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«Vamos arrancar-vos o coração»

Sempre que volto a ver um filme de John Ford, fico presa. Já conheço as personagens, os actores, as paisagens — é tudo familiar e essa proximidade leva-me a perceber melhor as razões (ou contradições?) de cada um e a  profundidade de campo da história . No caso d’ O homem que matou Liberty Valance (1962) , há um traço que divide os territórios de Tom Doniphon e de Ransom Stoddard. Ambos desejam mais ou menos o mesmo, mas um acredita que a justiça é uma coisa pessoal que passa pela defesa armada rápida (ou ataque, se for caso disso) e o outro acredita na protecção da lei (e dos livros) para todos. Um representa o passado; e o outro, o futuro de uma república democrática fundada sobre uma Constituição cujo preâmbulo abre com as palavras «nós, o povo». Ora nem mais, o povo. O filme começa com Doniphon dentro de um caixão simples e barato, sem pistolas nem botas, um tipo que não tem onde cair morto está para ali à espera de voltar à terra a que sempre pertenceu. Stoddard, pelo contrári...

Observações avulsas sobre o bonfim #67

Ao chegar ao Batalha por volta das cinco e meia, passaram por mim três homens a falar alto. Um deles disse: então andavam para aí com martelos e ferros e nós havíamos de nos ficar? Foi muito bem feito. Que vão para a terra deles. Parei e fiquei a olhar. Eles saíram de campo e então vi, em frente à Igreja de Santo Ildefonso, os polícias do Corpo de Intervenção destacados para o cortejo da Queima das Fitas.

Urna eleitoral

(...) No Distrito de Santarém, moro numa pequena aldeia onde há pessoas que vivem do Rendimento Social de Inserção, um subsídio que o Chega já disse várias vezes querer diminuir drasticamente e, talvez mesmo, acabar com ele. Pois há pessoas nessas condições que declararam ir votar no Chega, num aparente suicídio financeiro através da urna eleitoral. (...) Crónica de Pedro Tadeu no DN.

«Tu fazes como os outros, fazes o que tens a fazer.»

«sentada numa paragem de autocarro em Oeiras, disse ao microfone da SIC-N que tinha votado no partido de extrema-direita porque quer para as filhas, netos e bisnetas o que havia antigamente, antes do 25 de Abril. Perguntada pela jornalista sobre se nesse caso achava que o seu voto vai melhorar a vida democrática do país, a entrevistada diz que sim e que espera melhoras na habitação e saúde.» Também vi esta peça que a Fernanda Câncio refere no seu texto. A mulher estava contente porque tinha votado em quem ganhou (na verdade, em quem ficou em terceiro lugar).  Nota: é o segundo link para o DN, no dia em que a Global Media avança com um despedimento colectivo.

Para armar sarrabulho lá no Parlamento

Não encontrámos jovens que assumissem ter votado Chega. Já mais velhos, bastantes. Paulo Guerreiro, 65 anos e Francisco Palma, 62, assumem-no. “Já votei PS e CDU, mas desta vez foi Chega. Ele (André Ventura) é frontal, diz as verdades”, diz Guerreiro, enquanto empilha as caixas dos sapatos que não vendeu na feira.  Por seu lado, Palma reconhece que “se soubesse que ia ter tantos votos, não tinha votado Chega”. “Não quero que ganhe, é só para armar sarrabulho lá no Parlamento. Estamos saturados de serem sempre os mesmos e não resolverem os nossos problemas. É preciso alguém para agitar”, frisa, segurando numa caixa com pés de agrião para plantar. Sugere mesmo que o PSD “dê uma oportunidade ao Chega no Governo, para ver o que fazem”.  Da reportagem de Valentina Marcelino no DN.

Não se pode dizer assim muito claramente

Num café em Beja, uma jornalista pergunta a duas mulheres se não estão admiradas com a votação do distrito . Dizem que não, que toda a gente estava à espera.  A jornalista pergunta porque é que isto aconteceu. Uma refere a insegurança por causa da imigração. A outra diz: — Por muitos motivos, alguns não se pode dizer assim muito claramente.
Eleições de 1975. Arquivo Diário de Notícias.

Observações avulsas sobre o bonfim #56

Ontem reabriu o Café Saudade. Na segunda-feira foi a frutaria que fica em frente e nem sequer tem nome na montra. Juntamente com a paragem C24A1 dos STCP, formam uma espécie de trindade identificária da zona (um enclave na marca Porto. ) Não é fácil definir as características deste lugar mas talvez se possa dizer, sem grandes preocupações, que é cosmopolita, não tanto pelos turistas, mas pelos imigrantes, pela diversidade de faixas etárias (muitos velhos e crianças), géneros sexuais e mentais, etc.; de certa forma corresponde a uma primeira página do Correio da Manhã ao vivo (na frutaria parece que andam todos — empregados e clientes — com uma navalha no bolso); e demonstra que o povo nunca deixou de existir, apenas já não pensa nas expectativas. Um outro tipo de Bartleby.

O povo

Tenho andado a pensar no que a deputada do PSD disse na noite das eleições: o que falhou foi o povo português .  Há uma classe social que tem dificuldade em se expressar (isso implica que também tem dificuldade em pensar — adiante), acho que o raciocínio completo subjacente à frase de Isabel Meireles é: o que falhou foi o povo português não ter feito  o que nós lhe dissemos que era o melhor para ele .  O que falhou, o que falhou  tremendamente  foi ele (ah, o povo português transformado em ele por oposição ao eterno poderoso  eles , a medir forças pronominais) pensar e agir pela sua própria cabeça — que pode muito bem ser o princípio de uma definição escorreita de democracia.  A frase ganha ainda outras ressonâncias contrárias, pois não só o povo não falhou como não faltou . Quando menos se espera, mesmo não seguindo os nossos desejos, aí está ele: o povo.

E o povo voltará a ser simples e frugal

Fazei cair por terra a santidade e rejeitai a prudência e deixarão de existir pequenos ladrões. Deitai fora as pedras preciosas e destruí as pérolas e deixarão de existir os grandes ladrões. Queimai os contratos e parti os carimbos e o povo voltará a ser simples e frugal. Baralhai as medidas e quebrai as balanças e as gentes não mais se disputarão. Aboli as instituições dos santos e dos reis e o povo tornar-se-á sensato. CHUANG CHOU Chuang Tse [séc. IV a. C.]