Cisnes. Escher, 1956.
Dinâmica e gênese dos grupos: o legado de Kurt Lewin
Material de apoio da disciplina “Intervenção e Processos Grupais”
Curso de Graduação em Psicologia – UNESP Bauru
Profa. Juliana C. Pasqualini
2017
O psicólogo Kurt Lewin (1890-1947) foi quem introduziu o termo “dinâmica
de grupo” nas ciências sociais e “deu nome e identidade definitivos para o estudo dos
grupos” na Psicologia Social norte-americana (MARTIN-BARÓ, 2017, p.141). Suas
proposições têm importância histórica para a ciência psicológica – a ponto de se
considerar que Lewin “conquistou” o grupo como objeto da psicologia – e seu legado
teórico-científico apresenta ainda hoje contribuições relevantes para a formação de
psicólogos. Tendo em vista subsidiar o ensino da teoria da Dinâmica de Grupo no
âmbito da graduação em Psicologia e considerando a escassez de publicações que
cumpram essa função1, tivemos como objetivo nesse texto elaborar uma revisão e
síntese teórica da concepção de Lewin sobre os grupos humanos, contextualizando
historicamente sua elaboração conceitual e metodológica, destacando suas principais
teses e as implicações teórico-práticas delas decorrentes e, por fim, apresentando a
apreciação das contribuições e equívocos do pensamento lewiniano formulada por
autores do campo crítico, como George Lapassade, Ignácio Martin-Baró.
Kurt Lewin teve uma vida breve mas extremamente fecunda em termos do
desenvolvimento e socialização de seu pensamento científico. Vindo a falecer
prematuramente aos 56 anos, no ano de 1947, Lewin nasceu em 9 de setembro de 1890
na Prússia e fez seus estudos universitários na Alemanha, os quais incluíram formação
em Química, Física, Filosofia e finalmente Psicologia. Doutorou-se em 1914 na
Universidade de Berlim, defendendo uma tese sobre psicologia do comportamento e das
emoções. Nesse mesmo ano iniciou sua carreira acadêmica, mas logo foi convocado
1
Essa necessidade foi por nós identificada justamente na condição de docente responsável pela
disciplina “Intervenção e Processos Grupais” para a graduação em Psicologia a partir de 2011.
Buscamos, nesse sentido, nos somar aos esforços de Andaló (2006) e Barreto (2010).
1
pelo Exército, ao qual serviu durante toda a Primeira Guerra Mundial. Em 1921 tornouse professor assistente do Instituto de Psicologia da Universidade de Berlim e em 1926
confirmou-se professor titular, conservando suas funções até 1933, quando da tomada
do poder pelos nazistas. Na condição de judeu, foi então obrigado a deixar a Alemanha
com sua família, sob pena de ser encarcerado em campo de concentração. Viveu alguns
meses na Inglaterra e emigrou para os Estados Unidos.
Num primeiro momento de sua produção científica, ainda radicado na Europa,
Kurt Lewin interessava-se pela psicologia individual, sob a ótica gestaltista, mas já
apontando a importância do ambiente na determinação do comportamento.
Posteriormente, em especial a partir de 1936, o pesquisador voltou sua atenção para a
problemática dos grupos humanos. No prefácio à coletânea “Problemas de Dinâmica de
Grupo”, publicada logo após a morte de Lewin, sua esposa, Gertrud Weiss Lewin, relata
que ele viveu os últimos quinze anos de sua vida nos Estados Unidos e nesse período
seu interesse científico foi-se concentrando cada vez mais nos problemas de psicologia
social e dinâmica de grupo. Barreto (2010) destaca, nessa direção, que “datam da
segunda metade dos anos trinta suas investigações que redundariam no nascimento e na
expansão do movimento de Dinâmica de Grupo, primeiro nos EUA e posteriomente em
escala mundial.” (p.14).
Segundo Mailhiot (1977), “o primeiro problema social ao qual Lewin dedica
sua atenção, após emigrar para os Estados Unidos, é a psicologia de seu próprio grupo
étnico. As discriminações, as injustiças, os vexames, o ostracismo aos quais ele e os
seus foram submetidos pelos nazistas nos últimos meses vividos na Alemanha
traumatizaram-no sob muitos aspectos” (p.29). No período de 1935 a 1941, publicou
quatro estudos sobre a psicologia dos judeus, a saber: Problemas psicológicos de um
grupo minoritário, Enfrentando o perigo, A educação da criança judia e Ódio de si
entre os judeus. Nesses estudos, Lewin adota os conceitos de maioria e minoria
psicológica. Em psicologia, os termos minoria e maioria assumem sentidos diferentes da
demografia: “um grupo é considerado fundamentalmente como maioria psicológica
quando dispõe de estruturas, de um estatuto e de direitos que lhe permitem autodeterminar-se no plano do seu destino coletivo, independentemente do número ou da
porcentagem de seus membros” (p.30). Assim, “é considerado como maior pelo
psicólogo social todo grupo humano que se percebe na posse de plenos direitos que dele
fazem um grupo autônomo” (p.30). Por outro lado, um grupo deve ser classificado
como uma minoria psicológica desde que seu destino coletivo dependa da boa vontade
de um outro grupo” (p.30). Para Lewin, a minoria psicológica não existe senão porque é
tolerada, ou seja, sua sobrevivência depende da boa vontade das classes privilegiadas.
“Os membros que pertencem a uma minoria psicológica se sentem, se percebem e se
conhecem em estado de tutela. E isto independentemente da porcentagem de seus
membros em relação à população total onde vivem” (p.30).
Após tentar elucidar a psicologia das minorias judias, Lewin se esforça por
apreender as constantes psicológicas de todo grupo minoritário, buscando elaborar uma
psicologia dos grupos minoritários.
2
Nos Estados Unidos, o pesquisador lecionou nas Universidades de Standford,
Cornell e Iowa, nesta tendo sido convidado a ocupar a cátedra de psicologia da criança.
Em 1939 retornou a Standford e em 1940 tornou-se professor da Universidade de
Harvard. Em 1944, já com um acúmulo de esforços pioneiros de investigação científica
sobre a vida dos grupos, publicou o artigo “Fronteiras na Dinâmica de Grupo”, no qual
afirma a realidade (existência) do grupo como “entidade social” que deve ser tomada
como objeto de estudo científico, requerendo um corpo conceitual próprio. Nesse
mesmo ano foi convidado a organizar e dirigir o Research Center of Group Dynamics
(Centro de Pesquisas de Dinâmica de Grupo) vinculado inicialmente ao MIT
(Massachusetts Institute of Technology) (LAPASSADE, 1983). A preocupação
dominante de Lewin passou a ser a de elaborar uma psicologia dos grupos dinâmica e
gestáltica, articulada e definida por referência constante ao meio social no qual se
formam, integram-se, gravitam ou se desintegram os grupos.
De acordo com Gertrud W. Lewin, o Centro de Pesquisas de Dinâmica de
Grupo foi concebido e planejado por Lewin como um laboratório destinado a
desenvolver uma combinação entre pesquisa e ação, concretizando a relação entre teoria
e realidade, o que, segundo ela, era uma preocupação permanente e premente do autor.
Nessa instituição, dirigiu um programa de pesquisa sobre a dinâmica dos pequenos
grupos de grande importância teórica e empírica e “(...) não só desenvolveu um rico
arsenal de conceitos, princípios e dados empíricos, mas soube criar um notável
entusiasmo entre seus discípulos, que continuaram seu trabalho e sustentaram sua
contribuição até o presente” (MARTIN-BARÓ, 2017, p.142). Após sua morte, em 1947,
o centro mudou-se para a Universidade de Michigan em Ann Arbor (BARRETO, 2010).
Conforme Barreto (2010), a temática dos grupos sociais fora objeto da
sociologia desde seus primórdios, partindo de antigas especulações filosóficas a respeito
da natureza e características dos grupos humanos. A pesquisa e a teorização dos grupos
à luz da psicologia são, por sua vez, mais tardias “(...) e decorrem principalmente dos
empenhos do psicólogo social alemão Kurt Lewin.” (p.13-14). O autor considerava que
o estudo dos grupos se constituía como trabalho investigativo na interface entre
psicologia e sociologia, assim posicionando-se na introdução do artigo “Experimentos
com espaço social”, originalmente publicado em 1939:
Como sou oficialmente psicólogo, talvez devesse desculpar-me perante os
sociólogos por ultrapassar as fronteiras do meu campo. (...) Na última década,
a Psicologia aprendeu a dar-se conta da extraordinária importância dos
fatores sociais em praticamente toda espécie e tipo de comportamento. É
verdade que, desde o primeiro dia de sua vida, a criança faz parte de um
grupo e morrerá se o grupo não cuidar dela. Os experimentos sobre êxito e
fracasso, nível de aspiração, inteligência, frustração e todos os demais,
demonstraram, de maneira cada vez mais convincente, que o objetivo que
uma pessoa se propõe é profundamente influenciado pelos padrões sociais do
grupo a que pertence ou deseja pertencer. O psicólogo atual reconhece que
existem poucos problemas mais importantes para o desenvolvimento da
criança e para o problema da adolescência que um estudo dos processos pelos
quais uma criança incorpora ou se opõe à ideologia e ao estilo de vida
predominante em seu clima social, às forças que a levam a pertencer a
determinados grupos, ou que determinam seu status social e sua segurança
dentro desses grupos.
3
Uma tentativa autêntica de abordar experimentalmente esses problemas – por
exemplo, os de status social ou liderança – implica, tecnicamente, a
necessidade de criar diferentes tipos de grupos, e de estabelecer
experimentalmente uma série de fatores sociais que poderiam alterar tal
status. O psicólogo social experimental terá de familiarizar-se com o trabalho
de criar experimentalmente grupos, de criar um clima social ou estilo de vida.
Espero portanto que o sociólogo o desculpe quando ele não possa evitar
ocupar-se também dos problemas, ditos sociológicos, de grupos e da vida
grupal. Talvez o psicólogo social possa até mostrar-se de considerável
utilidade para o sociólogo. Frequentemente, a pesquisa na linha fronteiriça de
duas ciências se mostrou particularmente vantajosa para o progresso de
ambas. (LEWIN, 1949, p.88, grifo nosso)
Lewin concebe o grupo como um todo dinâmico caracterizado pela
interdependência dos membros. No texto de apresentação da coletânea “Problemas de
Dinâmica de Grupo”, Gordon W. Allport (1948) sintetiza a concepção do autor acerca
da relação indivíduo-grupo: “o grupo a que pertence o indivíduo constitui a base de suas
percepções, ações e sentimentos” (p.7) e “a menos que seja alterada a estrutura do grupo
que os inclui, não é possível transformar fundamentalmente os indivíduos” (p.11).
A dinâmica de grupo pretendia ser a ciência experimental dos pequenos
grupos. Portanto, seu objeto seria o micro-grupo e seu método deveria ser experimental.
A ênfase no estudo de microgrupos ou face-to-face groups justificava-se, segundo o
próprio autor, em vista do insuficiente instrumental conceitual e metodológico da
ciência psicológica para a compreensão de fenômenos ao nível da sociedade global ou
dos grandes conjuntos sociais. O estudo dos pequenos grupos constituía, para Lewin,
uma opção estratégica, que permitiria desvelar os mecanismos psicológicos de
integração e desenvolvimento dos diversos tipos de micro-grupos, levando a que, pouco
a pouco, se evidenciassem “certas constantes na formação e na evolução dos
agrupamentos humanos” (MAILHIOT, 1997, p.23). Segundo Mailhiot (1977), o
período em que se dedicou ao estudo da psicologia dos grupos minoritários (a princípio
o grupo judeu e posteriormente as minorias psicológicas em geral) foi decisivo para que
Lewin constatasse que a inteligência científica dos macro-grupos não se tornaria
acessível senão após longas e sistemáticas pesquisas sobre a psicologia dos grupos
restritos (p.39).
No plano metodológico, Lewin advogava que as construções teóricoconceituais deveriam ser relacionadas aos fatos observáveis por meio de definições
operacionais de modo que as hipóteses pudessem ser verificadas. Em outras palavras,
defendia um empirismo metodológico. O pesquisador preocupava-se com a superação
do que chamou de etapa pré-científica da Psicologia tanto do ponto de vista
metodológico quanto teórico e investigou problemas que pareciam inteiramente
inacessíveis à experimentação, como, por exemplo, o fenômeno da liderança. Allport
(1948) destaca o caráter pioneiro dos métodos de Kurt Lewin, que, segundo ele,
conseguiu adaptar a experimentação a problemas complexos da vida do grupo:
“problemas que poderiam parecer inteiramente inacessíveis à experimentação renderamse à sua investida.”
Em sua primeira fase, a Dinâmica de Grupo “constituiu-se como uma ciência
experimental praticada em laboratório e sobre grupos artificialmente reunidos, para fins
4
de experiência, com controle de variáveis, quantificação, etc. Numa segunda fase, saiu
do laboratório, passando a tratar com grupos reais, na solução de conflitos sociais.”
(ANDALÓ, 2006, p.43) Entre os temas e aspectos investigados podem ser destacados:
coesão, comunicação, criatividade, liderança, mudança e resistência à mudança.
Vemos assim, com Lapassade (1983, p.66), que “no sentido original (...) a
dinâmica de grupo constitui o setor de pesquisas aberto por Kurt Lewin e por seus
assistentes entre 1938 e 1939.” Contudo,
num sentido mais amplo e mais popular, o mesmo termo tende a
designar, ao mesmo tempo, o conjunto de pesquisas experimentais
sobre os pequenos grupos e todas as técnicas de grupo que constituem
os meios ditos de aplicação. Essas técnicas são instrumentos de
formação, de terapia, de animação e de intervenção, que têm como
denominador comum o fato de se apoiarem no grupo.
Em sentido semelhante, Barreto (2010) considera que a Dinâmica de Grupo
desenvolveu-se historicamente consolidando-se como campo de pesquisas, realizadas
em laboratório ou em campo, e também como campo de aplicação, relacionado a
problemas e contextos diversos.
Proposições teóricas para a psicologia individual
Como destaca Lapassade (1983), “a obra de K. Lewin começou (...) na
Alemanha com trabalhos de psicologia individual que será necessário conhecer para
compreender-se a origem e o conteúdo dos conceitos que fundamentam a dinâmica de
grupo” (LAPASSADE, 1983, p.52). Embora a psicologia dos grupos não seja redutível
à psicologia individual, as proposições de Kurt Lewin no âmbito da psicologia social e
em particular da dinâmica de grupo constituem, em grande medida, uma transposição
das posições básicas do autor no âmbito da psicologia individual, como aponta MartinBaró (2004, p.202): “O sistema conceitual desenvolvido por Lewin para analisar a
conduta individual se prestava para analisar também a conduta do grupo.” Assim, a
dinâmica das relações interpessoais e intergrupais é investigada por Lewin a partir das
mesmas hipóteses e concepções que elaborara a respeito da dinâmica da vida
intrapessoal, sintetizadas em sua Psicologia Topológica e Psicologia Vetorial.
Partindo do pressuposto de que uma pessoa concreta em uma situação concreta
pode ser representada matematicamente, o autor buscou em uma disciplina matemática,
a ‘topologia’, auxílio para “fazer da psicologia uma verdadeira ciência” (MAILHIOT,
1997, p.11). A topologia é um ramo não quantitativo da matemática que trata das
relações espaciais que podem ser estabelecidas em termos de parte e todo. A Psicologia
Topológica de Kurt Lewin trata de descrever e especificar quais os eventos possíveis em
um espaço de vida por meio da elaboração de uma representação espacial das situações
psicológicas e de seu ambiente. Entende-se por espaço de vida a totalidade dos fatos que
determinam o comportamento de um indivíduo em um determinado momento. Dois
conceitos se mostram fundamentais na análise topológica: região psicológica e
5
locomoção. Esse instrumental teórico-metodológico será mais tarde transposto para o
estudo dos grupos.
A Psicologia Topológica permite mapear a estrutura do espaço de vida do
indivíduo e descrever os eventos possíveis nesse campo, mas os conceitos topológicos
por si só não são suficientes para explicar o comportamento do indivíduo. Lewin
considerava necessário que a psicologia pudesse compreender, diante da totalidade de
eventos possíveis, por que motivo este e unicamente este comportamento ocorre. Para
tanto, seria preciso considerar o espaço de vida dinamicamente, isto é, como campo de
forças. Essa é a tarefa da Psicologia Vetorial, que diferentemente da Psicologia
Topológica, se funda em conceitos dinâmicos voltados à explicação das causas do
comportamento, ou seja, que buscam a compreensão de qual o evento que ocorre dentre
as diversas possibilidades dadas no espaço vital. A Psicologia Vetorial tem, portanto,
como objeto, as forças psicológicas, conceito inspirado na Física e diretamente ligado à
causa do comportamento.
Na Psicologia Vetorial, o espaço de vida é considerado dinamicamente, como
campo de forças, ou como campo psicológico. As forças psicológicas em ação no
campo psicológico podem ter natureza impulsora ou frenadora; tais forças são
representadas matematicamente por vetores, em função de sua direção e intensidade.
Um vetor tende sempre a produzir locomoção em uma certa direção. Os objetos,
pessoas ou situações (regiões do espaço vital) de valência positiva atraem o indivíduo e
os de valência negativa o repelem, sendo a atração a força ou vetor dirigido para o
objeto, pessoa ou situação e a repulsa a força ou vetor que o leva a se afastar do objeto,
pessoa ou situação, tentando escapar. A atração ou repulsa por determinadas regiões do
espaço vital se relacionam à existência de sistemas de tensão: quando existe um estado
de tensão, entendida não como estresse mas como disposição para agir, o indivíduo
tenderá a mover-se em direção a uma região do estado vital de valência positiva, o que
equivale a atuar para atingir um objetivo desejado.
Em síntese, o comportamento de uma pessoa será, em cada caso, função da
particular situação de forças em seu campo ou espaço vital (MARTIN-BARÓ, 2004,
p.201). O indivíduo tende a mudar sua posição no espaço vital, ou seja, a locomover-se
de uma região a outra como consequência do equilíbrio ou desequilíbrio no sistema de
forças. Quando dois ou mais vetores atuam sobre uma pessoa ao mesmo tempo, a
locomoção é uma espécie de resultante de forças. Quando se estabelece uma relação de
oposição de forças contrárias de igual intensidade, configura-se um conflito psicológico.
Cada vetor depende da inter-relação de vários fatores, que incluem a estrutura e
as propriedades do meio e também da pessoa (suas necessidades, seu estado emocional,
etc.). A partir dessas constatações, K. Lewin chegou à formulação C = f (P, A),
propondo que o comportamento de um indivíduo é função da pessoa (P) e de seu
ambiente (A). No entanto, não se trata de proceder a uma análise física do meio, mas
apreender como o meio é psicologicamente percebido pelo indivíduo: “É decisiva a
maneira pela qual o indivíduo percebe e interpreta a situação social. Suas percepções
podem não corresponder (e freqüentemente não correspondem) à realidade social”
6
(p.11). Portanto, é mais preciso afirmar que o comportamento é função da pessoa e do
ambiente percebido: C = f (P, Ap.).
Subjacentes às proposições da Psicologia Topológica e Vetorial, identificamos
alguns postulados fundamentais: a) o comportamento humano não depende somente do
passado, ou do futuro, mas do campo dinâmico atual e presente (causalidade histórica x
causalidade sistêmica); b) o comportamento humano é derivado da totalidade de fatos
coexistentes; c) esses fatos coexistentes têm o caráter de um campo dinâmico, no qual
cada parte do campo depende de uma inter-relação com as demais outras partes.
Conjuntura histórica em que se formula a teoria da Dinâmica de Grupo
Lapassade (1983) localiza no nascimento da sociedade industrial capitalista no
século XIX condições e formulações precursoras à emergência da Dinâmica de Grupo.
Naquele momento foram elaboradas as primeiras grandes doutrinas sociológicas e
políticas da nova sociedade, marcada pelo trabalho parcelado e pela organização
hierárquica da produção. A fábrica “em que cada um executa apenas uma parte muito
especializada na preparação dos objetos fabricados” (p.46) requeria a coordenação das
ações dos indivíduos na base de uma cooperação/solidariedade mecânica e de
justaposição. Os socialistas utópicos, em sua crítica à sociedade industrial, trazem
antecipações daquilo que seria posteriormente formulado como a teoria da dinâmica dos
grupos. Lapassade (1983), apoiado em Touraine, denomina esse período “fase A”.
A “fase B” refere-se ao momento histórico marcado pela burocratização das
grandes empresas industriais no início do século XX, período em que se formulam as
teorias clássicas da administração, as quais exprimem e justificam essa burocratização,
tendo em Taylor e Fayol seus grandes expoentes. “O próprio ato do trabalho, da
produção”, diz Lapassade (1983, p.47), “torna-se ‘burocratizado’ pelo taylorismo: o
movimento dos gestos produtores é calculado, medido, decidido em outro lugar, nos
escritórios de estudos.” A partir de 1924 desencadeia-se nas ciências sociais a crítica às
burocracias industriais, destacando-se o surgimento da sociologia industrial e da
psicossociologia, na qual o autor situa a obra de Lewin.
Nesse período histórico, coloca-se o problema das relações humanas na empresa.
Nessa direção, destacam-se, de um lado, os experimentos de Elton Mayo que – a partir
de 1924 – identificaram o grupo informal como um fator de rendimento de operárias da
Western Eletric Company e descortinaram “(...) a vida social da equipe, com os seus
jogos, os seus comportamentos na produção, as suas relações, os seus conflitos internos,
seu sistema de papéis” (LAPASSADE, 1983, p.49); e de outro a contribuição da
sociometria de Jacob Moreno, entendida como técnica de mudança social baseada no
exame da organização interna dos grupos, identificando seus líderes, subgrupos,
rejeições, aproximações, redes, desvelando as “estruturas informais de ordem afetiva
que estavam ocultas sob a aparente unidade de um grupo social (MARTIN-BARÓ,
2017, p.141) Em Moreno, em especial, é marcante o posicionamento antiburocrático,
7
esposando o autor a perspectiva de liberar a criatividade e a espontaneidade; dessa
forma, o conhecimento do grupo não se apresentava como finalidade exclusiva de
pesquisa, mas visava facilitar essas mudanças.
Martin-Baró (2017) analisa o desenvolvimento da Psicologia Social nesse
período, mostrando-a fortemente concentrada no continente norte-americano. No início
do século XX, segundo o autor, os Estados Unidos enfrentavam dois grandes problemas
sociais: a integração de muitos e diversificados grupos de imigrantes, que colocava o
desafio de assimilá-los à ordem estabelecida adaptando-os à cultura e ao estilo de vida
dominantes; e as crescentes exigências do processo de acelerada industrialização, que
colocava problemas críticos para indivíduos e comunidades. Nesse contexto,
A psicologia social poderia dar uma contribuição eficaz
determinando quais eram os indivíduos mais adequados para as tarefas
necessárias (processos de seleção) e ajudando no processo de
adaptação dos indivíduos às exigências e condições das tarefas postas
(processos de formação, mediação de conflitos, trabalho com ‘relações
humanas’. (p.139)
Martin-Baró (1983) pondera que o estudo dos grupos era particularmente
atrativo para os norte-americanos por razões diversas e complementares que
potencializaram a pesquisa científica e aplicada. Primeiramente por atender o interesse
pela integração de diversos grupos étnicos na mesma sociedade, mas também,
considerando-se o advento das duas guerras mundiais, por instrumentalizar a integração
dos indivíduos nas unidades militares, otimizando sua eficiência, problema que também
estava colocado para a indústria. Os psicossociólogos eram interpelados pelas
organizações industriais a subsidiar a compreensão e manejo das dificuldades de
comando, de comunicação, de funcionamento da burocracia organizacional. A
burocracia, concebida como a racionalização da organização da empresa, começa a se
mostrar ao mesmo tempo irracional; vai ficando evidente que a função implica
disfunções; os laços informais dos grupos e subgrupos coexistem com os laços formais.
Conforme Lapassade (1983), nesse cenário:
A tarefa do psicossociólogo será encontrar novamente a relação
entre o formal e o informal, entre a organização e a motivação, será
‘desburocratizar’ a organização, ou, mais exatamente, modernizar a
burocracia por uma terapêutica da rigidez burocrática, da
impossibilidade de comunicação efetiva, da prática do trabalho em
comum.
Princípios da Dinâmica dos Grupos
Como já indicado, o sistema conceitual desenvolvido por Lewin para analisar a
conduta individual foi também referência para analisar a conduta dos grupos:
O sistema conceitual desenvolvido por Lewin para analisar a conduta
individual se prestava para analisar também a conduta do grupo. Por um lado,
os grupos podiam ser concebidos como regiões do espaço vital dos
indivíduos. Por outro, os mesmos grupos podiam ser concebidos como
campos de forças, espaços vitais, com os quais representar sua estrutura e
8
dinâmica internas. A conduta do grupo seria, então, a resultante do particular
sistema de tensão entre os membros do grupo em um determinado momento.
Mas assim como a conduta individual constitui sempre uma função do estado
de forças em um espaço vital, a conduta grupal seria a resultante não da ação
de um ou outro dos indivíduos que compõem o grupo, mas do sistema de
relações entre os membros do grupo. Assim, a compreensão do que o grupo é
e como atua haveria de ser buscada mais no sistema de relações, isto é, na
interdependência entre os membros do grupo do que nas características de
cada um de seus membros em particular. (tradução nossa) (MARTIN-BARÓ,
2004, p.202)
•
O grupo como totalidade dinâmica
As proposições acima estão sintetizadas na concepção de Kurt Lewin do
micro-grupo como uma totalidade dinâmica. Esse conceito remete ao princípio
gestaltista de que o todo é distinto da soma de suas partes: “qualquer todo dinâmico tem
características próprias. O todo pode ser simétrico, embora as partes sejam assimétricas;
um todo pode ser instável, embora suas partes sejam estáveis” (LEWIN, 1948b, p.89).
Trata-se, então, de compreender que o grupo é irredutível à mera soma de seus
integrantes, possuindo propriedades específicas enquanto totalidade, não diretamente
decorrentes das propriedades das partes em si: “hoje se reconhece amplamente que um
grupo é mais que a soma de seus membros, ou, mais exatamente, é diferente dela. Tem
estrutura própria, objetivos próprios e relações próprias com outros grupos” (LEWIN,
1948a, p.100). Em outras palavras, o grupo não é o resultado apenas das psicologias
individuais, mas de um conjunto de relações. Assim, a explicação dos fenômenos de
grupo não será encontrada na natureza de cada um dos seus componentes (dissecando o
todo em partes), mas nas múltiplas interações que se produzem entre os elementos da
situação social. Para Lewin, portanto, a natureza do grupo está na interdependência
entre seus membros: “a essência de um grupo não é a semelhança ou a diferença entre
seus membros, mas a sua interdependência” (idem, p.100). Para o autor:
Tal definição despoja de misticismo a concepção de grupo e reduz o
problema a uma base totalmente empírica e experimental. Ao mesmo
tempo, significa completo reconhecimento do fato de que as
características de um grupo social, tais como sua organização,
estabilidade, objetivos, são diferentes da organização, estabilidade e
objetivos dos indivíduos que o compõem (p.89)
Como implicação metodológica desse princípio, Lewin indica que ao
invés de se observar as características dos indivíduos que compõem um grupo, é preciso
se observar as características do grupo como tal: sua organização em subgrupos, as
relações entre os líderes e membros, a atmosfera grupal, etc.
Ao definir o grupo como totalidade dinâmica, se destaca a apreensão do
movimento grupal: “A vida do grupo nunca para de mudar, o que existe são meras
diferenças na quantidade e tipo da mudança” (LEWIN, 1948, p.225-6). Caracterizar o
grupo como um todo dinâmico também “(...) significa que uma mudança no estado de
qualquer subparte modifica o estado de todas as outras subpartes”. Para Lewin, o grupo
9
é uma realidade da qual o indivíduo faz parte, de forma que a dinâmica de um grupo
tem sempre um impacto social sobre os indivíduos que o constituem, o que implica que
a cada vez que o grupo sofre modificações em suas estruturas ou em sua dinâmica, estes
inescapavelmente se ressentem (MAILHIOT, 1977, p.55). O impacto da mudança no
estado de uma parte sobre as demais depende do grau de interdependência das
subpartes, que “varia desde a ‘massa’ amorfa a uma unidade compacta” e “depende,
entre outros fatores, do tamanho, organização e intimidade do grupo” (LEWIN, 1948a,
p.100).
Como fatores determinantes da gênese e dinâmica dos grupos, Kurt
Lewin identifica o senso de interdependência do destino, que se refere ao
reconhecimento por parte do indivíduo de que sua sorte ou destino depende do destino
do grupo como um todo, e a interdependência da tarefa, ou seja, o fato de que os
membros do grupo engajados em uma atividade dependem uns dos outros para que suas
metas sejam atingidas.
•
O grupo como espaço vital
A figura 1, retirada do artigo “A origem do conflito no casamento”, publicado
em 1940, ilustra o trabalho de análise topológica proposto por Lewin (1948a) tomando
como objeto um conflito conjugal. A imagem representa o espaço de vida do marido,
identificando as áreas mais ou menos influenciadas pela esposa e o espaço de
movimento livre o marido. Vale notar que o casamento é compreendido pelo autor
como “uma situação de grupo e, como tal, apresenta as características gerais da vida
grupal” (p.100)
10
•
O grupo como campo de forças
A noção lewiniana de dinâmica de grupo supõe que se possa definir um
grupo como um sistema de forças (LAPASSADE, 1983, p.67). Conforme Andaló
(2006), “segundo essa concepção, nos grupos, os indivíduos interagem e criam um
estado de equilíbrio resultante das forças em jogo (...)” (p.43). Fazem-se presentes na
situação grupal: forças de coesão/atração, que fomentam atitudes de lealdade e
pertencimento, motivando os membros a permanecer no grupo; forças de
desenvolvimento, que impulsionam o grupo para os fins que ele se atribui; e também
forças de dissolução/repulsa, que concorrem para o esfacelamento dos grupos.
Lapassade (1983) identifica como fatores de coesão do grupo a pertinência das
finalidades, a clareza compartilhadas das finalidades e a aceitação das finalidades pelos
membros, ao passo que divergências no tocante às finalidades do grupo configuram
forças de dissolução. Lewin (1948c) assim aborda o problema das forças no campo
grupal:
Analiticamente, podem-se distinguir dois tipos de forças no tocante ao
membro de qualquer grupo – um tipo de força o impele para o grupo e
o conserva dentro dele, o outro tipo o afasta do grupo. Podem ser
múltiplas as origens das forças que impelem para o grupo: talvez o
indivíduo se sinta atraído por outros membros do grupo, talvez os
outros membros o arrastem, talvez ele esteja interessado no objetivo
do grupo ou se sinta de acordo com a sua ideologia, ou talvez prefira
esse grupo a estar só. De maneira análoga, as forças que o afastam do
grupo podem ser o resultado de qualquer tipo de traços desagradáveis
do próprio grupo, ou talvez sejam expressão da maior atratividade de
um grupo exterior.
Se for negativo o equilíbrio entre as forças que impelem para o grupo
e as que afastam dele, e não houver interferência de outros fatores, o
indivíduo deixará o grupo. Em condições ‘de liberdade’, portanto, um
grupo conterá unicamente os membros para quem as forças positivas
são mais intensas que as negativas. Se um grupo não for atraente o
bastante para um número suficiente de indivíduos, ele desaparecerá.
(LEWIN, 1948c, p.204-5)
A análise da configuração dinâmica das forças presentes na situação
grupal pode constituir um instrumento de avaliação diagnóstica para o coordenador do
grupo: quais as forças em ação nesse campo? Predominam forças de aglutinação ou
dissolução? Forças impulsoras ou restritivas (em relação aos objetivos do grupo)? É
possível detectar forças de atração/ repulsa por certos aspectos da situação social ou
mesmo por determinados componentes do grupo?
Para Lewin (1948c), “um importante fator no que respeita à intensidade
das forças que impelem para o grupo ou afastam dele é a medida em que a satisfação
das necessidades do indivíduo é favorecida ou dificultada por sua participação no
grupo” (p.205, grifo nosso). Ao mesmo tempo, o autor indica que “(...) a participação
em qualquer grupo limita, até certo ponto, a liberdade de ação do membro individual.”
(p.205).
11
Como explica Afonso (2007), a teoria lewiniana propõe que pequenos
grupos têm uma estrutura e uma dinâmica: “a estrutura diz respeito à sua forma de
organização, a partir da identificação de seus membros. A dinâmica diz respeito às
forças de coesão e dispersão no grupo, e que fazem com que ele se transforme. A
dinâmica do grupo inclui, assim, os processos de formação de normas, comunicação,
cooperação e competição, divisão de tarefas e distribuição de poder e liderança”. Para
Mailhiot (1997), “toda dinâmica de grupo é a resultante do conjunto das interações no
interior de um espaço psico-social. Estas interações poderão ser tensões, conflitos,
repulsas, atrações, trocas, comunicações ou ainda pressões e coerções” (p.50).
Minorias psicológicas
Psicologia dos judeus – Dentre suas importantes conclusões, destacamos a
proposição de que a criança que pertence a um grupo minoritário deve conhecer o mais
cedo possível sua condição, enfatizando que se trata de uma questão social, libertando-a
do mito de que será facilmente aceita pelos não-judeus se sobressair-se
(profissionalmente, por exemplo). Lewin alerta, também, para a necessidade de se criar
condições para que o jovem judeu possa identificar positivamente com seu grupo étnico
(MAILHIOT, 1977).
O autor analisa as minorias psicológicas em termos de sua gênese, estrutura e
dinâmica. Postula que as minorias são sociais em sua origem, estruturas, dinâmica e
evolução. Em termos de sua estrutura, as minorias são constituídas de várias camadas.
No centro as camadas mais solidificadas, que compõem-se de membros que aderem
com a maior boa vontade às instituições, costumes, tradições e valores que distinguem
seu grupo dos outros grupos: tais membros identificam-se positivamente com tudo
aquilo que é típico/ próprio ao seu grupo. As camadas periféricas são compostas de
membros que experimentam uma ambivalência em relação ao grupo, ou seja, membros
marginais que suportam à revelia seu pertencimento ao grupo e se sentem atraídos pela
maioria; nessas camadas são encontrados mais frequentemente membros que
conseguiram sobressair-se em seu trabalho ou profissão e esperam que seus sucessos
pessoais facilitem sua aceitação por parte da maioria (o que Lewin considera ilusório).
No tocante a sua dinâmica, as minorias constituem um equilíbrio mais ou menos estável
entre dois campos de força: forças de atração/ centrípetas, que engendram entre os
minoritários atitudes de lealdade para com o grupo; e forças centrífugas/ de dissolução,
oriundas das frustrações, limitações e discriminações importas pela maioria e ao mesmo
tempo constituídas pela atração por vezes irresistível exercida pela maioria com suas
promessas de prestígio e privilégios (que produz o desejo de assimilação à maioria e
desamor em relação ao grupo de origem) (MAILHIOT, 1977).
Lewin distingue dois tipos de minorias:a) unidades articuladas de modo
orgânico, em que a condição de minoritário e a interdependência do destino de seus
membros é reconhecida e aceita, o que permite aos membros se unirem na luta pela
12
emancipação; b) minorias mal ou não integradas, em que a condição de minoritário é
suportada, resultando em uma unidade apenas aparente, artificial, produto de pressões e
coerções exteriores. No segundo caso, as ligações entre os membros são frágeis, não
constituindo um grupo no sentido restrito: “trata-se antes de um agregado de indivíduos,
mais ou menos submetidos às mesmas restrições, privações e frustrações” (MAILHIOT,
1977, p.42). Quanto ao futuro das minorias, Lewin visualiza três diferentes
possibilidades: a) assimilação à maioria, o que implica na não sobrevivência da
minoria; b) integração com a maioria, lutando por igualdade de direitos e privilégios; e
c) independência, entendida como única possibilidade de preservar a integridade da
cultura e da identidade. Para o psicólogo, a integração com a maioria é uma ilusão e a
independência é a única possibilidade de assegurar a sobrevivência da minoria, caso
contrário cedo ou tarde ela será assimilada; nesse sentido, a busca de independência
revela maturidade e identificação positiva com o grupo.
•
Comunicação, criatividade e produtividade dos grupos
Os processos de comunicação se mostram decisivos para compreender a
dinâmica de um grupo, uma vez que o problema das comunicações, em última análise, é
o problema das trocas no interior do grupo (LAPASSADE, 1983). Como explica
Lapassade (1983), investigar o problema das comunicações nos grupos na perspectiva
da Dinâmica de Grupo significa analisar a estrutura dos canais de comunicação e seu
efeito sobre a circulação de informações, estruturação das ações, eficácia na solução de
problemas e emergência de papéis. Isso se mostra relevante pois “essas estruturas de
comunicações têm consequências para a vida do grupo, para seu ‘clima’” (p.71). Num
grupo, existem comunicações verbais e não-verbais, redes formais e informais, e
processos de comunicação que podem se estruturar de diferentes formas, com diferentes
impactos em termos do rendimento e da satisfação dos membros do grupo. Lapassade
(1983) destaca a comunicação em cadeia, em estrela, ou em círculo, indicando que “a
comunicação em forma de estrela favorece o rendimento, mas pode fazer crescer
frustrações e, por isso mesmo, manifestações agressivas; as comunicações em forma de
círculo são as mais satisfatórias no que se refere aos sentimentos dos membros do
grupo, mas podem acarretar perdas de tempo”.
As investigações conduzidas por Lewin e seu grupo o levaram a formular
a hipótese de que “a integração não se realizará no interior de um grupo e, em
consequência, sua criatividade não poderá ser duradoura, enquanto as relações
interpessoais entre todos os membros do grupo não estiverem baseadas em
comunicações abertas, confiantes e adequadas.” (p.89). Portanto, Kurt Lewin
considerava que “a produtividade de um grupo e sua eficiência estão estreitamente
relacionadas não somente com a competência de seus membros, mas sobretudo com a
solidariedade de suas relações pessoais” e à capacidade de estabelecer comunicações
abertas e autênticas.
13
•
Mudança e resistência à mudança nos grupos
Lewin tinha uma preocupação com o funcionamento democrático da
sociedade e entendia que o trabalho com grupos seria fundamental para o processo de
reeducação democrática, pois o psicólogo defendia que “a mudança na situação de um
indivíduo se deve, em grande parte, a uma mudança na situação do grupo a que
pertence. (...) Como membro de um grupo, ele, habitualmente, tem os ideais e os
objetivos do grupo” (LEWIN, 1940/1948, p.102). O grupo constitui, assim, um
privilegiado espaço de mudança social. A necessidade da reeducação democrática se
justificava, para Lewin (1939/1948), tendo em vista que “a autocracia é imposta ao
indivíduo”, enquanto “a democracia, ele a precisa aprender” (p.97).
Como explica Mailhiot (1977, p.58), “a mudança social implica em uma
modificação do campo dinâmico no qual o grupo se encontra”. Nos trabalhos de
observação-participante, Lewin pôde detectar três tipos de fenômenos distintos em
relação a esse processo:
1.
Ou os grupos não sentem nem experimentam nenhum desejo,
nenhuma aspiração a evoluir, a mudar. É o caso de todos os grupos
conformistas que se comprazem nas percepções estereotipadas da
situação social e cujas atitudes coletivas e comportamentos de grupo
são determinados e condicionados por preconceitos. Para diagnosticar
estes casos, Lewin recorre ao termo constância social, o que não
constitui mais uma dinâmica de grupo, mas uma estática de grupo, de
tal modo que as estruturas formais absorveram ou anularam em uma
estratificação cristalizada as dimensões funcionais destes grupos.
2.
No caso precedente a mudança social tem pouca ou nenhuma
possibilidade de se operar de tal modo o status quo é valorizado. No
caso presente, a mudança social é iniciada e desejada pelos elementos
não-conformistas do grupo. Mas estes últimos encontram resistências
da parte dos membros do grupo que têm interesses investidos no
status quo. Os elementos conformistas freiam então ou tentam
contrariar as tentativas de mudança. Suas manobras são geralmente
clandestinas e tendem a criar climas de grupo que tornam as
transformações sociais provisoriamente impossíveis, de modo a não
comprometer privilégios adquiridos. No caso precedente, o grupo
seria majoritária ou totalmente conformista. No caso presente, os
elementos conformistas estão em minoria, as mudanças sociais não se
operam senão lentamente e na superfície, em razão de suas
resistências à mudança.
3.
Lewin menciona, enfim, o caso dos grupos não-conformistas no
interior dos quais a totalidade ou a maioria dos membros experimenta
e sente uma inclinação para a mudança. Nestes grupos, as percepções
de grupo, as atitudes coletivas, os comportamentos de grupo são
polarizados por uma aspiração dos membros em crescer e em superar
a si mesmos como grupo. Nestes grupos, as estruturas formais são
flexíveis e funcionais. Elas favorecem entre eles relações
interpessoais, laços de interdependência e interações cada vez mais
dinâmicos.
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O fator determinante para a mudança social será, para Lewin, o clima de
grupo dominante, também chamado por ele de atmosfera de grupo, a qual tem caráter
intangível mas existência objetiva. O clima ou atmosfera grupal pode ser entendido
como o ânimo, disposição, tom emocional ou sentimento de bem-estar ou desconforto
que se difunde no grupo em relação às pessoas e aos acontecimentos. O clima ou
tonalidade emocional faz com que a atmosfera grupal seja amistosa ou hostil, calorosa
ou fria, rígida ou flexível, cordial ou agressiva. Para Kurt Lewin, a atmosfera do grupo
depende diretamente do tipo de liderança que nele se exerce: a atmosfera autoritária
carrega maior tensão, enquanto a democrática é marcadamente mais favorável à
produtividade, criatividade e cooperação grupal. Pode-se considerar, nesse sentido, que
o sentimento de igualdade é um dos elementos que podem contribuir para criar uma boa
atmosfera grupal.
Conforme Mailhiot (1997), “havia para Kurt Lewin um problema
fundamental que ele procurou elucidar até sua morte: que estruturas, que dinâmica
profunda, que clima de grupo, que tipo de leadership permitem a um grupo humano
atingir autenticidade em suas relações tanto intra-grupais quanto inter-grupais, assim
como a criatividade em suas atividades de grupo?” (p.15). Em seu curto tempo de vida,
o psicólogo iniciou a exploração de três problemas-chave vinculados a essa
problemática: a comunicação, o aprendizado da autenticidade e o exercício de
autoridade em grupos de trabalho, temáticas que continuaram a ser investigadas por
seus seguidores.
Considerações finais
Diante do exposto, vemos que a contribuição de Kurt Lewin para a
ciência psicológica em geral e para o estudo dos processos grupais foi ímpar. Sua
produção não é, contudo, isenta de críticas.
Dentre elas, destacamos, a partir de G. Lapassade, a forte influência
sofrida pela perspectiva lewiniana dos valores ideológicos da sociedade americana e sua
democracia liberal (ANDALÓ, 2006).
Embora sua produção se mostre engajada com os problemas sociais de
sua época, seus pressupostos se revelam a-históricos e explicitamente comprometidos
com os ideais de produtividade, trazendo implícita a perspectiva de harmonização,
manutenção e ajustamento. Para Martin-Baró (2017, p.105), o conceito de dinâmica de
grupo é, em si, problemático, pois refere-se a “(...) forças e processos produzidos no
interior do grupo, na interação dos membros, como se o pequeno grupo fosse uma
entidade fechada e independente do mundo”.
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Ainda que muitos dos processos descritos e analisados por Lewin e seu
grupo tenham importância teórica e validade, o enfoque adotado assumia
implicitamente a perspectiva do poder estabelecido, “a partir da perspectiva de quem
busca fazer com o que o grupo aceite metas convenientes para aqueles que possuem
poder social” (p.105).
Referências:
AFONSO, M. L. M. Oficinas de dinâmica de grupo: um método de intervenção psicossocial.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007.
ANDALÓ, C. Mediação grupal: uma leitura histórico-cultural. São Paulo: Ágora, 2006.
BARRETO, M. F. M. Dinâmica de grupo: breve histórico. In: _______. (org.) Dinâmica de
grupo: história, prática e vivências. Campinas-SP: Alínea, 2010.
CHAVES, A. V. Os processos grupais em sala de aula. Disponível em:
http://www.franca.unesp.br/oep/Eixo%203%20-%20Tema%203.pdf. Acesso em 08/abril/2011.
LEWIN, K. In: A origem do conflito no casamento (1940). In:________. Problemas de
Dinâmica de Grupo. São Paulo: Cultrix, 1948a.
LEWIN, K. Experimentos com espaço social (1939). In:________. Problemas de Dinâmica de
Grupo. São Paulo: Cultrix, 1948b.
LEWIN, K. O ódio a si mesmo entre os judeus (1941). In:________. Problemas de Dinâmica de
Grupo. São Paulo: Cultrix, 1948c.
MAILHIOT, G. B. Dinâmica e gênese dos grupos. 4ª ed. São Paulo: Livraria Duas Cidades,
1977.
MARTIN-BARÓ, I. Sistema, grupo y poder: Psicología social desde Centroamérica (II). 5ª ed.
El Salvador: UCA editores, 2004.
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