Fiquei ciente de um cento de anos que me é tudo menos indiferente,
graças ao Meu Muito Caro João Villalobos. Não me sentindo com estatura religiosa ou capacidade crítica para comentar uma revelação como a aniversariante, «O Homem Que era Quinta-Feira», cinjo-me a deixar-Vos umas linhas sobre a minha vida em redor desse pequeno grande livro.
Entre os 17 e os 20 anos tinha perdido a Fé em Cristo, com a dor de não ter prescindido de um Deus da Criação. Revoltado contra a esterilidade de um curso de Direito demasiado arredio do sonho da Justiça absoluta, não concebia o Sofrimento Divino. Tinha passado a odiar-me o suficiente para detestar o Amor como uma fraqueza, fosse o da Redenção, ou o da pureza pessoal. Demasiado orgulhoso para me deixar cair em drogas ou grupos, passei a jogar-me nas leituras e nas cargas e descargas mais duvidosas que as noites e o sórdido me ofereciam.
Até que li e pensei este livrinho. Uma história policial, decerto, mas em que era um Polícia que vinha a ser apanhado. Sem a ter conhecido, também eu me apaixonei pela
Rapariga do cabelo castanho-dourado que o detective-poeta Gabriel Syme encontra ao fim da caminhada, a irmã desse Lucian Gregory que se fazia muito mais inadaptado do que a Rectidão lhe permitia.
G.K. Chesterton, o Autor, tinha, numa entrevista, revelado o segredo escancarado que o guiara: em vez de fazer uma ficção em que alguém cheio de qualidades aparentes fosse culpado de crimes horríveis, contar a descoberta de um
Ente Suspeito a que fosse atribuível Bondade.
Era Domingo.
Noutro escrito, por mim mencionado em ensaio medíocre que me atrevi a publicar, o Grande Escritor explica em que sentido a Divindade pode ser vista como
Anarquista, coisa que caiu que nem ginjas na ebulição que vivia contra as ordens e (in)justiças que me rodeavam. Mais tarde soube também por ele que a Democracia que importa é
a dos Mortos, a ligação ao Que permanece, não às maiorias actuais, mutantes e periódicas cuja face horrenda é a voragem das substituições e do esquecimento.
Mas voltemos a Domingo, no gigantismo e Mistério benignos com que surgia aos personagens, fez-me passar a gostar da Polícia, abstractamente idealizada como a que não desistia da Procura e assim conferia a capacidade de agarrar o Que não procurava fugir e pousava mesmo junto a nós, ainda que momentaneamente inconstatado. Estava pronto a reciclar-me, de modo a, se não amar exemplarmente, ao menos exemplarmente passar a prezar o Amor. Nos dois grandes sentidos que rivalizam com o que se acrescenta por um hífen do adjectivo
próprio.
Numa atrocidade apressada, algumas traduções portuguesas não incluem o subtítulo da obra,
Um Pesadelo. Para mim a intuição dele impôs-se logo. Mas para me reconciliar com um muito maior, que é a Vida.