Discursos e Relações Dialógicas em Noragami
Discursos e Relações Dialógicas em Noragami
Discursos e Relações Dialógicas em Noragami
Teoria do Texto
Profa. Dra. Alessandra Jacqueline Vieira
Resumo:
O presente trabalho se propõe a analisar as relações dialógicas e os discursos contidos
dentro do mangá Noragami, da dupla de autoras Adachitoka. Com base em ideias de Mikhail
Bakthin (1997) e da escola francesa de Análise do Discurso (AD), a intenção é mostrar como textos
canônicos da cultura japonesa, tais como o Kojiki, estão inseridos na narrativa. Em um segundo
momento, o foco de análise do trabalho é a comparação entre o texto original japonês e a tradução
brasileira da página 6 das duas edições do mangá, e o questionamento de escolha tradutória para o
português brasileiro baseado em conceitos bakthinianos.
possível ler デリバリーゴッド (Deribarii goddo), o que remete claramente ao vocabulário vindo do
inglês. A questão é, então, por que o tradutor brasileiro manteria a palavra em outra língua?
Noragami (c) Adachitoka - versão brasileira e versão japonesa (todos os direitos reservados)
É importante refletir sobre essa escolha tanto na língua japonesa quanto na tradução. O
japonês usa um conjunto de três alfabetos para escrever, os kanji, o hiragana e o katakana. O
katakana é um alfabeto antigo japonês, mas que depois da Segunda Guerra Mundial passou a ser
usado para escrever palavras estrangeiras, principalmente as palavras advindas dos Estados
Unidos, país que dominou o Japão após o fim da Guerra. Mesmo que o uso do katakana
completamente inserido dentro da língua japonesa, quando as palavras são escritas com este
alfabeto existe uma motivação. É provável que o tradutor brasileiro tenha escolhido deixar o termo
em inglês para que causasse um estranhamento parecido com o causado no japonês. Mesmo que
as palavras deribarii goddo façam parte do léxico, elas não foram escolhidas ao acaso e ainda
assim se destacam. Elas representam uma forma nova de se referir a um deus que atende chamados,
remetendo à modernidade (delivery), esse termo é de extrema importância na narrativa, e
provavelmente por isso recebe destaque tanto na versão original quanto na tradução para o
português brasileiro.
Além disso, é importante também focar no público leitor desse mangá, a maioria jovens
japoneses de 14 anos para cima na versão original.
E esse fator interfere muito no tipo de linguagem que será usado, e esse é um provável fator
por trás do uso de um alfabeto diferente (katakana) que tem origem em uma língua diferente
(inglês), pois essa publicação tem como alvo um público jovem que está provavelmente
procurando algo novo dentro do contexto cultural do japão. O leitor novo provavelmente também
exigirá um conceito novo.
“[...] * Os enunciados e o tipo a que pertencem, ou seja, os gêneros do
discurso, são as correias de transmissão que levam da história da
sociedade à história da língua. Nenhum fenômeno novo (fonético, lexical,
gramatical) pode entrar no sistema da língua sem ter sido longamente
testado e ter passado pelo acabamento do estilo-gênero" (BAKHTIN,
Mikhail. Os gêneros do discurso. 1997 p.283-5).
Yato é “novo” dentro do discurso no qual está inserido, o conceito de deus que ele
representa é novo para a própria cultura japonesa, e por consequência o termo que se refere a ele
é escrito em outro alfabeto já pertencente à língua japonesa. Na versão brasileira há o
estranhamento, mesmo com certa proximidade com a língua inglesa no Brasil a escolha tradutória
para alguém que não conhece muito da língua japonesa pode parecer duvidosa. Porém, quando se
entende o contexto do uso de algo escrito em katakana, o tradutor vê que aquele termo possui valor
dentro da narrativa, e considera que ele não poderia simplesmente ser traduzido como “deus à
domicílio”, tal como coloca no glossário na edição brasileira.
Por fim, ao analisar esse trabalho é possível corroborar as palavras de Bakthin quando ele
afirma que ao ignorar a origem e as particularidades do enunciado e do gênero, tornamos o nível
de análise superficial e o esvaziamos de significado. Há certas relações dialógicas e de
heterogeneidades constitutivas que apenas uma observação mais minuciosa do enunciado pode
trazer à tona.
REFERÊNCIAS:
ADACHITOKA. Noragami. Tradução Panini Brasil Ltda. Bimestral. Tamboré/SP: Panini, 2016-.
16 de 17 v.
ASHKENAZI, Michael. Handbook of Japanese Mythology. Santa Bárbara, Califórnia: ABC-
CLIO Inc., 2003.
CARTWRIGHT, Mark. Kojiki. Ancient History Encyclopedia, 12 maio 2017. Disponível em:
<https://www.ancient.eu/Kojiki/>. Acesso em: 7 nov. 2018.
CUNHA, Andrei; SHIMON, Meiko. História da Literatura Clássica Japonesa, Parte I. Brasil
Nikkei Bungaku, São Paulo, n. 45, p. 35-44, nov. 2013.
ROBERTS, Jeremy. Japanese Mythology: A to Z. 2. ed. Nova Iorque: Chelsea House Publishers,
2009. (A to Z Collection).
WILKINSON, Philip. O livro ilustrado da mitologia: lendas e histórias fabulosas sobre grandes
heróis e deuses do mundo inteiro. São Paulo: PubliFolha, 2005.
BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In: Estética da criação verbal. 2ª Ed. São Paulo:
Martins Fontes, 1997.
PEREIRA COELHO DE MESQUITA, Diana. FERREIRA ROSA, Ismael. As heterogeneidades
enunciativas com aporte teórico metodológico para a Análise do Discurso de linha francesa.
Veredas - Análise do Discurso. Juíz de Fora, 2010.