Joe Sacco, Jornalismo Literário em Quadrinhos
Joe Sacco, Jornalismo Literário em Quadrinhos
Joe Sacco, Jornalismo Literário em Quadrinhos
PUC-Campinas, UNIVS
Unicamp, ABJL
Resumo: O objetivo deste artigo indicar caminhos para entender de que maneira a
histria em quadrinhos pode ser considerada reportagem jornalstica e como, durante as
transformaes das HQs ao longo do sculo XX, chegou-se a essa linguagem para fazer
jornalismo. Para isso, ser realizada uma reflexo sobre o trabalho do reprter e desenhista
Joe Sacco, considerado o pioneiro na utilizao das tcnicas jornalsticas aplicadas arte
dos quadrinhos a partir da anlise de seus dois livros sobre a Palestina: Palestina, uma
nao ocupada e Palestina, na faixa de Gaza. Sero utilizadas as caractersticas do
Jornalismo Literrio para a anlise dos livros acima.
Palavras-chave: Joe Sacco; Histria em Quadrinhos; Quadrinhos autorais; Jornalismo
Literrio
Introduo
Gibi coisa de criana!
At meados da dcada de 80, quem proferisse essa frase no estaria errado. Em
1954, o psicanalista alemo Frederick Wertham publicou A seduo dos inocentes, livro
que culpava as histrias em quadrinhos (HQ) por conduzir jovens indolncia e
criminalidade por meio de tramas violentas. O furor gerado pelo livro resultou em vrios
processos judiciais e criao do Comics Code Authority, selo de qualidade exposto nas
capas das revistas, indicando um contedo inofensivo. Houve, ento, uma infantilizao das
HQs norte-americanas, reduzidas a super-heris, personagens dos desenhos animados
Disney e histrias infanto -juvenis como Archie.
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Trabalho apresentado ao NP Produo Editorial, do VI Encontro dos Ncleos de Pesquisa da Intercom
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Mestre em Comunicao e Semitica pela PUC-SP, jornalista, professora da Faculdade de Jornalismo da PUC-Campinas
e da Univs - Pouso Alegre(MG) , graduanda em Cincias Sociais pela PUC-Campinas., membro do grupo de pesquisa
Comunicao e Poltica. E-mail: [email protected]
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Jornalista. Graduando em Estudos Literrios pela Unicamp, ps-graduando no curso lato sensu de Jornalismo Literrio
pela ABJL, membro do grupo de pesquisa de Gesto e Polticas de Comunicao na UNESP. E-mail: m-
[email protected]
Jornalismo e Quadrinhos
No deveria haver estranheza ao se falar em jornalismo em quadrinhos. Afinal, as
histrias em quadrinhos nasceram nos jornais e at hoje permanecem neles na forma de
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Dos ttulos mencionados, apenas Maus e No corao da tempestade so norte-americanos. Nakazawa publicou seu
trabalho no Japo e Satrapi na Frana. Embora no pertenam ao mercado norte-americano de quadrinhos, Gen e
Perspolis so exemplos de destaque e qualidade nos quadrinhos autobiogrficos.
O pioneiro
Joe Sacco 5 nasceu na ilha de Malta em 1960. Viveu a infncia na Austrlia e, aos 12
anos, mudou-se com sua famlia para Los Angeles, EUA. Formou-se em jornalismo pela
Universidade do Oregon, mas no trabalhou no ramo. A partir da segunda metade da
dcada de 80, tornou-se quadrinista e trabalhou em publicaes underground, criando
histrias de humor escrachado.
Contudo, nem todos os laos com o jornalismo foram cortados. Em 1989, Sacco
publica, em sua revista Yahoo (publicada no Brasil na coletnea Derrotista) a HQ Uma
experincia nojenta (2006, p.99-109), um conto ilustrado com desenhos a tcnica de
somar texto a desenhos que cumprem a funo de fotografias, como em revistas
jornalsticas, foi reutilizada posteriormente pelo autor na HQ histrico-jornalstica Quando
bombas boas acontecem a pessoas ms (2006, p.123-130), sobre o bombardeio britnico
Alemanha durante a II Guerra Mundial, e em Palestina, no captulo Lembre-se de mim
(2004, p.41-50), no qual as ilustraes so baseadas em fotografias tiradas por Sacco.
Quando bombas boas acontecem a pessoas ms foi a primeira HQ de Sacco
relacionada a guerra. Seguiu-se, em 1990, Mais mulheres, mais crianas, mais rpido
(2006, p.134-155), baseada nas memrias de sua me, Carmen, sobre bombardeios italianos
a Malta durante o governo de Mussolini. A histria narrada do ponto de vista de Carmen,
em primeira pessoa.
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O autor publicou, alm de Palestina e Derrotista, mencionadas no artigo, as seguintes obras: Natal com
Karadzic, pertencente coletnea Comic Book o Novo Quadrinho Norte-Americano(Conrad do Brasil, 2000)
e trs livros baseados em sua viagem Bsnia: Soba(no publicado no Brasil), Uma Histria de
Sarajevo(Conrad do Brasil, 2005) e rea de Segurana Gorazde - A Guerra na Bsnia Oriental(1992-1995)
(Conrad do Brasil, 2001)
A partir desse convvio com as fontes, Sacco costuma narrar a histria em primeira
pessoa e desenha a si prprio tomando parte nos dilogos. Ilustra no somente aquilo que
v, mas tambm aquilo que lhe contam. Esses traos marcam a voz autoral presente na
obra. De acordo com o autor:
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Caixas de texto utilizadas nos quadrinhos para a narrao em terceira pessoa ou reproduo dos
pensamentos de um personagem-narrador.
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O autor usa um recurso de identificao utilizado no jornalismo televisivo para indicar o nome das
fontes(GC).
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Jargo jornalstico utilizado para a frase logo abaixo do ttulo que tem por objetivo dar sentido ou completar
informaes.
Nota-se a presena da digresso durante toda a obra do autor, uma vez que busca
compreender a realidade a partir do olhar dos palestinos. Em busca dos referenciais
contextualizados citados acima, Sacco explica a origem do conflito entre rabes e
israelenses, chegando, at me smo, a reproduzir trechos da Bblia e a desenhar Deus no
primeiro volume. Alm disso, afasta-se do tema central em alguns trechos como, por
exemplo, naqueles em que escreve suas lembranas do tempo em que era apaixonado por
Cludia, uma mulher meio iraquiana, estudou rabe em Damasco, onde deixou seu Romeu
palestino, que tem um irmo na OLP, ntimo de Yasser(...)(Sacco, 2004,p.7).
Uma outra caracterstica presente no trabalho de Sacco a humanizao. Na
narrativa possvel verificar sentimentos tantos do autor quanto dos entrevistados ao
descrever cuidadosamente, seja por meio de dilogos e depoimentos ou nas imagens
registradas e desenhadas.
O jornalista tambm humaniza a si prprio. Ao invs de retratar-se como um
reprter-heri, destemido, na pgina 118 de Palestina(2004), Sacco demonstra um grande
pavor em ir s ruas durante uma manifestao. O jornalista se distancia da realidade
retratada e possvel identificao com o leitor e se mostra como uma pessoa comum,
chocada com a realidade do terrorismo, por meio de declaraes como Fui criado no
subrbio - terror, s no cinema (2004,p.94).
Consideraes finais
Referncias bibliogrficas
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Trabalho de concluso de curso (Graduao em Jornalismo) - Faculdade de Jornalismo -. PUC-
Campinas, Campinas, SP.
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Anais. Belo Horizonte: Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicao, 2003.
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29.4.2001, Ilustrada.