A 22 de Março de 1933, quer dizer, antes da senilidade que caracterizaria as capitulações poseriores perante Etaline, Franklin Roosevelt autorizou a confecção de vinho e cerveja, embora com graduação ridúcula, mas que constituiu o primeiro passo para a revogação da infame Lei Seca. A efeméride leva-me para outras questões, conexas com o Período em curso.
O
Eclesiastes (9-7) manda a cada um beber o seu vinho e comer o seu pão com alegria. Como é sabido, a Nova e Eterna Aliança recorreu aos mesmos géneros para, depois de consagrados, Se transformarem no Corpo e Sangue de Cristo. A Bíblia é no entanto omissa sobre o magno problema de saber se era branco ou tinto o Precioso Líquido usado por Jesus na Última Ceia. Os Luteranos, a certo ponto da contenda com os Calvinistas, insistiram em empregar vinho branco, já que os adversários preferiam o tinto, apesar de, fora do Serviço, Calvino ter proibido a ingestão vínica.
No Catolicismo
são permitidas ambas as cores. Não se confirma assim o que Eça pôs na boca de um Sacerdote, no «Crime do Padre Amaro»,
ser o vinho branco o usado na Judeia do tempo de Jesus, apesar de o tom mais escuro lembrar imediatamente o sangue. Na verdade, dizem os especialistas que a probabilidade do tinto é maior, apenas porque o outro oxidaria muito mais facilmente.
O que é certo é que prezo muito mais a espécie carregada. E note-se que Santo Ireneu reporta um milagre bebido (feliz verbo!) em Marco
O Gnóstico, pelo qual uma porção do vinho mais claro teria sido transformada no cromatismo mais escuro. Ora se era dado por milagre, tinha de expressar preferência divina!
Dizia Ésquilo que
o bronze é o espelho da forma e o vinho o do coração, o que também encaixa no património cultural que nos fez. Sabendo-se como o espelho devolve a imagem invertida, o Deus feito Homem, sem mácula, pelo Seu Sangue faria os humanos verem-se como pecadores. Toda a linhagem espiritual se harmoniza, portanto.
O Bebedor Contente de Adriaen van Ostade
Não ousarei ir tão longe como o grande académico, escritor, gastrónomo e enólogo mexicano José Fuentes Mares, o qual expressamente estabeleceu serem os povos belicistas bebedores de água e leite, vá lá de cerveja, enquanto que os pacíficos seriam enófilos. Mas D. José possuía dados que não domino, dizia, por exemplo, estar em condições de garantir que cada bombista bebe dois copos de água antes do seu acto malévolo, coisa que nele li pela primeira e única vez. Porém, que metem água no plano moral, não tem dúvida.
Entretanto, o Povo tem, por experiência feito, um saber coincidente com o que os mais eruditos buscaram nas muitas páginas em que queimaram as pestanas. Ora vejamos uma saudação popular da Chamusca:
O Norte é o rei dos ventos,
O alecrim, o rei das flores,
O trigo, é o dos pães,
E o vinho, o rei dos licores.
Este que é o licor
Que dá alegria e riso
E faz perder o juízo
Ao tenente e ao doutor.
Nele se consagra o Senhor,
Filho da Virgem Sagrada,
E eu bebo para que viva
Toda a sociedade honrada.