MeireLuziadeSouzaPereira Dissertação
MeireLuziadeSouzaPereira Dissertação
MeireLuziadeSouzaPereira Dissertação
DOURADOS/MS
2023
MEIRE LUZIA DE SOUZA PEREIRA
DOURADOS/MS
2023
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP).
1. PNLD da Educação Infantil. 2. livro didático. 3. alfabetização. I. Silva, Thaise Da. II. Título.
Ficha catalográfica elaborada automaticamente de acordo com os dados fornecidos pelo(a) autor(a).
BANCA EXAMINADORA
________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Thaise da Silva – Orientadora
Universidade Federal da Grande Dourados
________________________________________________________
Prof. Dr º. Klinger Teodoro Ciríaco – Membro Titular
Universidade Federal de São Carlos
________________________________________________________
Profª. Dr.ª Marta Coelho Castro Troquez – Membro Titular
Universidade Federal da Grande Douurados
DOURADOS/MS
2023
RESUMO
Este estudo relata os resultados de uma dissertação de mestrado vinculada à linha de pesquisa
―Educação e Diversidade‖ do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal da Grande Dourados UFGD.O tema do livro didático na Educação Infantil tem sido
motivo de inúmeras discussões por especialistas na área e no contexto pedagógico brasileiro,
sendo esta a primeira vez que ocorre o Programa Nacional do Livro e Material Didático
(PNLD) 2022 destinado às crianças desta etapa da Educação Básica. A partir desse contexto,
surge o interesse por desenvolver um estudo acerca do livro didático da Educação Infantil,
tendo como principal objetivo analisar quais discursos na área da alfabetização e do
letramento estão presentes nos livros didáticos da Educação Infantil. Como objetivos
específicos, propomos: investigar se os livros didáticos contemplam nos seus objetivos a
centralidade na criança e respeitam as especificidades da Educação Infantil; verificar as
concepções de desenvolvimento da linguagem propostas nos livros didáticos; identificar se
existem processos de alfabetização e letramento previstos em orientações e propostas de
atividades nos livros didáticos da Educação Infantil aprovados no PNLD 2022. A base teórica
que pauta este estudo é a dos Estudos Culturais, e a abordagem metodológica adotada é a
qualitativa do tipo documental, com base na análise textual e do discurso, que permitiu
explorar os materiais e perceber a relevância dos dados com maior aprofundamento e
compreensão. Os documentos selecionados para o corpus desta investigação foram o Edital de
Convocação n.º 2/2020 (Edital PNLD 2022), o Guia Digital PNLD 2022 e o livro Adoletá:
volume II: manual do professor, para crianças pequenas de 5 anos, sendo este o livro didático
escolhido pelos professores da rede municipal de ensino de Ponta Porã, Mato Grosso do Sul.
A análise dos resultados demonstrou que, ao se afastar dos princípios éticos, políticos e
estéticos estabelecidos nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil e dos eixos
interações e brincadeira, o livro didático desconsidera os direitos já conquistados no âmbito
da Educação Infantil; é contraditório e limitado, haja vista que suas atividades são baseadas na
repetição e memorização, são descontextualizadas da realidade e do interesse da criança,
pouco propiciam o desenvolvimento das potencialidades das crianças e subjetivam a prática
docente; dessa forma, as especificidades da infância e seu período de desenvolvimento não
são respeitadas. As ações propostas no livro didático Adoletá possuem uma intencionalidade
muito bem-definida: a demanda pela alfabetização precoce das crianças da Educação Infantil.
Analisando os três materiais que fizeram parte do corpus desta investigação, podemos
concluir que eles servem para consolidar o discurso presente na Política Nacional de
Alfabetização, documento este que assume um teor regulador e preparatório, pois define o que
deve e o que não deve ser aprendido pela criança, incluindo a metodologia a ser utilizada pelo
docente durante o processo de ensino-aprendizagem. Neste contexto, os discursos presentes
nos livros didáticos passam a integrar as práticas docentes cotidianas nas pré-escolas,
buscando a regulação da conduta desses sujeitos e tornando possível, ao lado de outros
mecanismos, a gestão do próprio sistema educacional.
This study reports the results of a master's thesis linked to the research line "Education and
Diversity" of the Graduate Program in Education at the Federal University of Grande
Dourados UFGD.The theme of the textbook in Early Childhood Education has been the
subject of numerous discussions by specialists in the field and in the Brazilian pedagogical
context, and this is the first time that the National Program of Books and Teaching Materials
(PNLD) 2022 for children in this stage of Basic Education takes place. From this context
arises the interest in developing a study on textbooks for Early Childhood Education, with the
main objective of analyzing which discourses in the area of literacy are present in textbooks
for Early Childhood Education. As specific objectives, we propose to investigate whether the
textbooks contemplate in their objectives the centrality of the child and respect the identity of
Early Childhood Education; to verify the conceptions of language development proposed in
the textbooks; and to identify whether there are literacy processes planned in the guidelines
and proposals of activities in the Early Childhood Education textbooks approved in the PNLD
2022. The theoretical basis that underlies this study is Cultural Studies, and the
methodological approach adopted is qualitative of the documental type, based on textual and
discourse analysis, which allowed us to explore the materials and understand the relevance of
the data with greater depth and understanding. The documents selected for the corpus of this
research were the Call Notice No. 2/2020 (PNLD 2022 Call Notice), the PNLD 2022 Digital
Guide, and the book Adoletá: volume II: teacher's manual for young children of 5 years old,
which is the textbook chosen by the teachers of the municipal teaching network of Ponta Porã,
Mato Grosso do Sul. The analysis of the results showed that, by moving away from the
ethical, political, and aesthetic principles established in the National Curriculum Guidelines
for Early Childhood Education and from the interactions and play axis, the textbook
disregards the rights already won in the scope of Early Childhood Education; it is
contradictory and limited, given that its activities are based on repetition and memorization,
are out of context with the reality and interest of the child, offer little to develop the children's
potential, and subjectivize the teaching practice; thus, the specificities of childhood and its
development period are not respected. The actions proposed in the Adoletá textbook have a
very well-defined intentionality: the demand for early literacy among children in Early
Childhood Education. Analyzing the three materials that were part of the corpus of this
research, we can conclude that they serve to consolidate the discourse present in the National
Literacy Policy, a document that has regulatory and preparatory content, since it defines what
should and should not be learned by the child, including the methodology that will be used by
the teacher during the teaching-learning process. In this context, the discourses in the
textbooks become part of the daily teaching practices in preschools, seeking to regulate the
conduct of these subjects and making possible, along with other mechanisms, the
management of the educational system itself.
Sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não
aprendo nem ensino (FREIRE, 2019, p. 83).
Infantil correspondem aos previstos nos documentos norteadores desta etapa da Educação
Básica?
Nesse contexto, esta investigação tem como objetivo geral analisar quais discursos na
área da alfabetização e do letramento estão presentes nos livros didáticos da Educação
Infantil. Como objetivos específicos, pretende-se: investigar se os livros didáticos
contemplam nos seus objetivos a centralidade na criança e respeitam as especificidades da
Educação Infantil; verificar as concepções de desenvolvimento da linguagem propostas nos
livros didáticos; identificar se existem processos de alfabetização e letramento previstos em
orientações e propostas de atividades nos livros didáticos da Educação Infantil aprovados no
Programa Nacional do Livro e Material Didático (PNLD) 2022.
Como aporte teórico são utilizados os Estudos Culturais, por possibilitarem a reflexão
em relação aos dados observados e permitirem formular conclusões sobre os resultados
alcançados. A metodologia é a da pesquisa qualitativa, de caráter analítico tendo como
procedimento de análise a pesquisa documental. As fontes de dados analisadas nesta
investigação são: o Edital de Convocação n.º 2, de 21 de maio de 2020, da Coordenação-
Geral dos Programas do Livro (CGPLI), o Edital PNLD 2022; o Guia Digital PNLD 2022; e a
obra didática Adoletá: volume II: manual do professor (SILVA; CARLA, 2020), obra
destinada a crianças de 5 anos da Pré-escola I da Educação Infantil.
A Educação Infantil, primeira etapa da Educação Básica, tem como finalidade o
desenvolvimento integral da criança de até 5 anos e 11 meses, em seus aspectos físico,
psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade
(BRASIL, 1996). Esta etapa educacional é marcada por conquistas e avanços na garantia de
uma educação pública de qualidade, porém continuamente é alvo de ações governamentais.
Entre as inovações propostas está a adoção do livro didático para as crianças da Educação
Infantil.
Os termos ―livros didáticos‖ e ―Educação Infantil‖ não eram pensados ou concebidos em uma
mesma frase há bem pouco tempo. A utilização de livros didáticos para essa faixa etária até
hoje é algo questionado por muitos pesquisadores da área, como Baptista (2010), Junqueira
(2021 apud ABE, 2021) e Almeida (2019); e embora os livros estivessem presentes em
instituições privadas, pouco se discutia sobre a ideia de sua inclusão nas creches e pré-escolas
da rede pública de ensino.
O cenário passa por alteração quando, em 2017, o PNLD lança a proposta de incluir entre os
materiais distribuídos para as instituições de ensino um livro para o professor da Educação
Infantil, denominado Livro do Professor da Educação Infantil. A partir desse momento,
13
pesquisadores como Oliveira (2021) passaram a inferir que o próximo passo seria um livro
para as crianças desta etapa, fato que se concretiza quando o MEC lança o PNLD 2022, o qual
seleciona e distribui pela primeira vez livros destinados às crianças desta etapa da Educação
Básica.
Nessa perspectiva, estamos falando de uma forte influência da política neoliberal no
setor educacional, compreendendo que o neoliberalismo não está situado unicamente sobre a
dimensão econômica, mas, sim, como uma forma de governamento, ou seja, uma forma de
conduzir as condutas dos outros e de si (FOUCAULT, 2002). Assim, concebemos o livro
didático como estratégia para essa condução de condutas (OLIVEIRA, 2019), na sua potência
de disseminar discursos que constituem o sujeito próprio ao neoliberalismo, fazendo das
instituições de ensino esse aparelho de regulação de como viver, tornando-se (re) produtora de
discursos e de produção econômica.
Diante desse novo contexto, senti a necessidade de realizar a presente pesquisa, que pretende
lançar um olhar reflexivo para o livro didático da Educação Infantil destinado às crianças de 5
anos. Não obstante os livros do PNLD sejam produzidos em escala nacional, este estudo
investiga o adotado pela rede pública de ensino do município de Ponta Porã/MS.
Sendo assim, esta dissertação, além desta introdução, onde situamos o contexto da
pesquisa — experiências anteriores que motivaram a desenvolver este estudo, os objetivos
gerais e os específicos —, está organizada em outros cinco capítulos. O primeiro capítulo tem
o intuito de contextualizar e verificar o que já foi produzido na área sobre o tema. O segundo
contém o caminho teórico que serve de base para esta pesquisa e discorre sobre o conceito de
linguagem na Educação Infantil. O terceiro contempla o percurso metodológico, em que
detalhamos a metodologia do trabalho — que tipo de pesquisa desenvolvemos, quais
documentos iremos examinar e as categorias de análise. O quarto capítulo aborda os discursos
legais em disputa, sendo dividido em três seções: a primeira apresenta as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI); a segunda discorre sobre a BNCC;
e a terceira descreve a Educação Infantil na perspectiva da Política Nacional de Alfabetização
(PNA). No quinto capítulo analisamos os documentos que fazem parte da pesquisa, sendo
dividido em três seções: uma para o Edital de Convocação, outra para o Guia Digital e a
última para o livro didático Adoletá.
Por ser uma temática atual, existem poucos estudos publicados, o que pode ser
observado pela revisão de literatura descrita no próximo capítulo. É sob essa perspectiva que
se encontra o diferencial do trabalho proposto, pois é uma pesquisa inédita no cenário vigente
da educação brasileira
14
1 REVISÃO DE LITERATURA
Neste capítulo, apresentamos a revisão de literatura traçando uma linha do tempo com
informações substanciais sobre o livro didático na Educação Infantil. Ao iniciar uma pesquisa
é fundamental situar a investigação entre as pesquisas existentes para verificar o que já foi
produzido na área sobre o tema, o que se pensou a respeito do assunto e julgar se o tema é
merecedor de mais um estudo, pois ele pode ter sido esgotado. Dessa forma, houve a
necessidade de, primeiramente, realizar um levantamento para melhor contextualizar esta
investigação, com o objetivo de descobrir o que outros pesquisadores produziram e saber
quais lacunas precisam ser preenchidas. O levantamento permite mostrar o quanto o tema é
inédito, tendo por base diferentes métodos, abordagens teóricas e recorte temporal das
pesquisas localizadas.
Sobre esse tipo de levantamento, Soares e Maciel (2000, p. 7) afirmam:
Educação Infantil. Na base de dados ScieLO, então, foi selecionado ao final do levantamento
uma pesquisa.
Na plataforma Google Acadêmico, por meio dos descritores ―Livro Didático na
Educação Infantil‖, obtivemos 124 resultados. Pela leitura dos títulos e resumos, foram
selecionados cinco trabalhos para análise. Com os descritores ―Alfabetização e Educação
Infantil‖, localizamos 143 resultados. Ao ler seus títulos e resumos, restaram dois textos para
análise. Com os descritores ―PNLD e Alfabetização‖, foram listados 115 resultados, mas,
após a leitura dos títulos e dos resumos, nenhum deles foi selecionado. Desse modo, foram
escolhidos, no total, sete trabalhos no Google Acadêmico.
No Repositório da UFGD, utilizando os descritores ―PNLD e Educação Infantil‖,
apareceram 728 títulos. Com a aplicação dos filtros: Área do conhecimento: Ciências
Humanas; Tipo de documento: Dissertação; Data de publicação: 2020–2023; restaram 72.
Após a leitura dos títulos, foram selecionados dois deles para análise.
Mediante o levantamento realizado, foi possível delimitar a nove artigos, quatro
dissertações, uma tese e um trabalho de conclusão de curso de graduação (TCCG), totalizando
quinze trabalhos selecionados, conforme podemos verificar no Quadro 1.
7%
33%
33%
27%
Fonte: Elaborado pela autora com base em BDTD (2022), CAPES (2016), ScieLO (2022) e UFGD (2022).
Neste contexto, verificamos que cinco dessas produções são originárias da região
Centro-Oeste, quatro do MS e uma de Goiás (GO). Da região Nordeste, as quatro pesquisas
são do estado de Pernambuco (PE). Na região Sul, das cinco produções, uma é do Paraná
(PR), três do Rio Grande do Sul (RS) e uma de Santa Catarina (SC). Da região Sudeste, a
única investigação selecionada é do estado de Minas Gerais (MG).
Quanto às instituições de ensino de origem dos trabalhos selecionados, podemos
averiguar na Figura 2 o percentual de pesquisas de cada uma.
Figura 2 – Instituições de ensino
Universidade Federal Universidade Estadual Universidade Particular
20%
13%
67%
Fonte: Elaborado pela autora com base em BDTD (2022), CAPES (2016), ScieLO (2022) e UFGD (2022).
federais são responsáveis por 67% das investigações realizadas, demonstrando o grau de
relevância da temática no âmbito dessas instituições.
A pesquisa é fundamental para o aprimoramento da sociedade e permite que os
acadêmicos desenvolvam o pensamento científico e o raciocínio crítico, executando projetos
de forma mais segura e eficiente, sendo capazes de identificar problemas e propor soluções.
Dessa forma, as universidades contribuem para a formação de profissionais mais críticos e
melhor preparados para os desafios da vida em sociedade.
Considerando isso e o estudo realizado pelos pesquisadores citados no Quadro 1, esta
pesquisa se propõe a apresentar um resumo de cada um deles, com o objetivo de informar as
investigações desenvolvidas e o quanto estas se aproximam de nossa temática.
Iniciamos com o artigo escrito por Carbonieri e Magallhães (2022), intitulado Livro
didático: contradições para o desenvolvimento da imaginação na idade pré-escolar, que teve
como objetivo analisar o Edital PNLD 2022 para Educação Infantil e a obra didática da
coleção ―Porta aberta‖, com o intuito de verificar as principais orientações pedagógicas que
nortearam a produção dos livros didáticos para a Educação Infantil e avaliar os possíveis
riscos na adoção do livro didático para as crianças desta etapa da educação, no que tange ao
desenvolvimento da imaginação. Tratou-se de uma pesquisa qualitativa de cunho documental,
em que foram examinadas as seguintes seções pertencentes ao Edital PNLD 2022: obra
didática, obra literária e obras pedagógicas de preparação para alfabetização baseada em
evidências. A opção pela obra didática analisada foi definida pela escolha realizada no
município de Londrina/PR, como primeira opção para distribuição. Segundo as autoras, as
ações propostas nos livros didáticos contêm uma intencionalidade muito bem definida, que é a
demanda pela alfabetização precoce das crianças da Educação Infantil, produzindo um
distanciamento do que é legitimado pelas DCNEI. Ao se afastar dos princípios éticos,
políticos e estéticos estabelecidos nas DCNEI e dos eixos interações e brincadeira, igualmente
autenticados e corroborados na BNCC, o Edital PNLD 2022 apresenta uma tentativa de
desconsiderar os direitos já conquistados no âmbito da Educação Infantil, além de
desqualificar o trabalho docente e as pesquisas produzidas na área.
Plaszewski e Vanti (2021) escreveram o artigo PNLD na Educação Infantil e o
processo de apagamento das pedagogias das e pelas infâncias: uma análise preliminar, cujo
objetivo foi realizar uma revisão crítica inicial acerca do Edital PNLD 2022 para a Educação
Infantil. A pesquisa foi de abordagem qualitativa e teve como fonte a pesquisa documental do
Edital PNLD 2022 e das coleções de livros didáticos da editora FTD para educação pré-
escolar. As autoras concluíram que não é recomendada a adoção do livro didático para as
21
crianças e, para isso, formulam cinco argumentos que fortalecem os discursos de resistência e
rejeição à política do livro didático. O primeiro motivo é a imobilidade e o emparedamento; o
segundo é a descontextualização prescrita no currículo; o terceiro é o conteúdo prêt-à-porter;
o quarto são as distorções ideológicas e visuais; e o quinto é a abordagem antidemocrática.
Para as autoras, os únicos segmentos que ganham com a adesão da Educação Infantil ao
PNLD são as editoras e seus autores, pois os lucros serão absurdos. O livro didático priva as
crianças de uma educação participativa que as torne protagonistas, potentes e capazes.
Segundo as autoras, o PNLD para Educação Infantil é um golpe aniquilador que vem
sequestrar de forma violenta essa possibilidade; é o carro-chefe de um processo de
apagamento das pedagogias das infâncias e pelas infâncias; é um caminho sem volta, pois, se
permitirmos que ele se instale e se acomode em nossas práticas cotidianas, será muito mais
difícil reverter esse processo avassalador e descontruir esse ―legado adultocêntrico‖ na vida
das nossas crianças.
Westrup e Camargo (2021) publicaram o artigo A alfabetização na Educação Infantil
e os direitos de aprendizagem e desenvolvimento propostos pela BNCC, objetivando
compreender o processo de alfabetização na Educação Infantil com crianças pequenas e sua
relação com os direitos de aprendizagem e desenvolvimento da BNCC. A pesquisa teve
caráter bibliográfico, utilizando documentos e autores que norteiam a Educação Infantil,
dentre eles: BNCC (BRASIL, 2017a), Referencial Curricular Nacional para a Educação
Infantil (RCNEI) (BRASIL, 1998), DCNEI (BRASIL, 2009), Santa Catarina (2019), Mello
(2009) e Britto (2005). As autoras concluíram que os documentos não fazem menção à
alfabetização na Educação Infantil, mas sim à importância de valorizar as experiências e
vivências que acontecem nesse segmento, principalmente o brincar e o explorar. Dentro dessa
concepção, a criança pode ter contato com a linguagem escrita por meio de ambientes
alfabetizadores e diferentes experiências, desde que ela seja protagonista nesse processo de
construção.
Paula e Araujo (2020), em seu artigo denominado Uma análise sobre a utilização de
livro didático na Educação Infantil, realizaram uma pesquisa que teve como objetivo avaliar
o uso do livro didático na Educação Infantil das escolas da rede municipal de Ubá/MG,
investigando a opinião das professoras no que diz respeito aos desafios encontrados em sua
utilização. Como metodologia, adotou-se a pesquisa qualitativa e o estudo de caso,
objetivando pesquisar o caso específico das escolas da cidade. Para tanto, foi aplicado um
questionário às professoras para coletar os dados e foram realizadas entrevistas
semiestruturadas. Concluiu-se que o livro didático, apesar de ser uma ferramenta rica, mostra-
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materiais prescritivos, como é o caso de livros didáticos, os professores, muitas vezes, alteram
as propostas apresentadas ou até mesmo as ignoram, por não atenderem às suas expectativas e
aos seus objetivos.
Assis (2020) produziu a dissertação O livro didático como recurso formador docente
na Educação Infantil, cujo objetivo foi a análise dos limites e da influência do uso do livro
didático como ―modelo‖ de formação docente na Educação Infantil. A metodologia de
pesquisa utilizada foi o estudo de caso. A produção dos dados foi realizada com entrevistas
qualitativas e semiestruturadas com seis professoras do município de Betim/MG. Constatou-
se por meio da pesquisa que não há como abordar o tema ―livro didático‖ sem contextualizar
sua dimensão política, considerando seus elementos ideológicos e tendo como marca histórica
a falta de neutralidade. A realização deste estudo mostrou que a utilização do livro didático na
Educação Infantil é uma questão complexa, uma vez que exige a definição de critérios que
instrumentalizem o processo de escolha e fomente a discussão sobre os processos de adoção
nas instituições de Educação Infantil. O que se julgou mais promissor é estimular novos
estudos que joguem luz nas questões da descolonização do currículo escolar na Educação
Infantil e das ideologias que atravessam as coleções didáticas, temática ainda pouco
investigada e que merece um olhar atento e vigilante em busca da formação de sujeitos que
possam compreender, intervir e transformar a realidade.
Silva (2018), em sua tese de doutorado O ensino da modalidade escrita da língua no
final da Educação Infantil: concepções e práticas docentes, realizou uma pesquisa que teve
como objetivo identificar e analisar as concepções e as práticas pedagógicas de ensino-
aprendizagem da língua portuguesa das professoras do último ano da Educação Infantil. A
metodologia utilizada foi a coleta de dados a partir da observação de 20 jornadas de aulas de
cada docente, além de entrevista ao final das observações. A pesquisa revelou que ainda há
dificuldades para conceber o lugar da linguagem escrita na Educação Infantil. A investigação
também sinalizou a necessidade de discutir e situar melhor o lugar da leitura e da escrita nesta
etapa educacional, para colaborar com a fundamentação e o desenvolvimento de práticas mais
coesas, que valorizem e respeitem as crianças pequenas. A falta de definições e
posicionamentos mais explícitos por parte dos programas oficiais sobre o que se deve fazer
com os eixos da língua portuguesa na Educação Infantil abre margem para práticas que vão
em direções diversas ou que podem funcionar de modo um tanto aleatório.
Diante das considerações supramencionadas, comprovou-se que esta pesquisa é
inédita, sendo encontrados pouquíssimos estudos referentes à temática do livro didático
destinado a crianças de 5 anos da Educação Infantil e distribuídos pelo PNLD, visto que a
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maioria são trabalhos sobre o livro do professor ou sobre livros adotados em instituições
privadas. Assim, podemos afirmar que a revisão de literatura, que teve como objeto de
pesquisa o livro didático da Educação Infantil, possibilitou uma visão panorâmica, abrangente
e atual do objeto desta investigação.
Mediante a análise dos quinze trabalhos selecionados, realizamos uma síntese com
base nos pensamentos e conclusões dos pesquisadores citados, que deixam claro em seus
textos que não é recomendado a adoção do livro didático para as crianças da Educação
Infantil, pois, além de desqualificar e subjetivar o trabalho do docente, não valoriza as
experiências e as vivências das crianças, desconsideram as diferenças regionais, de classe e
cultural, tornando limitadas as interações e as brincadeiras. Os autores enfatizam que o ensino
precisa partir das indagações e do interesse das crianças, e que o livro didático é um
instrumento conteudista, um manual a ser seguido pelo professor, sendo a maioria das
atividades baseada em repetições, memorização, junção de sílabas, decodificação e cópia de
modelos prontos, e não priorizam a diversidade de materiais. As pesquisas analisadas
ressaltam que é preciso identificar e valorizar, no trabalho pedagógico, a cultura da infância,
superando práticas mecânicas e descontextualizadas e desenvolvendo a brincadeira e a
ludicidade nas ações didáticas. Nesse sentido, podemos verificar que a adoção e a utilização
do livro didático são uma questão complexa, por ser um recurso subsidiado por um programa
governamental, trazendo diversas e divergentes opiniões.
Não há como abordar o tema ―livro didático‖ sem contextualizar sua dimensão
política, considerando seus elementos ideológicos e tendo como marca histórica a falta de
neutralidade. O livro, na maioria das vezes, é utilizado como artefato de disseminação do
discurso de um documento ou de uma proposta governamental. Silva (2012, p. 31) considera
que ―Um artefato cultural como o livro didático participa da regulação da vida social, por
meio das formas pelas quais ele é representado, das identidades com ele associadas ou por
eles produzidas e das articulações entre sua produção e seu consumo‖.
Os discursos presentes no livro didático subjetivam a prática docente, não concebem a
criança e suas experiências como centro do processo educativo, determinando o caminho a ser
seguido. O contato da criança com o mundo da escrita deve ser ampliado, sem que isso
signifique desconsiderar suas necessidades e seus interesses, buscando, então, inseri-las em
um ambiente prazeroso e significativo, ao levar sempre em consideração a dimensão lúdica e
ao compreender a brincadeira como principal característica da cultura da infância (FREITAS,
2013). Logo, é necessário que o encaminhamento das equipes docentes nas instituições seja
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Nesse contexto, e a partir dessa concepção, a dicotomia entre alta e baixa cultura se
desfaz. Assim sendo, práticas culturais populares passaram a ser pensadas como parte
integrante daquilo que antes se entendia como cultura.
Os Estudos Culturais não configuram uma disciplina, mas uma área onde diferentes
disciplinas interagem, visando ao estudo de aspectos culturais da sociedade (HALL, 2003).
Desta forma, ao rejeitar as fronteiras entre os campos disciplinares, os Estudos Culturais
tornam-se um espaço aberto à discussão de temáticas variadas, possibilitam diversificadas
abordagens, fundamentam-se em diferentes áreas que podem estabelecer um diálogo, dando
conta dos seus interesses teóricos e políticos.
A esse respeito, Escosteguy (1998, p. 88) explica que:
Os estudos culturais devem ser vistos tanto do ponto de vista político, na tentativa de
constituição de um projeto político, quanto do ponto de vista teórico, isto é, com a
intenção de construir um novo campo de estudos. Do ponto vista político, é
sinônimo de ―correção política‖, podendo ser identificado como a política cultural
dos vários movimentos sociais da época de seu surgimento. Da perspectiva teórica,
resultam da insatisfação com os limites de algumas disciplinas, propondo, então, a
interdisciplinaridade.
como uma instância epistemologicamente superior às demais instâncias sociais, mas sim
tomá-la atravessando tudo aquilo que é do social‖. Para os autores Costa, Silveira e Sommer
(2003, p. 36), ―[…] é na esfera cultural que se dá a luta pela significação, na qual os grupos
subordinados procuram fazer frente à imposição de significados que sustentam os interesses
dos mais poderosos‖. Nesse sentido, os textos culturais são o próprio local onde o significado
é negociado e fixado.
Considerando o exposto, o impacto causado pela virada cultural nas relações globais
contemporâneas preconizou que as lutas pelo poder, cada vez mais, seriam efetivadas no
campo simbólico e discursivo.
A partir da virada cultural, o termo ―cultura‖ sofreu uma renovação e uma revisão
teórica, passando a ser visto como designação de um determinado modo de vida comum a um
grupo ou a uma época. Assim, este termo dilatou o conceito de cultura e deu maior
visibilidade à linguagem, ampliando sua compreensão para a vida social. Veiga Neto (2003, p.
6) resume a virada cultural como ―[...] o entendimento de que a cultura é central não porque
ocupa o centro, uma posição única, privilegiada, mas porque perpassa tudo o que acontece nas
nossas vidas e todas as representações que fazemos desses acontecimentos‖.
Até esse momento, a linguagem era vista como elemento neutro que servia para relatar
o que estava dado no mundo, ou seja, ela apenas descrevia a realidade (TEIXEIRA, 2020).
Esse novo olhar para a linguagem refere-se a algo mais amplo: ela passa a ser vista como
elemento constituidor da realidade e das práticas de representação, elevando-se a uma posição
privilegiada na construção e na circulação do significado.
Essa virada linguística envolve
[...] uma inversão da relação que tradicionalmente tem se pensado que exista entre as
palavras que usamos para descrever as coisas e as próprias coisas. A suposição usual
do senso comum é a de que os objetos existem ―objetivamente‖, como tal, ―no
mundo‖ e, assim, seriam anteriores às descrições que deles fazemos. Em outras
palavras, parece normal presumirmos que as ―moléculas‖ e os ―genes‖ precedam e
sejam independentes dos seus modelos científicos; ou que a ―sociedade‖ exista
independentemente das descrições sociológicas que dela se fazem. O que estes
exemplos salientam é o modo como a linguagem é presumivelmente subordinada e
está a serviço do mundo do ―fato‖. Entretanto, nos últimos anos, a relação entre a
linguagem e os objetos descritos por ela tem sido radicalmente revista. A linguagem
passou a ter um papel mais importante. Teóricos de diversos campos — filosofia,
32
Trata-se aqui da relação entre a linguagem e a existência dos objetos, definindo que,
muito além de descrever os objetos, a linguagem os constitui. Para Hall (1997), a virada
cultural está intimamente ligada a essa nova atitude perante a linguagem, pois a cultura é um
conjunto de práticas; é a soma de diferentes sistemas de classificação e de formações
discursivas diversas aos quais a língua recorre a fim de dar significado às coisas; ela não é um
meio neutro de explicar e representar o mundo, mas é a constituidora do discurso, tornando-se
crucial na construção da vida social.
O termo ―discurso‖ refere-se tanto à produção de conhecimento por meio da
linguagem e da representação quanto ao modo como o conhecimento é institucionalizado,
modelando práticas sociais e colocando novas práticas em funcionamento. Segundo Foucault
(1996, p. 9),
O discurso não descreve somente os objetos, ele fabrica os objetos dos quais fala,
uma vez que em toda a sociedade a produção do discurso é ao mesmo tempo
controlada, selecionada, organizada e redistribuída por certo número de
procedimentos que têm por função denominar seus poderes e perigos, dominar seu
acontecimento aleatório, distanciar sua pesada e temível materialidade.
Sendo assim, a virada cultural está associada à virada linguística, que tomou a
linguagem como um termo geral para as práticas de representação e colocou-a numa posição
de destaque na construção e na circulação do significado. Neste sentido, ―[...] a cultura não é
nada mais do que a soma de diferentes sistemas de classificação e diferentes formações
discursivas aos quais a língua recorre a fim de dar significado às coisas‖ (HALL, 1997, p. 9-
10).
Silva (2012) pondera que, com as viradas linguística e cultural, a concepção de
verdade única passa a ser substituída por verdades constituídas e estabelecidas historicamente.
Nessa perspectiva, nossa investigação está inserida num processo em que algo se torna
verdade na produção, na regulação e no consumo dos livros didáticos destinados às crianças
da Educação Infantil a partir do PNLD 2022.
As questões culturais têm estado cada vez mais no centro dos debates acerca das
políticas públicas, e no cerne disso está a relação entre cultura e poder. Quanto mais
importante, mais ―central‖ se torna a cultura, tanto mais significativas são as forças que a
governam, organizam, moldam e regulam as práticas sociais, influenciando a nossa conduta,
tendo efeitos reais e práticos (HALL, 1997).
33
de identidades possíveis, regulando, com isso, o tipo de sujeitos que somos. Essa
subjetividade, causada por um contexto social, marcadamente linguístico e cultural, influencia
a construção da identidade. Sendo assim, o social, o linguístico e o cultural atuam, direta ou
indiretamente, na forma como pensamos e agimos; os posicionamentos com os quais nos
adequamos e subjetivamo-nos constituem nossas identidades.
Para entender a dimensão da cultura como um campo de disputas, é preciso estar em
sintonia com a noção de poder. As práticas de significação e as relações de poder se
entrelaçam na constituição dos sujeitos e da sociedade. Ao trabalhar com esta concepção, a
cultura passa a ser interpretada como fenômeno imbricado nas relações de poder, de lutas por
imposição de significados e de constituição de identidades. Essa perspectiva torna possível
aos Estudos Culturais se articularem ao pensamento foucaultiano, pois ―[...] em ambos os
casos está presente uma clara inconformidade, uma atitude explícita contra condições do
presente ou, no mínimo, desconfiada destas condições‖ (VEIGA NETO, 2004, p. 48).
Foucault (2002, p. 8) reflete que,
Se o poder fosse somente repressivo, se não fizesse outra coisa a não ser dizer não,
você acredita que seria obedecido? O que faz com que o poder se mantenha e que
seja aceito é simplesmente que ele não pesa só como uma força que diz não, mas
que de fato ele permeia, produz coisas, induz ao prazer, forma saber, produz
discurso. Deve-se considerá-lo como uma rede produtiva que atravessa todo o corpo
social, muito mais do que uma instância negativa que tem por função reprimir.
Logo, as lutas pelo poder não são apenas físicas, mas também simbólicas e
discursivas, assumindo, assim, uma política cultural (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003).
Nesse sentido, é de suma importância a análise do livro didático da Educação Infantil
como um artefato centralizador de poder, conhecimento e cultura, cujas páginas irão
direcionar práticas docentes por meio dos discursos de poder-saber (OLIVEIRA, 2021).
Silva (2012, p. 31) afirma que ―[...] um artefato cultural como o livro didático
participa da regulação da vida social, por meio das formas pelas quais ele é representado, das
identidades com ele associadas ou por ele produzidas e das articulações entre sua produção e
seu consumo‖. Nesse contexto, e tendo por base as reflexões inspiradas na teoria dos Estudos
Culturais, o livro didático é um artefato cultural constituído por discursos que direcionam as
práticas nas salas da Educação Infantil, não respeitando as características e o modo de
aprender que ocorre pelas interações e brincadeiras.
A próxima seção aborda os estudos referentes à linguagem na Educação Infantil, uma
vez que analisamos a proposta de alfabetização e letramento contida nos livros didáticos.
35
A criança é feita de cem. A criança tem cem mãos, cem pensamentos, cem modos de
pensar, de jogar e de falar. Cem, sempre cem modos de escutar as maravilhas de
amar. Cem alegrias para cantar e compreender. Cem mundos para descobrir. Cem
mundos para inventar. Cem mundos para sonhar. A criança tem cem linguagens (e
depois, cem, cem, cem), mas roubaram-lhe noventa e nove. A escola e a cultura
separam-lhe a cabeça do corpo. Dizem-lhe: de pensar sem as mãos, de fazer sem a
cabeça, de escutar e de não falar. De compreender sem alegrias, de amar e de
maravilhar-se só na Páscoa e no Natal. Dizem-lhe: de descobrir o mundo que já
existe, e, de cem, roubaram-lhe noventa e nove. Dizem-lhe: que o jogo e o trabalho,
a realidade e a fantasia, a ciência e a imaginação, o céu e a terra, a razão e o sonho,
são coisas que não estão juntas. Dizem-lhe: que as cem não existem. A criança diz:
Ao contrário, as cem existem (MALAGUZZI, 1999, p. 5).
Ressaltamos que as crianças aprendem por meio das múltiplas linguagens, inerentes no
processo de apropriação do conhecimento. A infância é uma fase em que ocorre o
desenvolvimento intelectual, emocional, motor e social. A criança vive a infância como um
momento próprio dela, e o estímulo é fator crucial nessa fase.
Neste contexto, as DCNEI (BRASIL, 2009) estabelecem como base o conceito de
criança e de currículo; e observando a Resolução n.º 5/2009, que fixa as DCNEI, é possível
destacar os artigos 8º e 9° pertinentes a este estudo:
Art. 8º A proposta pedagógica das instituições de Educação Infantil deve ter como
objetivo garantir à criança acesso a processos de apropriação, renovação e
articulação de conhecimentos e aprendizagens de diferentes linguagens, assim como
o direito à proteção, à saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito, à dignidade, à
brincadeira, à convivência e à interação com outras crianças.
Art. 9º As práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação
Infantil devem ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira, garantindo
experiências que: [...] III – possibilitem às crianças experiências de narrativas, de
apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes
suportes e gêneros textuais orais e escritos; [...] (BRASIL, 2009).
A BNCC (BRASIL, 2017a) define os seis direitos de aprendizagens que devem ser
garantidos na Educação Infantil: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-
se. Segundo o documento, utilizando as diferentes linguagens, a criança irá ampliar o
37
1
Lógico-matemática: pessoas que desenvolvem mais facilmente habilidades em matemática e em raciocínios
lógico-dedutivos; cientistas possuem esta característica (ANTUNES; COSTA, 2016).
2
Linguística: indivíduos com amplas habilidades em escrita, leitura e em aprender idiomas; é predominante em
poetas e escritores (ANTUNES; COSTA, 2016).
3
Espacial: quem tem capacidade de formar um modelo mental de um mundo espacial e é capaz de manobrar e
operar utilizando esse modelo. É característica de arquitetos e escultores (ANTUNES; COSTA, 2016).
4
Físico-sinestésica: pessoas que têm grande aptidão para controlar os movimentos do corpo; atores e aqueles que
praticam dança têm essa característica (ANTUNES; COSTA, 2016).
38
5
Interpessoal: os que têm habilidade de entender intenções, motivações e desejos dos outros; encontra-se mais
desenvolvida em políticos, religiosos e professores (ANTUNES; COSTA, 2016).
6
Intrapessoal: pessoas que têm a capacidade de entender a si mesmo, como psicoterapeutas e escritores
(ANTUNES; COSTA, 2016).
7
Musical: indivíduos que possuem grande aptidão para tocar instrumentos, compor e executar produções
musicais; estão englobados compositores, maestros e críticos da música (ANTUNES; COSTA, 2016).
39
Segundo a autora, a criança pode não ser alfabetizada e possuir graus de letramento,
pois conviveu com várias situações de usos sociais da leitura e da escrita: já folheou livros,
fingiu lê-los, brincou de escrever, ouviu histórias com frequência, está rodeada de material
escrito e percebe seu uso e função; logo, podemos dizer que essa criança é, de certa forma,
letrada. Já outra criança pode dominar a escrita e a leitura, mas não reconhecer os usos sociais
que elas adquirem de acordo com a sua função.
Quanto maior o contato da criança com situações em que a escrita é empregada como
objeto de mediação das interações sociais, maior será a sua chance de pensar sobre esse
objeto, de levantar hipóteses sobre o seu funcionamento e de testá-las (BAPTISTA, 2010),
haja vista que desde os primeiros contatos com a língua escrita a criança manifesta interesse
em compreender seu funcionamento.
Sabemos que a criança, ao participar de situações nas quais a leitura e a escrita são
instrumentos fundamentais para as interações, descobre informações fundamentais
sobre a linguagem escrita. Também sabemos que uma mediação adequada entre o
sujeito e o objeto do conhecimento promove desenvolvimento cognitivo. Assim, a
atuação da professora é fundamental para assegurar informações, incitar a
curiosidade e o desejo de conhecer, levar a criança a formular perguntas, verbalizar e
formular suas hipóteses (BAPTISTA, 2010, p. 7).
O ambiente é visto como algo que educa a criança; na verdade, ele é considerado o
―terceiro educador‖ juntamente com a equipe de dois professores. A fim de agir
como educador para a criança, o ambiente precisa ser flexível; deve passar por uma
modificação frequente pelas crianças e pelos professores a fim de permanecer
atualizado e sensível às suas necessidades de serem protagonistas na construção de
seu conhecimento. Tudo o que cerca as pessoas na escola e o que usam — os
objetos, os materiais e as estruturas — não são vistos como elementos cognitivos
passivos, mas, ao contrário, como elementos que condicionam e são condicionados
pelas ações dos indivíduos que agem nela (EDWARDS; GANDINI; FORMAN,
1999, p. 157).
44
3 PERCURSO METODOLÓGICO
Essa metodologia, que tem por base a análise textual, em nossa pesquisa conta com o
aporte teórico dos estudos de Cellard (2012), Gil (2008), Minayo (2002), entre outros. Nossa
fonte de dados é constituída do Edital de Convocação n.º 2/2020 — CGPLI (Edital PNLD
2022), do Guia Digital PNLD 2022 e do livro Adoletá: volume II: manual do professor, para
crianças pequenas de 5 anos, materiais selecionados e disponibilizados por meio do PNLD,
instituído pelo Decreto n.º 9.099, de 18 de julho de 2017.
O campo teórico que respalda este estudo é o dos Estudos Culturais, no qual os livros
didáticos ―[...] são artefatos produtivos, são práticas de representação, inventam sentidos que
circulam e operam nas arenas culturais onde o significado é negociado e as hierarquias são
estabelecidas‖ (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003, p. 38).
Ainda sobre a pesquisa documental, esta permite a investigação do passado e do
presente com base na vivência e na ação dos sujeitos em situações ou épocas diferentes.
Assim, nosso estudo tem como base documentos atuais: livros didáticos da Educação Infantil
produzidos no ano de 2020 e que tem um ciclo de utilização de 4 anos (de 2022 a 2025),
sendo que o manual impresso do professor é reutilizável, e o livro do estudante é consumível.
47
3 Autenticidade e
confiabilidade
1 Contexto
4 Natureza e conceito
DIMENSÕES
Para Cellard (2012), basear-se nas etapas da análise documental a partir das cinco
dimensões é primordial para a realização de uma investigação detalhada e para compreensão
da realidade em que o documento está inserido.
Iniciando com a primeira dimensão, a análise do contexto social global no qual o
documento foi produzido — o cenário político, econômico, social e cultural que permitiu a
produção do documento — é de suma importância, pois uma boa compreensão do contexto é
crucial em todas as etapas de uma pesquisa documental. Nesse sentido, os documentos que
analisamos foram produzidos em um período em que o ex-ministro da Educação Abraham
48
Como já foi mencionado anteriormente, o tema desta análise documental são os livros
didáticos na Educação Infantil, e o objeto é o manual do professor utilizado na última etapa da
Educação Infantil. O objetivo geral consiste em analisar quais discursos na área da
alfabetização e do letramento estão presentes nos livros didáticos da Educação Infantil. Já os
objetivos específicos são: investigar se os livros didáticos contemplam nos seus objetivos a
centralidade na criança e respeitam as especificidades da Educação Infantil; verificar as
concepções de desenvolvimento da linguagem propostas nos livros didáticos; e identificar se
existem processos de alfabetização e letramento previstos em orientações e propostas de
atividades nos livros didáticos da Educação Infantil aprovados no PNLD 2022. A faixa etária
a que se destina o livro são crianças de 5 anos que frequentam a pré-escola. Sobre a
comunidade em que a pesquisa ocorre e onde os dados são encontrados, a escolha do livro
didático da Educação Infantil aconteceu em todo o território brasileiro, e as instituições de
ensino tiveram autonomia para definir a obra didática que avaliaram como adequada.
Entretanto, com o objetivo de delimitar o campo de pesquisa, definimos que a investigação
ocorreria no município de Ponta Porã/MS e a obra didática a ser analisada seria a escolhida
para a rede municipal. O fator determinante para essa decisão foi a atuação desta pesquisadora
na SEME, no departamento pedagógico, na função de técnica pedagógica; desse modo, foi
possível acompanhar cada etapa do processo de análise e escolha dos livros didáticos.
Ao atentarmo-nos às dimensões da pré-análise descritas por Cellard (2012), podemos
elucidar a importância do cenário em que esta investigação acontece, pois, segundo o autor, o
pesquisador precisa levar em consideração o contexto no qual o material foi coletado e deve
fornecer uma interpretação coerente, sem esquecer a temática e o objetivo que o levou a
pesquisar.
Com fins elucidativos, a seguir descrevemos de forma breve como ocorreu o processo
de escolha do livro didático no município de Ponta Porã/MS, uma vez que esta escolha reflete
diretamente na formação do nosso corpus analítico. A primeira ação realizada pela SEME e
pelas instituições de ensino referente à análise e à escolha das obras didáticas foi definir se a
rede municipal optaria pela adesão do material único para cada instituição, pelo material
único para cada grupo de instituições ou pelo material único para toda a rede. Com base nas
50
opções e na decisão conjunta com as instituições, optou-se pelo material único para toda a
rede.
Material único para toda a rede: A escolha será unificada e todas as escolas da rede
utilizarão o mesmo material. Os livros a serem entregues serão os mais escolhidos
dentre os registrados pelas escolas pertencentes à rede de ensino. Cada escola
registrará a sua escolha. Finalizando o prazo para registro das obras, o sistema
identificará as redes com escolha unificada e fará o levantamento do material mais
escolhido por elas para que seja distribuído para as escolas integrantes da rede
(FNDE, 2020).
A segunda ação para a seleção das obras aconteceu nas instituições escolares, onde os
professores, juntamente com a coordenação pedagógica, realizaram a análise do material
recebido, alguns em formato físico, outros de forma virtual. No Quadro 2, podemos observar
as obras às quais os professores tiveram acesso para realizarem suas escolhas.
8
O Guia Digital PNLD 2022 é o documento oficial disponibilizado para orientar a escolha dos materiais pelas
escolas públicas brasileiras.
51
sendo 11 para a escolha destinada a crianças de 5 anos, pré-escola, volume II; e quatro em
volume único, para crianças de 4 e 5 anos. É possível observar que a Editora FTD é a que
disponibiliza maior número de obras para escolha, com um total de quatro; já a Editora
Moderna e a Editora do Brasil apresentam duas cada; e as outras editoras, uma obra cada.
A terceira ação foi realizar uma reunião, que foi registrada em ata, entre a SEME e os
coordenadores pedagógicos para o processo de escolha da obra didática — as obras
selecionadas para votação foram as definidas pelos professores no âmbito das instituições.
Após a votação, a obra didática escolhida para os Centros de Educação Infantil (CEINFs) e as
escolas que atendem à Educação Infantil na rede municipal de Ponta Porã/MS foi Adoletá:
volume II, para crianças pequenas de 5 anos.
Com o objeto de pesquisa definido, a produção de dados desta pesquisa ocorre por
meio da análise do Edital de Convocação n.º 2/2020 — CGPLI (Edital PNLD 2022), do Guia
Digital PNLD 2022 e do livro Adoletá: volume II: manual do professor. Selecionados os
materiais, passamos a examinar o conteúdo de cada um deles, na intenção de identificar os
discursos que os constituíram.
O primeiro a ser apreciado foi o Edital de Convocação n.º 2/2020 — CGPLI, do
processo de inscrição e avaliação de obras didáticas, literárias e pedagógicas para o PNLD
2022. Esse documento regulamenta a forma de inscrição e o que deve constar ou não nas
obras que as editoras produzem. Ao efetuarmos sua análise, optamos por descartar a parte que
traz informações mais técnicas, referentes a inscrição das obras no edital, normas de
diagramação, edição, negociação, entre outros aspectos contratuais. Selecionamos, assim, as
seguintes seções para análise: 1. Do objeto; 2. Das características da obra; 3. Da
acessibilidade; Anexo I: Termos referentes às especificações pedagógicas das obras; Anexo
III: Critérios gerais para a avaliação pedagógica de obras didáticas; Anexo III-A: Critérios
específicos para avaliação pedagógica de obras didáticas. As informações contidas no
documento nos possibilitaram observar a forma como o edital produz e cria formas de
controle, fazendo com que apenas determinados discursos tenham espaço para compor as
obras inscritas.
O segundo documento escolhido para análise foi o Guia Digital PNLD 2022, que é o
material oficial disponibilizado para orientar as instituições em relação às obras que
9
A obra pedagógica foi organizada como um guia de preparação para alfabetização e é composta de um volume
único, destinado ao professor de crianças pequenas da pré-escola (crianças de 4 e 5 anos). Segundo o MEC
(BRASIL, 2021), tem o propósito de orientar e apoiar o professor no planejamento de atividades educativas
preparatórias para a alfabetização, abordando conhecimentos de literacia, literacia familiar e numeracia.
52
propósito de alfabetizar e/ou letrar. Segundo Soares (2011), a entrada da criança no mundo da
escrita ocorre simultaneamente por dois processos: pela aquisição do sistema convencional de
escrita (a alfabetização) e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em
atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita (o
letramento).
Já na Categoria 2, Múltiplas linguagens, analisamos se a proposta de trabalho do
material selecionado para a investigação favorece a imersão das crianças em diferentes
linguagens, contribuindo para o crescimento das potencialidades de comunicação, expressão e
socialização, envolvendo falar, escutar, ler, escrever, pensar e participar do mundo ao seu
redor, de forma lúdica. Conforme estabelecido na Resolução n.º 5/2009:
Este capítulo discorre sobre os discursos legais em disputa, cuja estrutura está dividida
em três seções: a primeira contempla as DCNEI; a segunda apresenta a Educação Infantil na
perspectiva da BNCC; e a terceira trata da Educação Infantil na concepção da PNA.
Na seção que segue, abordaremos as orientações constantes nas DCNEI em relação à
concepção de Educação Infantil, criança e currículo.
Nesta seção apresentamos as DCNEI, que definem como devem ser organizadas as
práticas pedagógicas na Educação Infantil. Elas foram elaboradas pelo MEC em 1999 (e
revisadas em 2009), com o propósito de serem seguidas na organização de atividades
cotidianas nas instituições de Educação Infantil.
As DCNEI foram instituídas em 17 de dezembro de 2009 pela Resolução n.º 5/2009,
da Câmara de Educação Básica (CEB) do Conselho Nacional de Educação (CNE). Composta
de 13 artigos, a referida Resolução dispõe sobre as diretrizes curriculares para este nível de
ensino, enfatizando diversos aspectos que orientam as instituições de Educação Infantil no
que diz respeito a ―[...] organização, articulação, desenvolvimento e avaliação de suas
propostas pedagógicas‖ (BRASIL, 2009). Segundo pesquisadores da área, este é o documento
mais completo e adequado para nortear as práticas na Educação Infantil que está em vigor,
por isso as trazemos para a análise.
As DCNEI (BRASIL, 2009) expõem as concepções de currículo, criança e Educação
Infantil que conduzem a instituição das diretrizes para este nível educacional. O documento
define esta etapa da educação da seguinte forma:
Neste contexto, podemos dizer que a Educação Infantil acontece em duas fases: a
primeira, não obrigatória, vai de 0 a 3 anos de idade, quando a criança ingressa na creche; e a
segunda, obrigatória, que ocorre dos 4 aos 5 anos de idade, quando a criança é matriculada na
57
pré-escola. Para que ela ingresse aos 4 anos na pré-escola é necessário que os complete até o
dia 31 de março.
O documento define criança como
Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que
vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja,
aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza
e a sociedade, produzindo cultura (BRASIL, 2009).
No artigo 4º das DCNEI, afirma-se que a criança deve ser considerada centro do
planejamento curricular, um sujeito histórico e de direitos, reafirmando seu direito à
educação, previsto na Constituição Federal de 1988, cujas interações, relações e práticas
cotidianas vivenciadas constroem sua identidade pessoal e coletiva. Essa criança deve brincar,
imaginar, fantasiar, desejar, aprender, observar, experimentar, narrar, questionar para elaborar
sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. Para tanto, a criança precisa ser
ouvida e entendida na sua forma de significar o mundo e a si mesmo.
Com relação ao conceito de currículo, as DCNEI apresentam uma compreensão que
leva em consideração o contexto da prática e a busca por articular as experiências e os saberes
das crianças com os conhecimentos socialmente produzidos, ao explicitar em seu artigo 3º
que
é constituído de uma única voz ou de um conjunto de prescrições homogêneas, mas, sim, por
uma variedade de discursos produtores de relações de poder e saber que torna possível o
domínio da subjetividade infantil, ao apresentar modos de nomear e entender as crianças,
definindo modelos para conduzir a ação pedagógica a elas dirigida.
Para Angotti (2006), as DCNEI têm caráter mandatório e devem ser respeitadas no
âmbito nacional de todas as instituições de Educação Infantil. De acordo com os princípios
colocados, a criança deve ser respeitada na sua individualidade e singularidade, na identidade,
como um ser social, político, cidadã de direitos, produto e produtora de uma cultura. E, para
tanto, as práticas pedagógicas devem contemplar estes princípios na elaboração das atividades
educativas para promover o desenvolvimento integral da criança.
As práticas pedagógicas devem ser norteadas por interações e brincadeira, devendo
garantir experiências, conforme determina o artigo 9º das DCNEI, que
relatórios, desenhos, cartazes, ou seja, qualquer forma de registro decidido como mais
apropriado. Outro fator importante é que a Educação Infantil não é uma preparação para o
Ensino Fundamental.
As Diretrizes predeterminam práticas de governamento e, por meio de suas
orientações, modificaram a organização curricular da Educação Infantil no País, definindo
práticas docentes específicas, assim como o vocabulário. Em tal acepção, o conceito de
governamento é visto, a partir de Foucault (2008), como qualquer modo mais ou menos
calculado de direcionamento dos comportamentos ou das ações dos indivíduos. Nesse sentido,
o processo de intervenção das Diretrizes em relação ao currículo consiste em um amplo
processo de orientação de condutas de professores, de acadêmicos, de instituições de
Educação Infantil e da própria sociedade.
Desse modo, é possível discorrer, tendo em conta Foucault (2004, 2008) e Gordon
(1991), que o governamento viabilizado nas Diretrizes, mediante o direcionamento que
prescreve as orientações curriculares, constitui-se uma forma de ação que objetiva guiar,
moldar e transformar a conduta dos docentes, tornando-os sujeitos aptos a desenvolverem a
prática pedagógica fundamentada na ordem do discurso das Diretrizes Curriculares.
Em uma perspectiva foucaultiana, a subjetividade é completamente produzida em
diferentes práticas discursivas, em relações heterogêneas de poder-saber. Essa subjetividade
demandada pelo discurso das Diretrizes disputa espaço com demandas de outros textos, os
quais, por sua vez, também divulgam outros modos de entender a criança, a educação, o
docente e o currículo (CARVALHO, 2015).
Findada esta exposição sobre as DCNEI, a próxima seção aborda a BNCC.
[...] os eixos estruturantes das práticas pedagógicas dessa etapa da Educação Básica
são as interações e a brincadeira, experiências nas quais as crianças podem construir
e apropriar-se de conhecimentos por meio de suas ações e interações com seus pares
e com os adultos, o que possibilita aprendizagens, desenvolvimento e socialização
(BRASIL, 2017a, p. 37).
63
A BNCC reforça a função das instituições de ensino, do professor e sua atuação. Sobre
as instituições de ensino, o documento frisa que cabe aos espaços educativos complementar a
educação que se inicia no ambiente familiar. Assim, o foco das aprendizagens deve estar,
especialmente, na socialização, na autonomia e na comunicação. A BNCC também ressalta a
importância de acolher as vivências e os conhecimentos das crianças, em termos pedagógicos,
reconhecer e aproveitar os conhecimentos prévios, as convicções que as crianças já possuem,
sendo essencial o trabalho e a união entre a família e a instituição educacional. Ela enfatiza a
relevância dessas instituições reconhecerem e respeitarem as diversidades e a pluralidade
cultural, haja vista que o documento compreende que o objetivo deve ser o de ampliar o
universo de experiências, conhecimentos e habilidades dessas crianças, variando e
consolidando novas aprendizagens.
Neste contexto, podemos observar uma superficialidade no texto do documento, pois a
BNCC não aborda a necessidade de adaptação curricular na estrutura física e no contexto
escolar e educacional para atender à Educação Inclusiva. Pelo fato de o documento não
considerar as adaptações, acaba por disseminar a exclusão social. Segundo Almeida (2019, p.
4),
Diante disso questionamos sobre como a criança que possui algum tipo de deficiência
e não foi pensada na BNCC poderá construir efetivamente a sua identidade pessoal de
pertencimento ao seu grupo social e cultural.
Outro ponto crucial que enfatizamos é a ausência da premissa fundamental da
Educação Infantil: a indissociabilidade entre cuidar e educar, princípio esse vastamente
debatido pela área e de modo ampliado em outros documentos nacionais. O documento
simplesmente negligencia sua existência e importância na construção de uma base comum
curricular que compreenda a Educação Infantil e suas especificidades.
Em relação à atuação e à função do professor, o documento salienta que é função deste
organizar e propor experiências de aprendizagem, e isso deve ser feito com intencionalidade e
propósito. O docente deve fazer uso de diversos recursos e estratégias para acompanhar a
aprendizagem das crianças. É parte do trabalho do educador refletir, selecionar, organizar,
64
Essa concepção de criança como ser que observa, questiona, levanta hipóteses,
conclui, faz julgamentos e assimila valores e que constrói conhecimentos e se
apropria do conhecimento sistematizado por meio da ação e nas interações com o
mundo físico e social não deve resultar no confinamento dessas aprendizagens a um
processo de desenvolvimento natural ou espontâneo. Ao contrário, impõe a
necessidade de imprimir intencionalidade educativa às práticas pedagógicas na
Educação Infantil, tanto na creche quanto na pré-escola (BRASIL, 2017a, p. 38).
Dessa forma, tanto os eixos quanto os direitos de aprendizagem nos trazem o frescor
da infância, a espontaneidade da criança e a importância de a Educação Infantil respeitar essas
características e os interesses das crianças.
A BNCC, ao valorizar as situações lúdicas de aprendizagem, enfatiza a articulação
necessária do Ensino Fundamental com as experiências vivenciadas na Educação Infantil. Tal
articulação precisa prever tanto a progressiva sistematização dessas experiências quanto o
desenvolvimento de novas formas de relação consigo mesmo, com os outros e com o mundo,
e de novas possibilidades de formular hipóteses em uma atitude ativa na construção de
conhecimentos. Conforme define o documento, a alfabetização das crianças deverá ocorrer até
o 2º ano do Ensino Fundamental, com o objetivo de garantir o direito de aprender a ler e
escrever.
Nos dois primeiros anos do Ensino Fundamental, a ação pedagógica deve ter como
foco a alfabetização, a fim de garantir amplas oportunidades para que os alunos se
apropriem do sistema de escrita alfabética de modo articulado ao desenvolvimento
de outras habilidades de leitura e de escrita e ao seu envolvimento em práticas
diversificadas de letramentos (BRASIL, 2017a, p. 59).
10
―Conviver com outras crianças e adultos, em pequenos e grandes grupos, utilizando diferentes linguagens,
ampliando o conhecimento de si e do outro, o respeito em relação à cultura e às diferenças entre as pessoas‖
(BRASIL, 2017a, p. 38).
11
―Brincar cotidianamente de diversas formas, em diferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros
(crianças e adultos), ampliando e diversificando seu acesso a produções culturais, seus conhecimentos, sua
imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais
e relacionais‖ (BRASIL, 2017a, p. 38).
12
―Participar ativamente, com adultos e outras crianças, tanto do planejamento da gestão da escola e das
atividades propostas pelo educador quanto da realização das atividades da vida cotidiana, tais como a escolha das
brincadeiras, dos materiais e dos ambientes, desenvolvendo diferentes linguagens e elaborando conhecimentos,
decidindo e se posicionando‖ (BRASIL, 2017a, p. 38).
13
―Explorar movimentos, gestos, sons, formas, texturas, cores, palavras, emoções, transformações,
relacionamentos, histórias, objetos, elementos da natureza, na escola e fora dela, ampliando seus saberes sobre a
cultura, em suas diversas modalidades: as artes, a escrita, a ciência e a tecnologia‖ (BRASIL, 2017a, p. 38).
14
―Expressar, como sujeito dialógico, criativo e sensível, suas necessidades, emoções, sentimentos, dúvidas,
hipóteses, descobertas, opiniões, questionamentos, por meio de diferentes linguagens‖ (BRASIL, 2017a, p. 38).
15
―Conhecer-se e construir sua identidade pessoal, social e cultural, constituindo uma imagem positiva de si e de
seus grupos de pertencimento, nas diversas experiências de cuidados, interações, brincadeiras e linguagens
vivenciadas na instituição escolar e em seu contexto familiar e comunitário‖ (BRASIL, 2017a, p. 38).
66
iniciais, quando se aprofunda e sistematiza o trabalho para que a alfabetização aconteça até o
final do 2º ano do Ensino Fundamental.
Sendo assim, por meio de decreto, a BNCC estabeleceu a antecipação da idade para a
alfabetização para os dois primeiros anos do ensino fundamental, logo, a criança deverá estar
alfabetizada até os sete anos de idade. Nesse sentido, é necessário garantir o ensino
sistemático de certos saberes desde o 1º ano e até mesmo na Educação Infantil.
Quanto a isso, Soares (2004, p. 9) já nos alertava que
[...] cabe salientar que a divisão dos campos de experiências se constitui numa
organização didática, mas que, nas práticas educativas, a integração dos campos de
experiências se constitui como caminho metodológico. Assim, um trabalho
pedagógico na Educação Infantil que fragmenta o chamado arranjo curricular
proposto em disciplinas ou em áreas de conhecimento isoladamente demonstra a
fragilidade dessa base curricular.
as artes visuais (pintura, modelagem, colagem, fotografia etc.), a música, o teatro, a dança, o
audiovisual, entre outras.
Com base nessas experiências, elas se expressam por várias linguagens, criando suas
próprias produções artísticas ou culturais, exercitando a autoria (coletiva e individual) com
sons, traços, gestos, danças, mímicas, encenações, canções, desenhos, modelagens,
manipulação de vários materiais e de recursos tecnológicos. Essas experiências contribuem
para que, desde muito pequenas, as crianças desenvolvam o senso estético e crítico, o
conhecimento de si mesmas, dos outros e da realidade que as cerca.
Portanto, a Educação Infantil precisa favorecer o desenvolvimento da sensibilidade, da
criatividade e da expressão pessoal das crianças, permitindo que se apropriem e reconfigurem
permanentemente a cultura e potencializem suas singularidades, ao ampliar repertórios e
interpretar suas experiências e vivências artísticas.
Escuta, fala, pensamento e imaginação. Na Educação Infantil é importante
promover experiências nas quais as crianças possam falar e ouvir, destacando sua participação
na cultura oral, pois é na escuta de histórias, na participação em conversas, nas descrições, nas
narrativas (elaboradas individualmente ou em grupo) e nas implicações com as múltiplas
linguagens que a criança se constitui ativamente como sujeito singular e pertencente a um
grupo social.
Desde cedo, a criança manifesta curiosidade com relação à cultura escrita: ao ouvir e
acompanhar a leitura de textos, ao observar os muitos textos que circulam, ela vai construindo
sua concepção de língua escrita, reconhecendo diferentes usos sociais da escrita, dos gêneros,
suportes e portadores.
Na Educação Infantil, a imersão na cultura escrita deve partir do que as crianças
conhecem e das curiosidades que deixam transparecer. As experiências com a literatura
infantil propostas pelo educador, mediador entre os textos e as crianças, contribuem para o
desenvolvimento do gosto pela leitura, o estímulo à imaginação e a ampliação do
conhecimento de mundo. Nesse convívio com textos escritos, as crianças elaboram hipóteses
sobre a escrita, que se revelam, inicialmente, em rabiscos e garatujas, mas à medida que
conhecem as letras, elas passam a ser escritas espontâneas, não convencionais, mas já
indicativas da compreensão da escrita como sistema de representação da língua.
Nessa perspectiva, deve-se favorecer a cultura oral e escrita e o contato com diferentes
textos escritos e gêneros literários. A proposta de alfabetização acontece na acepção do
letramento, considerando que é um processo complexo e heterogêneo, corroborando o caráter
multifacetado e multidimensional da aprendizagem. Segundo a BNCC, ―Cabe proporcionar
69
aos estudantes experiências que contribuam para a ampliação dos letramentos, de forma a
possibilitar a participação significativa e crítica nas diversas práticas sociais
permeadas/constituídas pela oralidade, pela escrita e por outras linguagens‖ (BRASIL, 2017a,
p. 67).
Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. A Educação Infantil
precisa promover experiências nas quais as crianças possam fazer observações, manipular
objetos, investigar e explorar seu entorno, levantar hipóteses e consultar fontes de informação
para buscar respostas às suas curiosidades e indagações. Assim a instituição escolar criará
oportunidades para que as crianças ampliem seus conhecimentos do mundo físico e
sociocultural, dos diversos espaços, tempos e conhecimentos matemáticos, para que possam
utilizá-los em seu cotidiano (BRASIL, 2017a).
A BNCC traz de forma específica a importância de trabalhar a partir do interesse das
crianças, levando-as a compreender os diversos espaços (as ruas, o bairro, a cidade) nos quais
estão inseridas, a noção de tempo (dia, noite, semanas), o mundo físico (os animais, as
plantas) e o mundo sociocultural (os parentes, a sociedade, o local onde ela participa), as
interações culturais, entre outros.
No tocante aos objetivos de aprendizagem para a faixa etária que inicia aos 4 anos e
vai até os 5 anos e 11 meses, objeto de nossa investigação, esse documento trata sobre a
cooperação, o respeito mútuo, a solidariedade e a empatia da criança em relação às outras
crianças que convivem com ela. Quando aborda o desenvolvimento cognitivo, aparece a ideia
de expressar-se, relacionar-se, selecionar (atividades, livros, por meio de gêneros textuais
diversos ou mesmo por informações que a criança precisa ter ou quer adquirir). O texto
menciona o desenvolvimento de atividades que contemplem o registro e a coleta de
informações. Sobre a autonomia, o texto salienta a necessidade de a criança agir cada vez
mais de forma independente, conhecendo suas potencialidades e os seus limites, ter confiança
e hábitos de autocuidado, que ela aprendeu durante todo esse percurso.
Para finalizar, a BNCC aborda o tema ―transição‖, que é exatamente aquele momento
em que a criança vai sair da Educação Infantil para ingressar no Ensino Fundamental. O texto
expõe que deve existir um equilíbrio nas mudanças que serão introduzidas, para que haja uma
integração das crianças à etapa seguinte, e discorre sobre a importância das estratégias de
acolhimento tanto das crianças quanto do professor. É uma nova fase, há uma grande
mudança de tudo o que é feito ou realizado dentro da Educação Infantil para o Ensino
Fundamental; dessa forma, devemos levar em consideração tudo aquilo que a criança já
70
Assim, a PNA configura-se como uma política de governo e tem como finalidade
regulamentar programas e ações referentes à política pública de alfabetização em vigência no
Brasil. Esta representa um ―novo‖ discurso que se institui no cenário brasileiro referente à
alfabetização de crianças e adultos. Seu público-alvo são crianças na primeira infância; alunos
dos anos iniciais do Ensino Fundamental; alunos da Educação Básica regular que apresentam
níveis insatisfatórios de alfabetização; alunos da Educação de Jovens e Adultos; e alunos das
modalidades especializadas de educação. De acordo com o que estabelece o documento, são
beneficiários prioritários as crianças da Educação Infantil e os alunos dos anos iniciais do
Ensino Fundamental.
71
Quatro meses após o Decreto n.º 9.765/2019 ser instituído, foi lançado o Caderno da
PNA no dia 15 de agosto de 2019, que consiste em um guia explicativo acerca das premissas
da política de alfabetização. Por meio do Caderno, tornam-se ainda mais claros os
pressupostos que orientam os rumos e as estratégias que são pensadas para a PNA. O
documento recomenda as bases teóricas que devem ser seguidas por todos os professores.
Essa base teórica metodológica tem como alicerce a ciência cognitiva da leitura e a instrução
fônica.
pelo contexto (cores, formas, imagens) ou pela presença de alguns elementos conhecidos,
como as letras iniciais; por analogia envolve o reconhecimento de palavras por meio da
associação com partes, como rimas de outras palavras familiares; por decodificação engloba o
conhecimento das relações grafema-fonema para identificar o fonema correspondente a cada
grafema, aglutinando-os em pronúncias que formam palavras reconhecíveis; e por
reconhecimento automático, quando, depois que uma palavra é lida várias vezes, armazena-se
na memória e ela passa a ser reconhecida imediatamente, sem a necessidade de estratégias
intermediárias, como a predição, a analogia e a decodificação.
Ehri (2005, 2013, 2014) identificou quatro fases do desenvolvimento da leitura e da
escrita — fase pré-alfabética 16; fase alfabética parcial 17; fase alfabética completa 18 ; e fase
alfabética consolidada19 —, que refletem o conhecimento e o uso que a criança faz do sistema
de escrita. Para a autora, o que a leva a passar de uma fase para a outra é o conhecimento e o
uso que se faz do código alfabético, isto é, das relações entre letras e sons.
O item 2.4, ―Como ensinar as crianças a ler e a escrever de modo eficaz‖, contempla a
Educação Infantil, ressaltando que é recomendável que seja promovido, na Educação Infantil,
o trabalho com as 11 variáveis: conhecimento alfabético; consciência fonológica; nomeação
automática rápida; nomeação automática rápida de objetos ou cores; escrita do nome;
memória fonológica; conceitos sobre a escrita; conhecimento de escrita/linguagem oral;
prontidão para leitura; e processamento visual. Dessa forma, é possível antecipar o
desempenho em leitura e escrita a fim de contribuir com o processo de alfabetização no
Ensino Fundamental. Segundo o documento, não se trata de alfabetizar na Educação Infantil,
mas de proporcionar condições mínimas para que a alfabetização possa ocorrer com êxito no
1º ano do Ensino Fundamental.
Baptista (2010) contrapõe o documento ao esclarecer que:
16
Fase pré-alfabética: ―[...] a pessoa emprega predominantemente a estratégia de predição, usando de início
pistas visuais, sem recorrer às relações entre letras e sons; lê palavras familiares por reconhecimento de cores e
formas salientes em um rótulo, mas é incapaz de identificar diferenças nas letras; pode ainda conseguir escrever
algumas palavras de memória‖ (BRASIL, 2019b, p. 28).
17
Fase alfabética parcial: ―[...] a pessoa faz analogias, utilizando pistas fonológicas; depois de aprender os sons
das letras, ela começa a utilizá-los para ler e escrever palavras‖ (BRASIL, 2019b, p. 28).
18
Fase alfabética completa: ―[...] depois de conhecer todas as relações entre grafemas e fonemas e adquirir as
habilidades de decodificação e de codificação, a pessoa passa a ler e a escrever palavras com autonomia‖
(BRASIL, 2019b, p. 28).
19
Fase alfabética consolidada: ―[...] ocorre o processamento de unidades cada vez maiores, como sílabas e
morfemas, o que permite a pessoa ler com mais velocidade, precisão e fluência, e escrever com correção
ortográfica‖ (BRASIL, 2019b, p. 28).
75
se interesse pela leitura e pela escrita, que ela deseje aprender a ler e escrever e,
ainda, fazer com que ela acredite que é capaz de fazê-lo (BAPTISTA, 2010, p. 10).
Nesta seção analisamos o Edital de Convocação n.º 2/2020 — CGPLI, que foi
elaborado para o processo de inscrição e avaliação de obras didáticas, literárias e pedagógicas
do PNLD 2022. Esse documento se destina à etapa da Educação Infantil, está disponível no
site do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e direciona todo o
processo de produção, seleção e distribuição das obras didáticas que irão circular nas
instituições educacionais brasileiras, pois normatiza o que deve ou não fazer parte de cada
livro e o que ele deve conter para fazer parte do PNLD.
Este Edital pode ser classificado como uma fonte de busca de dados, pois descreve
como deve ser a inscrição das editoras no processo, o layout dos livros didáticos a serem
inscritos, os critérios de avaliação para aprovação e eliminação dos materiais, dentre outros
aspectos, sendo ele fundamental para a nossa investigação pois, desse modo, conseguiremos
constatar quais discursos da área da Educação Infantil são legitimados e orientam a produção
dos livros didáticos destinados às crianças desta etapa educacional, haja vista sabermos que os
discursos estabelecem as normas pelas quais as editoras e os autores tomam como norte para
produzir seus materiais, normas essas definidas pelo órgão máximo responsável pela
educação no Brasil, o MEC. Nesse sentido, o Edital em análise normatiza e delimita as
características que as obras didáticas e pedagógicas devem apresentar para o PNLD 2022,
evidenciando que as editoras que almejam ter seus livros aprovados terão que se adaptar à
ordem do discurso vigente nesse momento em nossa sociedade.
Com base nos nossos objetivos e conforme informações contidas no documento,
examinaremos apenas os aspectos que regularam a produção das obras didáticas da Educação
Infantil destinadas às crianças de 5 anos. Assim, após a leitura do Edital, selecionamos as
seguintes seções: 1. Do objeto; 2. Das características da obra; 3. Da acessibilidade; Anexo I:
Termos referentes às especificações pedagógicas das obras; Anexo III: Critérios gerais para a
avaliação pedagógica de obras didáticas; Anexo III-A: Critérios específicos para avaliação
80
De acordo com esse item, o Edital tem três objetos: os livros didáticos, os livros de
literatura infantil e o manual para professores, que é descrito como obras pedagógicas de
preparação para a alfabetização baseada em evidências. As obras selecionadas serão
distribuídas pelo MEC por meio do PNLD 2022 e terão abrangência em todo o território
brasileiro, em todas as instituições públicas. Percebe-se, dessa forma, que o regulamento do
Edital e as produções originadas a partir de suas diretrizes disseminarão os discursos presentes
nesses materiais, influenciando as práticas docentes dos educadores brasileiros.
Nessa perspectiva, o livro didático destinado às crianças da Educação Infantil é uma
produção discursiva que se estabelece em meio a um sistema envolvendo as relações de
poder-saber, cujo objetivo final é constituir e subjetivar professores, gestores e crianças da
Educação Infantil. Segundo Foucault (2008, p. 179-180),
[...] em uma sociedade como a nossa, mas no fundo em qualquer sociedade, existem
relações de poder múltiplas que atravessam, caracterizam e constituem o corpo
social e que estas relações de poder não podem se dissociar, se estabelecer nem
funcionar sem uma produção, uma acumulação, uma circulação e um funcionamento
do discurso. Não há possibilidade de exercício do poder sem uma certa economia
dos discursos de verdade que funcione dentro e a partir desta dupla exigência.
Somos submetidos pelo poder à produção da verdade e só podemos exercê-lo
através da produção da verdade.
linhas de força no campo onde este se constitui, caracterizando-se como mecanismo ou efeito
desse poder.
Na sequência, na seção 2 do Edital são apresentadas as características dos três objetos.
Neste contexto, evidenciaremos a partir de agora o objeto 1, obras didáticas destinadas à
Educação Infantil, que é o objeto de análise em nossa investigação, cujas informações
referentes às suas características estão no próximo quadro.
e grafismos, que relacionem as formas das letras tanto bastão quanto cursiva. As obras devem
especificar os objetivos pedagógicos, que são as metas almejadas, mediante a exposição de
conteúdos que, para a Educação Infantil, dizem respeito às metas preceituadas pela PNA e
pela BNCC.
Com base nos critérios a serem utilizados pelos pareceristas para a aprovação dos
livros didáticos, presentes no Quadro 7, o Edital elenca, dentre as habilidades essenciais a
serem estimuladas na Educação Infantil, o desenvolvimento da instrução fônica, discurso
definido na PNA. Isso significa que os livros que não seguirem este discurso não serão
aprovados, logo não poderão participar da etapa de seleção e distribuição nas instituições de
Educação Infantil. Percebemos, neste processo, o silenciamento de tantos outros discursos que
circulam na atualidade sobre a educação das crianças, fazendo com que os professores sejam
subjetivados e passem a adotar esta postura teórica e prática, tomando-a como ―a verdade‖
sobre a melhor forma de trabalhar com as crianças. Destacamos, ainda, a evidência dada a
elementos que nos fazem inferir que o processo de alfabetização sistemática deve iniciar ainda
nesta etapa educacional, uma vez que aspectos mais gerais que dão relevo às múltiplas
linguagens e ao letramento são pouco mencionados.
Nascimento (2008, p. 3) pontua que a consciência fonológica é diferente da instrução
fônica: ―[...] aplicar o método fônico para trabalhar a consciência fonológica seria um
retrocesso‖. A autora considera que a consciência fonêmica, objeto de trabalho do método
fônico, é apenas uma das várias habilidades abarcadas pela consciência fonológica. Na mesma
linha, Baptista (2021) chama atenção para o equívoco teórico que se está cometendo ao pautar
o trabalho com a linguagem na PNA:
Quadro 8 – Anexo III: Critérios gerais para a avaliação pedagógica de obras didáticas
1 Considerações gerais
2 Critérios gerais para a avaliação pedagógica:
2.1 Decreto n.º 9.099 de 2017, que dispõe sobre o PNLD;
2.2 Respeito e observação a legislações, diretrizes e normas gerais da Educação Infantil;
2.3 Observâncias dos princípios éticos e democráticos necessários à construção da cidadania, ao respeito à
diversidade e ao convívio social republicano;
2.4 Os critérios de coerência e adequação da abordagem teórico metodológica, respeitando à proposta
didático-pedagógica explicitada e os objetivos visados;
2.5 Os critérios de correção e atualização dos conceitos, informações e procedimentos;
2.6 Adequação e pertinência das orientações prestadas ao professor;
2.7 As regras ortográficas e gramaticais da língua portuguesa;
2.8 Adequação da estrutura editorial e do projeto gráfico aos objetivos didáticos-pedagógicos da obra;
2.9 Os critérios de qualidade do texto e adequação temática;
2.10 Os critérios de qualidade dos videotutoriais, quando aplicável.
Fonte: Elaborado pela autora com base em Brasil (2020, p. 30-34).
A partir desse fragmento, percebemos que é dada ênfase a uma questão muito
polêmica na área, que é a preparação para a alfabetização, e, neste mesmo contexto, no
decorrer do Edital é definido que a Educação Infantil é a etapa preparatória para o Ensino
Fundamental, salientando a prática da literacia e da numeracia emergente com base em
evidências científicas. Logo, mais uma vez, está o discurso da PNA como a única verdade
quando se trata do processo de alfabetização das crianças. Segundo Baptista (2021), ―A
85
Educação Infantil não pode estar submetida ao ensino fundamental, mas precisa construir com
ele uma relação de solidariedade‖.
No que se refere à avaliação pedagógica das obras, o Edital cita o Decreto n.º
9.099/2017, que dispõe sobre o PNLD e estabelece os critérios essenciais para a avaliação
pedagógica das obras. Inicialmente, o texto define que estas devem cumprir a legislação,
elencando mais de 20 legislações, decretos e leis, inclusive a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB). Menciona, ainda, os princípios éticos necessários à construção da
cidadania e do convívio social, ao respeito à liberdade religiosa e política. Também estipula
que as obras devem contemplar valores cívicos, como patriotismo, cidadania, solidariedade,
responsabilidade, cooperação, humanidade e sustentabilidade do planeta; além de representar
a diversidade cultural, social, histórica e econômica do País.
No item 2.4 do Anexo III, o Edital estabelece que as obras deverão observar os
critérios de coerência e adequação da abordagem teórico-metodológica. As práticas
pedagógicas devem ter intencionalidade educativa, garantindo a progressão das
aprendizagens, sendo que as obras devem referenciar-se na BNCC, contemplar os cinco
campos de experiência (1. O eu, o outro e o nós; 2. Corpo, gestos e movimentos; 3. Traços,
sons, cores e formas; 4. Escuta, fala, pensamento e imaginação; 5. Espaço, tempo,
quantidades, relações e transformações) e garantir os seis direitos de aprendizagem e
desenvolvimento (conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se). Devem,
ainda, embasar-se na PNA para trabalhar os conhecimentos elementares de literacia, que são
preparatórios para a futura alfabetização formal, destacando, em especial, os seguintes
componentes: consciência fonológica e fonêmica; conhecimento alfabético; desenvolvimento
de vocabulário; compreensão oral de textos; produção de escrita emergente; abordagem de
conteúdos que garantam uma transição eficiente para o Ensino Fundamental.
Com base nessas primeiras análises, constatamos como os discursos instituem uma
relação de poder pela legitimação de concepções de alfabetização tidas como as melhores,
sendo induzidas ao uso em todo o País por meio das coleções do PNLD 2022, com a
orientação, a avaliação e a validação de um órgão como o MEC. Compreendemos que a
escolha dessa abordagem não acontece ocasionalmente, mas sim como resultado do que
Foucault (2008) chama de condições de possibilidade, que são as condições econômicas,
sociais, políticas e culturais que estabelecem certos discursos como regimes de verdade.
Ao assumir uma única abordagem teórica, o MEC pode induzir que apenas
pesquisas que usem tal perspectiva sejam financiadas e que apenas relatos dentro
desta perspectiva sejam valorizados. Do mesmo modo, pode-se recair no estímulo
86
para que apenas essa teoria esteja presente na formação inicial e continuada dos
professores, na indução de que apenas esta abordagem seja considerada nos
currículos de formação de professores. Essa direção teórica também pode perpassar
a proposta de ―Promoção de mecanismos de certificação de professores e materiais
didáticos‖ (LEAL, 2019, p. 84).
Essa substituição constante dos métodos tem relação direta com o discurso da
modernidade, cuja base é a noção de progresso científico, que reconhece o mais
recente como o mais avançado, desvalorizando o anterior para colocar outro em seu
lugar, tido como mais verdadeiro (SILVA, 2012, p. 93).
Em mais um item do Anexo III do Edital, o 2.5, apregoa-se que as obras deverão
observar os critérios de correção e atualização dos conceitos. Dessa forma, as fontes citadas
em textos e imagens devem ser fidedignas, isentas de induções ao erro ou de contradições
internas, e sem conceituações confusas. Já as orientações prestadas ao professor devem ser
estruturadas e explicitar referências científicas que as embasam; o conteúdo dos materiais
voltados ao professor e os direcionados ao estudante devem estar vinculados, não sendo
permitidas contradições entre materiais dos docentes e dos discentes. O material do professor
88
articula; não são práticas avulsas, são práticas sistematizadas, planejadas, pensadas no âmbito
das experiências, dos saberes e da produção das crianças.
Depois de analisar o Edital, podemos concluir que os livros didáticos da Educação
Infantil que foram selecionados tiveram por referência o trabalho com base na alfabetização,
com enfoque na literacia e na numeracia, com a proposta de atividades focadas na instrução
fônica e na ciência cognitiva. Sendo assim, identificamos uma ordem discursiva que pretende
tornar-se hegemônica por meio da regulação da produção didática a ser guiada para as escolas
públicas brasileiras.
Silva (2012) pondera que essa regulação elege o uso de uma forma de alfabetizar
legitimando saberes, desencadeando, dessa forma, a produção de um ―novo‖ processo de
representação dos discursos circulantes, com efeitos nos processos de identidade e de
consumo; trazendo uma proposta de trabalho pautada na alfabetização e na escolarização das
crianças.
Amparadas em Foucault, destacamos que o discurso mais presente e disseminado no
Edital é o da PNA, documento esse que assume um teor regulador e preparatório, pois define
o que deve e o que não deve ser aprendido pela criança, incluindo a metodologia que será
utilizada pelo docente durante o processo de ensino aprendizagem.
Esta seção analisará os discursos presentes no Guia Digital PNLD 2022, produzido
com a finalidade de orientar o professor da Educação Infantil na escolha das obras didáticas e
pedagógicas. Segundo o documento, as obras são fruto de um longo processo de avaliação e
de produção de critérios atualizados, resultando na elaboração de resenhas e textos
informativos para auxiliar na escolha dos livros didáticos.
O Guia Digital está disponível no site do PNLD e foi organizado em seis seções: Por
que ler o Guia?; Apresentação; Escolha; Código das coleções; Ata de escolha; e Equipe;
conforme podemos observar na imagem retirada do site.
O detalhamento das etapas de seleção do livro didático visa dar um tom de lisura e
imparcialidade ao processo, tentando demonstrar ao professor que o livro didático, após
passar pela avaliação de vários especialistas, é o melhor material que poderiam ter em suas
salas.
A seção intitulada ―Apresentação‖ aborda três temas: a primeira infância e o papel da
creche e da pré-escola; a BNCC e a PNA; e as obras do PNLD para Educação Infantil. Ela
inicia discorrendo sobre a importância do livro didático como instrumento de apoio para
professores de todas as etapas de ensino e expondo o PNLD como uma das maiores políticas
públicas de educação do Brasil.
Segundo o documento, o acesso ao livro didático ajuda a criança da pré-escola a
estimular competências e a descobrir o mundo por meio do livro. Entretanto, estudos apontam
que o uso de livros didáticos na Educação Infantil acarreta um empobrecimento da função
docente, pois restringe a prática pedagógica ao cumprimento de orientações estabelecidas e
elaboradas por agentes externos ao processo educativo (ALBUQUERQUE; SILVA, 2017;
BOITO; BARBOSA; GOBBATO, 2016; BORGES; GARCIA, 2019).
O livro didático privilegia o conteúdo pronto para ser consumido por todos, em
detrimento do conteúdo que emerge da observação das crianças, da escuta sensível e ativa do
adulto em relação às necessidades e aos interesses delas. Ele privilegia a redução, a
simplificação e a atividade automática, que minimizam a ação da criança ao invés da
experiência relacional e da aprendizagem criativa (PLASZEWSKI; VANTI, 2021).
Sendo assim, a prática docente deve considerar as atividades cotidianas e significativas
da infância, bem como permitir que as crianças intervenham no ambiente escolar; ação que é
limitada com a segmentação das aprendizagens nos livros didáticos. Mesmo que os livros
didáticos destinados à Educação Infantil contenham algumas atividades lúdicas de interação e
vivências que não se limitem apenas à escrita no papel, são predominantes as tarefas que
devem ser realizadas e registradas no próprio livro, não expandindo a relação ―criança–
objeto–livro‖ (BOITO; BARBOSA; GOBBATO, 2016, p. 10), além de não propiciar a
interação entre as crianças.
Na sequência, o documento aborda de forma sucinta a definição de primeira infância e
o desenvolvimento da linguagem. Enfatiza que os livros aprovados pelo PNLD, em seu
propósito pedagógico, são avaliados de acordo com os critérios da BNCC — e o trabalho com
os cinco campos de experiência — e com base na PNA, contemplando conceitos de literacia,
literacia emergente e familiar e numeracia, e descrevendo de forma específica os componentes
que serão trabalhados nas obras, conforme observamos no excerto retirado do Guia Digital:
94
O PNLD 2022 para creches e pré-escolas estabeleceu, pela primeira vez, critérios
que visam auxiliar o desenvolvimento e a preparação das crianças para a
alfabetização, para a aprendizagem da matemática e para o ensino fundamental.
Estes critérios têm sustentação pedagógica, teórica e científica atualizadas e
orientadas de acordo com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e, mais
recentemente, a Política Nacional de Alfabetização (PNA) (BRASIL, 2021).
que foram disponibilizadas para escolha, bastando clicar em cima de cada uma para ter
informações em relação a elas.
Essas formas prévias de continuidade, todas essas sínteses que não problematizamos
e que deixamos valer de pleno direito, é preciso, pois, mantê-las em suspenso. Não
se trata, é claro, de recusá-las definitivamente, mas sacudir a quietude com a qual as
aceitamos; mostrar que elas não se justificam por si mesmas, que são sempre o
efeito de uma construção cujas regras devem ser conhecidas e cujas justificativas
devem ser controladas; definir em que condições e em vista de que análises, algumas
são legítimas; indicar as que, de qualquer forma, não podem mais ser admitidas
(FOUCAULT, 2002, p. 29).
Neste contexto, Foucault ressalta o caráter histórico e social das verdades e dos
discursos que definem e produzem o que somos e o que nos tornamos. Os discursos se tornam
campos legítimos de saber devido às relações de poder que neles e por eles são tramadas. Isto
significa dizer que à medida que os discursos dos livros didáticos direcionados às crianças e
professores de Educação Infantil descrevem práticas e explicam passo a passo como o
professor deve proceder, estão produzindo uma realidade, fabricando verdades sobre essa
docência, tirando a autonomia do professor e da criança.
No item que contempla a análise da obra didática Adoletá está descrito que ela traz um
acervo de informações, orientações e atividades lúdicas sobre literacia e numeracia para
subsidiar a equipe gestora e pedagógica das instituições escolares. Em relação às unidades,
elas foram organizadas de forma que contemplem o trabalho individual e coletivo com as
crianças, com o propósito de desenvolver atividades lúdicas. A diversidade cultural é
representada por meio das ilustrações de crianças e adultos.
Quanto à obra contemplar a interdisciplinaridade, quando abordado este tema,
encontramos uma contradição na informação, pois o texto tem a seguinte informação:
―Assegura-se a interdisciplinaridade dos campos de experiência da BNCC (conhecer-se,
conviver, explorar, expressar, participar e brincar)‖ (BRASIL, 2021). Sendo assim, em vez de
citar os campos de experiência — o eu, o outro e o nós; corpo, gestos e movimentos; traços,
sons, cores e formas; escuta, fala, pensamento e imaginação; espaço, tempos, quantidades,
relações e transformações —, utilizam os seis direitos de aprendizagem (conhecer-se,
101
Sobre esse aspecto, observamos que a proposta apresentada pelo Guia parte de
atividades diversificadas, brincadeiras e jogos, dentre outras atividades, propondo vivências
para além do livro didático. No entanto, a ênfase do material didático recai sobre a atividade
escrita, gráfica ou plástica, a ser feita nas folhas do material, ou seja, mesmo que os livros
didáticos tenham outras propostas para ampliar/alargar as experiências, a centralidade do
trabalho está voltada aos conteúdos de forma a não expandir a relação criança–objeto–livro.
É intrigante a argumentação utilizada no Guia, visando convencer o professor de que o
material oferece instruções, orientações e fundamentações para que se desenvolvam práticas
pedagógicas de forma clara e coesa, permitindo que o professor amplie os olhares do processo
de avaliação na Educação Infantil. Em contrapartida, salientamos que uma docência com e
para crianças pequenas de 0 a 5 anos e 11 meses precisa estar implicada na proposição de
experiências e práticas contextualizadas, possibilitando que as crianças ―[...] coloquem seus
102
A obra didática selecionada para análise é a Adoletá, publicada pela Editora do Brasil,
sendo a escolhida pelos professores da rede municipal de ensino de Ponta Porã/MS para
trabalhar com crianças de 5 anos da Educação Infantil. Sua vigência teve início no PNLD
2022. Trata-se da 1ª edição, sendo que a sua 1ª impressão ocorreu no ano de 2020. As autoras
são Patrícia Botelho da Silva e Vilza Carla.
Conforme já definido, esta análise acontece a partir do manual do professor. Em um
primeiro momento, apresentaremos o manual como um todo; na sequência, verificaremos a
reprodução comentada em miniaturas, traçando um paralelo entre como as atividades são
expostas no manual do professor e no livro do estudante — optamos por realizar esse paralelo
103
pois, apesar do livro do estudante trazer as atividades, é o manual do professor que orienta
sobre como será conduzida a realização das atividades.
Neste contexto, ao definir os procedimentos, estratégias e práticas que devem ser
desenvolvidos no decorrer das aulas, o livro didático funciona como recurso para a
subjetivação docente, controlando sua forma de agir e de pensar. Por sua vez, Lajolo (1996, p.
4) reconhece que
[...] didático é o livro que vai ser utilizado em aulas e cursos, que provavelmente foi
escrito, editado, vendido e comprado, tendo em vista essa utilização escolar
sistemática. Sua importância aumenta ainda mais em países como o Brasil, onde
uma precaríssima situação educacional faz com que ele acabe determinando
conteúdos e condicionando estratégias de ensino, marcando, pois, de forma decisiva,
o que se ensina e como se ensina o que se ensina.
A capa da obra didática Adoletá foi ilustrada por Graziela Andrade, e nela constam
cinco crianças que parecem ter a mesma idade, três meninas e dois meninos, sendo duas
negras e três brancas, com características físicas que remetem a várias etnias. Uma das
meninas usa óculos, e um menino é cadeirante, e há a representação da infância com crianças
morena, ruiva e loira. Todos estão em círculo de mãos dadas, e a imagem remete a uma
brincadeira de roda, assim como o título do livro (que é uma brincadeira de roda chamada
adoletá), escrito em letras coloridas, caixa alta. A expressão no rosto das crianças é de
felicidade, em um gramado verde, com o céu azul e cheio de nuvens. A capa é colorida; nela
consta o volume, a faixa etária e a etapa da educação básica a que é destinado, o nome das
autoras e da editora.
Com relação à produção dos elementos que compõem a capa, é possível perceber a
tentativa de que uma diversidade cultural e étnica seja representada, bem como a inclusão. Os
aspectos não verbais do livro remetem a uma Educação Infantil que tem como base a
interação, a brincadeira e o ―desemparedamento‖, com crianças brincando de roda ao ar livre,
em um gramado. Neste contexto, precisamos refletir: o livro didático na Educação Infantil
será facilitador no processo de ―desemparedamento‖? Segundo Baptista,
edição. Recebe destaque, na folha de rosto, a apresentação das autoras quanto à sua formação
eatuação.
Ampliando o que foi mencionado anteriormente, Patrícia Botelho da Silva tem a
seguinte formação: mestra e doutora em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie, graduada em Psicologia pela mesma universidade, autora do teste de
nomeação automática (TENA), destinado à avaliação de crianças de 3 a 9 anos. Professora
universitária dos cursos de Neurociência Aplicada à Educação, Psicopedagogia e
Neuropsicologia, possui experiência em pesquisas científicas nas áreas de: processos
cognitivos do desenvolvimento; avaliação e intervenção da linguagem oral, escrita e das
habilidades preditoras para a alfabetização; processos neurofisiológicos da leitura; avaliação e
intervenção neuropsicológica; transtornos do neurodesenvolvimento; transtornos de
aprendizagem e dislexia do desenvolvimento; desenvolvimento e construção de evidências de
validade e fidedignidade para testes cognitivos.
Já Vilza Carla é especialista em Psicopedagogia pela Faculdade do Vale do Jaguaribe,
licenciada em Pedagogia com habilitação em Orientação Educacional pela Faculdade de
Educação de Mossoró. É autora de obra didática destinada a crianças da Educação Infantil e
coautora de obra didática complementar de caligrafia destinada a crianças da Educação
Infantil e do Ensino Fundamental I. Possui vários anos de experiência no trabalho com
crianças em escolas das redes particular e pública da Educação Infantil e do Ensino
Fundamental I.
Essas informações na folha de rosto podem ser entendidas como um espaço de
legitimação, via formação e atuação profissional nas áreas da Educação Infantil e dos anos
iniciais do Ensino Fundamental, com o intuito de convencer o leitor de que as autoras são
profissionais gabaritadas para a produção do material que o professor e as crianças irão
utilizar. A formação nos diz muito sobre o que as pessoas pensam e como constroem seus
conhecimentos, e quais os discursos que elas defendem. Levando em consideração o descrito
em seus currículos, o viés da neurociência e da ciência cognitiva parece ser o discurso
defendido pelas autoras. Chama atenção que a formação em Pedagogia de uma das autoras,
embora mencionado, é pouco evidenciado nesta descrição frente a tantos outros elementos.
O verso da folha de rosto contém a ficha catalográfica, os direitos de edição, o
endereço e os contatos da editora, além da indicação de toda a equipe editorial, incluindo
direção geral, direção editorial, gerência editorial, supervisão de arte, de editoração, de
revisão, supervisão de iconografia, supervisão digital, supervisão de controle de processos
editoriais, supervisão de direitos autorais, supervisão editorial, edição, assistência editorial,
106
Neste contexto, podemos enfatizar que o livro didático da Educação Infantil vem
consolidar o discurso presente na PNA. O termo ―evidências científicas‖ aparece várias vezes
no texto da PNA e permite-nos concluir que o documento contempla uma visão de ciência que
desconsidera e desqualifica a vasta produção acadêmica na área da alfabetização existente no
Brasil. Sobre isso, compartilhamos:
Silva (2012) explica que o discurso moderno constrói suas verdades tendo por
argumento a ciência, fazendo pensar que, se algo é comprovado cientificamente, recebe o
assentimento de ―o melhor‖, o ―mais verdadeiro‖. A PNA fundamenta seu discurso nesta
suposta cientificidade, desconsiderando a transitoriedade destas verdades e dos discursos
anteriores, que também eram pautados em evidências científicas. Essa é uma estratégia
discursiva que objetiva negar a produção de conhecimentos oriundos de diferentes
abordagens, e que tanto têm contribuído para entender a escola e os processos de ensino-
aprendizagem.
Na sequência, faremos uma breve análise da organização dos sumários presentes no
manual do professor e no livro da criança. O sumário do manual do professor está organizado
em nove seções, conforme podemos observar na Figura 7.
107
Referente à Educação Infantil, a PNA indica que durante essa etapa devem ser
promovidas práticas de ensino que visem ao desenvolvimento da linguagem oral e
da literacia emergente. Ou seja, promover ações e práticas pedagógicas que
estimulem habilidades linguísticas que contribuirão para o processo de alfabetização
no Ensino Fundamental.
Uma das principais novidades trazidas pela PNA são diretrizes para que os materiais
didáticos voltados ao ensino da leitura, escrita e matemática sejam embasados nos
mais recentes resultados de pesquisas das ciências cognitivas a Psicologia cognitiva
e a Neurociência cognitiva (SILVA; CARLA, 2020a, p. 6).
111
Conforme esse excerto, o discurso que se tenta apregoar é o de que a obra didática
Adoletá está fundamentada a partir de dois documentos, BNCC e PNA, e que as atividades
propostas irão estimular a ludicidade, a vivência e a interação, mas estas têm divergências,
pois são descontextualizadas da realidade e da vivência da criança, visando principalmente ao
processo de alfabetização com base na consciência fonêmica. Segundo Morais,
Sendo assim, as ações propostas no livro didático contêm uma intencionalidade muito
bem-definida: a questão da alfabetização precoce das crianças da Educação Infantil,
produzindo um distanciamento dos princípios estabelecidos nas DCNEI e na BNCC,
desconsiderando os direitos já conquistados no campo, além de desqualificar o trabalho
docente e as pesquisas produzidas na área.
Ainda na introdução, o manual do professor traz os conteúdos que deverão ser
trabalhados no decorrer dos quatro bimestres, organizados em tabelas. Portanto nos
deparamos com uma lista de conteúdos divididos por bimestre, ou seja, a fragmentação do
conhecimento. Os conteúdos da tabela referente ao primeiro bimestre, Unidade 1,
diferenciam-se por salientar o trabalho com a consciência fonológica. Optamos por apresentar
a Unidade 2, referente ao segundo bimestre, pois a proposta de trabalho seguirá o mesmo
padrão nas unidades seguintes, tendo como base a consciência fonêmica.
113
Mello (2004, p. 148) explica que ―[...] a atividade que faz sentido para a criança é a
chave pela qual ela entra em contato com o mundo, aprende a usar a cultura e se apropria das
aptidões, capacidades e habilidades humanas‖. Nessa direção, é inalcançável considerar
atividades impressas em livros e materiais didáticos, que forçam a memorização técnica de
letras e números, como favoráveis para a apropriação da linguagem escrita em um período do
desenvolvimento no qual temos as interações e a brincadeira como eixos estruturantes.
Ao analisarmos os objetivos das unidades, deparamo-nos com uma proposta
conteudista, com enfoque na fragmentação do conhecimento, que atende aos currículos
destinados ao Ensino Fundamental e visa ao processo de alfabetização. Por trazer um
conteúdo a ser seguido do início ao fim do ano letivo, o livro didático limita a ação do
professor, contrariando veementemente as DCNEI (LIMA, 2021).
O manual do professor reproduz cada atividade que se encontra no livro da criança por
meio de miniatura e descreve em detalhes como deverá ser trabalhada cada atividade,
direcionando cada etapa, como podemos observar na Figura 12.
119
―Atividade do Livro do Estudante‖, que orienta o professor sobre como proceder de forma
detalhada para reforçar o som e o traçado da letra; ―Possíveis dificuldades‖, que já prevê as
possíveis dificuldades que as crianças possam ter e sugere como saná-las; e ―Atividade
Complementar‖, que é uma sugestão de atividade extra para reforçar o que já foi trabalhado.
A partir deste momento, iniciamos as análises das atividades propostas no livro do
estudante e reproduzidas por meio de miniatura no manual do professor. No livro do
estudante, as unidades de literacia estão organizadas em 93 páginas, com 239 atividades
distribuídas entre as quatro unidades. Selecionamos para análise a primeira atividade da
Unidade 1, que trabalha com uma tirinha da Turma da Mônica e pertence ao gênero textual
história em quadrinhos.
Conforme consta no livro do estudante (Figura 12), o professor deve iniciar fazendo
algumas perguntas às crianças, questionando se elas conhecem os personagens que aparecem
na tirinha, para que serve o estômago, qual a importância das frutas, se as crianças comem
frutas como a Magali, e por que a Mônica ficou aborrecida no final da história; finalizando
com uma atividade de marcar X.
Nas orientações do manual do professor, as autoras apresentam os objetivos da
atividade, relacionando-a aos conceitos da PNA. A segunda seção, ―Aquecimento‖, sugere ao
professor a: mostrar diversos exemplares de gibis para as crianças; deixar que explorem o
material, criem histórias com base nas ilustrações e compartilhem com os colegas; questionar
qual a diferença entre o gibi e outros tipos de publicação. Na seção ―Atividade do Livro do
Estudante‖, há um passo a passo de como o professor deve proceder — fazer a leitura em voz
alta para as crianças e, ao mesmo tempo, percorrer as linhas com o dedo —, com as perguntas
que devem ser feitas, enfatizando que os professores devem estimular as crianças a respondê-
las. Também se ressalta que o objetivo da atividade é trabalhar a expressão da criança e a
compreensão da história. O manual do professor ainda orienta a trabalhar o significado de
duas palavras, estômago e aborrecida. A próxima seção expõe as possíveis dificuldades que a
criança pode ter, indicando a de responder às questões; para tanto, a criança deve ser
incentivada, e o professor elogiá-la e auxiliá-la. A última seção apresenta uma atividade
complementar: sugere-se que as crianças recebam lápis de cor e papel sulfite para criar uma
história em quadrinhos, que utilizem régua para trabalhar a coordenação motora fina, e
escrevam seu nome, com o professor de escriba, se necessário, e que compartilhem a história
com os colegas.
Sendo assim, ao analisarmos as atividades propostas, percebemos que expressam
instruções alheias às realidades das crianças, orientações didáticas engessadas, impondo um
121
padrão que retira o direito de pensar e levar em consideração a escuta sensível, tanto do
professor quanto das crianças. Essas orientações acabam com o próprio sentido do fazer
pedagógico, que precisaria ter como eixos condutores as interações, a brincadeira e as práticas
educativas com intencionalidade, que tragam experiências da vida cotidiana. É importante
mencionar que não estamos avaliando a qualidade das atividades propostas, haja vista
algumas serem bem-interessantes neste primeiro bloco, mas, sim, o direcionamento dado ao
professor, que deixa de ter autonomia no seu fazer pedagógico.
Ao determo-nos na proposta didática do livro, em relação ao trabalho com os gêneros
textuais nas unidades, notamos atividades soltas, sem sequência, que não fazem referência
nem se integram ao que estava sendo estudado anteriormente, pois a cada duas páginas são
sugeridos uma nova atividade e um novo gênero textual. Os gêneros propostos acabam por ser
tão sintetizados, descontextualizados da realidade da criança e apresentados de forma
fragmentada, que perdem o sentido principal.
A Educação Infantil, por ser lugar-espaço de desenvolvimento integral das crianças,
mediante o compartilhamento dos conhecimentos construídos socialmente e das práticas da
cultura, precisa garantir ações pedagógicas intencionais e sistematizadas à diversidade de
gêneros textuais que circulam socialmente, a fim de que as crianças possam, pela exploração
diária, apropriar-se de seus usos e funções, assim como saber sobre seu suporte, seus
objetivos e as várias possibilidades de uso da linguagem, interagindo com esta.
Logo, a superficialidade das práticas sem intencionalidade com gêneros textuais pode
acarretar prejuízos nas possibilidades infantis de vivenciarem e se apropriarem de sua cultura
a partir desses textos (CUNHA; SILVA, 2017), pois esse trabalho com os gêneros textuais
deve transformar as práticas educacionais tradicionais e mecanizadas, de maneira que se
tornem práticas significativas, carregadas de sentido, contextualizadas pela diversidade de
textos em situações funcionais de usos da linguagem. Dessa forma,
Para um levantamento mais detalhado sobre esse conteúdo, o quadro a seguir elenca os
gêneros textuais no decorrer das quatro unidades do livro Adoletá.
123
Poema - 04 - 01
Parlenda 01 02 02 -
Cantiga 01 - 01 01
Adivinhas - - - 02
Conto - 01 - -
Texto informativo - 01 01 -
Obra de arte 01 - - -
História em 01 - - -
quadrinhos
Trava-línguas - 01 - 01
Fonte: Elaborado pela autora com base em Silva e Carla (2020a).
Segundo Anflor e Pohren (2022), a BNCC e a PNA são divergentes, o que acarreta
mudanças no PNLD, modificando a produção do livro didático com foco no processo de
decodificação da língua, o qual exclui as práticas sociais de leitura e escrita na Educação
Infantil, afeta drasticamente o processo de aprendizagem e traz um retrocesso e um
empobrecimento do projeto educacional no País.
A Figura 14 apresenta o trabalho com a letra na forma como ele se apresenta no livro
do estudante.
126
Ao apresentar a letra para a criança, é solicitado que passe o dedo indicador sobre a
letra e pronuncie o som; depois, faça um desenho cujo nome comece com a letra que está
sendo estudada; na sequência, cubra o tracejado ou escreva a letra com o lápis; outra
atividade a cada nova letra vista é a junção da vogal com a consoante, formando sílabas.
Essas estratégias acontecem da letra A até a Z. Para cada letra do alfabeto, aparece uma
atividade de cobrir o tracejado da letra e outra de escrevê-la, como podemos observar na
Figura 14. Nas orientações no manual do professor, as autoras descrevem que esse tipo de
atividade tem o objetivo de trabalhar a motricidade fina e está embasada nos conceitos da
PNA e nos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento da BNCC.
127
A criança da Educação Infantil deve ser pensada de forma integral, enfatizando suas
especificidades, cujas experiências devem ser o centro do processo de ensino-aprendizagem.
Elas devem ser vistas como produtoras de cultura, seres protagonistas, e não como
reprodutoras, como podemos observar na proposta da obra didática Adoletá, que pontua
orientações didáticas específicas de como fazer as atividades, tornando a criança (e o
128
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo final, tecemos as considerações sobre o que foi analisado nesta
dissertação, buscando responder ao problema de pesquisa que gerou este trabalho. Para
responder à pergunta de pesquisa — quais são os discursos referentes a alfabetização,
letramento e desenvolvimento da linguagem presentes nos livros didáticos da Educação
Infantil e os previstos nos documentos norteadores desta etapa da Educação básica? — foi
proposta uma análise do discurso dos seguintes documentos: Edital de Convocação n.º 2/2020
– CGPLI, Guia Digital PNLD 2022 e o livro didático da Educação Infantil Adoletá: volume
II: manual do professor.
Nesta direção, o objetivo geral deste trabalho constituiu-se analisar quais discursos na
área da alfabetização e do letramento estão presentes nos livros didáticos da Educação
Infantil. Como objetivos específicos, almejamos: investigar se os livros didáticos contemplam
nos seus objetivos a centralidade na criança e respeitam as especificidades da Educação
Infantil; verificar as concepções de desenvolvimento da linguagem propostas nos livros
didáticos; identificar se existem processos de alfabetização e letramento previstos em
orientações e propostas de atividades nos livros didáticos da Educação Infantil aprovados no
PNLD 2022.
A partir dos estudos e análises realizados, constatamos que não há como abordar o
tema do livro didático sem contextualizar sua dimensão política, considerando seus elementos
ideológicos e tendo como marca histórica a falta de neutralidade.
Com relação ao primeiro objetivo específico, que é investigar se os livros didáticos
contemplam nos seus objetivos a centralidade na criança e respeitam as especificidades da
Educação Infantil, os resultados demonstraram que, ao se afastar dos princípios éticos,
políticos e estéticos estabelecidos nas DCNEI e do eixo interações e brincadeira, igualmente
autenticado e respaldado na BNCC, o Edital PNLD 2022 e o livro didático Adoletá não leva
em conta os direitos conquistados no âmbito da Educação Infantil, além de desqualificar o
trabalho docente e as pesquisas produzidas na área. O livro é contraditório e limitado, não
oferece à criança atividades exploratórias para desenvolver as suas potencialidades,
proporcionando um aprendizado mais prazeroso, lúdico e satisfatório; dessa forma, as
especificidades da infância e seu período de desenvolvimento não são respeitadas.
Quanto ao segundo objetivo específico — verificar as concepções de desenvolvimento
da linguagem propostas nos livros didáticos —, foi possível perceber que o trabalho com a
linguagem até é citado no Edital e na introdução do livro didático, mas no decorrer das
137
após uma leitura minuciosa, em momento algum o termo ―letramento‖ é citado no Edital de
Convocação, no Guia Digital e no livro didático.
Por meio das análises realizadas, constatamos que o Edital PNLD 2022 faz referência
a dois documentos para embasar suas proposições, a BNCC e a PNA, e busca traçar um
paralelo entre eles. Entretanto, estes adotam concepções divergentes de Educação Infantil e de
alfabetização.
A BNCC, no tocante à Educação Infantil, estabelece a perspectiva de tratar as crianças
por campos de experiência, tendo como eixos estruturantes as interações e as brincadeiras.
Define a alfabetização como um processo que inclui não só dominar o sistema de escrita
alfabético, mas também entender a leitura e a escrita em um contexto de práticas sociais.
Por sua vez, a PNA retoma um outro paradigma, há muito tempo superado: o da
Educação Infantil como etapa preparatória para o Ensino Fundamental e a futura
alfabetização. O documento prioriza a instrução fônica e as ciências cognitivas em detrimento
a todo o conhecimento já produzido na área.
Perscrutando os três materiais que fizeram parte desta investigação — Edital de
Convocação n.º 2/2020 – CGPLI, Guia Digital PNLD 2022 e o livro didático da Educação
Infantil Adoletá: volume II: manual do professor —, podemos concluir que eles servem para
consolidar o discurso da PNA. Desde o Edital de seleção das obras este discurso é
apresentado, parece consolidar-se no PNLD 2022 (subjetivando práticas docentes), e o livro
que chega à mão das crianças orienta uma nova prática pedagógica, constituindo novas
identidades docentes e discentes.
Percebemos, neste processo, o silenciamento de tantos outros discursos que circulam
na atualidade sobre a educação das crianças, fazendo com que os professores sejam
subjetivados e passem a adotar esta postura teórica e prática, tomando-a como ―a verdade‖,
sobre a melhor forma de trabalhar com as crianças. Destacamos, ainda, a evidência dada a
elementos que nos fazem inferir que o processo de alfabetização sistemática deve iniciar ainda
nesta etapa educacional, uma vez que aspectos mais gerais que dão relevo às múltiplas
linguagens e ao letramento são pouco mencionados.
Neste contexto, verificamos que existe uma descontinuidade no trabalho desenvolvido
no âmbito da educação brasileira. Por isso, precisamos de políticas públicas consistentes, que
se tornem políticas de Estado, e não de governo, pois a cada troca de governo desconsidera-se
todo um legado de estudos e pesquisas realizados. Apresenta-se o ―velho‖, no caso o método
fônico, como sendo algo novo e científico, agora denominado de instrução fônica, travestido
com uma nova roupagem, mais atualizada.
139
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