Poucas canções nos
surgem tão coladas a um tempo e a um contexto histórico como “We’ll Meet
Again”, que os compositores ingleses Ross Parker e Hughie Charles escreveram em
1939 e Vera Lynn cantou em 1942 e voltaria a cantar no ano seguinte no filme
com o mesmo nome, realizado por Philip Brandon.
A sua letra é a
seguinte:
“We'll meet again,
Don't know where, don't know when,
But I know we'll meet again
Some sunny day.
Keep smiling through,
Just like you always do,
'Till the blue skies drive the dark clouds far away.
So will you please
say hello
To the folks that I know,
Tell them I won't be long.
They'll be happy to know
That as you saw me go,
I was singing this song
We'll meet again,
Don't know where,
Don't know when,
But I know we'll meet again,
Some sunny day.”
Numa Europa já
espezinhada pela barbárie nazi e numa Inglaterra que tinha acabado de
atravessar talvez os tempos mais dramáticos da sua História coletiva (o
“Blitz”), esta música era um grito de esperança em relação ao futuro. Não era
hora para grandes choros nem para profundas lamentações. Pelo contrário,
haveria que erguer a cabeça e continuar a lutar mantendo um sorriso no rosto, porque
as nuvens escuras passariam, o céu voltaria a ficar azul e, por muito tempo que
isso pudesse levar, aqueles que agora partiam para a Guerra iriam regressar e
todos se encontrariam juntos, de novo, num radioso dia de Sol.
Não foram só os
discursos de Churchill… Não foi, apenas, com o sangue, o suor e as lágrimas…
Coisas como esta também contribuíram - e muito… - para forjar a resistência de
toda uma nação.
Refiro-me mais à
canção do que ao filme, claro está, porque este é muito pobrezinho e quase só
existe para se aproveitar dela, embora se revista de um inequívoco interesse
histórico.
No filme - muito
pouco visto por estas bandas - Vera Lynn é Peggy, uma jovem bailarina
que, numa noite em que os espectadores do teatro onde trabalha são obrigados
permanecer no interior das instalações para se protegerem do “blitz”, é levada
a cantar para os entreter, e, embora o faça a contragosto, demonstra tal
qualidade que, passado pouco tempo, a veremos já como grande vedeta da
BBC a cantar para as tropas do seu país.
Todas as canções do
filme seguem a mesma linha temática de “We’ll Meet Again”.
“After de Rain”, que
é uma das mais repetidas, já se percebe no que irá dar… Depois da chuva
surgirá, certamente, um céu azul e um sol radioso…
“Sincerely Yours” é a
explicitação da devoção de Vera Lynn aos soldados e ao esforço de guerra. Por
si só, é todo um programa:
“When life seems a
dull December
And you need
sympathy
A smile and a kind
word or two will always help you through
And so I promise
you
I’m yours
sincerely
I want you to know
I’m really forever sincerely yours
Should cares
betide you
You know I’ll be
there beside you
Forever sincerely
yours
If you need a
someone
To help you along
with a smile and a song
I’m your sincerely
Whatever befalls
I’m really forever
sincerely yours”
E até uma pequena
canção de embalar se transforma, no filme, num hino à esperança.
O filme termina com a
cena que vos mostro, onde se vê já não Peggy, mas claramente Vera Lynn a
cantar “We’ll Meet Again”para uma imensidão de soldados da RAF.
E foi isto que, na
realidade, Vera Lynn fez durante os anos que se seguiram, como também já o
havia feito antes. Cantou para os soldados ingleses um pouco por todo o Mundo,
em África, na Ásia, na Oceânia... Ficaria, para sempre, nos corações de gerações
e gerações de ingleses, sobretudo os veteranos da guerra (por isso lhe chamavam
“Forces Sweetheart”…) e viria a receber as mais altas condecorações atribuídas
a cidadãos britânicos.
A 18 de Junho, dois anos que faleceu, com a bonita idade de 103 anos, não
sem que antes lhe tenha sido concedida uma nova e significativa honraria: ter
sido eleita, no ano 2000, a cidadã britânica que melhor encarnou o espírito do
Séc. XX.
Em 1979 os Pink Floyd
evocaram-na no duplo álbum “The Wall” com uma curta canção (chamemos-lhe
assim…) chamada “Vera”, que surge imediatamente colada a outra que se chama,
apropriadamente, “Bring the Boys Back Home”, naquela que é uma evocação desses
tempos de Guerra por parte de Pink, que parece ser um alter-ego de Roger Waters
nesse concept album. Não lhe acho muita graça e só o refiro aqui a
título de curiosidade, para que se perceba a que ponto chegou a importância de
Vera Lynn no imaginário coletivo dos ingleses.
Mas curiosidades é
coisa que não falta em torno de “We’ll Meet Again”…
Oitenta anos mais
tarde esta canção seria de novo evocada em Inglaterra pela própria
Rainha, numa clara mensagem de esperança, a propósito da
necessidade de toda a Nação se unir para superar um novo e assustador perigo
coletivo: a Covid...
Muitos anos antes, no
auge da Guerra Fria, parece que esta terá sido uma das gravações que a BBC
guardou a sete chaves em subterrâneos para que pudesse, posteriormente, voltar
a insuflar ânimo àquela parte da população que viesse a sobreviver a um ataque
nuclear…
E talvez até tenha
sido por ter ouvido falar nisso que, em pleno rescaldo da Crise dos Mísseis de
1962, Stanley Kubrick, que nunca foi muito de ver o Mundo a cor-de-rosa,
utilizou esta mesma canção para simbolizar, já não a esperança, mas o medo de
um conflito nuclear, que é, precisamente e por muito que não queiramos nisso
acreditar, o que paira no nosso horizonte nos dias de hoje.
Com efeito, foi
“We’ll Meet Again” a canção que ele escolheu para concluir o seu “Dr.
Strangelove”, de 1964, enquanto no ecrã passam as imagens de um desastre
nuclear. Não poderia haver maior ironia e maior contraste…
Em 1965, em pleno
início da Guerra do Vietname, também os Byrds recorreram a esta música, numa
das mais estranhas e intrigantes opções de todo o seu vasto repertório,
transformando-a, com as suas rajadas de guitarras elétricas, num sucesso
do Pop/Rock. De novo o medo da guerra e a esperança em dias melhores, ou mera
reação oportunista ao filme do Kubrick do ano anterior…?
Quem também a
interpretou, na última sessão de gravações que fez pouco tempo antes de
falecer, foi Johnny Cash.
Mas aí tenho a
certeza de que ele não estava a pensar em soldados e na guerra, nem, tão pouco,
em qualquer possível desastre nuclear.
O velho e católico
Johnny Cash não poderia adivinhar que a sua muito amada mulher, June, lhe iria
desaparecer poucos meses depois e que ele próprio poucos tempo mais lhe iria
sobreviver. Mas quando pediu aos membros da sua Família para se juntarem a ele
na gravação dessa canção, aposto que estaria a pensar que seriam eles e, acima
de tudo, a sua querida June, quem ele tinha a certeza de que iria voltar a
encontrar nesse tal dia de céu azul e de muito Sol.
Como é que eu
sei…?
Porque ele se descaiu
e, na parte final declamada, diz: “So Honey keep smilin’thou just like
you always do…”. Esse “Honey” não existe em lado nenhum na letra da música nem
em nenhuma das muitas versões que conheço. Foi ele que o introduziu,
deliberadamente… Porque é para June que está a fala, nessa derradeira e pública
declaração de Amor…
E quanto a nós…?
Veremos algum dia as
nuvens negras passar…?
Will we ever meet
again…?