Tese - Thalitta Fernandes de Carvalho Peres - 2020
Tese - Thalitta Fernandes de Carvalho Peres - 2020
Tese - Thalitta Fernandes de Carvalho Peres - 2020
GOIÂNIA-GO
2020
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GOIÂNIA-GO
2020
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DEDICATÓRIA
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradeço ao Senhor meu Deus! Obrigada por seus planos para
minha vida serem sempre maiores do que os meus sonhos! Obrigada, Deus! Toda a honra
e toda a glória sejam dadas a Ti!
À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Sandra Valéria Limonta Rosa, de quem me
orgulho. Ser sua orientanda foi uma honra indescritível. Com toda paciência e sabedoria,
compartilhou comigo seus exímios conhecimentos. A atividade de estudo ao seu lado é
motivadora e prazerosa. Terei sempre uma profunda admiração e um respeito por ti.
Obrigada pela confiança e, principalmente, pelo tempo e pela dedicação voltados à minha
formação!
À distinta banca do exame de qualificação e defesa, composta pelos professores
doutores Raquel Aparecida Marra da Madeira Freitas, Wellington Lima Cedro, Duelci
Aparecido de Freitas Vaz e Ricardo Antônio Gonçalves Teixeira. Professores, vocês são
um exemplo de competência e simplicidade. Obrigada!
Ao meu marido, Noesio Peres da Costa, que me incentivou constantemente e não
mediu esforços para me ajudar nesse percurso. Obrigada, amor, por acreditar que eu
conseguiria! Obrigada pela compreensão devido às muitas viagens que realizei e às
incontáveis horas de estudo às quais me dediquei para realizar este sonho! Amo-te!
Aos meus filhos, Víttor Augusto Carvalho Peres e Rafael Carvalho Peres, que
muito sofreram com a minha ausência. Vocês representam toda a minha força e
persistência. Não foi fácil deixá-los tantas e tantas vezes. Tenho muito orgulho de vocês!
Obrigada! A mamãe ama vocês infinitamente, meus lindos!
À Suely Fernandes Carvalho e ao Juvenal de Carvalho e Silva, que foram e
sempre serão meu porto seguro. À minha mãezinha e ao meu paizinho, pois, se não
fossem as suas constantes ajudas, não teria conseguido nada nessa vida. Quantas vezes
cuidaram dos meus filhos! Nas minhas grandes decisões, sempre me apoiaram e me
ajudaram em tudo que precisei. Deus os abençoe e retribua tudo que fizeram e fazem por
mim. Obrigada, meus lindos! Amo vocês!
À minha irmã Tatiane Fernandes Carvalho, uma grande incentivadora de todos
os meus projetos! Obrigada, maninha, por confiar tanto em mim! Amo muito você e sua
família!
10
Ao meu sogro e à minha sogra, Noel dos Santos Costa e Ilsa Peres da Costa, os
quais também, carinhosamente, me ajudaram a cuidar dos meus filhos quando meu
marido estava viajando.
À minha cunhada Jucelena Peres da Costa, que por pouco não teve sua vida
ceifada pelo coronavírus, e à minha prima Paula Cristina Oliveira de Sousa, as quais
gentilmente me hospedaram durante o curso. Obrigada! Que Deus recompense tudo que
vocês fizeram por mim!
A todos os meus familiares e amigos que torceram muito por mim. Obrigada!
Aos colegas da 15ª turma do doutorado, que sempre foram positivos durante as
disciplinas. Valeu!
A todos os integrantes do Grupo de Estudo sobre o Trabalho Docente e Educação
Escolar (TRABEDUC), pelos momentos de estudo, reflexões e investigação durante os
encontros quinzenais.
Aos meus amigos doutorandos, Mara Cristina Sylvio e Marcos Jerônimo Dias
Júnior, que unidos formamos um trio inesquecível dos primeiros orientandos da Prof.ª
Dr.ª Sandra Valéria. Obrigada pela ajuda e pelo companheirismo. Sucesso!
Às minhas amigas, Carla Bittow Mundim, Juliane Pereira de Santana Peres,
Luciane Nehme Almeida, Fernanda Sardinha de Abreu Tacon e Francis Caroline Alves
de Souza Toledo, que me incentivaram constantemente para a conclusão deste objetivo.
Obrigada, amigas!
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de
Goiás, que me concedeu essa oportunidade valiosa de aprimoramento.
À Universidade Estadual de Goiás, por me conceder licença para aprimoramento
profissional.
A todos os funcionários da escola campo, em especial aos professores e alunos,
que me receberam cordialmente e que foram imprescindíveis para a realização desta
pesquisa.
A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram com essa pesquisa, meus
sinceros agradecimentos!
11
RESUMO
RESUMEN
ABSTRACT
The goal of this thesis is the process of teaching and learning mathematics, particularly
the concept of exact square root and the development of theoretical thought in the 6th
grade of elementary school. To investigate the relations between mathematics teaching
and development at this stage of primary Education, we sought foundations in historical-
cultural theory and developmental teaching theory, considering that this is a peculiar
period in the students' lives, from the transition from the initial years to the final
years.This moment also marks the beginning of the transition from study activity to
personal intimate communication activity. In addition, the research question is: how does
the theory of developmental teaching contribute to the process of teaching and learning
mathematics in the 6th grade of elementary school marked by the transition of the main
activity? In this context, the general objective is to analyze the process of appropriation
of the concept of exact square root among students of the 6th grade of elementary school,
from a teaching and learning process based on the theory of developmental teaching. As
specific objectives, we have: to investigate the conceptual network inserted in the concept
of exact square root as a basis for the elaboration of study tasks for students; to analyze
the study activity for the learning of this concept and the development of theoretical
thought, and discuss the possibilities of the theory of developmental teaching for the
development of theoretical thought. Aside from the bibliographic research, an empirical
work was developed called didactic-formative experiment, to research didactic
procedures that favored the learning and development of students in this school period of
a state school in the city of Iporá-GO. This path presented in this research reveals that it
is not any teaching that promotes the development of students, but there is a theory of
teaching that responds to the possibility of helping students overcome what is called
learning difficulties in Mathematics. It is emphasized that the study tasks based on
davydovian propositions contributed to the transformation of motives and the emergence
of the need to learn new concepts, contemplating the mental actions of reflection, analysis
and the interior plane of actions. Another important aspect of this theory is that it drives
collaborative work, which enhanced the development of superior psychological
functions, such as: voluntary care; cooperation; memory; perception and thought,
evidencing intimate and personal communication as the main activity of adolescents.
Thus, it is advocated that the theory of developmental teaching contributes to the
formation of theoretical thought of students of the 6th grade of elementary school,
characterized by substantial abstractions and generalizations. And yet, in the process of
teaching and learning mathematics there is no gift or talent, but development.
LISTAS DE QUADROS
LISTAS DE FIGURAS
LISTAS DE SIGLAS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 21
INTRODUÇÃO
1
Grafia livre utilizada neste trabalho, porém, obedecemos nas chamadas a este autor, a grafia presente nas
obras referenciadas.
24
através dos conhecimentos adquiridos no mestrado, não apenas propiciar aos alunos o
conteúdo cultural produzido pela humanidade, mas também romper com a concepção de
formação e de trabalho ancorada na epistemologia da prática. E, enquanto professora da
educação básica, o maior desafio era organizar um ensino que impulsionasse os alunos à
formação do pensamento teórico.
Destaca-se que, nos processos de organização do estágio com as escolas-campo,
me deparei muitas vezes com a preocupação da gestão e dos professores a respeito das
dificuldades dos estudantes para a aprendizagem dos conceitos de matemática,
particularmente dos alunos do 6º ano, particularidade que sempre me chamou a atenção.
Ao mesmo tempo, também era constantemente chamada, enquanto equipe de estágio, a
dar respostas e realizar projetos de intervenção pedagógica para ajudar na preparação dos
alunos para as avaliações externas, que têm ganhado cada vez mais centralidade no
cotidiano do trabalho pedagógico escolar.
Esse contexto vivenciado na relação entre a instituição formadora de professores
e a escola evidencia que o conhecimento matemático, neste momento, além da histórica
problemática da dificuldade de aprendizagem, que muitas vezes é mais reveladora dos
problemas relativos ao ensino, acaba por reduzir-se a poucos conceitos. Estes deverão ser
aprendidos pelos alunos, muitas vezes sob a forma de intenso treinamento, dada a sua
utilidade imediata para a realização de avaliações externas 2 à escola, que, de alguma
forma, atestarão o nível e a qualidade dos conhecimentos que os estudantes possuem.
Attie e Moura (2018) afirmam que há, ao mesmo tempo, uma grande valorização
institucional da matemática e o aumento da invisibilidade desse conhecimento,
implicando o afastamento do indivíduo da apreensão de seus processos de significação,
produzindo um mecanismo de crescente alienação em relação a este conhecimento e a
seu papel social, científico e formativo. “É interessante ponderarmos que a manutenção
dessa estrutura e desse processo de alienação, por necessidades políticas e econômicas,
faz com que se torne estritamente indispensável que o ensino de matemática continue
2
Esse movimento tornou-se mais forte a partir da década de 1990, quando as reformas foram ampliadas,
dando ênfase às leis de mercado, o que supervalorizou a automatização do trabalho, alcançando o sistema
educativo. Na implantação das reformas, os professores não participam das decisões e sofrem apenas as
consequências, uma vez que o foco das reformas não são questões pedagógicas no sentido de criar melhores
condições de ensino e do trabalho docente. Diante deste cenário, as dimensões técnicas e mecanicistas da
prática de ensino passaram a assumir centralidade em dano dos seus próprios fundamentos, privilegiando-
se a forma em detrimento do conteúdo.
25
3
A atividade principal ou dominante é aquela cujo desenvolvimento condiciona as principais mudanças
nos processos psíquicos da criança e as particularidades psicológicas da sua personalidade num dado estágio
do seu desenvolvimento (LEONTIEV, 1978a). Davídov (1988) pontua que, para Vigotski, o termo situação
social do desenvolvimento é sinônimo de atividade principal.
32
4
Destacamos: Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Universidade
Federal de Goiás (UFG); Programa de Pós-Graduação em Educação (PUC-Goiás); Programa de Pós-
Graduação em Educação para Ciências e Matemática (IF-Goiás); Pós-Graduação da Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo (USP); Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual
de Maringá (UEM); Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM); Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Extremo Sul Catarinense
(UNESC); Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul);
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciência e Matemática da Universidade Federal de Uberlândia
(UFU); Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp);
Programa de Pós-Graduação em Docência para Educação Básica da Universidade Estadual Paulista de
Mesquita Filho (UNESP).
5
O projeto da presente pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Goiás
(UFG), no dia 22 de agosto de 2018. Na primeira quinzena do mês de outubro de 2018, providenciamos a
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) do representante legal de cada aluno e
dos professores participantes do experimento didático-formativo, e também do documento Termo de
Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) dos alunos que participaram da pesquisa empírica.
35
análise e plano interior das ações, sistematizadas como unidades conceituais de análise
dos resultados do experimento. Essas ações mentais, tomadas para evidenciar e analisar
a assimilação e aprendizagem do conceito de raiz quadrada exata e o desenvolvimento do
pensamento teórico, são reveladas por meio da apresentação e análise de oito episódios
de ensino retirados do experimento didático-formativo considerados mais importantes e
elucidativos. Estes permitiram apreender melhor os indícios de desenvolvimento e, em
alguns momentos, os saltos qualitativos da atividade mental dos alunos em direção à
formação do conceito em questão.
Nas considerações finais, os principais resultados da pesquisa foram mostrados,
ressaltando-se as contribuições da teoria do ensino desenvolvimental para o ensino da
Matemática no 6º ano do Ensino Fundamental. Serenamente, reconheceram-se as
limitações desse estudo, evidenciando-se, assim, a necessidade de mais pesquisas que
busquem uma organização de ensino articulada a princípios teóricos que promovam a
aprendizagem e o desenvolvimento integral dos alunos.
38
A partir do conceito inserido por Marx (2010) de práxis humana como atividade
produtora consciente e histórica, Vigotski (2009) reconheceu que a práxis é a forma como
39
Nesse sentido, o que impulsiona o homem a agir e dirigir a ação para a satisfação
de uma determinada necessidade é o motivo (LEONTIEV, 2017). A consciência dos
41
motivos que responde às necessidades não é por si só a relação que existe entre a
consciência dos motivos e a evolução das necessidades.
O termo motivo não é utilizado por Leontiev (1978a) para designar o sentimento
de uma necessidade, mas aquilo em que a necessidade se concretiza de objetivo nas
condições consideradas e para as quais a atividade se orienta. Neste contexto, para
encontrar o sentido pessoal, deve-se descobrir o motivo correspondente. “O fundamental
é que atrás do motivo está sempre a necessidade, e aquele corresponde sempre a uma ou
outra necessidade” (LEONTIEV, 1978b, p. 82, tradução nossa).
Leontiev (2012) coloca um bom exemplo para melhor se compreender as
relações entre necessidades, motivos e objetivos. O professor passa a leitura de um livro
literário para a turma. Um colega fala para o estudante que o livro que ele está lendo não
será cobrado na avaliação. Sabendo disso, o estudante pode tomar duas atitudes: continuar
ou desistir da leitura do livro. Se o estudante optar por continuar a leitura do livro, aquilo
que dirigiu o processo de leitura estimulou por si mesmo o processo, isto é, o conteúdo
do livro foi o motivo, devido à necessidade de conhecer aquilo de que se tratava o livro.
No entanto, se o estudante desistisse da leitura do livro, o motivo que o levou a
ler não era o conteúdo do livro, mas apenas a necessidade de obter uma boa nota na
avaliação. “Aquilo para o qual sua leitura se dirigia não coincidia com aquilo que o
induzia a ler” (LEONTIEV, 2012, p. 68). Neste caso, a leitura não era propriamente uma
atividade, mas a preparação para a avaliação.
Para a realização da atividade, na maioria das vezes, é necessária a mobilização
de processos internos e externos, os quais são chamados de ações. Uma ação “[...] é um
processo cujo motivo não coincide com seu objetivo (isto é, com aquilo para o qual ele
se dirige), mas reside na atividade da qual ele faz parte” (LEONTIEV, 2012, p. 69).
Voltando ao exemplo anterior, quando a leitura é mantida somente enquanto o estudante
acredita que será cobrada na avaliação, a leitura é uma ação, e o motivo é a necessidade
de se obter uma boa nota na avaliação. Isso porque o objetivo de uma ação não estimula
42
o agir, pois, para que a ação apareça e seja realizada, é preciso que seu objetivo surja e
esteja relacionado ao motivo da atividade.
Leontiev (1961) esclarece que a necessidade depende das condições externas,
visto que estão submetidas à dinâmica e às contradições da vida social. “As necessidades
caracterizam-se pelo seu conteúdo objetivo, e este se determina pelas condições do meio
exterior. Daí resulta que toda necessidade é uma das formas particulares de refletir-se a
realidade” (LEONTIEV, 2017, p. 42). Nesse movimento, as necessidades são
transformadas em motivos da atividade, que são internos e possibilitam a concretização
do objetivo.
Em relação ao conceito de ação, Leontiev (1978b) afirma que:
Dessa forma, “[...] há uma relação particular entre atividade e ação. O motivo da
atividade, sendo substituída, pode passar para o objeto (o alvo) da ação, com o resultado
de que a ação é transformada em uma atividade” (LEONTIEV, 2012, p. 69). Em outras
palavras, o motivo passa a ser o próprio objeto. Para o autor, esse é um ponto fulcral, pois
esse processo é a base psicológica sobre a qual ocorrem mudanças na atividade principal
e, consequentemente, as transições de um período para o outro do desenvolvimento.
Outro componente da estrutura da atividade é a operação, nas palavras de
Leontiev (1978b, p. 85, tradução nossa): “Denomino operações os meios com os quais se
executa a ação”. Ainda segundo o autor: “A operação é o conteúdo indispensável de toda
a ação, mas não se identifica com a ação. Uma só e mesma ação pode se realizar por meio
de operações diferentes, e inversamente, ações diferentes podem ser realizadas pelas
mesmas operações” (LEONTIEV, 1978a, p. 303-304). A explicação para isso se dá pelo
fato de que as ações estão correlacionadas com os fins, enquanto as operações estão com
as condições de realização da ação.
Nessa perspectiva, Leontiev (1878b) apresenta a estrutura da atividade psíquica
humana e seus componentes numa inter-relação criativa e dinâmica entre necessidades,
43
motivos, objetivos, ações e operações. Com base nessa estrutura da atividade, Davídov
(2019b) faz uma nova interpretação, considerando que os afetos também interferem nos
motivos e introduzem o desejo. Explica, então, que as emoções funcionam mediante os
desejos e as necessidades, fazendo, assim, surgir e desenvolver motivos e interesses em
relação ao conteúdo da atividade.
Para Davídov (2019b), as ações voltadas para a resolução de uma tarefa surgem
a partir dos motivos existentes, sendo que a cada ação corresponde um dado motivo.
Ressalta ainda, que a emoção e o desejo têm o papel de verificar os meios necessários
para a resolução dessa tarefa. Assim, o desejo e a emoção são também fundamentos da
atividade.
Quanto às relações entre ações e operações, para um melhor esclarecimento,
pode-se retomar o desenvolvimento da linguagem escrita: quando a criança aprende a
dominar com desenvoltura a escrita, observa-se a dinâmica entre ações e operações. No
início da apropriação da linguagem escrita, a atividade da criança é uma soma de ações
não automatizadas. Com o domínio cada vez mais progressivo e autônomo da escrita, as
ações, ao serem automatizadas, transformam-se em operações. As operações são mais
próximas dos hábitos e podem ser realizadas de forma quase automática, sem que durante
todo o tempo a atenção e a consciência do indivíduo sejam mobilizadas. Desta maneira,
as operações vão “abrindo caminhos” para o desenvolvimento de estruturas de
pensamento mais complexas, possibilitando o surgimento de novas ações e,
consequentemente, de novas atividades.
É preciso considerar que há uma dinâmica na estrutura da atividade em que
operações se convertem em ações e vice-versa. Tuleski e Eidt (2016) exemplificam essa
44
objeto tarefa
Davídov (1988) explica que uma atividade pode perder seu motivo e
transformar-se em ação que, modificando o seu objetivo, pode se converter em operação.
Assim, o motivo de certa atividade pode passar a ser o objetivo da ação, como resultado
do qual essa última se converte em outra atividade. Com essas transformações dos
componentes da atividade, o autor em questão apresenta o seguinte esquema: atividade
↔ ação ↔ operação e motivo ↔ objetivo ↔ condições.
Davídov (1988) destaca que a consciência possui três funções. A primeira é que,
no indivíduo, a consciência representa idealmente as posições das pessoas que estão
45
6
“O termo alemão tätigkeit é equivalente às palavras deyatelnost (russo); human activity (inglês) e
“atividade humana” (português-Brasil). Contudo, conforme Schurig (1988) assinala, a tradução do termo
tätigkeit simplesmente como atividade ou, em inglês, activity, gera uma perda de significado, isto é, uma
mera simplificação, uma redução teórica. Segundo o autor, a palavra tätigkeit: refere-se principalmente ao
comportamento humano; é uma ação direcionada pelos objetivos e orientada quase totalmente pelas
finalidades práticas; é definida em torno do processo de objetivação da consciência; contém dentro de si
níveis como a relação entre o subjetivo e o objetivo ou entre o material e o ideal” (CEDRO, 2008, p. 22).
47
permissão para sair e brincar, foi eficaz. Assim, o estudante começou a fazer a lição em
virtude de um motivo apenas compreensível. Com o tempo, o estudante observa que, ao
fazer as tarefas, seu desempenho melhora. A mudança em sua conduta, ao fazer as tarefas
movido pela vontade, é sair melhor nas provas. “O motivo realmente eficaz que induz a
criança, agora, a fazer sua lição de casa é um motivo que, anteriormente, era apenas
compreensível para ela” (LEONTIEV, 2012, p. 70).
Desse modo, no exemplo citado acima, há uma ação (fazer a lição) que adquiriu
um novo motivo e, assim, se transformou em atividade. Essa transformação de motivo
ocorre devido a uma nova objetivação das necessidades da criança e ao fato de serem
compreendidas em um nível mais alto. Neste ínterim, a partir do caráter dinâmico da
atividade, entende-se que, em cada momento do desenvolvimento, o estudante se
relaciona com o mundo e com as exigências deste sobre si mesmo de um modo particular.
Para Leontiev (2012), a atividade principal possui três atributos:
Os pesquisadores deste grupo, ainda segundo o autor, quase sempre se esqueciam que, no
curso do desenvolvimento, se modificam o significado, o valor e a importância do indício
escolhido. Acabavam, desta forma, chegando aos mesmos limites do primeiro grupo,
investigando-se características externas do desenvolvimento infantil, e não a essência do
processo.
O terceiro grupo firmava-se na tendência de passar do princípio puramente
sintomático e descritivo para o colapso das peculiaridades essenciais do desenvolvimento
das próprias crianças. O obstáculo desse caminho é de ordem metodológica, pois a sua
concepção de desenvolvimento infantil é antidialética e dualista.
Diante da insuficiência e dos limites das teorias psicológicas para a explicação
da periodização do desenvolvimento humano, Vigostski (1996) questiona os princípios
sobre os quais se deveriam estruturar a verdadeira periodização.
Outra questão importante é a questão das idades. Vigotski (1995) esclarece que
tanto a idade intelectual como a cultural não são cronológicas. Quando se fala em idade
fisiológica, pressupõe-se que o processo de desenvolvimento está constituído por
determinados níveis, os quais não coincidem com o curso cronológico do tempo. Assim,
a criança, em certa idade, pode não estar em relação tanto com a sua idade fisiológica
como intelectual. Ela pode estar à frente ou atrás do ponto em que se encontra sua idade
cronológica, questão denominada pelo autor como problema da idade cultural.
Analisar o desenvolvimento da criança, para Vigotski (1996), é compreender a
passagem de um momento evolutivo para outro, relacionada à mudança e à estruturação
da personalidade. Em outras palavras, estudar o desenvolvimento infantil significa
estudar a transição de um período do desenvolvimento para outro e as mudanças na
personalidade da criança dentro de cada período. Ainda segundo o autor, as crises e
reviravoltas no curso do desenvolvimento em si podem dar base para definir as principais
épocas de estruturação da personalidade da criança que chamamos de idade.
Enquanto vários investigadores consideram as crises como enfermidades do
desenvolvimento ou desvio da norma, Vigotski (1996) afirma que é indispensável não
negar a existência de crises no desenvolvimento da criança, para melhor compreender seu
desenvolvimento, e como isto se relaciona ao processo de ensino e aprendizagem na
escola.
Para Vigotski (1996, p. 256, tradução nossa) “[…] a primeira peculiaridade de tais
períodos consiste, por uma parte, em que os limites entre o começo e o final da crise e as
idades contíguas são totalmente indefinidas. As crises se originam de forma imperceptível
e é difícil determinar o momento de seu começo e fim”.
A segunda característica, ainda segundo o autor, é que, entre as crianças em
idade escolar que vivenciam o período crítico, o desempenho do estudo declina, e o
interesse nas aulas diminui. Entretanto, nem sempre é assim, pois períodos críticos são
53
diferentes nas crianças, o que explica o fato de muitas não diminuírem o seu rendimento
escolar.
A terceira peculiaridade das idades críticas é a natureza negativa do
desenvolvimento, no sentido em que o desenvolvimento muda seu significado positivo,
criativo, para uma fase rebelde, como no caso da adolescência. Porém, esse conteúdo
negativo do desenvolvimento em períodos críticos, é apenas a face inversa ou velada das
mudanças positivas de personalidade que compõem o sentido principal e básico de toda
a idade crítica. Essas principais particularidades dos períodos críticos e estáveis, de
acordo com Lazaretti (2011), confirmam que o desenvolvimento da criança é um processo
dialético em que a passagem de um estágio ao outro não acontece pela via evolutiva, e
sim revolucionária.
De acordo com o quadro acima, cada época consiste em dois períodos ligados
entre si. O desenvolvimento humano tem início com o período em que predomina a
assimilação dos objetivos, dos motivos e das normas da atividade humana e o
desenvolvimento da esfera motivacional e das necessidades. Em seguida, prepara-se a
transição para o segundo período, em que ocorre a assimilação predominante dos
procedimentos das ações com os objetivos e a formação das possibilidades técnicas
operacionais.
Para Davídov (1988), a base dessa periodização se encontra na ideia de que cada
faixa etária corresponde a um tipo de atividade principal, na qual surgem e se constituem
56
não está nas mudanças que ocorrem no interior da própria memória, mas nas relações da
memória com outras funções, modificando seu lugar na estrutura geral dos processos
psíquicos.
Para isso, Vigotski (1996) busca estudar a relação entre a memória e o
pensamento, entendendo que a relação entre os processos fundamentais troca
inversamente quando a criança passa da primeira idade escolar à adolescência. “Se na
criança o intelecto é uma função da memória, no adolescente a memória é função do
intelecto. Assim como o pensamento primitivo da criança se apoia na memória, a
memória do adolescente se apoia no pensamento” (p. 134, tradução nossa).
Nesse sentido, o pensamento da criança se apoia completamente em imagens
concretas, em representações visuais. O intelecto, neste caso, vem a ser uma função do
hábito e da memória, e o conceito se baseia na disposição motora e na imagem visual-
direta traduzida em palavras. No adolescente, a memória não é um conjunto formado
pelas imagens dos objetos concretos, pois a memória é permeada pelos conceitos,
vínculos e pelas relações. Assim, a própria função da memorização melhora por sua
estrutura, composição e novas formas de atividade.
É importante ressaltar ainda que o próprio significado da palavra, a forma de
utilizá-la como signo de uma série de objetos e a capacidade de fazer generalizações são
distintas entre as crianças e os adolescentes. Logo, a verbalização da memória e a
memorização com a ajuda de anotações verbais se modificam substancialmente nessa
idade de transição. Sobre isso, Vigotski (1996) explica que:
Não devemos esquecer que se trata de um vínculo duplo: por uma parte
a atenção, quando alcança um certo grau de desenvolvimento, constitui,
assim como em outras funções intelectuais, uma premissa indispensável
para o desenvolvimento do pensamento em conceitos e, por outra, a
passagem para o pensamento em conceitos significa que a atenção
chega a um estágio superior, que passa a uma forma nova, superior e
complexa de atenção voluntária interna (VIGOTSKI, 1996, p. 139,
tradução nossa).
Vigotski (2001, p. 214), “[...] a tomada de consciência vem pela porta dos conceitos
científicos”.
De acordo com Anjos (2017), o papel da educação escolar, no desenvolvimento
da personalidade do adolescente, possui uma dupla dimensão. A primeira é constituída
pelo ensino e pela aprendizagem dos conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos,
em suas formas mais ricas. A segunda é a relação entre o modelo adulto de ser humano e
o ser em desenvolvimento, o adolescente.
Vigotski (2001), em suas pesquisas sobre o desenvolvimento do pensamento por
conceitos, estabelece os seguintes estágios de desenvolvimento do pensamento:
sincretismo, pensamento por complexos, pseudoconceitos e pensamento por conceitos.
Cada estágio se divide em várias fases e, nesta pesquisa, se fará uma síntese da
teoria vigotskiana a respeito do desenvolvimento do pensamento por conceitos, por
entender ser importante para a compreensão da formação dos conceitos científicos na
adolescência. O primeiro estágio, o sincretismo, se divide em três fases, a saber: fase de
formação da imagem sincrética ou amontoado de objetos correspondentes ao significado
das palavras; disposição espacial das figuras, possibilitando a organização da percepção
da criança, e a fase em que a imagem sincrética se forma em uma base mais complexa.
operações mentais. A educação escolar, para o autor, está alicerçada nessa compreensão
a respeito da formação dos conceitos escolares, na qual o ponto de partida do ensino são
as percepções e representações visuais concretas que o aluno observa no objeto de estudo.
Ainda segundo o autor, o pensamento que se realiza por abstrações e
generalizações de caráter lógico-formal forma apenas um pensamento de tipo empírico.
As ações mentais quase sempre se limitam à comparação dos dados e atributos concretos,
com o fim de separar traços gerais e realizar a classificação e identificação dos objetos
sensoriais concretos, com a finalidade de sua inclusão em alguma classe.
Puentes (2019) explica que, inicialmente, o sistema era identificado com o nome
de Sistema de Aprendizagem Desenvolvimental Elkonin-Davídov. Contudo, a partir do
ano de 2018, uma parte do Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática Desenvolvimental
e Profissionalização Docente (Gepedi) tomou o nome Sistema Elkonin-Davídov-Repkin,
reconhecendo o papel importante do filósofo, filólogo, psicólogo, didata e metodologista
ucraniano V. V. Repkin.
85
Esse sistema baseia-se nos conteúdos escolares e tem a atividade de estudo como
teoria central, “que tem como conteúdo principal a autotransformação do sujeito por
intermédio da formação do pensamento teórico, a qual se constitui sobre a base do ensino
dos conceitos científicos e das ações mentais” (PUENTES, 2017, p. 53).
Para Davídov (2019d) é improvável ocorrer um bom desenvolvimento psíquico
dos alunos nas aulas no Ensino Fundamental sem a atividade de estudo. O autor salienta
que os componentes básicos da teoria da atividade de estudo são as tarefas e as ações de
estudo. Neste contexto, o pensamento teórico surge e se desenvolve no modo
generalizado de ação mental com os objetos, que se põe em movimento quando os
estudantes realizam uma tarefa cujo conteúdo é o conhecimento ou conceito teórico a ser
assimilado.
O professor não expressa o conhecimento a ser assimilado sob a forma de
palavras-termo ou definições prontas, mas precisa elaborar uma tarefa de tal forma que
os próprios alunos possam refletir sobre e expressar esse conceito em de ações. Para
Davídov (2019d), a ação está subjacente ao conceito, sendo necessário desenvolver esse
conceito, não na forma de palavras, mas sob a forma de ações mentais. O principal
conteúdo da atividade de estudo é a assimilação dos modos generalizados de ação na
esfera dos conceitos científicos e as mudanças qualitativas que este processo de
assimilação provoca no desenvolvimento psíquico da criança.
Nesse sentido, a atividade de estudo vai além do que levar a criança ao domínio
dos conhecimentos, mas é uma atividade em que a assimilação dos conhecimentos se dá
de maneira ativa e criativa, promovendo mudanças, reestruturações e enriquecimento das
funções psíquicas dos alunos (DAVYDOV; MÁRKOVA, 1987b). O que se observa,
frequentemente nas escolas, são os alunos escutando a explicação do professor e suas
demonstrações sobre algum conteúdo, num processo de ensino e aprendizagem em que
aparentemente as crianças estão “assimilando” os conteúdos transmitidos pelo professor.
Esse tipo de ensino não promove o desenvolvimento do pensamento teórico, mas sim do
pensamento empírico, como já observado.
86
professor ou uma boa nota, por exemplo. “Desta forma, os conhecimentos teóricos,
constituindo o conteúdo da atividade de estudo, são simultaneamente sua necessidade”
(DAVÍDOV, 1988, p. 178, tradução nossa).
Elkonin (2019a) propõe a seguinte estrutura para a atividade de estudo,
enfatizando que seus componentes estão interligados entre si:
Segundo o autor, a resolução de uma tarefa de estudo tem como objetivo formar
nos alunos modos de ação, entendendo-se por modo de ação uma ação particular com um
dado material. Esta se propõe à discriminação de tal forma que todas as habilidades
consequentes são determinadas durante a sua execução.
As ações de estudo são tarefas de estudo (modos de ação da resolução da tarefa)
que possibilitam aos alunos assimilarem o modo objetivo de ação. Começa-se pela
identificação do modelo, e Elkonin (2019a, p. 155) diz: “[...] pode-se supor que, durante
o acompanhamento do modelo da ação, a criança cria uma visão prévia a respeito de como
executar essa ação. Com base nisso, acontece a assimilação que resulta na reprodução da
ação”.
Na análise do modelo, ressalta-se a ação de controle da atividade de estudo. Esse
ato de controle consiste na comparação entre o que se pensava da atividade reproduzida
e o seu resultado com o modelo. Nisso, o controle determina a atividade de estudo como
um processo controlado pela própria criança. “Por sua vez, a atividade de estudo depende
do grau de formação do controle da atividade” (ELKONIN, 2019a, p 156).
Por último, a avaliação permite a identificação, pela criança, se a tarefa foi
realmente resolvida e se assimilou o modo de ação de forma que consiga aplicá-lo na
resolução de outras tarefas. Assim, “[...] a avaliação consiste na execução de uma tarefa
de estudo” (ELKONIN, 2019a, p. 166).
Dessa forma, Elkonin (2019a) ressalta que a obtenção do resultado correto da
tarefa é consequência da formação do modo generalizado de ação. O processo de
formação da atividade de estudo vai ocorrendo na transição gradual da proposição de
88
algumas ações do professor para o aluno, para que possam fazer as operações de maneira
mais autônoma.
Davídov (1988, p. 178, tradução nossa) ajuda a compreender melhor as relações
entre necessidades, motivos e ações na tarefa de estudo: “[...] a necessidade da atividade
de estudo estimula os escolares a assimilar os conhecimentos teóricos; os motivos, a
assimilar os procedimentos de reprodução destes conhecimentos por meio das ações de
estudo, dirigidas a resolver as tarefas de estudo”. Entende-se que, ao realizarem uma
tarefa de estudo, os alunos descobrem a essência do objeto estudado, reproduzindo-o
mentalmente sob a forma de conceito.
Para Davídov (1988, p. 181, tradução nossa), a resolução de uma tarefa de estudo
deve levar os estudantes ao cumprimento de seis ações:
Cada uma dessas ações, de acordo com o autor, é composta por operações
correspondentes. É importante ressaltar a importância da mediação do professor na
condução da resolução das tarefas de estudo, pois, no início, os alunos não conseguem
resolvê-las e realizar as ações necessárias. Nesse processo, os estudantes vão adquirindo
as correspondentes capacidades e também autonomia para realizar a tarefa de estudo de
forma independente.
Davídov (1988) diz que a transformação dos dados da tarefa é a ação inicial, que
tem como objetivo descobrir a relação universal do objeto. A tarefa de estudo pode ser
um problema que leve os alunos a analisarem o conteúdo, a fim de chegar ao conceito
principal, essencial. Para o autor, essa ação é a principal, pois os alunos precisam
transformar os termos da tarefa, e esta não pode ser resolvida nos modos lógico-formais
de ação com um conteúdo.
A ação de estudo seguinte consiste na modelação da relação universal descoberta
na ação anterior. Nesta ação, a essência do conceito é modelada na forma simbólica: texto
escrito, gráficos, desenhos.
89
Porém, por vezes, esse caráter ativo dos interesses conduz a um desprestígio dos
conhecimentos teóricos, que podem não ganhar significado em sua prática diária. Disso
decorre o famoso e recorrente questionamento aos professores, dos quais a Matemática
não escapa: onde vou usar o que estou estudando?
Os interesses dos adolescentes muitas vezes adquirem um caráter unilateral e
demonstram um interesse extraordinário por questões que gostam, por determinadas
disciplinas ou por uma atividade, secundarizando ou abandonando as demais. A esse
respeito, Elkonin (1961) afirma a importância de se organizar bem o ensino, de forma que
os adolescentes desenvolvam motivos e interesses por todos os ramos do saber, bem como
o interesse geral pelo estudo.
Ao longo de mais de 10 anos de pesquisa com adolescentes, Davídov e Márkova
(1987b) observaram a possibilidade do surgimento das seguintes características
qualitativas no desenvolvimento intelectual: a organização dos próprios alunos de sua
atividade de estudo; a passagem de um tipo de atividade a outra; os motivos de estudo se
manifestam como uma permanente orientação autônoma dos alunos para a realização da
atividade; diferenças individuais expressadas na atividade de estudo, que se manifestam
no distinto nível de formação de meios e procedimentos para realizá-la.
Todas essas particularidades constituem as características do comportamento
cognitivo dos adolescentes, formando importantes neoformações psicológicas desta idade
que determinam o seu desenvolvimento. Essas neoformações conduzem ao pensamento
teórico, que representa um novo tipo de postura pessoal do adolescente para a realidade.
Assim, os estudantes começam a avaliar e a assimilar os modelos e medidas elaborados
socialmente (DAVÍDOV; MÁRKOVA, 1987b).
Ainda segundo a autora é necessário ressaltar que o termo experimento não tem
relação com a pesquisa quantitativa de caráter lógico-experimental utilizada pela
abordagem positivista, realizada com alto controle de variáveis quantificáveis. O método
de experimento didático-formativo: “[...] visa investigar os processos de surgimento de
novas formações mentais nos alunos durante a atividade de estudo, mediante orientação
para se atingir determinados objetivos” (LIBÂNEO; FREITAS, 2013, p. 328).
O experimento didático-formativo objetiva promover e analisar as mudanças
qualitativas no pensamento dos alunos a partir de um modo específico de organização do
ensino. A organização da atividade de estudo é a característica desta metodologia de
pesquisa, devido ao seu caráter teórico-prático. Assim, é durante a realização da atividade
de estudo pelos alunos, devidamente organizada pelo professor/pesquisador, que os
estudantes assimilam ativa e criativamente os conceitos e desenvolvem o pensamento
teórico (DAVÍDOV, 2019a). Longarezi (2019) afirma que a atividade educativa, no
contexto do experimento didático-formativo, se estabelece no coração da atividade
investigativa, do mesmo modo que a atividade de pesquisa se configura no coração da
atividade de estudo.
Porém, como afirma Kopnin (1972), é necessário cuidado do pesquisador, para
que não faça do seu experimento investigativo um fetiche, um procedimento
98
que quer analisar na zona de desenvolvimento próxima aos alunos. Sforni (2015) entende
que conhecer o nível de desenvolvimento presente dos alunos colabora para o
planejamento das tarefas adequadas à assimilação e à passagem para o próximo nível de
desenvolvimento. O nível atual pode ser identificado com observações, entrevistas e
diálogos com os estudantes e o professor da turma, dentre outros procedimentos.
Dessa forma, as tarefas de estudo devem ser elaboradas de tal forma a mobilizar
as funções psíquicas superiores para que o pesquisador possa proceder à análise dos
processos cognitivos. Sforni (2015) explica que o pensamento teórico se vincula ao
desenvolvimento das funções psíquicas superiores, que se desenvolvem conforme os
alunos vão entrando em atividade de estudo. Neste ínterim, a atenção, a percepção, a
memória, a imaginação, a criatividade, o raciocínio lógico, a análise e a reflexão
desenvolvem-se quando são colocados em movimento pelas tarefas.
Por último, é necessária a formulação de tarefas particulares para analisar se os
alunos conseguem operar mentalmente com os conceitos em diferentes situações, ou seja,
se desenvolveram a capacidade de utilizar os conceitos como ferramentas mentais. Sforni
(2015) mostra que isso sugere a participação efetiva dos estudantes na elaboração da
síntese conceitual, em que pensamento e linguagem formam uma unidade.
Assim, iniciou-se o planejamento do experimento didático-formativo com a
elaboração do plano de ensino desenvolvimental, a partir da análise do conteúdo/conceito
a ser ensinado e da elaboração das tarefas de estudo, de acordo com o que foi sintetizado
no quadro abaixo. Em seguida, detalharam-se os procedimentos orientadores da
elaboração do plano de ensino desenvolvimental.
√25.
De acordo com Contador (2008), essa mesma nomenclatura foi utilizada por
Luca Pacioli, porém, acrescida da letra v, quando a expressão envolvia dois ou mais
radicais. Desta maneira, √√20 − 5 era representado por ꝶʋꝶ20𝑚̃5, em que ꝶʋ era
chamado radix universaliz e indicava que a raiz quadrada envolve toda a expressão.
No século XV, Regiomontanus (1436-1476) começou a empregar símbolos ao
invés de palavras para se referir a incógnitas e ao seu quadrado. Ele utilizou a letra xis e
um traço horizontal para representar a igualdade, abandonando a palavra aequalis. Em
7
Moura et al. (2016) concordam com Tobias Dantzig, ao definir o número como linguagem da ciência. De
acordo com esse autor, foi o número que engendrou a ciência. Criada da técnica, a matemática emancipa-
se dela, desenvolvendo um processo de abstração que gerou a ciência.
8
“O desenvolvimento da notação algébrica evoluiu ao longo de três estágios: o retórico (ou verbal), o
sincopado (no qual eram usadas abreviações de palavras) e o simbólico” (BAUMGART, 1992, p. 03).
103
mesma forma, a notação moderna para √29 − √180 equivalia a 𝑅)2 29𝑚
̅ 𝑅)2 180.
Apenas em 1489 o alemão Johann Widmann (1460-1498) publicou uma
aritmética comercial, na qual apareceram os sinais + e – no sentido de excesso e falta de
peso em caixas de mercadorias. Em 1518, o vienense Heinrich Schreiber (1496-1525)
escreveu um livro usando esses sinais em álgebra.
Em 1525, o alemão Christoff Rudolff (1499-1545) contribuiu para a simbologia
com o uso do sinal √ para raiz quadrada, mas os símbolos R e ꝶ foram utilizados até o
final do século XVII. Na França, somente em 1551 foi publicado um livro com os sinais
alemães para soma, subtração e raiz quadrada e, na Itália, em 1608.
Contador (2008) afirma ainda que, em alguns lugares, como na Alemanha, foi
utilizada a letra l, derivada de latus ou lado, que significava o lado de um quadrado.
Assim, escrevia-se l5 para representar √25. Desta forma, a partir de 1202, com Fibonacci,
é que o símbolo √ teve origem na letra r da palavra radix, levando o nome de radical
pelo mesmo motivo.
É importante lembrar que a consolidação de todo simbolismo matemático
utilizado atualmente ocorreu em 1591, com forte influência de François Viète e
aperfeiçoada, posteriormente, em 1637, por René Descartes. “Descartes ia mais longe do
qualquer de seus predecessores em sua álgebra simbólica, e na interpretação geométrica
da álgebra” (BOYER, 1996, p. 232). Logo, ele mostrou o inverso do que ocorrera no
tempo dos gregos, ou seja, que a álgebra poderia servir de ferramenta para os estudos de
geometria.
Nesse momento, iniciou-se o uso de letras minúsculas do alfabeto, para
representar as grandezas conhecidas, e letras maiúsculas, para as desconhecidas. “Essa
simbologia será modificada em A Geometria, nesse texto utilizará as letras minúsculas do
fim do alfabeto: x, y, z, para as variáveis e as letras do início do alfabeto, também
9
“Há quem diga que + e – derivam das letras minúsculas p e m (de plus e minus, em latim), mas há indícios
de que + veio de et (e, em latim)” (GARBI, 2006, p. 447).
104
Vale ressaltar, como mostra Silveira (2015), que o signo matemático é morto
para o aluno. Daí a necessidade de o professor mediar o conceito do signo de forma que
este se torne compreensível para o aluno. O professor conduz o aluno a dar vida a esse
signo morto, visto que a “tradução” da linguagem matemática para a linguagem materna
exige a compreensão dos símbolos matemáticos. Isso ocorre, principalmente, porque “[...]
o movimento de criar significados aos símbolos objetivados por meio da linguagem
matemática é mediado pela subjetividade do aluno” (p. 182).
Entende-se, assim, que o simbolismo matemático atua como intermediador entre
o objeto e seu conceito, sendo que cabe ao professor mediar o processo de assimilação,
pelo estudante, do símbolo/signo matemático e de seus significados. Mais uma vez fica
evidente a importância da teoria do ensino desenvolvimental para ajudar na organização
do ensino pelo professor, pois esta precisa analisar a linguagem matemática, que pretende
ser unívoca, utilizando a linguagem materna, que é polissêmica.
Diante do exposto, ressalta-se a necessidade da análise lógico-histórica do
conceito de raiz quadrada e de sua rede conceitual. Boyer (1996), Eves (1996), Garbi
(2006) e Ifrah (2010) não escreveram especificamente sobre o desenvolvimento histórico
desse conceito.
Contudo, esses historiadores da Matemática apresentam que o início dessa
ciência se deu no processo de contagem e, posteriormente, com a formação dos sistemas
numéricos. A partir do conceito de multiplicação, outros conceitos estão interligados em
106
sua base teórica, como a ideia de sequência. A progressão aritmética é indicadora dos
expoentes, e a progressão geométrica indicadora das potências, sendo esta essencial para
a compreensão da rede conceitual de radiciação.
Caraça (1984), quando se refere às operações aritméticas, afirma que, a partir
das quatro operações, conhecidas como operações fundamentais, surgem outras três que
se ligam imediatamente. Assim, da adição, subtração, multiplicação e divisão, surgem a
potenciação, a radiciação e a logaritmação. O Quadro 4 apresenta essas sete operações.
Cedro, Moraes e Rosa (2010) pontuam que é no conceito de números reais que
todas as operações fundamentais do cálculo são possíveis de serem concretizadas, pois
são as propriedades formais das sete operações fundamentais expostas que formam o
conjunto das leis operatórias do cálculo. “As leis operatórias e as propriedades estruturais
são mantidas em todos os campos numéricos, porém, quanto mais particular for o campo
numérico, menos operações serão possíveis de serem realizadas” (p. 434-435).
Sobre as operações inversas, Caraça (1984) explica que, em relação a cada uma
das operações diretas, pode-se colocar o seguinte problema: dado o resultado da operação
e um dos dados, determine o outro dado. Ou seja, colocar “este problema é pôr o problema
da inversão das operações que resolvem o problema, para cada caso, chamam-se
operações inversas das primeiras” (p. 20). Isso significa que as operações inversas
surgiram da impossibilidade de resolução dentro do campo dos números naturais.
Nesse caminho, a inversão na adição consiste em, dada uma soma e uma das
parcelas, determinar a outra. Em virtude da propriedade comutativa da adição, as funções
das duas parcelas podem se trocar, onde as duas inversas fundem-se numa só, que se
chama subtração. Exemplo: 2 + 3 = 5 e 3 + 2 = 5.
107
𝒂= 𝒏∙𝒄 Multiplicação
𝒂 = 𝒄 + 𝒄 + ⋯+ 𝒄 Agrupamento/Adição
𝒂 = 𝒏𝟐 Potenciação
𝟐
𝒏 = √𝒂, 𝒂 𝝐 ℕ Raiz quadrada exata
Nesse mesmo sentido, Vieira e Feijó (2018) destacam que a BNCC beneficia as
editoras de livros didáticos e as organizações empresariais, desfavorecendo ainda mais a
autonomia profissional dos professores da Educação Básica. Assim, “[...] além de sua
111
situações diversas;
• Localizar no plano cartesiano pontos com
coordenadas inteiras ou fracionárias;
• Compreender as frações e utilizá-las em
situações diversas;
• Calcular porcentagens em situações
diversas do cotidiano ou não;
• Resolver situações-problema que
envolvam porcentagem, por meio de
estimativas.
Fonte: Currículo de Referência da Rede Estadual de Ensino de Goiás (2012, p. 145).
Análise Síntese
Abstração Generalização
Conceito
Objetivo: analisar a relação geral do conceito de número por meio de um problema relacionado
à grandeza de comprimento.
• Transformar os dados da tarefa, a fim de descobrir a relação universal do conceito de número;
encontrar o modelo abstrato e universal do conceito teórico de número; buscar significações
aritméticas, algébricas e geométricas.
Ações de estudo: 1, 2 e 5.
Ações de estudo: 1, 2, 3 e 5.
Ações de estudo: 1, 2, 3 e 5.
Ações de estudo: 1, 2, 3 e 5.
122
Ações de estudo: 2, 3, 4 e 5.
Ações de estudo: 2, 3, 4, 5 e 6.
10
Iporá teve sua origem por volta do ano de 1748, com a formação do Arraial de Pilões, na margem do Rio
Claro. No ano de 1749, com a vinda de Gomes Freire de Andrade, Governador das Capitanias de Minas
Gerais e do Rio de Janeiro, se firmaram contratos de exploração dos diamantes de Rio Claro e Rio Pilões. O
povoado nascente recebeu o nome de Rio Claro. Em 1938, o Distrito de Rio Claro passou a denominar-se
Itajubá, topônimo de origem indígena, tupi-guarani, que significa pedra amarela. Em 1943, o distrito de
Itajubá passou a denominar-se Iporá, de origem indígena, que significa águas claras (IBGE, 2020).
11
De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
12
De acordo com o observatório do mundo do trabalho (2014, p. 04), “a Microrregião de Iporá possui 7.074
km² de área total e 59.077 habitantes (8,35 de densidade populacional), distribuídos em 10 municípios. Do
universo da sua população, 95,81% vive em área urbana e apenas 4,19% em área rural. Mais da metade da
população da Microrregião (52,94%) reside no município de Iporá”.
13
De acordo com os dados do Censo Escolar 2020 (INEP, 2019).
124
apoio, uma bibliotecária, quatro profissionais para serviços gerais e de limpeza, dois
vigias e duas merendeiras. Todos os professores que compõem o corpo docente desta
unidade escolar possuem licenciatura, e há um professor com mestrado. A grande maioria
possui pós-graduação lato-sensu em diferentes áreas relacionadas à Educação.
Dos professores do Ensino Fundamental II, cinco são concursados, e sete
encontram-se vinculados pelo regime de contrato temporário. É importante acrescentar
que o horário de estudo e planejamento individual é realizado fora do espaço escolar, e o
planejamento em grupo ocorre nos encontros coletivos, os quais acontecem na escola,
uma vez por mês. É nesse momento também que ocorre a formação continuada por meio
de palestras, estudos e discussões referentes ao planejamento, às ações, estratégias e metas
educacionais.
No que se refere ao planejamento e aos conteúdos de ensino, no momento em
que a pesquisa foi realizada, no segundo semestre de 2018, a escola baseava-se no
Currículo Referência da Rede Estadual de Educação de Goiás, documento que vinha
orientando o currículo escolar em todo o estado, desde 2013. É importante considerar que,
desde 2019, está acontecendo o processo de implementação da BNCC em todo o país, o
que levou, no estado de Goiás, à elaboração do Documento Curricular para Goiás (DC-
GO). No momento, as escolas estão adequando seus projetos político-pedagógicos a estas
novas orientações curriculares.
Essa pesquisa foi pautada no Currículo Referência de 2013 e, para a área de
Matemática, este documento apresenta conteúdos enunciados, a partir das expectativas
de aprendizagem, organizados em quatro eixos temáticos, a saber: números e operações,
espaço e forma, grandezas e medidas e tratamento da informação. Esse formato
fragmentado dos conteúdos escolares em eixos temáticos torna-se um empecilho para o
desenvolvimento dos conceitos matemáticos em sua rede conceitual.
Os planos de aula são elaborados quinzenalmente, diretamente no Sistema
Administrativo Pedagógico (SIAP). Esse sistema foi criado no ano de 2013 e tem o
objetivo de otimizar o uso das informações referentes à organização da escola, como:
calendário, notas, frequência dos alunos, conteúdo do currículo referência e planos de
ensino quinzenais. Depois de elaborados via SIAP, os planos quinzenais são
acompanhados pela coordenação pedagógica da escola, e até mesmo pelo (a) tutor (a) da
Coordenação Regional de Educação (CRE) de Iporá.
126
14
Para maior decalagem nos resultados do SAEGO, as escolas aplicam outros testes para mapear os pontos
de atenção dos conteúdos. Até o ano de 2015, essas provas eram chamadas de Avaliações Diagnósticas e
eram aplicadas semestralmente a todas as turmas que compõem o SAEGO. A partir de 2016, as avaliações
englobaram as disciplinas de Língua Portuguesa, Ciências da Natureza e Matemática, acontecendo em
quatro ciclos com duas etapas cada uma, sendo realizadas no início e fim de cada bimestre. Nesse novo
molde, em cada bimestre, escolhe-se por amostragem uma série por escola para a aplicação das avaliações,
sendo chamada de Avaliação Dirigida Amostral (ADA) (PERES; ALCANTARA, 2017, p. 186).
127
preocupação com o que vai cair nos exames não só define os conteúdos, mas também as
formas de ensinar e aprender, o que acarreta a extrema instrumentalização do ensino.
É importante mencionar que a pesquisa de Peres e Alcantara (2017), realizada
com os professores das escolas públicas da Educação Básica de Iporá, sobre as reformas
educacionais e a ênfase nas avaliações externas, apresenta a síntese da concepção desses
professores sobre os limites e as consequências dessa nova gestão escolar no trabalho
docente. Os professores apresentaram os seguintes aspectos:
A partir dessa compreensão é que se busca, por meio do diálogo com as crianças,
identificar quais conhecimentos estas já possuíam a respeito das formas historicamente
construídas dos números e do conceito de número, bem como para mobilizar a atenção e
despertar motivos para a realização das tarefas que seriam propostas. Inicialmente,
apresentou-se um slide (Figura 3) contendo diversas imagens com números.
15
Ao longo deste capítulo, serão utilizados sempre nomes fictícios quando nos referirmos a algum estudante
em particular.
136
16
Os historiadores acreditam que a contagem se iniciou com pedrinhas e que, desses montes de pedrinhas
e de outras formas de contar, foram nascendo os números (IMENES; LELLIS, 1999). Desta forma, a
palavra cálculo se originou da palavra latina calculus, que significa pedrinha. Cedro, Moraes e Rosa (2010)
concordam que foi a partir da realidade prática por meio da medida e da contagem que a humanidade
formou a ideia dos números. Assim, com o desenvolvimento do homem, surgiu a necessidade de uma nova
forma de contagem.
137
Em vista disso, “[...] boa parte do que hoje chamamos de matemática deriva de
ideias que originalmente estavam centradas nos conceitos de número, grandeza e forma”
(BOYER, 1996 p. 01). A princípio, as noções primitivas desses conceitos estavam
relacionadas mais com contrastes do que com semelhanças. Como exemplos, a diferença
de um lobo e muitos, a desigualdade de tamanho entre uma sardinha e uma baleia, a
dessemelhança entre a forma redonda da Lua e a retilínea de um pinheiro. Gradualmente,
139
Gui: Área.
Pesquisadora: Muito bem! E qual o nome da grandeza que trabalha com largura,
altura e comprimento?
Gabi: É o cubo.
Pesquisadora: Mas qual o nome dessa grandeza? Se eu encher essa sala de areia,
que grandeza seria?
Jô: Volume!
Pesquisadora: Excelente! Então quais são mesmo as grandezas que já falamos?
Alguns estudantes: Comprimento, volume e área.
Essa conversa inicial revelou que os alunos confundem as grandezas com as suas
respectivas unidades de medida. Embora os alunos tenham demonstrado predomínio do
pensamento empírico sobre os conceitos de forma, número e grandeza, destaca-se a
importância dessa noção conceitual para o desenvolvimento do sistema conceitual de raiz
quadrada de números quadrados perfeitos, uma vez que se trata de uma grandeza de área.
Por esse motivo e considerando-se também a necessidade de mobilizar a atenção
e desenvolver nos alunos o interesse e os motivos para realizarem as tarefas, resolveu-se
ampliar a discussão, de forma que os questionamentos foram sendo direcionados para um
aprofundamento cada vez maior do que os estudantes já sabiam. O intuito era introduzir
as tarefas com o conceito de raiz quadrada exata.
A formação do conceito de número é fundamental para a assimilação e
aprendizagem de outros conceitos, inclusive do conceito de raiz quadrada. Davydov
(1982) defende que é necessário “[...] criar nos alunos uma concepção válida e
circunstancial do número real, subjacente ao conceito de grandeza. Os números (naturais
e reais) são um aspecto particular desse objeto matemático mais geral” (p. 431, tradução
nossa). Ao analisar as atividades davydovianas, Hobold (2014) afirma que,
primeiramente, são desenvolvidas diversas tarefas específicas para o estudo das
grandezas e suas relações e, posteriormente, com base nas relações entre grandezas, é que
o conceito de número é introduzido.
Desse modo, entendendo-se que o conceito de número está presente no sistema
conceitual de raiz quadrada exata, principalmente pelo elo nuclear entre os conceitos,
tomou-se a decisão de iniciar as tarefas por esse conceito.
141
a humanidade, como, por exemplo, por meio das disciplinas escolares. Contudo, ficou
evidente que os alunos não estavam acostumados a trabalhar em grupo, pois a organização
dos nove pequenos grupos demandou muito tempo, e as crianças ficaram bem agitadas.
Elas resistiram a mudar as carteiras de lugar ou à formação dos grupos, conforme a
orientação da pesquisadora e da professora da turma.
Dois irmãos, Gabriel (G) com 2 anos de idade e Herik (H) com 10 anos de idade,
precisavam percorrer diferentes caminhos, como mostra a figura abaixo. Sabendo que
o passo de Gabriel corresponde à medida A, e o passo de Herik à medida B, quantos
passos cada um andou para realizar o seu trajeto, ou seja, qual o valor aritmético de G
e de H?
G H
G= A
H= B
A B
Fonte: adaptado para a pesquisa, pela autora, com base em Hobold (2014).
colaboração e diálogo entre os componentes dos grupos foi fundamental para a resolução
desta primeira tarefa e foi se revelando sempre muito importante no decorrer do
experimento. Neste contexto, confirmou-se a tese do ensino desenvolvimental que, no
trabalho colaborativo, o aluno atinge níveis mais elevados na compreensão conceitual.
Sobre a palavra interiorização, Leontiev (2005) explica que ela deveria ser
considerada como uma metáfora que melhor descreve o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores. Deste modo, as funções mentais humanas se desenvolvem de
processos externos, derivados de uma atividade social e intencional. Neste contexto, a
atenção se desenvolve desde a sinalização de algo por outra pessoa, pela memória da
comunicação a distância e pela vontade de obedecer às ordens. E, uma vez interiorizadas,
as funções psicológicas superiores ficam sujeitas ao controle voluntário da pessoa.
Sendo assim, após concluírem a resolução do problema, conduziram-se os
estudantes à realização da ação de estudo de controle. Perguntou-se à turma se alguém
poderia ir até o quadro e explicar para todos como seu grupo conseguiu resolver o
problema. Vários estudantes manifestaram interesse em fazer essa explicação e, como o
aluno Bico foi o primeiro a anunciar interesse, se pediu a ele que explicasse como seu
grupo resolveu o problema aos demais, fazendo alguns questionamentos enquanto o aluno
resolvia o problema no quadro: “Quantos de A precisa para contornar a figura G? Qual é
a grandeza utilizada nessa tarefa?” A maioria dos alunos conseguiu responder
adequadamente os questionamentos.
Durante o desenvolvimento das tarefas, em todo o experimento didático-
formativo, estimularam-se os alunos a expressarem suas ideias por meio da fala. Vigotski
(2009, p. 275) entende que “[...] tomar consciência da alguma operação significa transferi-
la do plano da ação para o plano da linguagem, isto é, recriá-la na imaginação para que
seja possível exprimi-la em palavras”.
É importante ressaltar que, durante a realização desta primeira tarefa, tanto na
resolução do problema quanto na ação de controle, os alunos buscavam constantemente
146
socializar com os colegas suas opiniões e conclusões e mostrar o que e como haviam feito
para solucionar o problema. Como afirma Elkonin (1961), a imagem que o adolescente
terá de si mesmo é firmada nas relações sociais que estabelece com os companheiros da
mesma idade.
É no ambiente escolar e durante a realização da atividade de estudo que a
comunicação afetiva com os outros adolescentes vai paulatinamente se tornando a nova
atividade principal. É na escola que o adolescente busca continuamente se autoafirmar a
partir da forma como os outros o veem, como afirmam Anjos e Duarte (2016, p. 201):
“[...] a opinião social da coletividade escolar adquire uma importância significativa para
os adolescentes”. Nesta perspectiva, a teoria do ensino desenvolvimental ajuda a
compreender não só a importância do processo educativo no desenvolvimento intelectual,
mas no desenvolvimento dos sentimentos, das emoções e da personalidade dos
estudantes.
De acordo com Rosa, Damazio e Silveira (2014), as proposições davydovianas
para a organização da atividade de estudo com conceitos de Matemática não seguem,
detalhadamente, o percurso histórico da humanidade na elaboração destes conceitos, mas
o refletem. Daí a importância de se conseguir identificar os conceitos essenciais e
nucleares da Matemática no Ensino Fundamental, como e por que esses conceitos são os
que mais contribuirão para o desenvolvimento do pensamento teórico.
Davídov (1988) esclarece que a ação inicial (transformação dos dados da tarefa)
está na ideia de que, inicialmente, as crianças precisam ser levadas a distinguir algumas
relações gerais e só depois disso tentar encontrar as características particulares da relação.
“A busca desta constitui o conteúdo da análise mental, que em sua função de estudo
aparece como o momento inicial do processo de formação do conceito requerido” (p. 182,
tradução nossa). A figura abaixo mostra como o Grupo 3 resolveu o problema.
uma superfície C, têm-se uma unidade de medida básica A e uma unidade de medida
intermediária B, como mostra a Figura 7.
6 4
B
Fonte: elaborada pela autora, com base na proposição davydoviana abordada por Hobold (2014).
Tarefa 2
☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺ H P
☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺
☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺
M
Fonte: Adaptado para a pesquisa pela autora, com base em Hobold (2014). M
M
A tarefa em questão, como mostra Hobold (2014), sugere que Mos alunos
interpretem o esquema de setas por meio das grandezas discretas, o que incideMno estudo
M
da relação essencial da multiplicação. Essa relação geneticamente inicial da multiplicação
está na unidade de medida básica, unidade de medida intermediária e quantidadeM de vezes
que ambas se repetem. E o caráter interno da conexão geradora do conceito M de
multiplicação em seu teor universal está representado no esquema de setas. M
Assim, com a folha de registro em mãos, os grupos iniciaram a discussão entre
si. Destaca-se que, em cada grupo, havia sempre um aluno que liderava a condução das
tarefas e tentava ajudar os demais colegas na resolução. Isso foi perceptível durante todo
o experimento didático-formativo. Sobre o desenvolvimento dessa tarefa, apresentaremos
o segundo episódio analisado, relacionado ao Grupo 9.
Logo no início desse diálogo, quando a aluna Lili busca confirmação com a
pesquisadora sobre o que ela achava que seria a proposta da tarefa, fica implícita a relação
intrínseca entre o pensamento e a palavra. Pode-se dizer que essa necessidade de
expressar o que pensam na atividade foi algo recorrente durante todo o desenvolvimento
do experimento. O que se busca observar nesses momentos não foi apenas se a fala dos
151
3 x 9 = 27 é uma multiplicação
H = É a unidade de medida
básica
M = É a unidade de medida
intermediária
P = É o total
Fonte: relatório de pesquisa.
9
3∙ 9 = 3+3+⋯+3
27 = 3 ∙ 9
𝑐 =𝑎 ∙𝑏
Dessa forma, o desenvolvimento da Tarefa 2 conduziu os estudantes a
transformar os dados da tarefa, de forma que a modelação de sua relação conceitual
evidenciou o núcleo do conceito de multiplicação. “A peculiaridade desta relação
consiste, por um lado, em constituir o aspecto real dos dados transformados e, por outro
lado, atuar como base genética e fonte de todas as peculiaridades do objeto integral, isto
é, constitui sua relação universal” (DAVÍDOV, 1988, p. 182, tradução nossa). Ressalta-
se, ainda, que o esquema de setas representa a modelação realizada.
154
Tarefa 3
O objetivo da Tarefa 3 é aperfeiçoar a operação da multiplicação composta pelo
esquema de setas e instigar a percepção do espaço geométrico existente na multiplicação,
pela malha quadriculada. Esta tarefa foi desenvolvida logo na sequência da anterior, no
156
a) 3 x 5
E K
⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯→
| | | | | | | | | | | | | | | |
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
b) 5 x 3
E K
E
⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯→
| | | | | | | | | | | | | | | |
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15
Fonte: adaptado para a pesquisa, pela autora, com base em Hobold (2014).
do conceito de multiplicação. Com esse intuito, entregou-se uma folha de registro aos
mesmos grupos para o desenvolvimento da tarefa. Esta tarefa leva ao terceiro episódio do
experimento que se entende ser importante para análise, relacionado ao Grupo 2.
O aluno Baco realizou os registros corretamente na letra a, de três (3) em três (3)
unidades, e iniciou a letra b da mesma forma, quando parou, pensou, apagou e fez
corretamente de cinco (5) em cinco (5) unidades. Como mostra Davídov (2019d, p. 260),
“[...] resolver a tarefa de estudo é transformar, atuar como o material didático nessa
situação incerta. A incerteza da busca reside na própria natureza do pensamento, na
própria natureza da consciência humana, na psique humana”.
Alguns grupos optaram por fazer diretamente a superfície K (Figura 11); outros
representaram primeiramente a unidade intermediária C, para depois construírem a
superfície K (Figura 12). Ressalta-se que apenas o Grupo 4 representou a superfície K
com o mesmo formato para (3 x 5) e para (5 x 3), embora tenha pintado a unidade de
medida intermediária C corretamente. Os alunos desse grupo explicaram que desenharam
o mesmo retângulo porque os dois casos tinham a mesma quantidade de unidades de
medida básica, como mostra a Figura 12.
Essa resolução mostrou indícios de que, para esse grupo de alunos, chegar ao
resultado da multiplicação era suficiente, que nesse caso era a representação da
quantidade de unidades de medida básica contida na figura construída. Contudo, o
160
Tarefa 4
Entende-se a necessidade de ajudar os estudantes a assimilarem a relação entre
grandezas e variáveis e, na sequência, será analisada a Tarefa 4 (Figura 15), desenvolvida
no dia 29 de outubro de 2018.
O diretor de uma escola, com o objetivo de colocar piso em duas salas, contratou dois
pedreiros para trabalharem simultaneamente um em cada sala. Os pedreiros foram
assentando os pisos, quando perceberam que a quantidade era insuficiente. Os pisos
disponibilizados a eles possibilitaram cobrir apenas a região M e A abaixo. Qual será
a relação entre as áreas com medidas M e A?
M A
C M M___A C A
R T
⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯
| | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | |→M
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25
⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯
| | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | |→A
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25
Fonte: adaptado para a pesquisa, pela autora, com base em Hobold (2014).
O grupo ficou pensativo e com olhos fixados na tarefa, o que leva a considerar
o quanto a realização das tarefas de estudo mobiliza a atenção voluntária, condição
fundamental para a análise e transformação dos dados da tarefa na busca de sua solução.
“O pensamento é o que determina a atenção em seu ponto máximo de desenvolvimento
(atenção voluntária). É indubitável que a atenção ativa, voluntária, é um produto avançado
do desenvolvimento” (VIGOTSKI, 1996, p. 138, tradução nossa).
Esses registros indicam que o Grupo 9 escolheu seis para a medida de unidade
intermediária, enquanto o Grupo 7 adotou quatro. Ressalta-se que outras medidas foram
escolhidas por outros grupos, como três e oito.
Como revelam os estudos de Hobold (2014) para o sistema conceitual de
multiplicação, os dados das tarefas estão ligados à unidade básica, à unidade intermediária
e ao total de unidades básicas e intermediárias. São esses elementos que compõem a
relação universal do conceito de multiplicação, que revelará a essência da rede conceitual
de raiz quadrada exata.
As tarefas inseridas na análise substantiva, pelos episódios analisados,
possibilitaram a transformação dos dados das tarefas de estudo, revelando a relação
169
Davídov (1988) explica que, muitas vezes, a relação universal do objeto parece
estar oculta em seu conjunto de características particulares. Ao contrário, no modelo, a
relação universal é visível em sua forma pura, em seu modelo literal. “Por esse motivo,
ao transformar e reconstruir esse modelo, os escolares têm a possibilidade de estudar as
propriedades da relação universal como tal, sem o obscurecimento produzido pelas
circunstâncias acessórias” (p. 183, tradução nossa).
Considerando-se o exposto, entende-se que “Pensar significa transformar, em
correspondência com o projeto ideal e o esquema idealizado da atividade, a imagem
inicial do objeto de trabalho em um ou outro objeto idealizado” (ARSÉNIEV; BÍBLER;
KÉDROV, 1967, p. 29 apud DAVÍDOV, 1988, p. 121, tradução nossa). Deste modo, ao
envolver o aluno no movimento de desenvolvimento conceitual, ocorre a mobilização de
ações e operações que poderá conduzir a um novo nível de organização do pensamento.
O desenvolvimento das tarefas apresentadas até o momento aconteceu por meio
de esquemas e reta numérica. Estas representações possibilitaram às crianças realizarem
diferentes ações e operações mentais, pois contemplaram as relações entre grandezas
discretas e contínuas e as significações aritméticas, algébricas e geométricas.
Tarefa 5
Essa tarefa possibilitou o início da transformação do modelo do conceito de
multiplicação com a realização de tarefas particulares. O objetivo desta tarefa era
compreender a relação da multiplicação com o conceito de potenciação, formalizando a
sua expressão literal.
A partir da unidade de medida básica (A), sabendo que a unidade de medida intermediária é
sempre três vezes a quantidade de unidades da figura anterior, quantas unidades de medida
básica terão ao repetir esse raciocínio três vezes? Construa essa sequência de figuras e analise
as formas de representar suas áreas.
Para a análise dessa tarefa, será discutido aqui o quinto episódio, referente às
discussões do Grupo 4, que se destacou tanto por suas sínteses conceituais quanto pela
mobilização de todos os componentes do grupo para a realização da tarefa.
Bin: Tia! Faz favor aqui! A próxima figura terá três (3) unidades?
Pesquisadora: O que vocês acham Luca e Ana?
Luca: Eu acho que sim!
Pesquisadora: Por quê?
Luca: Porque ela tem que ter três (3) vezes da anterior, e ela tem uma (1)
unidade, aí serão três (3) unidades.
Pesquisadora: Você concorda, Ana?
Ana: Sim.
172
Com a folha de registro em suas mãos, o aluno Luca foi realizando os registros.
Escreveu três (3) elevado ao cubo para a última figura, depois três (3) elevado ao
quadrado para a penúltima figura, e três (3) elevado a um (1) para a segunda figura.
Quando se chegou à primeira figura, o grupo começou a discussão sobre como ficaria
essa representação, visto que havia apenas uma unidade.
Luca: Tia! Como que fica essa? (apontando para a primeira imagem).
Pesquisadora: O que vocês acham, Bin e Ana?
Ana: Um (1).
Bin: Nenhum.
Pesquisadora: Vamos seguir o caminho que vocês fizeram, começando pela
última figura. Essa quarta figura tem quantos grupos iguais à terceira imagem?
Alguns estudantes: Três (3).
Pesquisadora: Certo! E a terceira figura tem quantos grupos de três (3)?
Alguns estudantes: Dois (2).
Pesquisadora: E quantas vezes mesmo que aparece o grupo de três (3) na
segunda figura?
Alguns estudantes: Um (1).
Pesquisadora: Beleza! E quantos grupos de três (3) têm na figura inicial?
Alguns estudantes: Nenhum!
Pesquisadora: Então, como fica?
Alguns estudantes: É zero.
como elemento inicial de referência. Com isso, foi observado que a maioria dos alunos
não transferiu para o expoente a propriedade da multiplicação de que o produto de um
fator por zero é sempre zero. Compreendeu-se, assim, como mostra Damazio (2006), a
produção do novo significado para o zero e da própria noção de expoente não como um
fator da operação, mas como indicativo da quantidade de vezes que o fator será
multiplicado.
Assim, o pensamento dos alunos durante a atividade de estudo é construído de
forma a reproduzir, de maneira abreviada, o caminho percorrido pelo pensamento dos
cientistas, “[...] os quais expõem os resultados de suas investigações por intermédio das
abstrações, generalizações e conceitos teóricos que funcionam no processo do abstrato ao
concreto” (DAVÍDOV, 2019a, p. 216).
O movimento do pensamento, que vai do abstrato ao concreto, expressa a
compreensão da essência do conceito. A abstração inicial, chamada também por Davídov
(1988) de substancial, expressa a essência do objeto concreto. A essência é a conexão
interna que determina as outras especificidades particulares do objeto. “Nesse sentido, a
essência é a determinação universal do objeto” (p. 147, tradução nossa).
Dessa maneira, quando os alunos chegaram ao significado zero enquanto
expoente, fica evidente a elevação do pensamento do abstrato para o concreto pensado.
Davídov (1988) entende que o concreto real aparece como dado sensorial, sendo capaz
de conduzir a conexões que, por sua vez, conduzem à universalidade do objeto. Somente
a reprodução do concreto pensado pode revelar esse movimento.
Tarefa 6
A Tarefa 6 (Figura 22) foi elaborada com o objetivo de que os estudantes
utilizassem potências de base diferente da anterior numa nova tarefa, de forma a empregar
a generalização conceitual de potenciação numa outra tarefa particular.
Tata: Tia! Tem que marcar aqui? (apontando para a metade de um dos lados do
triângulo).
Pesquisadora: Isso mesmo! A metade do segmento é o ponto médio.
Entenderam, Gui e Ton?
Gui e Ton: Sim.
Tata: Marquei os pontos.
Pesquisadora: E agora?
Ton: Agora tem que ligar.
Pesquisadora: Isso mesmo. Quantos triângulos de mesmo tamanho foram
formados?
Tata: Quatro (4).
Gui: Eu acho que é três (3).
Ton: Quatro (4).
Tata: Tem um no meio, gente!
Gui: É mesmo.
179
O aluno Gui reconheceu, então, que estava faltando ligar os pontos do triângulo
do meio, marcou os pontos que faltavam e, em seguida, contou dezesseis triângulos. A
aluna Tatá pegou a folha e contou novamente, confirmando o resultado.
Percebe-se, portanto, que a cada nova base colocada para os alunos, iniciava-se
um processo de reflexão e análise das múltiplas relações existentes entre os conceitos que
se articulam à potenciação. Uma ação mental importante que os alunos conseguiram
realizar, neste entendimento, diz respeito à passagem de generalizações sobre a
potenciação, de uma tarefa para outra, como da sequência de base três para as demais, em
tarefas diferentes. No ensino desenvolvimental, isso indica a capacidade de generalização
conceitual, quando o estudante consegue aplicar a base conceitual (a essência do conceito)
em outras tarefas particulares.
Como mostra Damázio (2006), na assimilação conceitual de potenciação, o
aluno se apropria da ideia de sequência e, consequentemente, transfere o raciocínio
multiplicativo que aparece somente no segundo agrupamento. A multiplicação, dentro
dessa particularidade, tem a característica de englobar somente fatores iguais.
Nesse processo de formação da generalização da forma escrita da potenciação,
observou-se que os alunos se utilizaram do procedimento da decomposição,
transformando cada termo em fatores iguais. Destarte, a sequência 30 , 31 , 32 , 33 …
representa a síntese da Tarefa 5, e a sequência 40 , 41 , 42 …, a síntese da Tarefa 6. Logo,
𝑎0 = 1, 𝑎1 = 𝑎, 𝑎2 = 𝑎 ∙ 𝑎, 𝑎3 = 𝑎 ∙ 𝑎 ∙ 𝑎 , … , 𝑎𝑛 = 𝑎 ∙ 𝑎 ∙ 𝑎 ∙ … ∙ 𝑎 (𝑛 𝑣𝑒𝑧𝑒𝑠). Assim,
os alunos contavam a quantidade de a fatores em cada termo, colocando-o como
expoente.
A resolução das Tarefas 6 e 7, para os alunos, no geral, foi considerada
interessante. Destacam-se alguns comentários:
Achei muito legal, nós aprendemos muito com essas aulas crescemos
muito, as explicações da professora é bem legal podia ter mais vezes
(Grupo 4).
Inteligência, porque nós aprendeu muito e tá aprendendo (Grupo 2). Foi
difícil (Grupo 8).
Nós aprendemos que é preciso prestar atenção e as dificuldades foram
mais na tarefa 6 (Grupo 7).
Eu achei um pouco difícil porque ela não tinha explicado (Grupo 5).
solicitado aos alunos que desenhassem na madeira uma malha quadriculada de 3cm x
3cm. Logo em seguida, os alunos foram orientados para que fixassem os pregos, iniciando
de dentro para fora. Todos os grupos participaram ativamente da construção e
colaboraram uns com os outros, emprestando o martelo para fixação dos pregos,
envolvendo-se intensamente no processo de construção.
Tarefa 7
O desenvolvimento dessa tarefa ocorreu no dia 31 de outubro de 2018, com a
presença de 26 alunos. Foram construídos 13 geoplanos, o que permitiu que os estudantes
trabalhassem em duplas na realização das tarefas.
.P . . . . . . . . .
. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . P O
. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . .
M
. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . .
M
1. Qual o lado desse quadrado?
M
2. Construa agora um quadrado com 25 quadradinhos e diga qual é o seu lado.
M
3. É possível escrever um quadrado com 18 quadradinhos?
M
4. Escreva a relação encontrada entre os quadrados e quadradinhos.
M
Fonte: elaborada pela autora com base na teoria desenvolvimental.
M
M
Ressaltam-se o entusiasmo e o desejo dos alunos em manusear o geoplano, o que
é considerado muito importante para a mobilização da atenção voluntária para a
realização das tarefas. Vigotski (1996) afirma que a conexão entre a atenção e os
estímulos externos subordina-se ao desenvolvimento do pensamento por conceitos,
186
P 9 O P 16 O P 25 O
3 3 4 4 5 5
M M M
9=3∙3 16 = 4 ∙ 4 25 = 5 ∙ 5
9 = 32 16 = 42 25 = 52
Fonte: elaborado pela autora.
Destaca-se, mais uma vez, o movimento da ZDP dos alunos, que pode ser
pensado pela necessidade deles em demonstrar querer explorar novos conceitos. Diante
da pergunta do aluno Dado, tentou-se explorar a rede conceitual do conceito de raiz
quadrada, trazendo novamente o exemplo da impossibilidade de se construir um quadrado
com dezoito quadradinhos no geoplano.
. . . . .
. . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . .
12 22 32 42 52
1 4 9 16 25
a radiciação busca descobrir que fatores são esses, encontrando o resultado dessa
multiplicação.
Desse modo, a generalização da raiz quadrada consiste em identificar as inter-
relações entre o que há de universal para potenciação e radiciação, mas que, ao mesmo
tempo, é singular para a radiciação. No caso particular da raiz quadrada exata, a base de
1
expoente ½ equivale dizer que é a raiz quadrada, ou seja, 𝑎2 = √𝑎. Assim, como conteúdo
específico do conceito teórico, aparece a relação do universal e o particular.
A generalização, portanto, não se alcança por simples comparação, mas por meio
da análise da essência dos objetos e fenômenos estudados (KÉDROV, 1965 apud
DAVÍDOV, 1988). Assim, como explicado anteriormente, as peculiaridades das
abstrações, generalizações e a formação de conceitos teóricos como meios do pensamento
teórico ocorrem pela ascensão do pensamento do abstrato ao concreto.
Tarefa 8
O desenvolvimento desta tarefa foi realizado no dia 5 de novembro de 2018, com
a participação de vinte e quatro alunos. Entregou-se a folha de registro aos alunos,
tentando organizá-los nas mesmas duplas da aula anterior, e lhes foi solicitado que
analisassem o problema apresentado pela Figura 30.
. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . .
Fonte: Centurión e Jahubovic (2015, p. 45).
Nesse instante, vários alunos se levantaram com a sua folha de registro para
mostrar à pesquisadora a solução do problema, porém, as soluções apresentadas ainda
199
não estavam corretas. Deste modo, os alunos Kaka e Caco ficaram no quadro discutindo
a questão. Logo depois, os alunos Jô e Caco se dirigiram ao quadro também para
discutirem juntos. Enquanto isso, os alunos Luca, Bin, Bico e Ton apresentaram as suas
hipóteses à pesquisadora, porém, ainda não haviam alcançado a resolução do problema.
Nisso, os alunos Dado, Lala, Tico, Gabi e Tata também se dirigiram ao quadro para
realizar as tentativas juntos com os demais colegas que ali estavam.
Alguns alunos chegaram perto de desvendar o problema, porém, apenas os
alunos Tico e Caco realizaram os cortes de forma correta. Mostrou-se a todos como
deveriam ser feitos os cortes na toalha para que o seu novo formato, a partir das três peças
de tecido, equivalesse a um quadrado. Feito isso, a turma visualizou que o valor do lado
da toalha quadrada passou a ser de seis unidades de comprimento.
2. Calcule.
a) 32 + 42
b) 132 − 52
c) 152 + 202
Agora, calcule a raiz quadrada de cada resultado obtido.
4. Calcule.
a) √64 + 36
b) √64 + √36
c) √144 + 25
d) √144 + √25
Para estucar uma sala de aula, utilizaram-se placas de gesso representadas pela unidade
de medida básica (L), como mostra a figura abaixo. Sabendo que esse ambiente possui
formato de um quadrado, com base na unidade de medida intermediária (P), construa
e responda o esquema de setas. Por último, explique qual a letra que representa a raiz
quadrada da figura construída.
L
L Q
M
M
M
MP M
M
M M
M M
P
M M
Sobre essa tarefa, dos 24 alunos que a fizeram, quatro erraram a resolução do
problema, e cinco acertaram parcialmente. As resoluções que apresentaram o
desenvolvimento parcial evidenciaram problemas com a linguagem matemática,
principalmente na simbologia para raiz quadrada. A Figura 36 apresenta a resolução do
aluno Dado nessa tarefa.
L L L
L Q L U L G
S E D
b) O valor dos lados do triângulo.
c) Explique a relação entre os lados e as áreas do quadrado.
Partindo de √100, ajude Paula a chegar ao que ela mais gosta, pulando de casa em
casa. Mais atenção: a casa seguinte deverá ter um número menor do que a casa onde
ela estiver. Do que Paula mais gosta?
Sobre essa tarefa, apenas o aluno Ton não a desenvolveu corretamente. A Figura
40 apresenta a resolução da Tarefa 4, contida na avaliação individual, da aluna Gabi.
A figura acima evidencia que, embora Souza e Pataro (2015) utilizem ideia
semelhante à que foi desenvolvida em nosso experimento, o caminho percorrido para que
os alunos assimilem e desenvolvam o conceito é totalmente distinto. Os autores
apresentam dois quadrados na malha quadriculada, mas expõem os resultados de forma
direta, sem realizar as mediações necessárias para que os alunos desenvolvam as suas
ações mentais. Assim, a exposição do conteúdo acaba por levar à mecanização da
operação da radiciação, na qual possivelmente os alunos irão reproduzir a ideia sem
compreender o conceito em questão e suas relações.
Rosa, Damazio e Crestani (2014) analisaram livros didáticos de Matemática
elaborados por Davydov e apontaram que o material elaborado pelo autor é organizado
212
por tarefas que correspondem aos exercícios no ensino brasileiro. No entanto, geralmente,
nos livros didáticos brasileiros, os conteúdos são trabalhados de forma linear e
fragmentados em capítulos específicos. Os conteúdos geralmente são levados aos alunos
de forma imediata, impossibilitando-os de realizar abstrações e generalizações
substantivas e chegar ao desenvolvimento dos conceitos envolvendo a rede conceitual,
tão presente e tão necessária para a aprendizagem dos conceitos matemáticos.
Em um estudo comparativo entre o sistema de ensino de Elkonin-Davydov e o
sistema de ensino brasileiro, Cunha (2019) mostra que:
no próprio aluno como sujeito, e esta mudança consiste, no domínio dos modos de ações
definidos” (REPKIN, 2019, p. 224).
Além disso, os livros didáticos brasileiros de orientação ao professor pouco se
diferem do livro do aluno, em que, geralmente, apenas é acrescentada a resolução das
atividades. Assim, no que se refere à organização dos conteúdos, o manual do professor
apresenta um olhar geral e técnico, e ainda não contém as orientações teórico-
metodológicas para o processo de desenvolvimento das tarefas em sala de aula, de forma
que o ensino conduz à formação do pensamento teórico.
Diante dos problemas brevemente apontados acima e da necessidade social de
mudanças radicais no ensino brasileiro de Matemática, se torna necessário repensar a
formação inicial de professores. Desde os anos 1980, o que mais se tem investigado no
campo educacional é a formação de professores.
Marzari (2010) mostra que os estudos sobre formação de professores têm-se
voltado ao professor reflexivo, aos saberes docentes e às etapas de vida profissional,
deixando de considerar como esses conhecimentos podem colaborar efetivamente com o
processo de ensino e aprendizagem dos alunos. Apresenta-se, logo, a necessidade de se
buscar perspectivas de ensino mais voltadas para a qualidade do desenvolvimento
cognitivo dos alunos.
Devido a essa formação frágil e às difíceis condições de trabalho, o ensino tem
sido conduzido a um fenômeno chamado por Limonta e Silva (2013) de “tecnificação”,
em que as teorias pedagógicas e psicológicas e a didática são reestruturadas na forma de
técnicas puras. Essas técnicas contrapõem um ensino de qualidade, pois limitam, e até
mesmo impedem, o desenvolvimento pleno das funções psíquicas superiores dos alunos.
É evidente que a maioria dos professores reproduzirá, em sua prática de ensino,
o que lhe foi ensinado em sua formação universitária. Os resultados dos estudos de: Rosa
(2012); Damazio, Rosa e Euzébio (2012); Damazio e Rosa (2013); Crestani (2016),
Hobold (2014), dentre outros, revelam que a maioria dos professores de Matemática
segue em seu ensino o movimento conceitual apreendido em sua formação inicial. O
ensino desenvolvimental segue direção oposta à proposição brasileira, do ponto de vista
da lógica que a fundamenta. Enquanto a proposição brasileira se aproxima dos
fundamentos provenientes da lógica formal tradicional, a proposição davydoviana é
expressão da lógica dialética.
214
17
Em uma pesquisa bibliográfica realizada no ano de 2019, foram identificados 17 programas, computando
cento e onze dissertações e teses na área de educação matemática fundamentadas na Teoria Histórico-
Cultural e/ou na Teoria do Ensino Desenvolvimental.
18
Grupos de Estudos e Pesquisa associados ao GEPAPe: ALLEM – UFMS, GEMat – UFG, GENTEE –
UEM, GEPAE – UEM, GEPEAMI – FFCLRP, GEPEDI – UFU, GEPEMAPe – UFU, GEPEMat – UFSM,
GEPEMM – IFPI, GEPIEE – UFSC, GEPPEDH – Unifesp, GESFE – FFCLRP, GETHC – PR, GPEMAHC
– UNESC, HEEMat – UNESC.
216
compreende o universal, expressa-o, mas não plenamente, por isso nenhum experimento
particular pode ser critério definitivo de toda a teoria científica” (KOPNIN, 1972, p. 259).
Portanto, através do singular, do experimento didático-formativo realizado numa
turma de 6º ano de uma escola estadual do estado de Goiás, foi possível compreender o
potencial revolucionário de um ensino organizado nas perspectivas histórico-cultural e
desenvolvimental. Entende-se que a evolução da vida intelectual do adolescente
representa um quadro integral único, no qual todas as funções estão conexas à função da
formação de conceitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
terá de si mesmo é firmada nas relações sociais que estabelece com os companheiros da
mesma idade. É no ambiente escolar e durante a realização da atividade de estudo que a
comunicação afetiva com os outros adolescentes vai paulatinamente se tornando a nova
atividade principal.
A Tarefa 1 envolveu significações aritméticas (10, 6), algébricas (G, A, H e B)
e geométricas (segmentos), e a reflexão sobre quantas vezes uma unidade de medida está
contida na grandeza conduziu os alunos a reproduzirem o modelo abstrato, universal, do
conceito teórico de número. Assim, no modelo G = 10A e H = 6B, encontrado nessa
𝐻
tarefa, os alunos puderam compreender que = 𝑛 → 𝐻 = 𝑛 ∙ 𝐵, onde H é a grandeza a
𝐵
matemáticas, a lógica dialética busca o conteúdo mental expresso nessas fórmulas e a sua
relação com a realidade.
Nesse sentido, ficou evidenciado, em nossa pesquisa, que as funções da atenção,
percepção, memória, vontade, pensamento, comunicação e cooperação se ligam a uma
formação nova sobre a base do pensamento em conceitos. Entendemos, como defende
Vigotski (1996), que a nova forma de pensamento que caracteriza o adolescente é a
formação de conceitos, dentro da unidade dialética da forma e do conteúdo no
desenvolvimento do pensamento. Logo, como as capacidades psíquicas estão objetivadas
na cultura em conteúdo e na forma, no processo de ensino e aprendizagem da Matemática,
não existe dom ou talento, e sim desenvolvimento.
Nesse caminho, aparecem novas formas no adolescente de operar com o
conteúdo, incorporando o abstrato ao pensamento, o que permite o domínio do
pensamento lógico. A partir da tese fundamental da teoria histórico-cultural de que o
ensino impulsiona o desenvolvimento e se realiza pelos conceitos científicos, buscamos
explicar a formação do pensamento teórico no contexto escolar na teoria do ensino
desenvolvimental.
Para isso, procuramos entender o sentido lógico e teórico dos processos e das
formas principais do pensamento: generalização, abstração e conceito. A abstração se
institui em um componente construtivo da atividade mental generalizadora, e da
combinação dos traços abstrato-genéricos se forma o conteúdo do conceito.
Ressalta-se, novamente, que, na adolescência, a generalização ocorre por meio
da análise mental e sistemática das relações e conexões com os objetos, possibilitando
explicar as diversas manifestações particulares. É nesse processo de análises mais
complexas que Davídov (1988) defende a formação do pensamento teórico, o qual
trabalha com conceitos.
Sendo assim, um aspecto importante evidenciado em nosso estudo é que se
devem considerar, na organização de ensino, as inter-relações necessárias entre o
pensamento empírico e o pensamento teórico. Neste caminho, o pensamento vai sempre
do abstrato ao concreto, possibilitando a compreensão da relação entre o conhecimento
lógico e o processo histórico numa lógica dialética.
Dessa forma, evidenciamos a importância de se compreender as características
do desenvolvimento dos alunos em seus períodos, pois estão intimamente condicionados
à atividade, ao ensino e à educação. Nesta abordagem, Davídov (2019d) defende que,
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para ocorrer um bom ensino, é necessária a atividade de estudo, a qual apresenta as tarefas
e ações como conceitos básicos.
Destarte, é inescusável que o professor vá além de verbalizar o conhecimento,
pois precisa expressar esse conceito de atividade em termos de ações. O conteúdo da
atividade de estudo são os conhecimentos teóricos, o que determina o surgimento de
novas formações psicológicas e a assimilação dos modos de generalização da ação. Nesse
movimento, foi visível, durante o desenvolvimento das tarefas de estudo em nossa
pesquisa, a reprodução dessa ação, não de forma mecânica, pois cada ação com o
conteúdo exigia operações cada vez mais complexas.
Com isso, Davydov (1999) destaca duas condições para a organização do ensino:
a formação, nos alunos, da necessidade de aprender e a colocação de tarefas de estudo,
cuja solução exige dos alunos transformações mentais com o material a ser assimilado.
Assim, a resolução de uma tarefa de estudo é consequência da formação do modo
generalizado de ação.
Embora tenhamos consciência da limitação do experimento didático-formativo
em um período de tempo tão curto, este evidenciou que a atividade de estudo organizada
sobre a base de uma tarefa possibilita uma transformação nas ações mentais dos alunos.
Realmente a tarefa de estudo promoveu uma relação do sujeito com o objeto do
conhecimento, na medida em que ele se esforçou para a resolução da tarefa, o que revelou
a essência do conceito. A ação mental de transformar os dados da tarefa mostrou que os
motivos não conscientes se transformaram em motivos conscientes.
Outro aspecto importante que a pesquisa mostrou é que, durante o
desenvolvimento das tarefas do plano de ensino, a ação individual estava sempre
associada à ação coletiva. Quanto mais os conceitos se complexificavam, mais o trabalho
colaborativo se fortalecia. Isso nos leva a refletir sobre o modo como nossas salas de aulas
são organizadas, dispondo os alunos em fileiras na busca de controle e silêncio. Essa
disposição, de acordo com a nossa pesquisa, desfavorece tanto o trabalho coletivo e
colaborativo quanto a aquisição conceitual.
Realçamos também que o desenvolvimento das atividades de controle e
avaliação apresentaram indícios consistentes de que a maioria dos alunos formou o
pensamento teórico sobre o conceito de raiz quadrada exata. Além dos excelentes
resultados, verificados pela atividade avaliativa individual, as folhas de registro das
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REFERÊNCIAS
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