha e as doses dos medicamentos a serem prescritos. É fundamental sempre
avaliar primeiro o uso correto dos medicamentos (adesão e técnica) e excluir
outros fatores de descontrole, antes de passar para a etapa seguinte.1,2 Em
adultos, recomenda-se associar um agonista β2-adrenérgico de longa ação antes
de aumentar a dose de corticoide inalatório.1,2 Após um período de 3 meses de
asma controlada, recomenda-se passar para o passo anterior. Durante a redução,
quando estiver sendo utilizada a associação de corticoide inalatório com agonista
β2-adrenérgico de longa ação, recomenda-se reduzir a dosagem de corticoide
inalatório e depois suspender o agonista β2-adrenérgico de longa ação, que
nunca deve ser usado como medicação única.2

Quadro 151.1 | Etapas para tratamento da asma

Passo 1 Passo 2 Passo 3 Passo 4 Passo 5

Tratamento crianças < 6 Crianças < 6 Crianças < 6 Crianças < 6 Criança sendo
controlador anos: anos anos anos acompanhada
(primeira Tratamento Dose baixa de dobrar a “dose Continuar o por
escolha) de alívio corticoide baixa” de tratamento pneumologista
inalatório corticoide controlador e
(100 mcg/dia inalatório (200 referenciar ao
de mcg/dia de pneumologista
beclometasona beclometasona
ou fluticasona ou fluticasona
HFA) HFA)

Crianças de Crianças de 6- Crianças de 6- Crianças de 6- Crianças de 6-


6-11 anos, 11 anos 11 anos 11 anos 11 anos
adolescentes Dose baixa de Dose média de Dose Continuar o
e adultos: corticoide corticoide média/alta de tratamento
Tratamento inalatório inalatório CI (média > controlador e
de alívio (50-100 (> 100-200 200- 400/alta referenciar ao
(considerar mcg/dia de mcg/dia de > 400 mgc/dia pneumologista
corticoide beclometasona beclometasona de
inalatório em HFA ou 100- HFA ou > 200- budesonida
dose baixa) 200 mcg/dia 500 mcg/dia DPI ou média
de fluticasona de fluticasona > 200 a
HFA) HFA) 500/alta > 500
mgc/dia de
fluticasona
HFA)
associado a
agonista β2-
adrenérgicos
de longa ação
(formoterol ou
salmeterol)

Adultos e Adultos e Adultos e Adultos e


adolescentes adolescentes adolescentes adolescentes
(12 anos ou (12 anos ou (12 anos ou (12 anos ou
mais) mais) mais) mais)
Dose baixa de Dose baixa de Dose média/ Continuar o
corticoide corticoide alta de tratamento
inalatório inalatório (200- corticoide controlador e
(100-200 400 mcg/dia inalatório referenciar ao
mcg/dia de de budesonida (média > pneumologista
beclometasona DPI ou 100- 800/alta > 800
HFA ou 100- 250 mcg/dia mgc/dia de
250 mcg/dia de fluticasona budesonida
de fluticasona HFA) DPI ou média
HFA) associada a > 250-500/
agonista β2- alta > 500 de
adrenérgicos fluticasona
de longa ação HFA)
(formoterol ou associado a
salmeterol) agonista β2-
adrenérgicos
de longa ação
(formoterol ou
salmeterol)

Tratamento Agonistas β2-adrenérgicos de curta ação quando necessário


de alívio
DPI, inalador pó seco; HFA, inalador pressurizado dosimetrado com propelente hidrofluoralcano.
Fonte: Adaptada de Global Initiative for Asthma.2

Quadro 151.2 | Classificação com base nos níveis de controle da pessoa


com asma
Critérios
apresentados Parcialmente
nas últimas 4 controlado
semanas Controlado Não controlado

Sintomas diurnos Nenhum dos 1-2 dos critérios 3-4 critérios


mais do que duas critérios
vezes na semana

Sintomas e
despertares
noturnos

Necessidade de
medicação para
alívio dos
sintomas mais do
que duas vezes na
semana

Limitação das
atividades
Fonte: Adaptado de Global Initiative for Asthma.2

A gravidade da asma pode ser avaliada retrospectivamente a partir do


tratamento necessário para o controle da doença. Asma leve é asma que pode ser
controlada no Passo 1 ou 2, e asma grave é a que requer o Passo 4 ou 5 para o
controle dos sintomas.2
As crises de asma induzidas pelo exercício ocorrem em 49% dos asmáticos e
em 40% das pessoas com rinite alérgica.10 Os sintomas iniciam geralmente de 5
a 10 minutos após a interrupção do exercício. O controle da asma subjacente é a
conduta ideal, o uso do corticoide inalatório regular costuma reduzir a magnitude
do broncoespasmo induzido pelo exercício em 50%. Deve-se orientar a inalação
do agonista β2-adrenérgico de curta ação de 15 a 30 minutos antes do exercício.
A duração do efeito protetor dessa medida é de 4 horas.1,2
Sendo o objetivo primordial do tratamento da asma o controle da doença, os
principais consensos enfatizam o manejo da asma conforme o seu nível de
controle, que pode ser dividido em: controlado, parcialmente controlado e não
controlado.1,2,7 O Quadro 151.2 apresenta a sua classificação.
Os medicamentos mais utilizados
A escolha de qualquer medicamento deve ser sempre baseada no equilíbrio entre
o benefício e o risco. A maioria das pessoas que usa medicamentos para o
tratamento da asma não experimenta efeitos colaterais. O risco de efeitos
secundários aumenta com doses mais elevadas dos medicamentos e, felizmente,
são poucas as pessoas que necessitam. Efeitos colaterais sistêmicos que podem
ser observados com corticoides inalatórios usados em longo prazo e em altas
doses incluem equimose, supressão da suprarrenal e outros, que podem aumentar
para além do risco habitual com a idade, apresentando osteoporose, catarata ou
glaucoma. Em nível local, os efeitos secundários dos corticoides inalatórios
incluem candidíase oral e disfonia.
Os pacientes apresentam maior risco de efeitos colaterais sistêmicos
utilizando corticoides inalatórios em doses mais elevadas e em formulações mais
potentes, e de efeitos secundários locais, com técnica inalatória incorreta.2
O Quadro 151.3 resume os aspectos mais relevantes de alguns dos principais
fármacos utilizados no tratamento da asma.

Método de administração dos medicamentos inalatórios


Os fármacos utilizados no tratamento da asma podem ser de uso oral, inalatório
ou injetável. A inalação é considerada a via preferencial para a aplicação de
antiasmáticos, tendo em vista o fato de que o fármaco, ao ser inalado, atua direto
na via aérea, reduzindo o tempo de início de sua ação. Devido, ainda, à fraca
absorção no nível da mucosa brônquica e às baixas doses utilizadas, sua maior
eficácia alia-se à menor incidência de efeitos adversos sistêmicos.16
Medicamentos inalatórios para o tratamento da asma estão disponíveis no
mercado em várias apresentações, incluindo soluções para nebulização e
dispositivos dosimétricos. Estes incluem os nebulímetros pressurizados (sprays)
e os inaladores de pó seco como uso de primeira linha no tratamento da asma,
dadas as vantagens sobre a nebulização no que se refere ao potencial para efeitos
adversos, facilidade de higienização e portabilidade, entre outros. A escolha do
inalador deve levar em conta a idade, a adaptação do paciente e os custos.2,14 O
Quadro 151.4 pode auxiliar na escolha do dispositivo inalatório.
Recomenda-se a administração de corticoide inalatório e broncodilatador de
curta ação utilizando nebulímetro pressurizado com espaçador, a fim de reduzir a
deposição oral e otimizar a inalação de partículas de tamanho adequado.14
Quadro 151.3 | Medicamentos mais frequentemente utilizados no tratamento da asma

Grupo Reações
medicamentoso Opções Dose adversas*

MEDICAMENTOS Agonistas β2- Sulfato de Exacerbação da As reações


UTILIZADOS NO adrenérgicos salbutamol asma ou adversas são dos
TRATAMENTO Agonistas β2- Início da ação: 5 episódios e idade
DA CRISE DE adrenérgicos de min agudos de dependentes:
ASMA curta duração Duração da sibilância na
> 10%: excitação
ação: 3-4 horas APS:2 taquicardia,
Crianças < 6 nervosismo,
Forma de anos: 200 mcg tremor, IVAS, rinit
apresentação: (2 jatos) com broncoespasmo,
Inalador espaçador a faringite,
pressurizado cada 20 min por exacerbação da
dosimetrado 1 hora (3 doses) asma
(spray) com
Crianças de 6- Usar com cautela
propelente HFA: em pessoas com
11 anos,
120 mcg/dose adolescentes e hipertireoidismo,
(equivalente a adultos: 400- DM glaucoma,
100 mcg/dose de 1.000 mcg (4 a hipocalemia e
salbutamol) 10 jatos) com doenças
espaçador a cardiovasculares
cada 20 min por (incluindo
1 hora (3 doses) insuficiência
coronariana,
hipertensão ou
arritmia)

Anticolinérgico Brometo de Algumas das


de curta duração ipratrópio reações adversas
Adicionar Início da ação: mais
brometo de 15 min frequentes:
ipratrópio por Duração: 2-5 > 10%: infecção d
nebulização para horas via aérea,
tratamento com bronquite e
agonista β2- Forma de sinusite
Crianças: 0,25
adrenérgico para apresentação: mg (= 250 mcg
pacientes com
Solução para ou 20 gotas) por
asma grave ou
nebulização 0,25 nebulização.
com risco de
vida, ou aqueles mg/mL Repetir a cada
com resposta Obs: 1 mL = 20 20 min por 1
inicial pobre à gotas hora se
terapia com necessário (3
agonista β2- doses)1
adrenérgicos1–** A dose de
ipratrópio deve
diminuir para 4-6
horas ou ser
descontinuada1
Adultos: 0,5 mg
(= 500 mcg ou
40 gotas) por
nebulização (4-6
horas).1

Corticoides Prednisona Exacerbação da As reações


sistêmicos Forma de asma na APS:11 adversas podem
apresentação: surgir após uso
Crianças < 12
comprimido (5 e prolongado e/ou
anos: 1-2
20 mg) com altas doses,
mg/kg/dia
destacando-se:
Duração: 18 a 36 durante 3-10
horas alteração no
dias (máximo:
metabolismo da
60 mg/dia)
glicose, retenção
Crianças > 12 de líquidos,
anos e adultos: osteoporose,
40-60 mg/dia ganho de peso,
durante 3-10 face arredondada
dias HAS e necrose
asséptica da
Fosfato sódico Exacerbação da cabeça do
de prednisolona asma ou fêmur.
Forma de episódiosagudos
apresentação: de sibilância na
APS**::
Solução oral
(equivalente a 3 Crianças < 5
mg anos: 1-2 mg/kg
prednisolona/mL) (máx. 20 mg/dia
para < 2 anos;
máx. 30 mg/dia
para 2-5 anos)
por 3-5 dias
Crianças 6-11
anos: 1-2
mg/kg/dia (máx
40 mg/dia) por
5-7dias
Criança > de 12
anos e adultos:
1 mg/kg/dia
(máx 50 mg/dia)
por 5-7 dias

Succinato sódico Criança e


de hidrocortisona adulto:1 4
mg/kg/dose

MEDICAMENTOS Corticoides Dipropionato de Inalador Algumas das


UTILIZADOS NO inalatórios: beclometasona pressurizado reações adversas
TRATAMENTO As doses devem Efeito dosimetrado mais frequentes
DE ser ajustadas terapêutico: 1-4 (spray) com desta
MANUTENÇÃO para a menor semanas propelente HFA2 associação:
possível, uma Crianças < 6 > 10%: cefaleia.
vez que a asma anos: < 10%:
esteja broncoespasmo;
100 mcg/dia
controlada. Uma
redução de 25 a Crianças de 6- agitação; urticária
50% em 11 anos: tosse;
intervalos de 3 Dose baixa: 50- angioedema;
meses é viável e 100 mcg/dia glaucoma;
segura para a candidíase oral (<
Dose média:
maioria dos 5%, reduzida pelo
>100-200
pacientes** uso do espaçado
mcg/dia
reabsorção óssea
Dose alta: > 200 (efeitos modestos
mcg/dia mas significativos
Crianças > 12 com doses de
anos e adultos: apenas 500
Dose baixa: mcg/dia);
100-200 mcg/dia supressão do eix
HHSR (risco
Dose média: >
significativo
200-400 mcg/dia
apenas se as
Dose alta: > 400 doses de
mcg/dia beclometasona
forem maiores do
que 1.500 mcg/di
em adultos ou 40
mcg/dia em
crianças);

Propionato de Inalador Algumas das


fluticasona pressurizado reações adversas
dosimetrado mais frequentes
(spray) com desta
propelente HFA2 associação:
Crianças < 6 Acima de 10%: d
anos: de cabeça,
100 mcg/dia infecção em via
aérea e irritação n
Crianças de 6- garganta
11 anos: Entre 3-10%:
Dose baixa: Febre,
100-200 mcg/dia náusea/vômito,
Dose média: > candidíase oral,
200-500 mcg/dia sinusite, rinite,
Dose alta: > 500 bronquite,
mcg/dia
Crianças > 12 pneumonia,
anos e adultos: infecção viral
Dose baixa:
100-250 mcg/dia
Dose média: >
250-500 mcg/dia
Dose alta: > 500
mcg/dia

Antileucotrienos Montelucaste Tratamento da Algumas reações


cisteínicos Profilaxia e asma:11 adversas relatada
tratamento Crianças ≥ 1 a entre 1-10%:
crônico da asma de cabeça, tosse
< 2 anos:
(aprovado pela rinite, laringite,
grânulos oral
FDA para idades faringite, sinusite,
4 mg (uma vez otite, congestão
≥ 12 meses e
ao dia, à noite) nasal, eczema,
adulto)
Duração: > 24 Criança ≥ 2 a < irritabilidade, febr
horas 6: grânulos, oral fadiga, urticária,
e comprimidos cefaleia, náusea,
mastigáveis, diarreia, dermatite
atópica,
4 mg (uma vez
gastrenterite,
ao dia, à noite)
varicela, infecção
Criança ≥ 6 viral, conjuntivite,
anos e miopia
adolescentes <
15 anos:
comprimidos
mastigáveis
5 mg (uma vez
ao dia, à noite)
Adolescentes >
15 anos e
Adulto:
10 mg (uma vez
ao dia, à noite)

Agonistas β2- Na associação


adrenérgicos de agonistas β2-
Agonistas β2- adrenérgicos de
adrenérgicos de longa duração
longa duração com corticoide
serão
sinalizados a
seguir apenas
as doses
máximas diária
dos fármacos,
considerando as
diversas
combinações de
doses de acordo
com a gravidade
da asma

MEDICAMENTOS Associações Xinafoato de Algumas das


UTILIZADOS NO com agonistas salmeterol + reações adversas
TRATAMENTO β2-adrenérgicos proprionato de mais frequentes
DE de longa fluticasona dessa
MANUTENÇÃO duração: associação:
Inalador ®
Agonista β2- Advair HFA ► Acima de 10%
adrenérgico de pressurizado dor de cabeça,
Crianças > 12
longa duração + dosimetrado infecção de via
anos e adultos:
corticoide (spray oral) com aéreas e
dose máxima:
inalatório propelente HFA faringite
fluticasona 230
Não usar essa mcg e ► 3-10%: tosse,
associação em Salmeterol 21 bronquite,
pacientes cuja a mcg por palpitação,
asma é inalação (4 insônia, vômito
adequadamente inalações por diarreia, tosse,
controlada com dia) 11 candidíase ora
baixa ou média ► < 1%: dor
dose de Inalador de pó Advair Diskus® abdominal,
corticoide seco hiperglicemia,
Criança: 4-11
inalatório.11 agitação,
anos:
FDA alerta para fluticasona 100 broncoespasm
risco de óbito em mcg + catarata,
utilizadores de salmeterol 50 dermatite de
β2-adrenérgicos mcg 2 vezes ao contato,
de longa duração exacerbação d
no tratamento da asma,
asma.11 dia (essa é a glaucoma,
Agências dose máxima)11 depressão
internacionais de Crianças > 12
farmacovigilância anos e adultos:
têm lançado dose máxima
repetidos alertas por inalação:
sobre o risco de fluticasona 500
aumento de mcg e
gravidade das salmeterol 50
crises em mcg (2
pacientes inalações por
tratados com
dia)11
agonistas β2-
adrenérgicos de Fumarato de Algumas das
Adultos: a dose
longa duração, formoterol + reações adversas
do formoterol é
especialmente budesonida mais frequentes
12 mcg 2 vezes
naqueles sem dessa
Cápsula ou pó ao dia (máximo
corticoide associação:
inalatório
inalatório: 48 mcg/dia)14
12 mcg/400 mcg ► Acima de 10%
associado14 Crianças: a
6 mcg/200 mcg dor de cabeça,
dose do
infecção
formoterol é de
respiratória e
6-12 mcg 2
vezes ao dia nasofaringite
para crianças e ► 1-10%: dor
adolescentes lombar,
(máximo 24 congestão
mcg)14 nasal, bronquit
sinusite,
Symbicort® candidíase ora
Crianças 5-11 infecção por
anos: dose influenza
máxima por ► < 1%:
inalação: hipocalemia,
Budesonida 80 insônia,
mcg mcg e catarata,
formoterol 4,5 taquicardia,
mcg (2 tremor, náusea
inalações/2 glaucoma,
vezes por dia)11 depressão
Crianças > 12
anos e
adolescentes:
dose máxima
por inalação:
budesonida
80mcg mcg e
formoterol 4,5
mcg (4
inalações por
dia)11
Adultos: dose
máxima por
inalação:
dudesonida 80-
160 mcg e
formoterol 4,5
mcg (4
inalações por
dia)11
*Neste Quadro, não foram relatadas todas as reações adversas descritas para esses fármacos, bem como todas as apres
Brasil. Se necessário, consultar referência complementar.
**Ver site de interesse no final do capítulo.
HFA, hidrofluoralcano; HHSR, hipotálamo-hipófise-suprarrenal; FDA, Food Drug Administration; IVAS, infecções em vias
diabetes melito; HAS, hipertensão arterial sistêmica; APS, atenção primária à saúde; VNI, ventilação não invasiva.
Fonte: Healthcare Improvement Scotland,1 Global Initiative for Asthma,2 UpToDate,11 Brasil,12 Brunton e colaboradores
System.15

Os aerossóis pressurizados (sprays) são os inaladores dosimetrados mais


usados. Eles contêm, na sua formulação, um propelente (HFA), conforme
resoluções do Protocolo de Montreal para redução de danos à camada de ozônio.
A utilização de inaladores HFA não descarta a necessidade de espaçadores,
especialmente quando são usadas doses médias e altas de corticosteroides.14

Quadro 151.4 | Indicação do dispositivo inalatório conforme a idade

Forma
Idade Forma preferencial alternativa

0-3 Nebulímetro pressurizado (aerossol/ spray) com Nebulização


anos espaçador e máscara facial (nariz e boca) com máscara
facial (nariz e
boca)
4-5 Nebulímetro pressurizado (aerossol/ spray) com Nebulização
anos espaçador (peça bucal) com peça bucal

>6 Inaladores de pó seco, nebulímetro pressurizado Nebulização


anos e (aerossol/ spray) com espaçador (peça bucal) ou com peça bucal
adultos nebulímetro que dispara com a inspiração
Fonte: Global Initiative for Asthma.17

Inaladores de pó são acionados pela inspiração forçada. Não são


recomendados para crianças menores de 6 anos, nem para casos com sinais de
insuficiência ventilatória aguda grave, pois exigem fluxo inspiratório mínimo
(geralmente acima de 60 L/min) para disparo do mecanismo e desagregação das
partículas do fármaco. Eles proporcionam semelhante deposição pulmonar em
relação aos aerossóis dosimetrados, quando esses são usados com espaçadores.14

Manejo da crise de asma


O manejo dos sintomas da asma deve ser contínuo, ou seja, iniciar no domicílio,
com a utilização de um plano de ação e, se necessário, seguir na unidades de
saúde, na emergência e na internação, conforme gravidade e resposta ao
tratamento inicial. Neste capítulo, será abordado o tratamento instituído no
domicílio e nas unidades de saúde de atenção primária.

No domicílio
É fundamental fornecer às pessoas com asma e/ou familiares orientações para o
automanejo e estimular a utilização de um plano de ação escrito.1,2 Tal plano
deve ser entregue à pessoa e ao familiar e ser revisado a cada consulta. A sua
utilização tem demonstrado bons resultados em adultos e crianças, sobretudo se
combinado com orientações educativas e consultas regulares. O automanejo
reduz idas a emergência, internações, consultas extras, além de diminuir
sintomas, faltas ao trabalho e resultar em melhor qualidade de vida.1
O serviço de APS, integrado com atenção secundária e terciária, realizou o
estudo de recepção de um plano de ação ilustrado (Figura 151.1), planejado a
partir das maiores dificuldades evidenciadas no automanejo da asma. Um
mesmo plano de ação, elaborado com a participação dos usuários e dos
profissionais de diferentes níveis de atenção, visa a reforçar orientações
consensuais, evitar cuidados fragmentados e estimular a sua utilização.18
Manejo da crise em APS
O algoritmo das Figuras 151.2 e 151.3 descrevem os passos para o tratamento
da crise de asma. Recomenda-se que o profissional saiba identificar e tenha o
registro das pessoas com maior risco diante da crise, ou seja, as pessoas que
apresentam:

● História prévia de asma quase fatal, com necessidade de ventilação


mecânica (VM), acidose respiratória ou internação em UTI.
● Visitas à emergência ou hospitalizações por asma nos últimos 12 meses.
● Não estar em uso de corticoide inalatório ou usando de forma irregular
(pobre adesão).
● Uso atual ou ter parado recentemente de usar corticoide sistêmico.
● Uso frequente de broncodilatador, especialmente se mais de 1 frasco/mês.
● Não utilização de um plano de ação escrito.
● História de doença psiquiátrica ou problema psicossocial.
● Alergia alimentar confirmada em pessoa com asma.

Acompanhamento
O acompanhamento regular em um serviço de APS é reconhecido como um fator
de proteção à internação por asma, e é considerado importante1,2 não apenas para
reavaliação do tratamento, mas também devido à redução progressiva do
conhecimento e habilidade adquirida pelo asmático e sua família, refletindo a
necessidade de reforço educativo constante.19,20
As consultas subsequentes devem ser agendadas conforme a situação
individual e depende, por exemplo, do nível de controle, de sua resposta ao
tratamento e de sua vontade e capacidade de se engajar no autocuidado
utilizando um plano de ação.2 O protocolo internacional determina que, em
geral, a consulta seguinte à primeira visita pode acontecer após 1 a 3 meses, e as
subsequentes, a cada 3 a 12 meses se a evolução da pessoa assim o permitir. Na
gestação, recomenda-se revisar a cada 4 a 6 semanas. Preconiza-se um mínimo
de uma revisão anual.2
A necessidade de consulta extra, as idas à emergência ou a necessidade de
internação são indicativos de falha no tratamento. Para essas pessoas, uma
consulta de revisão deve ser agendada prontamente, de preferência na primeira
semana.1,2
Em todas as oportunidades, devem-se avaliar pessoas com asma em relação à
sua doença. Não só quando estão sintomáticos ou após uma crise recente, mas
também quando solicitam nova receita/ prescrição. O Quadro 151.5 descreve
os principais tópicos da avaliação da pessoa com asma.2

Quadro 151.5 | Tópicos da avaliação de uma pessoa com asma

Avaliar a presença de sintomas e fatores de maior risco


► Avaliar o controle dos sintomas nas últimas 4 semanas (ver Quadro 151.3)
► Identificar fatores de maior risco, além da falta de controle, para resultados
ruins: não uso de corticoide inalatório, técnica incorreta, uso elevado de
agonista β2-adrenérgico de longa ação, VEF1 baixo (< 60% do predito),
problemas psicológicos ou socioeconômicos, exposição ao tabagismo ou
alérgenos, comorbidades (rinossinusite, obesidade, alergia alimentar
comprovada), eosinofilia e fração de óxido nítrico exalado (FeNO) elevada
em adultos alérgicos, gravidez, história de internação em UTI/VM, uma ou
mais crises graves nos últimos 12 meses
► Medir a função pulmonar antes de iniciar tratamento, 3 a 6 meses e depois,
periodicamente, pelo menos, 1 vez ao ano
Identificar dificuldades para o tratamento
► Revisar o tratamento que está sendo efetuado e questionar sobre os efeitos
colaterais
► Observar o paciente usando seu inalador, para verificar sua técnica
► Conversar de forma empática sobre adesão
► Verificar se o paciente está utilizando o seu plano de ação escrito para o
automanejo
► Questionar sobre os objetivos e atitudes do paciente para o tratamento da
asma
Identificar comorbidades que possam estar interferindo no controle da
asma
► Identificar rinite, rinossinusite, RGE, obesidade, AOS, depressão, ansiedade

AOS, apneia obstrutiva do sono; RGE, refluxo gastresofágico; UTI, Unidade de Tratamento Intensivo;
VM, ventilação mecânica; VEF1, volume expiratório forçado no primeiro segundo.
Fonte: Global Initiative for Asthma.2

O tabagismo é considerado o fator ambiental agravante da asma de maior


influência para crianças e adultos. Crianças que convivem com pais fumantes
apresentam mais infecções respiratórias, que se somam como desencadeantes de
sintomas. O tabaco, além de desencadear sintomas, acelera a perda da função
pulmonar e reduz a eficácia dos corticoides inalatórios e dos administrados por
via oral.1,2
▲ Figura 151.1
Exemplo de plano de ação a ser entregue às pessoas com asma após
ações educativas sobre o automanejo.
Fonte: Lenz e colaboradores.18
▲ Figura 151.2
Algoritmo do manejo da crise de asma na APS em crianças menores de
6 anos.
Fonte: Adaptada de Global Initiative for Asthma.2

Em relação à adesão, recomenda-se identificar as principais dificuldades e


evitar julgamentos.1 Entre as principais dificuldades, citam-se: orientação e uso
incorreto da técnica inalatória, interrupção precoce do medicamento justificada
pela ausência de sintomas, dificuldade de compreensão dos esquemas
terapêuticos, suspensão por efeitos indesejáveis, falha no reconhecimento dos
sintomas.7
Se o controle vem sendo mantido após 3 meses de tratamento, deve ser
considerada a redução de seus medicamentos ou das doses (25-50%) de acordo
com a etapa anterior, permanecendo em quantidade suficiente para se manter o
controle. Recomenda-se, além de programar um acompanhamento mais de perto,
escolher períodos mais apropriados para realizar essa redução, tais como:
ausência de infecção respiratória fora de períodos em que está viajando, não
estar gestando.
Recomenda-se considerar a suspensão do tratamento controlador só quando
houver ausência sintomas por 6 a 12 meses, considerando a presença ou não de
fatores de risco (ver Quadro 151.5), o fornecimento de um plano de ação e a
possibilidade de acompanhar o paciente de perto.2
▲ Figura 151.3
Algoritmo do manejo da crise de asma na APS em crianças com 6 anos
ou mais e em adultos.
Fonte: Adaptada de Global Initiative for Asthma.2

Quando referenciar
Existem critérios estabelecidos que indicam a necessidade de referenciamento a
um médico pneumologista, tais como: dúvidas quanto ao diagnóstico da doença;
necessidade de exames complementares sem acesso na APS; resposta pobre ao
tratamento inicial; sintomas presentes desde o nascimento ou afecções
pulmonares perinatais. Em crianças: suspeita de asma ocupacional, em adultos:
crise de asma severa com risco de vida; presença de entidades clínicas
complicando a asma; interesse da pessoa ou dos pais para confirmação
diagnóstica.1

Erros mais frequentemente cometidos


► Demora para iniciar o tratamento dos sintomas e baixa utilização
de um plano de ação escrito.
► Prescrição inadequada de broncodilatadores (subdoses e
intervalos longos) e não prescrição de corticoide inalatório, ou
seja, tratamento da broncoconstrição, e não da inflamação.
► Crença de que o corticoide na forma de suspensão oral acarreta
menos efeitos adversos do que o corticoide inalatório ou
broncodilatador (talvez por relação com o antigo xarope
amplamente usado para tosse e o mito de que a “bombinha” faz
mal para o coração e vicia).
► Diversidade nas condutas terapêuticas, aumentando a
insegurança das pessoas no automanejo.
► Não adesão ao tratamento de manutenção pela falta de
entendimento sobre o processo inflamatório.
► Técnica inalatória inadequada e não observada pelos
profissionais de saúde.
► Foco apenas nas medidas farmacológicas, não considerando as
experiências e as percepções sobre a asma do paciente.

Prognóstico e complicações possíveis


A asma se manifesta frequentemente antes do quinto ano de vida, período em
que o diagnóstico é mais difícil de ser realizado. O atraso no diagnóstico e o não
tratamento da inflamação podem influenciar na irreversibilidade da obstrução,
afetando a função pulmonar das pessoas com asma em longo prazo. O uso
precoce de corticoide inalatório resulta no melhor controle dos sintomas, atua na
preservação da função pulmonar e previne ou atenua o remodelamento das vias
aéreas.2,7
Lactentes e crianças pré-escolares com sibilância recorrente apresentam
evoluções variadas, que estão provavelmente vinculadas a diferentes
mecanismos imunopatológicos subjacentes.7
Alguns indicativos relacionam-se à persistência ou não dos sintomas: idade da
apresentação (quanto menor a criança, especialmente abaixo de 2 anos, melhor o
prognóstico em relação à persistência dos sintomas), presença de atopia (maior
risco para persistência), sexo (asma é mais frequente em meninos, mas persiste
mais em meninas), crises mais frequentes e severas em crianças (costumam
persistir na adolescência).1

Atividades preventivas e de educação


Entre as condutas preventivas para o controle da asma, destacam-se: estimular a
amamentação, pelo seu efeito protetor na saúde da criança em geral e potencial
efeito protetor no surgimento de sintomas; alertar os pais sobre os riscos do
tabagismo ativo e passivo, sobretudo em desencadear crises e dificultar o
controle da asma, e orientar sobre a redução de peso (alimentação adequada e
exercício) nas pessoas com asma com sobrepeso e obesas. A atividade física
deve ser encorajada a todas as pessoas com asma pelos benefícios gerais à
saúde.1,2
A educação em saúde, nos casos de asma, é considerada fundamental na
sustentação do tratamento, pois consiste em transmitir à pessoa e aos seus
familiares orientações de manejo adequado (medicamentos prescritos e seu uso
correto) e de reconhecimento das situações de controle e exacerbação da doença.
Descompensações menores podem ser contornadas em casa, evitando ausências
à escola, consultas na emergência e hospitalizações.1,2,7
Na prática, educação em asma é ainda um grande desafio. A alta demanda
ambulatorial e as condições socioeconômicas desfavorecidas da população
(especialmente escolaridade) aliadas à necessidade de muitas informações
dificultam o processo educacional. Recomenda-se a utilização de informações
claras e objetivas, repetidas por mais de um profissional, utilizando metáforas,
como: a asma é uma doença de dois lados. De um lado, tem a inflamação (a
causa do problema) e, de outro, a broncoconstrição (que provoca tosse, chiado,
falta de ar). Sendo dois lados, existem dois tipos de medicamentos, ou seja, dois
tipos de sprays. O medicamento da inflamação deve ser usado regularmente,
pois a inflamação é um processo longo, que custa a passar. Tratar a crise/os
sintomas é como apagar o fogo, mas a brasa (a inflamação) fica ali, pronta para
incendiar a qualquer momento.
Recomendam-se pontos-chave a serem incluídos nas atividades educativas:

● Explicação sobre um plano de ação escrito que contemple os sinais e


sintomas de descontrole, instruções sobre o que fazer e quando procurar
atendimento.
● Explicação sobre a asma ser uma doença inflamatória e existir uma
hipersensibilidade a desencadeantes distintos (infecção viral, tabaco, etc.).
● Orientação de que a asma pode ser controlada e que a presença de sintomas
requer revisão do tratamento.
● Orientação sobre as diferenças existentes entre os medicamentos de alívio
(broncodilatadores) e os medicamentos de manutenção/controle (anti-
inflamatórios).
● Orientação sobre os principais desencadeantes.
● Retirada de alérgenos, como estratégia, não é recomendada, por ser
dispendiosa e sem comprovação da sua efetividade. Alguns desencadeantes
comuns, como o ato de fazer exercício e o de rir, não devem ser evitados, e
outros, como infecções respiratórias virais e estresse, são difíceis de
evitar.2

Revisão da técnica inalatória


Técnica recomendada para utilização de inalador pressurizado dosimetrado
(spray) com espaçador:21

1. Agitar vigorosamente o frasco e retirar a tampa.


2. Acoplar o inalador pressurizado dosimetrado (spray) ao espaçador,
posicionando-o verticalmente (formando um “L”).
3. Expirar normalmente, colocando o máximo de ar para fora (não expirar
dentro do espaçador).
4. Colocar o bocal do espaçador na boca (entre os dentes), com os lábios
fechados ao seu redor (se crianças maiores de 5 anos ou adultos).
5. Ajustar o espaçador ao nariz/boca (máscara facial), se crianças menores
de 5 anos.
6. Pressionar o cilindro metálico (spray) com o indicador na parte de cima e
logo em seguida iniciar uma inspiração lenta e profunda.
7. Executar a manobra inspiratória (prender a respiração por no mínimo 10
segundos).
8. Esperar aproximadamente 30 segundos antes de repetir o procedimento
(quando for prescrito mais de um jato, significa que a técnica deverá ser
repetida novamente).
9. Após esse processo, é recomendável enxaguar a boca com água e
gargarejar para retirar a parcela do medicamento que ficou depositada na
cavidade oral.

Papel da equipe multiprofissional


A atenção centrada na consulta médica de curta duração não dá conta de prover
cuidados adequados às condições agudas e crônicas e não se mostra viável em
manejar as múltiplas condições de saúde de acordo com as evidências
disponíveis.22 Sendo assim, diferentes atores das equipes de saúde
multiprofissionais precisam questionar e discutir continuamente os seus papéis
na construção conjunta de estratégias que promovam um cuidado integral e
humanizado dos indivíduos com asma e de suas famílias.
No sentido de integrar a atenção e evitar cuidados fragmentados, Mendes cita
a estratégia de complementação, ou seja, que várias tarefas podem ser
desempenhadas, com vantagens, por outros profissionais integrados em uma
equipe de APS, retirando-as da responsabilidade de uma consulta médica de
curta duração. Vários estudos evidenciam resultados favoráveis da prática em
equipe, tanto na satisfação dos usuários e dos profissionais quanto na
qualificação profissional, na qualidade da atenção e no controle das condições
crônicas, como a asma.22
Sugestões para divisão de trabalho dos diferentes profissionais de uma equipe
de APS no cuidado compartilhado a pessoas com asma:23

● Cabe ao agente comunitário de saúde (ACS) estar atento às pessoas com


asma em seu território de atuação, especialmente àqueles que vêm
necessitando de consultas extras, de consultas em emergências ou
internações.
● Durante as visitas domiciliares, o ACS poderá identificar as dificuldades
relatadas para o tratamento, os sinais de que a doença não está controlada
(presença de sintomas e uso de broncodilatador frequentes) e orientar para
que consulte de forma sistemática conforme combinado com a equipe de
saúde.
● O técnico de enfermagem poderá, da mesma forma, estar atento às pessoas
com asma não controlada e orientar a técnica inalatória adequada, bem
como a higiene dos espaçadores.
● O médico de família e comunidade deverá identificar como o adulto, o
adolescente, a criança e sua família percebem a asma, deverá confirmar o
diagnóstico, avaliar o nível de controle, prescrever os medicamentos,
fornecer um plano de ação e explicar a fisiopatologia básica da doença.
● O enfermeiro ou farmacêutico são profissionais que possuem habilidades
para enfatizar às crianças e adultos com asma, e aos seus familiares, a
fisiopatologia básica da asma (broncoconstrição e inflamação), explicar a
diferença entre os medicamentos utilizados, trabalhar a adesão, observar e
treinar de forma eficaz a técnica inalatória. Na prática, observa-se a
importância de estimular as famílias a trazerem, em todas as consultas, os
medicamentos e os espaçadores em uso, ressaltando a importância do
espaçador para o melhor aproveitamento do medicamento e a redução de
efeitos adversos.24
● Outros profissionais da equipe de APS, como psicólogos, assistentes
sociais e odontólogos, podem ser necessários de acordo com cada situação
individual e recursos locais disponíveis. O processo saúde-doença é algo
complexo, e para a promoção de uma assistência mais qualificada e eficaz
no controle da asma, os diversos profissionais devem procurar atuar
sempre de forma integrada.24

REFERÊNCIAS
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clinical guideline [Internet]. London: BTS; 2016 [capturado em 15 jan. 2018]. Disponível em: https://w
ww.brit-thoracic.org.uk/document-library/clinical-information/asthma/btssign-asthma-guideline-2
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2. Global Initiative for Asthma. Global strategy for asthma management and prevention. [Internet]. Geneva:
GINA; 2017 [capturado em 15 jan. 2018]. Disponível em: http://ginasthma.org/2017-gina-report-glob
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8. Billings J, Anderson G, Newman L. Recent findings on preventable hospitalization. Health Aff. 1996;
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9. Casanova C, Starfield B. Hospitalization of children and access to primary care: a crossnational
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10. Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. IV Consenso Brasileiro no manejo da asma. Rio de
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11. UpToDate. Drug information 2017 [Internet]. Waltham: UpToDate; 2017 [capturado em 15 jan. 2018].
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13. Brunton L, Chabner B, Knollmann BC. Goodman & Gilman: manual de farmacologia e terapêutica.
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15. Drugdex System. Micromedex® solutions [Internet]. [local desconhecido]: Truven Health Analytics;
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18. Lenz MLM, Villela MPV, Silva PRS, Dubois F, Camillo E, Pires NBV. A ilustração como tecnologia de
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saúde da criança e adolescente com asma. Porto Alegre: GHC; 2015.
► CAPÍTULO 152

Doença pulmonar obstrutiva


crônica
Rodrigo Diaz Olmos
Gustavo Gusso

Aspectos-chave
► A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é uma doença muito
prevalente, subdiagnosticada, subtratada e pouco percebida.
► É uma doença multissistêmica e tratável. O tratamento é efetivo para
as manifestações respiratórias da DPOC.
► A DPOC deve ser suspeitada em qualquer indivíduo de 40 anos ou
mais com sintomas de tosse, expectoração, ou falta de ar, e história
de exposição a fatores de risco, particularmente o tabagismo.
► A tosse é o sintoma mais frequente, e a dispneia é o mais importante.
► A espirometria tem importância tanto para confirmar a impressão
diagnóstica como para avaliar a gravidade e auxiliar nos diagnósticos
diferenciais.
Caso clínico
Jaílson, 52 anos, trabalha na construção civil, é casado, morador da
periferia de São Paulo. Ele procura sua equipe de saúde da família
em sua Unidade Básica de Saúde (UBS) para uma consulta não
agendada em virtude de uma tosse produtiva que vem lhe
incomodando há mais de 2 meses. Atualmente, essa tosse se
acompanha de um chiado no peito, ocasional, além de um cansaço
que ele nunca teve antes. Na verdade, ele resolveu procurar a
unidade muito mais devido ao cansaço, que tem prejudicado seu
trabalho, do que devido à tosse, com a qual ele já aprendeu a
conviver. Ele relata que bebe um pouco nos finais de semana, mas
nunca foi alcoólatra, e que fuma desde os 17 anos, atualmente
quase dois maços por dia. Nunca teve problemas de saúde, exceto
pequenos traumas relacionados ao trabalho. Não tem história na
família de qualquer problema de saúde mais grave.

Teste seu conhecimento


1. Qual é o problema de saúde que o quadro de Jaílson não
sugere?
a. Insuficiência cardíaca
b. Tuberculose
c. DPOC
d. Sinusite
2. Qual dado clínico faz pensar em DPOC?
a. Morador da periferia
b. Trabalhador da construção civil
c. Etilismo social
d. Tosse crônica em tabagista
3. Qual é o principal exame complementar para a abordagem da
DPOC?
a. Espirometria
b. Radiografia torácica
c. Hemograma completo
d. Gasometria arterial
4. Qual é a abordagem diagnóstica mais custo-efetiva para
DPOC?
a. Radiografia torácica, espirometria e gasometria arterial
b. Exames laboratoriais, tomografia de tórax e espirometria
c. Radiografia torácica, espirometria e oximetria de pulso
d. Radiografia torácica, espirometria e teste de
broncoprovocação
5. Qual é a intervenção de saúde mais eficaz para Jaílson?
a. Broncodilatador de curta ação de demanda
b. Broncodilatador de longa ação
c. Cessação do tabagismo
d. Corticoide inalatório
Respostas: 1D, 2D, 3A, 4C, 5C

Do que se trata
A DPOC é uma doença respiratória comum que causa incapacidade substancial,
redução da qualidade de vida e risco aumentado de morte prematura. Há um
conjunto considerável de evidências mostrando que o tabagismo é o principal
fator de risco para essa doença, sendo responsável por mais de 90% dos casos.
Um achado fisiopatológico característico, presente em todos os estágios da
doença, é a inflamação pulmonar crônica, o que recentemente contribuiu para a
compreensão da DPOC como uma doença complexa, com manifestações
pulmonares e extrapulmonares e presença de inúmeras comorbidades, como
doença cardiovascular (DCV), câncer de pulmão, perda de massa muscular,
diabetes melito (DM) e depressão, o que possivelmente tenha impacto adicional
sobre a qualidade de vida, hospitalizações e redução da sobrevida.1
DPOC é um termo que abrange uma série de condições patológicas que têm
em comum a obstrução não totalmente reversível ao fluxo aéreo. O termo DPOC
engloba os conceitos de enfisema pulmonar e bronquite crônica, embora
enfisema se refira a uma alteração patológica da arquitetura do parênquima
pulmonar e bronquite crônica seja definida clinicamente. Além disso, alguns
indivíduos com asma podem, em longo prazo, desenvolver uma obstrução não
totalmente reversível ao fluxo aéreo, sendo, dessa forma, classificados como
portadores de DPOC. A Figura 152.1 ilustra, de forma esquemática, as relações
entre enfisema pulmonar, bronquite crônica, asma e DPOC.

▲ Figura 152.1
Relações entre enfisema pulmonar, bronquite crônica, asma e DPOC.

Existem diversos sistemas de classificação e definições, com algumas


variações, entretanto, talvez a definição mais utilizada seja a da Iniciativa Global
para a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (GOLD, do inglês Global initiative
for chronic obstructive lung disease), da Organização Mundial da Saúde
(OMS).2,3 A definição atual da GOLD 2017 foi simplificada, passou a incluir
especificamente sintomas persistentes e declara que “[...] a DPOC é uma doença
comum, passível de prevenção e tratamento, caracterizada por sintomas
respiratórios e limitação ao fluxo aéreo persistentes, decorrentes de
anormalidades das vias aéreas e/ou alveolares, em geral causada por exposição
significativa a partículas ou gases nocivos [...]”.2 A definição anterior enfatizava
o componente extrapulmonar (inflamação sistêmica) da DPOC, que se tem
mostrado importante do ponto de vista clínico, pois contribui para a gênese das
comorbidades e confere aos portadores de DPOC um maior risco de
morbimortalidade por outras causas.
Atualmente, a OMS4 estima que seja a terceira causa de morte no mundo. Em
países de baixa renda, a DPOC é a sexta causa de morte, nos de renda
intermediária, é a terceira causa; e nos países desenvolvidos, encontra-se na
quinta posição. No Brasil, a mortalidade por DPOC passou de 7,88/100.000
pessoas na década de 1980 para 19,04/100.000 na década de 1990, um aumento
de 340%.5 O aumento da mortalidade por DPOC observado nas últimas décadas
pode ser um artefato decorrente da melhora tanto no diagnóstico clínico como na
qualidade das estatísticas de saúde em todo o mundo. Por outro lado, a redução
de mortalidade por causas cardiovasculares, na maioria dos países a partir da
década de 1980, não apenas prolongou o tempo de vida, como também
aumentou o tempo de exposição ao tabaco, fazendo um aumento real na
incidência e uma maior demanda por assistência médica e hospitalizações por
DPOC serem possíveis.6 No Brasil, o primeiro estudo de prevalência de DPOC,
de base populacional, foi realizado em Pelotas (RS), no início da década de
1990, mostrando uma prevalência de 12,7% em adultos com mais de 40 anos.7
Mais recentemente, o estudo PLATINO (Projeto Latino-americano de
Investigação em Obstrução Pulmonar) mostrou uma prevalência geral de DPOC
de 15,8%, sendo 18% em homens e 14% em mulheres.8 Esse estudo encontrou
uma forte associação de DPOC com baixo nível socioeconômico, mesmo após
ajuste para tabagismo, ocupação e outros fatores de risco associados à DPOC.9
Do total de participantes com diagnóstico de DPOC no estudo, 87,5% não havia
sido diagnosticado. A Tabela 152.1 mostra as prevalências de DPOC de acordo
com os estágios de gravidade encontradas na grande São Paulo. As Tabelas
152.2 e 152.3 mostram, respectivamente, as prevalências de DPOC na grande
São Paulo, de acordo com a faixa etária e com o tempo de escolaridade.8

Tabela 152.1 | Prevalência de doença pulmonar obstrutiva crônica de


acordo com os estágios de gravidade

Estágio Prevalência (%)

I 10,1

II 4,6

III 0,9

IV 0,2
Fonte: Menezes e colaboradores.8

Tabela 152.2 | Prevalência de doença pulmonar obstrutiva crônica de


acordo com a faixa etária

Faixa etária Prevalência (%)

40-49 anos 8,4

50-59 anos 16,2

≥ 60 anos 25,7
Fonte: Menezes e colaboradores.8

Tabela 152.3 | Prevalência de doença pulmonar obstrutiva crônica de


acordo com o tempo de escolaridade

Anos de estudo Prevalência (%)

0-2 anos 22,1

3-4 anos 16,3

5-8 anos 14,4

> 9 anos 10,4


Fonte: Menezes e colaboradores.8

É importante ressaltar que a prevalência de DPOC encontrada na faixa etária


acima dos 60 anos (25,7%) na grande São Paulo pode estar superestimada, uma
vez que a utilização da relação fixa entre o volume expiratório forçado no
primeiro segundo e a capacidade vital forçada, VEF1/CVF < 0,70, podem
produzir resultados falso-positivos em idosos, como será discutido mais adiante.
A espirometria diagnóstica foi preditora da realização de espirometrias de
seguimento, que, por sua vez, foram preditoras de maior controle da pessoa com
DPOC, mais visitas com seu médico de família e comunidade e interconsultas
com pneumologista e um menor número de hospitalizações.10 Alguns estudos
relatam uma subutilização importante da espirometria na atenção primária à
saúde (APS) (< 35% dos indivíduos com diagnóstico de DPOC), a despeito das
recomendações. Também há evidências de que a instituição de avaliação
espirométrica pós-broncodilatador em pessoas com suspeita de doenças
pulmonares obstrutivas melhora a diferenciação diagnóstica entre asma e
DPOC.11
Há necessidade de maior utilização da espirometria como recurso auxiliar no
diagnóstico. Embora a espirometria isoladamente não seja suficiente para o
diagnóstico (o rastreamento de DPOC com espirometria não está indicado), sua
não utilização resulta em sub e sobrediagnóstico.9
Indivíduos com DPOC grave (VEF1 < 50%) têm uma mortalidade de 5 a 10%
ao ano. Hospitalização por uma exacerbação aguda é um evento importante e um
marcador de gravidade da doença. Estima-se que a mortalidade de indivíduos
com DPOC internados em hospitais por uma exacerbação aguda seja da ordem
de 7,5 a 11%, e a mortalidade 90 dias após a alta é de 15%, chegando a 49% em
dois anos após a alta.3,12 Indivíduos com DPOC grave e três ou mais
exacerbações por ano têm uma mortalidade quatro vezes maior do que
indivíduos com a mesma gravidade, mas sem exacerbações. Embora indivíduos
com exacerbações mais graves necessitem de cuidados hospitalares (pronto-
socorro, unidade de terapia intensiva [UTI] ou enfermaria), a maioria das
pessoas com exacerbações agudas de DPOC pode procurar e ser tratada pelo
médico de família e comunidade no contexto da APS.
A maior parte dos custos diretos com indivíduos com DPOC (78%) se refere a
hospitalizações, procura por serviços de emergência e consultas ambulatoriais
não agendadas decorrentes principalmente das exacerbações agudas.13
Embora a função pulmonar seja necessária para diagnosticar a DPOC e
classificar sua gravidade, as pessoas com DPOC e os médicos de família estão
mais interessados em sintomas, funcionalidade e bem-estar geral. Devido a esta
percepção, a nova classificação da GOLD 2017 separa a gravidade espirométrica
da gravidade avaliada pelos sintomas e pelas exacerbações agudas. As medidas
de função pulmonar podem ser utilizadas para monitorar a progressão da doença,
entretanto, sabe-se que não há uma forte correlação entre a VEF1 e a intensidade
dos sintomas ou a capacidade física. O prejuízo na qualidade de vida na DPOC
já é observado em níveis modestos de obstrução ao fluxo aéreo, o que reflete a
grande heterogeneidade e complexidade dessa condição.14 Há, inclusive,
evidências de que o grau de dispneia seja um melhor preditor da sobrevida em 5
anos do que o grau de obstrução aérea verificado pelo VEF1.15 Dessa forma, o
uso do VEF1 como único ou melhor preditor da evolução e do risco de
mortalidade de indivíduos com DPOC é controverso. Além disso, pessoas que
apresentam resposta insatisfatória do VEF1 ao tratamento broncodilatador
podem apresentar melhora significativa em desfechos clínicos em resposta ao
mesmo tratamento. Em vista dessas considerações, tem crescido o interesse na
avaliação multidimensional ou multissistêmica de indivíduos com DPOC. O
Quadro 152.1 ilustra as várias formas de medir os preditores clínicos.

Quadro 152.1 | Preditores e marcadores de morbimortalidade utilizados no


manejo da doença pulmonar obstrutiva crônica

Preditores/desfechos Medida utilizada

Função pulmonar VEF1

Volumes pulmonares CPT, CRF, VR, CI

Capacidade de exercício Teste de caminhada dos 6 minutos, ergometria

Grau de atividade física Sensores de atividade física (contagem de


passos/dia)

Estado geral de saúde Questionário respiratório de St. George


CRQ
CCQ
CAT

Dispneia Escala do MRC


Escala de Borg

Exacerbações Número de exacerbações por ano

Escore multidimensional Escore BODE – IMC, obstrução (VEF1),


dispneia (escala do MRC), exercício (teste da
caminhada de 6 minutos)

Mortalidade Mortalidade específica ou por todas as causas


VEF1, volume expiratório forçado no primeiro segundo; DPOC, doença pulmonar obstrutiva crônica;
IMC, índice de massa corporal; MRC, medical research council; CAT, teste de avaliação da DPOC (em
inglês COPD assessment test) ; CCQ, questionário clínico de DPOC; CRQ, questionário de doença
respiratória crônica; CPT, capacidade pulmonar total; CRF, capacidade residual funcional; VR, volume
residual; CI, capacidade insipiratória.
Fonte: Glaab e colaboradores.16

Quadro 152.2 | Avaliação da dispneia: escala do Medical Research Council


adaptada para uso no Brasil*

Grau 0: Tenho falta de ar só durante exercícios intensos


Grau 1: Tenho falta de ar quando ando apressadamente ou subo escadas ou
ladeiras
Grau 2: Preciso parar para respirar mesmo andando devagar ou ando mais
devagar do que pessoas da minha idade devido à falta de ar
Grau 3: Preciso parar algumas vezes para respirar quando ando menos de 100
metros ou após poucos minutos de caminhada no plano
Grau 4: Sinto tanta falta de ar que não saio mais de casa, ou preciso de ajuda
para me vestir ou tomar banho sozinho devido à falta de ar
*A versão adaptada para uso no Brasil não é a versão modificada, pois classifica a dispneia em graus
1 a 5, ao contrário da versão modificada (mMRC), cuja classificação vai de 0 a 4; entretanto não há
diferenças do ponto de vista prático, de forma que foi mantida a numeração conforme a mMRC.
Fonte: Adaptado de Kovelis e colaboradores.19

O índice BODE é um instrumento multidimensional que incorpora medidas do


estado nutricional (IMC), da obstrução aérea (VEF1), da dispneia (escala do
MRC) (Quadro 152.2) e do estado funcional (teste da caminhada de 6
minutos). Esse índice proporciona uma avaliação integrada dos aspectos
respiratórios e não respiratórios da doença, o que reflete melhor a sua gravidade,
além de incluir domínios relacionados à qualidade de vida de indivíduos com
DPOC. O índice BODE prediz mortalidade (Tabela 152.4 e Figura 152.2),
hospitalizações e é sensível a mudanças produzidas por intervenções, como a
reabilitação pulmonar.17 Esse índice vai de 0 a 10.

Tabela 152.4 | Índice bode para avaliar mortalidade de doença pulmonar


obstrutiva crônica

Variáveis 0 1 2 3

VEF1 (% previsto) ≥ 65 50-64 36-49 ≤ 35

Distância caminhada em 6 min (m) ≥ 350 250-349 150-249 ≤ 149

MRC (escala de 0 a 4) 0 ou 1 2 3 4

IMC (kg/m2) > 21 ≤ 21


IMC, índice de massa corporal; MRC, medical research council.
Fonte: Celli e colaboradores.17
▲ Figura 152.2
Mortalidade de doença pulmonar obstrutiva crônica conforme o índice
BODE.
Fonte: Celli e colaboradores.17

A nova GOLD, entretanto, inclui, em sua avaliação clínica da gravidade da


DPOC, o MRC modificado (para avaliar o grau de dispneia) e o CAT (COPD
Assessment Test)18 (Quadro 152.3) para avaliar o comprometimento do estado
de saúde pela DPOC. A escolha desses instrumentos tem a ver com sua
facilidade de aplicação no contexto da assistência na APS.2

Quadro 152.3 | Teste de avaliação da doença pulmonar obstrutiva crônica

Nunca tenho tosse 0 1 2 3 4 5 Estou sempre tossindo


Não tenho nenhuma 0 1 2 3 4 5 Meu peito está cheio de
expectoração (catarro) expectoração (catarro)

Não sinto nenhum aperto no 0 1 2 3 4 5 Sinto um grande aperto no


peito peito

Não sinto falta de ar ao subir um 0 1 2 3 4 5 Quando subo uma ladeira


lance de escadas ou uma ladeira ou um lance de escadas
sinto bastante falta de ar

Não sinto nenhuma limitação nas 0 1 2 3 4 5 Sinto-me muito limitado nas


minhas atividades em casa minhas atividades em casa

Sinto-me confiante para sair de 0 1 2 3 4 5 Não me sinto nada


casa, apesar da minha doença confiante para sair de casa
pulmonar devido à minha doença
pulmonar

Durmo profundamente 0 1 2 3 4 5 Não durmo profundamente


devido à minha doença
pulmonar

Tenho muita energia 0 1 2 3 4 5 Não tenho nenhuma


energia
Fonte: Silva e colaboradores.18

Quando pensar
O diagnóstico de DPOC deve ser sempre considerado em pessoas, sobretudo
com mais de 40 anos, que têm um fator de risco, principalmente o tabagismo, e
apresentem sintomas respiratórios crônicos, como dispneia aos esforços, tosse
crônica, produção regular de catarro e/ou crises de “bronquite” ou “chiado”
(Quadro 152.4). Esses indivíduos são candidatos a uma avaliação mais
minuciosa, inclusive com realização de espirometria.

Quadro 152.4 | Indicadores fundamentais para a consideração de um


diagnóstico de doença pulmonar obstrutiva crônica

Tosse crônica
► Presente de modo intermitente ou todos os dias. Presente, com frequência,
ao longo do dia; raramente, é apenas noturna. Pode preceder ou aparecer
simultaneamente à dispneia

Produção crônica de expectoração


► Qualquer forma de produção crônica de expectoração pode ser indicativa de
DPOC

Exacerbações agudas
► Episódios repetidos

Dispneia
► Progressiva (agrava-se com o passar do tempo)
► Persistente (presente todos os dias)
► Pior com exercício

► Pior durante infecções respiratórias

História de exposição aos fatores de risco


► Fumaça do tabaco (incluindo outras formas populares locais)
► Poeiras/fumaças industriais e produtos químicos ocupacionais
► Fumaça proveniente de cozinha domiciliar, do fogão à lenha, do carvão e do
gás de aquecimento

Fonte: Adaptado de Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease.2

História de tabagismo de mais de 70 maços/ano apresenta uma razão de


verossimilhança positiva (RVP), ou likelihood ratio positivo (LR+), de 8,0 para
DPOC. Ausência de tabagismo apresenta uma razão de verossimilhança negativa
(RVN) de 0,16. Produção diária de catarro de mais de um quarto de xícara tem
um RVP de 4,0; história de chiado tem um RVP de 3,8; história de dispneia tem
um RVP de 2,2; e de tosse, de 1,8. A combinação de achados é mais útil para
fechar o diagnóstico do que para excluí-lo. Assim, um indivíduo com qualquer
combinação de dois dos seguintes achados tabagismo > 70 maços/ano, história
de DPOC ou diminuição dos sons respiratórios à ausculta, tem um RVP de 34
para DPOC, fechando o diagnóstico.20
Somente três elementos da anamnese e do exame físico se associaram ao
diagnóstico de DPOC na análise multivariada: história prévia de DPOC (RVP
ajustada de 4,4), presença de sibilos (RVP ajustada de 2,9) e tempo expiratório
forçado acima de 9 segundos (RVP ajustada de 4,6). A RVP (ou LR+)
combinada desses três fatores foi de 59 (fechando o diagnóstico de DPOC), e a
RVN (ou LR-) foi de 0,3.21
Muitas vezes, a dispneia e a intolerância aos esforços são atribuídas à falta de
preparo físico, ao processo de envelhecimento e ao tabagismo, e a tosse crônica
(ou pigarro) é considerada uma resposta normal ao tabagismo, o que faz muitas
pessoas com tais sintomas não procurarem a APS por acreditarem tratar-se de
uma consequência normal da idade e do estilo de vida. Assim, deve-se ter uma
postura de busca ativa de casos, quando se depara com indivíduos tabagistas.
É importante lembrar-se de que exposição a outras poeiras e gases nocivos e
outros agentes tem tido importância crescente como fatores de risco para DPOC,
em particular em locais em que a frequência de tabagismo tem diminuído
consideravelmente. No Brasil, deve-se lembrar da exposição à fumaça da queima
de combustíveis de biomassa (principalmente o fogão à lenha) e da tuberculose
(TB) como fator relacionado à limitação do fluxo aéreo. O estudo PLATINO
encontrou uma prevalência de 30,7% de obstrução ao fluxo aéreo (VEF1/CVF
pós-broncodilatador < 0,7) em adultos (≥ 40 anos) com história de TB
comparado a 13,9% entre aqueles sem história de TB.22
Existe uma discussão considerável sobre quais os melhores critérios
diagnósticos para DPOC. Embora a espirometria seja a principal ferramenta
diagnóstica, não há consenso sobre qual é o melhor parâmetro espirométrico. O
parâmetro mais utilizado, preconizado pela GOLD e pela American Thoracic
Society (ATS), para diagnosticar obstrução ao fluxo aéreo, é a relação VEF 1
/CVF < 0,70. Existem controvérsias quanto a essa classificação, principalmente
no que diz respeito à classificação do estágio I (DPOC leve), em que a relação
VEF1/CVF está menor do que 0,7, mas o VEF1 encontra-se normal (≥ 80% do
predito), como uma “doença”. Assim, a rotulação de indivíduos assintomáticos,
mas com espirometria alterada, é um problema com o qual se deve lidar,
particularmente no contexto da APS.

O que fazer
A avaliação inicial de indivíduos com suspeita de DPOC na APS deve ser
eminentemente clínica, com a utilização da espirometria como ferramenta para
medir o grau de obstrução, avaliar o grau de reversibilidade e a progressão da
obstrução brônquica. A presença de obstrução ao fluxo de ar faz parte do
diagnóstico, de forma que a espirometria tem papel fundamental na confirmação
diagnóstica. Em todo o mundo, há uma grande discussão sobre qual é a melhor
maneira para se aprimorar o diagnóstico e, portanto, o tratamento de pessoas
com DPOC na APS: facilitar a referência para o especialista, facilitar o acesso à
espirometria ou instrumentalizar a unidade básica com um espirômetro,
treinando alguns profissionais da unidade para realizarem o exame. A alternativa
mais aceita é facilitar o acesso direto à espirometria solicitada pelo médico de
família e comunidade,23 embora o uso de espirômetros nas UBS possa ser uma
alternativa adequada.
Após a consideração do diagnóstico de DPOC, o médico de família deve fazer
a diferenciação com outras doenças que cursam com tosse e dispneia, em geral a
asma. Os principais diagnósticos diferenciais da DPOC são a asma, a
insuficiência cardíaca (IC), a TB, as bronquiectasias e o câncer de pulmão
(Quadro 152.5).

Quadro 152.5 | Principais diagnósticos diferenciais da doença pulmonar


osbtrutiva crônica

Asma Início na infância ou adolescência, história


pessoal de atopia (rinite, alergia, eczema),
história familiar de asma, sem história de
tabagismo, variação acentuada do grau de
sintomas, sintomas noturnos ou de
madrugada, obstrução ao fluxo aéreo
amplamente reversível, boa resposta ao
corticoide inalatório. Pode coexistir com DPOC

Insuficiência cardíaca Dispneia paroxística noturna, crepitações nas


bases pulmonares, outros achados de IC ao
exame físico, radiografia torácica mostrando
cardiomegalia e edema pulmonar, espirometria
com distúrbio ventilatório restritivo. Pode
coexistir com DPOC

Tuberculose Faixa etária variada; pode ser pouco


sintomática; tosse produtiva, hemoptise, febre,
sudorese noturna, perda de peso, radiografia
torácica com opacidade em ápices ou
cavitação. Pode coexistir com DPOC

Bronquiectasias
Faixa etária variada; tosse com expectoração
purulenta diária, radiografia ou tomografia
torácica com dilatação brônquica. Pode
coexistir com DPOC

Câncer de pulmão Idade > 50 anos, tosse, expectoração,


dispneia, dor torácica, fadiga, emagrecimento,
radiografia torácica com opacidade irregular.
Pode coexistir com DPOC

Outros: bronquiolite
obliterante, EP recorrente,
massas mediastinais e
hipofaríngeas e outras
obstruções de vias aéreas
(bócio), AOS, síndrome de
Löeffler, infecções virais e
bacterianas, fibrose cística,
aspergilose broncopulmonar
alérgica, RGE
DPOC, doença pulmonar obstrutiva crônica; EP, embolia pulmonar; AOS, apneia obstrutiva do sono;
RGE, refluxo gastresofágico.
Fonte: Price e colaboradores.24

A diferenciação com a asma é muito importante, porque as estratégias de


tratamento são distintas para as duas condições, embora a cessação do tabagismo
seja vital, independente da doença. O tratamento da asma inclui corticoide
inalatório em indivíduos com doença persistente para suprimir a inflamação
eosinofílica das vias aéreas. No tratamento da DPOC, ao contrário, a inflamação
neutrofílica das vias aéreas é pouco responsiva ao corticoide inalatório. Em
relação à IC, embora a diferenciação possa parecer mais simples (cardiomegalia
na radiografia, dispneia paroxística noturna, edema de membros inferiores),
muitas vezes não há subsídios clínicos suficientes para o diagnóstico adequado.
Além disso, as duas condições podem estar associadas com alguma frequência, o
que torna o manejo ainda mais complicado, particularmente se o médico de
família e comunidade não perceber a associação. Nesses casos, a utilização de
exames complementares para a elucidação diagnóstica está indicada.
Com base nos sintomas, nas exacerbações e no grau de obstrução observado
na espirometria (Quadro 152.6), a DPOC pode ser classificada como leve,
moderada, grave ou muito grave. A classificação descrita no Quadro 152.6 é a
classificação espirométrica clássica que continua sendo utilizada na GOLD 2017
como base para o diagnóstico e grau de obstrução; entretanto, essa classificação
não é mais utilizada para fins de tratamento farmacológico, como se verá a
seguir.

Quadro 152.6 | Classificação espirométrica da gravidade da doença


pulmonar obstrutiva crônica

Estágio Característica Comentários

I – leve VEF1/CVF < Neste estágio, o indivíduo pode não ter percebido
(GOLD 1) 0,70% que sua função pulmonar está comprometida
VEF1 ≥ 80%
do predito
Com ou sem
sintomas
crônicos

II – VEF1/CVF < Os sintomas em geral progridem neste estágio,


moderada 0,70% com a dispneia aparecendo normalmente aos
(GOLD 2) 50% ≤ VEF1 < esforços
80% do predito
Com ou sem
sintomas
crônicos

III – grave VEF1/CVF < A dispneia normalmente piora neste estágio e,


(GOLD 3) 0,70% muitas vezes, limita as atividades diárias das
30% ≤ VEF1 < pessoas com DPOC. As exacerbações agudas em
50% do predito geral começam a aparecer nesse estágio
Com ou sem
sintomas
crônicos

IV – muito VEF1/CVF < A qualidade de vida é muito comprometida neste


grave 0,70% estágio, as exacerbações se tornam mais
(GOLD 4) VEF1 < 30% frequentes e podem ser muito graves
do predito ou
VEF1 < 50%
do predito +
insuficiência
respiratória
crônica

VEF1, volume expiratório forçado no primeiro segundo; CVF, capacidade vital forçada; DPOC, doença
pulmonar obstrutiva crônica.
Fonte: Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease.2

Anamnese
A história clínica deve ser detalhada e incluir, além da avaliação dos sintomas, a
história de vida do indivíduo, incluindo aspectos socioeconômicos, hábitos de
vida, aspectos ocupacionais e aspectos psicodinâmicos; o impacto da doença na
vida do indivíduo, incluindo limitação de atividades, faltas no trabalho e o
impacto econômico; efeito sobre a rotina familiar; presença de sintomas
depressivos e/ou ansiosos; disponibilidade de suporte social e familiar; padrão de
desenvolvimento dos sintomas; história familiar de DPOC ou outras doenças
respiratórias; avaliação da presença de comorbidades, como DCV, depressão,
anemia, neoplasias, osteoporose e problemas osteomusculares; história de
exacerbações e hospitalizações prévias; exposição a fatores de risco,
principalmente o tabagismo atual ou pregresso, o tabagismo passivo e/ou
exposição ocupacional, incluindo intensidade e duração; história pessoal de
asma, alergias, sinusopatia e outras doenças respiratórias; possibilidades para a
redução de fatores de risco e, por fim, a adequação do tratamento atual, a
percepção do indivíduo sobre sua doença e suas expectativas em relação ao
tratamento.
Os principais sintomas que sugerem limitação ao fluxo aéreo são o chiado, a
tosse e a produção de catarro. Tosse é o sintoma mais frequente, precedendo ou
aparecendo simultaneamente à dispneia na maioria dos casos (75%). É diária ou
intermitente e, geralmente, produtiva. A dispneia é o sintoma mais importante,
associando-se a incapacidade física, a piora da qualidade de vida e o pior
prognóstico. É insidiosa no início e progressiva. O chiado está frequentemente
presente, tendo sido relatado em 83% dos casos em algumas séries.

Exame físico
O exame físico de indivíduos com suspeita de DPOC deve procurar por sinais de
hiperinsuflação pulmonar (tórax em barril, hipersonoridade à percussão do tórax,
ausência de ictus, bulhas abafadas, excursão diafragmática reduzida), os quais
estão geralmente presentes na doença avançada, além de sinais de obstrução ao
fluxo aéreo (sibilos, expiração prolongada) e presença de secreção nas vias
aéreas (roncos). A oximetria de pulso, por ser de baixo custo, deve ser incluída
no exame físico da pessoa com DPOC. É importante também medir o peso e a
altura (IMC), bem como avaliar sinais de desnutrição e consumo muscular, que
comumente acompanham os casos de DPOC graves.
Avaliação de sinais de comorbidades associadas e de diagnósticos diferenciais
deve fazer parte do exame físico. Um dos exemplos típicos é o paciente com
suspeita de DPOC que tem, na verdade, IC isoladamente ou associada à DPOC.
Assim, a avaliação de sinais de IC, como estase jugular, hepatomegalia, sopros
cardíacos, desvio de ictus, crepitações pulmonares, edema de membros
inferiores, deve ser realizada cuidadosamente.
Do ponto de vista da avaliação formal dos valores diagnósticos de itens do
exame físico, apenas quatro deles têm valor diagnóstico independente para
DPOC: a presença de sibilos à ausculta pulmonar, o tempo expiratório forçado
aumentado (> 9 segundos), a descida da laringe (distância entre o topo da
cartilagem tireóidea e fúrcula esternal ≤ 4 cm) e a expiração prolongada.25
O sinal de Hoover refere-se à incursão paradoxal do gradeado costal inferior
durante a inspiração e pode ajudar no prognóstico. Esse sinal pode estar presente
em até 76% dos pacientes com DPOC grave e ser um marcador clínico útil de
obstrução severa de vias aéreas para auxiliar em situações de triagem e manejo
na emergência, além de um bom preditor de desfechos clínicos. É de fácil
observação e tem uma boa concordância interobservador.26 Há ainda o uso de
musculatura acessória e o pulso paradoxal, que podem ser úteis em situações de
exacerbação aguda.

Exames complementares
O principal exame complementar para o diagnóstico da DPOC e sua
classificação de gravidade é a espirometria. Exames de imagem, como
radiografia torácica ou tomografia de tórax, são usados para avaliar diagnósticos
diferenciais e comorbidades.

Espirométrico (funcional)
A espirometria é recomendada para todos os fumantes com mais de 40 a 45 anos
que apresentam falta de ar aos esforços, tosse persistente, chiado, produção de
catarro ou infecções respiratórias frequentes. É importante frisar que, embora a
espirometria seja o exame confirmatório de excelência para o diagnóstico de
DPOC e sua realização deva ser estimulada, em locais em que ela não esteja
disponível, o diagnóstico clínico é suficiente para o início do tratamento.
Os aspectos espirométricos principais na DPOC são o VEF1 e a CVF. A
limitação do fluxo aéreo é definida pela presença da relação VEF1/CVF < 0,7
após uso de broncodilatador pela maioria das diretrizes clínicas mundiais.
Portanto, esse achado é suficiente, do ponto de vista espirométrico, para o
diagnóstico de DPOC.
Há uma discussão, entretanto, sobre os parâmetros utilizados para o
diagnóstico de obstrução. Uma relação VEF1/CVF < 0,7 (GOLD e ATS) pode
levar a muitos resultados falso-positivos, uma vez que essa relação diminui com
a idade em indivíduos saudáveis não tabagistas, o que faz com que a taxa de
falso-positivos aumente depois dos 50 anos e fique muito alta após os 70 anos de
idade. Por outro lado, embora menos importante, o uso de uma relação fixa
como valor de corte pode subdiagnosticar pessoas mais jovens (aumentar a taxa
de falso-negativos), conforme ilustra a Figura 152.3.24

▲ Figura 152.3
Potencial de subdiagnóstico e sobrediagnóstico de doença pulmonar
obstrutiva crônica com o uso de uma relação fixa do volume expiratório
forçado no primeiro segundo e da capacidade vital forçada < 0,7.
Fonte: Price e colaboradores.24

O VEF1 é utilizado para caracterizar o grau de obstrução da DPOC (ver


Tabela 152.4). Ele é expresso em relação aos valores preditos para indivíduos
de idade, sexo e altura semelhantes.

Radiológico
A radiografia torácica frequentemente mostra hiperinsuflação pulmonar, mas tem
a função principal de afastar diagnósticos diferenciais e outras comorbidades,
como câncer de pulmão, bronquiectasias, IC, TB e doença intersticial pulmonar.
Radiografia torácica anual para rastrear câncer de pulmão ou avaliar a evolução
da DPOC não está indicada. Alguns estudos tem demonstrado benefício em
rastrear câncer de pulmão com tomografia de tórax de baixa dose anual em
populações selecionadas, porém isso ainda não é uma prática seguida
mundialmente.

Outros exames
Alguns exames, embora não sejam necessários para o diagnóstico de DPOC, são
importantes para avaliar suas comorbidades e complicações, devendo ser
solicitados conforme a suspeita clínica. O hemograma deve ser realizado para
afastar anemia e policitemia. O eletrocardiograma e o ecocardiograma podem ser
realizados em pessoas com sinais sugestivos de IC/ cor pulmonale ou que
apresentem sinais ou sintomas de outras DCVs. A oximetria de pulso de repouso
e aos esforços deve ser realizada para avaliar hipoxemia e necessidade de
oxigênio domiciliar, além da gasometria arterial (GA) para confirmação deste
quadro.

Conduta proposta
A abordagem de pessoas com DPOC na APS deve incluir pelo menos quatro
componentes: avaliação e monitoramento da doença, redução de fatores de risco,
manejo do indivíduo com DPOC estável e manejo das exacerbações agudas.
Os objetivos do acompanhamento e tratamento de pessoas com DPOC na APS
são:

● Aliviar os sintomas.
● Prevenir a progressão da doença.
● Melhorar a capacidade física (tolerância aos exercícios).
● Melhorar o estado geral de saúde e bem-estar.
● Prevenir e tratar complicações.
● Prevenir e tratar exacerbações agudas.
● Reduzir a mortalidade.
● Referenciar ao especialista quando necessário (função de filtro). Realizar a
prevenção quaternária (não referenciar ao especialista quando não
necessário, não expor a pessoa a intervenções diagnósticas e terapêuticas
desnecessárias e prevenir e minimizar os efeitos colaterais do tratamento).

O tratamento inclui modificações do estilo de vida, educação em saúde,


intervenções multidisciplinares, tratamento específico e tratamento das
exacerbações e das comorbidades (Quadro 152.6). A Figura 152.4 traz um
algoritmo que indica as etapas para o diagnóstico e a classificação de gravidade
com vistas à abordagem farmacológica.

▲ Figura 152.4
Etapas para o diagnóstico, a classificação de gravidade e o tratamento.
VEF1, volume expiratório forçado no primeiro segundo; CVF, capacidade vital forçada; DPOC,
doença pulmonar obstrutiva crônica; mMRC, medical research council modificado; CAT, teste de
avaliação da DPOC (em inglês, COPD assessment test).
Quadro 152.6 | Terapias efetivas disponíveis para indivíduos com doença
pulmonar obstrutiva crônica estável

Talvez
Melhoram a melhorem a
sobrevida sobrevida Melhoram os desfechos clínicos

Cessação do Farmacoterapia Farmacoterapia com broncodilatadores de


tabagismo com salmeterol ação curta, anticolinérgicos de ação longa, β-
Oxigenoterapia e fluticasona agonistas de ação longa, teofilinas, corticoide
domiciliar para Reabilitação inalatório para pessoas selecionadas, α1-
pessoas pulmonar antitripsina para pessoas selecionadas,
selecionadas antibióticos para pessoas selecionadas
Cirurgia de Reabilitação pulmonar
redução Oxigenoterapia
pulmonar para Cirurgia de redução pulmonar
pessoas
Transplante pulmonar
selecionadas
VNI para IRpA
VNI, ventilação não invasiva; IRpA, insuficiência respiratória aguda.

A dispneia é o sintoma mais debilitante da DPOC, e sua relação com mau


condicionamento físico, imobilização, isolamento social e depressão (Figura
152.5) não deve ser negligenciada. A depressão é comum nos indivíduos com
DPOC (41% têm sintomas depressivos), sendo responsável por piora da
qualidade de vida e piora na adesão ao tratamento. A mortalidade é 2,7 vezes
maior entre os que têm depressão grave.
▲ Figura 152.5
Impacto da falta de ar em pessoas com doença pulmonar obstrutiva
crônica.
DPOC, doença pulmonar obstrutiva crônica.

As antigas diretrizes de tratamento, incluindo as versões anteriores da GOLD,


indicavam uma abordagem geral baseada principalmente no grau de obstrução
avaliado pelo VEF1. Entretanto, como já mencionado, nenhum paciente se
queixa da diminuição do seu VEF1, por isso uma classificação de gravidade e
uma abordagem que levem em conta desfechos clínicos importantes para o
paciente são mais interessantes, em particular no contexto da APS. A Figura
152.6 mostra um algoritmo de tratamento da DPOC com base na classificação
individual dos sintomas e no risco de exacerbação.2 O VEF1 pós-
broncodilatador é recomendado para diagnóstico e avaliação da gravidade da
DPOC.
▲ Figura 152.6
Algoritmo de tratamento de acordo com cada estágio da doença
pulmonar obstrutiva crônica.
LAMA, anticolinérgicos de longa ação; LABA, β2-agonistas de longa ação; Azul = Tratamento
preferencial.
*Caso VEF1 < 50% do predito e o paciente tenha bronquite crônica.
**Em ex-fumantes.
Fonte: Adaptada de Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease.2

Tratamento não farmacológico


A cessação do tabagismo é a intervenção mais importante para reduzir o risco de
desenvolver DPOC e para retardar sua progressão. Há várias estratégias de
intervenção para a cessação do tabagismo que serão abordadas de forma mais
completa (ver Cap. 242, Tabagismo). Entretanto, mesmo um aconselhamento de
três minutos realizado em cada encontro com um indivíduo fumante pode ser
efetivo. Além disso, avaliação e redução de exposição ocupacional, redução de
exposição à poluição ambiental e doméstica, dieta saudável e atividade física
regular são atitudes que devem fazer parte das modificações de estilo de vida de
pessoas com DPOC.
O esclarecimento sobre a natureza da doença, o acolhimento dos medos e
inseguranças das pessoas com DPOC, a avaliação de suas dificuldades para o
autocuidado, o apoio psicossocial, a participação em grupos na unidade, as
orientações práticas sobre o uso de inaladores e a reabilitação pulmonar são parte
fundamental das intervenções multiprofissionais e da educação em saúde. Há
evidências de que sessões formais de orientações práticas para o uso de
inaladores e espaçadores melhoram os desfechos clínicos e reduzem os custos
totais com o tratamento. Essa é uma intervenção que não deve ser negligenciada
pelas equipes de saúde, pois é muito grande o número de pessoas com DPOC
consideradas não aderentes ou refratárias ao tratamento que, na verdade, não
sabem ou não conseguem utilizar de forma adequada os inaladores e os
espaçadores (Figura 152.7). Uma ideia que tem sido utilizada com sucesso é a
fabricação caseira de espaçadores com garrafas PET (Figura 152.8), atividade
que pode ser integrada a grupos para pessoas com enfermidades respiratórias
crônicas, como asma e DPOC, na unidade.

▲ Figura 152.7
Algoritmo para manejo centrado na pessoa com doença pulmonar
obstrutiva crônica estável na APS.
SatO2, saturação de oxigênio; VEF1, volume expiratório forçado no primeiro segundo.
Fonte: Adaptada de Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease.2

▲ Figura 152.8
Fabricação de espaçadores com garrafas PET.

Tratamento farmacológico
Os principais objetivos do manejo farmacológico de pessoas com DPOC são a
redução na severidade dos sintomas e a prevenção das exacerbações. A terapia
broncodilatadora é central para o manejo da DPOC. Esse tratamento produz
pequenos aumentos da função pulmonar medida pela espirometria e uma
redução da hiperinsuflação dinâmica que leva à dispneia da DPOC. Indivíduos
com DPOC frequentemente procuram o médico de família e comunidade por
dispneia, e os broncodilatadores são o primeiro tratamento prescrito na maioria
das vezes. Inicialmente, os broncodilatadores de ação curta, como os β2-
agonistas salbutamol ou fenoterol, ou o anticolinérgico ipratrópio, podem ser
utilizados, mas em indivíduos com sintomas persistentes, os broncodilatadores
de longa duração produzem alívio mais uniforme e duradouro. Atualmente, há
duas classes de broncodilatadores de ação longa ação disponíveis – β2-agonistas
de longa ação (LABA, do inglês long-acting beta-agonists) – formoterol e
salmeterol – e os anticolinérgicos de longa ação, ou antagonistas muscarínicos
de longa ação (LAMA, do inglês long-acting muscarinic antagonists) –
tiotrópio. Ambas as classes de agentes, comparados com placebo, se mostraram
efetivas em aliviar os sintomas de portadores de DPOC. Embora as medicações
para DPOC (broncodilatadores) não se tenham mostrado efetivas em impedir o
declínio da função pulmonar em longo prazo ou reduzir a mortalidade, sua
efetividade para reduzir os sintomas, diminuir as exacerbações e melhorar a
qualidade de vida das pessoas justificam sua utilização no tratamento com
DPOC.

▲ Figura 152.9
Algoritmo para farmacoterapia inalatória na doença pulmonar obstrutiva
crônica.
* Primeira escolha de tratamento
** Caso persistir exacerbando após o tratamento de primeira escolha
*** Indicado em pacientes com DPOC e bronquite crônica
LABA: β2-agonista de longa duração; LAMA: anticolinérgico de longa duração; mMRC: escala de
dispneia do Medical Research Council modificada; CAT, teste de avaliação da DPOC; VEF1%,
VEF1 em % do predito; BD, broncodilatador; NAC, N-acetilcisteína.
Fonte: Fernandes e colaboradores.27
Intervenções específicas
Uso de mucolíticos
Alguns estudos sugerem que a N-acetilcisteína e a carbacisteína reduzem o
número de exacerbações agudas.

Oxigenoterapia domiciliar
Indicações:

● Pressão parcial arterial de oxigênio (PaO2) ≤ 55 mmHg ou SatO2 ≤ 88%


em repouso.
● PaO2 entre 56 e 59 mmHg ou SatO2 ≤ 89% com evidências de cor
pulmonale ou policitemia.

Flebotomias (sangria)
Indicações:

● Cor pulmonale descompensado com hematócrito (Ht) > 55%.

Vacinação
Indicações:

● Anti-influenza – anualmente, no outono; está associada à redução de


mortalidade.
● Antipneumocócica – uma dose após os 65 anos; alguns autores preconizam
que seja repetida a cada 5 anos, porém sua eficácia não é tão bem
documentada quanto a da vacina anti-influenza.
● Anti- Haemophilus influenzae – não há indicação.
Reabilitação pulmonar
É um programa multiprofissional que engloba:

● Diagnóstico preciso e avaliação de comorbidades.


● Tratamento farmacológico, nutricional e fisioterápico.
● Recondicionamento físico.

Apoio psicossocial
● Educação, para otimizar a autonomia e o desempenho físico e social.
● Abordagem das exacerbações agudas.

O tratamento das exacerbações agudas inclui o uso de broncodilatadores


inalados de curta ação (β2-agonistas e anticolinérgicos de curta ação) e
corticoides sistêmicos. Os antibióticos (p. ex., amoxicilina) estarão indicados se
houver o aumento da quantidade de catarro e a modificação do aspecto do
catarro para purulento como parte da definição de exacerbação aguda.
Dependendo do estágio da DPOC e da gravidade da exacerbação, suplementação
de oxigênio para manter a saturação entre 90 e 92% ou suporte ventilatório não
invasivo, ou mesmo ventilação mecânica (VM), poderão ser indicados.
Fisioterapia respiratória pode ser necessária em situações selecionadas. A
avaliação de outras causas potenciais de exacerbação aguda deve ser realizada se
houver dúvida quanto à etiologia da piora dos sintomas. Indivíduos com
exacerbações agudas podem ser tratados tanto ambulatorialmente pelo médico
de família como podem necessitar de internação hospitalar, dependendo da
gravidade do episódio. Também devem ser internados indivíduos com DPOC
estáveis que se submeterão a alguns procedimentos que podem causar
descompensações, como broncoscopia, biópsia transbrônquica ou biópsia
transparietal com agulha, ou procedimentos médicos ou cirúrgicos que
requeiram o uso de hipnoanalgésicos, sedativos ou anestésicos.

Quando referenciar
A maior parte dos indivíduos com DPOC pode ser acompanhada exclusivamente
na APS, entretanto, existem situações que justificam uma avaliação do
pneumologista.28 Entre essas situações, destacam-se:

● Incerteza diagnóstica.
● DPOC em pessoas com menos de 40 anos.
● DPOC em pessoas que possuem um parente de primeiro grau com história
de deficiência de α1-antitripsina.
● DPOC grave.
● Exacerbações frequentes.
● Hemoptise.
● Dificuldade em controlar os sintomas.
● Necessidade de oxigenoterapia domiciliar.
● Necessidade de reabilitação pulmonar.
● Necessidade de cirurgia.

Essas indicações são diretrizes gerais e não devem ser tomadas como norma
absoluta a serem seguidas. Dependendo da experiência do médico de família e
comunidade que atende a pessoa na APS e da disponibilidade de equipamentos
locais para um manejo adequado, a necessidade de referenciamento ao
especialista deve ser individualizada, lembrando-se de que o vínculo com a APS
permanece.

Erros mais frequentemente cometidos


► Não realizar confirmação espirométrica do diagnóstico.
► Não prescrever broncodilatadores de ação longa para pessoas
com DPOC moderada a grave.
► Não fornecer informações adequadas sobre a utilização correta
dos dispositivos inalatórios, inclusive com sessões práticas
formais de orientação.
► Prescrever corticoide inalatório para pacientes com formas leves
ou moderadas.
► Não realizar um plano de manejo individual com informações por
escrito, incluindo orientações para eventuais exacerbações
agudas.
► Não avaliar corretamente comorbidades médicas e psiquiátricas.
► Não realizar aconselhamento e intervenções farmacológicas para
a cessação do tabagismo.
► Não encaminhar os pacientes com DPOC moderada a muito
grave para reabilitação pulmonar.
► Não vacinar para influenza.
► Não dar espaço para a expressão das dificuldades, medos e
inseguranças dos pacientes.

Dicas
► Ao examinar indivíduos com suspeita de DPOC, deve-se
procurar por sinais de hiperinsuflação pulmonar – tórax em barril,
ausência de ictus, hiper-ressonância e redução da
movimentação diafragmática –, que estão geralmente presentes
na doença avançada. Embora o exame físico seja uma parte
essencial da avaliação, ele é pouco sensível para detectar
limitação ao fluxo aéreo.
► Anotar o peso e a altura. Avaliar sinais de desnutrição ou perda
muscular, que, em geral, acompanham os casos mais graves de
DPOC.
► Realizar uma radiografia torácica para excluir diagnósticos
diferenciais ou comorbidades, como câncer de pulmão, TB, IC,
bronquiectasias e doença pulmonar intersticial.
► Explicar que, para confirmar o diagnóstico, é preciso solicitar uma
espirometria, que é o padrão-ouro para diagnosticar e avaliar a
gravidade da DPOC. A espirometria deve ser considerada em
todas as pessoas com 40 anos ou mais, com história de
tabagismo (atual ou pregresso) que se queixam de falta de ar
aos esforços, tosse persistente e produção de catarro ou
infecções respiratórias frequentes.
► Encorajar fortemente a cessação do tabagismo em todas as
oportunidades.
► Lembrar-se de que a DPOC é uma doença suscetível de
tratamento. Ser positivo e incentivador.
► Aconselhar sobre modificações de estilo de vida, como dieta e
atividade física.
► A parceria com toda a equipe da APS deve ser encorajada, com
a utilização de todas as formas de intervenção possíveis
(consultas médicas, consultas de enfermagem, grupos, visitas
domiciliares). Essa parceria permitirá um melhor entrosamento
do paciente com a equipe, uma melhor avaliação da adesão, da
técnica inalatória, do comprometimento da qualidade de vida e
do grau de limitação, da resposta ao tratamento e das
comorbidades, sobretudo a depressão.
► Usar a escala de dispneia do Medical Research Council para
avaliar a falta de ar e o grau de incapacidade nas avaliações de
seguimento. Se não houver melhora, considerar não adesão,
uso inadequado dos dispositivos inalatórios, comorbidades
psiquiátricas e ajustar o regime de tratamento para fornecer um
melhor alívio dos sintomas.
► Considerar a referência ao especialista se não houver nenhum
progresso.

Atividades preventivas e de educação

Rastreamento
Não há indicação de se realizar rastreamento com espirometria ou peak-flow de
obstrução ao fluxo aéreo em pessoas assintomáticas. A busca ativa de casos
sintomáticos por meio da utilização de questionários ou perguntas-chave pode
ser realizada na APS e é muitas vezes confundida com o rastreamento. Porém,
antes de qualquer busca ativa, é importante preparar a rede para receber as
possíveis demandas. Também não está indicada a realização de rastreamento de
DPOC em fumantes assintomáticos,29 como recomendado por algumas
sociedades de especialistas.

Papel da equipe multiprofissional


O uso de inaladores não é intuitivo, e os dispositivos são diferentes, portanto, o
médico de família e comunidade, o enfermeiro ou o farmacêutico deve
demonstrar como se usa cada tipo de inalador e espaçador. Sessões práticas em
grupo ou individuais são úteis. Oficinas para construção de espaçadores podem
ser momentos lúdicos e de interação das pessoas com diagnóstico de asma ou
DPOC, mas depende da demanda e da aceitação.

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