Dissert Adriana Menezes
Dissert Adriana Menezes
Dissert Adriana Menezes
Rio de Janeiro
2012
Adriana Rodrigues Saldanha de Menezes
Rio de Janeiro
2012
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ / REDE SIRIUS / BIBLIOTECA CEH/A
nt CDU 376.4
Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta dissertação.
_______________________________________ ____________________
Assinatura Data
Adriana Rodrigues Saldanha de Menezes
_____________________________________________
Profª. Drª. Rosana Glat (Orientadora)
Faculdade de Educação da UERJ
_____________________________________________
Profª. Drª. Cátia Crivelenti de Figueiredo Walter
Faculdade de Educação da UERJ
_____________________________________________
Profª. Drª. Márcia Denise Pletsch
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Rio de Janeiro
2012
DEDICATÓRIA
Dedico esta dissertação à todos os professores que não medem esforços na garantia do direito
à educação de qualidade para os alunos com autismo. Com vocês reafirmo a todo instante que
acima de qualquer coisa, é preciso ACREDITAR.
AGRADECIMENTOS
Flávio, companheiro de jornada de vida! Pelo seu incentivo constante, sua paciência, o
respeito à minha paixão pela Educação Especial, a ajuda com o computador, a administração
familiar, por ser excelente pai para nossos filhos e por aceitar comprometer tantos finais de
semana e feriados. Obrigada! Sou feliz por ter você em minha vida.
Aos meus filhos, Flávio e Júlia. Sobre vocês, palavras são insuficientes.
Aos meus pais, meus sogros e familiares, que me acompanham e ajudam durante todos
esses anos, cada um à sua forma. Vocês são fundamentais em minha vida.
Ao meu irmão Marcelo, pelo interesse e valorização pelo meu estudo. A irmã Carla e
sobrinhos mais que maravilhosos, Carolina, Vitor, Nathan, Ana Paula e Amandinha. Estar
com vocês nesse momento muitas vezes foi revigorante.
À Stella Salomão, pelo compromisso com a Educação Especial como política pública.
À toda equipe da Escola Municipal Manoel Ramos, por concordar com a pesquisa,
mas principalmente, por acreditar na possibilidade de fazer dessa experiência uma
oportunidade de construção. O acolhimento de vocês foi essencial. Obrigada Ana Cláudia,
Sícera e Suely.
À Profª Sheila, por “abrir as portas” de sua sala de aula, por compartilhar o objetivo e
me conceder a oportunidade de vivenciar sua prática pedagógica, uma prática dialógica,
inclusiva, humana. Agradeço por tudo, principalmente por não duvidar da possibilidade da
inclusão, mesmo nos momentos mais difíceis. Muito obrigada, professora, pela oportunidade
de aprendizagem com você.
À Profª Leidiane, por concordar com a pesquisa, mas principalmente pela persistência
em fazer do “medo, das angústias e das dúvidas” caminhos para busca de melhores respostas
à inclusão. Obrigada, Leidi! Você é uma professora e tanto!
À Profª Drª Leila Nunes, pelo carinho que me recebeu em sua disciplina e pelo
encantamento pelo trabalho com a Comunicação Alternativa. Mesmo passando rapidamente
pelo LATECA, seu olhar acolhedor e experiência me trouxeram a confiança de que tudo seria
possível.
À Cristina Angélica. Com você pude mais uma vez aprender, na prática, o que dizia o
nosso grande Mestre Paulo Freire: “Escola é o lugar de fazer amigos”! Sua amizade e parceria
foi um dos melhores presentes que a UERJ me deu. Obrigada por tudo!
À Damiana e Ester, mães zelosas, incansáveis e sabedoras de que amar é mais que
proteger. Vocês são exemplos de que a parceria entre escola e família traz resultados
surpreendentes. Obrigada pela confiança depositada no meu trabalho e no de toda a equipe
UTD.
Ao amigo Moby, pela ajuda com o inglês (e que ajuda!) e pelo toque de humor e
descontração nas horas certas. Foi muito bom poder contar com você! Muito obrigada mesmo.
Às Profªs Drªs Dayse Serra, Maryse Suplino e Cátia Walter, pelos momentos de
aprendizagem, pela parceria, pelo compromisso incansável e principalmente pela crença na
capacidade de aprendizagem das pessoas com autismo. O entusiasmo de vocês é contagiante.
Hoje me sinto mais forte,
Mais feliz, quem sabe
Só levo a certeza,
De que muito pouco sei,
Ou nada sei (...)
É preciso amor
Pra poder pulsar
É preciso paz pra poder sorrir
É preciso a chuva para florir
Penso que cumprir a vida
Seja simplesmente
Compreender a marcha
E ir tocando em frente
Almir Sater
RESUMO
MENEZES, Adriana Rodrigues Saldanha de. Inclusão escolar de alunos com autismo: quem
ensina e quem aprende?. 2012. 160f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de
Educação, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
Apesar do recente incremento nas matrículas de alunos com autismo nas escolas
comuns, sua participação nas atividades escolares e aprendizagem ainda constitui-se como um
grande desafio para os educadores. Considerando as características dos alunos que apresentam
o quadro diagnóstico de autismo, a principal demanda para os professores é saber como
desenvolver, no cotidiano das escolas, estratégias de ensino que favoreçam o processo de
inclusão e aprendizagem deste alunado. O objetivo principal desta pesquisa foi analisar o
papel da Educação Especial como suporte ao processo de inclusão escolar através da
investigação das práticas pedagógicas de duas professoras do ensino comum que tinham
alunos com autismo em suas classes. O objeto de estudo foi o Projeto de Acompanhamento à
Inclusão de Alunos com Autismo desenvolvido no município de Angra dos Reis, RJ. O
referido projeto tem como propósito subsidiar as escolas comuns da rede pública municipal no
processo de inclusão de alunos com autismo, mais especificamente no que se refere à ação
docente. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, em que a metodologia da pesquisa-ação foi
utilizada em dois estudos de caso correspondentes a duas experiências de inclusão de alunos
com autismo em classes comuns. Os dados foram coletados por meio de diferentes
procedimentos como a observação participante, entrevistas abertas e semi-estruturadas e
filmagem. Como resultados consideramos que o acompanhamento direto da Educação
Especial ao professor regente, em sala de aula, é favorável à inclusão de alunos com autismo.
A utilização de adaptações curriculares com a flexibilização das estratégias de ensino, e a
criação de atividades individualizadas para o aluno relacionadas ao proposto para a classe
como um todo também foram fatores cuja importância foi evidenciada. Outro dado relevante
da pesquisa foi o envolvimento da gestão da escola como facilitador na promoção de inclusão
de alunos com autismo. Ainda que obstáculos precisem ser superados, a pesquisa revelou que
a inclusão de alunos com autismo na escola comum, com o suporte da Educação Especial,
impulsiona a aprendizagem de todos os envolvidos. Destaca-se o progresso dos alunos com
autismo, como resultado direto da formação continuada do professor da escola comum. A
pesquisa aponta, ainda, a demanda de novos estudos no campo da Educação Especial que
permitam desenvolvimento melhores práticas de suporte à inclusão escolar e o processo de
escolarização, de modo geral, deste público.
In spite of the recent increase in enrollment of students with autism in regular schools,
their participation in school activities and their learning still constitutes a great challenge for
educators. Considering the characteristics of students who have the autism diagnosis, the main
demand for teachers is to know how to develop, in the daily school life, teaching strategies
that help the inclusion and learning process of these students. The main objective this research
to analyze the role of Special Education as a support to the school inclusion process by means
of investigation of pedagogical practices of two teachers who had autistic students in their
regular classes. The object of study was the Autistic Students Inclusion Follow-up Project,
developed in the City of Angra dos Reis, RJ, Brazil. This project has for goal to help regular
city public schools in the process of inclusion of students with autism, more specifically
geared for the teachers´ actions. It was a qualitative research, in which it was utilized the
action-research methodology in two case studies corresponding to two experiences of
inclusion of autistic students in regular classes. Data was collected by means of different
procedures such as participant observation, open and semi-structured interviews and video
recording. The results show that the direct contact of Special Education with the teacher, in
the classroom, is a favorable factor for inclusion of autistic students. The utilization of
curriculum adaptations with flexibility of teaching strategies, and the creation of
individualizes activities for the student related with what was proposed for the rest of the class
were also identified as important factors. Another relevant data was the involvement of the
school directors as a help in the promotion of inclusion of students with autism. In spite of
many obstacles that still need to be overcome, the research showed that inclusion of students
with autism in regular school, with Special Education support, improves learning of all parties
involved. It was emphasized that the progress of autistic students was a direct result of
continuous formation of regular school teachers. The research also shows the demand for new
studies in the field of Special Education that result in the development of better support
practices for inclusion and learning process, in general, of this public.
Quadro 3 - Análise de dados: Escola A: Professora Sara - Aluno Igor ..................... 112
INTRODUÇÃO ............................................................................................. 15
1 EDUCAÇÃO INCLUSIVA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS
BRASILEIRAS .............................................................................................. 18
1.1 Da Educação Especial segregada à Educação Inclusiva ............................ 18
INTRODUÇÃO
A discussão sobre o direito de todos os alunos à educação tem sido temática constante
no contexto acadêmico, político e pedagógico, bem como nas diferentes esferas
governamentais. O debate se desdobra na responsabilidade das escolas garantirem não
somente o acesso, mas principalmente a permanência de qualquer aluno na escola, com
frequência às salas de aula, participação nas atividades e principalmente a promoção da
aprendizagem. Ferreira & Glat (2003), Ainscow (2010), Pletsch (2010), Glat &Blanco (2009),
entre outros.
Nas palavras de Pletsch (2010):
essa premissa como verdadeira, e mesmo assim, não se pode considerar como uma assunção
unânime2.
No Brasil, o atendimento para indivíduos com deficiências ou excepcionais, em um
primeiro momento, não se configurava exatamente como uma proposta educacional. A
deficiência era vista como uma doença crônica, sendo o trabalho focado em terapias
individuais, como a Fisioterapia, a Fonoaudiologia e a Psicologia. Pouca ênfase era dada à
atividade acadêmica, que não ocupava mais do que uma pequena fração do horário dos alunos
(GLAT & BLANCO, 2009).
Pode-se considerar que a Educação Especial foi institucionalizada em nosso país nos
anos 1970, quando surgiram as primeiras iniciativas do sistema educacional público de
garantir o acesso à escola às pessoas com deficiências. A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação 5692/71, por exemplo, no seu artigo 9o recomendava que alunos com deficiências
físicas ou mentais, os que se encontrassem em atraso considerável quanto à idade regular de
matrícula e os superdotados, deveriam receber “tratamento especial”, de acordo com as
normas fixadas pelos Conselhos de Educação (FERREIRA & GLAT, 2003). Nesse mesmo
período, em 1973 foi criado o CENESP- Centro Nacional de Educação Especial3, o qual,
instituiu as primeiras classes especiais nas escolas comuns e, dentre outras ações, fomentou o
desenvolvimento acadêmico e científico da área4, contribuindo para o fortalecimento da
Educação Especial como parte integrante do sistema educacional no país.
A descoberta de novos métodos e técnicas de ensino para o trabalho com pessoas com
deficiência impulsionou a crença na possibilidade de aprendizagem e desenvolvimento destes
sujeitos. O modelo clínico começou a dar espaço ao paradigma educacional. O foco deixou de
ser a deficiência intrínseca no indivíduo. Sendo assim, era preciso então que o meio fosse
capaz de oferecer condições adequadas capazes de promover a aprendizagem e o
desenvolvimento das pessoas com deficiências (GLAT & BLANCO, 2009).
Entretanto, apesar dos avanços, este modelo não representou a garantia de ingresso de
alunos com deficiências no sistema regular de ensino. A Educação Especial funcionava como
um serviço paralelo; as classes especiais existiam como espaço segregado, composto por
alunos que não atendiam às exigências desse sistema. E grande parte dos sujeitos com
2
Para uma análise mais aprofundada sobre a construção histórica da Educação Especial no Brasil, ver Januzzi (2004) e
Mazzotta (2005).
3
Este órgão, em 1986, foi transformado em SEESP – Secretaria de Educação Especial e recentemente, já no Governo Dilma
Roussef, esta foi incorporada à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade Inclusão – SECADI.
4
Os primeiros cursos de Mestrado na área de Educação Especial foram criados em 1978 e 1979, na UFSCAR (Universidade
de São Carlos/SP) e UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), respectivamente, com corpo docente de professores
que, em sua maioria, haviam concluído pós-graduação em Educação Especial (Mestrado e Doutorado) no exterior sob os
auspícios do CENESP.
20
adaptação na sua prática, o que concorria para o fracasso do aluno, e em muitos casos, retorno
ao sistema especial.
Em outras palavras, a integração, quando ocorria, representava apenas a presença
física do aluno especial na turma regular, já que não havia investimento do ensino comum na
sua escolarização. As críticas a esse processo de exclusão na escola que o modelo de
integração perpetuava, aliadas às novas demandas e expectativas sociais, culminaram, na
década de 90, com o surgimento da proposta de Educação Inclusiva, mundialmente
disseminada pela força de organismos como a UNESCO, Banco Mundial e outras
organizações internacionais.
Em síntese, a inserção na escola comum de crianças e jovens com deficiências ou
outras condições atípicas já vêm ocorrendo em nosso país desde meados dos anos 1970.
Assim, mesmo antes de se difundirem os princípios da Educação Inclusiva, nas últimas
décadas, diversas leis e diretrizes foram promulgadas com o fim de estabelecer o direito deste
alunado de estudar na rede regular de ensino. Desde então, inúmeros autores vem ocupando-
se de trabalhar essa temática, como, Mittler (2003); Beyer (2005); Baptista, Kassar (2006);
Carvalho(2008); Glat (2009); Mendes (2010); Plestch (2009, 2010, 2011); Glat & Pletsch
(2009; 2011), Kassar, Arruda e Benatti (2011), entre outros. Trataremos a seguir, sobre os
principais marcos no movimento de implantação e consolidação da Educação Inclusiva no
Brasil.
O princípio básico da proposta de Educação Inclusiva é que toda a pessoa tem “direito
à instrução”, e que esta será obrigatória e gratuita, pelo menos nos graus elementares e
fundamentais. Sua origem é no conceito de “Educação para Todos” e a legitimação está
presente na Declaração dos Direitos Humanos (ONU, 1948), assinada por todos os países
membros na Organização das Nações Unidas (ONU), como culminância às duas Grandes
Guerras Mundiais.
Nas décadas que se seguiram, em função de movimentos sociais em prol dos direitos
de grupos minoritários, diferentes diretrizes e propostas educacionais foram criadas e
implementadas. Estas iniciativas resultaram nas diversas conferências internacionais dos anos
90, os quais resgataram os preceitos originais com a proposta de Educação Inclusiva.
Em 1990 foi realizada a Conferência Mundial sobre a Educação para Todos: satisfação
das necessidades básicas de aprendizagem, em Jomtien, na Tailândia. Promovida pelo Banco
22
Desde então, o sistema educacional brasileiro, nos seus três níveis (federal, estadual e
municipal), vem sofrendo constantes reformas para assegurar o ingresso e a permanência na
escola de todos os alunos. Tais reformas instituíram, entre outras medidas, a obrigatoriedade
de matrícula, a idade de ingresso, a duração dos níveis de ensino, os processos nacionais de
avaliação do rendimento escolar, as diretrizes curriculares nacionais, as definições para a
escolarização dos alunos com necessidades especiais.
A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), no inciso III do artigo 208,
estabelece que o atendimento educacional especializado “aos portadores de deficiências” deve
se dar “preferencialmente na rede regular de ensino”. O Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) (BRASIL, 1990) dispõe, em seu artigo 13, que “a criança e o adolescente gozam de
5
Posteriormente, durante a Conferência de Dakar em 2000, a meta de prover a universalização da Educação Básica foi
protelada até 2015.
23
todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana”. O artigo 54, do mesmo estatuto
apresenta que o “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência” deve
ser oferecido “preferencialmente na rede regular de ensino”.
Já a Política Nacional de Educação Especial em suas diretrizes, destaca o apoio ao
sistema regular de ensino, no que tange à inserção de portadores de deficiências, priorizando o
financiamento de projetos institucionais que envolvam ações de integração. Estes princípios
estão reafirmados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB - Lei nº 9.394/96
(BRASIL, 1996) e nas Diretrizes Nacionais para Educação Especial na Educação Básica -
Resolução CNE/CEB Nº. 2 de 2001 (BRASIL, 2001) as quais dispõem sobre a organização
dos sistemas de ensino e a formação de professores.
Esta prerrogativa já havia sido referenciada na Política Nacional para a Integração da
Pessoa Portadora de Deficiência, de 1999 (BRASIL, 1999), que estabelece a “matrícula
compulsória de pessoas com deficiência em escolas regulares”. Também importante foi a
promulgação do Decreto 3.956/2001, (BRASIL, 2001a) que, ao adotar os princípios da
Declaração de Guatemala6, estabelece medidas de caráter legislativo, social e educacional, do
trabalho ou de qualquer natureza, necessárias para garantir a plena integração das pessoas
com deficiência na sociedade. Cabe destacar também, ainda em 2001, a definição do Plano
Nacional de Educação (BRASIL, 2001b) que fixa objetivos e metas a serem cumpridas, a
curto e médio prazo, visando o aprimoramento da educação e atendimento a pessoas com
necessidades educacionais especiais.
Pode-se considerar, então, que no inicio do século XXI a Educação Inclusiva efetivou-
se como política educacional oficial do país, amparada pela legislação em vigor e convertida
em diretrizes para a Educação Básica dos sistemas federal, estaduais e municipais de ensino.
Conforme delibera a Resolução CNE/CEB Nº. 2 de 2001:
6
Esta declaração foi elaborada em 1999, como produto da Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência.
24
7
Esta convenção foi aprovada pelos países integrantes da ONU em 13 de maio de 2008.
25
permitia, em suas linhas e entrelinhas, diversas interpretações a respeito do público alvo, tipo
de atendimento oferecido, financiamento para custeio desse alunado na escola, da formação
continuada dos professores, e o papel das equipes de profissionais para apoio (das áreas da
Saúde e Assistência Social), entre outros aspectos.
Todas essas questões acabaram gerando dúvidas, desequilíbrio e insegurança junto aos
sistemas de ensino e, sobretudo, às famílias e aos usuários dos serviços da Educação Especial,
pois, a diretriz principal se referia à obrigatoriedade de inclusão no ensino regular de todas as
crianças, e, consequentemente, levava à progressiva (em alguns casos, brusca) desarticulação
do ensino especial.
Para apoiar a implementação da Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva, o Ministério da Educação publicou em setembro de 2008
o Decreto 6.571/08 que dispôs sobre a oferta do atendimento educacional especializado
(AEE). Este foi definido como “o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e
pedagógicos organizados institucionalmente, prestado de forma complementar ou suplementar
à formação dos alunos no ensino regular.” (BRASIL, 2008a).
O referido decreto previu, ainda, o apoio técnico e financeiro aos sistemas públicos de
ensino dos estados, Distrito Federal e municípios, além de, a partir de 2010, oferecer o duplo
financiamento pelo FUNDEB10 (Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação Básica)
para os alunos com deficiências ou outras síndromes que estiverem matriculados
concomitantemente no ensino regular e no atendimento educacional especializado. A diretriz
para o atendimento educacional especializado (AEE) era que esse integrasse a proposta
pedagógica da escola, sendo realizado em articulação com as demais políticas públicas, e com
a participação das famílias. Sua característica mais relevante, porém, é que a partir do Decreto
de 2008, este serviço passaria a ter obrigatoriamente caráter complementar ou suplementar
(no caso de alunos com altas habilidades), não podendo mais substituir a escolarização em
classe regular.
E foi justamente este aspecto que gerou toda a polêmica – o AEE ser dirigido apenas
para os alunos especiais que estivessem incluídos em turmas comuns. Pois, isto representava,
inevitavelmente, a descontinuidade de outros atendimentos educacionais especializados não
inclusivos, como classes ou escolas especiais. Ou seja, para receber algum tipo de
atendimento educacional especializado, os alunos especiais deveriam obrigatoriamente estar
10
O FUNDEB -- o Fundo da Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da
Educação, é responsável pelo financiamento com recursos federais de toda a Educação Básica, da creche ao Ensino Médio,
em vigor desde 2007 e com extensão até 2020.
27
11
Esses dois institutos, fundados no século XIX, são vinculados diretamente à esfera federal e constituem-se como referência
na educação de alunos com deficiência auditiva e visual, respectivamente.
28
Embora, aparentemente, possa parecer uma vantagem12, caso não haja implantação de
propostas diferenciadas, sobretudo para alunos que passaram da idade regular de
escolarização formal, muitos alunos com deficiências ficam matriculados nas escolas ou
classes especiais até adultos, mesmo não estando progredindo academicamente. Isto é o que,
na prática, já acontece em grande escala, sobretudo com sujeitos com deficiência intelectual,
múltiplas deficiências ou autismo.
É garantido ao público-alvo da Educação Especial - alunos com deficiências,
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades - “ensino fundamental gratuito e
compulsório, asseguradas adaptações razoáveis, de acordo com as necessidades individuais.”
(Art. 1°, IV, grifo nosso). O uso do termo razoáveis (grifo nosso), na redação do artigo, pelo
seu sentido extremamente subjetivo, pode levar a inúmeras interpretações. Por exemplo,
pode-se argumentar que adaptações muito diferenciadas, como comunicação alternativa13
para alunos não verbais, por exemplo, não precisam ser asseguradas, ou ainda adaptações de
acessibilidade, que envolvam recursos financeiros altos, tais como a colocação de elevadores
ou substituição de escadas por rampas, ultrapassem o limite do que seria considerado
“razoável” para aquela rede escolar.
A ambiguidade da lei também pode ser notada no parágrafo VI deste primeiro artigo,
onde está escrito que para efetivação de uma “inclusão plena”, deverão ser adotadas “medidas
de apoio individualizadas (grifo nosso) e efetivas.” Não, há, porém, definição operacional
destas medidas, mesmo no artigo 2º que discorre sobre o papel da Educação Especial. Como
especificado, sua função é “garantir os serviços de apoio especializado voltados a eliminar as
barreiras que possam obstruir o processo de escolarização de estudantes com deficiência,
transtornos global o desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.” Essa afirmativa
vem reforçar a importância do papel da Educação Especial no processo de inclusão escolar.
Os serviços a que este artigo se refere são denominados, no parágrafo 1º, de
“atendimento educacional especializado, compreendido como o conjunto de atividades,
recursos de acessibilidade e pedagógicos”. Embora seja consenso que para que alunos com
deficiências ou outras necessidades educacionais especiais terem aprendizado e
12
Em outros países, como os Estados Unidos, por exemplo, o atendimento escolar na rede pública é garantido, mesmo para
os alunos com deficiências, até os 21 anos apenas. A partir desta idade, a responsabilidade passa para outros órgãos
governamentais como Assistência Social ou Saúde.
13
“A Comunicação Alternativa/Ampliada constitui área de conhecimento multidisciplinar, relativamente recente, que se
desenvolveu inicialmente na clínica e que, aos poucos, foi introduzida na escola. Mais especificamente a comunicação
alternativa envolve o uso de gestos manuais, expressões faciais e corporais, símbolos gráficos (bidimensionais como
fotografias, gravuras, desenhos e linguagem alfabética e tridimensionais como objetos reais e miniaturas), voz digitalizada ou
sintetizada, entre outros, como meios para efetuar a comunicação face-a-face de indivíduos incapazes de usar a linguagem
oral”. (NUNES, 2011, p.6-7)
29
Isto significa que a família tem o direito de opinar e escolher o tipo de atendimento
que seu filho deverá receber, mas como no caso dos demais alunos também têm o dever de
acompanhar o processo de escolarização de seu filho.
Um dos pontos diferenciais deste decreto, em relação ao Decreto 6571/08 (BRASIL,
2008a) que ele substitui, é que restabelece a possibilidade da Educação Especial ser oferecida
preferencialmente na rede regular de ensino, e não mais obrigatoriamente como no anterior.
Como já discutido, esta é uma questão ainda polêmica, mas a pressão dos movimentos da
sociedade civil foi um fator decisivo para a flexibilização da política.
Complementando esta determinação, o Decreto 7611 (BRASIL, 2011) também
garante o apoio técnico e financeiro às instituições privadas sem fins lucrativos com atuação
exclusiva em Educação Especial (Art. 1º, VIII). Esta foi uma das reivindicações das
organizações não governamentais, como APAE, Pestallozzi (ambas para atendimento a alunos
com deficiência intelectual), APADA (para deficiência auditiva), ABBR (para deficiência
física), entre outras que, pelo decreto anterior, eram excluídas do financiamento.
Chama atenção que neste documento há a especificação de oferta de formação de
professores para o desenvolvimento da educação bilíngue (para alunos surdos) e do ensino de
Braile (para alunos cegos), assim como a formação de gestores, educadores e demais
profissionais da escola para Educação Inclusiva (Art. 5°, III e IV). Isto significa o
reconhecimento do caráter de especificidade que o trabalho com alunos com essas duas
condições demanda. Entretanto, os demais tipos de necessidades especiais são tratados
30
genericamente. Não há, por exemplo, menção de propostas de formação docente para o
trabalho com alunos com deficiência intelectual, transtornos globais do desenvolvimento e
altas habilidades, previsto pelo próprio documento 14.
O Decreto 7611 também especifica que o apoio técnico e financeiro compreende
“formação de gestores, educadores e demais profissionais da escola para a educação na
perspectiva da educação inclusiva, particularmente na aprendizagem, na participação e na
criação de vínculos interpessoais (...)”. (Art. 5º, IV, grifo nosso). Este é um aspecto muito
importante, pois, como sabemos não basta garantir a matrícula do aluno especial na turma
comum, mas sim, sua participação e interação nas atividades e, é claro, aprendizagem.
O Artigo 5º, parágrafo 3º prevê, como uma das formas de atendimento educacional
especializado, as chamadas salas de recursos multifuncionais, as quais são definidas como
“ambientes dotados de equipamentos, mobiliários e materiais didáticos e pedagógicos para
oferta do atendimento educacional especializado.” No entanto, não há especificação sobre os
espaços de implementação dessas salas, seu funcionamento e nem sobre as atribuições dos
profissionais para atuação nas mesmas. Ao contrário do que estava estabelecido no decreto
anterior, aqui passa a ser possível que todos os espaços considerados aptos à oferta de
Educação Especial (tanto no âmbito de uma escola comum, como em uma escola
especializada) possam ser contemplados com os recursos e materiais disponibilizados para as
salas de recursos multifuncionais.
Outro ponto relevante deste documento está no Artigo 8º onde é dito que “para efeitos
de distribuição dos recursos do FUNDEB, os estudantes que frequentam as classes regulares e
recebem atendimento educacional especializado, será admitida dupla matrícula.” Isto significa
que o aluno especial “conta” duas vezes para a rede de ensino (uma vez como aluno da turma
comum e outra do AEE). Esta medida, de certa forma, dá um incentivo financeiro aos
sistemas escolares para privilegiarem a inclusão como escolha preferencial de espaço de
escolarização. Entretanto, os alunos especiais que não estão em turma comum, também devem
ser contabilizados no financiamento. Como especificado no Artigo 8º, “serão computadas
para efeitos de distribuição dos mesmos recursos as matrículas dos estudantes que frequentam
somente os serviços especializados, sejam eles oferecidos em quaisquer dos espaços
considerados legítimos para oferta de educação especial, a saber: classes comuns, classes
14
Vale destacar que alunos com dificuldades e distúrbios de aprendizagem, como a dislexia, discalculia e outros, não são
considerados pela legislação como público da Educação Especial, embora, certamente, demandem atendimento educacional
especializado.
31
ressaltam o caráter muito mais político (no sentido partidário) que pedagógico que o debate se
transformou.
A idéia de inclusão total está, pela própria experiência dos sistemas escolares, sendo
cada vez mais questionada, na medida em que a legislação mais recente, conforme discutido,
restabeleceu o direito da diversidade do atendimento educacional especializado. Certamente,
transformações institucionais da magnitude demandada para implantação da inclusão escolar
não se fazem “por decreto”. Há um longo caminho entre a promulgação da política e seu
impacto no cotidiano escolar, sobretudo no que tange às condições reais das escolas e a
capacitação de professores. A implementação da política de Educação Inclusiva demanda que
as escolas organizem uma proposta de gestão democrática, investindo na transformação da
prática educacional em sua totalidade.
Os dispositivos legais possibilitam, em uma primeira análise, compreender as
diferentes idéias pedagógicas subjacentes às estratégias educacionais, sob o ponto de vista de
políticas educacionais, por parte dos distintos níveis governamentais. Tal exercício deve
constituir-se como um movimento imprescindível a ser realizado pelos dirigentes dos
sistemas educacionais, ainda que o mesmo venha a retardar a implantação das propostas .
Nesse sentido, concordamos com Carvalho (2008), na epírafe que ilustra esse capítulo,
quando coloca que para uma proposta não correr o risco de ser rejeitada, para que seja
assumida e realizada com êxito, é preciso que ocorra um movimento coletivo de análise de
suas idéias, caso contrário, esta poderá ser desacreditada ou rejeitada antes mesmo da
tentativa de implementação.
Ainda assim é necessário ter clareza que não é a legislação que define, por si só, o
projeto educacional; ela apenas estabelece determinações que se materializam no cotidiano
escolar, com mais ou menos rigor, em maior ou menor espaço de tempo, de acordo com cada
contexto. Em outras palavras, a criação de leis e diretrizes políticas não garantem,
inevitavelmente, as condições necessárias para o seu devido cumprimento.
15
Na ocasião eu atuava como Gerente de Educação Especial junto à Secretaria Municipal de Educação de Angra dos Reis e
tive a oportunidade de colaborar com a referida pesquisa.
16
Estimativa da população. Disponível em http://www.ibge.gov.br. Acesso em maio de 2012
17
Denominação na época para alunos com TGD e outros distúrbios de comportamento.
34
Gráfico 1. Quantitativo de alunos com necessidades educacionais especiais matriculados na Rede Municipal de
Educação de Angra dos Reis (ANGRA DOS REIS, 2010, apud GLAT & PLETSCH, 2011, p.53)
De acordo com o Gráfico observamos que o quantitativo de alunos quando foi iniciado
o trabalho da Educação Especial no município, em 1990, era de apenas oito alunos com
quadro de surdez. Em 2010, o Município atingiu o total de 483 alunos atendidos, com
diversos tipos de necessidades especiais. Estes dados revelam um aumento de 5937,5% em
número de alunos e 900% em tipos de necessidades especiais atendidas, em 20 anos de
história. Tais indicadores evidenciam a consolidação da Educação Especial no município
como parte integrante do sistema ensino.
O exemplo de Angra dos Reis nos faz refletir sobre a possibilidade dos dirigentes dos
sistemas assumirem a escolarização do aluno com necessidades educacionais especiais como
meta da política educacional local. E a partir daí, definirem diretrizes operacionais e realizar
ações concretas que podem resultar em dados exitosos. Para isto é preciso, porém,
disponibilizar a alocação de recursos humanos e financeiros.
No caso do Município de Angra dos Reis, a realidade apresenta-se com a adoção de:
18
Os dados atualizados não haviam sido divulgados até o momento de conclusão desse estudo.
35
No que se refere à formação continuada para atuação com este público, a Gerência de
Educação Especial vem realizando:
19
Sigla para Código Internacional de Doenças.
20
Sigla para Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.
37
DSM III e DSM III-R(Sigla e inglês Inclui o autismo no grupo de Transtorno Global
para Diagnostic and Statistical do Desenvolvimento. Déficits sociais difusos,
1980 e Manual of Mental Disorders 3ª ed. e Não apresentada amplos déficits no desenvolvimento da
1987 R, para edição revisada, ambos da linguagem, padrões incomuns da fala, respostas
Associação Americana de bizarras ao ambiente.
Psiquiatria)
As crianças autistas apresentariam uma
incapacidade de atribuir estados intencionais,
uma vez que possuem um déficit específico em
Baron-Cohen e colaboradores e sua Teoria da Mente, o que compromete a
Facion. Desenvolveram as primeiras Orgânica capacidade de predizer o comportamento dos
1985 e teorias cognitivas sobre o autismo. outros. Há a hipótese de relação com um déficit
1986 nas funções cerebrais ligadas a meta-
representações, ocasionando mudanças nos
padrões básicos de interação social.
WALTER (2000); BOSA; FACION (2002); SCHWARTZMAN (2003); SERRA (2004); ORRÚ (2007); LAMPREIA &
LIMA (2008); GIKOVATE & MOUSINHO (2009); MERCADANTE & ROSÁRIO (2009); BRASIL (2010)
39
É preciso, também esclarecer, conforme aponta Bosa (2002), que poucas patologias
do desenvolvimento foram alvo de tanto interesse e controvérsias como o autismo. Podemos
acreditar ser essa uma das razões de, ao longo do tempo, várias outras nomenclaturas ou
adjetivos terem sido utilizados para se dirigir à síndrome (ou ao grupo diagnóstico com
quadros semelhantes). Alguns dos termos mais comumente utilizados para referir-se ao
autismo, além de Transtorno Global do Desenvolvimento (TGD), utilizado pelo DSM IV, são:
Autismo clássico: pessoas que apresentam a grande maioria ou totalidade das áreas
do desenvolvimento afetadas de forma significativa. (SUPLINO, 2007).
Autismo de alto funcionamento: pessoas que apresentam as características do
autismo, no entanto com capacidade de memorização notadamente acima da média, em
especial para temas de interesse particular.
Transtorno do espectro autístico (TEA): termo utilizado para se referir a pessoas que
apresentam diferentes variações do autismo, com um leque de gravidade no conjunto dos
sintomas, estando em um extremo os quadros mais severos (o autismo não-verbal) e no outro
os quadros leves, havendo a linguagem verbal desenvolvida e poucas manifestações dos
demais sintomas.). (GIKOVATE & MOUSINHO, 2009).
Autismo infantil: Crianças que apresentam inaptidão para estabelecer relações
normais com o outro, atraso na aquisição ou linguagem sem valor comunicativo.
(nomenclatura utilizada logo após as descobertas de Kanner) (WALTER,2000).
Transtornos invasivos do desenvolvimento21: Pessoas com autismo, e também
transtornos desintegrativos, Síndrome de Rett e Síndrome de Asperger. O termo TID refere-se
ao grupo diagnóstico utilizado pelo Código Internacional de Doenças, 10ª edição, o CID-10.
21
Tradução de Pervasive Developmental Disorder.
40
A chamada tríade dos sintomas autísticos, teve origem em 1970, quando Lorna Wing
traduziu do alemão para o inglês os trabalhos de Asperger e propôs a noção de espectro do
autismo. O termo surgiu na constatação de que os comportamentos manifestos por pessoas
com autismo diferem, o grau de acometimento é variável e de que existem múltiplos fatores
etiológicos. O Transtorno do Espectro Autístico se refere a uma natureza dimensional,
conectada ou não a condições diversas e não limitada às demarcações definidas pelos critérios
das categorias diagnósticas (MERCADANTE & ROSÁRIO, 2009). Seu estudo ficou
conhecido como a Tríade de Wing, que definiu os déficits específicos do sujeito com autismo:
imaginação, socialização e comunicação (DAVID, 2012). Para Facion (2002), o estudo de
Wing trouxe uma importante contribuição ao tema, uma vez que o “autismo deixa de ser visto
como um quadro específico e único e passa ser considerado uma síndrome que comporta sub-
tipos variados.” (p.24).
As publicações recentes, ao tratarem sobre as características, diagnóstico e
classificação do autismo, reúnem os estudos realizados ao longo dessas décadas. É consenso
entre os autores que o autismo envolve falha na interação social, dificuldade na comunicação
(verbal e não-verbal) e comprometimento na imaginação, comportamentos, interesses e
atividades restritos, esteriotipados e repetitivos. (WALTER,2000; BOSA,2002;
SCHWARTZMAN,2003; GIARDINETTO,2005; CAMARGOS,2005; SUPLINO,2007;
ORRÚ,2007; BALEOTTI & DELIBERATO,2008; CAMARGO & BOSA,2009; GIKOVATE
& MOUSINHO, 2009; BRASIL,2010; GOMES & MENDES,2010; NUNES,2010;
TAMANAHA 2011; DAVID, 2012).
Gikovate e Mousinho (2009, p.133) partindo dos estudos de Wing ilustram a tríade
dos sintomas autísticos (a qual denominam tripé), com o seguinte desenho:
Segundo as autoras:
Ainda que as três áreas nas quais sejam encontrados comprometimentos, tenham sido
ponto em comum entre os pesquisadores, explicações de cunho afetivo/social e cognitivo se
alternaram, e por vezes configuram-se até como dicotômicas. A linguagem, por exemplo, era
considerado o aspecto mais afetado, de acordo com o enfoque afetivo/social. A visão
desenvolvimentista, por sua vez, atribuiu ao autismo uma origem orgânica, ainda indefinida,
que resulta em dificuldade no relacionamento interpessoal e comprometimento na afetividade.
Já a visão cognitivista, atribuiu à teoria da mente, isto é, a capacidade dos sujeitos de
interpretar as atitudes de seus pares e compreender comportamentos subjetivos, seria o
principal fator responsável pelo quadro do autismo (SERRA, 2004).
Facion (2002) aponta que as definições de autismo mais comumente utilizadas partem
do entendimento de que estamos diante de uma síndrome basicamente orgânica. Para o
trabalho diagnóstico refere-se ao uso oficial das definições em vigor em três instituições: “a
da ASA (American Society for Autism), a da Organização Mundial de Saúde, através do CID
10 (10ª Classificação Internacional de Doenças) e a Associação Americana de Psiquiatria,
com o DSM - IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, 1995) ” (FACION,
2002, p.24).
Além destes documentos, SERRA (2009), também aponta o DSM-III, o DSMIII –R, o
DSMIV-TR, a CARS- The Childood Autism Rating Scale e o ABC – Autism Behavior
Checklist. E ressalta que:
Apesar de a etiologia ainda ser desconhecida, o autismo tem sido concebido como
um transtorno do desenvolvimento com base biológica inata, sendo mais comum em
meninos que em meninas. (...) A característica principal desse transtorno é uma
tríade de prejuízos qualitativos nas habilidades de interação social, nas habilidades
de comunicação, e padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses e
atividades.Existem diferentes graus de comprometimento nas crianças portadoras
de autismo. Na verdade o que temos é um espectro autístico, em que o autismo
propriamente dito ainda é considerado o principal transtorno. (p.09, grifo nosso)
podem iniciá-la ou mantê-la de forma típica. O estilo social de tais indivíduos foi
denominado ‘ativo, mas estranho’, no sentido de que eles geralmente têm
dificuldade de regular a interação social após essa ter começado. As características
comportamentais do autismo se alternam durante o curso do desenvolvimento.
(KLIN, 2006, p.6)
Autores como Camargos (2005), Campos (2005), Leão e Aguiar (2005), vem
analisando a incidência deste transtorno na população brasileira, e em outros países,
chegando a uma proporção de 1: 2000 casos. Se aceitarmos tal estimativa e considerarmos
os dados do último Censo Demográfico, realizado pelo IBGE22 em 2010, encontraremos cerca
de 95.336 brasileiros com autismo, independente do nível de comprometimento apresentado.
Tais dados evidenciam que o autismo não é raro.
Os estudos também apontam ser mais comum a manifestação em meninos que em
meninas, com prevalência entre 4:1 a 5:1, independente do nível socioeconômico, etnia, raça,
idade dos pais, local de moradia. Entretanto, as meninas diagnosticadas tendem a apresentar
quadros mais graves (BOSA, 2002; SERRA, 2004; SUPLINO, 2007; MERCADANTE &
ROSÁRIO, 2009).
22
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Consulta em 18 de maio de 2012, ao sítio eletrônico: www.ibge.gov.br De
acordo com órgão a população nacional encontra-se patamar de 190.732.694 habitantes.
44
algum lugar, seja há minutos ou há mais tempo. Este tipo de linguagem é denominado
ecolalia.
A percepção literal das palavras, de forma fixa para todos os contextos também é
comum para os que falam, o que normalmente causa grandes confusões na adolescência,
quando o uso da linguagem metafórica e irônica é usual. Em muitos casos a fala é comparada
à reprodução mecânica de um robô, uma vez que não apresenta entonação ou manifestação de
sentimento. Muitas vezes expressam-se verbalmente de forma descontextualizada e
gramaticalmente incorreta. Alguns falam ininterruptamente ou se recusam a se comunicar,
mesmo que sejam capazes de fazê-lo, dando a impressão de não ter visto seu interlocutor.
Pode ocorrer retrocesso de fala já adquirida e, em alguns casos, emudecimento.
Há também pessoas com autismo que se comunicam de forma não verbal, na maioria
das vezes utilizando gestos naturais e /ou expressões faciais.
c) Comportamentos, interesses, atividades e imaginação – Crianças com autismo
geralmente apresentam uma gama de comportamentos inadequados, variando desde estranhos
até bastante perturbadores. Demonstram reação exagerada ou, ao contrário, ignoram certos
eventos sensoriais, o que muitas vezes faz com que as crianças com autismo sejam
confundidas com surdos. Podem, por exemplo, apresentar-se extremamente irritados ao leve
ruído de um chuvisco caindo e indiferentes ao som de um aspirador de pó ligado na máxima
potência. Apresentam apego à rotina e uniformidade no ambiente (dimensão temporal e
espacial), demonstrando interesse e necessidade, por exemplo, em realizar sempre o mesmo
percurso para chegar a determinado lugar, realizar as tarefas do dia seguindo a mesma ordem
sequencial. Esta característica muitas vezes pode ocasionar comportamentos de ansiedade
e/ou agressividade. Quando uma obra em via pública cause uma mudança no trânsito, se
encontrar os móveis do quarto em posição diferente ou por alguma razão precisar almoçar
antes de tomar banho, quando rotineiramente faz o inverso, reações comportamentais
inadequadas podem ser esperadas. Pessoas com autismo têm, na maioria das vezes, baixo
limiar de frustração.
O comportamento auto-estimulatório também é frequente, sendo mais comum usarem
seu próprio corpo, como balançar-se para frente e para trás ou para os lados, como o
movimento de pêndulo. Estalar os dedos, bater palmas, saltitar, esticar e encolher
sucessivamente os braços, sacudir as mãos, observar o movimento dos dedos no ar, são outras
ações bem comuns. Em alguns casos, podem usar objetos ou outras pessoas para se auto-
estimularem: cheirar e/ou lamber superfícies, esfregar as mãos na parede, bater com as mãos
46
em mesas e portas, esfregar o cabelo das pessoas, realizar movimentos giratórios com cordas,
cadarços, barbantes, panos, etc.
Em casos de muita ansiedade pode haver comportamentos denominados de auto-
lesivos, ações dirigidas ao próprio corpo que podem ocasionar danos físicos como mutilações,
sangramentos ou fraturas. (SUPLINO, 2007). Tais eventos podem incluir bater-se, jogar-se
no chão, bater a cabeça contra a parede, introduzir objetos no nariz, arrancar o próprio cabelo,
morde-se e beliscar-se. E, na maioria dos casos, não parecem estar sentindo dor. A agressão
contra outras pessoas também não é incomum. A dificuldade em aceitar limites pode
ocasionar comportamentos de birra ou agressividade. Podem apresentar fobias e medos
inusitados e desproporcionais em situações corriqueiras, como o toque da sirene escolar ou
uma mosca voando; enquanto não demonstram medo frente a perigos reais, como ficar na
beira de um parapeito em uma altura elevada ou atravessar ruas com trânsito intenso.
O consumo de substâncias não comestíveis também ocorre, sendo comum no ambiente
escolar mastigar massa de modelar, lápis e papel. São capazes de ficarem horas olhando para
algo que lhes chame atenção ou desperte interesse, como a hélice de um ventilador em
movimento ou a tampa de um ralo no quintal da casa, ao mesmo tempo em que podem
apresentar extrema hiperatividade.
Grande parte de crianças com autismo também apresenta deficiência intelectual,
sendo que a profundidade desse déficit é variável (WALTER, 2000; SALLE,
SUKKIENNIK,GONÇALVES, ONÓFRIO E ZUCHI 2005; SERRA, 2004 e 2007).
Consequentemente elas tem dificuldades na organização, sequenciação, generalização e/ou
integração de idéias e informações, bem como no estabelecimento de critérios, principalmente
quando os fatos ou conceitos estão isolados.
Vale ressaltar que estas características não ocorrem de forma estanque ou isolada. Os
três aspectos que compõem a tríade do autismo estão sempre interligados. Sendo assim, o
desenvolvimento da criança em uma área resultará no desenvolvimento de outra, mesmo que
não haja aí uma intervenção direta. Por exemplo, ampliando o vocabulário e o potencial de
comunicação do sujeito, sua interação social certamente será aprimorada e as manifestações
comportamentais inapropriadas tenderão a diminuir. Ou, inversamente, quanto maior for a
dificuldade de comunicação, mais difícil será a interação social e mais frequentes e intensas
as manifestações comportamentais.
É importante lembrar também que, mesmo dentro de cada um dos aspectos da tríade
há uma grande variação na extensão do comprometimento do individuo. Este pode ter poucas
áreas do desenvolvimento afetadas e apresentar pequeno prejuízo funcional, até ter a maioria
47
Diante do exposto, trataremos então a seguir sobre a proposta de educação para este
alunado, com foco voltado para a discussão em torno da Educação Inclusiva.
Reconhecer que implementar tal política não é tarefa simples, pois uma educação
inclusiva – no sentido em que a proposta foi concebida - coloca em cheque os
pressupostos que consubstanciam a Escola como a conhecemos: meritocrática,
seletiva, excludente e, de modo geral, em nosso país de baixa qualidade.(...) A
transformação de uma escola tradicional em escola inclusiva é um processo político
pedagógico complexo, que envolve atores (professores e alunos, e suas famílias) e
cenários (escolas diferentes inseridas em diferentes comunidades) reais, e não basta
para isso ter vontade política e disponibilizar recursos financeiros e/ou materiais.
(p.77 -78).
Especial no mesmo período, que foi de 14,7%. Em 2006, esse mesmo órgão divulgou o total
de 95.860 matrículas de alunos com “condutas típicas” na Educação Básica, sendo 22.080 em
classes e escolas especiais e 73.780 em classes comuns, representando 23% do total de
matriculas em escolas/classes especiais e 77% em classes comuns.
Gomes e Mendes (2010) apresentam dados semelhantes, pontuando que o número de
matrículas de alunos com autismo nas escolas, ainda que esteja crescendo, deveria ser mais
significativo. Como a prevalência de sujeitos com autismo é maior, por exemplo, do que
com Síndrome de Down, o quantitativo de matrículas também deveria ser. De acordo com o
censo escolar do MEC/INEP de 2007 as matrículas de alunos com Síndrome de Down
correspondem a 5,9% do total dos alunos considerados especiais, enquanto que no caso do
autismo este percentual não ultrapassa 1,5% deste alunado.
Nas palavras das autoras:
Ou poucos alunos com autismo estão matriculados em escolas, sejam elas regulares
ou especiais, ou muitos alunos com autismo foram enquadrados em outras
categorias, como a de condutas típicas, que representa 12,4% das matrículas, ou
mesmo na de deficiência mental que representa 43,4%. As duas hipóteses são
bastante viáveis, considerando que a complexidade da condição do autismo pode ser
um fator que dificulte a entrada de pessoas com esse diagnóstico em escolas. Por
outro lado, a falta de diagnóstico diferencial mais preciso pode levar ao
enquadramento dessas pessoas na categoria de condutas típicas, devido a presença
de comportamentos típicos no autismo, ou ainda na categoria de deficiência mental,
em função da alta porcentagem de deficiência intelectual associada ao autismo.
(GOMES e MENDES, 2010, p.377)
Serra e Vilhena (2009) afirmam que a inclusão não deve ser vista como o único
modelo educacional para este alunado e ressaltam a importância de sermos criteriosos diante
da decisão de incluir crianças com autismo nas escolas comuns. As autoras contribuem
afirmando que:
A inclusão é uma filosofia e não uma metodologia, e que a criança autista deve
usufruir da educação em um ambiente intensivo de aprendizagem. Isto pode ocorrer
dentro ou fora de uma classe inclusiva, ou ainda de uma forma intermediária entre
ambas as propostas. O que definirá em qual das propostas a criança estará serão
as próprias características do indivíduo e a condições da escola. (p.151, grifo
nosso)
Para a tomada de decisão sobre a inclusão da criança com autismo na escola comum, é
importante considerar além das características particulares do sujeito, o ambiente escolar onde
esta criança seria inserida, e o contexto familiar do aluno. Todos estes cenários devem ser
investigados para que seja possível a elaboração de um programa educacional de qualidade.
Neste sentido é preciso saber se a escola mais próxima da residência do aluno é
realmente a que apresenta melhores condições de inclusão. Esta deve possuir turmas com um
quantitativo de alunos, no mínimo obedecendo aos critérios estabelecidos nos documentos
oficiais (e não ultrapassando o estipulado), e contar com quadro de professores fixos (e que
não realize substituições constantes). Tem que ser uma escola que esteja “aberta” a realizar
alterações em sua dinâmica, caso seja necessário, a fim de viabilizar a adaptação do aluno
com autismo, como por exemplo, substituir o uso de um sinal sonoro alto, caso este seja
causador de comportamentos agressivos no aluno, por um de menor intensidade sonora.
Também é preciso determinar quais os profissionais que, de fato, terão condições de se
comprometer de imediato e de forma próxima com o cotidiano do processo inclusivo a ser
iniciado. Muito importante é saber se o professor da turma que o aluno frequentará tem
conhecimentos sobre a síndrome, bem como sobre metodologia e estratégias de ensino
voltadas para o trabalho com este alunado. E, em caso negativo, que estratégias de suporte
serão oferecidas em curto prazo pela Educação Especial, para promoção do trabalho.
Para melhor planejar a estratégia educacional é fundamental conhecer a realidade
familiar da criança, sua composição (quantos e quais responsáveis e dependentes diretos
residem no mesmo ambiente), suas condições econômicas e de saúde e, principalmente, se
terão condições reais e imediatas de responder às demandas que a nova realidade certamente
apontará. Ter a participação direta de um responsável próximo à escola no momento da
adaptação da criança é um fator importante.
52
23
Geralmente esta é uma decisão conjunta entre a família, a instância governamental local responsável pela Educação
Especial (no caso da rede pública de ensino) e a própria unidade escolar promotora da inclusão.
54
(...) Ninguém pode negar que a realidade social, o ensino, a instituição educacional e
as finalidades do sistema educacional evoluíram e que, como consequência, os
professores devem sofrer uma mudança radical em sua forma de exercer a profissão
e em seu processo de incorporação e formação. (p.13)
24
Glat e Pletsch (2011),com base nos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2008) colocam que 80%
dos brasileiros entre 8 e 14 anos não sabem ler e escrever em nível compatível com a série em que se encontram.(p.27)
55
O destaque acima nos remete a pensar sobre que tipo de formação seria capaz de
tornar os professores aptos a responder às necessidades educacionais especiais dos alunos
especiais que ingressariam no ensino comum. Entendemos que conhecimentos específicos
sobre as características relacionadas aos quadros diagnósticos que esses alunos apresentam, a
acessibilidade ao currículo, recursos e tecnologias disponíveis para o trabalho com este ou
aquele aluno, assim como estratégias pedagógicas de atuação em sala de aula com este
público, devem fazer parte dos programas de formação.
No entanto, considerando a diferença entre os conceitos de deficiência e necessidade
educacional especial, a questão se torna um pouco mais complexa. Sobre esta questão, Glat e
Blanco (2009) lembram que:
25
Até o presente o Plano ainda não foi votado pela Câmara dos Deputados Federais.
http://noticias.terra.com.br/educacao/noticias/ Acesso em 14 de junho de 2012, constituindo-se portanto como
Projeto de Lei. Disponível em www.mec.gov.br Acesso em 14 de junho de 2012.
58
necessidade educacional especial, por sua vez está intimamente relacionado à interação do
aluno à proposta ou realidade educativa com a qual ele se depara. Necessidade educacional
(...) é a demanda de um determinado aluno em relação a uma aprendizagem no contexto
em que é vivida. (p.26, grifo das autoras)
Para Schön (1983), quando os professores conseguem refletir sobre a própria prática que
desenvolvem, vão dando sentido a esta, ao mesmo tempo em que avaliam a compreensão das
experiências que vivenciam. É sob este enfoque que o processo de reflexão sobre a prática
além de tornar-se um importante recurso de formação docente, instala no professor uma
postura interrogativa, através da qual ele constrói seu saber. (FONTES, 2009, p.60)
contra este sentimento de impotência, muitos professores acabam rejeitando os que não se
enquadram no perfil de aluno que se consideram aptos a trabalhar.
De acordo com Glat e Pletsch (2011):
Atuar numa unidade escolar, hoje, requer que o educador possua uma significativa
capacidade para entender a instituição, sua posição no sistema, sua inserção nas
dimensões culturais dos alunos, suas idiossincrasias, suas relações internas e,
fundamentalmente, que saibamos olhar para os alunos como se constituindo nestas
relações. Concepções mecanicistas, lineares, claramente hierarquizadas de ensino e
currículo, processos pedagógicos centrados nos docentes, assim como concepções
psicométricas ou homogeneizantes de alunos, aliadas a concepções patologizantes
de qualquer dificuldade ou fracasso escolar, não mais contribuem com ações que
estão sendo requeridas para a inserção escolar dos alunos com deficiência.
(FERREIRA e FERREIRA, 2004, p.43)
para a implementação da proposta. E essa atenção deve abranger como propõe Bueno (1999),
tanto professores “generalistas” do ensino regular, para que tenham um mínimo de
conhecimento e prática sobre alunado diversificado, quanto professores especialistas no
atendimento de alunos com diferentes necessidades educacionais especiais.
3.2 A parceria entre o ensino especial e o regular no processo de inclusão de alunos com
necessidades educacionais especiais
É preciso, no entanto, atentar para o fato de que oferecer suporte não significa, em
uma visão simplista, deslocar o trabalho desenvolvido pela Educação Especial para o espaço
da sala de aula comum. A idéia é que o diálogo entre os dois sistemas aconteça como um
processo de “mão dupla”. Deve ser uma parceria que oportunize, por um lado, aos professores
e demais profissionais do ensino comum, condições para a organização de propostas
pedagógicas individualizadas, isto é, que os professores possam elaborar e aplicar as
adaptações curriculares que venham a atender às necessidades educacionais especiais
apresentadas por cada um dos alunos com necessidades especiais incluídos em suas turmas.
E por outro lado, é importante que este diálogo promova junto aos professores do
ensino especializado, a aproximação do contexto da escola comum. Desta forma, eles
aumentarão suas possibilidades de ampliar seus conhecimentos sobre os processos de ensino e
aprendizagem, distanciando o foco das dificuldades específicas do alunado que esteve por
longos períodos exclusivamente sob sua responsabilidade. Acreditamos que este enfoque
possibilitará, também, ao professor até então envolvido diretamente somente com os alunos
especiais, a desenvolver estratégias mais voltadas para o ensino de habilidades acadêmicas. O
que significa que terão mais conhecimento prático sobre esse trabalho e poderão diminuir a
prevalência no desenvolvimento de habilidades sociais e de vida autônoma, como por
exemplo, comportar-se de forma adequada em diferentes ambientes ou alimentar-se e
higienizar-se com autonomia.
62
Por um lado, os professores do ensino regular não possuem preparo mínimo para
trabalhar com crianças que apresentam deficiências evidentes e, por outro , grande
parte dos professores do ensino especial tem muito pouco a contribuir com o
trabalho pedagógico desenvolvido no ensino regular. Isso se dá por esses professores
terem calcado e construído sua competência nas dificuldades específicas no alunado
por eles atendido, pois o que tem caracterizado a atuação de professores de surdos,
de cegos, de deficientes mentais, com raras e honrosas exceções, é a centralização
quase absoluta de suas atividades na minimização dos efeitos específicos das mais
variadas deficiências. (p.5)
26
Ver Gráfico nº 1(p.34), com distribuição dos alunos com necessidades educacionais especiais, apresentado no
primeiro capítulo desse estudo.
64
4.1 Projeto de Acompanhamento a Inclusão dos Alunos com Autismo como estratégia
de formação continuada de professores
27
A Unidade de Trabalho Diferenciado também oferece Sala de Recursos para alunos com Altas
Habilidades/Superdotação.
65
Eram muitas as questões colocadas pelos pais desses alunos, para as quais não
tínhamos respostas:
É válido destacar que o município, de acordo com aparato legal de âmbito nacional,
garante às famílias o direito de matricular seus filhos nas escolas comuns, independentemente
da necessidade educacional especial que apresentem. Assim, o processo de encaminhamento
do aluno para o ensino especial, ocorre através da escola comum. Caso o aluno não apresente
laudo médico, ele é automaticamente matriculado no ensino comum e havendo identificação
pela escola de alguma especificidade na aprendizagem inicia os procedimentos para ingresso
no ensino especial. E, havendo apresentação, no ato da matrícula de laudo médico de
deficiência auditiva, visual, transtorno global do desenvolvimento, inicia a frequência no
ensino especial, em uma das três escolas especiais de médio porte no município28, para em
seguida ser decidido sobre quando e de que forma será iniciada sua inserção no ensino
comum. (GLAT, PLETSCH, 2011)
Acreditamos que a diferença de postura desse segundo grupo de famílias, deve-se a
estes terem menos conhecimento sobre o trabalho desenvolvido na Educação Especial,
estarem mais suscetíveis à “propaganda” da inclusão e, principalmente terem menos ou
nenhuma história de rejeição e exclusão escolar.
De qualquer forma, independente da posição tomada, cada família se manifestava com
base no que conhecia sobre seu filho, sobre suas experiências de vida e de convívio. Falavam
do lugar de pais e mães, com toda a carga emocional que essa posição comporta. Já a equipe
da UTD, tinha a visibilidade do conjunto dos alunos podendo compreender e aceitar tanto os
pais que rejeitavam a idéia de ter seus filhos matriculados na escola comum, quanto os que
defendiam as possibilidades de sucesso na inclusão escolar de seus filhos, desde que fossem
tomadas providências administrativas e pedagógicas necessárias para a efetivação da proposta
de inclusão.
Certamente, também havia por parte da equipe um viés emocional na discussão.
Como lembra Nóvoa (1992), é preciso considerar e valorizar o professor como pessoa. No
entanto, era necessário que a escola apresentasse para os pais uma proposta de ação, algo
concreto que apontasse uma alternativa. Paralelamente a esse contexto, o poder público local,
representado pela Secretaria Municipal de Educação Ciência e Tecnologia, por sua vez,
mantinha a posição de neutralidade diante da questão.
A equipe UTD, então, tomou a iniciativa de iniciar um processo de reflexão, visando
elaborar uma proposta de acompanhamento da inclusão de alguns alunos, que fosse eficaz,
mas não colocasse em risco a forma de organização do trabalho pedagógico que já vinha
28
A Escola Municipal para Deficientes Visuais (EMDV), a Escola Municipal de Educação de Surdos (EMES) e a Unidade de
Trabalho Diferenciado ( UTD).
67
29
O decreto de autorização de funcionamento da UTD foi emitido pelo Conselho Municipal de educação em 21 de maio de
2007, o qual foi, posteriormente, substituído pelo Decreto n° 8.256, de 28 de fevereiro de 2012.
30
O Artigo 23 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional define que: “A educação básica poderá organizar-se em
séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na
idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de
aprendizagem assim o recomendar” (BRASIL, 1996) .
31
O artigo 21 da mesma lei esclarece que : “ I - educação básica,formada pela educação infantil, ensino fundamental e
ensino médio;”. Tal organização contempla a oferta de educação especial, dado seu caráter de transversalidade (BRASIL,
1996).
32
O Currículo Funcional Natural, foi originalmente desenvolvido na Universidade de Kansas, nos anos 1970, para crianças
na faixa etária de quatro e cinco anos. Na década de 1980 a proposta inicial foi adaptada no Peru, pelas Drs. Liliana Mayo e
Judith Le Blanc, para o trabalho com pessoas com autismo (SUPLINO, 2009). Tem como principais objetivos ampliar o
potencial de independência e desempenho do aluno, além de possibilitar sua melhor aceitação social. A palavra funcional se
refere à maneira como os objetivos educacionais são escolhidos para o aluno, enfatizando que aquilo que ele vai aprender
tenha utilidade para sua vida a curto ou em médio prazo. A palavra natural diz respeito aos procedimentos de ensino,
ambiente e materiais os quais deverão ser o mais semelhantes possível aos que encontramos no mundo real. Além disso, a
aprendizagem deve ser prazerosa e de forma que o aluno tenha o menor número de erros possíveis.
68
33
O mediador de aprendizagem é um profissional que atua como suporte para os alunos com deficiências múltiplas e autismo
incluídos em classe comum ou em escola especial. Na UTD ajudam no exercício de atividades como banho, troca de fraldas,
higienização, alimentação e bem como assistem ao professor na dinamização de atividades pedagógicas.
69
Partindo destes pressupostos, logo no primeiro encontro foram levadas propostas para,
a partir de um diálogo coletivo, traçarmos o “desenho” dos demais encontros. Precisávamos
conhecer as expectativas e anseios dos profissionais, e principalmente, conhecer suas idéias a
respeito da inclusão do aluno com autismo, para então estruturarmos os próximos passos.
Neste momento surgiu uma grande dúvida: será que os dois grupos envolvidos no
processo de inclusão do aluno com autismo – escola comum e escola especializada,
pensavam a inclusão com os mesmos objetivos e expectativas? Na tentativa de elucidarmos
essa questão, realizamos, em momentos distintos, uma sondagem, utilizando um questionário
que foi entregue aos participantes para que respondessem por escrito. (Anexo B)
70
Com base nos dados obtidos com esse instrumento, estabelecemos alguns pontos que
pareciam ser consenso entre os dois grupos:
A inclusão escolar traz ganhos para o aluno;
O trabalho com alunos com autismo incluídos em turmas comuns requer suporte e
formação para os profissionais envolvidos;
A escola precisa oferecer estrutura adequada, inclusive com mediador ou professor
especializado;
Inclusão escolar demanda a organização de adaptações curriculares;
É importante que o aluno esteja recebendo acompanhamento clínico para ser
incluído no ensino comum.
34
Semanalmente ocorre nas escolas comuns da rede municipal de ensino de Angra dos Reis, um espaço/tempo de discussão
coletiva entre os professores e equipe técnico-pedagógica. São os períodos de “coordenação pedagógica”, com duas horas e
meia de duração, os quais possuem pauta previamente elaborada, tendo como base a condução do Projeto Político
Pedagógico das unidades escolares. Ao longo do mês, devem ser realizadas dez horas de atividades de coordenação
pedagógica. (ANGRA DOS REIS, 2008).
71
Para alcançar este objetivo foi organizada uma agenda de visitas às escolas comuns
pela pedagoga da UTD, visando observar o espaço da sala de aula, o comportamento do aluno
neste diferente contexto escolar, bem como as formas em como a professora interagia com
ele. Para orientar esta ação, foi elaborado um roteiro para registro das observações. (Anexo C)
A partir deste registro era feito um relatório incluindo os principais aspectos observados e
encaminhadas sugestões para a prática pedagógica do professor. (Anexo D)
Esta foi, em suma, a organização do Projeto de Acompanhamento à Inclusão do Aluno
com Autismo no primeiro ano de seu desenvolvimento. No último encontro, realizado em
dezembro de 2010, foi feita uma avaliação por todos os participantes - profissionais da UTD e
professoras das escolas comuns. Os seguintes pontos positivos foram destacados: as temáticas
das reuniões, a oportunidade para troca de experiências, as visitas da pedagoga da UTD às
escolas comuns, e a estratégia da Agenda da Inclusão. Também foi considerada relevante a
participação de profissionais da Fonoaudiologia e Psicologias integrantes da equipe da UTD
nos encontros, trazendo contribuição sobre as áreas de linguagem/comunicação e
comportamento, com abordagens teóricas e práticas.
Como aspectos que deveriam ser aprimorados foram elencados: maior frequência da
pedagoga nas visitas às escolas, realização de mais atividades em que fossem demonstradas as
práticas desenvolvidas nas classes da UTD, maior participação da direção/pedagogos das
72
escolas comuns nos encontros, garantia de um mediador para os alunos com autismo incluídos
na turma comum35, participação das famílias para conhecimento sobre o processo de inclusão
escolar de seus filhos, e registro das adaptações curriculares pelas professoras (pois nem
todas sistematizavam as adaptações curriculares que realizaram).
Esta avaliação constitui-se como elemento fundamental para a reestruturação do
Projeto em 2011. Nesse ano, o trabalho foi retomado com um novo grupo de participantes,
uma vez que as professoras das classes comuns que os alunos com autismo estavam
frequentando eram outras. No início do ano letivo, a UTD tinha 12 alunos participando do
processo de inclusão, distribuídos em dez unidades distintas (nove escolas e uma creche).
Estes foram divididos em dois grupos de seis alunos, que eram acompanhados através de
visitas às suas escolas por duas pedagogas36, sendo eu, uma delas.
As linhas gerais e estrutura do Projeto foram mantidas, porém, considerando a
avaliação realizada, o número de encontros previstos foi ampliado para oito (eram seis em
2010), com carga horária de quatro horas. Os encontros aconteceram mensalmente com início
em março e término novembro, excluindo o mês de julho devido ao recesso escolar. Outro
aspecto pertinente foram as visitas realizadas às escolas durante 2010, que trouxeram
inúmeras reflexões. Tal experiência, somadas às discussões coletivas sobre inclusão escolar
de alunos com necessidades especiais realizadas no âmbito do grupo de pesquisa do
PROPEd37 foram fatores decisivos para a opção metodológica da pesquisa-ação como linha
de investigação.
E assim, no início de 2011, apresentei à UTD a intenção de eleger o Projeto de
Acompanhamento à Inclusão como objeto de estudo da dissertação de mestrado. Em minha
proposta, o Projeto de formação continuada, desenvolvido através dos encontros mensais, se
constituiria como “pano de fundo” da pesquisa, envolvendo, de forma geral, todo o grupo de
profissionais (da UTD e do ensino comum), participantes deste. Porém, o foco principal
seriam dois estudos de casos com duas professoras, as quais seriam acompanhadas de forma
mais sistemática.
35
Embora não fosse competência da UTD disponibilizar o profissional. Entendemos que o espaço foi utilizado pelos
professores como “reforço” à solicitação feita junto à Secretaria de Educação, principalmente pelo fato de outros quesitos não
estarem sendo respeitados, dentre eles, por exemplo, a redução do número de alunos diante da presença de um aluno
“especial”. Nesse caso, mesmo que o aluno com autismo não demandasse a presença de um mediador para atuação direta
com ele, seria um suporte ao professor na condução da dinâmica pedagógica de forma geral, o que resultaria em melhor
qualidade no trabalho a todos os alunos da classe.
36
Continuei em 2011 compondo o quadro funcional da UTD como pedagoga e uma nova integrante da equipe, com a mesma
função, foi disponibilizada pela Secretaria de Educação, para atendimento à demanda de acompanhamento à inclusão nas
escolas comuns, conforme registrado na avaliação do ano anterior.
37
Inclusão Escolar de Alunos com Necessidades Educacionais Especias no Ensino Regular: Práticas Pedagógicas e Cultura
Escolar, coordenador pela Profª Drª Rosana Glat. www.eduinclusivapesq-uerj.pro.br
73
A idéia era, com base nas discussões e reflexões realizadas nos encontros na UTD,
investigar a prática de duas professoras frente ao processo de inclusão de um aluno com
autismo em suas classes. Especificadamente, avaliar os efeitos do suporte direto oferecido
pela Educação Especial, como parte das ações do Projeto.
Como será posteriormente descrito, os estudos de caso foram desenvolvidos por meio
da metodologia da pesquisa-ação, constituído de observação e acompanhamento direto, nas
salas de aula, da prática pedagógica de duas professoras, bem com de sua participação no
Projeto.
Os encontros do Projeto ocorreram de março a novembro de 2011, e contaram com a
participação regular de 12 professoras regentes das classes comuns em que os alunos da UTD
estavam incluídos, além de 23 outros profissionais (mediadores, diretores, pedagogos,
professor de sala de recursos e representantes da Secretaria de Educação) que tiveram
frequência mais esporádica. Estes encontros, que tinham como objetivo orientar o exercício
da prática docente, privilegiando a discussão dos aspectos legais, teóricos e práticos do
processo de inclusão escolar de alunos com autismo (ANEXO E).
O primeiro encontro, que ocorreu no mês de março, priorizou a socialização entre os
participantes e a apresentação da proposta. Seguindo a dinâmica de trabalho de 2010, para
todos os demais encontros foram sugeridas atividades de desdobramento a serem realizadas
no espaço da escola comum. Na medida em que, como já mencionado, as professoras
participantes eram iniciantes na experiência do trabalho de inclusão escolar de alunos com
autismo, a primeira temática foi procurar estabelecer um novo olhar para esse aluno. O
objetivo era que as docentes percebessem, entre outros aspectos, a maneira como os alunos se
comportavam e se comunicavam diante das situações vivenciadas na sala de aula e na escola,
de modo geral. Era preciso que os professores observassem seus alunos, investigassem quem
eram esses alunos, e mais, quem eram esses alunos no contexto das interações e relações
experimentadas na classe comum.
Assim, era importante, primeiro, saber o que tornava o seu aluno “diferente” dos
demais para, em seguida refletir sobre as possíveis ações para atendimento de suas
necessidades educacionais especiais. Este olhar individualizado é importante, pois, ainda que
os alunos tivessem o mesmo diagnóstico, isto não significava que apresentariam as mesmas
necessidades educacionais especiais. Como lembram Glat e Blanco (2009):
5 A PESQUISA DE CAMPO
O pesquisador pretende ser aquele que acolhe e recebe o estranho. Abandona seu
território, desloca - se em direção ao país do outro, para construir uma determinada
escuta da alteridade, e poder traduzi-la e transmiti-la. (p.26).
Estávamos certas que durante a pesquisa, este deveria ser o exercício: distanciar o
olhar e assim permitir o estranhamento necessário para questionar e refletir sobre o
aparentemente natural. O desejo não era de estabelecer um afastamento fantasioso do
contexto, mas sim de estar sempre alerta ao compromisso de refletir e ter uma atitude de
crítica sobre o trabalho, para então ser possível intervir e colaborar na busca por melhores
repostas educativas no processo de inclusão dos alunos eleitos para o estudo.
Considerávamos que esse movimento de reflexão também poderia, inclusive, interferir
na proposta de formação continuada realizada através do desenvolvimento do Projeto, na
medida em que as escolas eleitas para o estudo também participarem do Projeto. Assim,
questões relativas às suas realidades poderiam ser temas de diálogo entre os demais
professores e desencadeadoras do aperfeiçoamento da proposta em andamento.
38
Alguns autores optam por adjetivar a metodologia pesquisa-ação com termos como: colaborativa, emancipatória, crítico-
colaborativa, reflexivo-crítico-colaborativa. No intuito de evitar o uso de variadas terminologias e explicações conceituais,
no decorrer do texto utilizaremos somente pelo termo pesquisa-ação, pois consideramos que este agrega por si só as
características de crítico e colaborativa.
77
De acordo com André (2003), após os estudos norte americanos com base em Lewin,
várias outras correntes surgiram, nas ultimas décadas sendo responsáveis pelo “vasto mosaico
de abordagens teórico-metodológicas” (FRANCO, 2005, p.483).
Sobre o caráter de criticidade e reflexão deste tipo de pesquisa, Franco (2005),
colabora com a discussão, trazendo que:
39
Lembramos, como já menciona, que o trabalho de acompanhamento pedagógico foi mantido para todas as professoras
integrantes do Projeto.
78
Vale destacar, que “a pesquisa- ação envolve sempre um plano de ação, plano esse que
se baseia em objetivos, em um processo de acompanhamento e controle da ação planejada e
no relato concomitante desse processo” (ANDRÉ, 2003, p.33) Esta autora, aponta, também,
que após os primeiros passos para realização de uma pesquisa-ação (definir o problema, o uso
de instrumentos e técnicas de pesquisa para conhecimento do problema e o delineamento de
um plano de ação), a preocupação maior é busca por aprimoramento, pela descoberta de
conhecimentos que possibilitem uma melhor forma de transformar a realidade.
Essa vem a ser o principal objetivo da presente pesquisa: intervir na realidade na
tentativa de transformá-la, tendo como ponto de partida o problema comum ao sistema de
ensino regular e espacial, ou seja, o como implementar e desenvolver a inclusão escolar de
alunos com autismo no contexto da escola comum. Glat e Pletsch (2011), ao discutirem
pesquisa-ação, colocam tratar-se de:
Os sujeitos focais da pesquisa foram duas professoras do ensino comum que tinham
em suas classes alunos com autismo, e que voluntariamente aceitaram participar do estudo.
Na escolha dos participantes, definimos alguns critérios. Primeiro, as professoras
deveriam ser integrantes do Projeto de Acompanhamento à Inclusão do Aluno com Autismo,
desenvolvido pela UTD e compor o quadro efetivo da rede, a fim de não inviabilizar a
pesquisa por conta de possível interrupção do contrato de trabalho. Para permitir maior
amplitude dos dados, deveriam atuar em escolas e em anos de escolaridade diferentes.
Os alunos deveriam estar frequentando os anos iniciais da escola comum e não ter
vivenciado nenhuma outra experiência de inclusão onde o suporte do trabalho não tivesse sido
oferecido pela UTD. Deveriam também frequentar a UTD em turno contrário ao da escola
comum, em grupos diferentes e possuir laudo médico indicando o autismo e não outro quadro
diagnóstico do grupo do Transtorno Global do Desenvolvimento.
As professoras selecionadas foram Lúcia40 e Sara e seus respectivos alunos, Júlio e
Igor. Lúcia atuava com Educação Infantil, em classe de Pré-escola, em um Centro Municipal
de Educação Infantil (CEMEI). Na ocasião da pesquisa, Lúcia tinha 26 anos de idade,
licenciatura em Pedagogia e quatro anos de experiência docente, sendo dois na rede municipal
de ensino de Angra dos Reis. Já havia tido em uma de suas classes um aluno com Síndrome
de Down.
A outra professora foi Sara que atuava em classe de alfabetização41. Também
licenciada em Pedagogia, com 37 anos de idade e 16 anos de docência, havia trabalhado
durante um ano como professora de classe especial, porém não com alunos com autismo.
Tratava-se então da primeira vez que cada uma das professoras estava desenvolvendo um
trabalho pedagógico com esse alunado.
40
Todos os nomes são fictícios para preservar a identidade dos sujeitos.
41
De acordo com a Resolução nº 2 de 2011da Secretaria Municipal de Educação de Angra dos Reis, a então chamada classe
de alfabetização passa a ser nomeada de 1º ano de escolaridade. (ANGRA DOS REIS, 2011) No decorrer do texto faremos
então uso desta denominação.
81
Igor, na ocasião da pesquisa tinha sete anos de idade, e cursava o primeiro ano de
escolaridade. Ele residia com seu pai, sua mãe e um irmão mais velho, em um bairro de
periferia da cidade. A família era originária da Bahia, tendo vindo para o município em busca
de trabalho e melhores condições de vida.
O aluno apresentava quadro característico do autismo infantil, também confirmado em
diagnóstico clínico. Começou a frequentar a UTD em 2009, aos cinco anos de idade. Neste
mesmo ano, no segundo semestre, iniciou sua primeira experiência de inclusão na rede
pública de ensino, em turma de Educação Infantil, na mesma escola onde a pesquisa foi
desenvolvida. O aluno cursou a Educação Infantil desde o final de 2009 até 2010, estando em
idade compatível para esta etapa de escolarização. Em 2011 acompanhou sua turma para a
classe de alfabetização.
42
Centro de Apoio Psicossocial Infantil, instituição ligada à Secretaria de Saúde para o atendimento clínico de crianças e
adolescentes.
82
[...] uma rede de significados sobre o fenômeno ou o assunto que está sendo
investigado. [...] Na entrevista não estruturada, o entrevistador não conta com um
roteiro previamente definido, e as questões vão sendo pautadas sobre o próprio
conteúdo de fala do entrevistado. (MANZINI, 2008, p.17-18)
Para análise dos dados, partimos das leituras e releituras do material coletado, tendo
como base o referencial teórico inicialmente selecionado, acrescido, posteriormente de outros
estudos que foram consultados para colaborar com as interpretações.
Como etapa final desse momento da pesquisa criamos categorias de análise, para
agrupamento e classificação dos dados coletados nas observações, transcrições de entrevistas
e documentos analisados. Para tal, utilizamos a análise temática, por sugerir recortes de um
assunto ou de um tema. (MANZINI, 2008)
Com o intuito de facilitar a organização e a apresentação da diversidade de dados
obtidos estruturamos o trabalho em três fases distintas (porém interligadas) as quais
compreendem categorias temáticas. A Fase 1, consistiu da avaliação inicial do contexto da
sala de aula, abrangendo as situações e eventos relacionados diretamente com o processo de
inclusão dos alunos com autismo. Denominamos essa fase de avaliação inicial e a ela foram
atribuídas duas categorias temáticas. Na primeira agrupamos os dados que faziam referência
aos primeiros contatos com a escola e a sala de aula, os sentimentos dos professores e suas
decisões iniciais sobre a inclusão escolar dos alunos com autismo. A segunda categoria
abrangeu as decisões iniciais dos professores em relação à inclusão escolar dos alunos e
nossas primeiras análises.
A Fase 2 compreendeu a pesquisa-ação propriamente dita, configurando-se pelas
orientações diretas aos professores, a partir da realidade observada na fase anterior. Para
análise dos dados coletados durante esta fase, construimos três categorias. A primeira
abrangia as reflexões realizadas pelas professoras (junto com a pesquisadora ou não), as quais
constituíram como hipóteses para as tomadas de decisões referentes à prática pedagógica com
os alunos com autismo. Na outra categoria foram organizados dados sobre decisões e ações
relativas ao processo de inclusão dos alunos. A terceira categoria refere-se ao processo
evolutivo dos alunos, isto é, às respostas que eles foram apresentando a partir das intervenções
realizadas.
Na Fase 3, também desdobrada em três categorias, representa a avaliação final do
trabalho realizado. A primeira categoria é à visão dos professores e colegas de turma dos
alunos com autismo, sendo o foco o suporte oferecido pela Educação Especial e as mudanças
observadas nos alunos alvo. Na segunda categoria incluímos a avaliação dos professores
sobre a experiência vivida e, por último, expectativas dos professores sobre a continuidade do
processo de escolarização dos alunos com autismo.
O quadro 2 sintetiza a estrutura metodológica utilizada para categorização e análise
dos dados coletados na pesquisa:
85
Como se tratam de dois estudos distintos, nos próximos dois capítulos discutiremos os
dados obtidos a partir da análise qualitativa dos dados coletados.
86
43
A equipe técnico- pedagógica da escola explicou a dificuldade em acomodar o conjunto de carteiras comuns aos demais
alunos da escola no espaço disponível, pois para tal, seria necessário , o uso de uma sala de aula maior, indisponível no
momento.
88
escola, a presença desse profissional seria muito válida, uma vez que a professora precisava
dar atenção e alfabetizar os demais alunos e Igor, de certa forma, dificultava esse processo
pois não era possível atender à demanda do aluno e do restante da turma ao mesmo tempo.
No primeiro contato com a escola para o início da pesquisa a professora Sara nos
recepcionou e foi logo tratando sobre a possibilidade de não manter um dia fixo para as
visitas. Como a turma tinha uma rotina semanal de atividades, ela sugeriu que a alternância
nos dias de visitas nos possibilitaria observar o grupo em diferentes situações de
aprendizagem. Consideramos que a atitude da professora demonstrou que estava aberta à
pesquisa, uma vez que não solicitar agendamento das visitas significava que não a intenção de
“preparar o ambiente” e sim permitir a observação em sua versão natural.
Encontramos Igor nesta primeira visita sentado próximo à mesa da professora, que
nos informou não tratar-se do lugar que o aluno ocupava todos os dias. Segundo Sara, nos
primeiros meses de aula, Igor não aceitava sentar em lugares diferentes, tendo fixado por
escolha própria um lugar na sala para usar todos os dias, demonstrando o apego a rotina
característico de crianças com quadro de autismo.
A orientação realizada através do Projeto junto aos profissionais das escolas comuns
era buscar que a criança gradativamente permitisse a diminuição da rotina exacerbada. O
objetivo era desenvolver nos alunos a flexibilidade necessária para lidar com situações
inesperadas comuns no dia a dia. E Sara assim procedeu durante o primeiro semestre. Aos
poucos, começou a “permitir” que outro aluno estivesse no lugar que considerava como o dele
e a aceitar a troca de lugar. Segundo a professora, por vezes ele ficava na frente da sala, por
outras no fundo ou no meio, mais próximo aos outros alunos.
Igor não demonstrava, à primeira vista, nenhuma característica que evidenciasse ter
uma necessidade educacional especial. No entanto, algumas visitas de observação nos
permitiram perceber sua forma de estar no grupo e identificar, também no espaço da escola
comum as manifestações de características que enquadravam a criança no quadro diagnóstico.
Igor costumava balançar sucessivas vezes os braços, levantar e abaixar os ombros e
em seguida bater o lado posterior dos dedos nos objetos a que tinha acesso, e por vezes, até
nas pessoas que estavam por perto. Também virava a mão com a palma voltada para si e as
costas para o objeto (livros, mesas, cadeiras, portas, mochila e o que mais encontrasse) e batia
sucessivas vezes com o dedo médio e anular, sempre pronunciando o som “Iiiiiiiiiiiiiiii...”. Ele
89
emitia esse mesmo som e/ou movimentos com maior intensidade diante de situações que lhe
causavam excitação, alegria ou medo.
O aluno pouco utilizava linguagem oral para se comunicar. Falava muito poucas
palavras, e quando o fazia, na maioria das vezes, era repetindo o que ouvia, sempre com fala
muito rápida, associada a gestos. Interagia com os colegas de turma, aproximando-se deles,
estabelecendo contato ocular, embora muito rapidamente. Igor também manipulava os
pertences das outras crianças, que não o repreendiam por isso, como faziam entre si. Nesses
momentos tentavam estabelecer algum diálogo, mas ao não terem o retorno, desistiam e se
afastavam. Três crianças em especial tinham um contato mais próximo com Igor, dois
meninos e uma menina, assumindo por vezes o papel de “cuidadores” dele, procurando
adivinhar seus desejos e prontamente atendê-los, conforme ilustramos na nota de campo:
Igor anda de um lado para outro da sala e pronuncia: “Iiiiiiiiiii!” Sacode os ombros e
balança os dedos. A professora diz: “Hoje ele não está bem”. B pergunta: O que
você quer? Abaixa-se e olha para o rosto do aluno. Igor afasta B com os braços. Ele
continua. A professora explica as atividades. Igor vai até a caixa de brinquedos.
Mexe e remexe e aumenta os movimentos e os sons. L. outra aluna se aproxima,
olha para mim olha e diz: “Já sei, ele quer pegar aquela girafa que ele gosta.” A
aluna L. vai até a caixa. Igor a acompanha. Ela revira vários brinquedos e pega uma
girafa que está ao fundo. Entrega o brinquedo a Igor que aceita e diz: “Iiiiiiiiiiii....”
O aluno junta a girava com um carrinho e um caminhão e deita-se no chão da sala
para brincar ” (Nota de campo, 09 de setembro de 2011)
Igor demonstrava grande interesse por materiais escritos, sendo capaz de ficar bastante
tempo com a atenção voltada exclusivamente, por exemplo, para a lista de bibliografia
utilizada em um livro didático ou para as letras grafadas no estojo de hidrocor ou lápis de cor.
Concentrava-se nessas atividades por bastante tempo, principalmente quando estava ocioso ou
quando não entendia a proposta da professora para classe. Igor não acompanhava
academicamente a turma. Também se dirigia para a janela e ficava observando o movimento
de outras pessoas no pátio ou mesmo o balançar das folhas das árvores, voltando a sentar
quando a professora insistia para fazê-lo. Outro instrumento de distração eram cordas,
barbantes, cadarços, fitas ou algo do gênero, realizando movimentos giratórios por vários
minutos, se não fosse interrompido. A este respeito, registramos em diário de campo:
Cheguei à sala de aula às 8h. Estavam presentes na sala 17 alunos. A turma estava
em atividade de adivinhação. A professora fazia a pergunta com “o que é, o que é?”
Pensei: 23 de agosto comemora-se o Dia do Folclore. Está perto. Deve ser esse o
motivo da atividade. Entre uma atividade de adivinhação e outra a professora parou
e solicitou que os alunos me cumprimentassem. Todos deram “Bom dia”
90
Igor, neste ano precisa avançar... Muita coisa ele já conseguiu desde que chegou à
nossa escola. Ele terminou o ano passado bem socializado...Todo mundo aqui já
sabe quem é ele...E ele também já fica muito bem na escola e na sala. Ninguém mais
fica olhando pra ele como ‘o especial’, sabe? Ele é nosso aluno ... Agora ele tem
que avançar mais...Eu sei que o tempo dele é diferente dos outros, mas a gente
também já percebeu desde o ano passado essa questão do interesse dele pela
alfabetização em si. O reconhecimento de algumas palavras trabalhadas..A gente
sente que ele quer aprender.”(Fala da diretora em entrevista aberta, agosto de 2011)
A fala acima nos permite concluir que as características de Igor e a sua forma peculiar
de se comportar não causava mais estranhamento à comunidade escolar, sendo bem aceito
entre os demais.
Após a confirmação de que Igor estaria em sua classe no ano de 2011, Sara começou a
refletir sobre o trabalho que desenvolveria com o aluno e a definir algumas ações:
Quando eu soube que o Igor seria meu aluno, eu sentei com a S. (referindo-se a
professora do menino no ano anterior). Ela me mostrou algumas coisas que ela
tinha feito com ele. Me mostrou as coisas que ela tinha feito no ano passado. As
coisas que ela usou. E aí eu comecei, passei as férias inventando um monte de
coisas. Fiz um monte de cópias. E aí eu já cheguei aqui com algumas atividades já
montadas pra eu ir trabalhando. Outras eu fui colocando conforme a gente ia
trabalhando com o nosso projeto. Então, como eu trabalho com Educação Infantil
em outro lugar, eu faço muito isso e isso ajuda muito, eu pensei: eu vou fazer a
mesma coisa com o trabalho com o Igor. (Entrevista aberta, professora Sara,
novembro de 2011)
Como mostra o relato acima, a professora acreditava que o trabalho deveria seguir
uma sequencia, tendo por base a experiência já realizada. Também partia do princípio que
Igor tinha menor desenvolvimento que os demais alunos e por isso deveria realizar atividades
destinadas a crianças de menos idade. Não consideramos inadequado a opção de iniciar o
trabalho com Igor a partir de conteúdos selecionados de uma coletânea de livros didáticos
utilizados com a Pré-escola. No entanto, se esse tipo de estratégia se estender por um longo
período sem aproximação entre as atividade propostas para Igor e para os demais alunos, o
menino ficará sempre em defasagem.
Ao ter contato com o caderno de atividades44, logo de imediato percebemos a grande
quantidade e variedade de exercícios propostos. Folheando o material verificamos que muitos
haviam sido feitos, outros não. A professora nos explicou que os exercícios que não estavam
feitos eram dos dias em que Igor havia faltado à aula. E completou: “Ele falta muito. Quando
ele não dorme à noite45 a mãe prefere não trazer, pois ela sabe que ele não vai ficar bem.”
44
A professora Sara havia organizado um caderno com a coletânea de atividades realizadas por Igor no período de fevereiro
a julho de 2011. O caderno nos foi disponibilizado para análise.
45
Segundo relato da mãe, Igor apresentava dificuldades para dormir . Trocava o dia pela noite e por isso faltava muito às
aulas. E quando ia a escola após uma noite com muitas interrupções de sono, a família sempre informava o ocorrido à
92
a) b)
professora. A família relatou também que Igor já havia sido encaminhado para fazer exame investigativo de distúrbio do
sono, porém não havia ainda conseguido realizá-lo.
93
a) b)
Objetivo: Colorir, colar papeis no desenho das vogais. Recursos: Papel, cola,folha de
caderno, folha xerografada e caneta hidrocor grossa.
a) b)
95
c)
d)
As atividades exemplificadas na figura 4 mostram que era mais fácil para Igor realizar
colagem que pintura. Entendemos que colorir um desenho seja mais trabalhoso para qualquer
aluno, uma vez que exige mais tempo de concentração, melhor precisão nos movimentos finos
e controle de movimentos inibitórios, para parar e avançar com o lápis nos limites das figuras.
No entanto, para Igor esse exercícios se tornavam mais difíceis devido a ausência dos
movimentos citados acima e ainda com a presença do movimento auto-estimulatório de
sacudir dedos e mãos. A preensão do lápis e a coordenação motora fina, exigida, por exemplo,
para amassar pedacinhos de papel crepom (para a realização da atividade 4b, onde os papéis
foram colados sem amassar) ou para colorir dentro do espaço definido (conforme solicitação
nas atividades 4a e 4c), parecia ser muito mais difícil para o aluno.
Oliveira (1997) lembra que o desenvolvimento do movimento de preensão tem início
aos três meses e vai amadurecendo de acordo com os estímulos que são oportunizados ao
bebê, na medida em que, pouco a pouco, vai experimentando e descobrindo os objetos de seu
ambiente. Em suas palavras:
96
diz: “Ele não gosta!” Igor senta e recebe a folha. Sara diz: “Nós vamos fazer
bolinhas!” Igor repete várias vezes: “Fazê, fazê, fazê”. E devolve a folha para a
professora.
(Nota de campo registrada em 10 de agosto de 2011)
Igor demonstrou, diante da proposta, que tinha compreensão do que está sendo
solicitado, tendo sido também capaz de comunicar que não tinha interesse na atividade.
Me vem de imediato a pergunta: Porque insistir na atividade que sabe que o aluno
não gosta? Fazer bolinhas é única forma de atingir tais objetivos? A professora
insiste: “Tá todo mundo fazendo o dever. Eu quero as bolinhas...!” Igor ignora mais
uma tentativa e Sara continua: “Faz a bolinha que eu te dou a tinta pra pintar com o
dedo...” (Nota de campo em 10/08/2011)
Os outros alunos incentivam: “Vai, Igor, faz o seu dever”. Igor levanta-se
novamente. Sara oferece cola colorida. Igor pega o tubo de cola e volta ao lugar. A
professora se aproxima e novamente solicita que cole a bolinha. Igor ameaça chorar
diante da insistência da professora. Levanta-se e vai ao armário. Agita os braços, as
mãos e faz “Iiiiiiiii...”Abraça a professora pelo pescoço e escorrega até suas pernas.
A professora solicita a ajuda de outros alunos e diz: “Y. cole com ele”. O Y. se
aproxima e começa a fazer a atividade. Sara diz: “Veja o Y. está fazendo. Não
precisa fazer, é só olha., vamos!” Igor se mantém quase deitado sobre a perna da
professora. Y. cola várias bolinhas na folha. Igor procura a caixa de brinquedos e
fica de costas para a turma e a professora. Olha, bate com os dedos, mas não pega
nenhum. (Nota de campo em 10/08/2011)
Percebemos aqui a interação dos outros alunos com Igor, o uso de contato físico do
aluno com a professora e a manifestação do comportamento estereotipado, demonstrando
desconforto diante da insistência dos colegas e da professora para que realizasse a atividade.
Quando virava as costas para os outros estava comunicando desinteresse pela proposta.
A professora dirige-se à frente da sala para explicar a atividade que os alunos (com
exceção de Igor) deveriam realizar. A atividade TROCANDO LETRAS. (Figura 5
b) E começa a explicar. Igor está de costas para a turma nesse momento, olhando
para os brinquedos na caixa. A professora escreve na parte superior do quadro
branco as letras L,G,M,D,R,S utilizando caneta pilot azul. Logo abaixo escreve a
palavra PEIXE. Igor olha e se direciona para a frente da sala. Posiciona-se em frente
ao quadro enquanto a professora explica. Se estica todo, como se estivesse querendo
alcançar as letras ou a caneta que esta na mão da professora e diz “Iiiiiiiiiiiiiiii...”,
bem alto e repetidas vezes. A professora continua explicando a atividade e Igor pula
várias vezes com os braços esticados em direção às letras grafadas no quadro. (Nota
de campo em 10/08/2011)
98
Os alunos iniciam a atividade. Sara oferece as canetas a Igor. Ela pergunta: Você
quer escrever? Pode escrever. E lhe entrega a caneta. Igor sacode os braços e os
dedos e pronuncia o iiiiii...., mostrando excitação. E ele começa a fazer rabiscos em
linhas retas e curvas, utilizando a caneta vermelha. (Nota de campo em 10/08/2011)
Mais uma vez é possível observar o quanto Sara e Igor já conseguem se comunicar.
Ainda que o aluno não fizesse uso da linguagem oral, a professora sempre fazia questão de
conversar com ele, deixando claro quando conseguia e quando não conseguia entender o que
ele queria dizer, conforme orientações realizadas na UTD.
A professora sugere que ele escreva Igor. Ele pega a caneta e inicia a grafia de algo
não identificável. Faz linhas curvas fechadas. Um dos alunos levanta-se, chega perto
de Igor e logo senta-se. Igor aproxima os olhos de sua produção. A professora
adverte: “Não pode fazer isso na parede, tá? Só aqui no quadro. E com essa
caneta... Pode fazer mais. Quer a azul?” Oferece a caneta azul e logo ele aceita e
troca de caneta. Enquanto isso a turma faz a tarefa proposta. A turma apresenta
dúvida na realização da atividade. Sara orienta e diz: “Só falta o Igor colar pra mim
as bolinhas agora” Igor continua sua produção no quadro. Outro aluno se aproxima
do quadro na tentativa de observar a produção de Igor. [...] A professora oferece a
caneta a outro aluno e diz a Igor: “Olha, o B. vai escrever”. E sugere: “Escreve o
nome dele, você sabe?” O aluno pega a caneta e desenha. Igor se mantém perto dele
por poucos segundos, depois se afasta. A professora deixa os dois e segue em
orientação à turma. Igor parece procurar a tampa da caneta. A professora percebe e
diz: “A tampa está comigo.” Entrega o aluno e logo ele tampa a caneta. Penso:
Quanta coisa pra discutir. Tenho muitas observações a fazer. Vou refletir e pontuar
para a professora.
(Nota de campo, 10 de agosto de 2011).
Vocês observem que ele, a referência aqui é pra ele fazer sozinho. E em quase todas
as atividades ele pintou. Ou ele escreveu. Repare que em quase todas as atividades
tem alguma coisa de caneta riscada. Por que ? Ele vê os colegas fazendo isso. Ele
não consegue fazer como os colegas, mas ele quer fazer como os colegas. Ele vê os
colegas fazendo. Então ele vai lá e ele tenta fazer do jeito dele. ( Entrevista aberta,
com professora Sara em novembro de 2011)
Então, num certo momento foi difícil, mas quando eu comecei a me apropriar... do
jeito de como ele é, de que poderia ... quando eu comecei a ficar mais segura com
ele, ficou mais fácil de eu ir entendendo o que estava acontecendo. Não que eu
saiba tudo, mas ficou mais fácil trabalhar com ele depois que passou esse primeiro
momento de conhecer, de adaptar. Na verdade eu acho que era mais a minha
101
Como elemento de reflexão vale pontuar que, em primeiro lugar, as atividades que
despertavam o interesse do aluno deveriam ser privilegiadas, em detrimento daquelas que ele
tinha dificuldade em realizar e talvez por isso rejeitasse. Aquilo que Igor sabia que não era
capaz de fazer rejeitava, como por exemplo, amassar papel crepom ou cobrir linhas
pontilhadas. Assim como qualquer um de nós, a criança com autismo prefere acertar do que
errar.
A ênfase nos pontos fortes oferece aos alunos a oportunidade de mostrar o que fazem
de melhor e a motivação aumenta tanto no aluno quanto no professor, pois quando o aluno
tem mais confiança para aprender, consequentemente, o professor tem mais entusiasmo para
ensinar. Como mostra Suplino (2009, p.71), “partir de assuntos e/ou atividades que são de
interesse do aluno, é uma das formas de aumentarmos seu grau de concentração e
participação, facilitando a aprendizagem de novas habilidades.”
Outra forma de possibilitar ao menino sem bem sucedido nas atividades era começar
com o mais simples, ou o que Igor já sabia fazer e gradativamente, por aproximações
sucessivas, aumentar a dificuldade e as exigências da tarefa. De modo geral, o procedimento
básico é possibilitar a realização de tarefas por etapas. Qualquer tarefa ou comportamento
novo é mais facilmente aprendido (sobretudo para alunos com dificuldades de aprendizagem e
concentração) em pequenos passos. Trata-se da técnica denominada análise de tarefas
(KADLEC & GLAT, 1989) que consiste em desmembrar o comportamento ou atividade em
seus componentes mais significativos, colocando-os, quando o caso, em ordem crescente de
complexidade, dos mais fáceis aos mais difíceis. No caso de Igor, colar letras recortadas era
mais fácil que escrever, então essa seria a primeira etapa do trabalho com a escrita.
Outra orientação à professora Sara foi que as atividades oferecidas a Igor deveriam
conter modelos e exemplos. Também deveriam ser, o mais próximo possível, do que os
demais alunos realizavam, já que era de conhecimento que Igor se valia da imitação como
caminho para sua aprendizagem.
Concordamos com Vygotski (2001), quando aponta que a imitação não é uma mera
cópia de um modelo, mas a reconstrução individual daquilo que foi observado nos outros.
Esta reconstrução ocorre a partir das possibilidades psicológicas da criança que realiza a
imitação. Imitar, se constitui, para ela, criação de algo novo a partir do que observa no outro.
Vygotsky não tomava a atividade imitativa como um processo mecânico, mas sim a
oportunidade da criança realizar ações que estão além de suas próprias capacidades, o que
102
contribui para seu desenvolvimento. No momento em que algumas realiza algumas ações, a
partir de imitações, também acontecem alguns processos de amadurecimento.
Igor, por exemplo, tentava subir sozinho no escorregador, mas só conseguia fazê-lo
com a ajuda da professora. Depois observava outro aluno subindo com independência e
procurava imitá-lo e consegui subir. Outro exemplo era quando respondia ao cumprimento
quando alguém entrasse na sala ao ouvir os colegas fazendo, mesmo que não usasse a
linguagem convencional. Podemos considerar, então, que Igor utilizava a imitação como
forma de permitir a elaboração de uma função psicológica ao nível intrapsíquico. A relação
que estabelecia com o que se passava no ambiente, impulsionava seu processo interpsíquico,
fazendo com que ele tentasse realizar o que lhe serviu de modelo. (VIGOTSKI, 1998)
Como sugere Suplino (2009), recorrer a folhas com maior espaçamento, letras
maiores, letras mais grossas com contrastes mais precisos, também são ser recursos
importantes para o trabalho com alunos com autismo. Outra orientação à professora foi evitar
o excesso de informações visuais o que poderia distrair o aluno, prejudicando sua atenção e
concentração, já é comprometidas por outras variáveis, como os comportamentos
estimulatórios e os sons ambientais.
E por último, orientamos a professora a utilizar instruções e sinais claros e simples
nas diferentes atividades, além de respeitar o tempo do aluno para as respostas (SUPLINO,
2009). Pois, percebemos durante as visitas, que Sara explicava a mesma tarefa de formas
diferentes, ou seja, dava instruções variadas para a mesma solicitação. Isto, certamente,
acontecia porque o aluno não respondia verbalmente, assim ela não sabia se ele havia
entendido o que estava sendo solicitado.
A professora, orientada e acompanhada por nós, passou a oferecer ao aluno a
oportunidade de escolher entre duas atividades. Aquelas que envolvessem a imaginação
(como desenhar, por exemplo) ou a coordenação motora fina e às que envolvesse aquilo que
ele sabia , gostava e tinha interesse em fazer.
E aí a Adriana percebe essa questão, que tinha umas atividades atrás que ele se
recusou a fazer. E aí a Adriana atenta pra situação me fala: “Sara, coloca duas
atividades” Ele vai poder escolher qual a atividade que ele vai fazer. E aí, pra
minha surpresa ele deixa a folha de lado e confirma aquilo que eu já eu já tinha
comentado. Ele quer fazer a atividade que os colegas estão fazendo, que é escrever
SAPO. (Entrevista aberta, professora Sara em novembro de 2011)
103
1) 2) 3)
Figura 7: SAPO
A proposta para Igor, ainda era diferente da proposta para o restante da turma. De
acordo com a figura 6 – 1 ilustrada acima, ele precisava cobrir os pontilhados que
representavam as ondas da lagoa onde estava a figura do sapo, o que ele recusou.
Na figura 6-2 foi apresentado o modelo da escrita da palavra SAPO e solicitado
inicialmente que Igor desenhasse um sapo. O aluno, com muita insistência e várias
interrupções, inclusive procurando isolamento na janela, produziu o “desenho” ilustrado na
figura 6-2. Nesse momento sugerimos à professora que oferecesse a opção de escolha.
Desenhar SAPO ou escrever SAPO, conforme os outros alunos estavam fazendo. Sugerimos
que oferecesse os recursos (as letras móveis para escrita da palavra, e cola). Igor realizou a
atividade com a mediação da professora, conforme a ilustração 6-2.
Vale aqui fazer uma reflexão sobre duas situações observadas. A primeira era que
todos os outros alunos estavam realizando atividade de escrita da palavra SAPO, ainda que em
outro exercício. Portanto, escrever SAPO, mesmo que não fosse de forma convencional,
utilizando lápis e borracha, tornava Igor “igual” aos outros alunos. Daí, certamente a sua
preferência por esta tarefa.
A segunda era a dificuldade do aluno em desenhar, o que já havia sido observado em
outras situações. Desenhar é representar através de uma imagem algo já conhecido, ou seja
requer trabalhar com a imaginação, o que era ainda um empecilho para Igor, assim como para
muitas outras crianças com autismo,conforme discutimos ao tratar sobre a tríade que
compõem a síndrome no Capítulo 2 .
Williams e Wrigth (2008) colocam que imaginar envolve brincar com alternativas na
mente e criar coisas novas. “Quando imaginamos algo, trazemos à mente algo que não está
presente. Usa-se a memória, mas nos permite entrelaçar flexivelmente diversas lembranças e
104
elaborar idéias e planos” (p.64). Portanto, se um sapo, mesmo que de brinquedo não fosse
parte do universo cultural de Igor, produzir em desenho uma imagem do animal, somada a sua
dificuldade na preensão do lápis era algo bastante complexo.
Na atividade 6- 3 a professora deu sequência à segunda, solicitando que ele, assim
como os demais alunos escrevesse novamente SAPO, e em seguida escrevesse seu nome. Para
essa atividade não foi necessário nenhum modelo para suporte, pois Igor tinha boa capacidade
de memorização e já escrevia seu nome com autonomia. De fato, quando pedimos à
professora que citasse algum aspecto de destaque aprendizagem de Igor ela respondeu:
Olha,eu destaco essa facilidade que ele tem de captar e guardar uma coisa. A
memória dele é assim uma coisa que me impressiona. Eu trabalho uma palavra uma
vez com ele. Eu demoro um tempo, e volto naquela palavra... E tem aluno na sala
que não consegue fazer isso. Eu tenho que estar sempre com uma referência. Ele
não. Ele volta naquela palavra e faz ela tranquilo, desde que ele esteja calmo, que
ele não esteja.... que ele tenha dormido... que não tenha outras coisas que interfira,
que o incomode, que o atrapalhe, o retorno é muito rápido. Então, o cognitivo
dele... essa parte eu creio que tá assim, que vai até além dos outros alunos. E é isso
que tá facilitando o trabalho com a alfabetização dele. Porque de outra forma eu
acho ficaria mais complicado. Se ele não me retornasse, não mostrasse pra mim que
ele é capaz, pelo menos dessa forma, eu acho que não conseguiria chegar onde a
gente chegou.(Entrevista semi-estruturada, professora Sara, dezembro de 2011)
Para Williams e Wright (2008) crianças com autismo “parecem ter melhor memória
visual em consequência das dificuldades de linguagem e o fato de que as imagens visuais,
quando apresentadas, não desaparecem imediatamente, como acontece com os sons.” (p.69)
Nesse caso, a memória visual de Igor constituía-se como um fator que lhe favoreceria na
alfabetização.
Chegamos a discutir com a professora, que o computador seria um excelente recurso
para o trabalho com Igor na sala de aula.
Entretanto, como não havia disponibilidade para tal, continuamos o trabalho de
alfabetização com o uso de letras móveis, as quais o aluno deveria colar (já que Igor
apresentava essa habilidade bem desenvolvida), no caderno de pauta larga confeccionado
exclusivamente para seu uso. Consideramos que, naquele momento, esta estratégia seria
preferível do que insistir no processo de escrita (com lápis e borracha), pois já estava claro
que assim haveria menos chance de sucesso. Como ressalta Oliveira (1997, p. 114)
Como recursos para o trabalho com Igor, utilizamos um caderno horizontal de pauta
larga, uma caixa plástica com divisórias internas para alocação de letras digitadas, impressas e
recortadas e dez alfabetos completos, com o dobro de vogais, uma vez que estas se repetiam
mais que as consoantes. Em cada divisória da caixa havia todas as letras do alfabeto. As letras
foram digitadas no programa Word 2007, em maiúsculo, na fonte Calibri, por apresentar um
desenho simples. O tamanho escolhido foi o 22, a fim de não dificultar o manuseio e ao
mesmo tempo caber na pauta do caderno. Para permitir bom contraste no papel branco do
caderno e melhor visualização por Igor, utilizamos também negrito e a impressão em preto.
A professora Sara iniciou o trabalho com Igor na escrita das mesmas palavras que
estavam sendo utilizadas com a turma, fazendo uso da palavra escrita como modelo e mais a
figura correspondente. Ao perceber as respostas positivas de Igor, gradativamente fomos
aumentando o grau de complexidade. Assim, começamos com a escrita de palavras letra a
letra, depois passamos para o trabalho com sílabas, e finalmente atingindo a escrita de frases.
Esta foi uma grande vitória, pois permitiu que o menino realizasse os mesmos exercícios que
seus colegas. Selecionamos as atividades abaixo para ilustrar a evolução de Igor.
106
E a fala ecolaica também, ele já melhorou muito. Hoje ele já se comunica, já fala
algumas coisas usando a linguagem oral. Não que ele fale, mas a gente tem visto
um gradativo avanço em relação ao desenvolvimento da linguagem oral.
(Fala da pedagoga em entrevista aberta, novembro de 2011)
Como estratégia para favorecer ainda mais o processo comunicativo de Igor com a
professora e seus colegas, introduzimos a Comunicação Alternativa (conforme discutido no
Capítulo 4), disponibilizando na sala de aula, uma prancha de madeira contendo figuras do
PCS46. O objetivo da utilização deste recurso era permitir que Igor, através das fichas, tivesse
ao seu dispor algumas “palavras” e pudesse utilizá-las para se comunicar, expressando seus
desejos e necessidades. As figuras foram escolhidas pela professora, com base nas atividades
46
Sigla para Picture Comunication Symbols- Sistema de Comunicação por Figuras -, com uma coletânea
atualmente com mais de 6.000 verbetes disponíveis no software Boardmaker, utilizado como recurso para o
trabalho com o PECS, Picture Exchange Comunication System, conforme exposto no Capitulo 3.
108
realizadas na escola e nas preferências de Igor. Havia também uma ficha para respostas com
sim e não47.
A orientação inicial foi que Sara não mais aceitasse como forma de comunicação que
o aluno apontasse ou a conduzisse para obter algo, solicitando que fizesse o uso da ficha
correspondente à ação. Como o material já era de conhecimento do aluno, uma vez que vinha
sendo utilizado na escola especializada, não houve dificuldade, e ele se adaptou facilmente à
esta estratégia. Em pouco tempo foi possível detectar sua evolução.
Na comunicação alternativa, está sendo bom. Tinha coisas que ele não conseguia
expressar e que de certa forma eu tinha uma certa dificuldade de entender,
facilitou... Tinha outras coisas que só de olhar eu já sabia. Ele olhava pra mim e eu
já sabia o que ele estava querendo. Mas assim, e além? E os outros colegas, eles
estão entendendo o que ele quer? Eu consigo ter. esse convívio com ele e de ter
essa proximidade, essa intimidade com ele. Mas e os outros? Ele vai conseguir
passar a mesma coisa para os outros? E eu comecei a usar as figuras que estavam
na prancha. E ele me mostrava e eu conversava com ele. E os outros alunos também
iam lá toda hora... (Relato da professora Sara, entrevista semi-estruturada realizada
em 16/12/2011)
47
Este material foi elaborado na UTD uma vez que o software necessário para sua produção era disponibilizado
somente para as salas de recursos.
109
Olha, sobre as outras professoras eu não posso dizer. Mas assim, nesse momento
que eu começo a trabalhar com o Igor, que eu estou insegura, que eu tenho medo de
como lidar, de como agir, é... esse trabalho paralelo com a escola especializada,
com o serviço especializado foi primordial pra mim, porque eu tenho a realidade da
sala de aula, lá eu tenho a realidade do trabalho feito específico pra ele. É como se
fosse aquela turma que eu tive lá no passado, só que aqui ele tem as duas
realidades, então lá é um trabalho só pra ele. E aí eu comecei a entender que tinha
coisas na sala de aula eu poderia avançar, mas eu só consegui ter esse... essa visão,
vendo o trabalho feito na UTD e com as visitas aqui na minha sala. Creio eu que se
eu não tivesse essa visão, se eu não tivesse conseguido perceber isso, talvez eu não
teria avançado com ele tanto quanto a gente avançou, tanto ele como eu. É... eu não
digo pra você que não teria avanço. Eu acho que de certa forma teria sim esse
avanço. Porém, eu acho que seria com um passo mais lento, entendeu? E foi ali na
UTD, juntando com as coisas que a gente conversava que eu consegui ver que eu
posso ir além e que eu podia ajudar a ele nesse sentido também. Não é uma coisa só
pra mim. O acompanhamento das colegas foi um pouco diferente do meu. Tem que
ser pra mim e para os outros. (Relato da professora Sara sobre o suporte da EE,
entrevista semi-estruturada realizada em 16/12/2011)
E aí a gente queria ressaltar uma parte da inclusão do Igor. Por quê? A gente ao
longo de 2010 e 2011, a gente fez parte desse grupo (aponta para as colegas
presentes na sala). A gente fez parte desse grupo de inclusão, de discussão... e a
UTD apresenta pra gente algumas coisas, e a gente leva pra escola, e a escola
apresenta algumas coisas e a UTD faz essa relação com a gente...E isso tem sido
essencial ao processo. (Relato da pedagoga, em último encontro do Projeto em
novembro de 2011)
48
Embora todas as professoras que participaram do Projeto receberam acompanhamento em suas classes, este
era feito apenas uma vez por mês, e não semanalmente como as duas participantes da pesquisa.
110
Outro interesse investigativo era verificar como se dava a relação de Igor com seus
colegas. Pelo que pudemos perceber, em uma entrevista realizada na classe, com 18 alunos,
inclusive com a presença de Igor, havia um consenso na turma que Igor apresentou progresso
na sua aprendizagem:
- Gente, estamos chegando ao final do ano. Faltam poucos dias para acabar as
nossas atividades. Vocês lembram o que foi que eu vim fazer aqui na sala de aula de
vocês, quando eu cheguei aqui em agosto? Eu falei pra vocês o que eu estava
fazendo aqui, vocês lembram? (Pesquisadora)
Os alunos fazem silêncio.
- Ninguém lembra? Quem lembra levanta o dedo? (Pesquisadora)
Alguns alunos levantam o dedo.
- Você veio botar aquela coisa ali... (Aluno 1, apontando para a prancha de CAA);
- Vim botar aquela coisa ali? Também... Mas por causa de quem?(Pesquisadora)
- Alunos em coro: Do Igor...
-Vocês lembram que quando eu cheguei aqui eu disse que o Igor ia aprender um
monte de coisas com vocês? Vocês lembram disso? (Pesquisadora)
Alunos em coro: Sim!
- O que vocês acham que o Igor aprendeu aqui? (Pesquisadora)
- Ele aprendeu as letrinhas que a Tia ensinava a ele a fazer o dever. (Aluno 2)
- Ah, ele aprendeu as letrinhas. Mais o que ele aprendeu? (Pesquisadora)
- Igor faz: Iiiiiiii... (Manifesta-se pela primeira vez, participando da conversa)
- Aprendeu a brincar com os brinquedos. (Aluno 3)
- Aprendeu a ver o livro. (Aluno 3)
- Aprendeu a colocar o livro no lugar. (Aluna 4)
- Ele aprendeu onde é o lugar que merenda? (Pesquisadora)
Alunos em coro: Aprendeu!
- Ele aprendeu a pedir a merenda? (Pesquisadora)
Alunos em coro: Aprendeu!
- Vocês viram isso?(Pesquisadora)
- Vimos. Ele pegava no papelzinho (referindo-se a ficha do PCS), dava na mão da
tia e ela ia lá e pegava a merenda com ele. (Aluno 1)
- É mesmo? Você viu que ele pegava o cartãozinho. Então: ele aprendeu muitas
coisas porque a Tia Sara ajudou a ele, ensinou a ele e ele também viu com vocês
como é que tem que fazer. E aí ele conseguiu aprender. (Pesquisadora)
- Ele aprendeu a sentar direito. (Aluna 4)
- Ele não sabia sentar direito? (Pesquisadora)
- Ele ficava deitando no chão, agora ele sabe sentar direito na cadeira. (Aluna 4 )
(A professora Sara se emociona diante dos depoimentos dos alunos).
- A Tia Sara ensinou. Vocês ensinaram. Ele aprendeu muitas coisas com vocês.
(Pesquisadora)
E um aluno começa a bater palmas e todos acompanham. (Entrevista aberta, classe
de 1ºano de escolaridade, Escola A, dezembro de 2012)
111
No relato dos alunos, percebemos também, que o progresso percebido foi nas áreas
onde houve maior intervenção: aprendizagem acadêmica, comunicação e comportamento. Os
alunos da classe de 1º ano conseguiram perceber o que fazia Igor diferente deles, o
investimento da professora no processo de inclusão do aluno e mais, importante, colocaram-se
como co-responsáveis pelo trabalho. Isto mostra mais um benefício oportunizado pela
inclusão: a solidariedade e o trabalho de cooperação e colaboração entre os alunos.
A professora Sara, por sua vez, reconheceu que o processo de inclusão do aluno não
estava concluído, pois ainda precisava aprimorar em algumas áreas:
Ainda temos barreiras que devem ser rompidas. A comunicação espontânea é uma.
[...]. A ida ao banheiro sozinho. [...] agora ele começa a dar sinais. Ele vai ao
quadro onde está a tabela. Ele fica incomodado e começa a bater com o dedo. E eu
pergunto. Mostro pra ele. Ele pega. Ele coloca no lugar. ‘Vamos ao banheiro?’ Ele
se nega.. Então assim, é uma barreira ainda que a gente tem que romper. E soltar a
imaginação, entre outras coisas.[...]Só que quando eu tô contando história, ele
senta, ele pára, ele presta atenção. Então eu creio que ele está entendendo o que eu
estou falando e ele gosta, ele tem prazer nisso. Tudo isso que eu falei são pequenos
passos que serão superados no momento certo, o momento do Igor. (Entrevista
aberta, professora Sara, novembro de 2011)
Eu me surpreendi muito com o Igor. Porque eu acho que vai muito além do que
minha experiência do passado. Porque ele me mostrou muito mais do que eu
pensava que ele poderia me oferecer. [...] Depois do trabalho com o Igor, eu acho
que no caso dele ele tem que estar aqui mesmo, incluído. E que essa inclusão e as
inclusões feitas em casos como o do Igor ela não vai servir pra hoje. Ele vai servir
pra um serviço de longo prazo. Eu sempre digo isso pros meus colegas. Quando
está naquela questão de ah, vamos aprovar., não vamos aprovar, esse menino não
consegue nada, esse menino tá muito devagar. Eu sempre digo isso e vou falar
sempre: Nós não educamos, não ensinamos só pra doutores, ou só pra cientistas ,
ou só pra professores. Nós ensinamos a mãe de família, o pai de família, que às
vezes vai trabalhar de pedreiro, que às vezes vai trabalhar de gari, claro, o sonho
da gente é que todo mundo termine o segundo grau, termine o terceiro grau, que
tenha uma profissão, que ganhe bem. Mas a gente sabe que a situação não é essa.
Vamos trabalhar com a realidade. Então eu penso naquele aluno que tenha
cidadania, que saiba pegar uma carteira de trabalho. [...] Eu sei que isso é possível
pro Igor. Isso é possível pra pessoas como o Igor. Que mais tarde ele possa ter
autonomia de sair, mesmo calado, que é o jeito que eu imagino que ele vá ser. Eu
imagino um adulto calado, mas que ele é capaz de trabalhar em algum lugar, de
fazer alguma coisa, de assinar o seu nome de falar o que ele quer. Eu acredito
112
nisso. Acredito que ele é capaz de fazer isso. (Relato da professora Sara sobre a
prática pedagógica com Igor, entrevista semi-estruturada realizada em 16/12/2011)
Lúcia, a professora da turma, foi o sujeito focal deste estudo. Júlio, o aluno com
autismo, na ocasião com seis anos de idade recém completos o sujeito secundário. Os demais
alunos da turma também podem ser considerados participantes. O cenário da pesquisa foi um
Centro Municipal de Educação Infantil da rede pública municipal de Angra dos Reis, o qual
chamaremos de Escola B.
A Escola B localizava-se em um bairro da periferia, a cerca de 15 km do centro da
cidade. De acordo com relato da professora, a instituição funcionava desde 1992 como uma
associação conveniada com a Prefeitura, tendo sido municipalizada em 2010. A Gerência de
Educação Infantil era o setor da Secretaria Municipal de Educação responsável pelo seu
funcionamento.
Seu espaço físico era composto por sete salas, sendo uma delas destinada ao berçário,
e por isso acomodava também um banheiro com chuveiro e trocador de fraldas. Logo à
entrada da creche havia uma recepção e junto à sala destinada à secretaria, também
funcionava a Direção. A cozinha e o refeitório estavam localizados na parte dos fundos. Havia
um banheiro para uso dos alunos, o qual continha quatro vasos sanitários, três chuveiros e
uma pia comprida, com cinco bicas.
A área externa da Escola B acomodava um grande pátio, com a maior parte do piso em
cimento e um lado menor em grama. Nesses espaços estavam localizados um parque infantil
e uma casinha grande o suficiente para que as crianças pudessem entrar de pé, ambos
114
coloridos e fabricados com material plástico. Também havia brinquedos de ferro e madeira,
como por exemplo, balanço e gangorra.
No ano de 2011, eram atendidos cerca de 230 alunos, em turno parcial com 4:30h de
duração ou integral, com 9h, dependendo da faixa etária, conforme tabela abaixo.
As duas paredes maiores da sala eram revestidas em azulejo até metade da altura e
utilizadas para fixação de atividades realizadas pelos alunos, as quais eram temporariamente
substituídas. Em uma das paredes pequenas ficavam penduradas as mochilas dos alunos em
um cabideiro específico para tal. E na outra parede menor estavam o quadro branco e alguns
materiais produzidos por Lúcia como recurso pedagógico de uso cotidiano, como por
exemplo, um quadro de pregas49 e os painéis de rotina escolar.
A importância desse material havia sido discutida em um dos encontros do Projeto de
Acompanhamento à Inclusão do Aluno com Autismo, basicamente considerando que:
As rotinas da escola e da sala de aula devem ser informadas e sinalizadas, para que
através da previsibilidade do que irá ocorrer, possam manter a autorregulação e a
organização interna, favorecendo a relação e a aprendizagem. Essencial destacar que
muitos dos comportamentos inadequados são decorrentes da falta de informação e
da não compreensão do que está ocorrendo ou do que está sendo dito. [...] A Rotina
do Dia é uma informação essencial, pois é através dela que o aluno terá a previsão
de tudo que irá acontecer na sala de aula e no espaço escolar. Para os alunos que
apresentam autismo e Síndrome de Asperger, é primordial favorecer a
autorregulação. Assim, o painel da Rotina do Dia dever ser realizado com a turma,
ficar exposto para visualização e organização de todos os alunos. (NETTO, 2011,
p.153)
49
Recurso didático elaborado com papel pardo, papelão e fita durex colorida, dividido em duas colunas, utilizado para
realização da atividade comumente nomeada “chamadinha”. A atividade consiste em o aluno receber da professora ou
reconhecer seu nome entre os demais nomes de alunos da turma. Esses nomes estão escritos em um retângulo de cartolina.
Ao receber ou reconhecer o nome, cada aluno deve pegá-lo e então encaixá-lo nesse quadro. Uma das colunas do quadro é
utilizada para os nomes femininos e a outra para os masculinos.
116
A partir da orientação recebida, como iniciativa própria, Lúcia deu início ao uso do
recurso utilizando imagens fotográficas para simbolizar as atividades de cada dia. Dessa
forma, a Hora do Lanche era simbolizada pela fotografia da caneca com o prato e os biscoitos,
a Hora do Parquinho era a fotografia dos brinquedos do parque e assim sucessivamente.
Dos 25 alunos da turma, 14 eram meninos e 11 eram meninas. A maioria da classe era
bastante participativa, havendo três alunos que demonstravam certa timidez e duas irmãs
gêmeas que apresentavam notória liderança. Logo à primeira vista era possível perceber a
autoridade de Lúcia sobre os alunos, mantendo o clima de disciplina necessário para
condução das atividades da aula e também bastante valorizado pela professora. Ao ser
questionada sobre escolha para atuação com a Pré-escola, a professora relatou que :
de escola e passou a frequentar a UTD e a rede CAPSI, com mais de três atendimentos
semanais.
Como os episódios se apresentavam de forma cada vez mais frequente e intensa, era
preciso uma intervenção. Segundo, Fernandes et al (2009, pg. 158), “este padrão de conduta
causa um enorme prejuízo social, uma vez que enquanto estão envolvidos com esses
comportamentos, os indivíduos ficam impedidos de participar de brincadeiras, atividades
escolares ou outros eventos sociais.”
Willians e Wrigth (2008) relacionam esses comportamentos a um estado de “cegueira
mental”. Segundo os autores:
Cegueira mental refere-se a ser cego em relação à mente de outras pessoas. Significa que
indivíduos com distúrbios do espectro do autismo [...] têm grande dificuldade em entender o
ponto de vista ou as ideias ou sentimentos alheios. Alguns pesquisadores denominam isso de
“Teoria da Mente” insuficiente. [...]A Teoria da Mente [...] refere-se a nossa habilidade de
fazer suposições precisas sobre o que os outros pensam ou sentem ou nos ajuda a rever o que
farão. Trata-se de uma aptidão crucial para a vida em sociedade; e a cegueira mental causa
problemas nesse ponto.(p.33)
Entendemos que esta condição pode impedir crianças com autismo de compreender
comentários ou olhares reprovadores. Além disso, suas dificuldades em expressar suas
necessidades e desejos, aumentam sua raiva e frustração. O registro em Diário de Classe de
Lúcia referente ao primeiro dia de aula de Júlio na Escola B, ilustra suas observações sobre o
aluno:
Figura 11: Trecho do registro no diário da professora Lúcia, primeiro dia de aula em 2011
.Se apega a objetos; Pegava os objetos e não largava. Eu podia pedir pra ele
guardar e fazer outra coisa e “não”. Às vezes ele ia embora com aquilo, pois ele
não deixava mesmo, não devolvia.
. Não participa das atividades; Teve até o fato de que a creche teve uma reforma,
pra pintar e a gente foi pra Associação de Moradores. Então era um espaço
enorme, com duas turmas. Então ele não ficava, não sentava, não fazia nada. Ele
corria o tempo todo naquele espaço enorme. Ele até fugia, porque do lado de fora
tem a praça. Ele ia pra praça também. Aí saia eu, e largava tudo e ia correndo
atrás dele.
.Não fica na sala;
.Usa fraldas e não deixa trocá-las: Nesse meio tempo, eu tirei uma licença e ele
ficou com uma outra tia. E isso foi uma outra dificuldade também. Ele fez um cocô
na fralda e não deixou trocar. Ela conseguiu tirar, depois não conseguiu colocar a
fralda. E aí por fim ele não faz mais o cocô na creche. Ele vai pra casa, faz em casa
com a mãe dele. (Entrevista aberta com a professora Lúcia em novembro de 2011)
Sua linguagem oral era bastante limitada embora apresentasse nítida intenção de se
comunicar. Era capaz de pronunciar palavras, como “não”, seguido do gesto de balançar a
cabeça de um lado para o outro; “dá”, quando queria algo, entre outras. Também imitava, de
forma bastante clara, a fala de personagens de desenhos animados quando brincava sozinho.
Isto nos dava certeza que Júlio não tinha problema de ordem articulatória que o impedisse de
falar, conforme avaliação fonoaudiológica.
Além disso, pronunciava algo parecido com “cãtãcãtãcãtãcã...”, utilizando diferentes
entonações, dependendo da situação. Em resposta, por exemplo, a “qual o seu nome?” a
pronúncia do som era curta e direta. Quando alguém perguntava se estava tudo bem, ele
prolongava mais o som, por vezes aumentando e diminuindo a intensidade como se estivesse
contando uma estória longa.
Diante do quadro de Júlio, assim como a professora Sara, do estudo de caso anterior,
Lúcia também relatou sentir medo e ansiedade quando o menino ingressou em sua classe:
E aí pra começar o trabalho, primeiro muito medo. Muita angústia. Aí você vai pra
internet, você pesquisa, você busca e nada muito claro e afinal de contas, como é
que vai ser? (Entrevista aberta com a professora Lúcia em novembro de 2011)
50
Júlio frequentava o atendimento especializado na UTD por quatro vezes na semana, por entendermos que as
chances de avanços em seu quadro comportamental seriam maiores com um trabalho de rotina diária.
119
Figura 12: Trecho de relatório registrado no Diário de Classe da professora Lúcia ao final do segundo
bimestre de 2011.
Mesmo assim, logo na primeira visita que fizemos à escola, consideramos que
ainda era preciso intervir no contexto da sala de aula:
Cheguei à Escola B por volta das 12:40h. Fui recebida pela diretora que no
momento conversava com a professora Lúcia na recepção. Nos cumprimentamos e
em seguida nos encaminhamos para a sala da Pré-escola. A turma já estava
organizada em grupos e a maioria dos alunos estava sentada. Me apresentei à turma
e procurei uma cadeira para me sentar.A professora dava início às atividades do dia.
Construção da rotina. Enquanto isso Júlio insistia em ficar próximo ou debaixo da
mesa da professora.[...] A professora solicita várias vezes que Júlio sente e ele não
atende. Se mantém agachado próximo à professora, que pega o aluno pelo braço e o conduz
até sua cadeira. Júlio se mantém sentado por poucos segundos e levanta. A professora faz a
contagem dos alunos. 24 estão presentes. [...] Júlio insiste em manipular os objetos da
professora enquanto pronuncia “cãtãcãtã...”. A atividade é uma conversa com os alunos sobre
o final de semana. Júlio não participa. A professora sai da sala dizendo que vai pegar jornais.
Deixa uma aluna responsável por distribuir os livros didáticos. Júlio recebe o livro, folheia e
procura a página que contém adesivos. A professora percebe que ele pretende arrancar os
adesivos e chama a atenção. Júlio continua folheando o livro. A professora pergunta se ele
não quer fazer a atividade. Ele diz: “Não” e balança a cabeça. Devolve o livro para a
professora. Júlio permanece sentado sem livro e sem jornal. Observa os colegas em atividade
e em seguida vira as costas para o grupo focando a atenção no quadro com o alfabeto fixado
na parede. [...] Júlio volta à posição original, abaixa a cabeça e dorme sobre a mesa. Pergunto
a ela o que houve. Ela responde: “Ele têm dormido sempre. E diz que leva o aluno para a sala
de repouso. E me pergunta: “Posso levar?” Respondo imediatamente que sim. A professora
põe o aluno no colo e o conduz até a sala da Atividade II, onde estão outras crianças dormindo
sobre colchonetes. Júlio fica ausente da sala de aula por mais de uma hora. Pensei: Quanta
coisa ele está perdendo. Será preciso mudar essa rotina. Vir para cá e dormir, melhor ficar em
casa.Mas forçar a participar com sono também não seria produtivo, pois ficaria irritado e
aumentariam seus comportamentos de birra e pirraça. Ele deve estar cansado, pois para estar
na UTD às 7:30h precisa acordar pelo menos às 6h da manhã. Ele é aluno do transporte, que
passa em sua casa às 6:30h.Depois sai de lá às 11:30h e logo tá na hora de vir para cá.
Aproxima-se a Hora do Lanche. A professora diz que vai buscar Júlio. E retorna uns 10
minutos depois com ele, que senta-se junto aos colegas no refeitório mas não aceita o lanche.
(Nota de campo em 10 de agosto de 2011)
então de conversar com a família para realizar a mudança no horário. Assim foi feito e o
aluno iniciou as atividades na segunda metade da tarde a partir do final do mês de agosto.
Embora Júlio não dormisse mais durante as aulas, observamos nas visitas
subsequentes que o aluno preferia sempre o isolamento que a companhia das outras crianças
ou mesmo da professora. Não aceitava compartilhar brinquedos ou qualquer outro material.
Se não fosse interrompido, Júlio era capaz de ficar concentrado em enfileirar blocos e modelar
com massinha por bastante tempo, desde que distante do restante da turma. Também gostava
de assistir vídeos de desenhos animados, desde que fossem os que ele escolhesse.
Quando não estava envolvido com tais atividades, vagava pela sala de aula, olhava os
trabalhos fixados nas paredes ou tentava sair da sala, sendo logo repreendido por Lúcia que
precisava deslocar-se rapidamente de onde estivesse para impedi-lo. Algumas crianças, em
especial as irmãs gêmeas insistiam no contato com Júlio, inclusive com abraços e carinho nos
cabelos. Nesses momentos Júlio já não mais agredia de forma bruta, conforme
exemplificamos na nota de campo:
A maioria das intervenções com crianças pequenas devem ser feitas durante as
brincadeiras ou em outras rotinas e atividades, serem distribuídas ao longo das
atividades e ocorrerem quando elas são contextualizadas adequadamente. [...] Assim
constata-se que ocorrem aprendizagem e desenvolvimento por meio da participação
em ambientes mais desenvolvidos e esse tem sido um dos principais argumentos
para apoiar programas inclusivos na Educação Infantil. Programas inclusivos podem
favorecer o desenvolvimento das crianças por oferecer um meio mais estimulador
(cognitivamente, socialmente e linguisticamente) do que os ambientes segregados.
(MENDES, 2010, p.58)
Era preciso garantir que Júlio participasse das atividades e aprendesse os conteúdos
trabalhados, não bastava apenas sua presença na sala de aula. E para isso, a maior barreira
estava nos comportamentos inapropriados e na sua dificuldade de aceitar regras. Esse era o
desafio apresentado à professora, cabendo à Educação Especial a oferecer o suporte
necessário para que fosse superado.
Eu vim numa Formação e a Adriana ( a pesquisadora) disse assim: “Vocês tem que
definir o que vocês querem para o aluno de vocês. Quando a gente começa um ano
letivo a gente não faz um planejamento pra nossa turma?O que a gente quer pra
nossa turma? E é a mesma coisa pro aluno.E ela disse isso pra mim. E foi daí que
eu parti.Definir o objetivo que eu queria para o aluno. Era conhecer o Júlio, não é?
Por que assim...Como é que ele é? Como é que ele responde àquilo que eu falo?
Porque tem algumas coisas que eu não percebia no início, porque eu estava com
muito medo, não sabia o que eu fazia... E depois, com calma, com mais
tranquilidade, com o apoio, né, aí eu fui vendo que algumas atitudes que ele tinha
era uma resposta àquilo que eu estava propondo à ele. E respeitar o tempo, que não
é igual aos outros, né, que você dá e ele já te dá uma resposta, né... é tudo com um
tempo.(Entrevista aberta com a professora Lúcia em novembro de 2012)
122
Dia de atividade no parque. Todos os alunos em fila aguardam para ir ao pátio. Júlio ansioso
levanta-se e vai para junto dos alunos. Todos brincam, correm pulam, desenham com giz no
chão. Júlio se diverte bastante. Aceita contato de outros alunos, mas não procura
aproximação. Pega giz e escreve numerais de 1 a 5. O tempo de parque já está próximo de
terminar. Lúcia avisa: “ Daqui a pouco vamos voltar pra sala. Ainda temos outras coisas para
hoje”. Alguns alunos correm para aproveitar os brinquedos o tempo que resta. Júlio está em
cima do escorregador, sorrindo feliz. A professora chama a turma que logo se agrupa. Júlio
inicia um comportamento de fugir para longe do grupo. Lúcia diz: “Vamos lá turma do Pré.”
Não se dirige a Júlio. Júlio continua distante. A professora conversa com algumas crianças e a
turma forma a fila. A professora diz “Muito bem, C. Você veio pra fila direitinho. Você é um
menino bonito.” O aluno percebe que não está sendo alvo de atenção. Se aproxima do grupo e
Lúcia reforça:“ Muito bem, todo mundo direitinho na fila.” Nós vamos para a sala lanchar e
depois tem o vídeo. E somente quando ele se posiciona corretamente junto aos demais diz:”
Muito bem Júlio.Você sabe ficar na fila” (Nota de campo, 13 de setembro)
123
E por último, também foi relevante para o trabalho desenvolvido pela professora Lúcia
a oportunidade de conhecer as atividades que Júlio realizava no atendimento especializado na
UTD. Quando lhe pedimos para citar os pontos que considerou positivo na experiência do
Projeto de Acompanhamento à Inclusão, ela destacou:
Bom, no início eu achava que eles não... assim, eles iam aprender só mesmo a questão do
comportamento. Então a minha maior dificuldade foi essa: Eles vão aprender? O que eles
vão aprender? E no decorrer do trabalho eu vi que não é bem assim, né? Eles aprendem e
aprendem muito bem. (Entrevista semi-estruturada, professora Lúcia,20 de dezembro de
2011)
Com nossas visitas à sala de aula, sugeríamos que ela oferecesse a Julio as mesmas
atividades propostas aos demais alunos, com pequenos ajustes na orientação. Por exemplo,
sentando próxima a ele sempre que possível, dando ordens claras e curtas, apresentando a
forma de realização da tarefa, passo a passo e permitindo a realização das atividades por
etapas. Na medida que Lúcia compreendeu que os objetivos estavam interligados e que o
trabalho nas áreas de comportamento, linguagem/comunicação e interação social
aconteceriam concomitantemente com as atividades acadêmicas planejadas para o restante da
turma, ela passou a redirecionar seu trabalho.
Como ilustração, descrevemos abaixo trechos de uma entrevista aberta realizada em
ocasião da apresentação da professora Lúcia51 no último encontro do Projeto, na UTD, com a
participação das outras professoras do grupo:
51
A apresentação foi realizada com o recurso de Power Point, com o conteúdo projetado em um telão a partir de um data
show. A professora também recorreu ao uso de vídeos filmados por ela em sala de aula, mostrou e explicou os recursos
124
Aí tem uma outra aula. Lúcia coloca uma filmagem realizada por ela durante uma
aula. Comenta: “Essa aula é para identificar as letras do alfabeto. E na minha sala
tem um desse aqui ( mostra um recurso para trabalho com alfabeto, uns bolsinhos
com cada letra do alfabeto para pôr as letras iguais dentro) , só que é grande. E
explica como funciona a atividade: Mostra o cartão com a letra e diz: “Aí eu mostro
pra ele... só que assim, nem tudo que a gente faz dá certo, né?! A primeira vez que
eu fiz eu tentei fazer com ele sozinho. Ele botou duas letras depois não quis mais,
porque os outros alunos estavam fazendo outra coisa. Aí ele não quis. Aí eu pensei.
Vou fazer numa rodinha pra ver se dar certo... Aí eu fiz numa rodinha... aí eu
mostro...Aí os alunos falam, ele fala também e ele guarda.(referindo-se a guardar a
letra no bolso da letra correspondente). A professora mostra o vídeo com a atividade
acontecendo. E comenta que nessa rodinha ela cantou algumas musiquinhas antes..
Aí a zeladora passou na hora, eu “catei ela e disse: filma aí pra mim!” Mostra
Júlio realizando a atividade e diz: Aí ele acerta e os alunos batem palmas... Às vezes
na correria eu esqueço de falar: Muito bem, Júlio! E os alunos falam (Lúcia imita
a voz os alunos) Muito bem Júlio! (risos). [...] Continua passando o vídeo de Júlio
na atividade e alguém pergunta: “Ele acertou todas? A professora responde: Ele
sabe fazer todas.
Como é que ele está hoje? (Fala da professora Lúcia dando continuidade à sua
explanação) E lê o que está no slide, comentando:
. Realiza as atividades propostas;
. Se comunica; Ele já fala... Eu tenho até lá uma prancha com as figuras, que eu
acho que ele precisa pra se comunicar e ele nem usa... Só usa na hora de ir embora.
Ele usa pra ir embora e até é engraçado, porque tá lá “ir embora”, só que ele não
fala isso. E tem o desenho de uma pessoa: Aí ele fala: Mamãe. Mamãe chegou. Que
é o que ele fala, que é a mãe dele. É a única que ele usa. O restante ele nem usa. É
até engraçado porque no dia que a Adriana foi lá para me explicar como é que
usava, aí ela estava explicando... e ele chegou lá pegou e me deu. Dizendo né: É
assim que usa! Eu vou pegar e vou te dar. (risos). Foi assim!
E prossegue lendo:
.Se interessa muito pelos números e letras; A gente vai pro pátio, eu dou giz, ele
não desenha, ele fica fazendo os números, depois faz as letras..., não desenha não.
.Não apresenta agressividade: Não está mais agressivo. Não bate mais... quando
acontece dele também bater eu falo pra pedir desculpas, ele vai, pede desculpas,
tudo...
.Utiliza o banheiro sozinho: Já vai ao banheiro sozinho, se deixar ele nem pede...
Sai correndo, abre a porta e vai. E volta. Não vai e fica não. Vai e volta...
.Permite o contato físico: E agora ele permite o contato físico. Não é que ele
goste. Ele permite. As meninas abraçam, beijam, fazem carinho... ele faz também...!
E encerra a apresentação com as palmas do público presente.
( Entrevista aberta com a professora Lúcia, novembro de 2011)
Era Hora do Lanche. A professora traz para a sala uma bandeja com várias canecas,
uma jarra com leite achocolatado e um pote de biscoitos. Cada um dos alunos está
sentado à mesa com uma toalhinha esticada a sua frente, inclusive Júlio. A
professora pergunta: “ Quem quer Nescau?” Alguns alunos respondem dizendo “eu”
didáticos confeccionados exclusivamente para o uso com Júlio no decorrer das aulas. Durante sua apresentação as
professoras presentes interagiram com perguntas.
125
e levantando o dedo bem alto. Júlio e vários outros alunos não informam se queriam
ou não. A professora começa a contar em voz alta: “ um, dois, três...”, apontando
para os que estão com dedo levantado. A professora começa a colocar o leite nas
canecas. Enquanto isso pergunta: “Júlio, você quer Nescau?” Ele não responde. A
professora continua a colocar o leite. Os alunos conversam, cantam, e riem. Júlio
observa os colegas, levanta-se o olha dentro das canecas que estão sobre a mesa da
professora. A professora continua colocando o leite e diz. “ Ih, eu esqueci. Quantos
eu contei mesmo? Levanta de novo quem quer Nescau.” E Júlio levanta o dedo junto
com ouros alunos e diz bem alto: “Eu!” A professora conclui a contagem dizendo:
“Doze” E olha para mim e sorri. Um aluno diz: “Tia, o Júlio levantou o dedo..!” Ela
responde: “Ele também quer Nescau, ué?” Penso: Ela reagiu naturalmente, sem
supervalorizar sua iniciativa de comunicação. Que bom! E continua distribuindo o
leite. Júlio levanta-se para olhar as canecas. A professora sai da sala com a jarra
dizendo: “Só um minuto que eu vou buscar mais.” E fica na porta aguardando a
merendeira repôr o leite na jarra. Júlio levanta-se novamente e olha o leite dentro da
caneca. Percebe que há espuma junto ao leite, por ter sido batido no liquidificador e
diz: “Eca...!” A professora responde:
“Eca? Você não quer não?” Júlio senta-se e a professora começa a distribuir as
canecas. Todos que pediram Nescau recebem suas canecas, inclusive Júlio. O aluno
bebe o leite calmamente, sentado à mesa junto com os demais colegas. ( Nota de
campo em 29 de setembro de 2011)
O uso da linguagem oral para comunicar que queria o Nescau, assim como o
estranhamento diante das espumas na caneca, demonstram a evolução do aluno. Pois, além de
usar a linguagem de acordo com o contexto, fez uso do pronome na primeira pessoa,
referindo-se a si mesmo e não na terceira pessoa como é comum entre as crianças com
autismo. Mais uma vez comprovamos o benefício da imitação para o processo de
aprendizagem de alunos com autismo.
7.4 As percepções da professora Lúcia e dos demais alunos da classe sobre o processo de
inclusão de Júlio
Assim como no estudo anterior, a professora Lúcia apresentou dados que confirmaram
a importância de alunos com autismo estarem em ambientes inclusivos. Quando lhe
perguntamos, por exemplo, como percebia a inclusão para Júlio, comparando como ele
chegou à escola em fevereiro e como estava em dezembro, respondeu:
Foi ótimo. Eu acho que foi ótimo. Foi muito importante também ele ter vindo prá
cá antes e ir pra uma escola maior. Foi ótimo. Ele era um e hoje ele é outro. Eu até
eu olho nos relatórios, o primeiro relatório era falando de comportamento, nos
outros, o comportamento ficou. Lógico, continua sendo trabalhado, mas ficou, a
gente partiu pra outro lado. Igual o último relatório, o relatório do 4º bimestre. É
igual ao relatório dos outros alunos. Não teve diferença, igual teve no primeiro,
com aquela dificuldade toda. Então, assim é igual. Ah, aprendeu o quê? Aprendeu
igual aos outros. Ele sabe igual aos outros. Entendeu? Então, assim, o avanço foi
126
enorme. Muito grande mesmo. A inclusão foi importantíssimo pra ele. (Entrevista
semi-estruturada, professora Lúcia, 20 de dezembro)
Pesquisadora: Vocês lembram porque que eu vim aqui pra sala de vocês? Vocês
lembram o que eu vim fazer aqui?
Maioria dos alunos responde: não. Porém um aluno responde: pra estudar.
Pesquisadora: Quando eu cheguei aqui, no inicio desse semestre, em agosto, eu
disse pra vocês que eu vinha fazer o que?
Aluno 2: Ver o Júlio?
Pesquisadora: Isso, ver o Júlio, participar da turma de vocês, pra estudar um pouco,
não foi?
Alunos: Foi.
Pesquisadora: Então e aí hoje vai ser o último dia que eu venho aqui. E aí eu vim
ver se vocês aprenderam muitas coisas. Se vocês perceberam se o Júlio aprendeu
muitas coisas. Vocês acham que o Júlio aprendeu?
Eles respondem: Aprendeu!
Pesquisadora: Aprendeu o quê?
Aluna 3: Aprendeu a arrumar as letras. Que a tia colocou tudo no chão e ele
arrumou todas letras...(referindo-se a uma atividade de sequenciação do alfabeto)
Pesquisadora: Ele colocou as letras no chão?
Aluna 3: Não... ele tinha que ver se as letras são igual.
Pesquisadora: Ah, tinha uma tarefa assim e ele fez?
Aluna 3: Fez.
Pesquisadora: O que mais que ele aprendeu?
Aluna 4: Aprendeu a brincar ..., aprendeu a falar....
Pesquisadora: Aprendeu a falar?
E a pesquisadora se volta para Júlio: Júlio, quantas coisas você aprendeu aqui...
Aluno 5: É... aprendeu os numerais.
Pesquisadora: Ele aprendeu a lanchar junto com vocês?
Alunos: Aprendeu! (em coro)
Pesquisadora: Aprendeu a sentar na mesa que vocês sentam?
Alunos: Aprendeu! (em coro)
Pesquisadora: Então gente, vocês foram uma turma ótima. Junto com a Tia Lúcia,
vocês ensinaram muitas coisas pro Júlio.
(Entrevista aberta, com a turma, 14 de dezembro de 2011)
127
Foi ótimo. Foi ótimo. Eu acho assim, que se não tivesse eu não sei o que seria de
mim. Porque até mesmo nas atividades, essa troca com a professora, com a Márcia,
essa troca... Porque quando eu vi o que ela estava fazendo lá, aí eu falei: Bom,
estou no caminho. Então é por aí. Essa troca eu acho muito importante. Tem que
ter. Se não, não vai, não acontece. (Entrevista semi-estruturada, professora Lúcia,
20 de dezembro)
É preciso ter muito comprometimento e paciência. Muita paciência que ele vai
conseguir. [...] Ele vai aprender. Tem que ter muita paciência e compromisso
mesmo. E correr, atrás sempre. De novas coisas. De procurar mesmo um trabalho
diferente pra ele. (Entrevista semi-estruturada com professora Lúcia em 20 de
dezembro de 2011)
128
Assim como no estudo anterior, sintetizamos a análise dos dados coletados no segundo
estudo de caso.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O título desta dissertação – Inclusão escolar de alunos com autismo: quem ensina e
quem aprende? - teve como objetivo instigar o leitor a refletir sobre quem são os sujeitos que
ensinam e que aprendem ao se envolverem com o processo de inclusão escolar de alunos com
autismo.
Embora a inclusão desse alunado nas escolas comuns seja recente no Brasil, e ainda
tenhamos poucos estudos sobre o tema, não temos dúvida que esses alunos, devem estar
convivendo com outras crianças da mesma faixa etária, no espaço da escola comum. A
resposta de algumas pessoas que se interessaram pelo tema da dissertação, em conversas
informais, ao longo do processo, era simples, direta e apontava a validade da inclusão: “Todo
mundo aprende!”
Mesmo anteriormente à realização da pesquisa já acreditávamos na inclusão escolar
como possível e benéfica para os alunos com necessidades educacionais especiais, embora
reconhecêssemos que discursar sobre o tema é bem menos complexo que promover práticas
inclusivas. No entanto, a resposta nos direcionou à continuidade no diálogo e reflexões sobre
a temática. Diante de “todo mundo aprende”, logo prosseguíamos com: Todo mundo quem?
E mais, todo mundo que aprende, aprende o quê e como? A busca por essas respostas esteve
presente ao longo do trabalho e foi balizadora de sua organização.
Como explicitado, o objetivo geral da presente pesquisa foi analisar o Projeto de
Acompanhamento à Inclusão dos Alunos com Autismo desenvolvido no Município de Angra
dos Reis, no Rio de Janeiro como ação de suporte oferecido pela Educação Especial. O
acompanhamento sistemático de duas experiências de inclusão realizadas em duas escolas,
configuraram-se como dois estudos de caso desenvolvidos por meio da pesquisa-ação para o
alcance deste objetivo. Embora tenhamos conhecimento que estes estudos de caso retratam
somente um pequeno recorte da realidade da inclusão de alunos com autismo, acreditamos
que algumas constatações que fizemos podem ser consideradas para o desenvolvimento de
novas pesquisas e estudos sobre o tema.
130
A primeira delas é que para promover a inclusão de alunos com autismo é necessário
que haja projetos pedagógicos definidos e estruturados, tanto envolvendo a Educação
Especial como suporte à inclusão, quanto o ensino comum através dos projetos políticos
pedagógicos das unidades de ensino e, mais especificamente através da organização de
adaptações curriculares ou planos de ensino individualizados, como aponta o Decreto
7611/2011. (BRASIL, 2011). Entendemos que assim como qualquer outra ação educacional,
a inclusão requer planejamento e definição de objetivos e metas a serem alcançadas em prazos
determinados. No caso do alunado em questão requer também, que se defina, em parceria com
as famílias, quais alunos devem participar da escolarização nas salas de aula comuns e sob
quais condições.
Um outro ponto que merece ser destacado é que conhecer e estudar as características
comuns aos alunos com autismo e, sobretudo as particularidades do aluno com autismo em
cada sala de aula comum é imprescindível para que o trabalho de inclusão seja delineado. O
professor precisa observar seu aluno, perceber seus interesses e que tipo de evento ou situação
desencadeia comportamentos incompatíveis com o ambiente escolar. Ou seja, conhecer seu
aluno, para interagir e se comunicar com ele, atender às suas necessidades educacionais
especiais e evoluir no processo ensino e aprendizagem. Cada aluno com autismo é um ser
único, com características próprias e que por isso responde às intervenções de forma diferente,
particular e no seu tempo, necessitando de um olhar individualizado do professor.
Não pretendemos aqui depositar toda a responsabilidade da inclusão na figura do
professor. É sabido que o sucesso da educação inclusiva requer o envolvimento dos diferentes
sujeitos que compõem a comunidade escolar. Entretanto, acreditamos que “o professor, em
sala de aula é peça fundamental para que a ação educativa junto aos alunos com necessidades
educacionais especiais tenha margem razoável de sucesso” (BEYER, 2009, p.80).
Também verificamos a importância de se desenvolver e avaliar estratégias adequadas
de atuação pedagógica em sala de aula, respondendo às necessidades educacionais especiais
de alunos com autismo. À medida que os alunos com autismo incluídos em turmas comuns
conseguem demonstrar progresso em seu processo de aprendizagem e desenvolvimento,
principalmente nas áreas que compõem a tríade do transtorno, podemos dizer que as
estratégias utilizadas estão adequadas às suas necessidades educacionais especiais. Para isso é
preciso que os professores regentes, com o suporte da Educação Especial, conheçam formas
diferentes de ensinar e avaliem sua pertinência. Assim, aos poucos, esses docentes passam a
sentir-se mais seguros em modificar suas práticas e experimentar novas formas de ensinar.
131
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Direitos Humanos, Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de
Deficiência. Rio de Janeiro: CASB RJ, 2009.
ANEXOS
ANEXO A - História da Educação Especial em Angra dos Reis
Aberta a primeira turma para surdos, composta por oito alunos, de diferentes idades e
níveis de conhecimento, em sala de aula cedida pela Rede Estadual, no C.E. Dr. Artur
Vargas. A proposta pedagógica era desenvolvida com base na Comunicação Total 52.
1990 Na Secretaria de Educação foi criado um Serviço de Educação Especial.
Instaladas duas classes especiais para surdos na Escola Municipal Prof. José Américo
Lomeu Bastos., e assinado um convênio entre INES e a Prefeitura de Angra,
1992 oportunizando assessoria pedagógica. Eram 16 alunos, agrupados em duas turmas,
com sistema seriado, sendo cada série desenvolvida em dois anos.
52
A Comunicação Total é a “prática de usar sinais, leitura orofacial, amplificação e alfabeto digital para
fornecer inputs lingüísticos para estudantes surdos, ao passo que eles podem expressar-se nas modalidades preferidas. O
objetivo é fornecer à criança a possibilidade de desenvolver uma comunicação real com seus familiares, professores e
coetâneos, para que possa construir seu mundo interno. A oralização não é o objetivo em si da comunicação total, mas uma
das áreas trabalhadas para possibilitar a integração social do indivíduo surdo.”(LACERDA,1998) In Cad.
CEDES vol.19 n.46 Campinas Set. 1998. Disponível em www.scielo.br Acesso em 17 de junho de 2012.
53
Proposta para a Educação de surdos que preconiza ser necessário tornar os surdos competentes em uma língua natural, no
caso dos surdos brasileiros a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e em uma segunda língua, o Português, o que constitui
para o surdo como o aprendizado de uma língua estrangeira para os ouvintes, exigindo o uso de procedimentos
especializados.(ANGRA DOS REIS,2008.
145
54
Soroban é o nome dado ao ábaco japonês, que consiste em um instrumento de cálculo surgido na china há cerca de quatro
séculos. O soroban começou como um simples instrumento onde eram registrados valores e realizadas operações de soma e
subtração. Posteriormente foram desenvolvidas técnicas de multiplicação e divisão. Atualmente já são conhecidas técnicas
para extração de raízes (quadrada e cúbica), trabalho com horas, minutos e segundos, conversão de pesos e medidas. No
soroban podemos operar com números inteiros, decimais e negativos.O objetivo do uso do Soroban é realizar contas com
rapidez e perfeição, buscando alcançar o resultado sem desperdícios. Ele ajuda a desenvolver concentração, atenção,
memorização, percepção, coordenação motora e cálculo mental, principalmente porque o praticante é o responsável pelos
cálculos, não o instrumento. A prática do soroban possibilita realizar cálculos em meio concreto, aumenta a compreensão dos
procedimentos envolvidos e exercita a mente. O início do uso do soroban por pessoas cegas ou com baixa visão (visão sub-
normal), nos anos 40 e 50, veio melhorar o trabalho matemático. Pesquisa em http://www.bengalalegal.com Acesso em 17 de
junho de 2012
146
mesma data, através do Decreto Nº 2727, foi instituída a E.M. de Educação de Surdos.
Realização do curso Educação Inclusiva: Desafio e Processo. Criação da Ficha de
Encaminhamento para o trabalho de Avaliação do aluno com possíveis Necessidades
2003 Especiais. A Educação Especial contabilizava neste ano 130 matrículas [de alunos
com que tipo de deficiências?].
Realização do III Seminário de Educação Especial, a Passeata do Dia Internacional
da Pessoa com Deficiência e a participação da Educação Especial no evento
organizado pelo CIAD - Comitê Intersetorial de Apoio ao Deficiente. Conclusão do
Ensino Fundamental da 1ª turma de alunos surdos do município.
55
Órgão ligado à Secretaria Municipal de Educação, Ciência e Tecnologia (SMECT), criado em 2004, responsável pela
elaboração, estruturação e a implementação de políticas e ações voltadas a alunos com necessidades educacionais especiais,
dentre elas a oferta de formação continuada dos professores do ensino comum que possuem alunos especiais incluídos em
suas turmas, bem como dos que atuam nas modalidades especializadas de suporte. (GLAT & PLETSCH, 2011, p.51)
56
Nomenclatura utilizada pelo MEC anteriormente à política Nacional de Educação Especial na perspectiva da
Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) para referir-se ao atual público de Transtornos Globais do
Desenvolvimento. A origem do termo é da área de saúde e diz respeito às condutas tipicas de síndromes diversas
e inclui o autismo.
147
ANEXO C – Roteiro para registro das observações do aluno com autismo na escola comum
Aluno:
Idade: E. M. /Creche:
Ano/Turma:
Professora/Mediadora:
Data da visita:
ANEXO D – Sugestões para a prática pedagógica com o aluno com autismo na escola comum
Começar com o mais simples, ou o que a criança já sabe fazer e ir gradativamente, por
aproximações sucessivas, aumentando a dificuldade e as exigências da tarefa.
Recorrer a folhas com maior espaçamento, letras maiores, letras mais grossas com
contrastes mais precisos;
Evitar folhas mimeografadas com muito texto ou caracteres pequenos;
Trabalhar conteúdos matemáticos a partir de comparação, seriação e categorização no
espaço físico;
Persistir em diferentes momentos, no sentido de não deixar de oferecer atividades da
turma ou, quando necessário, atividades individualizadas, mesmo que nas primeiras
tentativas o aluno tenha manifestado um comportamento de rejeição, como por
exemplo, jogar o material no chão.
152
Abordar e discutir sobre o uso da CAA junto Aula sobre o uso da Leitura de material teórico/ Eleição de
a alunos com autismo. Participação da Prof. Comunicação vocabulário para elaboração de fichas
17/10 Dr. Cátia Crivelenti Walter (assessora Alternativa e do PCS/Uso de fichas do PCS como
UTD); Aumentativa com recurso de organização e inicio de
alunos com autismo/ comunicação.
Diálogo
Aulas/Vídeos/Divulgaç
Dialogar sobre as experiências ão de material Repasse do encerramento das
desenvolvidas em 04 Unidades Avaliação o/pedagógico/Avaliaçã atividades na escola comum.
2011/ Propostas para acompanhamento de o Coletiva
21/11
inclusão 2012;
154
I – DADOS DE IDENTIFICAÇÃO:
Nome:
D.N:
Bairro em que reside:
Nome da mãe:
Nome do pai:
Outros responsáveis pelo aluno:
II – DADOS ESCOLARES:
A)- Dados da escola especializada:
Unidade de Trabalho Diferenciado
Tel. da UTD:
Coordenação:
Matrícula na UTD em:
Professor na UTD:
2- Dados de interação:
2.2- Como se relaciona com as pessoas?
2.3- Busca o contato? ( ) Sim ( ) Não
2.4- Se busca, como?
2.5- Se não busca, aceita? De que forma?
2.6- Como se relaciona com os objetos?
2.7- Manifesta preferências? ( ) Sim ( ) Não
2.8- Se manifesta preferências, o que é comum nos objetos que prefere?
2.9- Há uso funcional dos mesmos? ( ) Sim ( ) Não
2.10- Como ocorre sua interação em situações não estruturadas?
2.11- A ausência ou quebra de rotina altera seu funcionamento? Como?
2.12- Há alterações motoras? Quais as principais?
2.13- Há presença de estereotipias? Muitas, poucas? Quais?
2.14- Em que situações aparecem mais?
2.15- Existe auto-agressão ou hetero-agressão? ( ) Sim ( ) Não
2.16- Em que contextos podem surgir?
2.17- Há manifestações de rituais? Quais?
Eu, ___________________________________________________
(preencher o espaço com nome e profissão) , aceito participar voluntariamente do estudo
denominado: “INCLUSÃO ESCOLAR DE ALUNOS COM AUTISMO: QUEM
ENSINA E QUEM APRENDE?”
B- Benefícios esperados: Fui informada que, entre os benefícios que podem ser
esperados da pesquisa a se realizar, incluem-se maiores conhecimentos sobre como
incluir alunos com autismo em classes comuns, bem como facilitar sua aprendizagem.
Tais conhecimentos, a médio e longo prazos, poderão se constituir como um programa
158
57
Pesquisadora principal: Profª Drª Rosana Glat. E-mail: [email protected]. Endereço e telefone de contato: Rua
São Francisco Xavier, 524 Grupo 12.037-F CEP 20550-900 – Rio de Janeiro (RJ) Tel: (21) 2234-0467
Pesquisadora: Adriana Rodrigues Saldanha de Menezes. E-mail: [email protected] Endereço e telefone de
contato: Rua São Francisco Xavier, 524 Grupo 12.037-F CEP 20550-900 – Rio de Janeiro (RJ) Tel: (21) 22340467
ou (24)88211000.
159
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e com ela poderei manter contato pelo
telefone (24) 88211000.58
É assegurada a assistência durante toda pesquisa, bem como me é garantido o
livre acesso a todas as informações e esclarecimentos adicionais sobre o estudo e suas
consequências ou tudo o que eu queira saber antes, durante e depois da minha
participação.
Tendo sido orientada quanto ao teor de todo o aqui mencionado e
compreendido a natureza e o objetivo do já referido estudo, manifesto meu livre
consentimento em participar, estando totalmente ciente de que não há nenhum valor
econômico, a receber ou a pagar, por minha participação.
Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na
pesquisa e concordo em participar.
__________________________________________________________________
Nome e assinatura do sujeito da pesquisa
__________________________________________________________________
Nome(s) e assinatura(s) do(s) pesquisador (es) responsável(responsáveis)
58
Caso você tenha dificuldade em entrar em contato com o pesquisador responsável, comunique o fato à
Comissão de Ética em Pesquisa da UERJ: Rua São Francisco Xavier, 524, sala 3020, bloco E, 3º andar, -
Maracanã - Rio de Janeiro, RJ, e-mail: [email protected] - Telefone: (021) 2569-3490
160
Roteiro de entrevista:
1- Nome:
2- Idade:
3- Formação:
4- Tempo de serviço na educação:
5- Tempo de atuação com aluno com autismo:
6- Fale um pouco sobre como você recebeu a notícia que você atuaria com um aluno com
autismo.
7- Fale sobre a inclusão do aluno em sua sala de aula.
8- Como você viu a aprendizagem dele?
9- E sobre o suporte da escola especializada no processo de inclusão do aluno com
autismo, o que você tem a dizer?
10- O que você destacaria como positivo e negativo nessa experiência? Explique
11- Você gostaria de dizer algo a alguém que fosse viver uma experiência parecida com a
sua?