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domingo, 14 de janeiro de 2024

OLHAR AS CAPAS


Os Mitos Acerca da Origem das Guerras

Vitorino Magalhães Godinho

Cadernos da Seara Nova

Seara Nova, Lisboa 1945

A história, tal como geralmente se estuda, consiste num quasi ininterrupto desenrolar de conflitos diplomáticos e guerras. Da frequência do fenómeno bélico resvala-se facilmente para a ideia que no homem existe o instinto guerreiro, e que este instinto é que explica o deflagrar de lutas armadas. Consequência lógica desta posição: a guerra sempre existiu e há-de existir, logo não passa de utopia pretender evitá-la.

segunda-feira, 20 de novembro de 2023

POSTAIS SEM SELO


Um homem cuida morrer pela Pátria quando apenas morre para encher as algibeiras dos industriais e dos banqueiros.

Anatole France

Legenda: não foi possível identificar o autor/origem da imagem.

domingo, 8 de outubro de 2023

ALGO ENTRE UM NACIONALISMO DE SUBSTITUIÇÃO E INDIFERENÇA MORAL

«Tony Judt, o historiador judeu que condenou ferozmente a política israelita contra os palestinianos, definia assim, numa das suas últimas entrevistas, os judeus americanos: “Os judeus americanos – a maioria dos quais não sabe nada da história judaica, das línguas judaicas ou da religião judaica – sentem-se judeus por se identificarem com Auschwitz como fonte do seu estatuto de vítima e com Israel como a sua política de segurança. Estão bastante felizes a ver árabes a serem mortos em seu nome, desde que sejam outros judeus a fazê-lo. Não é medo, é algo entre um nacionalismo de substituição e indiferença moral.”»

Ana Sá Lopes no Público de hoje

QUOTIDIANOS

Uma outra guerra (re)começou, a juntar a tantas e tantas outras espalhadas pelo mundo.

António Gedeão, num qualquer poema, numa qualquer página das suas Memórias, escreveu: «Não nasci com vocação para ser vivo.»

Poderia qualuer humano, hoje, fazer a mesma observação?

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

BLOGUEANDO POR AÍ

A 27 de Janeiro assinala-se o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, implementado através da Resolução 60/7 da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas.

 O propósito deste dia é não esquecer o genocídio em massa de seis milhões de judeus pelos Nazis e respetivos colaboracionistas. Este constitui um dos maiores crimes contra a Humanidade de que há memória. Por outro lado, pretende-se educar para a tolerância e a paz, bem como alertar para o combate ao antissemitismo.

Ana Cristina Leonardo colocou no seu blogue a imagem que encima este texto, a respectiva citação em inglês, e nós, por aqui, fizemos, à lepra, a tradução:

«O museu de Auschwitz disse na quarta-feira que, por causa da guerra na Ucrânia, a Rússia será excluída da cerimônia que marcará os 78 anos desde que o Exército Vermelho libertou o campo de extermínio nazista.

“Dada a agressão contra uma Ucrânia livre e independente, os representantes da Federação Russa não foram convidados a participar da comemoração deste ano”, disse à AFP Piotr Sawicki, porta-voz do museu no local do antigo acampamento.»

sábado, 6 de agosto de 2022

QUANDO VOLTAR DE FÉRIAS...

«Daqui a um mês, quando voltar de férias, poderei estar a escrever sobre a Terceira Guerra Mundial. Daqui a um mês, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Japão, Europa da NATO e outros satélites poderão estar a combater, simultaneamente, a Rússia, a China e respetivos aliados. Daqui a um mês, o maior potencial destruidor do planeta Terra pode estar a ser utilizado, em frenesim, num combate descontrolado entre todas as potências militares do mundo.

É este medo que a visita de Nancy Pelosi a Taiwan me coloca.

O sinal que dá esta viagem da presidente da Câmara dos Representantes dos EUA a um território autónomo que a China reivindica como seu (e a ONU concorda) é terrível: depois das autoridades chinesas (em nome de três posições anteriores de reconhecimento da soberania chinesa sobre Taiwan, assinadas pelos líderes dos dois países) terem exigido que essa viagem não acontecesse, depois de tudo o que se passou e se passa na Ucrânia, que conclusão poderemos tirar?...

A resposta parece óbvia: é mesmo do interesse da maior potência do mundo encontrar uma desculpa para lançar a guerra generalizada no planeta, talvez convencida de que essa é a única maneira de manter a sua hegemonia.

A análise da liderança norte-americana, no seu egoísmo nacionalista (semelhante aos egoísmos imperialistas que levaram à I Guerra Mundial), pode até estar certa, mas a sua possível consequência custará milhões de vidas, uma destruição enorme, uma miséria descomunal e o fim da liberdade nas democracias - já declaradamente limitada desde que começou a guerra na Ucrânia.

Não é aceitável.»

Pedro Tadeu no Diário de Notícias

sábado, 16 de julho de 2022

DOS REBOTALHOS E COISAS ASSIM...

Outras guerras.

Guerras antigas na Ásia, em África…

Milhares de manifestantes em Colombo, no Sri Lanka, romperam as barreiras policiais e ocuparam a residência oficial do presidente do País, precipitando a sua demissão.

A falta de comida, combustíveis e medicamentos é um dos sintomas mais evidentes daquela que é uma das piores crises económicas das últimas décadas, no Sri Lanka.

A fome e a crise continuam no Sri Lanka.

Entretanto o presidente do Sri Lanka Rajapaksa já fugiu do país, refugiando-se em Singapaura, e o Parlamento, no dia 20, elegerá o substituto o presidente corrupto.

Ucrânia, outra guerra, uma guerra sem fim à vista.

O primeiro-ministro da Hungria, o ultranacionalista Viktor Orbán, voltou a criticar a União Europeia pelas sanções impostas contra a Rússia pela invasão da Ucrânia, medida que, na sua opinião, vai causar uma recessão.

 O envio de armas de guerra dos países da NATO para reforçar as tropas de Volodymyr Zelensky, na Ucrânia, fez disparar o alarme nas polícias europeias. Há fortes suspeitas de que, juntamente com os refugiados que fogem da invasão russa, estejam a circular pela Europa operacionais das máfias ucranianas, aproveitando-se da livre circulação dos que sofrem na pele com o conflito armado iniciado em fevereiro. As autoridades temem que estes grupos criminosos estejam a preparar terreno para avançar com negócios ilegais de armamento em vários pontos da Europa.

1.

As televisões portuguesas são esgotos a céu aberto.

Tudo lhes serve para, durante horas e dias, invadirem os écrans com directos, seja a morte, por maus tratos, de uma criança, seja o futebol, sejam os incêndios que devastam o país.

Uma verdadeira vergonha, uma histeria inenarrável.

Nos dias que agora correm, florestas que ardem, casas destruídas, famílias que encontram abrigo em ginásios e estádios de futebol, e os repórteres televisisvos, quais abutres, perseguindo  os bombeiros para lhes arrancarem notícias sobre o evoluir dos incêndios, ou para saberem para que lado vai soprar o vento… 

Retenho uma repórter a entrevistar uma velhota, por trás a casa destruída, onde passou toda uma vida, e a pergunta: «como se sente?»

Lembro-me da tarde do 25 de Abril, a revolução a avançar e em pleno climax, um jornalista num começo de  palavrar com um capitão: não houve rendição por parte das forças que estão sitiadas…  O oficial rápido: “Porra! Vocês são uns chatos, não deixam de fazer perguntas. Uma senhora está a dar à luz e vão perguntar à senhora se ela está com dores?

É isso!

2.

Os 37 482 hectares de área ardida em Portugal desde o início do ano até quinta-feira, estão a fazer de 2022 o segundo pior ano da última década ao nível de fogos florestais, até ao momento.

3.        

O antigo secretário de Estado da Proteção Civil José Artur Neves e o ex-presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil Mourato Nunes foram acusados no caso das golas anti-fumo de autoproteção no âmbito do programa "Aldeia Segura - Pessoas Seguras, implementado na sequência dos incêndios florestais de 2017.

Yambém neste caso, o ex-ministro Eduardo Cabrita, deixou uma série de pontas soltas.

4.

O antigo banqueiro João Rendeiro, segundo dados fornecidos pelas autoridades, teria quase dez milhões de euros em contas bancárias que estavam congeladas na Suíça.

Estes dados foram fornecidos pelas autoridades suíças a Portugal, depois de terem sido pedidos pelo juiz Carlos Alexandre há mais de dez anos.

5.

A CP aconselhou as pessoas a não viajar de comboio nestes dias de calor.

O surreal  aviso-conselho foi entretanto retirado.

6.

A percentagem de pessoas em risco de pobreza aumentou de 16,2% para 18,4% entre 2019 e 2020.

Em 2020 um terço das famílias perdeu 25% do seu rendimento anterior.

quinta-feira, 23 de junho de 2022

WE''LL MEET AGAIN


Poucas canções nos surgem tão coladas a um tempo e a um contexto histórico como “We’ll Meet Again”, que os compositores ingleses Ross Parker e Hughie Charles escreveram em 1939 e Vera Lynn cantou em 1942 e voltaria a cantar no ano seguinte no filme com o mesmo nome, realizado por Philip Brandon. 

A sua letra é a seguinte: 

“We'll meet again,
Don't know where, don't know when,
But I know we'll meet again
Some sunny day.
Keep smiling through,
Just like you always do,
'Till the blue skies drive the dark clouds far away.

So will you please say hello
To the folks that I know,
Tell them I won't be long.
They'll be happy to know
That as you saw me go,
I was singing this song

We'll meet again,
Don't know where,
Don't know when,
But I know we'll meet again,
Some sunny day.”

 Numa Europa já espezinhada pela barbárie nazi e numa Inglaterra que tinha acabado de atravessar talvez os tempos mais dramáticos da sua História coletiva (o “Blitz”), esta música era um grito de esperança em relação ao futuro. Não era hora para grandes choros nem para profundas lamentações. Pelo contrário, haveria que erguer a cabeça e continuar a lutar mantendo um sorriso no rosto, porque as nuvens escuras passariam, o céu voltaria a ficar azul e, por muito tempo que isso pudesse levar, aqueles que agora partiam para a Guerra iriam regressar e todos se encontrariam juntos, de novo, num radioso dia de Sol.

Não foram só os discursos de Churchill… Não foi, apenas, com o sangue, o suor e as lágrimas… Coisas como esta também contribuíram - e muito… - para forjar a resistência de toda uma nação. 

Refiro-me mais à canção do que ao filme, claro está, porque este é muito pobrezinho e quase só existe para se aproveitar dela, embora se revista de um inequívoco interesse histórico.

 No filme - muito pouco visto por estas bandas -  Vera Lynn é Peggy, uma jovem bailarina que, numa noite em que os espectadores do teatro onde trabalha são obrigados permanecer no interior das instalações para se protegerem do “blitz”, é levada a cantar para os entreter, e, embora o faça a contragosto, demonstra tal qualidade que, passado pouco tempo, a veremos já  como grande vedeta da BBC a cantar para as tropas do seu país.  

Todas as canções do filme seguem a mesma linha temática de “We’ll Meet Again”.

“After de Rain”, que é uma das mais repetidas, já se percebe no que irá dar… Depois da chuva surgirá, certamente, um céu azul e um sol radioso…

“Sincerely Yours” é a explicitação da devoção de Vera Lynn aos soldados e ao esforço de guerra. Por si só, é todo um programa:

“When life seems a dull December

And you need sympathy

A smile and a kind word or two will always help you through

And so I promise you

I’m yours sincerely

I want you to know I’m really forever sincerely yours

Should cares betide you

You know I’ll be there beside you

Forever sincerely yours

If you need a someone

To help you along with a smile and a song

I’m your sincerely

Whatever befalls

I’m really forever sincerely yours” 

 E até uma pequena canção de embalar se transforma, no filme, num hino à esperança.

O filme termina com a cena que vos mostro, onde se vê  já não Peggy, mas claramente Vera Lynn a cantar “We’ll Meet Again”para uma imensidão de soldados da RAF.

E foi isto que, na realidade, Vera Lynn fez durante os anos que se seguiram, como também já o havia feito antes. Cantou para os soldados ingleses um pouco por todo o Mundo, em África, na Ásia, na Oceânia... Ficaria, para sempre, nos corações de gerações e gerações de ingleses, sobretudo os veteranos da guerra (por isso lhe chamavam “Forces Sweetheart”…) e viria a receber as mais altas condecorações atribuídas a cidadãos britânicos.

A 18 de Junho, dois anos que faleceu, com a bonita idade de 103 anos, não sem que antes lhe tenha sido concedida uma nova e significativa honraria: ter sido eleita, no ano 2000, a cidadã britânica que melhor encarnou o espírito do Séc. XX.  

Em 1979 os Pink Floyd evocaram-na no duplo álbum “The Wall” com uma curta canção (chamemos-lhe assim…) chamada “Vera”, que surge imediatamente colada a outra que se chama, apropriadamente, “Bring the Boys Back Home”, naquela que é uma evocação desses tempos de Guerra por parte de Pink, que parece ser um alter-ego de Roger Waters nesse concept album. Não lhe acho muita graça e só o refiro aqui a título de curiosidade, para que se perceba a que ponto chegou a importância de Vera Lynn no imaginário coletivo dos ingleses.

Mas curiosidades é coisa que não falta em torno de “We’ll Meet Again”…  

Oitenta anos mais tarde esta canção seria de novo evocada em Inglaterra pela própria Rainha,  numa clara mensagem de esperança,  a propósito da necessidade de toda a Nação se unir para superar um novo e assustador perigo coletivo: a Covid...

Muitos anos antes, no auge da Guerra Fria, parece que esta terá sido uma das gravações que a BBC guardou a sete chaves em subterrâneos para que pudesse, posteriormente, voltar a insuflar ânimo àquela parte da população que viesse a sobreviver a um ataque nuclear…

E talvez até tenha sido por ter ouvido falar nisso que, em pleno rescaldo da Crise dos Mísseis de 1962, Stanley Kubrick, que nunca foi muito de ver o Mundo a cor-de-rosa, utilizou esta mesma canção para simbolizar, já não a esperança, mas o medo de um conflito nuclear, que é, precisamente e por muito que não queiramos nisso acreditar, o que paira no nosso horizonte nos dias de hoje. 

Com efeito, foi “We’ll Meet Again” a canção que ele escolheu para concluir o seu “Dr. Strangelove”, de 1964, enquanto no ecrã passam as imagens de um desastre nuclear. Não poderia haver maior ironia e maior contraste…

Em 1965, em pleno início da Guerra do Vietname, também os Byrds recorreram a esta música, numa das mais estranhas e intrigantes opções de todo o seu vasto repertório, transformando-a, com as suas rajadas de guitarras elétricas,  num sucesso do Pop/Rock. De novo o medo da guerra e a esperança em dias melhores, ou mera reação oportunista ao filme do Kubrick do ano anterior…?   


Quem também a interpretou, na última sessão de gravações que fez pouco tempo antes de falecer, foi Johnny Cash.

Mas aí tenho a certeza de que ele não estava a pensar em soldados e na guerra, nem, tão pouco, em qualquer possível desastre nuclear.

O velho e católico Johnny Cash não poderia adivinhar que a sua muito amada mulher, June, lhe iria desaparecer poucos meses depois e que ele próprio poucos tempo mais lhe iria sobreviver. Mas quando pediu aos membros da sua Família para se juntarem a ele na gravação dessa canção, aposto que estaria a pensar que seriam eles e, acima de tudo, a sua querida June, quem ele tinha a certeza de que iria voltar a encontrar nesse tal dia de céu azul e de muito Sol.

 Como é que eu sei…? 

Porque ele se descaiu e, na parte final declamada, diz: “So Honey keep smilin’thou just like you always do…”. Esse “Honey” não existe em lado nenhum na letra da música nem em nenhuma das muitas versões que conheço. Foi ele que o introduziu, deliberadamente… Porque é para June que está a fala, nessa derradeira e pública declaração de Amor… 

E quanto a nós…?

Veremos algum dia as nuvens negras passar…?

Will we ever meet again…?

segunda-feira, 4 de abril de 2022

POSTAIS SEM SELO


 Estaremos condenados a que a paz seja apenas um breve intervalo entre guerras?

Frei Bento Domingues, Público 20 de Março

sexta-feira, 18 de março de 2022

NOTÍCIAS DO CIRCO

«Os nossos filhos têm de se preparar para combaterem pela União Europeia».

 Francisco Proença Garcia, professor de estratégia e estudos de geopolítica na Universidade Católica, tenente-coronel na reforma e conselheiro de defesa do PSD.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

NÃO APRENDEMOS NADA!


 Já vivi tempo suficiente para saber que os diálogos que os políticos andaram, nos últimos dias, a desenvolver, para evitarem confrontos na Ucrânia, eram meras bazófias.

Porque para aquelas gentes o que conta é a guerra, a venda de armas.

Um pensamento simples: bastaria pouco mais de um ano, sem produzir armas, para se poder dar de comer a todo o mundo.

Vivem na fome, na doença e na ignorância milhões de seres humanos.

Apesar de a ciência e a técnica terem ajudado o homem, através dos, tempos, a transformar os seus padrões vida, temos sempre ao virar da esquina o contra senso, a loucura dos senhores da guerra.

Ninguém aprendeu nada com aquele estupor de bigodinho que começou por queimar livros e acabou a matar homens, ao que dizem as estatísticas 50 milhões de mortos.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

UMA CHUVA DURA VAI CAIR?


 Tal como diria António Gedeão, sem sequer ser ouvido, saí do ventre da minha mãe, quando ainda pairavam nos ares, os últimos tiros de espingardas, os últimos tiros de canhões da Segunda Guerra Mundial.

Quem por aqueles tempos desce ao mundo, só poderia ser contra guerras.

Sejam elas quais forem.

Lembrar uma frase de José Saramago tirada de uma sua carta, datada de 15 de Maio de 1962 para José Rodrigues Migueis

«O mundo está muito complicado, mas não o acho suficientemente absurdo para perder a esperança.»

Para o bem e o mal o que hoje sou e penso, devo-o a muita gente.

Bob Dylan está metido nessa gente.

Apesar de um certo desencanto quando há uns bons anos apareceu por aí dizer que «A palavra mensagem é triste, triste como uma hérnia.», «Ninguém gosta de ser definido por aquilo que os outros pensam.», «Queria ter uma vida normal e poder levar os filhos à escola.»

Manuel António Pina num poema seu: «O café agora é um banco, tu professora de liceu; Bob Dylan encheu-se de dinheiro, o Che morreu. Agora as tuas pernas são coisas úteis, andantes, e não caminhos para andar como dantes.»

Lembro-me de uma conversa, nos idos de 67, com um dos colaboradores do Em Órbita, falha-me, agora, o nome, quando, a determinada altura, disse-me  de Dylan: é um narcisista convicto, um genial cabotino, no sentido intelectual do termo.

 Fiquei, assim meio aparvalhado, a olhar para ele, manifestei-lhe o meu desacordo e acrescentei que a definição ainda poderia ser entendida por gente que lesse ou ouvisse Dylan aprofundadamente, mas não pelo vulgar ouvinte.

 O meu interlocutor viu, de repente, que não valia buscar outros argumentos, perder mais tempo com o ceguinho que eu, era por Dylan.

E ele sabia, porque lia e ouvia Dylan atentamente, que chegariam os tempos dos órfãos de Mr. Zimmerman e eu ficava-me ingenuamente convencido que. com Dytan, tinha respostas para (quase) tudo.

Bom, teremos sempre Joan Baez a dizer de Dylan:

« Ele é o ser humano mais complexo que conheci. Eu pensei que seria capaz de entendê-lo. Desisti. Tudo o que sei é o que ele nos deu.»

Porque, para além de mágoas e miudezas, tudo o mais, existe uma verdade inquestionável: Bob Dylan fez das mais belas canções da história da música, canções que se podem ouvir em qualquer tempo e fez com que muitos passassem a olhar, de um outro modo, os tempos que se exigia que mudassem.

Nestes dias que vão correndo, pegar no segundo álbum de Bob Dylan, The  Freewheelin’Bob Dylan (1963) que tem Blowin’in the Wind – quantas mortes serão precisas até que saiba que demasiadas pessoas morreram - e  Masters of War que irei reproduzir. Outra faixa do álbum é a Hard Rains A –Gonna Fall que reflecte a angústia, em Outubro de 1962, que Dylan sentiu aquando dos misseis de Cuba, braço de ferro entre Kennedy e Khrushchev, ao ponto de pensar não lhe restar muito mais tempo para escrever outras canções.

A tradução da canção é de Angelina Barbosa e Pedro Serrano em Canções Volume I:


Vinde, senhores da guerra

Vós que construís todas as armas

Vós que construís os aviões da morte

Vós que construís as grandes bombas

Vós que vos escondeis atrás de muros

Vós que vos escondeis atrás de secretárias

Eu só quero que vocês saibam

Que consigo ver através das vossas máscaras

 

Vós que nunca fizestes nada

Senão construir para destruir

Vós brincais com o meu mundo

Como se fosse o vosso brinquedinho

Vós colocais-me uma arma na mão

E escondei-vos dos meus olhos

E virais as costas e fugis para bem longe

Quando voam as balas velozes

 

Como o Judas de outrora

Vós mentis e enganais

Uma guerra mundial pode ser ganha

Vós quereis que acredite

Mas vejo através dos vossos olhos

E vejo atrvés da vossa mente

Como vejo através da água

Que se escoa pelo cano abaixo

 

Vós firmais os gatilhos

Para os outros dispararem

Depois recuais e ficais a ver

Quando a contagem de mortes se eleva

Vós escondei-vos na vossa mansão

Enquanto o sangue dos jovens

Lhes escorre dos corpos

E se enterra na lama

 

Vós lançastes o pior dos medos

Que alguma vez se pode proferir

Medo de trazer filhos

Ao mundo

Por ameaçardes o meu filho

Por nascer e sem nome

Não valeis o sangue

Que vos corre nas veias

 

Quando é que eu sei

Para falar o que não devo

Vós podeis dizer que sou ignorante

Mas uma coisa há que eu sei

Ainda que seja mais novo que vós

Nem mesmo Jesus jamais

Perdoaria o que fazeis

 

Deixai-me fazer-vos uma pergunta

O vosso dinheiro é assim tão bom

Comprar-vos-á o perdão

Achais que poderia

Penso que descobrireis

Quando a vossa morte vier cobrar o seu direito

Que todo o dinheiro que ganhastes

Jamais vos resgatará a alma


E espero que vocês morram

E a vossa morte chegue depressa

Seguirei o vosso caixão

Na pálida tarde

E ficarei a ver até vos baixarem

Ao vosso leito de morte

E vou vigiar a vossa campa

Até ter a certeza que estai mortos

 


domingo, 20 de fevereiro de 2022

ASSIM VAI O MUNDO

Durante os tempos salazarentos, nos cinemas de estreia, antes do filme, exibia-se um desenho animado e um jornal de notícias propagandistas da ditadura que dava pelo nome de «Assim Vai o Mundo».

Os papagaios televisivos não conseguem chegar a uma conclusão do que vai acontecer entre a Rússia e a Ucrânia.

Aquilo afigura-se a um jogo de máscaras que poderá acabar mal… ou em nada.

1

Os Estados Unidos colocaram mais 8.500 militares em alerta.

2

Kiev prepara-se para todos os cenários.

3.

Putin tem assistido a exercícios militares com misseis balísticos de cruzeiro.

4

Joe Biden acredita que Putin já decidiu invadir a Ucrânia.

4

A NATO diz que a concentração de tropas russas é a maior desde a guerra fria.

5

Boris Johnson disse que a Rússia planeia a maior guerra na Europa desde 1945.

6

Que Putin é um tipo de quem se espera tudo e algo mais, contudo Joe Biden parece estar a ceder aos falcões das guerras.

Um dia, após uma eleição norte-americana, perguntaram a Fidel de Castro o que pensava da nova figura e de imediato respondeu dizendo que importa pouco porque é sempre um presidente dos Estados Unidos.

7

Entretanto da China apenas se ouve um largo enorme silêncio.

sábado, 14 de agosto de 2021

O TORCIONÁRIO DO BEIJO ROUBADO


Uma noite, já longínqua e em lugar público, eu agarrei-me a um polícia, e ele a mim, aos pulos e abraços. Éramos adultos e a coisa completamente consensual mas, há que dizê-lo, estávamos a celebrar um crime. Então, não havia ainda o VAR e o crime ficou impune. Apesar disso, eu próprio me tenho encarregado de auto-denunciar a minha participação na tal prevaricação.

Isso foi, portanto, numa quarta-feira, 18 de abril de 1990. O meu conterrâneo Vata tinha acabado de cometer um golo com a mão, no jogo da Taça dos Campeões que levou o nosso Benfica a uma final europeia. Trago para aqui essa memória e não é por estar aguilhoado pelos remorsos. Não me penitencio. Assumo e explico-me: há momentos de júbilo em que os pecadilhos são perdoáveis.

Entre os abraços ao senhor agente (atenção, nunca houve beijo), vi mais gente nos mesmos preparos jubilatórios. Políticos de várias cores, cunhados que não se falavam nem no Natal (ali reunidos porque o sogro tinha lugares cativos), o pobre que se desunhou para comprar o bilhete na candonga e o administrador que fez o favor de só aceitar uma borla na bancada porque os camarotes estavam cheios... - quase todos em abraços apertados. Quero eu dizer, o meu crime de bancada era socialmente aceitável.

Assim, não o quero comparar com o crime hediondo ocorrido no dia 14 de agosto de 1945, na Times Square, Nova Iorque. Mas vou contar este por dever de atualidade. Ia Greta, com o seu vestido imaculado de enfermeira, sapatinhos e meias brancas também, e por ali andava Alfred, um fotógrafo com sua pequena Leica sem flash, como então tão pouco se usava. Havia um multidão, pois o Japão anunciou que ia render-se. Era o fim da II Guerra Mundial, 80 milhões de mortos, campos de concentração nazis e duas bombas atómicas - desculpem-me esses pormenores irrelevantes, quando estamos perante a coincidência de se encontrarem numa praça nova-iorquina a pureza da alva Greta e o Alfred tão sincero que não usava flash.

Eis que o marinheiro George assaltou esse momento diáfano! No meio da multidão, o marinheiro atacou violentamente a enfermeira Greta. Isto é, enlaçou-a (desculpem a brutalidade do termo) e beijou-a (desculpem, outra vez). O fotógrafo Alfred clicou e deixou para a eternidade o testemunho do horror. Veem-se na foto, à volta, homens e mulheres sorridentes - apesar da evidência do supremo mal tão próximo - parecendo mais interessados na minudência do fim da II Guerra, do que no crime ignóbil que assistiam. Ah, género humano, sempre tão distraído!

A foto, embora nunca exibida em nenhum museu do Mal (de Dachau ao Camboja), tornou-se famosa. Recentemente, procurou-se o marinheiro George e soube-se, para nossa vergonha nacional, que ele se chamava Mendonsa, filho de um Mendonça que emigrou. O marinheiro disse que tinha ido para a Times Square celebrar fim da guerra, até ia com a namorada, bebeu uns copitos, viu a enfermeira e pespegou-lhe um beijo à Hollywood.

 Logo no ano seguinte, Frank Sinatra e Gene Kelly, em Paixão de Marinheiro, iriam dar beijos iguais a raparigas, mas isso era Hollywood. Na vida real, em Times Square, na foto, vê-se o braço esquerdo da enfermeira, lânguido, sem estar agarrado, rendido, mas também o King Kong levou a rapariga para a Estátua da Liberdade e ela ia constrangida. Talvez a enfermeira Greta tivesse desmaiado pela violência do ataque inopinado. Quando também foi encontrada pelos jornalistas, muitas décadas depois, a enfermeira disse que o beijo não foi consensual, fora surpreendida pelo marinheiro.

Mas também contou que se chamava Greta Zimmer, fugida do seu país natal, Áustria, e refugiada nos Estados Unidos, em 1939. Quer dizer, naquele dia do fim de guerra, ela tinha motivos de júbilo. Mas não nos desviemos do essencial: a enfermeira foi atacada. O fotógrafo que publicou a foto na capa da revista Life chamava-se Alfred Eisenstaedt, era um judeu alemão, desde meados dos anos 30 refugiado na América. Naquele dia, na Times Square, também ele celebrava.

Mas porque insisto eu em falar de júbilo, quando 14 de agosto de 1945 foi o dia do horror?! Esta semana, aos 92 anos, morreu George Mendonsa, o torcionário do beijo, infelizmente sem nunca ter sido um daqueles velhos julgados como qualquer kapo de um campo de concentração nazi.

Ferreira Fernandes no Diário de Notícias.

quarta-feira, 19 de maio de 2021

PARA QUE RAIO SERVE A DEMOCRACIA?


Em 1882, o vocábulo "pogrom" foi registado pela primeira vez em inglês para designar a violência anti-semita no Império Russo. De acordo com o professor Colin Tatz, entre 1881 e 1920 houve 1.326 pogroms só na Ucrânia, que mataram 70 mil a 250 mil judeus civis, deixando meio milhão de desalojados.

Essa violência racista, que estava disseminada por toda a Europa Oriental, gerou nessa época uma onda de migração judaica para o oeste, grande parte dela para os Estados Unidos da América, que totalizou cerca de 2,5 milhões de pessoas.

Mas no ocidente europeu as perseguições violentas aos judeus também eram frequentes.

Em França, no fecho do século XIX, houve manifestações com milhares de pessoas a gritar "morte aos judeus" na sequência do caso Dreyfus.

As agressões contra os judeus eram frequentes em regiões da atual Alemanha, Áustria e Hungria.

No Reino Unido o anti-semitismo é recorrente e chega os nossos dias. Em 1904, na Irlanda , o boicote de Limerick, que excluia os judeus da vida económica, fez com que várias famílias judias deixassem a cidade. Durante o motim de Tredegar, em 1911 no País de Gales, casas e negócios de judeus foram saqueados e queimados. Na Palestina sob administração britânica, os judeus foram os alvos no massacre de Hebron em 1929 e do pogrom de 1929 em Safed.

E depois houve a II Guerra Mundial e o Holocausto de Hitler: 6 a 7 milhões de judeus assassinados, com setores populacionais de França e de vários países do Leste, entretanto ocupados pelos nazis, a ajudarem ao genocídio.

Este horror que descrevo é apenas uma pequena amostra da dimensão da perseguição euro-cristã-ocidental aos judeus nos últimos 150 anos e ignora milénios de massacres e perseguições anteriores, como as que aconteceram em Portugal.

Para acabar de vez com isto o jornalista Theodore Herzl, o inventor do sionismo político, propusera em 1896, num livro intitulado "O Estado Judaico", a fundação de uma "república aristocrática," governada por judeus e que se situasse fora da Europa. Para defender a localização desse Estado na Palestina, como veio a acontecer a partir de 1948, avançou, entre outros, com este argumento: essa zona seria "parte da muralha da Europa contra a Ásia... um posto avançado da cultura contra a barbárie".

O Estado de Israel dos nossos dias está a matar populações civis palestinianas, incluindo crianças, como, apesar das dificuldades em obter informação rigorosa, foi amplamente noticiado pelas agências noticiosas internacionais.

Esta resposta a um ataque com rockets feito pelo Hezbolah palestiniano é claramente desproporcionada e viola, sem desculpa, os direitos humanos de milhares de civis (a conta, por baixo, vai em 200 mortos e 60 mil desalojados em apenas nove dias).

O que está em curso é uma limpeza étnica na Cisjordânia e uma matança em Gaza. Não se chama pogrom, mas é, ironia trágica, algo bastante parecido.

O poder político na Europa tem na consciência o peso moral da perseguição milenar aos judeus, que culminou no Holocausto nazi, e de não conseguir, ainda hoje, eliminar dentro de portas o anti-semitismo. Mas tem também no raciocínio a lógica calculista de ver Israel como uma ponta de lança da sua própria expansão civilizacional, "da cultura contra a barbárie", como escreveu Herzl. Antigamente chamavam a esta arrogância de "imperialismo", hoje em dia dizem-nos que é "defesa da democracia".

E é em nome dessa visão corrompida e corruptora da "defesa da democracia" que os Estados Unidos da América lideram a hipocrisia diplomática que poupa Israel a pressões internacionais consequentes, isto depois de ter promovido a normalização das relações israelitas com belos exemplos de "democracia" como são a Arábia Saudita, o Bahrein, os Emirados Árabes Unidos, para além do Egito.

O apoio árabe aos "antidemocráticos" palestinianos é agora pueril e a miragem da coexistência pacífica de dois estados na Palestina desvanece-se em areia.

Quando leio gente supostamente humanista a defender que apesar dos "excessos" (que eufemismo cruel para uma chacina, caramba!...) há que escolher um lado entre Israel e palestinianos e esse lado tem de ser o da democracia e, por isso, é o lado de Israel, tenho de contrapor: se a democracia serve para legitimar crimes contra a humanidade, para que raio queremos a democracia?

 

Pedro Tadeu em Diária de Notícias-on line 

quarta-feira, 17 de março de 2021

OLHARES


Cumpriram-se, ontem, 18 anos sobre o golpe anglo-americano, acolitado por Portugal e Espanha, que marcaram o pré-início da Guerra do Iraque.

A Cimeira das Lajes, na Ilha Terceira, reuniu George W. Bush, Tony Blair, José Maria Aznar, Durão Barroso, que quiseram «mostrar» ao mundo as armas de destruição maciça que Saddam Hussein escondia debaixo das areias do deserto, que levaram ao desencadear da Guerra do Iraque, a 20 de Março, e que ainda hoje, com variadas cambiantes e personagens, ainda se mantém sem qualquer fim à vista.

Uma guerra com cidades destruídas, milhares e milhares de mortos, milhares e milhares de feridos, milhares e milhares de refugiados, só conduziram à destruição total. As tais armas de destruição maciça nunca apareceram, o regime democrático que quiseram implantar, no Iraque, nunca aconteceu.

Que ninguém lhes perdoe!

terça-feira, 14 de julho de 2020

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No New York Times de 1 de Junho de 1940, poderia ler-se:

«Enquanto a língua inglesa existir, a palavra Dunkerque tem de ser pronunciada com reverência…»

A retirada de Dunquerque tem o nome de código «Operação Dínamo».

Com as tropas aliadas cercadas pelos alemães em terras de França, a que se junta a perspectiva de uma clara derrota, o governo britânico determina a evacuação de cerca de 45 mil homens, depois alterada para 120 mil homens, acabando por serem evacuados 338.226 homens.

O que impressiona nas fotografias que registam a retirada, são os milhares de homens ao longo da costa que, com coragem e disciplina, esperam a chegada dos pequenos barcos, que são iates, barcos de recreio, rebocadores do RioTamisa, que os iriam transportar para os  contratopedeiros que tiveram de ficar ao largo, ao mesmo tempo que eram bombardeados pela aviação alemã.

Há algum desconforto numa certa alegria então sentida, quando Winston Churchill afirma:

«As guerras não se vencem com evacuações.»


Segundo as pesquisas de Richard Collier, os ingleses perderam 68 111 homens – mortos, feridos ou prisioneiros de guerra. Ainda segundo Collier em termos grosseiros, 40 000 homens, alguns dos quais franceses, goram feitos prisioneiros. Dos feridos em campanha, 8 061 britânicos e 1 230 aliados forma evacuados para Inglaterra e apenas 1,7 por cento dos feridos acabariam por morrer.

RichardCollier, a abrir, diz-nos que o livro não é a narrativa completa de Dunkerque: «apenas a história de um grupo de pessoas cujas vidas estiveram ligadas àquela semana fatal. Não abrange todos os factos nem sequer aproximadamente; ninguém poderia descrever com exactidão o gigantesco êxodo que durou nove dias e envolveu bastantes milhões de homens e mulheres. E visto que as próprias pessoas se encontraram muitas vezes em estado de choque, ocupadas ou desnorteadas de mais para anotarem os seus gestos hora a hora, até as estatísticas fundamentais têm se der encaradas com reservas.»

O que se passou em Dunkerque, continua a ser um mistério para os historiadores da Segunda Guerra Mundial. Uma das teses é que Hermann Göring teria garantido a Hitler que a Luftwaffe sozinha faria os britânicos se renderem, o que não aconteceu. Outra tese seria de que Hitler queria mais uma vez tentar um acordo de paz com os ingleses, e por isso ordenou o cessar fogo.


A págs. 413, Richard Collier conta-nos:

«No dia 1 de Junho, Hitler, visitando de passagem o quartel-general Von Bock em Bruxelas, encontrara o comandante do Grupo B so exército melancólico e reservado. Sentindo-se talvez constrangido, o Fuhrer deu-se ao cuidado de explicar: «Você provavelmente está surpreendido por eu ter mandado parara as divisões de tanques mas receava um ataque francês no Sul e não era possível sofremos aí um desaire.»

Quando o general Von Kleist, dos Panzers, se lhe queixou do mesmo mais tarde, Hitler foi petulante: «É provável! Mas eu não quis enviar os Panzers para os pântados da Flandres e não quero ouvir falar mais dos ingleses nesta guerra!»

Teria o Fuher, até ao fim, desejado poupar os ingleses , como pensava Von Rundstedt? Ou calculara mal o poder de luta dos franceses e o pavor dos pântanos da Flandres obrigara-o a meter travões no momento vital? A evidência sugere que estes motivos, assim como a amior parte dos homens, foram inextricavelmente confudos mas uma coisa é certa: o grosso da hierarquis do exército esperava uma paz  negociada daí a algumas semanas.»

Perante o que se sabe, e sobre a retirada de Dunquerque, é escusado falarmos de milagres.

Porque não existem, simplesmente!

Apenas o silêncio do medo.

Do que se passara até então, do que estava para acontecer.



OLHAR AS CAPAS


A Batalha de Dunkerque

Richard Collier
Tradução: Orlando Neves
Capa: Carlo Santos
Colecção Testemunhos nº 7
Editorial Início, Lisboa, 1968

O sapador Thomas Marley teve o maior choque da sua vida. Desde o momento em que o seu comandante, o major Adams, lhe disse: «Dirija-se para Dunquerque», ele ficou convencido de que a sua companhia de sapadores tinha por qualquer motivo caído em desgraça e estava a ser reenviada para Inglaterra. 
Agora, estremecendo sob a chuva torrencial na praia de Dunquerque, com a ´gua pela cintura enquanto ajudava a meter as padiolas em pequenos barcos, Marley era um dos milhares que já pensavam diferentemente. Não era apenas a sua companhia que regressava. Era todo o exército.
Aqueles pontos luminosos perfurando a escuridão quando ele chegou à parai não eram pirilampos mas soldados – incontáveis milhares deles – acendendo silenciosamente cigarros. O tinir estrondeante, arrasador dos nervos, como um malho batendo numa bigorna, eram os canhões de 4 polegadas dos destroyers matraqueando os Heinkels e os Messerschmitts. O leve e sobrenatural zumbido, como o vento soprando nos fios do telégrafo, era o lamento dos feridos que Marley ajudava a socorrer.
«Leva-me o mais levemente que possas», disse um homem a Marley com realismo. «Sei que estou a morrer.» Para marley, como para milhares de outros, este era o momento da verdade. 

domingo, 10 de maio de 2020

ANTOLOGIA DO CAIS


Para assinalar os 10 anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana estão guardados para lembrar alguns textos que por aqui foram sendo publicados.

O FINAL DA GUERRA EM LISBOA


Não houve qualquer meio de impedir os portugueses de, nos primeiros dias de Maio de 1945, virem para as ruas, euforicamente, festejar a vitória dos aliados face à besta nazi.

Tão pouco isso interessava aos propósitos de hipocrisia neutral de Salazar.

Por isso as tolerou.

Sempre esteve com Deus e com o Diabo.

Tinha eu pouco mais de um mês de vida, mas por esses dias por estas ruas, lá andaram o meu avô e o meu pai.

O meu avô contava que, nas ruas, apareceram bandeiras portuguesas, britânicas, norte-americanas, francesas e… bandeiras do Benfica, habilidade, contava ele, utilizada para representarem a bandeira da União Soviética.

Numa entrevista, de que não tenho indicação de nome e data do jornal, José-Augusto França confirma a versão do meu avô:

Mais tarde, soube que por cá os meus amigos tinham andado em grandes festas e que se fizeram manifestações a festejar a vitória dos aliados, apareceram uns paus sem bandeira e até bandeiras do Benfica. Eram, evidentemente, a homenagem aos aliados soviéticos, cujo nome não podia ser mencionado

José Gomes Ferreira, em Intervenção Sonâmbula, também refere o episódio:

No entanto, o povo berrava nas ruas a sua alegria com lágrimas e bandeiras (muitos empunhavam apenas paus nus com imaginárias bandeiras vermelhas da pátria dos sovietes), ainda com alguns ingénuos a quererem convencer-se de que a mágica queda do salazarismo aconteceria no dia seguinte.

Quem não dançou, quem não cantou, quem não soltou vivas e morras nessa noite? Mas entre aqueles milhares e milhares de pessoas, recordo-me sobretudo – é curioso como certas imagens sobrenadam na memória em detrimento de outras – recordo-me do Fernando Lopes Graça então 30 anos mais novo, a mancar, com os pés doridos de tanto marchar pelas pedras de Lisboa

Texto publicado em 2 de Maio de 2015.