Kimberly Costa Valentim
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RESUMO
Introdução
Animes são narrativas japonesas que juntam a arte dos mangás às produções
cinematográficas. O surgimento dos animes ocorreu após o término da segunda guerra
mundial, devido ao contato que o Japão teve com produções ocidentais. Assim, os
criadores fundiram esse conhecimento com personagens de sua própria cultura, fazendo
algo inovador para a época. Atualmente, os Animes são produtos internacionalmente
reconhecidos, e com narrativas que beiram a fantasia e podem seguir os passos
conhecidos como “a jornada do herói”, modelo de narrativa amplamente utilizado nas
produções atuais..
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Trabalho apresentado no GP Ficção seriada, XXI Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento
componente do 44º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
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Pós-graduanda em Gestão da Comunicação social e mídias digitais no Centro Universitário Ritter dos Reis (UniRitter)
– RS, e-mail: [email protected].
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Professor do curso de Publicidade e Propaganda da UniRitter, doutor em Comunicação e Informação pelo
PPGCOM/UFRGS, e-mail: [email protected].
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Mangaká é a palavra usada para definir um quadrinhista de mangá (desenhista de quadrinhos).
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Conhecido no Brasil como conceito para fãs da cultura oriental, tendo como base principal os animes,
mangás, minisséries e filmes.
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interno da narrativa, para fazer com que o personagem seja convincente, mas sem
excessos.
[...] é trazer à estória qualidades de caracterização necessárias para fazer
escolhas convincentes. De forma simples, um personagem deve ser crível:
jovem o suficiente ou velho o suficiente, forte ou fraco, mundano ou ingênuo,
educado ou ignorante, generoso ou egoísta, esperto ou bobo, nas proporções
certas. A combinação de qualidades deve permitir que o público acredito que
o personagem poderia agir, e agiria, de maneira que age na tela. (MCKEE,
2006, p.110)
Para haver uma progressão, que gere tensão entre personagens é preciso provocar
as forças do antagonismo, como McKee (2006) define: terá de haver acontecimentos ou
incidentes, de uma das formas citadas sobre manifestações de conflitos, sendo elas
interna, pessoal ou extra-pessoal, que provoque o personagem a buscar o que ele sente
falta ou deseja muito ter. Continuando em um raciocínio rápido: conflitos geram desejos,
que geram ações, que geram consequências, que geram mudanças, que geram novos
conflitos, e novos conflitos geram novos desejos e assim, sucessivamente em loopping.
Agora, vamos conhecer um pouco sobre Vogler e “A Jornada do Escritor” (2006).
Esta obra se trata de uma adaptação da jornada do herói, anteriormente desenvolvida por
Campbell (2007), direcionado para os roteiros cinematográficos, um guia prático para os
futuros roteiristas. Vogler afirma o que Campbell (2007) disse anteriormente: todas as
histórias consistem em alguns elementos estruturais comuns, encontrados universalmente
em mitos, contos de fadas e filmes, conhecidos como A Jornada do Herói, ou o monomito.
No prefácio de seu livro, Vogler (2006) diz que descreve os conceitos da jornada
do herói, referindo-se também à psicologia profunda, de Carl Gustav Jung e nos estudos
míticos de Joseph Campbell. O autor tenta relacionar todas essas ideias, e encaixá-las em
narrativas contemporâneas, culminando em um guia para novos escritores:
Saí em busca dos princípios básicos da narrativa, mas no caminho encontrei
algo mais: um conjunto de princípios de vida. Cheguei à convicção de que a
Jornada do Herói é nada menos do que um compêndio para a vida, um
abrangente manual de instrução na arte de sermos humanos. (VOGLER, 2006.
p. 27)
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Para chegar a esta conclusão, Campbell se baseou nos estudos de Carl Gustav
Jung, conhecido por ser um dos pioneiros da psicologia analítica, a partir da qual a
construção das histórias da humanidade se originam no inconsciente coletivo, na medida
em que se percebem pontos em comum dentro dessas histórias.
O inconsciente coletivo é a camada mais profunda da psique humana, provido de
heranças materiais da humanidade. Basicamente, é como se tivesse uma regra de pontos
a serem seguidos dentro das narrativas de trajetórias de heróis. Existe uma “dimensão”
entre psicanálise e mitos: existem porque são, na verdade, aquilo que os “antigos”
consideram essenciais na criação de valores de uma pessoa exemplar – um herói.
Campbell (2007, p. 12) traça paralelos entre a psicanálise (e, portanto, a significação dos
sonhos) e os mitos:
Os paralelos serão percebidos de imediato e desenvolverão uma ampla e
impressionante constante afirmação das verdades básicas que têm servido de
parâmetro para o homem, ao longo de milênios de sua vida no planeta.
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caminhos diferentes, apenas com um final em comum, e ainda completa que o herói é o
homem ou a mulher que consegue vencer suas limitações e alcançar uma forma de mito.
Para Carl G. Jung (2008), o herói é algo ou um ser que simboliza formas e forças
que moldam a alma, algo sobre-humano. Ele diz que a figura do herói é um arquétipo que
existe desde os tempos imemoriais. O herói é aquele ou quem que vive na sua missão e
para sua causa. Para ele, nem Deus é humano, é um ser que flutua entre mundos de
inconsciência e consciência, porque a sua origem vem de tempos antigos onde ainda nem
existia a figura ou o mito do herói. É um arquétipo, que chegou para anular ou diminuir
algumas das nossas deficiências psíquicas, seguindo o mesmo perfil e modelo em
diferentes culturas. O que se encaixa com o que Campbell afirma que, independente de
religião ou região, os passos para se tornar um mito são os mesmos.
Jung, (2008) diz que o homem só se realiza através da aceitação e do
conhecimento do seu próprio inconsciente, e esse conhecimento é adquirido através dos
seus sonhos e símbolos. Basicamente, cada sonho seria uma mensagem, pessoal e direta,
sendo ela sempre significativa enviada para quem sonha. Utilizando símbolos comuns,
essa comunicação é feita de maneira individual, com códigos particulares. Também, de
acordo com Jung (2008) o homem utiliza as palavras, sejam elas escritas ou faladas para
se expressar e transmitir os seus desejos. A sua linguagem é cheia de símbolos e, também,
faz o uso de gesticulações de sinais e imagens para fazer de forma clara a sua
comunicação.
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Para entender como se coloca a ordem da jornada do herói seguida pela ordem dos
acontecimentos cronológicos dentro do anime Fullmetal Alchemist Brotherhood, vamos
estruturar e analisar quando ela foge ou não da ordem proposta pelo monomito.
O primeiro passo que acontece no anime é o “mundo comu”, que é explorado no
minuto dois do episódio 2. Seguido dele temos as duas etapas do “chamado da aventura”,
sendo o primeiro aos quatro minutos do episódio 2, o momento em que a mãe dos irmãos
morre, assim como um segundo momento, no minuto sete, também do episódio 2,
tratando diretamente do momento em que é realizada a transmutação humana.
DESCRIÇÃO
ETAPAS DA
JORNADA
TEORIA ANIME
1. O mundo Fala sobre onde o herói vivia e onde o seu (Ep 2 - min.03:00) Os irmãos Elric são crianças e
cotidiano era representado. vivem uma vida pacata com sua mãe.
comum
2. O chamado Fala sobre o momento em que acontece algo (Ep 2 - min. 04:00) A mãe dos irmãos morre, e depois
decisivo na vida do herói, que o levará para sair de disso começa toda a aventura deles ligada diretamente
para a aventura
sua rotina pacata. com a alquimia.
(Ep 2 - min. 07:10) Ainda nesse episódio eles fazem a
proibida transmutação humana para tentar ressuscitar a
mãe.
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DESCRIÇÃO
ETAPAS DA
JORNADA
TEORIA ANIME
3. A recusa do o herói recusa-se a deixar o seu mundo, (Ep 2 - min. 15:10) O general Roy Mustang convida os irmãos Elric
ele tem medo do que pode acontecer e não para serem alquimistas federais, e de início, esse convite não é
chamado confia em seu potencial. aceito. Saindo da casa onde estão os meninos ele fala que sente que
eles irão aceitar.
4. o encontro É o momento em que o herói encontra (Ep 12 - min. 8:55) Esse episódio mostra o momento em que aparece
alguém para ajudar em sua transformação a mentora dos meninos na vida deles. Mostra eles pedindo para que
com o mentor de homem comum para herói. ela os ensine. O episódio mostra como foi o primeiro ensinamento
que ela passou pra eles. No final eles respondem a pergunta do
aprendizado com a frase: ‘’O tudo é um e o um é tudo’’.
5. a travessia Essa travessia, fala sobre a etapa em que o (Ep 2- min 22:00) Edward se apresenta para se tornar um alquimista
herói toma coragem e parte para a direção federal e ele ganha esse posto, sendo chamado de alquimista de aço.
do limiar
do mundo desconhecido. É nessa etapa em
que ele começa a se transformar em herói.
DESCRIÇÃO
ETAPAS DA
JORNADA
TEORIA ANIME
6. testes, Aqui retrata o herói em um novo mundo, onde ele faz (Ep 10) neste episódio, o enredo todo está dentro do
novos amigos, aproxima-se de um possível capítulo. Eles notam quem são seus aliados e inimigos,
aliados e
relacionamento amoroso, encontra inimigos, percebe principalmente depois da morte do major Hughes. Após
inimigos que tem muita coisa que ainda precisa superar para isso, os irmãos ficam mais próximos dos alquimistas
crescer e passa ainda passa por aprovações. federais, e Ed cada vez mais próximo da Winry.
7. A Esse passo é onde depois de superar todas as (Ep 2 - min. 08:24) Os irmãos Elric tem o seu primeiro
dificuldades dos passos anteriores, o herói parte contato com a Verdade (o ser espiritual do outro plano).
aproximação novamente para uma outra fronteira, onde seu O corpo de Al é retirado da alma dele e o Ed perde a
da caverna objetivo está mais próximo, mas também as perna. Para salvar a alma do Al, Ed faz uma
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dificuldades e os perigos são maiores e podem colocar transmutação da alma do irmão para uma armadura e
em risco a vida do herói. perde seu braço.
8. Provação A maior crise da aventura, onde há o maior medo e a (Ep 61 - min 7) A equipe formada pelos irmãos Elric,
tensão está no auge. Há quem diga que é quando o seu pai, os sargentos e a May, começam sua luta contra
herói chega em seu limite, e entra em uma luta de a forma mais forte de um homúnculo. Nesse episódio, o
vida ou morte com o vilão. homúnculo absorve os outros e começa a lutar com um
poder ainda mais extraordinário.
DESCRIÇÃO
ETAPAS DA
JORNADA
TEORIA ANIME
9. A Este passo da jornada do herói é exatamente o que o nome (Ep 63 - min. 09:50) Quando a pedra filosofal é
fala. Depois de superar toda a aprovação, seus medos e ofertada para ficar com Edward, mas ele nega.
recompensa
passar por todos os outros passos, o herói recebe uma
recompensa por ter se esforçado tanto.
10. O caminho Conta-se que o herói ao notar que não terá mais problemas (Ep 63 - min. 17:20) O passo 10 da jornada do
em seu caminho, ele pega o caminho de volta pra casa, e herói, acontece no final do episódio 63, quando Ed
da volta
volta para o seu mundo comum, e Al estão rodeados dos amigos após a batalha.
Eles estão prontos para ir pra casa.
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quando eram crianças. No fim do episódio, a narrativa os mostra adultos, com suas
respectivas namoradas, Winry e May, felizes em uma fotografia familiar.
DESCRIÇÃO
ETAPAS DA
JORNADA
TEORIA ANIME
11. A Trata da chegada hora do confronto final contra os inimigos. (Ep 63 - min. 14:40) Quando Ed perde o dom da
Acontece algo que o grande vilão reaparece, e o herói trata de alquimia na dimensão da ‘’verdade’’, fazendo a
Ressurreição
se apresentar novamente para a batalha. Também é conhecida troca pelo corpo do irmão. Ele ressurge como
como a última tentativa de uma grande mudança. um humano normal, sem dons.
12. O retorno o herói volta para o seu mundo comum lá do início. (Ep 64 - min 10:00) – Aqui temos um final feliz
dos irmãos Elric; eles estão em sua cidade natal,
com o elixir e vivem do jeito de como eram crianças.
Considerações finais
São muitas as histórias que seguem o mesmo modelo da Jornada do Herói, mas
cada uma delas tem um escritor ou roteirista diferente que traz o sentido que melhor lhe
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agrada para a história, a enriquecendo de detalhes. Por isso, a jornada do herói não é uma
receita que tem que ser seguida de modo engessado, e sim, uma ferramenta que possibilita
que o escritor transmita seus conhecimentos e criatividade.
Em Fullmetal Alchemist Brotherhood temos uma narrativa dramática e misteriosa,
que envolve seu espectador com uma linguagem fácil e tons de ironia em momentos
apropriados. Estudando os seus personagens tendo como base o monomito, o que conta é
a maneira em que eles se interligam e vão em busca dos seus objetivos. Pensando nisso,
por que Edward não pensou em entregar o seu portão da verdade, elemento que continha
todos os seus conhecimentos sobre alquimia, logo no segundo episódio do anime para
salvar o corpo do seu irmão Alphonse? Em resposta, o que importa são os passos que ele
percorreu em toda essa jornada, o seu conhecimento conquistado e principalmente,
perceber que a alquimia não é resposta para tudo e que têm muitas coisas que são mais
importantes, como, por exemplo, família e amizade e amor.
O objetivo principal deste trabalho foi analisar a presença da jornada do herói na
narrativa do anime Fullmetal Alchemist Brotherhood. Após a análise feita, aponta-se que
sim, há a presença do monomito na narrativa, porém, ela não se mostra de uma maneira
igual à estrutura de Campbell (2007) ou Vogler (2006). Ela aparece em partes, fora de
ordem, o que também não altera o significado da jornada do herói nem tira os seus
méritos. Interessante também pontuar, que seu segundo passo, nomeado de “o chamado
da aventura”, aparece em dois momentos diferentes em um mesmo episódio, se
diferenciando e se destacando em relação aos outros. Ele tem como base o momento em
que acontece algo muito decisivo na vida do herói. É a parte em que esse acontecimento
o leva a sair da sua vida pacata e partir para uma nova aventura.
Por fim, percebe-se que estudar a estrutura do monomito em uma narrativa
oriental parte do princípio de que tais narrativas são pouco utilizadas para o estudo da
Jornada do Herói. O universo do anime lida com ética, amor, amizade, corrupção,
religiões próprias e isto em conjunto forma uma produção seriada fantástica. O que
importa para essa narrativa são os dramas e conquistas que permeiam os personagens
principais, inspirando e cativando seu espectador. A fim de buscar por novos pontos de
vista, espera-se que esta pesquisa incentive o estudo sobre a Jornada do Herói na
linguagem do cinema e em ficções seriadas, tentando aplicar e estudar esses conceitos em
produções de origem oriental.
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REFERÊNCIAS
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