Doutorado em Quadrinhos-Barbosa - Alexandre
Doutorado em Quadrinhos-Barbosa - Alexandre
Doutorado em Quadrinhos-Barbosa - Alexandre
So Paulo
2006
So Paulo
2006
FOLHA DE APROVAO
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof. Dr. ___________________________________________
Instituio: _______________ Assinatura: ________________
Prof. Dr. ___________________________________________
Instituio: _______________ Assinatura: ________________
Prof. Dr. ___________________________________________
Instituio: _______________ Assinatura: ________________
DEDICATRIA
A Jos Alves Barbosa (in memorian), meu pai, com amor, admiraoe saudade, por
sempre ter acreditado em mim, acompanhando-me at a metade deste percurso e,
mesmo aps nos ter deixado, sendo sempre meu guia e permanecendo vivo em
minhas memrias.
Por todo apoio, amor e dedicao a mim oferecidos em vida, meu eterno carinho,
respeito e gratido.
AGRADECIMENTOS
AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
A minha famlia, em especial a minha me, por todo o seu apoio, pelo carinho, pela
constante demonstrao de fora, pela sua bondade e f, que me proporcionaram
luz e suporte emocional para que eu pudesse trilhar o caminho do conhecimento.
RESUMO
ABSTRACT
This work try makes a survey in comics what tell about historical facts, with
emphasis in histories produced in Brazil in the decade of 50, mainly those produced
by the EBAL publishing company.
produced similar comics in the same period in intention to compare the narratives in
each one of them and Brazil.
Narratives are analyzed in separate form, or either, the text and the images
that compose the comics are classified in first and after a parallel are traced to verify
the form as artists and scriptwriters worked this sort.
The study it shows as the artists worked the historical information and how
they did adaptation for comics.
produced in Brazil, in the decade of 50, was influenced and in that influenced later.
10
LISTA DE FIGURAS
Figura 1.
66
Figura 2.
67
Figura 3.
74
Figura 4.
82
Figura 5.
92
Figura 6.
96
Figura 7.
98
Figura 8.
Hokusai mang
99
Figura 9.
100
Figura 10.
Tapearia de Bayeux
107
Figura 11.
111
Figura 12.
Tintin de Herg
113
Figura 13.
Cannibale e Frigidaire
116
Figura 14.
119
Figura 15.
121
Figura 16.
122
Figura 17.
129
Figura 18.
130
Figura 19.
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Figura 20.
136
Figura 21.
138
Figura 22.
140
Figura 23.
143
11
Figura 24.
146
Figura 25.
151
Figura 26.
152
Figura 27.
154
Figura 28.
156
Figura 29.
165
Figura 30.
168
Figura 31.
174
Figura 32.
178
Figura 33.
Revistas da EBAL
185
Figura 34.
190
Figura 35.
190
Figura 36.
194
Figura 37.
197
Figura 38.
199
Figura 39.
200
Figura 40.
203
12
SUMRIO
INTRODUO
14
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24
29
33
38
38
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117
127
127
143
155
155
13
180
189
CONSIDERAES FINAIS
202
BIBLIOGRAFIA
208
APNDICES
214
214
218
220
222
224
226
ANEXOS
228
228
247
14
INTRODUO
15
da
linguagem
dos
quadrinhos
histricos
em
relao
16
17
Esses
18
19
daquela
apresentada
pelo
mercado
dos
quadrinhos
chamados
20
em
diversos pases.
Quanto questo do narrador, buscamos textos de Umberto Eco para avaliar
a interao entre o produtor e leitor da obra. Ele faz, em sua obra, a relao entre a
capacidade do autor de contar uma histria e do leitor de entend-la, passando por
todas as dificuldades de interpretao que os indivduos podem encontrar na leitura
da narrativa ficcional.
Alm do trabalho de Eco, nos debruamos tambm sobre a obra de Mikhail
Bakthin que, ao estudar a obra de Dostoievski, analisa o autor e os personagens
criados. Bakthin tambm faz um estudo sobre a criao de personagens e a
utilizao da palavra na produo desses heris.
importante ressaltar que tanto Eco quanto Bakthin estudam as relaes
entre a obra, o autor e o leitor, e como a narrativa se desenvolve.
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algumas sociedades a realidade histrica se faz por meio de uma narrativa oral,
passada de indivduo para indivduo.
Tanto a narrativa por meio da imagem, como as narrativas orais sofreram
mudanas. Podemos constatar no s as mudanas tecnolgicas dos processos
utilizados na narrativa, como tambm no carter dessa narrativa.
No vamos adentrar o campo da historiografia, mas tentamos definir alguns
pontos que marcam o fato de escrever a Histria de um povo, de uma determinada
cultura ou da prpria Humanidade.
Um fator sem dvida determinante na questo da narrativa histrica foi a
transposio do cdigo oral para um cdigo escrito, possibilitando o acumulo e
transmisso das informaes.
espcie de poder.
O homem criou assim uma textolatria, na qual as palavras escritas assumem
as rdeas da realidade. No mais as imagens, mas a grafia seria o reflexo do
pensamento e da abstrao do homem.
Uma penetrao geral do texto impresso no conjunto das
engrenagens da vida social e cultural, correlativa de um certo
enfraquecimento das performances da comunicao oral diretas,
mas que em contrapartida autorizar uma capacidade muito maior de
acumulao e de tratamento de saberes (GUATTARI, 1999, p. 185).
31
32
Ferro (1999) tambm acredita que a nova historiografia se faz por meio de
uma viso mais abrangente, acolhendo fatores como os mitos, as lendas e outros
dados que permeiam outras sociedades, capazes de dar um parecer mais relevante
das trocas e relaes humanas.
Segundo Ferro (1999), impossvel uma imparcialidade histrica pela
narrativa dos historiadores oficiais dos Estados, uma vez que estes atendem a
questes ideolgicas. Em relao Histria do ponto de vista de povos com
narrativas diferentes daquela produzida para livros oficias, Ferro classificou como
contra-histria.
33
Esse texto foi publicado, em 1823, por John Pretisse e impresso por Keene,
em New Hampshire, no intuito de ensinar crianas e famlias norte-americanas.
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Para o artista Eisner (2005), a melhor definio seria Arte Seqencial, mas
esse termo mostrou ser demais abrangente, pois os desenhos animados tambm
representam arte visual em seqncia, enquanto Mc Cloud (1995) define os
quadrinhos como imagens pictricas e outras justapostas, em seqncia deliberada,
destinadas a transmitir informaes e/ou a produzir resposta no espectador.
Gubern (1979, p. 35) classifica os quadrinhos como [...] uma estrutura
narrativa formada pela seqncia progressiva de pictogramas nos quais podem
integrar-se elementos de escrita fontica.
Para Cagnin (1975, p. 25) a histria em quadrinhos [...] um sistema
narrativo formado por dois cdigos de signos: a imagem obtida pelo desenho e a
linguagem escrita.
Enquanto as duas primeiras definies esto presas questo da imagem
como o ponto mais importante das histrias em quadrinhos, as outras duas revelam
a importncia da juno entre escrita e imagem.
Conforme analisa Franco (2004, p. 25) sobre as definies de Gubern e
Cagnin:
Essas duas definies so muito prximas uma a outra e
conseguem sintetizar com objetividade o que caracteriza a unicidade
das HQs: a unio entre texto, imagem e narrativa visual, formando
um conjunto nico e uma linguagem sofisticada com possibilidades
expressivas ilimitadas.
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45
foram criados.
informaes sobre a poca em que foram criados do que sobre o perodo retratado.
Os textos autobiogrficos e biogrficos tambm constituem quadrinhos
histricos, pois fazem o relato de um perodo especfico. Os quadrinhos histricos
fornecem aspectos comportamentais e iconogrficos que os documentos e
narrativas textuais histricas no podem fornecer.
Entretanto, muito mais fcil encontrarmos dentro do quadrinho histrico o
anacronismo. Por se tratar de uma narrativa visual o risco de imagens no
correspondentes ao perodo descrito bem maior do que a narrativa textual.
Vilela (2004, p. 120) afirma que:
Uma srie em quadrinhos conhecida por seus anacronismos
a do Prncipe Valente criada por Harold Foster (1892-1982) ou
simplesmente Hal Foster, como costumava assinar seus trabalhos
[...] As aventuras so ambientadas em uma Idade Mdia idealizada,
que mescla elementos de diferentes pocas: armaduras do sculo
XIII e XIV; vikings do sculo IX; tila, o Huno, que morreu no ano
453, figura como contemporneo do lendrio Rei Arthur, que, se
existiu mesmo, teria reinado no sculo VI.
46
meio de sua fantasia, o mundo tenha acesso a aspetos da cultura celta, galica,
bret e nrdica.
J Gosciny e Uderzo trabalham com um personagem gauls que reflete a
Frana aps a Segunda Guerra. Os conquistadores romanos de Jlio Csar so
rechaados constantemente pela populao de uma pequena aldeia. Na verdade
este um paralelo com a resistncia francesa e o exrcito alemo.
O quadrinho histrico coloca os autores diante de um dilema ao ter que
trabalhar com fatos histricos e uma narrativa ficcional.
47
48
Nomes importantes como E.T. Coelho, Jos Ruy, Jos Garcs e Raul Correia
tiveram grande influncia sobre os artistas brasileiros quanto forma de narrar os
quadrinhos histricos.
As grandes Figuras de Portugal, Os 200 inimigos do Condestvel,
Peregrinao e a adaptao de Os Lusadas foram histrias em quadrinhos que
marcaram o gnero em Portugal, em especial o trabalho de Ruy, com o personagem
Porto Bom Vento, que procurava dar a viso da Histria pelos olhos de um
personagem secundrio. O artista chegou a publicar tambm a adaptao da
histria de Alexandre Herculano, O Bobo, refeita na dcada de 1980, acrescentando
informaes visuais colhidas junto a historiadores portugueses (LINO, 1988).
A mesma preocupao iremos posteriormente encontrar na produo dos
quadrinhos histricos brasileiros.
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por exemplo,
uma
passagem indecorosa,
dado
referencial
resulta
da
justaposio
de
duas
50
No-repetio (por mais difcil que se possa imaginar tal lei esttica)
num texto autntico, no h repeties. Todorov (1975, p. 106),
analisando Odissia, afirma que A passagem que comea aqui vem
repetir pela terceira vez a cena do tamborete e do banquinho que
Antinoo e Eurmaco lanaram precedentemente contra Ulisses [...]
Essa passagem pode, pois, com bons motivos, ser considerada
suspeita. Seguindo este princpio, poder-se-ia cortar uma boa metade
da Odissia como suspeita ou ento como uma repetio chocante.
difcil, entretanto, imaginar uma descrio de epopia que no leve em
conta estas repeties, de tal forma que elas parecem ter papel
fundamental.
51
52
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Por esse motivo, podemos analisar o roteiro de quadrinhos com base nos
outros meios.
Tomemos, ento, a explanao de Field (2001, p. 2):
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Caso Field no tivesse escrito estas palavras para roteiros de cinema, elas
bem poderiam ser usadas para um roteiro de quadrinhos.
Encontramos, porm, uma base mais aprofundada na anlise de Comparato
(1995). O autor desmembra as etapas de elaborao do roteiro fazendo tambm um
estudo da tipologia do roteiro e seu contedo.
Em relao ao paralelo traado entre os meios de comunicao de massa,
Comparato (1995, p. 17) afirma que:
A especificidade do roteiro no que respeita a outros tipos de
escrita a referncia diferenciada a cdigos distintos que, no produto
final, comunicaro a mensagem de maneira simultnea ou alternada.
Neste aspecto tem pontos em comum com a escrita dramtica- que
tambm combina cdigos-, uma vez que no alcana sua plena
funcionalidade at ter sido representado. A representao do roteiro,
no entanto ser perdurvel, em funo da tecnologia de gravao.
Estes so
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O ponto mais importante da adaptao talvez seja este, o roteiro no deve ser
a obra original, mas sim t-la como parmetro para sua escrita. Em muitos casos, o
escritor do roteiro vive o dilema das diferenas do suporte e esquece de utilizar as
possibilidades de cada meio.
Pegamos como exemplo a adaptao da histria Retirada de Laguna, do
Visconde de Taunay, para os quadrinhos feita pela editora EBAL em 1956, no trao
de Gutemberg Monteiro.
A obra original, escrita por Taunay, o reflexo de sua participao direta no
conflito do Brasil com o Paraguai. O autor, formado em Letras, Matemtica e
Cincias Naturais, estudou artilharia na Escola Militar do Rio de Janeiro e fez parte
do corpo de engenheiros na expedio ao Mato Grosso em 1865.
Seu relato, no livro, mescla a narrativa cientfica e o romance, no qual o
cenrio assume grande importncia e o desfile de personagens denota a
preocupao do autor em catalogar todos os fatos.
O livro data de 1871 e as informaes aqui contidas para leitura e anlise
foram retiradas da terceira traduo da edio francesa. Portanto, o texto est o
mais prximo possvel do trabalho original do Visconde de Taunay.
O autor nos apresenta no texto vrios personagens, porm faz um retrato
especial do Guia Lopes, homem humilde, responsvel pela sobrevivncia das tropas
brasileiras com seus conselhos e vveres. Ele o grande heri da histria de Taunay
60
como podemos ler nos seguintes trechos do prlogo do livro escrito por Ernesto
Aim em Paris, em 1890:
[...] si no foram os prodgios de energia e animo inalterado
desse estupendo Lopes, maior que muitos heroes de Homero!
61
A adaptao do livro para os quadrinhos, por sua vez, tem alguns problemas,
no em relao ao contedo, mas na forma como o meio aproveitado para a
narrativa. Levando em considerao a diferena das linguagens, o que podemos
notar um desconforto do autor na adaptao.
Para comear, o personagem Lopes, que foi to importante para o exrcito
brasileiro, s aparece em sete quadros, de forma caricatural. No h uma narrativa
forte que introduza o personagem, ou que mostre a sua participao ativa. A
linguagem grfica no enaltece a ao e o personagem como o texto de Taunay.
Os motivos de Lopes no so revelados. O fato da invaso e da captura de
sua famlia pelos paraguaios no mostrado. No texto original este seria o grande
motivo do dio dele pelos paraguaios.
Na histria em quadrinhos, existe uma introduo explicando o que seria a
guerra do Paraguai, o que no acontece no texto original. Mas, em compensao,
suprime muitas informaes que o autor fornece no livro, como por exemplo sobre
as plantas e geografia da regio do conflito. Este problema poderia ser resolvido na
narrativa grfica, mas infelizmente a preocupao com o documento histrico
acabou por engessar a criatividade na narrativa visual da histria em quadrinhos.
Realmente a transposio de uma linguagem para outra est sujeita a certos
entraves, caso os interlocutores no estejam aptos ou predispostos a fazer a
releitura apropriada da obra.
Neste caso, estamos nos referindo a uma histria em quadrinhos adaptada a
partir de um livro pico, com uma narrativa ficcional, mas, quando o autor parte de
um texto em forma de registro histrico a adaptao torna-se mais complexa.
62
nesse
pensamento,
podemos
afirmar
que
as
melhores
63
64
65
superioridade. A fala nos bales dos personagens bretes (ingleses) tem uma
gramtica invertida para lembrar que na lngua inglesa a construo gramatical
difere do francs, lngua original de Asterix.
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34)
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1926 por Patton e Rosenfield, pois a liberdade criativa era bem reduzida, deixando
pouco espao para evoluo do roteiro. As histrias em quadrinhos da Gilberton
passavam pelo crivo de Associao de Pais e Educadores e por este motivo eram os
mais resistentes a novas experincias estticas.
Um dos maiores exemplos era a Classic Illustrated que trazia adaptaes de
clssicos da literatura, mas ocasionalmente publicava quadrinhos de no-fico,
como foi o caso da World War II, Royal Canadian Mounted Police e The Story of
Amrica. A inteno destes quadrinhos era atrair a ateno dos pais para
quadrinhos educacionais e apaziguar o apetite das crianas por revistas de histrias
em quadrinhos. (TOWLE, 2003)
A construo dos personagens era baseada mais nas roupas e no trao que
nos problemas scio-econmicos que os envolvia, bem diferente do principio de
Texas History Movie, feita quase quatro dcadas antes.
O intuito de fazer um
paralelo com a esttica dos super-heris vigentes era tanta que o artista Jack Kirby
fora contratado para fazer uma revista especial sobre a Guerra Civil norteamericana. O motivo era a forte resistncia do mercado ao quadrinho com temas
histricos. Dessa maneira a Gilberton pretendia atenuar essa tendncia do mercado.
82
Figura 4. Fort Sumter desenhado por Jack Kirby. Desenho de Jack Kirby
sobre o incio da Guerra de Secesso. Fonte: WITEK, J. Comic book as
History: the narrative of Jack Jackson, Art Spiegelman and Harvey Pekar.
Mississippi: University Press of Mississippi, 1990.
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88
seqncia gerou o termo chins lianhuanhua, que apareceu pela primeira vez em
1927, designando na China as histrias em quadrinhos. Zikai tambm contribuiu
para o desenvolvimento da tcnica dos quadrinhos, com uma produo de 20 livros
tericos sobre o assunto.
Os anos 20 e 30 podem ser considerados a era de ouro dos quadrinhos
chineses, na qual uma gama de artistas despontou, principalmente em Xangai, onde
os principais temas estavam relacionados a humor. Na dcada de 30, surgiram
associaes de desenhistas e, durante a invaso japonesa, o artista Ye Qianyu
organizou a resistncia por meio dos quadrinhos. O governo chins percebeu que os
quadrinhos eram uma ferramenta poderosa para difundir conceitos para as massas.
No perodo de formao da Repblica Popular da China sob o comando de
Mao Tse Tung, os quadrinhos foram utilizados para reforar conceitos patriticos.
Entre 1949 e 1963, cerca de 12.700 diferentes ttulos foram editados, perfazendo um
total de 560 milhes de cpias circulando pelo pas.
Como diz Luyten, S (LUYTEN, S. Do alto da Grande Muralha da China, 2 mil
anos de histrias em quadrinhos vos contemplam... In: Universo HQ, Disponvel em:
<http://www.universohq.com/quadrinhos/sonia02.cfm>. Acesso em:15 dez. 2005a):
Os quadrinhos de Mao, como ficaram conhecidos, tinham
como caractersticas o seu formato pequeno, de 12,5 x 10 cm, em
papel jornal, e uma temtica incrivelmente variada. Foram
primeiramente adaptadas, em forma quadrinizada, as obras clssicas
da literatura chinesa, como A histria dos trs reis, para reforar os
aspectos educativos da revoluo, dando nfase ttica e
estratgia militar, alm do patriotismo.
Depois, outros temas variados iam desde a reforma agrria,
leis sobre o casamento, luta contra o analfabetismo, noes
elementares de higiene, combate corrupo, sem deixar de falar,
claro, da figura do prprio Mao, o Grande Timoneiro, como era
chamado. Quanto ao desenho, ao lado de um nmero grande de
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separado da imagem, sem uma conexo entre ambos. As imagens serviam apenas
como um complemento, com carter ilustrativo. (LUYTEN, 2000)
Histrias chinesas transformadas em quadrinhos, como O Tigre e O Drago,
ganham a preferncia do pblico em todo o mundo e so adaptadas para o cinema.
Outra histria em quadrinhos chinesa que correu os circuitos asiticos, europeus e
americanos foi Hero, tambm adaptada para o cinema. certo que, aps a
reintegrao de Hong Kong ao territrio chins, as possibilidades de expanso dos
quadrinhos aumentaram consideravelmente, pois o ex-protetorado ingls j possui
uma forte produo cinematogrfica e de quadrinhos graas ao fcil contato com o
Japo e a Inglaterra. L os quadrinhos foram batizados de manhua devido forte
influncia do mang japons. (MOLINS, 2002)
Outro pas asitico que sofreu influncia do mang foi a Coria. Porm esse
pas j possui uma forma de arte seqencial registrada no sculo X, a
Bomyeongshiudo, uma histria em quadrinhos na qual uma vaca explica um cnon
budista utilizando-se da juno imagem e texto, exatamente como se faz hoje em dia
nas histrias em quadrinhos.
As primeiras histrias em quadrinhos e cartuns veiculados em meios de
comunicao de massa, na Coria, surgiram no final do sculo XIX. O primeiro
artista de sucesso foi Lee Do-Yeong, com seus desenhos publicados sob o ttulo
Saphwa no jornal Daehanminbo, em 1909. No ano seguinte, o governo colonial
japons encerrou as publicaes coreanas que s foram reaparecer aps o fim da
guerra no Pacfico em 1945.
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importante ressaltar que metade desta produo tem cunho educativo. Oito
universidades tm departamento exclusivo de histrias em quadrinhos e o pas
possui um Museu dos quadrinhos, Chungkang, ligado ao Chugkang College of
Cultural Industries, uma instituio no campo de artes e criao, aberto em 2002,
com exposies permanentes baseadas em trs temas: Quadrinhos e Caricatura,
Quadrinhos e Movimento e Quadrinhos e Emoo. Para os coreanos as histrias
em quadrinhos no representam apenas entretenimento, mas tambm um fator
importante na preservao da cultura nacional.
Um pas tambm muito preocupado com a preservao da cultura por meio
dos quadrinhos a ndia. A produo dos quadrinhos como meio de comunicao
de massa comeou tarde, em relao a outros pases asiticos, por volta de 1969,
mas mostrou ser to produtiva quanto a japonesa, a coreana e a chinesa. Em uma
nica editora foram publicados 80 milhes de cpias e 650 ttulos diferentes. Esse
material lido no s na ndia, mas tambm nos pases com grandes contingentes
de hindus.
Os hindus possuem a tradio da narrativa seqencial com mais de mil anos,
vindas do Ramayana (em snscrito a Histria de Rama) e do Mahabarata (a Grande
Histria), produzidas em tecidos ou tiras de couro que eram carregadas pelos
contadores de histrias atravs do pas segundo Luyten, S. (2005).
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96
Nos anos 90, os quadrinhos hindus foram alm dos temas mitolgicos,
partindo para o humor e poltica. Segundo Luyten, S. (2005b), entrar na rea poltica
em um pas como a ndia algo complexo e perigoso. A grande quantidade de
etnias e as guerras fazem da regio uma rea turbulenta e violenta, mas os
quadrinhos abrem a possibilidade de preservao da cultura e discusso dos
assuntos sociais e polticos.
Entre todos os pases da sia, o Japo , sem dvida, aquele que mais
sofreu influncia das histrias em quadrinhos.
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os
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ukiyo-e eram mais populares e seus criadores procuravam fazer stira e crtica
social .
99
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Essa histria uma adaptao dos contos de fada ocidentais, mas com uma
narrativa completamente diferente, na qual a personagem principal est fadada ao
sofrimento. Os conceitos de monarquia, nobreza, intrigas palacianas esto mais
prximos daqueles existentes em histrias e lendas japonesas do que nos antigos
contos europeus.
Por conta da iconografia utilizada pelo artista, podemos perceber que a
histria se passa entre os sculos XVII e XVIII, quando ainda encontramos
resqucios de um feudalismo, mas j anunciando os chamados dspotas
esclarecidos. Toda a trama, porm, transcorre na ficcionalidade, em um mundo que
no existe, apesar de utilizar-se de elementos comuns queles que tem uma
pequena viso da Histria, diferente de um outro sucesso chamado Versailles no
Bara ou A Rosa de Versailles do ano de 1972.
Versailles no Bara, de Riyoko Ikeda, uma saga que tem como pano de
fundo a Frana do sculo XVIII e, seguindo a linha de Osamu Tezuka, o
personagem principal Oscar-Franois de Jarjayes filha de um general que sonha
dar continuidade tradio militar da famlia. Ela criada como um homem, mas
mantm seu lado feminino encontrando o mesmo conflito interno de Ribon no Kishi.
A grande diferena est na tentativa da fidelidade histrica. Nomes como
Robespierre, Madame Du Barry, Hans Axel von Fersen, Maria Antonieta e Luis XV
circulam por entre as pginas dessa aventura, aproximando a fico realidade.
Em ambos os casos, tanto em Ribon no Kishi como em Versailles no Bara,
os artistas japoneses sentiram-se mais vontade para criar uma fico histrica,
uma vez que a Histria do ocidente no provocaria tanto interesse na maioria da
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105
Assim como Nabuhiro, outros artistas novos utilizam deste recurso para
integrar a linguagem grfica ao discurso de outros veculos como TV, internet e
videogames.
A Histria do Japo em quadrinhos no fica restrita a esta linha. Dentro do
panorama dos quadrinhos japoneses podemos encontrar diversos ttulos que falam
das mais diferentes passagens da histria do pas. Como Mang Nihon Keizan
Nyon, ou Introduo a Economia Japonesa em Mang, de Shotaro Ishimori
produzido em 1986. Trata-se de uma histria dramtico-didtica que narra
problemas e solues da economia japonesa por meio de situaes vinculadas
companhia fictcia Mitsutomo, filial da tambm fictcia Toyosan Motors (contrao de
Toyota e Nissan). A histria, contada em seis captulos, mostra a saga de
funcionrios de uma empresa de forma romanceada. Essa revista inaugurou a moda
dos quadrinhos jodo mang ou mangs informativos, chamando a ateno para este
gnero e comprovando a capacidade didtica das revistas de histrias em
quadrinhos.
Ishinomori, com este trabalho, traduz um comportamento empresarial japons
da dcada de 80 e, ao mesmo tempo, nos fornece dados do pensamento da classe
mdia daquele perodo, os chamados sarariman.
Pela variedade de ttulos e pelo volume de produo, podemos afirmar sem
qualquer dvida que o Japo o pas que possui a maior produo de histrias em
quadrinhos no mundo. Segundo dados de 2002, no Japo a quantidade de material
publicado chegava a 750 trilhes no ano e deste total 38,1%, ou seja, 285 trilhes de
exemplares corresponde aos mangs. (FUSANOSUKE, 2005).
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fizeram
nascer
experincias
comunicacionais
naqueles
pases,
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110
mesmo modo, Schdter publica Piepmayer em 1848. Estes trabalhos seriam uma
prvia para a narrativa seqencial que viria a surgir no final do sculo.
Entre os artistas daquele perodo, Wilhelm Busch desponta com suas
caricaturas, em 1859, para o semanrio Fliegeden Bltter. Foi neste semanrio de
Busch publicou sua primeira histria em quadrinhos, em 1860, cujo ttulo era Die
Maus
oder
Die
Gestrte
Nachtruhe,
Eine
Europische
Zeitgeschichte
(o
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Background: conjunto de elementos que, numa gravura, cena etc., so representados com menor
destaque em relao aos elementos principais; plano de fundo.
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leitor para uma fico prxima realidade, os artistas da Metal Hurlant tinham um
caminho inverso, criando mundos fantsticos e irreais, mas com reaes e
metforas aos fatos vigentes. As dcadas de 70 e 80 fixaram este gnero a tal ponto
que os norte-americanos criaram uma revista similar, nos Estados Unidos batizada
de Heavy Metal. A esttica inovadora influenciou a produo de novas formas de
expresso e narrativa dentro dos quadrinhos ao redor do mundo.
Na Itlia, no final dos anos 70, o artista Andrea Pazienza lana a revista
Cannibale e em seguida Frigidaire. Com uma proposta revolucionria, ele e seus
colaboradores questionam a histria e o comportamento humano, produzindo
histrias que falam de sexo, violncia e drogas. Nessa revista surge o personagem
Ranxerox, um andride com perverses sexuais e tendncia homicida, com o qual
os autores questionam a autoridade poltica, corrupo e drogas, fazendo uma
analogia da Itlia naquele momento (SPARAGNA, 2005)
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por Muller, responsvel pela srie As Grandes Figuras de Portugal. Nesse trabalho,
o escritor apresentava uma narrativa dinmica, capaz de disfarar a quantidade de
informaes histricas e transform-la em uma autntica linguagem de quadrinhos.
Esse perodo ficou marcado pelo aparecimento de vrias histrias em
quadrinhos com carter histrico, principalmente na revista Cavaleiro Andante.
Segundo Lameiras (1999), o ponto mais alto da narrativa dos quadrinhos histricos
portugueses talvez seja O Caminho do Oriente, a saga de Vasco da Gama pelo
ponto de vista de Simo Infante, um grumete embarcado na Armada que parte para
ndia. Esta histria, que fez tremendo sucesso na poca, foi publicada em 1946, na
revista O Mosquito, e escrita por Raul Correia, com desenhos de Eduardo Teixeira
Coelho, ou simplesmente E.T. Coelho.
Esse artista foi um dos grandes nomes dos quadrinhos histricos
portugueses. Eduardo Teixeira Coelho nasceu em Angra do Herosmo, uma ilha do
arquiplago de Aores, em 11 de janeiro de 1919. Colaborou com as revistas O
Mosquito, Chicos (na Espanha), Valliant entre outras. Fez ilustraes para Biblioteca
dos Rapazes, da Portuglia Ed. em 1953 (REGO, 2005).
A influncia de seu trabalho aparece no apenas em Portugal, mas tambm
em outros pases da Europa e no Brasil tambm. Para Augusto Trigo, outro famoso
artista portugus das histrias em quadrinhos, o trabalho de E.T. Coelho pode ser
comparado a Harold Foster, criador do personagem Prncipe Valente.
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Agostini criou seu primeiro personagem fixo em 1869, para revista Vida
Fluminense, cujo ttulo dos quadrinhos era As aventuras de Nh Quim ou
Impresses de uma Viagem a Corte. Fez nove pginas duplas e depois deixou a
revista. No nmero 331 de sua Revista Ilustrada, comeou a publicar As Aventuras
de Z Caipora, aventuras em srie de um heri tipicamente brasileiro. Este trabalho
comeou 1883 e teve que ser interrompido, em 1888 com a ida de Agostini para
Europa, por razes pessoais. (MOYA, 1997)
Quando voltou ao Brasil, trabalhou na revista Dom Quixote, a partir dia 25 de
janeiro de 1895 at ela fechar. Depois, Agostini foi para O Malho, editora esta que
lanou O Tico-Tico, em 11 de outubro de 1905. Ainda em O Malho, publicou outra
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Em Moya (1977, p. 203), encontraremos a informao de que Suplemento Juvenil teve seu incio em
1933. Entretanto, segundo Gonalo Junior (2004, p. 52), fica esclarecido que o que foi lanado no
perodo citado por Moya foi o Suplemento Infantil, pois o Suplemento Juvenil seria editado a partir de
27 de junho de 1934 com a desvinculao dos suplementos do jornal A Nao.
132
Prncipe Valente e Terry e os Piratas chegam aos jovens pela batalha entre dois
homens: Adolfo Aizen e Roberto Marinho.
A batalha pelo pblico infanto-juvenil fez surgir uma srie de suplementos
juvenis por todo o pas. A Gazetinha, A Gazeta Juvenil, Mundo Infantil, O Lobinho e
Mirim (de Aizen) so exemplos de algumas publicaes que invadiram o final dos
anos 30.
A Globo entra em cena e Roberto Marinho lana o Gibi, na dcada de 30,
nome pelo qual as histrias em quadrinhos seriam conhecidas no Brasil. As
primeiras histrias publicadas no Gibi so as do Capito Marvel, Tocha Humana e
Namor. Como as primeiras referncias dos desenhistas nacionais para revistas em
quadrinhos eram os comics americanos, no foi toa que os primeiros personagens
criados aqui tivessem esta esttica como parmetro. O nome da revista, Gibi,
significa garoto de recados e as outras revistas que surgiram para competir nesse
mercado emergente tinham nomes similares, como O Gury, de Assis Chateaubriand.
Os editores dessas revistas, contudo, no seriam incentivadores dos quadrinhos
nacionais, pois a maior preocupao estava nas vendas. Importar tiras e histrias
norte-americanas era o foco principal dessa batalha.
133
Figura 19. Revista Mirim de 1939. Podemos notar que na edio nmero 215 j havia uma
preocupao de Adolf Aizen em publicar referncias de personagens histricos. Fonte:
Coleo particular de Umberto Losso.
134
Os brasileiros tambm tinham esse parmetro narrativo e podemos identificlo na criao de personagens como: Roberto Sorocaba (1934), de Monteiro Filho;
Garra Cinzenta (1937), de Francisco Armond e Renato Silva; Audaz (1938), de
Messias de Melo; e Morena Flor (1947), de Andr L Blanc.
Esses mesmos artistas desdobravam-se na produo de quadrinhos
histricos e didticos, alm de trabalharem para publicidade, pois o mercado dos
quadrinhos, no Brasil, esteve sempre sujeito a intempries vindas no do pblico,
mas de polticas e aes do governo, assim como do posicionamento dos editores
frente ao material importado que, muitas vezes, tinha um custo menor do que a
produo nacional.
No entanto, alguns nomes ficaram marcados na histria dos quadrinhos
nacionais como sinnimo de sucesso, como o caso de Maurcio de Souza que
comeou sua carreira com quadrinhos em 1959, publicando suas tiras no jornal
Folha de So Paulo. No final de uma dcada, seus personagens j haviam atingido
200 jornais em todo pas. Em 1970, conseguiu publicar sua primeira revista, lanada
com 200 mil exemplares.
Souza introduziu no imaginrio de crianas, adolescentes e adultos
personagens como Mnica, Cebolinha, Casco, Magali, Bidu, Floquinho, Franjinha,
Anjinho e tantos outros. Alm de revistas e tiras de jornais, ele conseguiu montar
uma equipe de produo e, durante as dcadas de 70, 80 e 90 vrios produtos, de
roupas a produtos alimentcios, receberam seus personagens graas excelente
estratgia de licenciamento. Maurcio tambm foi um dos poucos artistas nacionais a
colocar um desenho animado no cinema e na TV brasileira.
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Entre os ttulos desta editora estavam Contos de Mistrio, O Terror Negro, Contos
de Terror e O Sobrenatural. Parte do material destas revistas vinha da E.C. Comics
e da Fawcett, distribudos no Brasil pela Record, de Alfredo Machado, o mesmo
distribuidor das grandes editoras.
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vieram para o Brasil, como o prprio Jaime Cortez, desenhistas aderiram editora
como Nico Rosso, Srgio Lima, Aylton Thomaz, Juarez Odilon, Jlio Shimamoto,
Lrio Arago, Flvio Colin, Getlio Delphim, Gutemberg Monteiro, Gedeone
Malagola, Jorge Scudelari, Jos Lanzellotti, Joo Batista Queiroz, Manoel Ferreira,
Orlando Pizzi, Luiz Saidenberg, Isomar Guilherme, Waldir Igayara de Souza, Jos
Bento, Almir Bortolassi, Wilson Fernandes, Incio Justo, Antnio Duarte, Paulo
Hamasaki, Maurcio de Souza e Eduardo Barbosa. A editora contou tambm com
uma equipe de roteiristas formada por Hlio Porto, Cludio de Souza e Waldyr Wey,
entre outros.
A editora especializou-se em ttulos de terror, entre eles estavam: Terror,
Contos Macabros, Histrias do Alm, Histrias Macabras e Selees de Terror. O
sucesso financeiro da editora era garantido por frmula utilizada pela La Selva e
RGE, a adaptao de sucessos radiofnicos, cinematogrficos e televisivos para os
quadrinhos. Capito 7 e o Vigilante Rodovirio foram exemplos deste tipo de
trabalho. (GONALO JUNIOR, 2004)
A adaptao de Z do Caixo para os quadrinhos, sob a superviso do artista
Nico Rosso, expressou um caminho diferente para o chamado terror nacional. O
personagem, criado na dcada de 60 por Jos Mojica Marins, foi fonte para outras
adaptaes que envolviam ritos e lendas brasileiras, como, por exemplo, os rituais
afro-brasileiros do Candombl. Outros artistas importantes para criao de uma nova
linguagem neste aspecto foram Jaime Cortez, Luiz Shimamoto, Flvio Colin e
Eugnio Colonesse. A esttica desenvolvida por esses artistas pode ser considerada
divisora de guas no perodo.
138
Figura 21. Revista Crs da editora Abril. Foi uma tentativa da editora Abril
de editar material nacional. Fonte: Universo HQ. Disponvel em:
<http://www.universohq.com/quadrinhos/2005/museu_cras.cfm>. Acesso
em: 12 dez. 2005.
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com problemas que refletiam as neuroses das grandes cidades. Via-se um desfile de
punks, gticos, executivos, policiais, advogados e todos os grupos que compem um
grande centro urbano. As histrias tinham como base So Paulo, mas poderiam ser
vivenciadas em qualquer capital do mundo.
Quanto a este reflexo da sociedade em que foi produzida a histria Vergueiro
(2005,
Alguns
aspectos
da
sociedade
nas
histrias
em
quadrinhos.
brasileiras
da
cultura
Disponvel
em:
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Roger Cruz, Mike Deodato, Luke Ross, Joe Bennet, Manny Clark, Klebs
Junior, Marc Campos foram os nomes que Rogrio, Deodato Filho, Luciano,
Benedito, Manoel, Marcelo, assumiram para poder t-los pronunciados pelos
editores estrangeiros.
Alm disso, uma srie de exigncias so feitas a esses desenhistas que
aspiram entrar nesse mercado. As mais importantes dessas exigncias dizem
respeito a entendimento iconogrfico e planificao cinematogrfica. As Editoras
norte-americanas tm um conceito muito comercial a respeito de como o quadrinho
deve ser produzido, com prazos curtos e dedicao total produo. Os desenhistas
passam em mdia 14 horas sobre as pranchetas para poderem entregar o desenho
a lpis, que ser revisado pelo estdio antes de ser mostrado editora para
finalmente ser aprovado. Geralmente um estdio recebe 22 pginas para serem
desenhadas a lpis e depois finalizadas com nanquim, e esse trabalho deve estar
pronto antes de um ms. Esse trabalho nunca tratado diretamente com o artista,
pois as grandes editoras norte-americanas somente negociam com agentes.
Por esse motivo o nmero de estdios e agenciadores no Brasil cresceu entre
o final da dcada de 80 e 2005. Bigjack, de Minas Gerais, Studio3, do Cear, e
Impacto, de So Paulo, so alguns estdios que alm de trabalhar no mercado
interno de quadrinhos, agenciam novos talentos para editoras norte-americanas.
Outro fenmeno encontrado dentro da atual produo dos quadrinhos
nacionais a influncia do mang no gosto dos novos artistas. Uma das revistas de
maior sucesso no Brasil, Holy Avenger, criada em 1999 por Marcelo Cassaro e rica
Awano para editora Trama, hoje Talism, o melhor exemplo.
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Figura 23. Holy Avenger de Marcelo Cassaro e Erica Awano. Com texto
de Marcelo Cassaro e desenhos de Erica Awano mistura elementos de
RPG e mang. Fonte: GALERIA In: Holy Avenger. Disponvel em:
<http://www.holyavenger.com.br/home.htm>. Acesso em: 12 dez. 2005.
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Figura 25. Adeus Chamigo Brasileiro, de Andr Toral. Mostra uma guerra
do Paraguai mais intimista e humana, romanceada. Fonte: GUSMAN, S.
Quadrinhos a servio da (Boa) Educao. In: Universo HQ. Disponvel em:
<http://www.universohq.com.br/quadrinhos/beco_01.cfm>. Acesso em: 18
dez. 2005.
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Outras quadrinizaes sobre fatos e lendas locais foram feitas com incentivo
da Secretaria da Cultura do Municpio de So Vicente e do Governo do Estado e
esse movimento transformou a cidade em um forte centro de referncia de
quadrinhos na regio do litoral paulista.
Alm da primeira revista em quadrinhos desse projeto, sobre a lenda do
monstro Hipupiara, a Secretaria da Cultura, em parceria com o jornal A Tribuna,
publicou, durante o ano de 2000, histrias em quadrinhos que contavam sobre as
primeiras manifestaes econmicas, polticas e culturais de So Vicente. Alguns
dos artistas no tinham seus trabalhos publicados em veculos de comunicao de
153
massa e esta experincia trouxe a pblico novos talentos, como rika Saheki, Bill
Silva, Cristiano Arco e Flexa e Fbio Tatsub. O mesmo Tatsub publicou dois anos
depois a histria dos imigrantes japoneses que trouxeram o karat para regio na
revista em quadrinhos Okinawa te/ Mos de Okinawa.
Seu exemplo foi logo seguido pelas cidades vizinhas de Santos e Bertioga,
onde artistas da regio comearam a pensar em projetos relacionados Histria do
Brasil, visto que o poder pblico se mostrou interessado nesta produo.
Na cidade de Santos, a Secretaria de Cultura, em parceria com a COSIPA
(Companhia Siderrgica Paulista), patrocinou a adaptao da vida de Jos Bonifcio
aos quadrinhos no ano de 2001. A narrativa mostrava o personagem falando sobre
suas lutas e descobertas em forma de flashbacks. Esse trabalho foi desenvolvido por
Alexandre Barbosa e contou com a colaborao dos pesquisadores da Universidade
Catlica de Santos para a reviso histrica e iconogrfica.
O objetivo do trabalho
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Esse aspecto da sociedade brasileira desse perodo, aliado nova mdia que
tomava conta do pas, a televiso, transformou a imagem, o apelo visual, em foco de
ateno da populao. Uma linguagem diferente das dcadas anteriores estava
despertando. Essa busca de identidade atiou questes na rea sociolgica e na
opinio pblica.
Estvamos em plena Guerra Fria, Cuba via surgir a guerra civil e a
Revoluo, os Estados Unidos exportavam sua cultura atravs dos filmes, da TV, da
msica e dos quadrinhos. Os jovens eram o principal foco de ateno desse conflito
de ideologias.
Em meio a este turbilho surge a editora Brasil-Amrica Limitada, a EBAL,
fundada por Adolfo Aizen. O registro de Aizen dizia ser natural de Juazeiro, na
Bahia, nascido em 1907, (na verdade ele nascera na Rsssia) e mudou-se para o
Rio de Janeiro com 15 anos de idade. Em 1945, fundou a editora com a revista O
Heri.
159
Aizen, alm de publicar, no Brasil, personagens de quadrinhos norteamericanos, abriu espao para desenhistas nacionais com sries Edies
Maravilhosas (mais tarde editadas como Clssicos Ilustrados), Grandes Figuras do
Brasil, Histria do Brasil e Epopia.
Estas revistas eram uma resposta de Aizen s crticas que estavam sendo
feitas em relao aos quadrinhos. Socilogos e acadmicos colocavam os
quadrinhos como um dos responsveis pela delinqncia juvenil.
Segundo Cirne (1977, p. 11): Durante muito tempo as histrias em
quadrinhos foram tidas e havidas como subliteratura prejudicial ao desenvolvimento
intelectual das crianas. Socilogos apontavam-nas como uma das principais causas
da delinqncia juvenil.
Com a publicao das revistas, Aizen pretendia mostrar que era possvel as
histrias em quadrinhos participarem da vida cultural do pas de forma positiva.
O Brasil vivia, como j afirmamos, um momento de agitao em diversas
reas, e isto podia ser notado de forma explcita no setor artstico e cultural. Ferro
(1999) nos diz que as ferramentas para se controlar o passado e legitimar as
dominaes e as rebeldias so: filmes, televiso, livros didticos e quadrinhos.
O cinema brasileiro dava um passo importante buscando uma linguagem
realista no Cinema Novo, de Nelson Pereira dos Santos. O pas queria a
modernidade, ou assim se pensava nos grandes centros. No nos cabia mais as
chanchadas da Atlntida e da Vera Cruz. Eram tempos de neo-realismo e o embrio
desse pensamento foi sem dvida o cinema. Era reflexo da intelectualidade
brasileira.
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Alm do cinema, o teatro foi um fator muito importante para esta nova
conscincia de brasilidade. Guarnieri, Oduvaldo Vianna Filho, Augusto Boal que
procuravam em peas, como por exemplo Eles No Usam Black-tie, mostrar o
cotidiano dos trabalhadores. Buscar um estilo autntico e brasileiro tambm era
meta do teatro.
Na pintura, o grande nome era Portinari. Seus quadros refletiam aspectos da
cultura brasileira, como os bias-frias. Na literatura, Joo Cabral de Melo Neto e
Guimares Rosa davam voz ao serto e ao construtivismo literrio. O modernismo
de 1922 renasceu na virada dos anos 50 para os 60. Dcio Pignatari, Haroldo e
Augusto de Campos com a poesia buscavam projeo internacional para a cultura
brasileira, mas antes de tudo buscavam uma cultura brasileira.
Os quadrinhos, como arte de massa, no estavam longe desta participao
no cenrio brasileiro.
Classificar os quadrinhos como arte de massa segundo conceitos da poca,
no se enquadra aos ideais de Aizen. A definio do Papa Pio XII, em sua
radiomensagem de Natal de 1944 (apud Fideli Cultura popular, cultura de elite,
cultura
de
massa
In:
Artigos
Veritas.
Disponvel
em:
<http://www.montfort.org.br/index.php?secao=veritas&subsecao=politica&artigo=cult
ura&lang=bra>. Acesso em: 12 jun. 2004) diz que:
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Essa, com certeza, era outra estratgia de Aizen para colocar os quadrinhos
como integrante importante da formao cultural brasileira, a divulgao direcionada
de assuntos sobre quadrinhos e sua utilizao didtica. Podemos perceber nesSas
atitudes uma manipulao da retrica.
Como vimos, essas revistas buscavam aprovao de vrias maneiras. Uma
tentativa de enquadramento no modelo nacional, uma forma de referncia cultural
para aqueles que buscavam a Histria.
As capas da revista Epopia, por exemplo, geralmente eram pintadas mo
pelo artista Antnio Eusbio e na contracapa sempre se podia encontrar uma
reproduo de algum artista brasileiro famoso ou de importncia para histria da arte
no pas. O interior das revistas nem sempre era feito por artistas nacionais, mas um
dos que mais participou da produo de Epopia e foi bem solicitado, foi Gutemberg
Monteiro. Ele criou naquele perodo, juntamente com alguns eleitos de Aizen, uma
escola, um estilo de quadrinho brasileiro.
Na poca, muitos artistas tinham uma similaridade no trao, pois buscavam
inspirao nos trabalhos publicados nos Estados Unidos. Andr Le Blanc, Nico
Rosso, Ivan Wash Rodrigues, Eugnio Colonesse, formavam a linha de produo da
EBAL e sofreram influncia do mercado norte-americano.
Se compararmos o trabalho publicado na revista Sargento Rock, tambm da
EBAL, desenhada pelo norte-americano Joe Kubert, vamos ver a similaridade nos
traos de vrios brasileiros. Esse artista norte-americano comeou como auxiliar, no
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Figura 29. Sargento Rock de Joe Kubert. Fez sucesso nas dcadas de 50
e 60 desenhando histrias sobre a Segunda Guerra. Fonte: KUBERT, J.
Sargento Rock. Rio de Janeiro: EBAL, 1967, capa.
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A guerra com o Paraguai foi um dos episdios histricos brasileiros que criou
a idia de Nao. Os jornais do pas trataram de colocar para todo o povo que o
conflito era um insulto honra dos brasileiros, criando assim um elo entre as
regies que ainda no existia.
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O elo que existe entre a idia de gerar o conceito de nao vindo da guerra
do Paraguai e o perodo, o final da dcada de 50, muito claro. Naquele instante, na
guerra, a comunicao criou um inimigo fsico. Na dcada de 50, o inimigo era
invisvel, mas presente. A idia de nao, com aspectos culturais claros e slidos,
era a grande meta dos artistas e intelectuais, uma batalha que foi travada com as
mais diferentes armas e vises do que se via na realidade da cultura brasileira.
Uma cultura fundamentada no popular, como explica Luyten (1988, p. 7):
169
O que Aizen queria nada mais era que legitimar sua forma de expresso
artstica, assim como outros agentes da cultura brasileira.
170
Desde a dcada de 40, Aizen trabalhava com material importado dos Estados
Unidos nos seus suplementos e depois em suas revistas. Este material negociado
atravs de Alfredo Machado refletia o que de mais recente era publicado em jornais
e revistas norte-americanas.
Diferente das histrias produzidas no Brasil no final do sculo XIX e comeo
do sculo XX, que eram repletas de humor e crticas sociais relacionadas poltica e
aos costumes, as histrias que Aizen negociava com Machado eram aventuras que
reviviam o mito do heri.
O gnero fazia um grande sucesso entre adolescentes e adultos, e a
proliferao de ttulos e personagens crescia da tal maneira que educadores,
polticos e religiosos passaram a questionar a avidez dos leitores e o contedo
destas histrias.
Para o pblico norte-americano era fcil entender o sucesso destes
personagens, pois desde o sculo XIX os folhetins, revistas e livros baratos vinham
contando as histrias de heris desbravadores, principalmente aqueles que
participaram da conquista do oeste.
Como no lembra Eco (1976), a mitificao da imagem sempre foi natural
humanidade, visto que a estrutura religiosa, principalmente na Idade Mdia, se valia
dela para a fixao de conceitos e ideologias.
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diferente, utilizando uma pequena tnica verde amarela que est estrategicamente
colocada no centro da cena. A expresso e a forma como o personagem foi
desenhado apresenta caractersticas menos hericas que o personagem interno,
mostrando ao observador um homem com propores fsicas comuns, mas, pelo
enquadramento em contra-plonge5, passa-nos um ar de superioridade. Uma das
determinaes da editora era tentar chegar o mais prximo da realidade, tentando
satisfazer principalmente as expectativas de educadores, pais e polticos.
Essa forma de trabalho pode ser reconhecida na revista Retirada de Laguna,
com desenhos de Gutemberg Monteiro. O trabalho uma adaptao do texto do
Visconde de Taunay e procura sintetizar a narrativa do livro, de 235 pginas, em 11
pginas de quadrinhos.
Retirada de Laguna faz um relato do conflito entre paraguaios e brasileiros,
durante 1870, do qual o autor participa da campanha como engenheiro. A narrativa
minuciosa e mostra no apenas caractersticas fsicas, mas tambm a personalidade
de cada um dos descritos na histria. Na adaptao para quadrinhos tudo
sintetizado, desde a construo do texto at a utilizao de imagens. Um exemplo
disto a forma como o personagem Francisco Lopes apresentado. No livro, ele
recebe duas pginas que descrevem o porqu da sua sanha e presteza contra o
exrcito paraguaio, falando do rapto de sua famlia e da invaso que a regio de
Dourados sofreu.
Na revista em quadrinhos, a apresentao de Lopes resume-se a um quadro
com um enorme texto que procura resumir toda a histria deste que um dos
personagens mais importantes da trama. A imagem ainda sofre a interferncia de
180
um balo com texto que ocupa 50% do quadro, reduzindo a narrativa visual para
25%, pois os personagens so desenhados de costas e em um plano de fundo,
caracterizando o lugar onde se desenvolve a histria.
Alm disto, alguns elementos foram acrescentados histria. Nas primeiras
pginas, quadros que falam sobre integrao e participao nacional no fazem
parte do texto original de Visconde de Taunay. Esses quadros, na pgina 4,
mostram rostos de ndios, negros, brancos, pobres e ricos, e o texto declara que
lutaram juntos, fato este que no corresponde realidade, mas integram ao
momento em que a histria em quadrinhos foi escrita com a situao histrica do
Brasil, na dcada de 50, perodo da construo de Braslia e aes do governo
Juscelino Kubitschek.
Na mesma revista, podemos ver outra histria, um conto tirado das lendas
arturianas, A Sagrada Taa de Esmeralda. Assim como as outras histrias
importadas que eram publicadas pela EBAL, esta no recebeu crditos referentes
produo do texto e das imagens, mas a qualidade narrativa lembra as adaptaes
norte-americanas da Classic Illustrated, material que era negociado por Alfredo
Machado da editora Record.
Os artistas da editora EBAL eram experientes e tinham passagem no
apenas pelos quadrinhos, como pela ilustrao para livros, revistas e publicidade. A
qualidade do trao era incontestvel na poca e, por vrias, vezes eles mostravam a
habilidade na construo da narrativa visual, diversificando a tcnica empregada na
confeco da histria. Como, por exemplo, o trabalho de Nico Rosso para srie
Grandes Figuras.
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No caso, um
aspecto caricatural do desenho invadia as pginas das revistas brasileiras, visto que
o desenhista nacional era um artista hbrido, resultado de trabalhos executados com
diferentes fins, feitos para jornais e para publicidade.
Em relao a essa construo da imagem, diz Eisner (2005, p.78):
Historicamente, os filmes americanos, com sua distribuio
internacional, ajudaram a estabelecer os clichs visuais e de histria
de maneira global. Os quadrinhos se beneficiaram disso e se
utilizaram da sua aceitao.
Depois da Segunda Guerra Mundial, cada pas comeou a
desenvolver seu prprio quadro de talentos de histria em
quadrinhos. Em pouco tempo, os quadrinhos estavam sendo
publicados para as populaes de seus respectivos pases.
Desenhistas e escritores franceses, italianos, espanhis, alemes,
mexicanos, escandinavos, japoneses, e muitos outros comearam a
criar quadrinhos para satisfazer seus leitores com histrias, arte e
cones que refletiam sua prpria cultura nacional. Isso tem uma
grande influncia na narrativa dos quadrinhos, pois certas imagens
estereotipadas conservam um exemplo nacional.
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Em 1933 foram J. Carlos e Antonio Eusbio que junto com Fernando Dias da
Silva, Celso Barros e Slvio Correia de Lima, ilustraram A Grande Aventura
contando a origem do projeto de Aizen que resultaria na criao do Suplemento
Juvenil. Muitos artistas que haviam participado de histrias no Suplemento
acabaram por participar das revistas da futura EBAL.
Entre os artistas que participaram do Suplemento, alm dos j citados
estavam Monteiro Filho, com a histria do detetive, Roberto Sorocaba, Mrio Jacy,
Rodolfo Iltzche, Arcindo Madeira, Miguel Hochman, Mrio Pacheco, Alcyro, Carlos
Arthur Thir.
Na editora EBAL, os destaques ficavam por conta do haitiano naturalizado
brasileiro Andr Leblanc, do talo-brasileiro Nico Rosso, Gutemberg Monteiro, Ivan
Wasth Rodrigues, Ramon Llampayas, Antonio Eusbio, lvaro de Moya, Otaclio,
Jos Geraldo, Floriano Hermeto, Manoel Victor, Marcelo Monteiro, Gil Coimbra, Nilo
Cardoso, Max Yantok, Jos Menezes, Eugenio Colonese, Roberto Portela.
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Como podemos ver pela nota do editor, no caso Aizen, no existia incentivo
criatividade, a imaginao e a inovaes nas histrias com contedo voltado
narrativa histrica.
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Mais tarde esses artistas foram trabalhar em outras editoras como a La Selva,
Continental (depois Outubro), RGE, GEP e Abril, mas o material desenvolvido na
EBAL marcou um perodo e serviu de referncia para outros artistas produzirem
adaptaes de textos literrios famosos e fatos da Histria do Brasil.
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como
Falco
Negro,
um personagem evidentemente
anticomunista, a revista trazia verses e fatos da vida real, que eram escritas pelos
prprios leitores da revista. As histrias falavam de atos hericos de pessoas
comuns, e aquelas que fossem selecionadas pela editora eram desenhadas pelos
seus artistas sendo que o autor ganhava a quantia de Cr$ 100,00 (cem cruzeiros)
pela histria. As caractersticas deste concurso podem ser verificadas no texto que
vinha impresso na pgina 2, da revista nmero 106, de setembro de 1956:
Este concurso tem por objetivo incentivar todos aqueles
jovens que tem a vocao para a arte de escrever, atravs de
reportagens e narrativas, preparando-os, pois, para virem a ser
grandes escritores ou jornalistas.
Para a seleo das histrias que nos forem enviadas,
adotamos o seguinte critrio:
1.
a)
b)
apenas
196
c)
d)
Dados
sobre
os
principais
personagens;
na
impossibilidade de conseguir fotografias, descrev-los,
dando, referncia do tipo, altura, trajes, etc.
2.
3.
4.
5.
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Figura 37. Revista Vida Juvenil nmero 106. Sobre o concurso de Heris
da Vida Real. Fonte: VIDA JUVENIL. n. 106, Rio de Janeiro: s.e., 1
set.1954.
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Monteiro,
Waldir
Igayara
de
Souza,
Luiz
Saidenberg,
Jlio
Shimamamoto, Juarez Odilon, Srgio Lima, Aylton Thomas, Srgio Lima, Lrio
Arago, Jorge Scudelari, Joo Batista Queiroz, Antonio Duarte, Paulo Hamasaki,
202
Eduardo Barbosa, Orlando Pizzi, Jos Bento, Manoel Ferreira, Isomar Guilherme,
Almir Bortoloassi, Wilson Fernandez e Nico Rosso. A equipe de roteirista contava
com Hlio Porto, Cludio de Souza e Waldir Wey, entre outros.
Igncio Justo, um dos artistas da editora Continental, ficou famoso pelos seus
trabalhos envolvendo histrias sobre a Segunda Guerra, principalmente sobre os
pracinhas e aviadores.
O artista que nasceu em 1932, comeou a publicar com 10 anos, quando o tio
levou seu material para A Gazeta. Esse trabalho intitulado As Aventuras de Paulinho
foi publicado na Gazetinha em 1942.
Filho de uma pintora de um msico, Incio sempre teve vocao para o
desenho. Trabalhou de 1942 a 1943 na Gazeta Juvenil, para a La Selva nos anos 50
e, em 1959, comeou na Continental.
Sua obsesso por assuntos relacionados Segunda Guerra comeou no
internato onde estudou quando criana e isso, anos mais tarde, o levou a pesquisar
junto ao grupo de caa Atacadores de Cumbica tudo sobre aviao. Alm de
revistas, recortes, fotos e miniaturas de mquinas, o artista foi piloto e com seu
conhecimento tcnico e prtico sobre avies desenhou histrias com uma esttica
minuciosa.
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Selees
Coloridas,
Mindinho
Misterinho
eram
as
mais
comercializadas. O valor de Cr$ 1,00 (um cruzeiro) era um grande atrativo para as
crianas da poca. A nica srie sobre adaptaes que colecionavam eram Edies
Maravilhosas da editora EBAL.
Este perodo foi muito lucrativo para editoras de quadrinhos, e as estratgias
ligadas aos quadrinhos didticos e histricos atenuaram as discusses e a caa aos
quadrinhos como um todo. Mas, assim como em toda cultura de mercado, a avidez
por novos leitores, a produo massiva levou a uma baixa qualidade do produto e
gradativamente revistas foram tiradas de circulao. No final dos anos 90, muitas
editoras haviam desaparecido h anos e aquelas consideradas grandes comearam
a ter queda nas vendas. Quem sofreu diretamente com isto foi a produo de
histrias em quadrinhos nacionais, que praticamente entraram em colapso, se
comparada a dcada de 50.
205
CONSIDERAES FINAIS
206
O mesmo pode ser verificado em Asterix, que foi produzido a partir dos anos
50, um momento na Histria da Frana, onde a xenofobia e a busca nacionalista
estavam em evidncia. Basta lembrar que as guerras de libertao da Indochina e
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208
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Nesse ponto, criatividade narrativa, como o assunto ser abordado pelos artistas,
torna Portugal um grande diferencial em reao a outros pases.
Os brasileiros tiveram, na iniciativa de Adolfo Aizen, na dcada de 50, uma
possibilidade de evidenciar o trabalho de vrios artistas. Porm a viso poltica e
cultural do perodo impossibilitaram em vrios aspectos o crescimento desse gnero
de narrativa. Alm da concorrncia das histrias em quadrinhos norte-americanos,
com uma narrativa dinmica e quadros bem trabalhados e cheios de ao, os
artistas brasileiros daquela poca tinham que driblar as perseguies vindas de
diferentes frentes da sociedade.
O clero, os educadores, os polticos, os pais, os jornalistas e os no leitores
de histrias em quadrinhos compunham um quadro nada auspicioso para as
publicaes nacionais. Alm desses entraves, o pas passava por mudanas
polticas que tambm refletiram no posicionamento da editora e na composio das
histrias em quadrinhos. Uma narrativa ufanista foi assumida por Aizen desde o
perodo de Getlio Vargas e esse posicionamento tambm fez parte da filosofia
editorial na poca de Juscelino Kubitschek.
Desde sua criao, a EBAL fez histria sobre a vida de todos os presidentes,
e at mesmo dos candidatos a presidente, garantindo assim o crdito junto a setores
do poder. Os artistas, por sua vez, viam sua criatividade engessada pela fidelidade
obrigatria ao texto histrico e aos crivos dos historiadores, com o perigo de
desagradar aos verdadeiros interessados nas histrias em quadrinhos, os leitores.
Mesmo com artistas j conceituados no mercado brasileiro, e at
internacional, a editora no conseguiu emplacar os seus quadrinhos histricos junto
ao maior pblico consumidor, as crianas e os adolescentes. Quando os subsdios
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BIBLIOGRAFIA
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em:
216
em:
217
APNDICES
dos
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A- E seus pas?
I.J.- Perdi meus pais aos 5 anos. Minha me era pintora e meu pai msico. Fui
para um internato aos 8 anos.
A- E os outros desenhistas?
I.J.- Como eu disse o Nico era bom em outras coisas, terror, histria do Brasil,
contos de fada... o Colonesse e o Zalla eram muito bons em western. O
Colonesse at que fez umas histrias de guerra.
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um aficionado que envia este material para vrios pontos do pas, e outro
Jorge Barwinfel que faz o mesmo trabalho. Eles tm tudo deste perodo.
A.A.- Eu sigo o Losso, ele me apresentou o pessoal e hoje eu tenho uma
coleo considervel. Estes dois sujeitos realmente tm tudo que voc quiser.
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A-
Quais
artistas
trabalharam
na
EBAL
na
dcada
de
50?
(para
Dada dificuldade em localizar material e entrevistas cedidas por lvaro de Moya, apresentaremos,
anexa, uma entrevista com o autor por Daniel Salomo Roque, e fotos de Sidney Jnior.
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(veja que no sei bem o que voc est considerando Histrico, portanto se eu
der muita bola fora, desculpe!)
Grandes Figuras:
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Como material complementar, apresentaremos, anexo, uma entrevista com Rodolfo Zalla cedida ao
site UCM comics, em 2004.
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ANEXOS
Se em todo o processo de publicao desta entrevista houve algo difcil, foi escrever
esta pequena introduo... afinal, lvaro de Moya possui inmeras e fascinantes
experincias nos quadrinhos, na televiso e no cinema: pintou o letreiro de
inaugurao da TV Tupi; foi um dos organizadores da primeira exposio sobre
histrias em quadrinhos no mundo (junto com Jayme Cortez, Miguel Penteado,
Syllas Roberg e Reinaldo de Oliveira); desenhou histrias Disney para a Editora Abril
no incio da dcada de 50, quando esta ainda era pequena; estagiou como produtor
televisivo na CBS, em New York, onde conheceu Stanley Kubrick, Paddy Chayefsky,
Rod Serling e muitos outros; chefia as delegaes brasileiras de comics em
congressos por toda a parte do mundo; professor aposentado da Escola de
Comunicao e Artes de So Paulo (a famosa ECA, da USP); criou o programa
Cinemsica na Rdio Cultura; trabalhou como programador do histrico Cine
Marach, na Rua Augusta e mundialmente reconhecido como um dos maiores
estudiosos das bandas desenhadas, alm de ser autor de quatro livros: "Shazam",
"Histria das Histrias em Quadrinhos", "O Mundo de Disney" e "Anos 50 - 50
Anos".
Como ns aqui do Palimpsesto, Moya tarado por HQ e cinema desde criana...
alis, foi uma coincidncia mais do que oportuna ele ter nascido em 1930, ano em
que se iniciava a era de ouro dos quadrinhos... s que muito mais interessante que
publicar a biografia inteira do cara deixar que o prprio conte-a para ns.
A entrevista que voc vai ler agora foi feita no dia 7 de julho de 2002 no prdio da
Gazeta, onde estava sendo realizado o sempre movimentado Fest Comix, e a
transcrio integral da nossa conversa de uma hora e meia, onde lvaro conta
histrias sensacionais que viveu ao lado de Hugo Pratt, Stanley Kubrick, Victor Civita
e Claude Moliterni; fala sobre o incio da televiso brasileira; critica a editora L&PM e
d sua opinio sobre a crise do mercado "quadrinhstico". Com a palavra, lvaro de
Moya.
**********
DANIEL - Hoje em dia voc v alguma diferena nos meios de comunicao em
relao poca em que voc estagiou na CBS?
LVARO - Antes de mais nada, me lembrei de uma coisa ao ver essa sua camiseta
do Clockwork Orange*... eu entrevistei o Stanley Kubrick para a Folha de So
Paulo na poca desse estgio. Ele estava preparando o Glria Feita de Sangue
nos estdios da Paramount e acabou brigando com o Marlon Brando, que estava na
8
232
sala ao lado. Ele ainda estava se consagrando como um grande diretor, e logo a
seguir faria o Spartacus.
Bom... um fato deste perodo que me marcou muito foi o dia em que entrevistei o
Paddy Chayefsky, que acabou sendo considerado o escritor mais importante da
histria da televiso norte-americana, passando at mesmo o Rod Serling, que fez o
Alm da Imaginao (e que mais tarde acabei conhecendo pessoalmente
tambm)... eu e o Chayefsky ficamos muito amigos, ele inclusive me convidou para
ver um filme dele que iria estrear naquele ano, The Goddess... O Rod Serling me
chamou para ir a Hollywood assistir a produo de um teleteatro dele... eu acabei
me enturmando com todo esse pessoal... quando eles fizeram sucesso na televiso,
o Rod me falou o seguinte: quando fiz a pea Attack, passou pela minha cabea
que seria uma pea internacional, de muito sucesso, e no foi. Quando eu fiz
Peppens, que era a tpica pea americana de TV, me tornei milionrio de um dia
para o outro, porque durante a madrugada a MGM ligou para o meu agente e me
contratou, a Broadway queria fazer uma representao da minha pea.... E de
repente, ele apontou o dedo para a garagem e falou: ..a primeira coisa que fiz com
todo esse dinheiro foi comprar aquele Lincoln Continental branco, pois eu sonhava
com esse automvel desde garoto.
Voltando ao assunto... o Chayefsky foi para Hollywood, fez o primeiro filme norteamericano a ser premiado em Canness e falou para mim: Ns fizemos o teleteatro
em Nova Iorque, e quando a televiso deixou de ser uma coisa tipicamente novaiorquina para se tornar uma coisa nacional, a futilidade da Califrnia, os caipiras do
Midwest, os conservadores de Boston e os racistas do sul dos EUA passaram a
dominar a TV americana e a gente acabou no tendo mais campo neste setor.
Fomos para o cinema, a literatura, o teatro, a imprensa e outras reas, porque a
televiso acabou para a gente. E ainda me alertou: quando a televiso brasileira
deixar de ser uma coisa de So Paulo e alcanar o pas inteiro, voc e todos os seus
amigos..., se referindo a Walter George Durst e outros, ...estaro desempregados!
Porque o nvel da TV, tal como aqui nos EUA, vai cair muito e no ter mais espao
para vocs e sei disso porque acompanho seus trabalhos. E curiosamente, eu voltei
para o Brasil e fui contratado pela TV Excelsior para, pela primeira vez neste pas,
criar uma rede televisiva. A TV Tupi de So Paulo para o Sul era dirigida pelo
Edmundo Monteiro e no Rio de Janeiro para o Norte era dirigida pelo Caumon, e
como eles eram inimigos, a Tupi no tinha condies de fazer uma rede. O Paulo
Machado de Carvalho tinha a Record em So Paulo e o Pipa Amaral tinha a TV Rio,
no Rio. E, embora sendo primos, eles se degladiavam, tambm no tendo chances
de montar algo do tipo. Quando a Excelsior entrou com a rede, ela imediatamente
derrubou todas as outras emissoras, e naquele perodo ela era o que hoje a TV
Globo, o canal que dominava o Brasil inteiro. E dito e feito: ca fora da televiso e
nunca mais tive a oportunidade de dirigir uma TV como eu dirigi a Excelsior. Eu
tambm dirigi a Cultura, a Bandeirantes e outros canais, mas nunca tive a mesma
liberdade daquele perodo.
Realmente, o Chayefsky tinha razo. S que ele j morreu e provavelmente nunca
pensou que a televiso iria alcanar nveis to baixos como anda acontecendo agora
com atrocidades como o Big Brother, Casa dos Artistas, Programa do Ratinho e
todas essas coisas absurdamente niveladas por baixo... algo vergonhoso, e posso
dizer isso porque fui um dos pioneiros da TV no Brasil e sei muito bem que a TV
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ele me disse que iria cobrar um preo bem baratinho por este trabalho, porque ele
queria saber como os brasileiros conseguiam fazer telenovela to bem a ponto do
resultado final parecer com uma fita de cinema. Isso serve de prova que o Brasil
conseguiu na televiso um resultado superior ao que tinha conseguido no cinema. O
cinema nacional s foi conseguir alguma coisa na poca do Cinema Novo, mas at a
dcada de 50 a nossa TV tinha uma linguagem excepcional, que perdura at hoje
principalmente nas novelas e minissries. Por esses e outros motivos eu considero o
TV de Vanguarda o programa mais importante.
"A FIAT E A VOLKSWAGEN PREFEREM PATROCINAR ALGO COMO O BIG
BROTHER DO QUE APOIAR UMA VOLTA DO TELETEATRO BRASILEIRO.
ESSES CARAS SO UM BANDO DE FILHOS DA PUTA!"
Ns compramos todos estes scripts feitos pelo Walter George Durst, criamos um
projeto, apresentamos l em Braslia e conseguimos com que o Ministrio da Cultura
nos apoiasse. At fomos TV Bandeirantes, e para nossa surpresa, eles queriam
muito fazer esse teleteatro. Seriam aqueles mesmos scripts, mas adaptado para os
tempos de hoje, com cores, stand camera, enfim, um outro tipo de colocao. Se
voc pegasse o Meno Male, aquela pea de teatro que foi um grande sucesso, ns
utilizaramos uma sala aqui da Gazeta e montaramos o episdio mais ou menos
assim: no fundo, voc veria os carros passando, e tudo o mais. Depois, os
personagens entrariam num elevador ao lado daquele restaurante japons
(enquanto explica tudo, Moya vai apontando os dedos para os locais citados). Eles
desceriam a cmera dentro do elevador de tal maneira que pegasse uma conversa
deles e a Avenida Paulista como pano de fundo. Na seqncia, eles entrariam num
automvel, a cmera estaria no banco de trs e depois disso veramos os dois
dirigindo pela rua.
Com isso, voc quebrava a linguagem teatral e dava uma linguagem televisiva para
as coisas. Era uma metodologia de usar peas e romances brasileiros numa
linguagem moderna. Infelizmente ns no conseguimos nenhum patrocnio. A
Volkswagen, a FIAT e todos os outros que ns procuramos preferem patrocinar algo
do tipo do Big Brother do que apoiar uma volta do teleteatro brasileiro. Esses caras
so um bando de filhos da puta! Quando eu conversei com o Zaragoza, da DPZ, ele
me falou o seguinte: Moya, no adianta, eu acho o seu projeto genial, mas quando
ele chegar l no meu departamento de mdia, eles vo ver a relao de
custo/benefcio e no vo querer patrocinar... no adianta nada eu ser o dono da
agncia de publicidade e querer apoiar o seu programa. O Roberto Larrido
encaminhou o projeto para o Banco Ita, mas todos os patrocinadores mijaram para
trs...
Porra, o problema do Brasil que esses caras ficam jogando a culpa de tudo nas
classes C e D, dizendo que os pobres agora assistem TV e por isso que ela est
um lixo, e isso no verdade. Eles que fazem uma merda de televiso e no
assumem a culpa! S que eles no querem colocar um programa sequer que d ao
povo uma opo de qualidade. A gente vive uma poca em que qualquer tentativa
de dar uma boa alternativa s classes menos privilegiadas vetada, e, logo, o
pblico no tem o que gostaria de assistir. Veja bem, o cara que quer assistir
queles maravilhosos filmes clssicos, tem que pagar TV a cabo para assistir o
Telecine Classic! Quando que um sujeito que no tem dinheiro nem para comer vai
poder assistir a uma comdia do Ernst Lubistch na TV paga e perceber que aquilo
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em quadrinhos, que s por no mostrar macacos andando nas ruas da nossa capital
(Buenos Aires, para os desinformados) j mereceria todo o crdito do mundo.
O enredo fantstico: Harry viaja ao Brasil a trabalho e acaba se envolvendo com
um acidente de avio, mortes mal-explicadas e uma herana milionria deixada para
uma famlia mais do que desestruturada, cujo vilo leva o nome de um velho
conhecido nosso: lvaro de Moya. Curiosamente, suas feies foram desenhadas
de maneira semelhante aos retratos-falados de bandidos, j que Fahrer passou para
o papel a imagem mental que as descries de Moliterni lhe proporcionaram a
respeito de Moya.
Jayme Cortez e Naumin Aizen tambm fazem pontas. A reao de todo mundo ao
ver o trabalho publicado? Cortez e Aizen adoraram. E o nosso entrevistado, que
apareceu como um baita dum fladaputa? "Gostei muito mais de ser o vilo, e no o
mocinho!". Acho que essa frase j esclarece tudo.
D - O Histria das Histrias em Quadrinhos foi relanado h pouco tempo pela
Brasiliense, mas o original da L&PM. Porque essa mudana de editora?
A - A L&PM me pediu para fazer um livro de nvel universitrio. Para mim era difcil
escrever um livro, mas eu tinha guardado na minha casa os filmes daquela srie de
matrias que escrevi para o Caderno 2 do Estado de So Paulo. Entreguei esse
material para eles e o Histria das Histrias em Quadrinhos foi a unio desses
textos com uma diagramao muito bem-feita. S que infelizmente tive um
desentendimento com a editora, eles me interpretaram mal e brigaram comigo.
D - Como que foi isso?
A - Para comeo de conversa, eles no me pagavam. E em segundo lugar, ningum
atendia o telefone! Eu ligava para Porto Alegre e no era atendido, quando muito
algum me dizia que o responsvel estava em So Paulo. Da eu ligava pra So
Paulo e no conseguia resposta alguma. Eu mandava um recadinho escrito, e nada.
Quando resolvo procurar por eles, pergunto pra algum onde estava o Fulano, e me
falavam que Fulano estava em Frankfurt. Perguntava do Beltrano e o Beltrano
tambm estava em Frankfurt. Porra, os caras viajam para Frankfurt e no me
pagam! E a partir da, comearam a acontecer uns incidentes muito estranhos.
Uma vez, dei de presente para o Hugo Pratt um exemplar da Ilha do Tesouro,
editado pela L&PM. Ele me disse que no recebeu nada por aquela edio e me
passou um bilhetinho para eu ir cobrar da editora os direitos autorais dele. Quando o
Jules Feiffer esteve aqui no Brasil, um f apareceu com O Melhor de Feiffer,
editado tambm pela L&PM, e pediu para ele autografar. Tudo normal, no fosse o
fato do autor nem saber da existncia daquele lbum... no deu outra: o dono do
livro acabou passando o endereo da editora para ele.
Ou seja, os caras davam calote em todo mundo e ficavam indo para Frankfurt fazer
social, coisa que eu achei muito chata. Se eles tivessem me telefonado e falado
Olha, Moya, ns estamos passando dificuldade e no podemos pagar, tudo correria
perfeitamente bem. Voc acha que a Brasiliense me paga? A Brasiliense no me
paga, mas sei que eles esto passando por um momento difcil, o pessoal de l
conversa comigo, eles me pagam toda vez que recebem um dinheirinho... ento a
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paulista, a concepo diferente, acho esse papo muito eu para escrever qualquer
coisa.
De um jeito ou de outro, sempre refleti muito sobre essa proposta, e acabei
encontrando uma maneira de desenvolv-la. A soluo seria uma abertura onde a
palavra "eu" estaria escrita em ingls, "I", com letra maiscula, ao lado da palavra
"Deus", "God", tambm em maisculo. Isso tudo porque a civilizao angloamericana valoriza o "I" tanto quanto ou mais que o "God". Resumindo: "God" e "I"
com letra maiscula. E, obviamente, o "eu", em portugus, seria escrito com "e"
minsculo.
Nesta obra, eu falaria das coisas que, no como mineiro, paulista ou norteamericano, mas acima de tudo como brasileiro, tive a sorte de poder presenciar, j
que sempre fui um moleque muito atrevido e entro, tendo assim oportunidade de
conhecer todo esse pessoal e ter vivido algumas histrias muito curiosas, que
mesmo o cara que l e no sabe de quem estou falando acaba achando engraado.
Por exemplo, d para eu contar uma do Hugo Pratt?
D - Com certeza!
S - Manda!
A - O Hugo no queria de forma alguma que os filhos dele aprendessem religio.
Portanto, ele saiu de Veneza e migrou para a Frana, pois o governo italiano tinha
estabelecido ensino religioso obrigatrio nas escolas.
Certa vez, fui no apartamento dele em Paris... estvamos na sala, e ele estava
segurando uma prancheta, onde apoiava folhas de papel para desenhar as pginas
do Corto Maltese. O interessante que ele pegava um lpis, fazia vrias bolinhas na
folha e depois j desenhava direto todos os detalhes por cima com uma caneta
Pentel. Aquelas bolinhas eram as cabeas dos personagens.
Enquanto isso, havia uma televiso ligada na nossa frente, onde estava sendo
transmitida a entrega do prmio Disco de Ouro. De repente, com aquelas
musiquinhas de fundo, o apresentador anunciou: o prmio de melhor trilha sonora
vai para Enio Morricone. O Enio tinha trabalhado naquele filme do Sergio Leone,
Era Uma Vez no Oeste, e os dois subiram juntos no palco para serem premiados.
O apresentador pegou o microfone de novo e disse: E para entregar o Disco de
Ouro para Enio Morricone, convidamos Mr. Henry Fonda!. O Henry Fonda estava
sentado, se levantou, veio para o palco, abraou emocionado o Disco de Ouro e fez
um discurso em ingls dizendo que nunca tinha ganho um prmio na vida... ele no
ganhou o Oscar, no ganhou nada, e ficou l, emocionadssimo agradecendo aquele
Disco de Ouro, pensando que o prmio era pra ele.
Acabado o discurso em ingls, o apresentador finalizou: Talvez Sergio Leone saiba
traduzir essas belas palavras que Mr. Henry Fonda acaba de nos dizer. O Sergio
disse, em francs, que no sabia falar ingls. Ficou aquele silncio mortal e o
apresentador deduziu que talvez algum da produo entendesse ingls. Nisso,
uma mocinha dos bastidores veio correndo, afirmando saber falar tal idioma
fluentemente: Ah, eu falo ingls!. Mais uma vez, o apresentador pediu para que a
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traduo fosse feita, s que a menina alegou que no havia prestado ateno no
que tinha sido dito, e portanto, no sabia o que fazer... tudo isso em francs.
O apresentador, j meio cheio: Bom, estamos encerrando aqui o programa.
Provavelmente uma parte do nosso pblico sabe o que significam aquelas palavras
que Mr. Henry Fonda disse. E terminaram o programa. O Hugo Pratt olhou para
mim e ns dois comeamos a imaginar, nos bastidores, o Enio Morricone pondo o p
no peito do Henry Fonda, tentando arrancar o disco de ouro de qualquer maneira. E,
claro, no poderia faltar algum passando e gritando: No seu, dele! (risos dos
entrevistadores e entrevistado). Logo em seguida, o Hugo vira pra mim e me fala:
Voc viu, Moya, a televiso essa merda no mundo inteiro (mais risos)!
D- E dos quadrinhos atuais? Quais te chamam a ateno?
A - Nesse ltimo nmero da Abigraf, falo do Joe Sacco. Esses dois lbuns dele,
"Palestina - Uma Nao Ocupada" e "rea de Segurana Gorazde", so trabalhos
excepcionais. Tambm escrevi um artigo sobre o Do Inferno, do Alan Moore.
A pauta da Abigraf, no geral, tem muita participao do Plnio, que o diretor da
revista, e do diagramador. Os dois so fs de quadrinhos, e por isso que a sesso
dedicada HQ sai bonita... eles capricham!
De uma certa forma, como se trata de uma publicao dirigida a empresrios e
donos de grfica, eu me guio muito pelo Plnio. Eu no quero fazer nada que fuja ao
tom da revista dele. Inclusive, consegui escrever no penltimo nmero uma matria
sobre erotismo nos quadrinhos, que uma coisa que eu e o diagramador ficamos
tirando sarro dele, tipo o Plnio no quer escolher as ilustraes, voc que tem que
escolher! Ns nos divertimos muito com isso...
S - E o que vocs colocaram na matria?
A - Tinha Druuna, Manara, essas coisas, mas tomamos cuidado para no ficar um
negcio muito explcito. E no texto eu falo que no cinema, h uma fronteira
delimitada entre o que pornogrfico e o que ertico. Do ponto de vista
cinematogrfico, o ertico a elipse. Ou seja, quando o casal vai transar, a cmera
fica apontada para uma lareira, ou mostra s as costas de um e o rosto do outro,
com cobertores e etc. No cinema porn, so mostrados os rgos sexuais, a
penetrao, a ejaculao e tudo o mais. E nos quadrinhos, os melhores
desenhistas, que seriam basicamente o Guido Crepax, o Milo Manara e o Serpieri,
quebraram essa barreira e comearam a mostrar todas essas coisas. Seria como se
no cinema, Kubrick, Fellini e todos esses grandes cineastas comeassem a mostrar
sexo explcito e destrussem essa fronteira.
Escrevi tudo isso, mas na revista outra coisa, no d pra publicar... Eu sou a favor
da pornografia. No feio um homem e uma mulher fazendo sexo, pelo contrrio,
uma coisa muito bonita. Acho uma hipocrisia fugir da cena de sexo quando ela est
ocorrendo.
S - O Kubrick sofreu vrios problemas com isso, por causa do De Olhos Bem
Fechados...
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tamanho das cabeas, a proporo, o trao... mas no nosso tempo no tinha isso,
era olhar e fazer. Eles davam pra gente a liberdade de fazer o que tivssemos
vontade. Eu bolava a capa que eu estivesse a fim...
S - Eram sempre piadinhas... era voc que criava?
A - Isso, uma situao... Eu era um dos que faziam aquilo. E tinha vezes em que as
vendas estavam baixas, e a gente mandava ver numa capa com o Pato Donald e um
fundo amarelo. Toda vez em que isso era feito, a tiragem aumentava.
E eu lembro que eu passava nas bancas de jornal, e as revistas ficavam assim
(neste momento, lvaro pega alguns gibis que estavam em cima da mesa onde a
gente estava sentado e as posiciona da mesma maneira que as bancas fazem,
colocando uma capa em cima da outra de maneira que apenas o canto esquerdo
fique visvel)... da, tive a idia de fazer um pequeno desenho do Mickey no canto
superior esquerdo, para facilitar a localizao. Criei um layout, ele foi aprovado, as
revistas passaram a sair desse jeito e hoje isso padro no mundo inteiro.
Quando a Editora Abril comprou a primeira Kombi para distribuir as revistas nas
bancas de jornal, eles me pediram alguma idia em relao ao carro. Sugeri que
eles tirassem da porta aquele logotipo enorme da Volkswagen e trocassem pelo
rosto do Pato Donald... desenhei uma Kombi do jeito que tinha imaginado e passei
para eles. Era um perodo em que a gente tinha uma participao muito grande e
criativa, e as pessoas aceitavam idias. Isso era incentivado, e o funcionrio no era
apenas um empregado.
Uma vez, fizemos uma reunio e o Victor Civita insistiu para lanar a revista Misterix
em um determinado formato. Ns argumentamos que aqui no Brasil aquele formato
no tinha tradio. Ele rebatia dizendo que o formatinho, que a gente usava no Z
Carioca, tambm no tinha antes de ser adotado. O Z Carioca era lanado em
formato grande e depois passou para o formatinho...
D - O Pato Donald tambm, a partir do nmero 13...
A - Essa idia do formato pequeno ele importou da Itlia, por causa de questes
econmicas. O Victor Civita, de uma certa forma, se assemelhava ao Walt Disney:
vinha com umas idias malucas, que todo mundo era contra, resolvia fazer do jeito
dele e acabava dando certo.
Brincvamos muito com o Victor, mas ele era um crnio, pois tinha uma noo
incrvel das coisas. E assim como o Disney disse aquela frase famosa, No
esqueam que tudo comeou com um ratinho, o Victor Civita dizia para ningum se
esquecer que tudo comeou com um pato... um dia eu ia cobrar isso do Roberto
Civita, porque todo mundo sabe que as revistas Disney esto uma porcaria...
S - Inclusive, saiu um especial do Pato Donald, que provavelmente foi feito no Brasil,
com uma histria em que ele, segurando um exemplar do Pato Donald #1, entra nos
escritrios do Victor Civita, mostrando todos os corredores da Abril...
A - Isso a deve ter sido feito pelo Canini, pelo Primaggio, algum deles... uma coisa
que eu adoro so aqueles Almanaques Disney feitos pelo Cludio de Souza, que
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eram excelentes. At hoje tenho aquilo em casa, e se voc for consult-los, ver que
so muito bem feitos.
D - E o material atual?
A - Muito ruim, n? Por demais de ruim...
D - Horrvel!
A - Quando a Disney me convidou para escrever O Mundo de Disney, me ofereci
para fazer um projeto para eles, porque eu acho que a soluo para essas revistas
muito simples. Depois ns no tivemos continuao, mas eu acho esse material
muito mal feito.
D - uma coisa computadorizada, artificial...
A - Eu no sei se a questo so os computadores, mas acho que elas esto erradas
como concepo.
Quando o Walt Disney morreu, o Roy Disney conseguiu segurar o gancho bem.
Quando o Roy morreu, a Disney foi para a cucuia. Da, perceberam que gente como
o George Lucas e o Steven Spielberg estavam imitando o Disney e fazendo um
dinheiro, trouxeram o Frank Wells e o Michael Eisner para consertar as coisas, que
por sua vez colocaram ela l em cima. No s com desenhos animados, mas
tambm com filmes de personagens vivos. Fizeram Uma Linda Mulher e at
colocaram o nome de outra produtora para no misturar nada com a Disney, por se
tratar de um tema "diferente", que toca na prostituio. Mas de qualquer forma, eles
conseguiram.
O Wells j morreu, mas eu espero que um dia o Eisner pegue as revistas de hoje e
pense: Puxa, e os quadrinhos? Vamos dar um jeito nisso!. Talvez assim os
quadrinhos Disney voltem a ser o que eram antes, porque atualmente esto
pssimos.
"ASSIM COMO O WALT DISNEY VIVIA DIZENDO PARA TODOS LEMBRAREM
QUE TUDO COMEOU COM UM RATINHO, O VICTOR CIVITA FALAVA PRA
GENTE NUNCA SE ESQUECER QUE TUDO COMEOU COM UM PATO. UM DIA
EU IA COBRAR ISSO DO ROBERTO CIVITA, POIS TODO MUNDO SABE QUE
AS REVISTAS DISNEY ESTO UMA PORCARIA..."
D - Em nenhum momento vocs se sentiram censurados na Abril?
A - De forma alguma! Ns nunca fomos censurados... mas eu acho que isso de
censura uma questo de ter noo das coisas. Voc nunca deve fazer algo
sabendo que est errado... existe um nvel de autocrtica que te indica que voc no
deve fazer determinadas coisas. Ns fazamos algumas molecagens com esse
negcio de esquerda e direita poltica... a gente criou um quadro nas revistas Disney
chamado A Patada, em que mostrvamos, por exemplo, um soldado americano
assassinando um coreano... tudo isso para encher o saco do Victor Civita! Rolava
muita brincadeira... a gente chamava o Victor de Boss, pois ele era um italiano de
formao americana que veio morar no Brasil. Mas no era nada com a inteno de
ofender. Todo mundo admirava muito o Victor... um cara formidvel! A redao da
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Abril era minscula e extremamente humilde, dava para contar nos dedos o nmero
de pessoas que trabalhavam nela na minha poca. E em 1990, quando o Victor
morreu, eu via a televiso entrevistando o Fernando Henrique Cardoso e todos
esses polticos idiotas, coisa que me indignava... cheguei a sugerir para a Cultura
que eles entrevistassem o Cludio de Souza, o Jorge Ctida... esses so os caras
que estiveram com o Victor desde o incio e podem dizer alguma coisa sobre aquele
comecinho... era ridculo colocar aqueles babacas que s diziam besteiras do Civita.
S - Ns estvamos falando de quando o Roy Disney assumiu a Disney. E a Abril,
como foi quando o Roberto Civita assumiu?
A - Infelizmente, o Roberto e o Richard Civita tiveram um desentendimento entre
eles dois. Eu acho que essa diviso dentro da Abril acabou prejudicando a editora.
Por outro lado, quando o Roberto chegou no Brasil, ele quis fazer a revista Veja...
todo mundo afirmava que aqui no Brasil, revistas de texto nunca deram certo aqui e
que a nica coisa vivel era fazer aquelas publicaes no padro da Manchete ou
do Cruzeiro, com aquele monte de ilustraes tinham que seguir o padro da
Manchete e do Cruzeiro, com aquele monte de ilustraes
Ele teimou em fazer a Veja, e deu certo: no comeo ela foi muito mal e hoje a
revista mais importante do pas. O Roberto tem no currculo a chance de ter feito
uma revista muito bem escrita e provar que h pblico para isso. Mas ele no tem
essa relao com os quadrinhos que o Victor tinha.
H algum tempo atrs, o Joel Nelli era o grande homem da imprensa, pois construiu
o prdio da Gazeta praticamente sozinho... s havia o Conjunto Nacional e esse
aqui. Veio um estrangeiro falar com o Joel para propr uma co-edio, na poca em
que o Reinaldo de Oliveira trabalhava na Gazeta Esportiva. Este, viu que o Joel deu
um ch de cadeira de uns quarenta minutos no estrangeiro, e pensou: Nossa, um
cara do exterior vem pra c e tratado dessa maneira! Na sequncia, ofereceu um
cafezinho para o Victor Civita. O Joel no quis fazer sociedade com o Victor... por
sua vez, o Victor fez um empreendimento com o Giordano Rossi que cresceu
absurdamente e o Joel montou a Gazeta numa crise danada.
D - A exposio de 1951 foi um marco no movimento pela nacionalizao dos
quadrinhos, do qual voc participou. Nunca te atacaram por fazer parte desse
movimento e ao mesmo tempo ser fantasma de um norte-americano?
A - Em 1947, quando ainda menino comecei a trabalhar como desenhista
profissional, ns formamos uma turma para lutar pelo quadrinho brasileiro. Muitos
anos depois, eu estava conversando com o crtico de cinema Rubem Bifora e
comentamos que Hollywood hoje est uma porcaria, nem parecendo que dali saram
Hitchcock, Ernst Lubistch, Chaplin, Orson Welles... ele falou: Moya, no faz mal...
se existir uma indstria cinematogrfica forte, sempre vai aparecer algum
importante no meio. E sem querer, naquela nossa poca, a gente estava tendo
esse tipo de comportamento. Se o quadrinho fosse forte, sempre apareceria coisas
relevantes, seja nos EUA, na Europa ou no Brasil.
O Brasil era dominado, como ainda , pelos americanos, e o pblico se identificava
com esses personagens dos EUA, assim como tambm h uma aproximao
intensa com o cinema de Hollywood. Se houver interesse do pblico, sempre existir
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Civita lucrou. E a EBAL foi decaindo at chegar ao ponto de ser vendida para um
outro grupo. Obviamente, isto no vai acontecer com a Abril porque eles tm um
leque muito variado de publicaes, mas mesmo assim algo lamentvel. muito
provvel que algum venha faturar em cima desses heris... se no cinema o
Homem-Aranha est batendo recordes no mundo inteiro, por que ser que os
editores no esto conseguindo capitalizar este mesmo pblico para comprar a
revista?
Lembro que quando passei o Fantasia, do Walt Disney, no Cine Marach, telefonei
pro Adolfo Aizen para pedir uns exemplares da revista de colorir do Fantasia...
coloquei elas venda em cima do balco da bomboniere do cinema e esgotou!
Porque? Porque a criana entrava para ver o filme e pedia para a me comprar a
revista... o colorido do filme to deslumbrante que acaba excitando uma criana a
fazer esse tipo de coisa. Eu no sei se deveriam vender o gibi do Homem-Aranha na
porta do cinema, mas deveriam tomar algumas posturas mais agressivas em relao
ao mercado.
D - Eu s acho muito estranho o fato do gibi no vender porra nenhuma na banca e
faturar milhes em forma de filme...
A - O que que est acontecendo, ento? Deve haver alguma coisa errada! O
Roberto Civita, numa entrevista, disse o seguinte: antigamente, o pai ia com o filho
pequeno comprar o jornal numa banca e o menino pedia pai, me compra uma
revistinha? Da o garoto escolhia o Walt Disney ou a Turma da Mnica. Hoje, os
pais assinam a Folha, o Estado, a Veja e a Isto ; no vo banca; e a criana sai
da escola direto pra perua e da para a porta de casa, com medo de ser violentada.
Agora, as bancas no so mais um lugar freqentado pela garotada, pois a cidade
ficou muito perigosa e os pais vivem com medo at mesmo do percurso da porta da
escola at a perua. Por outro lado, as bancas viram que as revistas e os jornais
passaram a vender pouco, e assim comearam a fazer xerox, vender vdeo porn,
CD, refrigerante e outras coisas. E eles esto certos nesta postura, mas as
editoras no se adequaram a esse comportamento.
Quando o Samuel Wainer lanou o ltima Hora na dcada de 50, o primeiro nmero
do jornal ia de graa para os jornaleiros de todo o Brasil... o cara da banca vendia o
ltima Hora e ficava com o dinheiro todo pra ele... e evidentemente, se algum fosse
comprar algum outro jornal, ele empurrava o UH para os clientes, pois o lucro era
todo dele... a tiragem foi toda vendida e o jornaleiro ficava com capital para comprar
a edio do dia seguinte. Alm de lucrar financeiramente, o ltima Hora ganhou a
simpatia dos jornaleiros, por ter prestigiado eles... eu acho posturas deste tipo
completamente dignas e inteligentes.
D - A exposio do Centro Cultura & Progresso reconhecida internacionalmente
como a primeira do mundo. Por causa disso, h algum plano para que Anos 50 - 50
Anos chegue de alguma maneira a ser comentado ou lanado no exterior?
A - Eu consegui com que este meu ltimo livro, um balano dos anos 50 e os
cinqenta anos da exposio, tivesse o prefcio e a introduo traduzidos para o
ingls, francs, italiano e espanhol... procurei fazer o mximo para que um
estrangeiro, mesmo que no saiba falar portugus, consiga folhear o livro e entender
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D-Arte passaram artistas como: Eugnio Colonnese, Jayme Cortez, Mozart Couto,
Flavio Colin, Shimamoto, Rodval Matias, Rubens Cordeiro, Rivaldo, Edmundo
Rodrigues. Artistas promissores como: Aluisio de Castro ou Lucio Rubira,
espordicos como Olendino ou Zenival. Roteiristas j consagrados como Maria
Godoy, Gedeone, Helena Fonseca, Rubens Lucchetti, Ota ou escritores novos, mas
de excepcionais talentos como Pedro de Queirs e Antnio Rodrigues, que
entregavam os textos j rafeados. Era reconfortante trabalhar com eles. Noutro
setor, contvamos com Luiz Sampaio, Wagner Augusto, Reinaldo de Oliveira e
Osvaldo Talo. Alm de grandes artistas que ilustravam seus prprios roteiros.
possvel que me esquea de algum. Aproveito esse espao para cumprimentar e
agradecer a todos eles.
UCM - Se houvesse chance, assim como seus fs acham que deve haver, o senhor
faria tudo novamente? Ou seja, reverenciaria a produo nacional colocando no
mercado uma nova revista, assim como foi a Calafrio?
ZALLA Sem dvida. Mas o mercado mudou. Seria um Calafrio um pouco
diferente, com material selecionado, distribuio setorizada e apario bimestral. A
impresso deveria ser impecvel, os roteiros teriam que ser os melhores, assim
como os desenhistas.
UCM - Na poca da Revista Calafrio, publicaes de terror pululavam nas bancas
(Sobrenatural, Histrias do Alm, Medo, Kripta e outras), o senhor lia essas
publicaes e isso o influenciava?
ZALLA As histrias da Warren eu lia no original. A minha coleo de Kripta
obedecia mais ao desejo de apreciar as tradues. Quem leu Zora, Mirza ou o
Morto do Pntano sabe que no houve influncias nem estrangeiras, nem
nacionais. De tudo que eu lia l fora no gnero, s o Snchez Abul ou o Giancarlo
Berardi me interessaria para compor a equipe. Refiro-me exclusivamente ao gnero,
claro. Na opinio de Lus Rosales, um fanzineiro e colecionador com um acervo de
mais de vinte mil revistas, a grande maioria lidas e estudada. Havia um critrio na
Editora. Procurvamos no ambientar as histrias com tudo relacionado com
faroeste ou fico cientfica. Uma histria de terror (e west) de Gedeone foi
transformada para aventura de terror e desenhada pelo Rubens Cordeiro.
Trabalhvamos em conjunto com o artista por quase uma semana. A arte do Rubens
ficou excelente. Recebemos cartas elogiando essa histria.
UCM - Hoje, a UCMComics presta uma homenagem a Revista Kripta, antiga
publicao da RGE, hoje com autores nacionais e a Revista Calafrio, com a
republicao de suas histrias, duas publicaes on-line. O que achou dessa
iniciativa?
ZALLA Sem dvida a iniciativa boa. Gostei.
UCM - Muitos argumentistas e desenhistas comearam sobre as pginas de Calafrio
e Mestres do Terror, o senhor ainda mantm contato com esses artistas? Qual a
relao deles hoje com o quadrinho nacional?
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ZALLA Confesso que a grande maioria deles perdeu-se no tempo. Com alguns
tenho algum contato. Apesar do tempo que as revistas no aparecem no mercado,
ainda recebo cartas de velho e hipotticos novos leitores que querem saber
novidades da Editora ou comprar nmeros atrasados. Fora uma coleo para
consultas e outra coleo completa empacotada, no tenho exemplares atrasados
para vender.
UCM - O senhor concorda com a leitura on-line de quadrinhos? Acha isso vivel
para o crescimento desse mercado e do aviamento de sua importncia diante das
grandes editoras?
ZALLA Nenhum desenhista profissional que eu conheo faria quadrinhos on-line.
Acredito que a internet seja til para a publicao de quadrinhos esquecidos que
contenham algum interesse, para divulgao, para publicao temporria ou mesmo
para contato com um eventual editor. A internet e conseqentemente o mercado
devero crescer, mas no tenho condies de avaliar sua importncia diante do
mercado das grandes editoras.
UCM - O senhor costuma se interessar por publicaes de super-heris? O que
acha desse mercado gigantesco que trs ao Brasil suas emblemticas publicaes?
ZALLA Os super-heris me interessam especialmente pelos desenhos.
Acompanho Jim Lee, Marc Silvestri e outros desenhistas de top de linha; algumas
firmas novas como Cary Nord que faz o novo Conan colorido e os ltimos trabalhos
de George Pratt. So trabalhos bons, muito bons, outros nem tanto, mas a cor
pintada mo ou no computador, reala a qualidade de todo o material publicado.
Os personagens da Editora de Bonelli, aqui publicado pela Mythos em PB, so de
qualidade.
UCM - Se hoje fosse convidado a fazer parte regular de uma publicao de
quadrinhos nacionais, o que o faria aceitar? Qual seria a triagem necessria para
colocar sua arte novamente no mercado brasileiro de quadrinhos?
ZALLA Seriedade e competncia. No adianta fazer quadrinhos, com novas
tcnicas inclusive, se os tais trabalhos ficarem guardados na gaveta. Antigamente
ns recebamos pelas pginas, hoje nem isso.
UCM - O que acha de desenhistas nacionais estarem desenhando exclusivamente
para o exterior?
ZALLA necessrio entender que nos tempos atuais tm desenhistas da Nova
Zelndia desenhando para editoras londrinas sem sair de seu pas. Enviando
material pela internet, pelo correio ou por CD. Se o mercado nacional restrito ou
no existe, bvio e natural que o desenhista procure trabalho onde este trabalho
estiver.
UCM - Para finalizar, qual seria o seu conselho para aqueles jovens quadrinhistas
que esperam entrar nesse to sofrido ramo nacional?
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ZALLA A situao difcil. H uma revoluo no meio e toda revoluo gera crise,
especialmente num momento que todo empresrio procura lucro a qualquer custo.
Abrindo ou fechando portas, empregando ou desempregando. A crise gera, em
muitos casos, solues, mas a situao est muito difcil, a nvel mundial. Eu nunca
diria a ningum que, mesmo que a situao seja difcil, pare de desenhar. Desenhe!
Procure, se possvel, um emprego a fim de desenhar sempre. Hoje h mais
informao disponvel que no meu tempo, para o aficionado que queira se
profissionalizar. Como se diz popularmente: F em Deus e p na tbua!