Versos de Ifá
Versos de Ifá
Versos de Ifá
Ivor: Você disse que há oito seções em cada um dos ese Ifá. Existe um verso métrico,
como o soneto?
Wande: Não. Ese Ifá utiliza a prosa e a poesia e, entre ambas, se encontra o que
chamamos “verso livre” que também é uma tênue e elevada forma de falar, sem que com
isso chegue a ser música ou canto. Em um dos meus livros eu tento mostrar que há, no
máximo, oito partes estruturais em um ese Ifá. Dentro destas oito, quatro são opcionais;
um Babaláwo pode ou não omiti-las. As outras quatro sim, são obrigatórias. Aquelas que
são obrigatórias são realmente a parte central do ese Ifá, em forma de literatura
relacionada com a história e mitologia.
Cada ese Ifá começa com o nome de antigos adivinhos, esta é a primeira parte estrutural.
Pode ser um até vinte nomes, porque antes os sacerdotes praticavam Ifá em grupo. Nesta
primeira parte também podem ser ouvidos nomes de seres humanos; animais ou arvores
podem ser mencionados como sacerdotes antigos de Ifá, já que qualquer coisa que se
apresente dentro da estrutura do ese Ifá é personificada.
Ivor: Apesar de haver 800 ese Ifá em cada Odú, o Babaláwo, deve memorizar as oito
seções?
Wande: Não exatamente. As três primeiras partes são memorizadas e o Babaláwo trata
de fazê-lo fielmente. Eles fazem um grande esforço para manter o texto original. Isso é
algo que já vimos nos textos de Cuba. Hoje em dia, ainda em Cuba, muitos Babaláwos
tentam dizer as três primeiras partes na língua original, Yoruba, e para as partes quatro,
cinco, seis e sete, já podem falar em Espanhol. O mesmo se aplica aos adivinhos de
outras partes da África. Na quarta parte os Babaláwos falam sobre o passado da pessoa.
E o que eles vão dizer-lhe, será mais ou menos:
“Você tem Òdí Méjì. Este Odú está relacionado a Òsun e Ifá. Há possibilidade de uma
viagem através do oceano. Deve fazer um agrado para Òsun e Ifá. Também haverá
questões de casamento.”
As partes cinco e seis são opcionais, se o Babaláwo não as omite, então, poderá dize-las
com suas próprias palavras. Esta parte nos fala se a pessoa realizou os sacrifícios que lhe
foram pedidos ou se cumpriu os tabus que lhe foram indicados. A parte seis fala dos
resultados obtidos depois de realizados os sacrifícios, ou mesmo se não foi realizado.
A parte sete fala da reação da pessoa em face ao que lhe foi recomendado, isto é, se não
as realizou, se lamentará, porém, se cumpriu, começará a cantar e dançar de alegria.
Nesta parte, as vezes, o Babaláwo repete as partes um, dois e três.
Na oitava parte se chega a uma conclusão. Esta parte é, até determinado ponto,
obrigatória. Quase todos os versos de Ifá chegam a uma conclusão, mas as vezes, uma
ligeira dúvida pode ser deixada.
O Babaláwo tem a liberdade de dizer com suas próprias palavras as partes quatro, cinco,
seis e sete, que são opcionais. As partes um, dois, três e oito são obrigatória, e se
interpretam em forma de poesia ou algum tipo de linguagem elevada. Geralmente são
ditas da mesma forma que foram aprendidas. Se houver uma música na parte oito, o
Babaláwo não cantará com suas próprias palavras, senão como as que aprendeu com seu
mestre.
Ivor: Havia, no início da formação européia, vários poemas e cancões tradicionais, que
poderíamos colocar em paralelo com arte teatral e poesia de Ifá e Ìjálá.
Wande: Ese Ifá pode ser recitado ou cantado em uma linguagem distinta, que poderia
chamar-se poesia. Também pode ser representado, mas há diferentes forma de fazer,
especialmente se você tem música.
Quando o ese Ifá é recitado com música se chama Ìyèrè, se converte em canção ou
liturgia. Então, de alguma forma, um verso se converte em canção. Como vê, há espaço
para a criatividade.
Wande: Cada Òrìsà tem a sua própria literatura e seu próprio tom de cantar. Se alguém
cantar para Òsun atrás de uma porta e não podermos ouvir claramente as palavras, mas o
tom, então podemos garantir que é uma canção a Òsun. Se alguém cantar para Oya, seria
o mesmo. A voz de um Òrìsà esta sintetizada em suas canções.
Os ritmos são muito diferentes, como as danças. Cada Òrìsà tem a sua própria
personalidade. Em adição a isto, Ifá tem um lugar especial para cada Òrìsà, com sua
própria literatura.
Ivor: Da onde vem os nomes de Odú? Estão baseados em número ou são os nomes dos
seus ancestrais?
Wande: Cada um tem seu próprio nome. Não existem os números, a nossa filosofia não é
muito baseada na numerologia. Cada Odú, como os Òrìsà, possuem seu próprio nome.
Eles são 16 e seus filhos 240. O nome de cada filho é retirado dos seus pais. O nome dos
Odú vem dos primeiros 16.
No Dílógún os nomes não são duplos como em Ifá, exceto Èjì Ogbè. Mas, em Ifá, sempre
vêm em pares. O nome real de cada Odú, está em sua forma singular, no original dos 16.
Todo o resto gira em torno do original de 16.
Ivor: Se os 16 Odú maiores possuem 240 filhos o resto do corpo de Ifá é considerado
família?
Wande: Os 16 Odú maiores são considerados como mensageiros de Ifá. Substituiram Ifá,
depois que este deixou a terra. Como os Òrìsà vieram do céu, mas com a forma de
humanos.
Estes Odú possuem nome que começam e terminam com Èjì ou Méjì. As marcas de cada
Odú são iguais tanto para a direita como para esquerda da cadeia de adivinhação e
quando são marcados no Opòn de Ifá.
Ivor: Eles vêm em pares. Méjì tem alguma relação com os gêmeos Ìbejí?
Wande: Sim. Todo o Ifá têm uma forma binária de pensar e de marcar. Ainda não esta
muito claro, mas quando Odú chegaram, talvez chegaram na forma individual e não como
gêmeos. A forma como se tornaram um casal, é, possivelmente, um transformação muito
importante para o pensamento e mitologia Yorùbá. Èjì Ogbè mencionou algo parecido
quando disse:
Èjèèjì ni mo gbè.
N ò gbènìkan soso mó.
A ideia de uma ordem binária é muito importante para esta cultura, porque todo o sistema
de Ifá é baseado nele. Como você sabe, acredita-se que os Yorùbá são aqueles que
possuem mais gêmeos gerados no mundo.
Ivor: Qual sistema de adivinhação acredita que veio primeiro, Ifá ou Eérìndínlógún?
Um sinal, um lado da cadeia, como Ogbè ou Òyèkú, devem ter existido antes de
aparecerem como Èjì Ogbè ou Òyèkú Méjì. Eu não acho que faz sentido pensar de outra
maneira. Em seguida, você pode especular sobre a possibilidade de que Eérìndínlógún é
mais velho e tenha sido a primeira forma de adivinhação onde Ifá se desenvolveu. Mas o
que os sacerdotes de Ifá acreditam agora, é que Ifá foi a primeira forma de adivinhação e
que esta que desenvolveu Eérìndínlógún.
Na Africa, os Babaláwo não consultam Eérìndínlógún em tudo. Acreditamos
que Eérìndínlógún tem seu próprio Àse. Mesmo quando uma sacerdotisa
de Eérìndínlógún está cantando ou recitando versos de Eérìndínlógún quando ela diz que
ele está recitando versos de Òdí Méjì o Babaláwo irá encontrar versos de Òyèkù, Òdí e
Ìrosun para dizê-los à sua maneira. Eérìndínlógún selecionou de vários Odú e o levou para
um só Odú. Esta situação confunde o Babaláwo. No entanto, não o consultará, porque
acredita-se que ele recebeu seu próprio Àse de Olódùmarè. Uma vez que é Babaláwo não
se pode consultar com 16 búzios.
Ivor: Tenho ouvido de Babaláwos de Cuba , dizerem que Yemaya (Yemonja) foi a primeira
mulher adivinha. Aprendeu isto observando seu marido Ifá.
Wande: Na África, sem dúvida alguma, foi Òsun. Supõe-se que ela aprendeu com Ifá,
quando foi seu marido. Yemoja nunca esteve casada com Òrúnmìlà.
Na África há histórias onde Òsun aparece mais que Yemoja. Havia uma história na
qual Olódùmarè jogou um saco cheio de sabedoria e pediu aos Òrìsà que o
encontrassem. Disse-lhes que quem encontrasse seria o mais sabio Òrìsà . Todos
os Òrìsà buscaram durante anos até que Òsun o encontrou. Casou-se com Òrúnmìlà mas
continuou a viver em casa, porque naquela época não era obrigatório para a mulher
viver na mesma casa com o marido.
Quando Òsun encontrou o saco de sabedoria, começou a se gabar e a ordenar
para Òrúnmìlà para trazer as coisas para o sacrifícios sem dizer nada sobre o conteúdo do
saco. Um dia guardou o saco de sabedoria dentro de um dos seus bolsos, sem saber que
tinha um furo feito por ratos. Ao colocar o saco no bolso, caiu e Òrúnmìlà, seu marido, que
vinha atrás dela, pegou e manteve dentro do seu bolso, sem nada dizer. Quando Òsun
chegou em casa e procurou o procurou o saco, se deu conta de não possuí-lo mais e foi
assim que ela teve que ir viver na casa de Òrúnmìlà para poder voltar a se torna sábia.
Este saco não pode ser outra coisa que os conhecimentos de Ifá.
Como se sabe, na diáspora, muitas coisas estão unidas a Yemoja. Olókun algumas vezes
é atribuído como Yemoja. No Brasil, todos os anos vão ao mar em barcos para oferecer
oferendas a Yemoja. Eles acreditam que Yemoja é o oceano. Algumas pessoas dizem que
Yemoja é a parte superior do oceano e Olókun é a parte profunda. O rio Yemoja, de águas
limpas, é o rio Òògùn na Nigéria e não deságua suas águas diretamente no mar, mas nas
águas da lagoa de Lagos.
Ivor: Em Cuba, ninguém é “feito” em Olókun. Olókun só pode ser recebido. Eu não ouvi
falar de alguém que tenha sido feita por ela, cujo os domínios são as profundezas do
oceano. Em alguns patakins cubanos Olókun é homem, em outros é mulher.
Wande: Na África, as pessoas recebem Olókun, os Yorùbá acreditam que foi a última
esposa de Òrúnmìlà. Olókun é a divindade do Oceano Atlântico, conhecido como Òkun
Yemideregbe. Acredita-se que Òrúnmìlà vive na profundidade de Yemideregbe, com
Olókun, sua esposa.
ABIMBOLA, Wande. Ifa Will Mend Our Broken World. Aim Books: Boston, 1997. p 66