Tese - Thalitta Fernandes de Carvalho Peres - 2020

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS


FACULDADE DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

THALITTA FERNANDES DE CARVALHO PERES

ENSINO DESENVOLVIMENTAL E APRENDIZAGEM DA


MATEMÁTICA: A FORMAÇÃO DO CONCEITO DE RAIZ
QUADRADA NO ENSINO FUNDAMENTAL

GOIÂNIA-GO
2020
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THALITTA FERNANDES DE CARVALHO PERES

ENSINO DESENVOLVIMENTAL E APRENDIZAGEM DA


MATEMÁTICA: A FORMAÇÃO DO CONCEITO DE RAIZ
QUADRADA NO ENSINO FUNDAMENTAL

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Educação, da Faculdade de Educação, da
Universidade Federal de Goiás, como requisito final
para a aquisição do título de Doutora em Educação.

Linha de Pesquisa: Formação, Profissionalização


Docente e Trabalho Educativo.

Prof.ª Orientadora: Sandra Valéria Limonta Rosa

GOIÂNIA-GO
2020
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6
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8

DEDICATÓRIA

Aos meus filhos, Víttor Augusto e Rafael, que


representam toda a minha inspiração e motivação.
Meu orgulho! Minha vida!
9

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço ao Senhor meu Deus! Obrigada por seus planos para
minha vida serem sempre maiores do que os meus sonhos! Obrigada, Deus! Toda a honra
e toda a glória sejam dadas a Ti!
À minha orientadora, Prof.ª Dr.ª Sandra Valéria Limonta Rosa, de quem me
orgulho. Ser sua orientanda foi uma honra indescritível. Com toda paciência e sabedoria,
compartilhou comigo seus exímios conhecimentos. A atividade de estudo ao seu lado é
motivadora e prazerosa. Terei sempre uma profunda admiração e um respeito por ti.
Obrigada pela confiança e, principalmente, pelo tempo e pela dedicação voltados à minha
formação!
À distinta banca do exame de qualificação e defesa, composta pelos professores
doutores Raquel Aparecida Marra da Madeira Freitas, Wellington Lima Cedro, Duelci
Aparecido de Freitas Vaz e Ricardo Antônio Gonçalves Teixeira. Professores, vocês são
um exemplo de competência e simplicidade. Obrigada!
Ao meu marido, Noesio Peres da Costa, que me incentivou constantemente e não
mediu esforços para me ajudar nesse percurso. Obrigada, amor, por acreditar que eu
conseguiria! Obrigada pela compreensão devido às muitas viagens que realizei e às
incontáveis horas de estudo às quais me dediquei para realizar este sonho! Amo-te!
Aos meus filhos, Víttor Augusto Carvalho Peres e Rafael Carvalho Peres, que
muito sofreram com a minha ausência. Vocês representam toda a minha força e
persistência. Não foi fácil deixá-los tantas e tantas vezes. Tenho muito orgulho de vocês!
Obrigada! A mamãe ama vocês infinitamente, meus lindos!
À Suely Fernandes Carvalho e ao Juvenal de Carvalho e Silva, que foram e
sempre serão meu porto seguro. À minha mãezinha e ao meu paizinho, pois, se não
fossem as suas constantes ajudas, não teria conseguido nada nessa vida. Quantas vezes
cuidaram dos meus filhos! Nas minhas grandes decisões, sempre me apoiaram e me
ajudaram em tudo que precisei. Deus os abençoe e retribua tudo que fizeram e fazem por
mim. Obrigada, meus lindos! Amo vocês!
À minha irmã Tatiane Fernandes Carvalho, uma grande incentivadora de todos
os meus projetos! Obrigada, maninha, por confiar tanto em mim! Amo muito você e sua
família!
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Ao meu sogro e à minha sogra, Noel dos Santos Costa e Ilsa Peres da Costa, os
quais também, carinhosamente, me ajudaram a cuidar dos meus filhos quando meu
marido estava viajando.
À minha cunhada Jucelena Peres da Costa, que por pouco não teve sua vida
ceifada pelo coronavírus, e à minha prima Paula Cristina Oliveira de Sousa, as quais
gentilmente me hospedaram durante o curso. Obrigada! Que Deus recompense tudo que
vocês fizeram por mim!
A todos os meus familiares e amigos que torceram muito por mim. Obrigada!
Aos colegas da 15ª turma do doutorado, que sempre foram positivos durante as
disciplinas. Valeu!
A todos os integrantes do Grupo de Estudo sobre o Trabalho Docente e Educação
Escolar (TRABEDUC), pelos momentos de estudo, reflexões e investigação durante os
encontros quinzenais.
Aos meus amigos doutorandos, Mara Cristina Sylvio e Marcos Jerônimo Dias
Júnior, que unidos formamos um trio inesquecível dos primeiros orientandos da Prof.ª
Dr.ª Sandra Valéria. Obrigada pela ajuda e pelo companheirismo. Sucesso!
Às minhas amigas, Carla Bittow Mundim, Juliane Pereira de Santana Peres,
Luciane Nehme Almeida, Fernanda Sardinha de Abreu Tacon e Francis Caroline Alves
de Souza Toledo, que me incentivaram constantemente para a conclusão deste objetivo.
Obrigada, amigas!
Ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal de
Goiás, que me concedeu essa oportunidade valiosa de aprimoramento.
À Universidade Estadual de Goiás, por me conceder licença para aprimoramento
profissional.
A todos os funcionários da escola campo, em especial aos professores e alunos,
que me receberam cordialmente e que foram imprescindíveis para a realização desta
pesquisa.
A todos que, direta ou indiretamente, contribuíram com essa pesquisa, meus
sinceros agradecimentos!
11

PERES, Thalitta Fernandes de Carvalho. Ensino desenvolvimental e aprendizagem da


Matemática: a formação do conceito de raiz quadrada no Ensino Fundamental. 2020.
244f. Tese (Doutorado em Educação) ‒ Programa de Pós-Graduação em Educação,
Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia.

RESUMO

O objeto de investigação desta tese é o processo de ensino e aprendizagem de Matemática,


particularmente o conceito de raiz quadrada exata e o desenvolvimento do pensamento
teórico no 6º ano do Ensino Fundamental. Para investigar as relações entre o ensino de
Matemática e o desenvolvimento nesta etapa da Educação Básica, buscaram-se
fundamentos na teoria histórico-cultural e na teoria do ensino desenvolvimental,
considerando-se que esse é um período peculiar na vida dos estudantes, de transição dos
anos iniciais para os anos finais. Esse momento marca também o início da passagem da
atividade de estudo para a atividade de comunicação íntima pessoal. A partir disso, a
pergunta da pesquisa é: como a teoria do ensino desenvolvimental contribui para o
processo de ensino e aprendizagem de Matemática no 6º ano do Ensino Fundamental
marcado pela transição da atividade principal? Nesse contexto, o objetivo geral é analisar
o processo de apropriação do conceito de raiz quadrada exata entre estudantes do 6º ano
do Ensino Fundamental, a partir de um processo de ensino e aprendizagem fundamentado
na teoria do ensino desenvolvimental. Como objetivos específicos, têm-se: investigar a
rede conceitual inserida no conceito de raiz quadrada exata como base para a elaboração
de tarefas de estudo para os alunos; analisar a atividade de estudo para a aprendizagem
desse conceito e o desenvolvimento do pensamento teórico, e discutir as possibilidades
da teoria do ensino desenvolvimental para o desenvolvimento do pensamento teórico.
Além da pesquisa bibliográfica, desenvolveu-se um trabalho empírico denominado
experimento didático-formativo, para pesquisar os procedimentos didáticos que
favorecessem a aprendizagem e o desenvolvimento dos estudantes nesse período escolar
de uma escola estadual da cidade de Iporá-GO. Esse percurso apresentado nessa
investigação revela que não é qualquer ensino que promove o desenvolvimento dos
alunos, mas existe uma teoria do ensino que responde à possibilidade de se ajudar os
estudantes a superarem o que se chama de dificuldades de aprendizagem da Matemática.
Ressalta-se que as tarefas de estudo fundamentadas nas proposições davydovianas
contribuíram para a transformação dos motivos e o surgimento da necessidade de
aprender novos conceitos, contemplando as ações mentais de reflexão, a análise e o plano
interior das ações. Outro aspecto importante dessa teoria é que ela impulsiona o trabalho
colaborativo, o qual potencializou o desenvolvimento de funções psicológicas superiores,
como: a atenção voluntária; a cooperação; a memória; a percepção e o pensamento,
evidenciando-se a comunicação íntima e pessoal como atividade principal dos
adolescentes. Defende-se, assim, que a teoria do ensino desenvolvimental contribui para
a formação do pensamento teórico dos alunos do 6º ano do Ensino Fundamental,
caracterizado por abstrações e generalizações substanciais. E, ainda, que no processo de
ensino e aprendizagem da Matemática não existe dom ou talento, e sim desenvolvimento.

Palavras-chave: Ensino e aprendizagem da Matemática. Teoria do Ensino


Desenvolvimental. 6º ano do Ensino Fundamental. Raiz quadrada exata.
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PERES, Thalitta Fernandes de Carvalho. Enseñanza del desarrollo y aprendizaje de las


matemáticas: la formación del concepto de raíz cuadrada en la escuela primaria. 2020.
244f. Tese (Doutorado em Educação) ‒ Programa de Pós-Graduação em Educação,
Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia.

RESUMEN

El objeto de investigación de esta tesis es el proceso de enseñanza y aprendizaje de las


matemáticas, particularmente el concepto de raíz cuadrada exacta y el desarrollo del
pensamiento teórico en el sexto grado de la escuela primaria. Para investigar las
relaciones entre la enseñanza y el desarrollo de las matemáticas en esta etapa de la
Educación Básica, buscamos fundamentos en la teoría histórico-cultural y la teoría de la
enseñanza del desarrollo, considerando que este es un período peculiar en la vida de los
estudiantes, desde la transición de los años iniciales hasta los últimos años. Este momento
marca también el comienzo de la transición de la actividad de estudio a la actividad de
comunicación íntima personal. A partir de esto, la pregunta de la investigación es: ¿cómo
contribuye la teoría de la enseñanza del desarrollo al proceso de enseñanza y aprendizaje
de las matemáticas en el sexto grado de la escuela primaria marcada por la transición de
la actividad principal? En este contexto, el objetivo general es analizar el proceso de
apropiación del concepto de raíz cuadrada exacta entre los estudiantes del sexto grado de
la escuela primaria, a partir de un proceso de enseñanza y aprendizaje basado en la teoría
de la enseñanza del desarrollo. Como objetivos específicos, tenemos: investigar la red
conceptual insertada en el concepto de raíz cuadrada exacta como base para la elaboración
de tareas de estudio para los estudiantes; analizar la actividad de estudio para el
aprendizaje de este concepto y el desarrollo del pensamiento teórico, y discutir las
posibilidades de la teoría de la enseñanza del desarrollo para el desarrollo del pensamiento
teórico. Además de la investigación bibliográfica, se desarrolló un trabajo empírico
llamado experimento didáctico-formativo, para investigar procedimientos didácticos que
favorecieran el aprendizaje y desarrollo de los estudiantes en este período escolar de una
escuela estatal en la ciudad de Iporá-GO. Este camino presentado en esta investigación
revela que no es ninguna enseñanza la que promueve el desarrollo de los estudiantes, pero
hay una teoría de la enseñanza que responde a la posibilidad de ayudar a los estudiantes
a superar lo que se llama dificultades de aprendizaje en matemáticas. Se destaca que las
tareas de estudio basadas en proposiciones davydovian contribuyeron a la transformación
de los motivos y a la aparición de la necesidad de aprender nuevos conceptos,
contemplando las acciones mentales de reflexión, análisis y plano interior de las acciones.
Otro aspecto importante de esta teoría es que impulsa el trabajo colaborativo, que mejoró
el desarrollo de funciones psicológicas superiores, tales como: la atención voluntaria;
cooperación; memoria; percepción y pensamiento, evidenciando la comunicación íntima
y personal como la actividad principal de los adolescentes. Así, se aboga por que la teoría
de la enseñanza del desarrollo contribuya a la formación del pensamiento teórico de los
estudiantes del sexto grado de la escuela primaria, caracterizado por abstracciones y
generalizaciones sustanciales. Y sin embargo, en el proceso de enseñanza y aprendizaje
de las matemáticas no hay don o talento, sino desarrollo.

Palabras clave: Enseñar y aprender matemáticas. Teoría de la Educación del Desarrollo.


6to grado de la escuela primaria. Raíz cuadrada exacta.
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PERES, Thalitta Fernandes de Carvalho. Developmental teaching and learning of


mathematics: the formation of the concept of square root in elementary school. 2020.
244f. Tese (Doutorado em Educação) ‒ Programa de Pós-Graduação em Educação,
Faculdade de Educação, Universidade Federal de Goiás, Goiânia.

ABSTRACT

The goal of this thesis is the process of teaching and learning mathematics, particularly
the concept of exact square root and the development of theoretical thought in the 6th
grade of elementary school. To investigate the relations between mathematics teaching
and development at this stage of primary Education, we sought foundations in historical-
cultural theory and developmental teaching theory, considering that this is a peculiar
period in the students' lives, from the transition from the initial years to the final
years.This moment also marks the beginning of the transition from study activity to
personal intimate communication activity. In addition, the research question is: how does
the theory of developmental teaching contribute to the process of teaching and learning
mathematics in the 6th grade of elementary school marked by the transition of the main
activity? In this context, the general objective is to analyze the process of appropriation
of the concept of exact square root among students of the 6th grade of elementary school,
from a teaching and learning process based on the theory of developmental teaching. As
specific objectives, we have: to investigate the conceptual network inserted in the concept
of exact square root as a basis for the elaboration of study tasks for students; to analyze
the study activity for the learning of this concept and the development of theoretical
thought, and discuss the possibilities of the theory of developmental teaching for the
development of theoretical thought. Aside from the bibliographic research, an empirical
work was developed called didactic-formative experiment, to research didactic
procedures that favored the learning and development of students in this school period of
a state school in the city of Iporá-GO. This path presented in this research reveals that it
is not any teaching that promotes the development of students, but there is a theory of
teaching that responds to the possibility of helping students overcome what is called
learning difficulties in Mathematics. It is emphasized that the study tasks based on
davydovian propositions contributed to the transformation of motives and the emergence
of the need to learn new concepts, contemplating the mental actions of reflection, analysis
and the interior plane of actions. Another important aspect of this theory is that it drives
collaborative work, which enhanced the development of superior psychological
functions, such as: voluntary care; cooperation; memory; perception and thought,
evidencing intimate and personal communication as the main activity of adolescents.
Thus, it is advocated that the theory of developmental teaching contributes to the
formation of theoretical thought of students of the 6th grade of elementary school,
characterized by substantial abstractions and generalizations. And yet, in the process of
teaching and learning mathematics there is no gift or talent, but development.

Keywords: Teaching and learning mathematics. Theory of Developmental Education.


6th grade of elementary school. Exact square root.
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LISTAS DE QUADROS

Quadro 1 Periodização do desenvolvimento psíquico segundo Elkonin............... 55


Quadro 2 Periodização do desenvolvimento psíquico segundo Davydov............. 56
Quadro 3 Procedimentos orientadores do plano de ensino.................................... 100
Quadro 4 Agrupamento das operações diretas e inversas...................................... 106
Quadro 5 Conexões conceituais analisadas........................................................... 108
Quadro 6 Composição dos conteúdos do 6° ano do Ensino Fundamental........... 112
Quadro 7 Composição dos conteúdos do 1° bimestre do 7° ano do Ensino 113
Fundamental...........................................................................................
Quadro 8 Síntese da estrutura do plano de ensino................................................ 118
Quadro 9 Síntese do plano de ensino do experimento didático-formativo............ 120
Quadro 10 Síntese do desenvolvimento do plano de ensino.................................. 209
15

LISTAS DE FIGURAS

Figura 1 Estrutura da atividade psíquica humana segundo Leontiev.............. 44


Figura 2 Movimento do pensamento na realização das tarefas de estudo....... 116
Figura 3 Os números em situações cotidianas................................................. 134
Figura 4 Disposição dos grupos na sala de aula.............................................. 141
Figura 5 Tarefa 1 - Resolução de um problema relacionado à grandeza de 142
comprimento.....................................................................................
Figura 6 Representação da Tarefa 1 realizada pelo Grupo 3........................... 146
Figura 7 Esquema para o início da modelação gráfica.................................... 149
Figura 8 Tarefa 2 - Multiplicação por agrupamento....................................... 149
Figura 9 Representação da Tarefa 2 realizada pelo Grupo 9........................... 152
Figura 10 Tarefa 3 - Cálculo do total de unidades básicas e registro no 156
esquema de setas...............................................................................
Figura 11 Representações da Tarefa 3 realizada pelo Grupo 2......................... 159
Figura 12 Representações da Tarefa 3 realizada pelo Grupo 4......................... 159
Figura 13 Representação da sentença (3 x 5) pelo Grupo 1.............................. 160
Figura 14 Representação da sentença (5 x 3) pelo Grupo 1.............................. 160
Figura 15 Tarefa 4 - Relações entre representações da grandeza área.............. 162
Figura 16 Registro da Tarefa 4 realizada pelo Grupo 5.................................... 167
Figura 17 Registro do Grupo 9.......................................................................... 168
Figura 18 Registro do Grupo 7.......................................................................... 168
Figura 19 Tarefa 5 - Relacionando a multiplicação ao conceito de 170
potenciação........................................................................................
Figura 20 Registro da Tarefa 5 realizada pelo Grupo 4.................................... 176
Figura 21 Registro da Tarefa 5 realizada pelo Grupo 6.................................... 177
Figura 22 Tarefa 6 - Formação de uma sequência de potência na base 4......... 177
Figura 23 Registro da Tarefa 7 realizada pelo Grupo 7.................................... 180
Figura 24 Construção do geoplano pelos alunos............................................... 184
Figura 25 Tarefa 7 - Conceito de raiz quadrada exata no geoplano.................. 185
Figura 26 Esquema de setas para os quadrados de lados 3, 4 e 5...................... 189
Figura 27 Números quadrados perfeitos naturais.............................................. 192
Figura 28 Registro da Tarefa 7 realizada pela dupla Bin e Luca...................... 193
Figura 29 Generalização na forma literal para o conceito de raiz quadrada..... 193
16

Figura 30 Tarefa 8 – Modelação de um retalho retangular para uma tolha 197


quadrada............................................................................................
Figura 31 Registro da Tarefa 8 realizada pelos alunos Dani, Lala e Tata......... 199
Figura 32 Algumas das atividades propostas pelo livro didático da escola...... 201
Figura 33 Tarefa 1 da Avaliação Individual...................................................... 203
Figura 34 Registro da Tarefa 1 da Avaliação Individual resolvida pela aluna 204
Tata....................................................................................................
Figura 35 Tarefa 2 da Avaliação Individual...................................................... 205
Figura 36 Registro da Tarefa 2 da Avaliação Individual resolvida pelo aluno 205
Dado..................................................................................................
Figura 37 Tarefa 3 da Avaliação Individual...................................................... 205
Figura 38 Registro da Tarefa 3 da Avaliação Individual resolvida pelo aluno 207
Ley....................................................................................................
Figura 39 Tarefa 4 da Avaliação Individual...................................................... 208
Figura 40 Registro da Tarefa 4 da Avaliação Individual resolvida pela aluna 208
Gabi...................................................................................................
Figura 41 Apresentação do conteúdo de radiciação pelo livro adotado pela 210
escola.................................................................................................
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LISTAS DE SIGLAS

ADA Avaliação Diagnóstica Amostral


AEE Atendimento Educacional Especializado
BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações
BNCC Base Nacional Comum Curricular
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CRE Coordenação Regional de Educação
DC-GO Documento Curricular para Goiás
FAI Faculdade de Iporá
FE-UFG Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás
FPS Funções Psícológicas Superiores
GEPAPe Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Atividade Pedagógica
Gepedi Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática Desenvolvimental e
Profissionalização Docente
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IF Goiano Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Goiano
IF-Goiás Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás
INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira
PUC Goiás Pontifícia Universidade Católica de Goiás
SAEB Sistema de Avaliação de Educação Básica
SAEGO Sistema de Avaliação Educacional do Estado de Goiás
SIAP Sistema Administrativo Pedagógico
TRABEDUC Trabalho Docente e Educação Escolar
TALE Termo de Assentimento Livre e Essclarecido
TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UEG Universidade Estadual de Goiás
UEM Universidade Estadual de Maringá
UFSM Universidade Federal de Santa Maria
UFU Universidade Federal de Uberlândia
UNESC Universidade do Extremo Sul Catarinense
18

UNESP Universidade Estadual Paulista de Mesquita Filho


UNIFESP Universidade Federal de São Paulo
UNISUL Universidade do Sul de Santa Catarina
USP Universidade de São Paulo
ZDP Zona de Desenvolvimento Proximal
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 21

1 EDUCAÇÃO ESCOLAR E DESENVOLVIMENTO NA PERSPECTIVA DA


TEORIA DO ENSINO DESENVOLVIMENTAL .................................................... 38
1.1 TEORIA DA ATIVIDADE E DESENVOLVIMENTO HUMANO ....................... 38
1.2 PERIODIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO .................................. 48
1.2.1 Atividade principal na adolescência .................................................................. 57
1.3 FORMAÇÃO DE CONCEITOS NA ADOLESCÊNCIA ....................................... 67
1.4 APRENDIZAGEM DE CONCEITOS CIENTÍFICOS E FORMAÇÃO DO
PENSAMENTO TEÓRICO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR .......................................... 73
1.4.1 A atividade de estudo e sua organização ........................................................... 82
1.4.2 A atividade de estudo na adolescência ............................................................... 91

2 O ESTUDO DA RAIZ QUADRADA DE NÚMEROS QUADRADOS


PERFEITOS: UM EXPERIMENTO DIDÁTICO-FORMATIVO ......................... 95
2.1 O EXPERIMENTO DIDÁTICO-FORMATIVO COMO METODOLOGIA DE
PESQUISA ..................................................................................................................... 95
2.2 ORGANIZAÇÃO DO EXPERIMENTO DIDÁTICO-FORMATIVO ................... 98
2.2.1 Análise do conteúdo/conceito a ser ensinado .................................................. 100
2.2.2 As tarefas de estudo ........................................................................................... 114
2.3 CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA .................................................................... 122
2.3.1 Os alunos participantes do experimento didático-formativo ........................ 128
3 A ORGANIZAÇÃO DA ATIVIDADE DE ESTUDO DO CONCEITO DE RAIZ
QUADRADA EXATA: O EXPERIMENTO DIDÁTICO-FORMATIVO EM
ANÁLISE .................................................................................................................... 131
3.1 ANÁLISE DA SITUAÇÃO SOCIAL DE DESENVOLVIMENTO ESCOLAR.. 132
3.2 A REFLEXÃO: TOMADA DE CONSCIÊNCIA DA AÇÃO................................138
3.2.1 Análise da unidade conceitual de número ....................................................... 142
20

3.3 ANÁLISE SUBSTANTIVA: A IMPORTÂNCIA DA GENERALIZAÇÃO


CONCEITUAL..............................................................................................................145
3.3.1 Unidade conceitual de multiplicação ............................................................... 149
3.4 PLANO INTERIOR DAS AÇÕES ........................................................................ 169
3.4.1 A unidade conceitual de potenciação ............................................................... 170
3.4.2 A unidade conceitual raiz quadrada exata, um caso particular de radiciação
...................................................................................................................................... 183
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 217
REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 232
21

INTRODUÇÃO

A tese aqui apresentada é a síntese de um longo processo de estudos, pesquisas


e atividades docentes, desde a minha formação inicial, no curso de licenciatura em
Matemática, até esse momento do doutoramento em Educação. De acordo com Vigotski
(2007, p. 20), “[...] essa estrutura humana complexa é o produto de um processo de
desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e
história social”.
Nesse sentido, embora o homem seja constituído por suas relações sociais e
culturais, ao mesmo tempo não se pode negar a singularidade da construção histórica de
cada pessoa. Como lembra Freire (2001, p. 79), “[...] ninguém nasce feito, vamos nos
fazendo aos poucos, na prática social de que tomamos parte”. O sentido do que somos ou
de quem somos, como escreve Larrosa (1999), depende das histórias que vivemos e
vivenciamos e das narrativas nas quais somos, ao mesmo tempo, autor, narrador e
personagem principal.
As diversas atividades realizadas ao longo da vida e que nos formam são
produzidas e mediadas no interior das práticas sociais, um processo que mostra que nos
desenvolvemos numa perspectiva de contínua mudança e ressignificação. Somos seres
humanos histórico-culturais em constante processo de desenvolvimento, por meio da
interação com outras pessoas, na vivência de diferentes processos educativos e de
trabalho.
No ano de 1998, comecei o curso de licenciatura em Matemática, ano da
fundação da Universidade Estadual de Goiás (UEG) em Iporá. Em decorrência de ser a
primeira turma desse curso, vivenciei algumas limitações, como dificuldade da instituição
para a contratação de professores e a quase ausência de projetos de pesquisa coordenados
pelos professores formadores que pudessem colocar os estudantes em iniciação científica.
Diante dessa situação complexa, de uma universidade jovem em uma cidade do interior,
entre outros problemas, hoje consigo compreender que minha formação inicial foi
marcada pela dissociação entre teoria e prática e pela dicotomia entre conhecimentos
específicos de matemática e conhecimentos pedagógicos para o ensino de Matemática na
escola de Educação Básica.
A falta de professores de Matemática na educação em minha região (Iporá-GO)
era, à época, um problema sério, o que colaborou para que, no ano seguinte, meu segundo
22

ano de curso já iniciasse a minha trajetória profissional como professora de Matemática.


Comecei a trabalhar em uma escola particular, sem ter uma ideia ainda muito clara da
realidade e dos desafios de uma sala de aula.
Nessa direção, a minha formação docente inicial aconteceu de forma paralela à
minha atuação profissional. Ao ingressar na escola como docente, meu objeto foi alterado,
pois a meta na universidade era a aprendizagem pessoal e, na escola, eu realizava a
atividade de ensino intencional. Nesse movimento conjunto, ficou manifesto que “o
professor, ao assumir o seu novo espaço de formar, de ensinar, está sujeito a um processo
de formação de sua própria profissionalidade” (MOURA, 2003, p. 137).
Logo após o término da graduação, no ano de 2002, ingressei no corpo docente
da UEG e no curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Matemática e Estatística. A partir
de então, como docente da Educação Básica e do Ensino Superior, passei a ter uma visão
mais ampla da educação e do ensino em Matemática. Contudo, a dicotomia entre teoria e
prática se intensificou ainda mais, o que desencadeou um sentimento de inquietação
acerca do processo de organização do ensino a ser realizado pelo professor.
Em 2004, fui aprovada no concurso público para docente da Secretaria de
Educação do Estado de Goiás. Logo, se iniciou mais uma etapa na minha vida
profissional, agora como professora concursada da Educação Básica. Esse espaço
ocupado na minha experiência docente contribuiu de forma significativa para minha
atuação como professora orientadora de estágio supervisionado no curso de licenciatura
em Matemática.
A cada ano eu vivenciava as incertezas e também as realizações do ensino de
Matemática junto com os licenciandos no campo de estágio. O problema do ensino e a
busca de formas de ensinar, de modo que os estudantes do Ensino Fundamental e Médio
realmente aprendessem os conceitos de matemática e se interessassem mais por esta
disciplina, foi se tornando para mim um campo de estudos permanente.
Essa vivência profissional com as diferenças e complexidades existentes nas
instituições pública e privada, da Educação Básica e do Ensino Superior, possibilitou o
movimento de minha formação docente. Realidades tão distintas e contraditórias
colocaram diversas concepções em dúvida, dentre elas, a ideia de que conhecer
matemática era suficiente para ensinar em qualquer nível da Educação Básica e em
qualquer escola. De acordo com Fiorentini e Lorenzato (2012, p. 5), “[...] apenas o
23

conhecimento da matemática e a experiência no ensino não garantem competência a


qualquer profissional que nela trabalhe”.
O trabalho realizado no estágio supervisionado foi se ampliando, transformando
algumas concepções e trazendo também novos questionamentos, principalmente em
relação à organização do ensino e como tornar o ensino de Matemática mais significativo
para os estudantes. Buscando compreender melhor as questões pedagógicas que
envolvem o ensino de Matemática, ingressei no curso de Mestrado em Educação, da
Pontifícia Universidade Católica de Goiás, no ano de 2008.
Durante o mestrado, me deparei com a teoria histórico-cultural e com a teoria do
ensino desenvolvimental de Vassili Davydov1 e seus colaboradores. Assim, a partir destas
teorias, realizei uma pesquisa sobre o ensino de geometria espacial (PERES, 2010).
Acredito que a principal contribuição desta pesquisa consistiu em mostrar um
caminho alternativo de organização do ensino de matemática, particularmente o ensino
do conceito de volume de sólidos geométricos. E que, mesmo com as dificuldades e
contradições presentes na escola pública e na vida escolar dos alunos, é possível realizar
um ensino fundamentado na teoria do ensino desenvolvimental e contribuir para a
formação do pensamento teórico da maioria dos alunos.
Mais uma vez, muitas concepções de ensino e trabalho foram transformadas,
marcando, assim, o começo de um processo de reflexão e mudanças na minha atividade
docente. Durante a maior parte da carreira docente, pratica-se o ideário do aprender a
aprender, não por opção, mas, fundamentalmente, pelas relações produtivas envolvidas
na sociedade, dando continuidade na educação.
Nesse sentido, o Mestrado em Educação foi um “divisor de águas” na minha
profissão docente, levando-me a níveis mais elevados de formação e trabalho docente
opostos ao da “tecnificação”, baseados numa perspectiva crítico-emancipadora firmada
nas categorias: trabalho docente; relação teoria e prática; ensino como práxis e pesquisa
(LIMONTA; SILVA, 2013).
Após a conclusão do mestrado, no ano de 2010, fui aprovada no concurso para
docente da UEG. Desde então, o tripé ensino, extensão e pesquisa passou a integrar o meu
percurso profissional, visto que apenas os docentes efetivos podiam desenvolver projetos
de pesquisa. O grande desafio agora, enquanto formadora de futuros professores, era,

1
Grafia livre utilizada neste trabalho, porém, obedecemos nas chamadas a este autor, a grafia presente nas
obras referenciadas.
24

através dos conhecimentos adquiridos no mestrado, não apenas propiciar aos alunos o
conteúdo cultural produzido pela humanidade, mas também romper com a concepção de
formação e de trabalho ancorada na epistemologia da prática. E, enquanto professora da
educação básica, o maior desafio era organizar um ensino que impulsionasse os alunos à
formação do pensamento teórico.
Destaca-se que, nos processos de organização do estágio com as escolas-campo,
me deparei muitas vezes com a preocupação da gestão e dos professores a respeito das
dificuldades dos estudantes para a aprendizagem dos conceitos de matemática,
particularmente dos alunos do 6º ano, particularidade que sempre me chamou a atenção.
Ao mesmo tempo, também era constantemente chamada, enquanto equipe de estágio, a
dar respostas e realizar projetos de intervenção pedagógica para ajudar na preparação dos
alunos para as avaliações externas, que têm ganhado cada vez mais centralidade no
cotidiano do trabalho pedagógico escolar.
Esse contexto vivenciado na relação entre a instituição formadora de professores
e a escola evidencia que o conhecimento matemático, neste momento, além da histórica
problemática da dificuldade de aprendizagem, que muitas vezes é mais reveladora dos
problemas relativos ao ensino, acaba por reduzir-se a poucos conceitos. Estes deverão ser
aprendidos pelos alunos, muitas vezes sob a forma de intenso treinamento, dada a sua
utilidade imediata para a realização de avaliações externas 2 à escola, que, de alguma
forma, atestarão o nível e a qualidade dos conhecimentos que os estudantes possuem.
Attie e Moura (2018) afirmam que há, ao mesmo tempo, uma grande valorização
institucional da matemática e o aumento da invisibilidade desse conhecimento,
implicando o afastamento do indivíduo da apreensão de seus processos de significação,
produzindo um mecanismo de crescente alienação em relação a este conhecimento e a
seu papel social, científico e formativo. “É interessante ponderarmos que a manutenção
dessa estrutura e desse processo de alienação, por necessidades políticas e econômicas,
faz com que se torne estritamente indispensável que o ensino de matemática continue

2
Esse movimento tornou-se mais forte a partir da década de 1990, quando as reformas foram ampliadas,
dando ênfase às leis de mercado, o que supervalorizou a automatização do trabalho, alcançando o sistema
educativo. Na implantação das reformas, os professores não participam das decisões e sofrem apenas as
consequências, uma vez que o foco das reformas não são questões pedagógicas no sentido de criar melhores
condições de ensino e do trabalho docente. Diante deste cenário, as dimensões técnicas e mecanicistas da
prática de ensino passaram a assumir centralidade em dano dos seus próprios fundamentos, privilegiando-
se a forma em detrimento do conteúdo.
25

privilegiando a memorização e a repetição, em detrimento da compreensão” (ATTIE;


MOURA, 2018, p. 08).
É nesse cenário preocupante que se encontra o ensino da Matemática, e esta tese
pretende problematizar o ensino de Matemática e ao mesmo tempo apontar caminhos para
o ensino desta disciplina no Ensino Fundamental. Duarte (2010) considera que é
necessário superar as pedagogias negativas sem negar os conhecimentos mais
desenvolvidos pela humanidade.
Sobre as pedagogias negativas, Duarte (2010) destaca o construtivismo, a
pedagogia do professor reflexivo, a pedagogia das competências, a pedagogia dos
projetos e a pedagogia multiculturalista. O autor explica que essas pedagogias são
consideradas negativas, “[...] na medida em que aquilo que melhor as define é sua negação
das formas clássicas de educação escolar” (DUARTE, 2010, p. 33).
Pensando nisso é preciso superar as pedagogias negativas sem negar a
importância da transmissão dos conhecimentos mais desenvolvidos pela escola. Faz-se
necessário, assim, impulsionar o desenvolvimento intelectual dos estudantes por meio dos
conteúdos científicos e da formação cultural, rompendo com uma organização ainda
manufatureira do trabalho pedagógico.
A organização do trabalho didático, vigente nas escolas de nosso tempo, foi
fundada por Comenius, no século XVII, pela inspiração da organização manufatureira do
trabalho: “[...] depois de inaugurada, essa organização se petrificou, foi historicamente
superada pelas transformações sociais, mas tem resistido a todos os embates tendentes a
demoli-la” (ALVES, 2005, p. 63).
Diante dessas questões apresentadas, o doutorado foi uma oportunidade
imprescindível para continuar aprimorando meus conhecimentos teóricos. Assim, no ano
2016, ingressei no Doutorado em Educação, na Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Goiás (FE-UFG), com o intuito de responder algumas inquietações
provenientes do mestrado, da prática docente e do contexto atual que se encontra o ensino
da Matemática.
Nesse novo contexto, em um processo de contínua transformação, mais uma vez
vivenciei novas possibilidades de aprendizagens e superação em minha formação e
trabalho docente. É importante acrescentar também a importância das discussões do
Grupo de Estudos e Pesquisas Trabalho Docente e Educação Escolar (TRABEDUC, FE-
UFG) para o aprofundamento dos fundamentos teóricos desta pesquisa.
26

Dessa forma, é necessário compreender o processo de ensino e aprendizagem na


Matemática, em que a educação escolar é uma forma universal de desenvolvimento. A
Matemática escolar, assim como as demais disciplinas, é muito mais que um conjunto de
conteúdos a serem compartilhados aos alunos, mas uma ciência socializadora dos
conhecimentos sistematizados que contribui para a formação de sujeitos com alto nível
de atividade mental.
É nesse caminho que propus esse estudo, em uma organização de ensino que
tivesse forma e conteúdo como unidade para o pleno desenvolvimento humano. Com isso,
o objeto de investigação desta tese é a relação entre a organização do ensino de
Matemática, a formação de conceitos, particularmente o conceito de raiz quadrada exata,
e o desenvolvimento do pensamento teórico no 6º ano do Ensino Fundamental.
Para investigar as relações entre o ensino de Matemática e o desenvolvimento
nesta etapa da Educação Básica, me fundamentei na teoria histórico-cultural e na teoria
do ensino desenvolvimental, considerando-se que o 6º ano é um período peculiar na vida
dos estudantes. Trata-se da transição dos anos iniciais para os anos finais, momento que
marca também o início da passagem da atividade de estudo para a atividade de
comunicação íntima pessoal, atividade principal da adolescência, conforme a teoria
histórico-cultural do desenvolvimento humano. Assim, essa pesquisa é sobre as relações
entre o ensino e a aprendizagem da Matemática e o processo de desenvolvimento em um
determinado momento da vida.
É preciso salientar que a delimitação do objeto de análise se iniciou em uma
pesquisa realizada em 2017 pelo Grupo de Estudos do TRABEDUC (FE-UFG), em que
o professor que ministrava as aulas de Matemática de uma escola municipal de Goiânia
mostrou a necessidade de se desenvolver esse conceito dentro dessa perspectiva teórica.
Esse professor participava das reuniões e, a partir disso, iniciei a formulação do plano de
ensino do presente estudo.
No entanto, a definição do conteúdo só ocorreu de fato em um encontro com a
professora da escola campo parceira. Até então, o que se tinha definido era apenas o
período de desenvolvimento dos sujeitos da pesquisa, a transição para o 6º ano do Ensino
Fundamental. Desta maneira, foi nesse diálogo com a professora regente que ela sugeriu
o conteúdo de radiciação, mostrando interesse e preocupações semelhantes ao do
professor da pesquisa realizada anteriormente.
27

Diante disso, busquei me aprofundar no plano de ensino iniciado sobre o


conceito de raiz quadrada exata, de forma a contemplar toda a rede conceitual inserida
nesse conteúdo.
Logo, visando a continuar os estudos sobre os fundamentos teóricos iniciados no
mestrado, o doutorado foi uma oportunidade imperiosa para esse fim. Neste sentido, a
partir das pesquisas de Davydov, o ensino desenvolvimental tornou-se uma opção teórica
para a problematização e o estudo do ensino contemporâneo. Davídov (1988) recrimina,
no ensino tradicional, a transmissão direta aos alunos dos produtos finais da investigação,
sem que possam aprender a investigar por si mesmos. Todavia, a questão não está em
descartar os conteúdos, mas em buscar os produtos culturais e científicos da humanidade,
seguindo o percurso dos processos de sua construção conceitual.
Ensinar não é apenas saber os conteúdos e apresentá-los, mas oportunizar ao
outro apropriar-se do conhecimento produzido socialmente, revelando as contradições da
realidade. Destarte, é indispensável pensar numa organização de ensino que considere a
relação do desenvolvimento com a atividade de ensino, que se revela nos conteúdos de
aprendizagem. Em outras palavras, é necessário compreender e analisar a matemática
como conhecimento escolar e como o seu ensino pode ser organizado para contribuir para
o desenvolvimento mental dos alunos.
A dificuldade que os alunos têm em aprender os conceitos matemáticos, aliada
aos empecilhos vivenciados pelos professores na organização desse ensino, tem
mobilizado inúmeras pesquisas na busca da superação de tais problemas. Sendo legítimas
ambas as preocupações, entende-se que a forma como se organiza o ensino, a fim de
promover o pensamento teórico, é a questão central para a solução desses problemas.
É frequente nas escolas um ensino de matemática firmado na memorização de
fórmulas e cálculos. Nessa vertente, “o que encontramos em muitas escolas é uma
aprendizagem dos conhecimentos matemáticos que se restringe à manipulação
algorítmica, ao estudo das regras operacionais” (SOUSA; PANOSSIAN; CEDRO, 2014,
p. 16). Assim, presencia-se uma forma de ensino não distante das primeiras escolas
sumérias, em que “os ensinamentos eram transmitidos da forma: faça isso, depois isso,
em seguida isso e esse é o resultado” (GARBI, 2006, p. 12).
Duarte (2016) assinala que o ensino dos conteúdos escolares não é o
deslocamento mecânico dos livros ou da mente do professor para a mente do aluno, nem
a sua aplicação prática e imediata:
28

O ensino é o encontro de várias formas de atividade humana: a atividade


do conhecimento do mundo sintetizada nos conteúdos escolares, a
atividade de organização das condições necessárias ao trabalho
educativo, a atividade de ensino pelo professor e a atividade de estudo
pelos alunos (DUARTE, 2016, p. 59).

Nesse sentido, com as mesmas raízes teóricas no materialismo dialético, o campo


da educação matemática tem se destacado em pesquisas que buscam uma organização de
ensino fundamentada na teoria histórico-cultural de Vigotski e de seus colaboradores,
como Davydov e a teoria do ensino desenvolvimental. Os estudos de Cedro (2004), Peres
(2010), Rosa (2012), Souza (2013), Ferreira (2013), Sousa, Panossian e Cedro (2014),
Merib (2017), Serconek (2018), dentre outros, discutem a organização do ensino da
matemática nessa vertente teórica. A maioria dessas pesquisas aponta que o tipo de
organização do ensino nas escolas brasileiras aborda os conceitos de forma superficial,
tomando-se por base o pensamento empírico.
Vale ressaltar também a importância para a nossa pesquisa do estudo do material
didático de matemática elaborado por Davydov, realizado por alguns pesquisadores do
Brasil, das quais destacamos: Damazio, Cardoso e Santos (2014), Hobold (2014),
Crestani (2016), Rosa e Damazio (2016) e Freitas D. (2016). Essas pesquisas estabelecem
uma análise importante nas atividades de estudo com esse tipo de organização de ensino.
Damazio, Cardoso e Santos (2014) mostram que esses livros estão organizados
em capítulos, de modo que o conteúdo empurre algo conceitualmente novo em relação
aos anteriores. Assim, as tarefas tratam de focar as primeiras abstrações conceituais que
conduzirão à produção de modelos universais dos conceitos. A proposta se caracteriza
pela articulação de suas tarefas, ou seja, pela rede de conceitos para promover o
desenvolvimento do pensamento teórico dos estudantes. Assim, a cada capítulo, aumenta-
se o nível de complexidades que proporciona, ao aluno, a elaboração de novas abstrações,
que é o ponto de partida para ascender ao pensamento concreto pensado.
Hobold (2014) teve por objetivo investigar o movimento conceitual apresentado
tanto em livros didáticos brasileiros quanto davydovianos para o ensino da tabuada. Os
resultados da investigação evidenciaram que o movimento conceitual sugerido pelas duas
proposições de ensino segue direções opostas do ponto de vista da lógica que as
fundamenta. Enquanto a proposição brasileira se aproxima dos fundamentos oriundos da
lógica formal, a davydoviana é expressão da lógica dialética.
29

Analisando-se também atividades davydovianas, a pesquisa de Crestani (2016)


teve o objetivo de analisar como a relação essencial do conceito de divisão se manifesta
nas tarefas particulares correspondentes às seis ações de estudo. Concluindo, a relação
essencial do conceito de divisão consiste na determinação da quantidade de vezes em que
o divisor (unidade de medida intermediária) cabe no dividendo (total de unidades de
medida básica e intermediária).
Rosa e Damazio (2016) investigaram o movimento conceitual para o ensino de
número no 1º ano escolar, mostrando que o ponto de partida é a análise das relações entre
grandezas discretas e contínuas de objetos e fenômenos reais. Segundo as autoras,
“quando o indivíduo se apropria dessa relação essencial, em nível teórico, desenvolve um
modo de organização do pensamento universal que supera os limites da apropriação
empírica, tal como ocorre no ensino tradicional” (ROSA; DAMAZIO, 2016, p. 523). Já
a pesquisa de Freitas D. (2016) investigou os movimentos do pensamento para a
apropriação do sistema conceitual de fração, a fim de revelar sua base universal.
Considerando-se a necessidade de uma correta organização do ensino de
Matemática para o desenvolvimento do pensamento teórico pelos alunos, a nossa
pesquisa contempla uma turma do 6º ano do Ensino Fundamental. Psicologicamente,
interessa a esse estudo conhecer como é esse momento de desenvolvimento, pois, para
Davídov (1988), é imprescindível que o ensino esteja relacionado com o período do
desenvolvimento que o sujeito se encontra.
Nesse aspecto, os estudos da Psicologia Histórico-Cultural acerca da periodização
do desenvolvimento psíquico, destacados por Vigotski (1995, 1996), Leontiev (1978a),
Bozhóvich (1987) e Elkonin (1987), apresentam discussões fundamentais. Esses autores
colaboram para a compreensão do movimento de transformação da atividade da criança
e de seus efeitos diretos sobre a formação da personalidade, tomando como base a
periodização do desenvolvimento psicológico, a fim de evidenciar a necessidade de
rompimento com a ideia natural do desenvolvimento humano.
Dessa forma, Vigotski e colaboradores concentraram suas pesquisas sobre a
formação dos conceitos como um salto qualitativo no desenvolvimento psicológico nessa
fase, por eles chamada “idade de transição”. E, como essa pesquisa busca compreender a
transição de uma atividade para a outra, bem como as mudanças psicológicas em destaque
nessa passagem da atividade de estudo, a de comunicação íntima pessoal, buscou-se
30

analisar os estudantes do 6º ano, pois é necessário pensar no início da adolescência como


um período que ocorre dentro de um tempo específico.
A partir dessas inquietações relatadas, tentando compreender o que essa
transição representa para o ensino de Matemática e como tudo isso implica uma
necessária revisão da organização do ensino, a pergunta da pesquisa é: como a teoria do
ensino desenvolvimental contribuiu para o processo de ensino e apendizagem de
Matemática no 6º ano do Ensino Fundamental marcado pela transição da atividade
principal?
O pressuposto básico sob o qual se assenta a nossa proposta e capaz de responder
a questão formulada é que a organização do ensino de Matemática e o período de
desenvolvimento são dois aspectos que formam uma unidade. A educação escolar tem
um papel decisivo no desenvolvimento do adolescente, porém, não é qualquer ensino que
a promove. Para que a escola cumpra com a sua função de ensinar, faz-se necessário
transformar o tipo de princípios didáticos que vigoram, não podendo pensar na
organização de ensino de matemática descolado do momento de desenvolvimento em que
o aluno se encontra.
Nesse contexto, o objetivo geral é analisar o processo de apropriação do conceito
de raiz quadrada exata entre estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental, a partir de um
processo de ensino e aprendizagem fundamentado na teoria do ensino desenvolvimental.
Como objetivos específicos, têm-se: investigar a rede conceitual inserida no conceito de
raiz quadrada exata como base para a elaboração de tarefas de estudo para os alunos,
analisar a atividade de estudo para a aprendizagem desse conceito e o desenvolvimento
do pensamento teórico, e discutir as possibilidades da teoria do ensino desenvolvimental
para o desenvolvimento do pensamento teórico.
Os estudos da teoria do ensino desenvolvimental de Davydov (1982, 1988, 1999,
2017, 2019) e de seus colaboradores levam a compreender que o ensino que se adianta ao
desenvolvimento é aquele que organiza a atividade de estudo. Destarte, promover-se-ão
o desenvolvimento dos alunos, particularmente o desenvolvimento do pensamento
teórico, a capacidade de pensar com os conceitos científicos e de pensar cientificamente
sobre a realidade, sendo a educação escolar e o ensino formas universais para esse
desenvolvimento.
Contudo, para que os conteúdos dos componentes curriculares favoreçam a
formação do pensamento teórico, é necessária a compreensão da natureza da relação entre
31

o desenvolvimento mental dos alunos e os conhecimentos e habilidades assimilados. Esse


princípio deve ser dirigido não apenas ao conteúdo específico da escola, mas a fim de
envolver o aluno em busca do crescimento mental e social.
Nesse processo, o conteúdo é a síntese mediatizada pelas apropriações das
riquezas sociais, culturais e históricas, em diferentes aspectos elaborados pela
humanidade. Desta maneira, o ensino organizado e sistematizado no processo de
escolarização amplia a capacidade do pensamento, favorecendo novas aprendizagens.
Como mencionado, acredita-se que não se deve pensar na organização do ensino
descolado do momento de desenvolvimento em que a criança se encontra. Daí a
importância de se aprofundar nos estudos que se referem à periodização do
desenvolvimento psíquico. Sendo assim, outro aspecto de grande importância para os
estudos do desenvolvimento psíquico em relação à divisão de estágios está no conceito
de atividade, enriquecido principalmente por A. N. Leontiev.
Para isso, deve-se partir da compreensão das diferentes atividades humanas nas
condições concretas de vida, como aquilo que impulsiona o desenvolvimento. Assim,
“[...] cada estágio do desenvolvimento psíquico é caracterizado por um certo tipo de
relações da criança com a realidade, dominantes numa dada etapa e determinadas pelo
tipo de atividade que é então dominante para ela” (LEONTIEV, 1978a, p. 292). A
passagem de um estágio a outro é reconhecido justamente na mudança do tipo de
atividade principal3 e, portanto, da relação principal da criança com a realidade.
Para Leontiev (1978a, p. 294), “[...] não é a idade da criança que determina,
enquanto tal, o conteúdo do estágio de desenvolvimento, mas, pelo contrário, a idade da
passagem de um estágio a outro que depende do seu conteúdo e que muda com as
condições sócio-históricas”. São essas condições que determinam qual a atividade que se
torna dominante num dado estágio do desenvolvimento da criança.
É justamente a transição da atividade de estudo para a atividade de comunicação
íntima pessoal e as relações entre estas duas atividades que marcam o complexo período
da transição da infância para a adolescência, momento do desenvolvimento considerado
como o mais crítico na teoria histórico-cultural (ELKONIN, 1987).

3
A atividade principal ou dominante é aquela cujo desenvolvimento condiciona as principais mudanças
nos processos psíquicos da criança e as particularidades psicológicas da sua personalidade num dado estágio
do seu desenvolvimento (LEONTIEV, 1978a). Davídov (1988) pontua que, para Vigotski, o termo situação
social do desenvolvimento é sinônimo de atividade principal.
32

Identificar a atividade principal nesse período é complicado, pois, nessa idade,


emerge e desenvolve-se uma atividade que consiste no estabelecimento de relações
pessoais íntimas entre os adolescentes. E, ainda, é nesse momento que se estrutura o
sentido pessoal de sua vida, originando novas tarefas e novos motivos que adquirem o
caráter de atividade profissional/de estudo.
Em se tratando do 6º ano do Ensino Fundamental, em que a situação social de
desenvolvimento está em “crise” devido à transição das atividades principais, a
organização da atividade de estudo deve, indubitavelmente, se pautar pelo
desenvolvimento do pensamento teórico, mas é necessário considerar as características
deste momento.
Nesse período é muito comum ocorrer um declínio no desempenho escolar
justificado pela transição de uma forma conceitual mais elevada. É o momento de recuo
diante de inúmeras mudanças na situação social de desenvolvimento dos alunos, como: o
número de disciplinas a serem estudadas é maior, com seus respectivos professores; as
aulas são mais curtas; o tempo de estudo também é maior; as avaliações são mais
rigorosas, dentre diversas outras alterações na dinâmica escolar que afetam diretamente a
vida dos alunos.
Salienta-se, ainda, que, a partir dessas mudanças recorrentes da transição do 5º
para o 6º ano, novos contornos ocorrem no desenvolvimento do adolescente. Essa
alteração do lugar social ocorre não apenas dentro da escola, mas também de fora, e é
determinante nas relações estabelecidas entre eles em sua atividade de comunicação
íntima e pessoal, formando suas concepções e valores.
Embora existam pesquisas sobre a periodização do desenvolvimento psíquico
realizadas por pesquisadores brasileiros, pautadas nas contribuições de Vigotski e dos
demais integrantes da psicologia histórico-cultural, esse campo de pesquisa mostra-se
ainda pouco explorado. E, quando o recorte é o período da adolescência, os estudos são
ainda mais escassos. Dentro de algumas pesquisas, destacamos: Bissoli (2005), Anjos
(2013, 2017), Leal, Facci (2014) e Mascagna e Facci (2014).
Bissoli (2005) discute sobre a questão da periodização do desenvolvimento
psíquico da criança, desde o nascimento até a entrada na adolescência. Apresenta as
etapas do desenvolvimento de acordo com a teoria histórico-cultural e busca a
compreensão da dinâmica que mobiliza o processo de complexificação da personalidade
33

em cada período, das formações principais do psiquismo em cada idade e, de maneira


especial, da atividade principal da criança.
Anjos (2013) busca superar visões naturalizantes e patologizantes sobre a
adolescência e concebe a idade de transição como um momento privilegiado no
desenvolvimento humano para a formação do pensamento por conceitos. A autora (2017)
também apresenta a tese de que o papel da educação escolar, no desenvolvimento da
personalidade do adolescente, gira em torno de dois aspectos. O primeiro deles é
constituído pelo ensino e pela aprendizagem dos conhecimentos científicos, artísticos e
filosóficos, em suas formas mais ricas. O segundo é a relação entre o modelo adulto de
ser humano e o ser em desenvolvimento, o adolescente.
Leal e Facci (2014) ressaltam que o desenvolvimento no período da adolescência
não ocorre automaticamente, mas em um processo que é social, sendo estabelecido nas
relações com as outras pessoas e em uma realidade histórico-cultural, os quais se
vinculam diretamente à educação escolar. Destacam, ainda, que esse período não pode
ser visto apenas com aspectos negativos, mas é necessário utilizar positivamente o
potencial dos adolescentes.
Mascagna e Facci (2014) acrescentam que o período da adolescência é
constituído nas relações sociais, adquirindo, assim, os moldes da sociedade capitalista,
refletindo o comportamento do homem pós-moderno. Consequentemente, os
adolescentes se tornam consumistas, individualistas, imediatistas, egoístas, dentre outras
características do mercado que atravessam o seu jeito de ser. Nisso, eles se relacionam de
forma fetichizada, ocupando o seu tempo livre com televisão, videogames e celulares,
sendo comum distorcerem e fragmentarem a realidade.
Contudo, no que se refere ao ensino de matemática e ao desenvolvimento na
idade de transição, não se encontraram até o momento pesquisas que contemplem esses
aspectos específicos. A fim de consolidar a necessidade de se desenvolver um estudo que
abordasse o conceito de raiz quadrada, foi realizado um levantamento junto às produções
acadêmicas publicadas nos últimos cinco anos, nos seguinte bancos de dados:
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES); Banco Digital
de Teses e Dissertações (BDTD), e banco de teses e dissertações de várias universidades
do nosso país. Nesse levantamento, não foram encontradas pesquisas que abordassem tal
objeto de ensino.
34

Diante desse resultado, se ampliou ainda mais o período de tempo da pesquisa


bibliográfica sobre o conceito de raiz quadrada e encontrou-se apenas a dissertação de
Lima (2013), que buscava estabelecer os procedimentos diretos e indiretos para o cálculo
das raízes quadrada e cúbica, porém, distantes da nossa abordagem teórica.
Considerando-se a perspectiva teórica que fundamenta esse trabalho e que versa
sobre o ensino de Matemática, encontraram-se aproximadamente 140 trabalhos no banco
de teses e dissertações de vários programas4 de pós-graduação, no período de 2003 a
2019. No entanto, também não foram encontradas pesquisas que abordassem o conteúdo
de raiz quadrada, evidenciando-se ainda mais a necessidade de estudos sobre esse objeto
de ensino.
Assim, dentre essas e outras questões da real situação do ensino de Matemática
e da educação brasileira é que se constitui a necessidade da nossa investigação, pois se
entende que a função principal da escola é analisar os conhecimentos científicos, os quais
permitem o desenvolvimento intelectual e a formação de conceitos. Estes possibilitam
aos adolescentes a compreensão da realidade, de si mesmo e de seu próprio
comportamento.
Esta é uma pesquisa5 investigativa complexa e de relevância para a compreensão
e análise da matemática como conhecimento escolar. Além disso, numa perspectiva mais
abrangente, buscou-se entender de que forma a organização do ensino na perspectiva
histórico-cultural e desenvolvimental pode contribuir para o desenvolvimento do
pensamento teórico.
Para isso, além da pesquisa bibliográfica, este estudo desenvolveu um trabalho
empírico para uma melhor compreensão do objeto de investigação. Para pesquisar os

4
Destacamos: Programa de Pós-Graduação em Educação em Ciências e Matemática da Universidade
Federal de Goiás (UFG); Programa de Pós-Graduação em Educação (PUC-Goiás); Programa de Pós-
Graduação em Educação para Ciências e Matemática (IF-Goiás); Pós-Graduação da Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo (USP); Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual
de Maringá (UEM); Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM); Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Extremo Sul Catarinense
(UNESC); Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul);
Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciência e Matemática da Universidade Federal de Uberlândia
(UFU); Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp);
Programa de Pós-Graduação em Docência para Educação Básica da Universidade Estadual Paulista de
Mesquita Filho (UNESP).
5
O projeto da presente pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Goiás
(UFG), no dia 22 de agosto de 2018. Na primeira quinzena do mês de outubro de 2018, providenciamos a
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) do representante legal de cada aluno e
dos professores participantes do experimento didático-formativo, e também do documento Termo de
Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) dos alunos que participaram da pesquisa empírica.
35

procedimentos didáticos que favorecessem a aprendizagem e o desenvolvimento dos


estudantes, foi utilizado o procedimento metodológico denominado de experimento
didático-formativo.
Davídov (1988) elaborou e chamou de experimento formativo o método de
pesquisa que investiga a organização do ensino escolar e sua influência no
desenvolvimento mental dos alunos, cuja essência se expressa: no estudo dos processos
de transição para novas formas psicológicas em situação escolar; no estudo das condições
de surgimento de um ou outro fenômeno psíquico e na criação experimental das condições
necessárias para que surjam (DAVÍDOV; MÁRKOVA, 1987b).
Freitas (2010) salienta que o termo experimento utilizado nas investigações da
teoria histórico-cultural, da teoria da atividade e da teoria do ensino desenvolvimental não
se refere à orientação positivista para os valores quantitativos prevalecerem. Esse termo
visa a criar condições para se ensinar algo e observar as mudanças qualitativas que surgem
no processo.
Nesse sentido, o experimento didático-formativo é um método de investigação
sobre o ensino escolar utilizado que tem o mesmo sentido de uma intervenção pedagógica,
por meio de uma metodologia de ensino que almeja interferir e provocar mudanças nas
ações mentais dos sujeitos da pesquisa.
Assim sendo, o plano de ensino foi organizado, buscando realizar primeiramente
a análise do conteúdo, para posteriormente elaborar as tarefas de estudo. Ressalta-se que,
para o desenvolvimento deste plano, foram utilizadas 10 aulas, no período do dia 23 de
outubro de 2018 ao dia 5 de novembro do mesmo ano.
A pesquisa foi feita em uma escola pública da cidade de Iporá, interior do estado
de Goiás. A escolha desta escola está vinculada, primeiramente, ao fato de ser uma escola
muito receptiva e aberta à realização de pesquisas. Em segundo lugar, devido a uma
condição operacional essencial, que é o fato de estar localizada no município em que
reside a pesquisadora.
Nessa escola, trabalhou-se uma turma de 6º ano do Ensino Fundamental, visto
que a pesquisa buscou como objeto de estudo a organização do ensino da Matemática
nesse período, marcado pela transição dos primeiros aos últimos anos do Ensino
Fundamental. Estes são considerados o fim da pré-adolescência e o início da
adolescência. Assim, pela escolha da escola e da turma a ser pesquisada, ficaram também
definidos os sujeitos da pesquisa: 27 alunos.
36

Ressalta-se que o desenvolvimento do plano de ensino foi conduzido pela


pesquisadora, tendo a importante colaboração da professora da turma na organização dos
alunos e na realização das filmagens.
Assim, no primeiro capítulo, apresentaram-se os fundamentos psicológicos,
pedagógicos e didáticos que fundamentam teórica e metodologicamente essa pesquisa.
Para isso, houve uma síntese das principais proposições da teoria do ensino
desenvolvimental, entendendo esta teoria como desdobramento e aplicação pedagógica
da teoria histórico-cultural. Por conseguinte, o conceito de atividade na teoria histórico-
cultural foi analisado, pois a passagem de um estágio para outro no processo geral de
desenvolvimento humano é reconhecida justamente como a mudança do tipo de atividade
principal e, portanto, da relação principal da criança com a realidade. Logo, buscou-se
compreender o momento de desenvolvimento em que os alunos que participaram desse
experimento didático se encontram, a adolescência, fazendo as relações entre a
periodização do desenvolvimento psíquico e a educação escolar. Assim, procurou-se
esclarecer como se dá a aprendizagem escolar e a formação do pensamento teórico na
atividade de estudo, elucidando também como a atividade de estudo na adolescência se
diferencia dos períodos anteriores.
No segundo capítulo, apresentou-se e analisou-se uma forma de organização do
ensino de Matemática fundamentada na teoria histórico-cultural e na teoria do ensino
desenvolvimental, objetivando a formação do conceito de raiz quadrada exata e o
desenvolvimento do pensamento teórico de alunos do 6º ano do Ensino Fundamental.
Para isso, elucidou-se que o experimento didático-formativo como metodologia de
pesquisa e como forma de organização do ensino se expressa na possibilidade de provocar
e estudar processos de transição e de desenvolvimento de novas formações psíquicas, por
meio do trabalho mental com conceitos científicos. Em seguida, descreveu-se o processo
de organização do experimento didático-formativo, desde a análise do conteúdo/conceito
a ser assimilado pelos alunos até a elaboração das tarefas de estudo que compõe o plano
de ensino desenvolvimental. Apresentou-se, também, uma caracterização da escola
campo em que o experimento didático-formativo foi desenvolvido, bem como dos alunos
que dele participaram.
No último capítulo, discorreu-se sobre o experimento didático-formativo, a
partir dos aportes teóricos da organização da atividade de estudo na teoria do ensino
desenvolvimental. Privilegiou-se uma discussão sobre as ações mentais de reflexão,
37

análise e plano interior das ações, sistematizadas como unidades conceituais de análise
dos resultados do experimento. Essas ações mentais, tomadas para evidenciar e analisar
a assimilação e aprendizagem do conceito de raiz quadrada exata e o desenvolvimento do
pensamento teórico, são reveladas por meio da apresentação e análise de oito episódios
de ensino retirados do experimento didático-formativo considerados mais importantes e
elucidativos. Estes permitiram apreender melhor os indícios de desenvolvimento e, em
alguns momentos, os saltos qualitativos da atividade mental dos alunos em direção à
formação do conceito em questão.
Nas considerações finais, os principais resultados da pesquisa foram mostrados,
ressaltando-se as contribuições da teoria do ensino desenvolvimental para o ensino da
Matemática no 6º ano do Ensino Fundamental. Serenamente, reconheceram-se as
limitações desse estudo, evidenciando-se, assim, a necessidade de mais pesquisas que
busquem uma organização de ensino articulada a princípios teóricos que promovam a
aprendizagem e o desenvolvimento integral dos alunos.
38

1 EDUCAÇÃO ESCOLAR E DESENVOLVIMENTO NA PERSPECTIVA DA


TEORIA DO ENSINO DESENVOLVIMENTAL

Neste capítulo, apresentaram-se os fundamentos psicológicos, pedagógicos e


didáticos que alicerçam teórica e metodologicamente esta pesquisa. Um dos objetivos
desta pesquisa é pensar sobre a organização do ensino de Matemática a partir de uma
educação que impulsiona o desenvolvimento humano. Destarte, trouxe-se aqui uma
síntese das principais proposições da teoria do ensino desenvolvimental para a
organização do ensino, buscando articular este referencial à investigação do ensino e da
aprendizagem do conceito de raiz quadrada.
No primeiro tópico do capítulo, o conceito de atividade na teoria histórico-
cultural foi analisado, pois a passagem de um estágio para outro no processo geral do
desenvolvimento humano é reconhecida justamente como a mudança do tipo de atividade
principal e, portanto, da relação principal da criança com a realidade. Essa dinâmica é
compreendida, na teoria da atividade, como o “motor” do processo de desenvolvimento
psíquico.
No segundo tópico, discorreu-se sobre o momento de desenvolvimento em que
os alunos que participaram de nosso experimento didático se encontram, a adolescência,
fazendo as relações entre a periodização do desenvolvimento psíquico e a educação
escolar. Entende-se que é imprescindível que a organização do ensino escolar e o
planejamento das tarefas de estudo estejam relacionados com o período do
desenvolvimento em que o estudante se encontra.
No último tópico, expôs-se a teoria do ensino desenvolvimental, entendendo
como desdobramento e aplicação pedagógica da teoria histórico-cultural, procurando
esclarecer como ocorrem a aprendizagem escolar e a formação do pensamento teórico na
atividade de estudo, esclarecendo também como a atividade de estudo na adolescência se
diferencia dos períodos anteriores.

1.1 TEORIA DA ATIVIDADE E DESENVOLVIMENTO HUMANO

A partir do conceito inserido por Marx (2010) de práxis humana como atividade
produtora consciente e histórica, Vigotski (2009) reconheceu que a práxis é a forma como
39

se dá o processo de desenvolvimento humano, ou seja, o ser humano transforma a


realidade e a si mesmo pela realização de atividades dirigidas a um fim. Neste sentido, a
atividade humana é um processo em que a realidade é transformada pela ação criativa do
homem, sendo o trabalho a forma original e a essência de qualquer atividade. Assim, toda
relação do homem com o mundo é mediada pela atividade, e é na e pela atividade que o
psiquismo se desenvolve.
Davídov (1988) pondera que a atividade é a abstração teórica de toda a prática
humana de caráter histórico-social. Deste modo, a forma inicial de atividade humana é a
atividade laboral, coletiva e transformadora das pessoas. Segundo Davídov (1988, p. 27,
tradução nossa), “A atividade é a substância da consciência humana”, é o processo de
constituição da consciência e da personalidade do homem.
Nesse ínterim, a consciência humana é formada pela internalização das relações
sociais, ou, em outras palavras, a origem da consciência humana é a internalização
subjetiva da sociedade objetivada por meio da atividade. “O conceito de atividade não
pode ser examinado separadamente do conceito de consciência, que surge na atividade e
logo a mediatiza” (DAVÍDOV, 1988, p. 33, tradução nossa). Logo, não existe formação
da consciência fora da atividade. De acordo com Pasqualini (2016),

[...] a atividade é mediação na relação dialética indivíduo-sociedade,


relação esta que se desenvolve e se complexifica justamente à medida
que a própria atividade mediadora se desenvolve e se complexifica (ou
seja, a mediação transforma os dois polos da unidade e é transformada
conforme a própria relação se desenvolve) (PASQUALINI, 2016, p.
68).

Na psicologia histórico-cultural, a atividade é uma forma de relação sociocultural


viva e dinâmica, em que o indivíduo se desenvolve e intervém no meio que o rodeia. Nas
palavras de Vigotski (1996, p. 18), “A atividade humana não é simplesmente uma soma
mecânica de hábitos desorganizados, senão que se regula e estrutura por tendências
integrais, dinâmicas-aspirações e interesses” (tradução nossa).
De acordo com Leontiev (2012), uma das características mais importantes da
atividade humana é a existência de uma estrutura comum de experiências coletivas
armazenadas e expressas por meio da linguagem. Isso porque a linguagem é a consciência
prática e real existente entre todas as pessoas, e seus significados são elaborados e
revelados pelo conjunto da prática social.
40

A linguagem é um dos signos de influência de um homem sobre o outro, ou


seja, a presença do outro, sua fala, pode interferir no comportamento. Lazaretti (2011)
afirma que Elkonin chama essa relação de atividade conjunta. A criança incorpora a ação
realizada pelo adulto em sua própria ação e, assim, “[...] a atividade conjunta é mediada
pelo uso de ferramentas e da linguagem, como meios de ação sobre a realidade” (p. 78).
Essa atividade conjunta promove e influencia diretamente o desenvolvimento
das funções psíquicas superiores, aparecendo em dois planos: primeiramente no plano
social, e depois, no plano psicológico. Em princípio, como atividade interpsíquica e
depois como atividade intrapsíquica, conforme a lei genética geral do surgimento e
desenvolvimento das funções psíquicas superiores de Vigotski (2001). O movimento
entre esses dois planos é denominado por Leontiev (1978a) de processo de internalização.
Nos seres humanos, os significados refletem a relação dos estímulos, objetos ou
situações em comum e as necessidades coletivas. Leontiev (1978a) entende, assim, que a
atividade humana é constituída dos seguintes elementos: objeto, necessidade, motivo,
finalidade, ações, operações e condições.
Segundo Leontiev (2012), atividade não são todos os processos realizados pelos
sujeitos, e sim os processos que satisfazem uma necessidade específica, sendo que o traço
principal e primeiro de toda necessidade é que esta tem um objetivo. O segundo traço
fundamental consiste no fato de que toda necessidade adquire um conteúdo concreto
segundo as condições e a maneira como se satisfaz. O terceiro traço é que uma mesma
necessidade pode se repetir, e o quarto traço representa o fato de que essas condições se
desenvolvem à medida que se amplia o círculo de objetos e de meios para satisfazê-las.
Em outros termos, a atividade humana é continuamente movida por uma intencionalidade
e procura atender a uma necessidade. Assim sendo, a primeira condição de toda a
atividade é uma necessidade.

Todavia, em si, a necessidade não pode determinar a orientação


concreta de uma atividade, pois é apenas no objeto da atividade que ela
encontra a sua determinação: deve, por assim dizer, encontrar-se nele.
Uma vez que a necessidade encontra a sua determinação no objeto (se
objetiva nele), o dito objeto torna-se motivo da atividade, aquilo que o
estimula (LEONTIEV, 1978a, p. 107-108).

Nesse sentido, o que impulsiona o homem a agir e dirigir a ação para a satisfação
de uma determinada necessidade é o motivo (LEONTIEV, 2017). A consciência dos
41

motivos que responde às necessidades não é por si só a relação que existe entre a
consciência dos motivos e a evolução das necessidades.

O conhecimento como fim consciente de uma ação, pode ser estimulado


por um motivo que responde à necessidade natural de qualquer coisa.
Mas a transformação deste fim em motivo é também a criação de uma
necessidade nova, neste caso de uma necessidade de conhecimento
(LEONTIEV, 2017, p. 108).

O termo motivo não é utilizado por Leontiev (1978a) para designar o sentimento
de uma necessidade, mas aquilo em que a necessidade se concretiza de objetivo nas
condições consideradas e para as quais a atividade se orienta. Neste contexto, para
encontrar o sentido pessoal, deve-se descobrir o motivo correspondente. “O fundamental
é que atrás do motivo está sempre a necessidade, e aquele corresponde sempre a uma ou
outra necessidade” (LEONTIEV, 1978b, p. 82, tradução nossa).
Leontiev (2012) coloca um bom exemplo para melhor se compreender as
relações entre necessidades, motivos e objetivos. O professor passa a leitura de um livro
literário para a turma. Um colega fala para o estudante que o livro que ele está lendo não
será cobrado na avaliação. Sabendo disso, o estudante pode tomar duas atitudes: continuar
ou desistir da leitura do livro. Se o estudante optar por continuar a leitura do livro, aquilo
que dirigiu o processo de leitura estimulou por si mesmo o processo, isto é, o conteúdo
do livro foi o motivo, devido à necessidade de conhecer aquilo de que se tratava o livro.
No entanto, se o estudante desistisse da leitura do livro, o motivo que o levou a
ler não era o conteúdo do livro, mas apenas a necessidade de obter uma boa nota na
avaliação. “Aquilo para o qual sua leitura se dirigia não coincidia com aquilo que o
induzia a ler” (LEONTIEV, 2012, p. 68). Neste caso, a leitura não era propriamente uma
atividade, mas a preparação para a avaliação.
Para a realização da atividade, na maioria das vezes, é necessária a mobilização
de processos internos e externos, os quais são chamados de ações. Uma ação “[...] é um
processo cujo motivo não coincide com seu objetivo (isto é, com aquilo para o qual ele
se dirige), mas reside na atividade da qual ele faz parte” (LEONTIEV, 2012, p. 69).
Voltando ao exemplo anterior, quando a leitura é mantida somente enquanto o estudante
acredita que será cobrada na avaliação, a leitura é uma ação, e o motivo é a necessidade
de se obter uma boa nota na avaliação. Isso porque o objetivo de uma ação não estimula
42

o agir, pois, para que a ação apareça e seja realizada, é preciso que seu objetivo surja e
esteja relacionado ao motivo da atividade.
Leontiev (1961) esclarece que a necessidade depende das condições externas,
visto que estão submetidas à dinâmica e às contradições da vida social. “As necessidades
caracterizam-se pelo seu conteúdo objetivo, e este se determina pelas condições do meio
exterior. Daí resulta que toda necessidade é uma das formas particulares de refletir-se a
realidade” (LEONTIEV, 2017, p. 42). Nesse movimento, as necessidades são
transformadas em motivos da atividade, que são internos e possibilitam a concretização
do objetivo.
Em relação ao conceito de ação, Leontiev (1978b) afirma que:

Os componentes principais de algumas atividades dos homens são as


ações que estes realizam. Denominamos ação o processo subordinado
à representação que se tem do resultado que se deve alcançar, ou seja,
o processo subordinado a um fim consciente. Do mesmo modo que o
conceito de motivo se correlaciona com o conceito de atividade, o
conceito de fim se correlaciona com o conceito de ação (LEONTIEV,
1978b, p. 82, tradução nossa).

Dessa forma, “[...] há uma relação particular entre atividade e ação. O motivo da
atividade, sendo substituída, pode passar para o objeto (o alvo) da ação, com o resultado
de que a ação é transformada em uma atividade” (LEONTIEV, 2012, p. 69). Em outras
palavras, o motivo passa a ser o próprio objeto. Para o autor, esse é um ponto fulcral, pois
esse processo é a base psicológica sobre a qual ocorrem mudanças na atividade principal
e, consequentemente, as transições de um período para o outro do desenvolvimento.
Outro componente da estrutura da atividade é a operação, nas palavras de
Leontiev (1978b, p. 85, tradução nossa): “Denomino operações os meios com os quais se
executa a ação”. Ainda segundo o autor: “A operação é o conteúdo indispensável de toda
a ação, mas não se identifica com a ação. Uma só e mesma ação pode se realizar por meio
de operações diferentes, e inversamente, ações diferentes podem ser realizadas pelas
mesmas operações” (LEONTIEV, 1978a, p. 303-304). A explicação para isso se dá pelo
fato de que as ações estão correlacionadas com os fins, enquanto as operações estão com
as condições de realização da ação.
Nessa perspectiva, Leontiev (1878b) apresenta a estrutura da atividade psíquica
humana e seus componentes numa inter-relação criativa e dinâmica entre necessidades,
43

motivos, objetivos, ações e operações. Com base nessa estrutura da atividade, Davídov
(2019b) faz uma nova interpretação, considerando que os afetos também interferem nos
motivos e introduzem o desejo. Explica, então, que as emoções funcionam mediante os
desejos e as necessidades, fazendo, assim, surgir e desenvolver motivos e interesses em
relação ao conteúdo da atividade.

Acredito que o desejo deve ser considerado como um elemento da


estrutura da atividade. [...] Necessidades e desejos compõem a base
sobre a qual as emoções funcionam. [...] O termo desejo reproduz a
verdadeira essência da questão: as emoções são inseparáveis de uma
necessidade. Em seus trabalhos, Leontiev afirma que as ações são
conectadas às necessidades e motivos. Discordo desta tese. Ações,
como formações integrais, podem ser conectadas somente com
necessidades baseadas em desejos – e as ações ajudam na realização de
certas tarefas a partir dos motivos. [...] Os elementos são os seguintes:
desejos, necessidades, emoções, tarefas, ações, motivos para as ações,
meios usados para as ações, planos (perceptual, mnemônico,
pensamento, criativo) – todos se referindo à cognição e, também, à
vontade (DAVYDOV, 1999b, p. 41, tradução nossa).

Para Davídov (2019b), as ações voltadas para a resolução de uma tarefa surgem
a partir dos motivos existentes, sendo que a cada ação corresponde um dado motivo.
Ressalta ainda, que a emoção e o desejo têm o papel de verificar os meios necessários
para a resolução dessa tarefa. Assim, o desejo e a emoção são também fundamentos da
atividade.
Quanto às relações entre ações e operações, para um melhor esclarecimento,
pode-se retomar o desenvolvimento da linguagem escrita: quando a criança aprende a
dominar com desenvoltura a escrita, observa-se a dinâmica entre ações e operações. No
início da apropriação da linguagem escrita, a atividade da criança é uma soma de ações
não automatizadas. Com o domínio cada vez mais progressivo e autônomo da escrita, as
ações, ao serem automatizadas, transformam-se em operações. As operações são mais
próximas dos hábitos e podem ser realizadas de forma quase automática, sem que durante
todo o tempo a atenção e a consciência do indivíduo sejam mobilizadas. Desta maneira,
as operações vão “abrindo caminhos” para o desenvolvimento de estruturas de
pensamento mais complexas, possibilitando o surgimento de novas ações e,
consequentemente, de novas atividades.
É preciso considerar que há uma dinâmica na estrutura da atividade em que
operações se convertem em ações e vice-versa. Tuleski e Eidt (2016) exemplificam essa
44

situação na dinâmica entre a criança e a colher no momento da alimentação. Esse objeto


era utilizado antes pela criança como uma ferramenta, um brinquedo, assim como
qualquer outro objeto para atirar, bater na mesa etc. Gradativamente, a colher passa a ser
utilizada pela criança como um utensílio para a alimentação, preocupando-se agora com
os movimentos e o objetivo de seu uso. Neste contexto, algo que era realizado de modo
mecânico ganha outra configuração, tornando-se ação. Com o tempo, essa ação tornar-
se-á uma operação na totalidade da atividade de alimentar-se.

A atividade pode perder o motivo que a suscitou, e então se converte


em uma ação que pode concretizar uma relação totalmente diferente
com o mundo, outra atividade; a ação, pelo contrário, pode adquirir uma
força propulsora própria e chegar a ser uma atividade particular; por
último a ação pode transformar-se em meio para alcançar um fim, em
uma operação capaz de efetuar diversas ações (LEONTIEV, 1978b, p.
87, tradução nossa).

Considerando o exposto, a Figura 1 abaixo sintetiza a estrutura da atividade


humana desenvolvida por Leontiev (1978b):

Figura 1 - Estrutura da atividade psíquica humana segundo Leontiev.

objeto tarefa

Necessidade Motivo Objetivos Condições

Atividade Ações Operações

Fonte: elaborado pela autora com base em Leontiev (1978b).

Davídov (1988) explica que uma atividade pode perder seu motivo e
transformar-se em ação que, modificando o seu objetivo, pode se converter em operação.
Assim, o motivo de certa atividade pode passar a ser o objetivo da ação, como resultado
do qual essa última se converte em outra atividade. Com essas transformações dos
componentes da atividade, o autor em questão apresenta o seguinte esquema: atividade
↔ ação ↔ operação e motivo ↔ objetivo ↔ condições.
Davídov (1988) destaca que a consciência possui três funções. A primeira é que,
no indivíduo, a consciência representa idealmente as posições das pessoas que estão
45

envolvidas com ele em determinadas relações sociais. A segunda é que a consciência


permite ao homem ser o representante destas relações. E a terceira é que o indivíduo
organiza sua própria atividade graças à consciência. Considerando-se que o homem,
devido à consciência, organiza a estruturação de sua própria atividade, Davídov (1988)
explica o esquema acima.

O homem, como ser social, tem muitas carências materiais e espirituais.


A busca e o processo de prova dos meios para satisfazê-las leva o
indivíduo à estruturação de imagens dos objetos destas carências, ou
seja, ao surgimento das necessidades em relação aos correspondentes
objetos da cultura material e espiritual que impulsionam o sujeito à
atividade. A necessidade está dirigida inicialmente a um círculo amplo
e ainda não definido. de objetos. A busca e a prova dos objetos
concretos, que correspondem a necessidade, levam ao surgimento dos
motivos da atividade. Nas condições da vida social o indivíduo não
pode obter diretamente o objeto requerido pelo motivo: é necessário
produzi-lo. Este objeto se converte em finalidade da ação. Na busca e
na prova da finalidade o indivíduo define a tarefa, durante cujo
cumprimento pode produzir o objeto requerido. Para resolver a tarefa o
indivíduo deve encontrar e provar a correspondente ação que logo deve
ser produzida realmente, controlando sua realização por meio da
vontade expressa na atenção (DAVÍDOV, 1988, p. 44, tradução
nossa).

Davídov (1988) acrescenta que, ao idealizar sua atividade, o homem modifica


os projetos de suas ações e controla suas intenções e sentimentos. “A consciência é a
reprodução pelo indivíduo da imagem ideal de sua atividade tendente a uma finalidade e
a representação ideal nela das posições das outras pessoas” (p. 45, tradução nossa). Desta
forma, os conceitos de atividade, ideal e consciência estão inter-relacionados, formando
uma unidade indissolúvel.

A atividade é sempre dirigida por alguma necessidade, logo, são as


necessidades do indivíduo – a criança – que constituem a condição para
a atividade. Na medida em que se complexifica a atividade, vão se
produzindo novas necessidades e novos motivos. Os motivos incitam a
criança a agir, por algum fim – objetivo. As operações são os meios
para se executar determinada ação. Podemos, assim, sintetizar que a
categoria atividade envolve as relações entre as necessidades, motivos,
objetivos, ações e operações do indivíduo (LAZARETTI, 2011, p. 116).
46

A vida no geral, ou a atividade6 como um todo, não é construída de forma


mecânica a partir de tipos separados de atividades. Existem alguns tipos de atividades que
são compreendidas pela teoria histórico-cultural como atividades principais ou atividades
guias, em certos períodos do desenvolvimento humano. Para Leontiev (2012), há uma
dependência do desenvolvimento psíquico em relação à atividade principal, e não à
atividade em geral.
Cada período do desenvolvimento psíquico é caracterizado por uma relação
entre a criança e a realidade dominante naquele período e por um tipo preciso e principal
de atividade. E é justamente nessa transição de um período para o outro que ocorre a
mudança da atividade principal.
A mudança de uma atividade principal a outra está relacionada às mudanças nos
motivos e nas ações da atividade. Para explicar melhor esse processo, Leontiev (2012)
coloca primeiramente a questão geral da gênese dos novos motivos, e só depois a
transição para uma nova atividade principal. Assim, o autor explica que existem dois tipos
de motivos: os motivos apenas compreensíveis e os motivos realmente eficazes.
Os motivos apenas compreensíveis atuam durante pouco tempo e em
circunstâncias diretas, enquanto os motivos realmente eficazes são mais constantes e
atuam durante mais tempo. “Só motivos compreensíveis tornam-se motivos eficazes em
certas condições, e é assim que os novos motivos surgem e, por conseguinte, novos tipos
de atividade” (LEONTIEV, 2012, p. 70).
Para entender essa questão, o autor acima utiliza o exemplo de um aluno do 1º
ano que não conseguia fazer as suas lições. Ele se distraía facilmente e adiava sempre a
realização das lições. O estudante entendia que fazer as lições era necessário para a
apropriação do conteúdo escolar, porém, ter essa compreensão não era suficiente para ele
conseguir fazê-las. Isso acontece até que o professor imponha a condição de ele sair para
brincar apenas depois que fizer as lições.
É indiscutível que a criança queira fazer seus deveres para obter uma boa nota,
mas esses motivos psicologicamente não foram eficazes. Todavia, o outro motivo, a

6
“O termo alemão tätigkeit é equivalente às palavras deyatelnost (russo); human activity (inglês) e
“atividade humana” (português-Brasil). Contudo, conforme Schurig (1988) assinala, a tradução do termo
tätigkeit simplesmente como atividade ou, em inglês, activity, gera uma perda de significado, isto é, uma
mera simplificação, uma redução teórica. Segundo o autor, a palavra tätigkeit: refere-se principalmente ao
comportamento humano; é uma ação direcionada pelos objetivos e orientada quase totalmente pelas
finalidades práticas; é definida em torno do processo de objetivação da consciência; contém dentro de si
níveis como a relação entre o subjetivo e o objetivo ou entre o material e o ideal” (CEDRO, 2008, p. 22).
47

permissão para sair e brincar, foi eficaz. Assim, o estudante começou a fazer a lição em
virtude de um motivo apenas compreensível. Com o tempo, o estudante observa que, ao
fazer as tarefas, seu desempenho melhora. A mudança em sua conduta, ao fazer as tarefas
movido pela vontade, é sair melhor nas provas. “O motivo realmente eficaz que induz a
criança, agora, a fazer sua lição de casa é um motivo que, anteriormente, era apenas
compreensível para ela” (LEONTIEV, 2012, p. 70).
Desse modo, no exemplo citado acima, há uma ação (fazer a lição) que adquiriu
um novo motivo e, assim, se transformou em atividade. Essa transformação de motivo
ocorre devido a uma nova objetivação das necessidades da criança e ao fato de serem
compreendidas em um nível mais alto. Neste ínterim, a partir do caráter dinâmico da
atividade, entende-se que, em cada momento do desenvolvimento, o estudante se
relaciona com o mundo e com as exigências deste sobre si mesmo de um modo particular.
Para Leontiev (2012), a atividade principal possui três atributos:

Ela é a atividade em cuja forma surgem outros tipos de atividade e


dentro da qual eles são diferenciados. [...] A atividade principal é aquela
na qual processos psíquicos particulares tomam forma ou são
reorganizados. [...] A atividade principal é a atividade da qual
dependem, de forma íntima, as principais mudanças psicológicas na
personalidade infantil, observadas em um certo período de
desenvolvimento (LEONTIEV, 2012, p. 64).

Davídov (1988) chama de atividade principal ou situação social de


desenvolvimento o novo tipo de atividade que sustenta o desenvolvimento mental integral
da criança em uma idade específica. Afirma o autor que o conceito de atividade de
Leontiev parte do conceito desenvolvido por Vigotski (1996) de situação social de
desenvolvimento da criança em uma dada idade.

Denominamos essa relação como ‘situação social de desenvolvimento’


em certa idade. A situação social de desenvolvimento é o ponto de
partida para todas as mudanças dinâmicas que se produzem no
desenvolvimento durante o período de cada idade (VIGOTSKI, 1996,
p. 254, grifos do autor, tradução nossa).

Assim, a situação social determina e regula o modo de vida da criança, e é


concretizada e internalizada por meio da atividade humana. Desta forma, a atividade
principal ou dominante é aquela cujo desenvolvimento condiciona as principais mudanças
48

nos processos psíquicos da criança e as particularidades psicológicas da sua personalidade


num dado estágio do seu desenvolvimento (LEONTIEV, 1978a).

1.2 PERIODIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO

A periodização do desenvolvimento psíquico é um problema que foi objeto dos


estudos da psicologia histórico-cultural desde que, segundo Elkonin (1987), Pavel
Blonski e Lev Vigotski deram bastante atenção a essa questão em suas pesquisas sobre o
desenvolvimento infantil, no final da década de 1920 e início da década de 1930. Nesta
pesquisa, com base nos fundamentamos de Vigotski (1995, 1996), Leontiev (1978a,
1978b), Bozhóvich (1987), Elkonin (1987, 2017) e Davídov (1988), apresentaram-se
reflexões e análises fundamentais para a compreensão do movimento de transformação
da atividade da criança e como se dá o processo de desenvolvimento, ajudando a
compreender melhor a importância da educação escolar neste processo.
Um conceito fundamental para a compreensão do desenvolvimento psíquico e
as etapas ou períodos desse desenvolvimento está no conceito de atividade, que se espera
ter sido esclarecido no tópico anterior. Os autores partiram, em suas pesquisas, da análise
do desenvolvimento da atividade da criança e como esta se organiza nas condições
concretas de sua vida. Assim, “[...] cada estágio de desenvolvimento psíquico é
caracterizado por um certo tipo de relações da criança com a realidade, dominantes numa
dada etapa e determinadas pelo tipo de atividade que é então dominante para ela”
(LEONTIEV, 1978a, p. 292).
A passagem de um período para outro é reconhecida justamente na mudança do
tipo de atividade principal e, portanto, da relação principal da criança com a realidade.
Pasqualini (2016) afirma que a mudança no conteúdo da atividade humana que se produz
ao longo do processo histórico engendra, portanto, mudanças no psiquismo dos
indivíduos e no próprio curso de seu desenvolvimento, atingindo diretamente a
periodização.
Para Leontiev (2012), os limites etários e o conteúdo de cada período são
originados pelas condições históricas nas quais se dá o desenvolvimento da criança.
Assim, nem o conteúdo dos períodos nem sua sequência no tempo são imutáveis e dados
de uma vez por todas. “As condições históricas concretas exercem influência tanto sobre
o conteúdo concreto de um estágio individual do desenvolvimento, como sobre o curso
49

total do processo de desenvolvimento psíquico como um todo” (LEONTIEV, 2012, p.


65).
Ainda segundo o autor, “Não é a idade da criança que determina, enquanto tal,
o conteúdo do estágio de desenvolvimento, mas, pelo contrário, a idade da passagem de
um estágio a outro que depende do seu conteúdo e que muda com as condições sócio-
históricas” (LEONTIEV, 1978a, p. 294). São essas condições que determinam qual a
atividade que se torna dominante num dado estágio do desenvolvimento da criança.
Elkonin (1987) aprofunda o enfoque sócio-histórico como caminho para se
compreender os períodos do desenvolvimento que, para este autor, estão subordinados às
condições históricas e sociais da vida do indivíduo, reafirmando que cada período do
desenvolvimento influencia diretamente o desenvolvimento psíquico, marcado sempre
por novas formações. Para Lazaretti (2011), as pesquisas de Elkonin conseguiram
explicitar de forma mais elaborada e desenvolvida as forças motrizes do desenvolvimento
psíquico e a sua divisão em períodos.
Um primeiro fundamento histórico-cultural para a compreensão da periodização
do desenvolvimento é a compreensão da inexistência de fases naturais universais,
evidenciando-se a necessidade de problematizar e analisar as relações e contradições entre
o desenvolvimento natural e o desenvolvimento cultural do ser humano. A concepção de
que o desenvolvimento psíquico das crianças ocorre de forma natural e espontânea,
acompanhando seu desenvolvimento biológico, é desconstruída pelos fundamentos da
teoria histórico-cultural: a lei genética geral do desenvolvimento das funções psíquicas
superiores afirma que as capacidades psíquicas humanas estão objetivadas na cultura em
conteúdo e forma. Nesta perspectiva, ao se apropriar da cultura, o homem também se
apropria e reproduz em si mesmo as capacidades sociais e psicológicas inseridas nela.
Para Vigotski (1996), a abordagem do problema da periodização do
desenvolvimento infantil proposta pelos cientistas podia ser dividida em três grupos. O
primeiro divide a infância em períodos isolados, como a periodização do
desenvolvimento infantil baseada no princípio da evolução biológica da criança.
O segundo grupo propunha a eleição de algum indício no desenvolvimento
infantil como critério convencional para sua periodização, como por exemplo, a partir da
dentição ou do desenvolvimento sexual, para diferenciar um estágio do outro. Esse grupo,
de acordo com Vigotski (1996), propõe como critério para a periodização da idade algo
bastante objetivo, geralmente ligado a algum fator biológico, e o analisa subjetivamente.
50

Os pesquisadores deste grupo, ainda segundo o autor, quase sempre se esqueciam que, no
curso do desenvolvimento, se modificam o significado, o valor e a importância do indício
escolhido. Acabavam, desta forma, chegando aos mesmos limites do primeiro grupo,
investigando-se características externas do desenvolvimento infantil, e não a essência do
processo.
O terceiro grupo firmava-se na tendência de passar do princípio puramente
sintomático e descritivo para o colapso das peculiaridades essenciais do desenvolvimento
das próprias crianças. O obstáculo desse caminho é de ordem metodológica, pois a sua
concepção de desenvolvimento infantil é antidialética e dualista.
Diante da insuficiência e dos limites das teorias psicológicas para a explicação
da periodização do desenvolvimento humano, Vigostski (1996) questiona os princípios
sobre os quais se deveriam estruturar a verdadeira periodização.

Sabemos já onde buscar seu verdadeiro fundamento: há que buscá-lo


nas mudanças internas do próprio desenvolvimento; tão só as viragens
e giros de seu curso podem proporcionar-nos uma base sólida para
determinar os principais períodos de formação da personalidade da
criança que chamamos idades (VIGOTSKI, 1996, p. 254, tradução
nossa).

O autor reduz todas as teorias do desenvolvimento infantil a duas concepções: o


desenvolvimento é apenas a realização, as mudanças e combinações das capacidades
inatas, e o desenvolvimento é um processo contínuo e em movimento, o qual se distingue
pelas permanentes novas formações não existentes nos períodos anteriores. Esse segundo
ponto de vista tem uma compreensão dialética do processo, considerando o material e
psicológico como uma unidade, e explicita o que seriam as novas formações psíquicas:

[...] o novo tipo de estrutura da personalidade e sua atividade, as


mudanças psíquicas e sociais que se produzem por pela primeira vez
em cada idade e determinam, em seu aspecto mais importante e
fundamental, a consciência da criança, sua relação com o meio, sua vida
interna e externa, todo o curso de seu desenvolvimento no período dado
(VIGOTSKI, 1996, p. 254-255, tradução nossa).

Nesse ínterim, a complexificação da atividade da criança, a cada novo período


do desenvolvimento, engendra novas formações psíquicas que podem determinar o
desenvolvimento psicológico essencial de cada idade. Na periodização do
desenvolvimento, a identificação da atividade principal e das neoformações psíquicas
51

possibilitará estabelecer os critérios para distinguir os períodos do desenvolvimento


infantil.
Vigotski (1996) acrescenta que, em cada etapa de idade, há uma nova formação
central como guia para todo o processo de desenvolvimento que reorganiza toda a
personalidade da criança sobre uma nova base. Assim, o desenvolvimento em cada
período perpassa pelas linhas centrais do desenvolvimento, relacionadas com a nova
formação principal, bem como pelas linhas acessórias de desenvolvimento, pertinentes
aos processos secundários.

Chamaremos linhas centrais de desenvolvimento da idade dada aos


processos de desenvolvimento que se relacionam de maneira mais ou
menos imediata com a nova formação principal, e todos os demais
processos parciais, assim como as mudanças que se produzem em certa
idade, receberão o nome de linhas acessórias de desenvolvimento
(VIGOTSKI, 1996, p. 262, grifos do autor, tradução nossa).

Entende-se que os processos que são linhas principais de desenvolvimento em


uma idade se convertem em linhas acessórias de outra idade e vice-versa. Tais linhas de
desenvolvimento modificam seu significado e peso específico na estrutura geral do
desenvolvimento, mudando sua relação com a nova formação central. Em outras palavras,
cada idade possui sua própria estrutura específica e única.
É necessário também considerar a dinâmica de cada período e a dinâmica da
transformação de um período em outro. Elkonin (2017, p. 149) afirma que: “[...] a
definição dos períodos do desenvolvimento psíquico e a revelação das leis da transição
de um período a outro permitem resolver, no final, o problema das forças motrizes do
desenvolvimento psíquico”. Deste modo, a atividade principal vai se esgotando como
força motriz de desenvolvimento de novas capacidades psíquicas, e uma nova atividade
deverá surgir como guia na transição ao novo período.
De acordo com Leontiev (1978a) o desenvolvimento da atividade principal que
caracteriza um dado estado, e o desenvolvimento correlativo de outros tipos de atividade,
determina o aparecimento na consciência da criança de novos fins e a formações de novas
ações correspondentes. Neste contexto, “[...] o desenvolvimento da sua consciência
traduz-se pela mudança de motivação da sua atividade: os antigos motivos perdem a sua
força motora, nascem novos motivos que conduzem a uma reinterpretação das suas
antigas ações” (LEONTIEV, 1978a, p. 313).
52

Outra questão importante é a questão das idades. Vigotski (1995) esclarece que
tanto a idade intelectual como a cultural não são cronológicas. Quando se fala em idade
fisiológica, pressupõe-se que o processo de desenvolvimento está constituído por
determinados níveis, os quais não coincidem com o curso cronológico do tempo. Assim,
a criança, em certa idade, pode não estar em relação tanto com a sua idade fisiológica
como intelectual. Ela pode estar à frente ou atrás do ponto em que se encontra sua idade
cronológica, questão denominada pelo autor como problema da idade cultural.
Analisar o desenvolvimento da criança, para Vigotski (1996), é compreender a
passagem de um momento evolutivo para outro, relacionada à mudança e à estruturação
da personalidade. Em outras palavras, estudar o desenvolvimento infantil significa
estudar a transição de um período do desenvolvimento para outro e as mudanças na
personalidade da criança dentro de cada período. Ainda segundo o autor, as crises e
reviravoltas no curso do desenvolvimento em si podem dar base para definir as principais
épocas de estruturação da personalidade da criança que chamamos de idade.
Enquanto vários investigadores consideram as crises como enfermidades do
desenvolvimento ou desvio da norma, Vigotski (1996) afirma que é indispensável não
negar a existência de crises no desenvolvimento da criança, para melhor compreender seu
desenvolvimento, e como isto se relaciona ao processo de ensino e aprendizagem na
escola.

[...] os períodos estáveis são caracterizados pelas mudanças


microscópicas da personalidade da criança [...]. Essas se acumulam e se
manifestam de forma repentina na formação da nova idade. Já os
períodos de crise produzem mudanças bruscas e fundamentais, por um
breve espaço de tempo, em que a criança transforma-se por inteiro,
modificando os traços básicos de sua personalidade (LAZARETTI,
2011, p. 140).

Para Vigotski (1996, p. 256, tradução nossa) “[…] a primeira peculiaridade de tais
períodos consiste, por uma parte, em que os limites entre o começo e o final da crise e as
idades contíguas são totalmente indefinidas. As crises se originam de forma imperceptível
e é difícil determinar o momento de seu começo e fim”.
A segunda característica, ainda segundo o autor, é que, entre as crianças em
idade escolar que vivenciam o período crítico, o desempenho do estudo declina, e o
interesse nas aulas diminui. Entretanto, nem sempre é assim, pois períodos críticos são
53

diferentes nas crianças, o que explica o fato de muitas não diminuírem o seu rendimento
escolar.
A terceira peculiaridade das idades críticas é a natureza negativa do
desenvolvimento, no sentido em que o desenvolvimento muda seu significado positivo,
criativo, para uma fase rebelde, como no caso da adolescência. Porém, esse conteúdo
negativo do desenvolvimento em períodos críticos, é apenas a face inversa ou velada das
mudanças positivas de personalidade que compõem o sentido principal e básico de toda
a idade crítica. Essas principais particularidades dos períodos críticos e estáveis, de
acordo com Lazaretti (2011), confirmam que o desenvolvimento da criança é um processo
dialético em que a passagem de um estágio ao outro não acontece pela via evolutiva, e
sim revolucionária.

Na realidade, as crises não são absolutamente acompanhantes do


desenvolvimento psíquico. Não são as crises que são inevitáveis, mas o
momento crítico, a ruptura, as mudanças qualitativas no
desenvolvimento. A crise, pelo contrário, é a prova de que um momento
crítico ou uma mudança não se deu em tempo. Não ocorrerão crises se
o desenvolvimento psíquico das crianças não tomar forma
espontaneamente e, sim, se for um processo racionalmente controlado,
uma criança controlada (LEONTIEV, 2012, p. 67).

Bozhóvich (1987) analisa as crises do desenvolvimento infantil entendendo por


crise os períodos de transição de uma etapa a outra no desenvolvimento. “As crises
surgem no limite entre duas idades e assinalam a culminação da etapa precedente do
desenvolvimento e o começo da seguinte” (BOZHÓVICH, 1987, p. 255). A autora
considera as crises como a viragem no desenvolvimento ontogenético da personalidade.
Logo, nos períodos críticos, ocorrem mudanças no comportamento das crianças, sendo
comum se tornarem desobedientes, entrando em constantes conflitos com os adultos.
Surge, então, uma atitude negativa em relação ao que cumpriam anteriormente,
prevalecendo a teimosia e o negativismo.
A autora afirma ainda que essas particularidades das crianças que passam um
período crítico indicam frustrações que surgem em resposta à privação de certas
necessidades essenciais para o sujeito. Assim, num limite entre duas idades, as crianças
reagem quando não estão satisfeitas ou até mesmo reprimem ativamente as novas
necessidades que aparecem no final de cada estágio do desenvolvimento psíquico.
54

Vigotski (1996) esclarece os momentos em que ocorrem crises em cada um dos


períodos de desenvolvimento:

A crise pós-natal separa o período embironário do desenvolvimento do


primeiro ano. A crise do primeiro ano delimita o primeiro ano da
infânciapequena. A crise dos três anos é o passo da pequena infância a
idade pré-escolar. A crise dos sete anos configura o elo de ligação entre
a idade pré-escolar e a escolar. E, finalmente, a crise dos treze anos
coincide comum a mudança no desenvolvimento, quando a criança
passa da idade escolar a puberdade. Temos, portanto, um quadro lógico,
regulado por determinadas leis. Os períodos de crise que se intercalam
entre os estáveis, configuram os pontos críticos, de transformação, no
desenvolvimento, confirmando uma vez mais que o desenvolvimento
da criança é um proceso dialético onde a passagem de um estágio a
outro não se realiza por via evolutiva, senão revolucionária
(VIGOTSKI, 1996, p. 258, tradução nossa).

O problema da dinâmica da idade é uma consequência direta da estrutura da


idade. Vigotski (1996) chama de estrutura as formações globais não compostas por uma
soma de partes isoladas. A estrutura de cada idade anterior se transforma em uma nova
que surge e se forma, à medida que a criança se desenvolve, fato que influencia
poderosamente sobre o desenvolvimento posterior. “Vemos que devido ao
desenvolvimento as novas formações que surgem ao final de uma idade mudam toda a
estrutura da consciência infantil, modificando assim todo o sistema de sua relação com a
realidade externa e consigo mesma” (VIGOTSKI, 1996, p. 265, tradução nossa).
Bozhóvich (1987) reforça que essas novas formações psicológicas são sistemas
integrativos de diferentes níveis de complexidade com a presença de funções psíquicas
menos complexas. Tais sistemas determinam o comportamento e a atividade do homem,
suas inter-relações com as pessoas, sua atitude em relação ao ambiente e a si mesmo.
Elkonin (2017) sintetiza o desenvolvimento psíquico das crianças na perspectiva
da teoria histórico-cultural:

Trata-se em primeiro lugar, do enfoque histórico dos ritmos de


desenvolvimento e da questão sobre o surgimento de certos períodos da
infância no curso do avanço histórico da humanidade. Em segundo
lugar, referimo-nos ao enfoque de cada período evolutivo desde o ponto
de vista do lugar que ocupa no ciclo geral do desenvolvimento psíquico
infantil. Em terceiro lugar, temos em conta a noção sobre o
desenvolvimento psíquico como um processo dialeticamente
contraditório, que não transcorre de maneira evolutiva progressiva, mas
que se caracteriza por interrupções da continuidade, pelo surgimento,
no curso do desenvolvimento, de novas formações. Em quarto lugar,
55

está a diferenciação, como crises obrigatórias e necessárias, de pontos


críticos no desenvolvimento psíquico, que constituem importantes
indicadores objetivos das transcrições de um período a outro. E, por
último, em quinto lugar, está a diferenciação de transições distintas pelo
caráter e, com relação a isso, pela presença de épocas, estágios e fases
no desenvolvimento psíquico (ELKONIN, 2017, p. 153).

Baseando-se nos principais tipos de atividade, Elkonin (1987) dividiu-os em dois


grupos: no primeiro, entram as atividades desenvolvidas no sistema criança/adulto social,
voltadas para a orientação nos sentidos fundamentais da atividade humana e a relação
entre pessoas; o segundo grupo trata das atividades no sistema criança/objeto social, tendo
como gerais e essenciais os elementos da cultura humana, resultado da história
precedente.

Quadro 1 - Periodização do desenvolvimento psíquico segundo Elkonin.


Épocas Período - Primeiro grupo Período - Segundo grupo
Sistema criança/adulto Sistema criança/objeto social
social
Primeira infância Comunicação emocional Atividade manipulatória
direta objetal
Infância Jogo de papéis Atividade de estudo
Adolescência Comunicação íntima pessoal Atividade profissional/de
estudo
Fonte: elaborado pela autora com base em Elkonin (1987).

De acordo com o quadro acima, cada época consiste em dois períodos ligados
entre si. O desenvolvimento humano tem início com o período em que predomina a
assimilação dos objetivos, dos motivos e das normas da atividade humana e o
desenvolvimento da esfera motivacional e das necessidades. Em seguida, prepara-se a
transição para o segundo período, em que ocorre a assimilação predominante dos
procedimentos das ações com os objetivos e a formação das possibilidades técnicas
operacionais.
Para Davídov (1988), a base dessa periodização se encontra na ideia de que cada
faixa etária corresponde a um tipo de atividade principal, na qual surgem e se constituem
56

as neoformações psicológicas, completando as etapas do desenvolvimento explicitadas


por Elkonin (1987).

Quadro 2 - Periodização do desenvolvimento psíquico segundo Davydov.


ATIVIDADE PRINCIPAL FAIXA ETÁRIA
Comunicação emocional direta 0-1 ano
Atividade objetal-manipuladora 1-3 anos
Atividade de jogo 3-6 anos
Atividade de estudo 6-10 anos
Atividade socialmente útil 10-15 anos
Atividade de estudo e profissional 15-18 anos
Fonte: elaborado pela autora com base em Davídov (1988).

Na comunicação emocional direta, o bebê se desenvolve a partir da necessidade


de comunicação com as outras pessoas, baseando seus movimentos nas ações humanas
em relação aos objetos. Surge, assim, a comunicação, que é a primeira necessidade
percebida que aparece em uma pessoa, em que o foco é o outro.
Na etapa da atividade objetal-manipuladora, por meio da imitação, a criança
reproduz os procedimentos de ações com os objetos e coisas elaborados socialmente. A
manipulação de objetos é a base para novas formações psicológicas, associadas ao
surgimento e ao desenvolvimento da linguagem. Ocorre, deste modo, o processo de
construção de seus significados e sentidos das coisas, tendo a neoformação central desta
idade o surgimento da consciência. Agora, a criança observa as ações dos adultos e se
esforça em reproduzi-las, estabelecendo um elo entre consciência, comunicação e
generalização.
Já no processo de realização da atividade de jogo, a criança desenvolve a
imaginação e a função simbólica. Neste momento, através das vivências, a criança é
orientada conscientemente pelas relações e ações humanas. Um traço característico da
brincadeira está no fato de ela permitir que a criança desempenhe a ação na ausência das
condições necessárias para obter os resultados da ação real. Em outras palavras, a ação e
suas operações reproduzidas na brincadeira são totalmente reais para a criança. Assim, a
brincadeira engendra o processo de imaginação, em que os objetos adquirem propriedades
que não lhes pertencem.
57

Nessa perspectiva, na atividade de estudo, a consciência e o pensamento teórico


se desenvolvem, conduzindo a criança à capacidade de reflexão, análise e planejamento
mental, formando necessidades e motivos de estudo (DAVÍDOV, 1988).
A atividade socialmente útil inclui formas como o trabalho, o estudo, a
organização social, o esporte e a arte. Nesta etapa, surgem no adolescente a vontade de
independência econômica, a tendência de organizar sua comunicação em diferentes
grupos e, consequentemente, a reflexão de suas próprias condutas, ou seja, de se
autoavaliar. Na atividade de estudo e formação profissional, o trabalho é a atividade
principal, desenvolvendo-se nos jovens a necessidade de trabalhar. Logo, eles se
interessam pelo profissional e planejam constituir sua própria família. Esta é a idade em
que os jovens fazem uma opção consciente da direção que a sua vida tomará.
Dessa forma, o esquema de periodização construído sobre essa base possibilita
a divisão do desenvolvimento psíquico em períodos e estágios que correspondem às leis
internas, e não a fatores externos do desenvolvimento. Isso amplia a possibilidade de se
pesquisar e compreender os vínculos existentes entre períodos isolados e a importância
do período precedente para o início do posterior. Nas análises sobre o ensino e a
aprendizagem escolar, isso permite compreender que há uma continuidade entre os níveis
de ensino, existindo uma transição, e não uma ruptura, de um período escolar para outro.
De acordo com Leontiev (1978a) é mais difícil educar nos momentos de virada,
pois o sistema pedagógico não consegue acompanhar as rápidas mudanças na
personalidade dos alunos. Assim, para nossos objetivos de pesquisa, interessa muito
compreender o processo de desenvolvimento, considerando-se a periodização proposta
pela teoria histórico-cultural. Para Davídov (1988) é imprescindível que a organização do
ensino esteja em sintonia com o período do desenvolvimento em que o estudante se
encontra.
No caso desta pesquisa, o experimento didático foi realizado no 6º ano do
Ensino Fundamental, momento do desenvolvimento em que os estudantes estão em plena
transição da atividade de estudo para a atividade socialmente útil, que é a atividade
principal do período da adolescência.

1.2.1 Atividade principal na adolescência


58

Leal e Facci (2014), ao refletirem sobre a adolescência, sua naturalização e


universalização na sociedade atual, afirmam que nem sempre a adolescência foi
considerada como fase distinta na vida do indivíduo. Para as autoras, os próprios
adolescentes possuem uma concepção de adolescência constituída e disseminada
socialmente, entendendo as suas próprias características como naturais e normais. Ainda,
as autoras, fundamentando-se nas premissas da teoria histórico-cultural sobre a
periodização do desenvolvimento, consideram que é recorrente a concepção de que a
adolescência é um período marcado por muitas características negativas e difíceis de lidar.
São atitudes de rebeldia, revolta, resistência, discordância, falta de limites, desobediência
e de inconformismo que, frequentemente, se observam nos adolescentes durante esse
período de desenvolvimento.
De acordo com Vigotski (1996), se não souber diferenciar, no desenvolvimento
psíquico do adolescente, o processo de formação dos hábitos do processo de
desenvolvimento de interesses, nunca se poderá explicar o fato de que os hábitos não
mudam de maneira essencial ao longo do tempo.
Nesse sentido, os mecanismos de comportamento que já foram formados
continuam a existir, novos surgem destes, mas os interesses, isto é, as necessidades que
colocam esses mecanismos em movimento, mudam radicalmente.
Ainda de acordo com o autor, esse fato é fundamental para compreender o
desenvolvimento psíquico do adolescente. Desta maneira, o emprego de hábitos por parte
dos adolescentes é um trabalho mental mais mecânico, o que evidencia que o hábito, por
si mesmo, não experimenta mudanças importantes. No entanto, a atividade em uma nova
estrutura de interesses pode sofrer modificações essenciais.

Cabe dizer, sem exagero algum, que nessa idade a linha de


desenvolvimento dos interesses e a linha de desenvolvimento dos
mecanismos de comportamento se diferenciam muito claramente, cada
uma delas realiza em separado um movimento tão complexo que é
precisamente a correlação de ambas as linhas o que nos permite
compreender as principais peculiaridades do desenvolvimento
(VIGOTSKI, 1996, p. 24, tradução nossa).

É na adolescência que se destacam as relações entre as necessidades biológicas


do organismo e suas necessidades culturais superiores, que Vigotski (1996) chama de
interesses. Desta forma, o adolescente perde o interesse por coisas que o interessavam
antes e começa a interessar-se por objetos completamente novos. Ressalta-se, também,
59

que a peculiaridade mais característica da psicologia do adolescente está na tentativa de


focar sua personalidade não como um objeto, mas como um processo dinâmico no
desenvolvimento de seus interesses.
Vigotski (1996) admite que o desenvolvimento dos interesses dos adolescentes
tem uma estreita e direta dependência dos processos de maturação biológica, e que o ritmo
da maturação orgânica determina o ritmo no desenvolvimento dos interesses. O autor
afirma ainda que o crescimento, as crises e a maturação são três momentos que
determinam a maturação sexual. A compreensão de sua interdependência dinâmica e
dialética pode proporcionar aos psicólogos e educadores uma ideia correta sobre o
processo de desenvolvimento em sua totalidade.
Para Dragunova (1980), a maturação sexual e as mudanças no desenvolvimento
físico do adolescente possuem relações intrínsecas com o surgimento das novas
formações psicológicas. Isso ocorre pelo fato de que estas modificações originam no
adolescente a sensação de sua própria maturidade, e também porque a maturação sexual
estimula o desenvolvimento do interesse por relacionamentos afetivos e o surgimento de
novas sensações, sentimentos e vivências.
Nesse sentido, a crise e a síntese integram o processo de maturação. “A
maturação sexual significa que no sistema das atrações orgânicas aparecem novas
necessidades e impulsos, isto é o que constitui a base de todas as mudanças no sistema
dos interesses do adolescente” (VIGOTSKI, 1996, p. 27, tradução nossa). Destarte,
quando a maturação sexual se atrasa, consequentemente a crise será adiada.
Vigotski (1996) reitera ainda que o período da adolescência se distingue por ser
um momento de ruptura e extinção dos velhos interesses e pelo período de maturação de
uma nova base biológica. Dragunova (1980) afirma que, para Vigotski, a falta de
coincidência entre os três pontos de maturação ‒ sexual, orgânico e social ‒ é a base que
fundamenta as mudanças na adolescência.
Vigotski (1996) ressalta ainda que o conteúdo principal do desenvolvimento
dessa idade é a mudança da estrutura psicológica da personalidade do adolescente, no
sentido em que ocorre uma alteração consistente na passagem dos processos psicológicos
elementares e inferiores para os superiores.
Essa é uma premissa fundamental da teoria histórico-cultural para a
compreensão do desenvolvimento humano e de como se dá o desenvolvimento em cada
período. O desenvolvimento das funções psíquicas superiores (atenção dirigida, memória
60

lógica, vontade, pensamento, criatividade e imaginação) se dá na relação ativa do sujeito


com os instrumentos e signos do meio cultural. “As funções superiores, que são produto
do desenvolvimento histórico do comportamento, surgem e se forma na idade de transição
em direta dependência do meio, no processo de desenvolvimento sociocultural do
adolescente” (VIGOSTSKI, 1996, p. 118, tradução nossa).
Para Vigotski (1995), a relação entre as formas superiores e inferiores pode ser
expressa pelo que a dialética chama de superação. Assim, os processos e as leis inferiores
que as governam são categorias superadas. Essa compreensão dinâmica de como ocorre
a passagem de um período a outro do desenvolvimento por superação e incorporação é
particularmente importante quando se trata de compreender a transição da atividade de
estudo para a atividade de comunicação íntima pessoal e as relações que precisam ser
estabelecidas entre esta transição e a educação escolar.

Hegel diz que há que se recordar o duplo significado da expressão


alemã “snimat” (superar). Entendemos esta palavra em primeiro lugar
como “ustranit” (eliminar), “otritsat” (negar) e dizemos, segundo isso,
que as leis estão anuladas, “uprazdneni” (suprimidas), porém esta
mesma palavra significa também “sojranit” (conservar) e dizemos que
“sojranim” (conservaremos) algo. O duplo significado do termo
“snimat” (superar) se transmite habitualmente bem no idioma russo
com a ajuda da palavra “sjoronit” (esconder ou enterrar) que também
tem sentido negativo e positivo (VIGOTSKI, 1995, p. 118, tradução
nossa).

O fundamento e o conteúdo da forma superior são o fundamento e o conteúdo


da forma inferior, sendo que a forma superior aparece em um determinado estágio de
desenvolvimento como uma necessidade e volta depois a se converter em forma inferior,
quando surge a necessidade de nova mudança no sistema de atividades. Deste modo, “[...]
toda forma superior de conduta é impossível sem as inferiores, porém a existência das
inferiores ou acessórias não esgota a essência da superior ” (VIGOTSKI, 1995, p. 119,
tradução nossa).
Ainda de acordo com Vigotski (1996), todas as novas formações psíquicas
observadas no adolescente se baseiam nessa complexa relação entre os processos
inferiores e superiores, sendo que uma das principais evoluções é o desenvolvimento de
uma nova qualidade do pensamento, a partir da formação de conceitos científicos na
escola. Todas as outras funções se unem e se transformam em relação a essa formação
nova, ou seja, na adolescência, as funções psíquicas superiores se reorganizam sobre a
61

base do pensamento conceitual. Entende-se que isto é de suma importância para a


organização do ensino escolar.
É nesse período que a percepção se refina e se une qualitativamente diferente
ao pensamento e à linguagem. Os processos de desenvolvimento da linguagem e do
pensamento verbal reelaboram de forma complexa a percepção visual-direta da criança,
formando sínteses novas e reestruturando esses processos sobre uma nova base. Desta
forma, durante a idade de transição, juntamente com a formação de conceitos, se
modificam as formas de percepção.
Vigotski (1996) afirma que a linguagem modifica a percepção, pois sintetiza e
reflete os nexos visíveis em forma de juízos verbais. A linguagem permite analisar a
realidade e passar de uma forma elementar da percepção para uma forma superior.
De acordo com Sokolov (1961b), a forma mais simples e inicial de compreensão
dos objetos e fenômenos é seu reconhecimento. No reconhecimento se manifesta
claramente o papel da palavra no processo de conhecimento do objeto, no sentido de uma
percepção ordenada e categorial. Ao perceber um objeto, o sujeito o reflete numa
categoria verbal determinada, manifestando juízos verbais sobre ele, e nisto consiste a
compreensão do objeto. O autor afirma ainda que essa compreensão sistemática da
realidade aparece somente nesse período, quando o pensamento verbal do adolescente
passa do tipo de pensamento por complexos para o pensamento em conceitos.
O desenvolvimento da memória é outra função psicológica superior importante
para se analisar na idade de transição da adolescência. É uma das questões mais confusas
e complexas da psicologia, que possui uma importância muito grande na educação
escolar. Para Sokolov (1961a, p. 201-2020, tradução nossa), “[...] a memória é reflexo do
que existiu no passado. Este reflexo está baseado na formação de conexões temporais
suficientemente firmes (fixação na memória) e em sua atualização ou funcionamento no
futuro (reprodução e lembrança)”.
Ainda segundo Sokolov (1961a), as funções elementares da memória se
desenvolvem apenas no início da idade de transição e alcançam seu ponto máximo bem
antes dos 12 anos, não revelando avanços essenciais no período da adolescência. Porém,
a memória superior, que é formada com base na síntese do intelecto e da memória, é a
verdadeira transformação qualitativa da memória na idade de transição.
Vigotski (1996) explica que o fenômeno que ocorre no desenvolvimento da
memória do adolescente é análogo ao da percepção. A chave para entender esse processo
62

não está nas mudanças que ocorrem no interior da própria memória, mas nas relações da
memória com outras funções, modificando seu lugar na estrutura geral dos processos
psíquicos.
Para isso, Vigotski (1996) busca estudar a relação entre a memória e o
pensamento, entendendo que a relação entre os processos fundamentais troca
inversamente quando a criança passa da primeira idade escolar à adolescência. “Se na
criança o intelecto é uma função da memória, no adolescente a memória é função do
intelecto. Assim como o pensamento primitivo da criança se apoia na memória, a
memória do adolescente se apoia no pensamento” (p. 134, tradução nossa).
Nesse sentido, o pensamento da criança se apoia completamente em imagens
concretas, em representações visuais. O intelecto, neste caso, vem a ser uma função do
hábito e da memória, e o conceito se baseia na disposição motora e na imagem visual-
direta traduzida em palavras. No adolescente, a memória não é um conjunto formado
pelas imagens dos objetos concretos, pois a memória é permeada pelos conceitos,
vínculos e pelas relações. Assim, a própria função da memorização melhora por sua
estrutura, composição e novas formas de atividade.
É importante ressaltar ainda que o próprio significado da palavra, a forma de
utilizá-la como signo de uma série de objetos e a capacidade de fazer generalizações são
distintas entre as crianças e os adolescentes. Logo, a verbalização da memória e a
memorização com a ajuda de anotações verbais se modificam substancialmente nessa
idade de transição. Sobre isso, Vigotski (1996) explica que:

[...] a memória do adolescente se liberta das imagens eidéticas visuais


diretas, a memória verbal, a memorização em conceitos diretamente
unida a atribuição de sentido, a análise e a sistematização do material
passam a ocupar o primeiro plano, com a particularidade de que a
elaboração do material, quando a memorização é verbal, experimenta,
em regra geral, as mesmas mudanças que o pensamento em geral ao
passar da imagem ao conceito. Finalmente, devido ao potente
desenvolvimento da linguagem interna e externa, a própria memória
verbal do adolescente se apoia fundamentalmente na linguagem interna
e se converte numa das funções intelectuais (VIGOTSKI, 1996, p. 136-
137, tradução nossa).

A citação acima evidencia a transformação qualitativa no desenvolvimento da


memória e do pensamento da criança, em atividade de estudo, para o adolescente em
atividade de comunicação íntima pessoal. Se, para a criança, a definição do conceito era
63

traduzida em palavras de uma imagem concreta, para o adolescente a memorização de


imagens concretas é substituída pela assimilação dos conceitos correspondentes. Assim,
se na infância pensar é recordar, na adolescência memorizar é pensar.
Sokolov (1961a) aponta que, para fixar algo na memória, é necessário, em
primeiro lugar, descobrir suas relações e conexões com outros conceitos. Caso contrário,
ocorrerá uma compreensão de maneira mecânica e sem sentido. Essa fixação racional na
memória se baseia em associações generalizadas e sistemáticas, refletindo as qualidades
e relações principais e essenciais dos objetos.
Em relação à atenção voluntária, Vigostski (1996) afirma que os processos da
atenção não são menos importantes que os da percepção e da memória e que, para
compreendê-los, é necessário buscar novamente as inter-relações e interdependências
com outras funções, principalmente com o pensamento. O pensamento determina e
orienta a atenção, sendo a atenção voluntária a forma mais desenvolvida desta função
psíquica.
Em se tratando da idade de transição, a atenção adquire grande estabilidade, não
somente porque os interesses dos adolescentes são mais amplos, mas também porque o
seu elemento fundamental, à vontade, é mais firme e regulada. Devido a isso, a atenção
nesse período é mais duradoura e ativa. Vigotski (1996) apresenta o estreito vínculo entre
o desenvolvimento da atenção na idade de transição e pensamento por conceitos:

Não devemos esquecer que se trata de um vínculo duplo: por uma parte
a atenção, quando alcança um certo grau de desenvolvimento, constitui,
assim como em outras funções intelectuais, uma premissa indispensável
para o desenvolvimento do pensamento em conceitos e, por outra, a
passagem para o pensamento em conceitos significa que a atenção
chega a um estágio superior, que passa a uma forma nova, superior e
complexa de atenção voluntária interna (VIGOTSKI, 1996, p. 139,
tradução nossa).

A estrutura e a organização da atenção infantil se caracterizam por sua conexão


com o pensamento egocêntrico, não permitindo que a criança capte as relações internas
dos objetos, ficando sua atenção fixada em sua percepção direta. Sua atenção é imediata,
involuntária. Já no adolescente, se desenvolvem as formas superiores da atenção, a
atenção mediada e voluntária.
Segundo Smirnov (1961b), a atenção involuntária é um reflexo de orientação
motivado pelo meio exterior e a eleição de um objeto que em um momento dado se reflete
64

na consciência involuntariamente, sem intenção. O autor ressalta algumas


particularidades da atenção voluntária: grau de concentração, intensidade, distribuição,
constância ou fixação e capacidade de transladar-se de um objeto ao outro.
A atenção voluntária, diferentemente, se determina pelos fins da atividade
consciente a que se dirige. A atenção é fixada em um objeto ou fenômeno
conscientemente, sendo uma organização determinada da atividade. Vale ressaltar que a
atenção involuntária e a voluntária não podem se separar completamente uma da outra,
pois, com frequência, a atenção voluntária passa a ser involuntária. Ainda de acordo
Smirnov (1961b), o ensino escolar é o principal meio para educar a atenção voluntária,
sendo indispensável que o estudante compreenda a importância que tem a atenção para a
aprendizagem.
Vigotski (1996) enfatiza que o traço mais decisivo que diferencia a criança do
adolescente é a transição do domínio externo para o interno das próprias funções
psíquicas. De fato, a aproximação da memória e da atenção com o intelecto caracteriza a
idade de transição, uma vez que essas funções passam do sistema da percepção para o
sistema do pensamento.
Portanto, na adolescência, ocorre um salto qualitativo no desenvolvimento,
iniciado ainda na infância. Segundo Vigotski (1996) é somente nessa idade de transição,
devido ao desenvolvimento do pensamento em conceitos, que se tem a possibilidade de
resolver uma tarefa, expressando-a verbalmente e realizando-a praticamente. Deste modo,
não apenas se observa como se verbaliza o pensamento, como se transforma o intelecto
prático em verbal, mas também como se intelectualiza a linguagem por meio da ação
prática. O desenvolvimento da atividade prática na idade de transição vai sendo
substituído pelo desenvolvimento da atividade laboral, até que na idade adulta o sujeito
chegue a dominar as formas superiores do trabalho humano.
A teoria histórico-cultural ajuda a compreender a verdadeira revolução
intelectual que ocorre no desenvolvimento do adolescente: percepção, memória lógica,
atenção voluntária e ação mediada e organizada pelo pensamento não são uma série de
processos isolados, mas um sistema especial que se subordina a uma função principal – a
formação de conceitos.
Essa breve análise das transformações qualitativas que ocorrem nas funções
psíquicas superiores do adolescente contribui para entender melhor a atividade principal
65

desse período, que consiste no estabelecimento de relações pessoais íntimas entre os


adolescentes.
Essa atividade foi denominada por Elkonin (1987) de comunicação íntima
pessoal. O autor entende que o conteúdo fundamental das interações é o outro
adolescente, e que ocorre a subordinação das relações em todas as formas de atividade
coletiva dos adolescentes a um tipo de “código de amizade”. Essa comunhão com os
colegas ocupa um lugar de destaque no período da adolescência e reproduz as normas
mais gerais das inter-relações existentes entre os adultos.

A atividade de comunicação é aqui uma forma peculiar de reprodução,


nas relações entre coetâneos, das relações existentes entre as pessoas
adultas. No processo de comunicação tem lugar a orientação
aprofundada em direção às normas que regem estas relações e seu
domínio. Desta forma, pois, existem bases para supor que a atividade
retora neste período de desenvolvimento é a atividade de comunicação,
consistente no estabelecimento de relações com os companheiros sobre
a base de determinada normas morais e éticas que mediatizam as ações
dos adolescentes (ELKONIN, 1987, p. 120-121, tradução nossa).

É nesse momento que se estrutura no adolescente o sentido pessoal de sua vida,


originando novas tarefas e novos motivos que adquirem o caráter de atividade profissional
e de estudo.
Do ponto de vista da consciência, Leontiev (2012) coloca que essa transição é
marcada pelo aumento de uma atividade crítica diante das exigências, do comportamento
e das qualidades pessoais dos adultos e pelo nascimento de novos interesses teóricos. Isso
provoca no adolescente o surgimento da necessidade de conhecer não apenas a realidade
que o cerca, mas de saber também o que é conhecido acerca dessa realidade.
Segundo Davídov (1988), embora uma atividade principal específica caracterize
um período de desenvolvimento associado à faixa etária, isto não significa que outros
tipos de atividade estejam ausentes nesse momento. Mesmo que a comunicação íntima e
pessoal seja a atividade principal do adolescente, encontram-se também elementos de
estudo e trabalho nesse período.
Com base na periodização da infância elaborada por Vygotsky, Leontiev e
Elkonin, Davídov (1988) chama esse período de atividade socialmente útil. Para o autor,
surgem nos adolescentes: uma atitude criativa relacionada ao trabalho; uma tendência de
organizar a comunicação em diferentes coletivos, dominando as regras de inter-relações
desse meio; reflexões sobre seu próprio comportamento e capacidade de avaliar as
66

possibilidades do seu eu, isto é, a autoconsciência, que é a nova formação psicológica


mais importante nesta idade.
De acordo com Vigotski (1996), a autoconsciência é a última e superior mudança
no desenvolvimento psíquico do adolescente e é desenvolvida ao longo do processo
mesmo de desenvolvimento, não sendo uma função inerente ou parte da consciência. A
autoconsciência surge e se desenvolve, paulatinamente, na medida em que o adolescente
começa a compreender-se a si mesmo com a mediação da palavra.
Davídov (1988) avança na análise da atividade principal na adolescência,
afirmando que não é a comunicação íntima pessoal que caracteriza a atividade principal,
mas a comunicação que se mantém ao realizar diferentes tipos de atividade socialmente
útil. Esta seria a atividade que constitui o fundamento real para o desenvolvimento das
novas formações psicológicas na adolescência.
A pesquisa sobre as idades críticas, como afirma Dragunova (1980), evidenciou
a necessidade de se salientar a nova formação da consciência do adolescente e de aclarar
a situação social de desenvolvimento como um sistema de relações com o meio. As
mudanças qualitativas que culminam no desenvolvimento da autoconsciência
possibilitam o surgimento da noção de que o adolescente não é mais uma criança, e sim
um adulto.
Assim, não se deve analisar a comunicação do adolescente separada de todos os
tipos coletivos de atividade que este realiza: atividade de estudo, de trabalho, social,
artística, esportiva. “Na realidade, esses tipos de atividade adquirem a maior importância
no desenvolvimento da comunicação dos adolescentes. Estes prestam uma marcada
atenção a seus êxitos e conquistas no processo da atividade, o que lhes dá outra
valorização social” (DAVÍDOV, 1988, p. 83, tradução nossa).
Para o autor, é bastante recorrente a ideia de que o estudo é o principal para todos
os escolares, incluindo os adolescentes. No entanto, é necessário superar tal concepção,
pois o adolescente adquire conhecimentos por meio do estudo, mas também em outros
tipos de atividade socialmente útil, criando possibilidades reais para a transição de um
tipo de atividade a outra. “Então o estudo seguirá sendo um assunto muito importante
para os adolescentes, mas será apenas um dos tipos de atividade socialmente útil, a que
tem uma significação decisiva para seu desenvolvimento psíquico” (DAVÍDOV, p. 86,
tradução nossa).
67

A caracterização da atividade principal do período da adolescência aqui


apresentada evidencia a necessidade de uma compreensão mais ampla sobre a
adolescência. Ressalta-se que as transformações qualitativas que ocorrem nas funções
psíquicas superiores dos adolescentes (percepção, atenção voluntária, memória lógica,
criatividade, imaginação) e a autoconsciência estão em relação e se subordinam ao
desenvolvimento do pensamento em conceitos. Em outras palavras, a formação de
conceitos e o desenvolvimento do pensamento em conceitos são a principal função
psíquica superior na adolescência.

1.3 FORMAÇÃO DE CONCEITOS NA ADOLESCÊNCIA

São várias as críticas postuladas por Vigotski (1996) a correntes psicológicas


sobre o desenvolvimento do adolescente e a formação de conceitos. Uma delas está na
afirmação de que o pensamento do adolescente não tem nada de essencialmente novo em
comparação com o pensamento na infância. Ou a ideia de que o período de maturação
sexual não produz nenhuma nova operação intelectual no pensamento dos adolescentes.
Firmados nesses pontos de vista, muitos pesquisadores defendiam que, entre as
modificações que ocorrem na passagem da infância à adolescência, destacavam-se apenas
os traços mais externos e visíveis relacionados à mudança do estado emocional. Ao
contrário, Vigostski (1996) defende que a emoção na criança realmente desempenha um
papel mais preponderante, porém, no adolescente não, pois ele é um ser mais pensante.
Neste contexto, as teorias psicológicas predominantes nessa época negavam o surgimento
de novas formas no pensamento na adolescência.
A raiz principal de toda confusão teórica, afirma Vigotski (1996), está na ruptura
da unidade dialética forma e conteúdo de pensamento. Neste sentido, na visão da
psicologia tradicional, entendia-se que a distinção entre o pensamento do adolescente e o
da criança consistia de que as mesmas formas do pensamento passavam a ter conteúdos
diferentes, mais elaborados.
O pensamento é forma (palavra) e conteúdo (significado). Logo, a forma pode
não revelar o conteúdo, pois este depende do contexto social e cultural. Vigotski (1996,
p. 54, tradução nossa) explica que “[...] a unidade e indissolubilidade entre forma e
conteúdo, da estrutura e da função, nos ensina que cada passo novo no desenvolvimento
do conteúdo do pensamento está inseparavelmente unido também à aquisição de novos
68

mecanismos de conduta”. Neste sentido, a unidade dialética entre forma e conteúdo no


desenvolvimento do pensamento é o princípio que orienta a discussão a respeito da
formação de conceitos na adolescência, buscando compreender essa dinâmica também
em relação à formação de conceitos científicos na escola.
Para Davídov (1988) é inconcebível acreditar que novos conteúdos sociais e
culturais inseridos na vida do adolescente não modificariam suas formas de pensamento.
Segundo o autor, pensar significa inventar, construir na mente o projeto idealizado do
objeto em relação à atividade; ou seja, pensar é transformar a imagem inicial do objeto
em outro objeto ideal. “A mudança do projeto da coisa, apoiada na experiência de suas
transformações práticas, gera esse tipo de atividade subjetiva do homem que em filosofia
se chama pensamento” (p. 121, tradução nossa).
Não há, portanto, dom ou talento, e sim desenvolvimento, pois as capacidades
psíquicas estão objetivadas na cultura em conteúdo e forma. O homem, ao se apropriar
da cultura, também se apropria e reproduz em si mesmo as capacidades sociais e
psicológicas nela fixadas. Conforme salientado no item anterior, a nova forma de
pensamento que caracteriza o adolescente é a formação de conceitos.
Essa é a chave para a compreensão do desenvolvimento do pensamento do
adolescente, considerado como o fenômeno que regula e orienta toda a idade de transição.
Concorda-se com Anjos (2013), quando o autor afirma que, na teoria histórico-cultural,
a adolescência é o período privilegiado para o desenvolvimento do pensamento por
conceitos.
A formação de conceitos é um processo complexo de pensamento e não pode
absolutamente ser interpretado como maturação das funções intelectuais elementares.

As mudanças que experimenta o pensamento do adolescente em seu


processo de domínio dos conceitos são, em grade medida,
transformações de índole interna, estrutural e íntima que geralmente
não podem se externalizar, nem ser visíveis para o observador
(VIGOTSKI, 1996, p. 58, tradução nossa).

A crise no desenvolvimento do pensamento para o pensamento em conceitos se


prepara ainda na infância, na atividade de estudo, em dois sentidos: pela mudança das
funções psíquicas e pelas novas tarefas colocadas, que darão impulso à assimilação do
novo material intelectual. O adolescente avança, desta forma, na compreensão da
realidade que o rodeia e na compreensão de si mesmo (autoconsciência), pois, conforme
69

Vigotski (2001, p. 214), “[...] a tomada de consciência vem pela porta dos conceitos
científicos”.
De acordo com Anjos (2017), o papel da educação escolar, no desenvolvimento
da personalidade do adolescente, possui uma dupla dimensão. A primeira é constituída
pelo ensino e pela aprendizagem dos conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos,
em suas formas mais ricas. A segunda é a relação entre o modelo adulto de ser humano e
o ser em desenvolvimento, o adolescente.
Vigotski (2001), em suas pesquisas sobre o desenvolvimento do pensamento por
conceitos, estabelece os seguintes estágios de desenvolvimento do pensamento:
sincretismo, pensamento por complexos, pseudoconceitos e pensamento por conceitos.
Cada estágio se divide em várias fases e, nesta pesquisa, se fará uma síntese da
teoria vigotskiana a respeito do desenvolvimento do pensamento por conceitos, por
entender ser importante para a compreensão da formação dos conceitos científicos na
adolescência. O primeiro estágio, o sincretismo, se divide em três fases, a saber: fase de
formação da imagem sincrética ou amontoado de objetos correspondentes ao significado
das palavras; disposição espacial das figuras, possibilitando a organização da percepção
da criança, e a fase em que a imagem sincrética se forma em uma base mais complexa.

Nesta fase do desenvolvimento, o significado da palavra não está


completamente definido, é um conglomerado informe e sincrético de
elementos individuais que, nas ideias e percepções da criança estão de
algum modo relacionados entre si em uma imagem. O sincretismo das
percepções e dos atos infantis desempenha um papel decisivo em sua
formação, daí que essa imagem seja muito instável (VIGOTSKI, 2001,
p. 135-136, tradução nossa).

O segundo estágio, pensamento por complexos, está acima do anterior pela


coerência e objetividade e se baseia em vínculos factuais que despontam na experiência
imediata. Vigotski (2001) observou cinco fases básicas do pensamento por complexos: o
complexo de tipo associativo; o complexo de tipo coleção que opera separando e
agrupando elementos em um conjunto; o complexo em cadeia, que se constrói segundo o
princípio da combinação dinâmica de determinados elos em uma única cadeia; o
complexo difuso, que resulta num complexo que combina os objetos através de vínculos
difusos e indefinidos, e finalmente os pseudoconceitos, que externamente, pelo discurso
da criança que usa as palavras em seu diálogo com o adulto, na aparência se tem um
conceito, mas, em termos de seu desenvolvimento interno, ainda não há uma operação
70

mental com o significado da palavra, e a criança continua operando por complexos. O


pseudoconceito é a capacidade de se expressar com as palavras dos adultos sem ter ainda
consciência do significado das palavras.

O mais característico do desenvolvimento do pensamento por


complexos é o estabelecimento de conexões e relações que o
constituem. Nesse estágio, o pensamento da criança agrupa em
complexos suas percepções dos objetos; com isto começa a integrar
impressões dispersas e dá os primeiros passos para generalizar
elementos isolados da experiência (VIGOTSKI, 2001, p. 165, tradução
nossa).

O terceiro estágio é o do desenvolvimento do pensamento por conceitos. De


acordo com Vigotski (2001, p. 170, tradução nossa), o pensamento conceitual alcança sua
plenitude na adolescência. “No momento, a conclusão evolutiva mais importante de
nossas investigações é a tese fundamental segundo a qual a criança alcança o pensamento
em conceitos ao culminar a terceira fase de seu desenvolvimento intelectual, e isso ocorre
tão somente na adolescência”.
Reconhece-se o pensamento de Anjos e Duarte (2016), quando eles ressaltam
que o fato de a plenitude da formação de conceitos ocorrer na adolescência, de maneira
alguma se pode negar a importância do desenvolvimento do pensamento desde a
educação infantil e os primeiros anos do Ensino Fundamental.
Dragunova (1980) afirma que o primeiro fator de desenvolvimento da
personalidade do adolescente é a sua própria atividade social, orientada a assimilar
modelos e valores. Assim, o adolescente pode não chegar a desenvolver plenamente o
pensamento por conceitos se as condições sociais não forem favoráveis a esse processo,
principalmente no que diz respeito ao ensino escolar e à sua organização intencional para
a aprendizagem dos conceitos científicos.
Para Davídov (1988), o ensino escolar organizado pela lógica formal leva os
estudantes à formação do pensamento empírico-discursivo e não desenvolve
adequadamente o pensamento por conceitos, como será visto adiante. Esse problema já
havia sido identificado por Vigotski (2001):

O adolescente forma o conceito, o utiliza corretamente em uma situação


concreta, porém, quando se pede que defina verbalmente esse conceito,
seu pensamento tropeça de imediato com extraordinárias dificuldades e
71

a definição do conceito resulta muito mais reduzida que a utilização


ativa desse conceito (VIGOTSKI, 2001, p. 172, tradução nossa).

Os conceitos não surgem como decorrência de uma elaboração lógica de


elementos da experiência. O pensamento em conceitos é uma nova forma de atividade
intelectual, um modo novo de conduta que se diferencia das anteriores por sua
composição e estrutura.
Vigotski (1996) explica que todo o conteúdo do pensamento se renova e se
reestrutura devido à formação de conceitos. Para o adolescente, devido ao seu
desenvolvimento, amadurecimento e à mudança de ambiente, surge a tarefa de dominar
um novo conteúdo, nascendo novos estímulos que o impelem ao desenvolvimento e aos
mecanismos formais de seu pensamento. Desta maneira, interesses, concepção de mundo,
normas éticas e regras de conduta passam a ser conscientizados. “A função da formação
de conceitos, na idade de transição, desempenha um papel decisivo pois permite que o
adolescente se adentre em sua realidade interna, no mundo próprio de suas vivências ”
(VIGOTSKI, 1996, p. 71, tradução nossa).
É importante entender que o conhecimento, no verdadeiro sentido da palavra, é
assimilado somente em conceitos, ou seja, o conceito, sendo um meio de conhecimento e
compreensão, modifica o conteúdo e a estrutura do pensamento. A criança entende
verdades científicas, mas as assimila de maneira incompleta. O adolescente, ao contrário,
pode assimilar um conteúdo de modo profundo, participando ativa e criativamente das
diversas esferas da vida cultural (VIGOTSKI, 1996).
Assim, além do conteúdo do pensamento se enriquecer admiravelmente,
aparecem novas formas de operar mentalmente com esse conteúdo em diferentes
situações. Por meio da internalização dos conceitos, o pensamento abstrato surge e se
desenvolve em profundidade e complexidade, e as relações e os nexos entre os conceitos
abstratos vão ficando mais evidentes.
Para Vigotski (1996), um dos momentos centrais do desenvolvimento do
pensamento em conceitos refere-se à ruptura, numa perspectiva da lógica formal do
conhecimento, entre a forma e o conteúdo no desenvolvimento do pensamento. Na lógica
formal, quanto maior é o número de objetos a que se aplica o conceito, mais vazio é seu
conteúdo. Em outras palavras, quanto mais amplo é o volume de conceitos, mais limitado
será seu conteúdo, uma vez que a lógica formal reduz o conceito a uma representação
72

geral na forma de definições. A essa concepção lógica e formal de conceito, Vigotski


(1996) contrapõe a ideia de conceito numa perspectiva da lógica dialética.

O verdadeiro conceito é a imagem de uma coisa objetiva em sua


complexidade. Tão só quando chegamos a conhecer o objeto em todos
os seus nexos e relações, tão só quando sintetizamos verbalmente essa
diversidade em uma imagem total mediante múltiplas definições, surge
em nós o conceito. O conceito, segundo a lógica dialética, não inclui
unicamente o geral, senão também o singular e o particular
(VIGOTSKI, 1996, p. 78, tradução nossa).

A estrutura do conceito se manifesta em atos completos e complexos de


pensamento que constituem uma formação integral, em que forma e conteúdo encontram-
se numa unidade como fundamento do conceito.
Entende-se, desse modo, que a mudança principal nas formas do pensamento do
adolescente é a formação dos conceitos e, como consequência dessa função, está o
domínio do pensamento lógico. Portanto, é somente nessa idade de transição que o
domínio do pensamento lógico ocorre efetivamente, possibilitando profundas mudanças
no conteúdo do pensamento do adolescente.

Com o fim de expressar de modo mais breve e claro o papel retor do


desenvolvimento intelectual para toda a personalidade do adolescente e
todas as suas funções psíquicas, diremos que a aquisição da função de
formação de conceitos constitui o elo básico, principal, de todas as
mudanças que se produzem na psicologia do adolescente (VIGOTSKI,
1996, p. 113).

Destaca-se que os estudos de Vigotski (2001) sobre o processo de formação de


conceitos trouxeram grandes contribuições para a educação escolar ao distinguir os
processos de desenvolvimento dos conceitos espontâneos e dos conceitos científicos.
Vigotski (2001) demonstra que esses conceitos se diferenciam por suas relações
com o objeto e experiência da criança, como também pelos seus processos intelectuais.
Em outras palavras, o autor afirma que os conceitos científicos não se desenvolvem pelas
mesmas vias que os espontâneos.
Ao lidar com os conceitos espontâneos, as crianças agem de forma inconsciente.
Neste caso, elas fazem uso do conceito, mas não conseguem explicar os motivos desse
uso, pois não operam propriamente com o conceito. Já os conceitos científicos
73

possibilitam níveis mais elevados de tomada de consciência do que os conceitos


espontâneos, uma vez que ocorrem em uma atividade mediada em relação ao objeto.
Segundo Vigotski (2009, p. 244), “(...) a fraqueza dos conceitos espontâneos se
manifesta na incapacidade para a abstração”. E o conceito, em qualquer nível de
desenvolvimento, é um ato de generalização, a qual, de início, é do tipo mais elementar,
sendo “[...] substituída por generalizações de um tipo cada vez mais elevado, culminando
o processo na formação dos verdadeiros conceitos” (VIGOTSKI, 2009, p. 246).
Nesse caminho, Vigotski (2001) afirma que os conceitos científicos se iniciam a
partir do nível que o conceito espontâneo ainda não atingiu em seu desenvolvimento,
mostrando que estes processos estão intimamente inter-relacionados. Assim, é necessário
que o desenvolvimento do conceito espontâneo da criança atinja um determinado nível
para que a criança possa apreender o conceito científico e tomar consciência dele.
A partir da relação entre o desenvolvimento dos conceitos espontâneos e
científicos, o autor em questão estabelece a conexão entre a zona de desenvolvimento
próximo e o nível atual de desenvolvimento. Desta maneira, os conceitos espontâneos se
situam dentro da zona de seu desenvolvimento próximo, os quais se desenvolvem em
colaboração com o adulto.
Nesse movimento, como defende Vigotski (2001), os conceitos científicos
transformam e elevam os espontâneos, que num movimento do inconsciente ao
consciente possibilita a criança a realizar algo sozinha amanhã, que antes necessitava da
colaboração de uma pessoa mais experiente. Isso quer dizer que aquilo que é a zona de
desenvolvimento próximo hoje será o nível atual de desenvolvimento amanhã.
Em se tratando da organização do ensino, o conceito de zona de desenvolvimento
próximo define as funções psicológicas superiores que ainda não amadureceram, mas que
estão em desenvolvimento. De acordo com Hedegaard (2002), esse conceito une a
psicologia geral sobre o desenvolvimento da criança com uma visão pedagógica do
ensino. Neste ínterim, a aquisição de conceitos científicos, devido ao seu caráter
consciente e intencional, promove o desenvolvimento psíquico dos alunos.

1.4 APRENDIZAGEM DE CONCEITOS CIENTÍFICOS E FORMAÇÃO DO


PENSAMENTO TEÓRICO NA EDUCAÇÃO ESCOLAR
74

Após esclarecer como se organizam as funções psicológicas superiores na


adolescência, o papel central do pensamento por conceitos na formação da consciência e
as relações entre os conceitos espontâneos e científicos, buscar-se-á elucidar as
particularidades da formação do pensamento teórico no contexto escolar. Para tanto, nos
fundamentamos da teoria do ensino desenvolvimental, a qual no nosso entendimento,
possui um corpo teórico que contribui muito para a formação de professores e o ensino
escolar.
É interessante começar a tentar compreender o caráter epistemológico dos
conceitos, o que permite analisar o tipo de pensamento que é formado pelos estudantes
quando aprendem conceitos científicos na escola, ou seja, as formas principais do
pensamento, a saber: a abstração, a generalização e o conceito. “As particularidades da
generalização, em unidade com os processos de abstração e formação de conceitos,
caracterizam a nosso ver, o tipo geral de pensamento do homem” (DAVÍDOV, 1988, p.
100, tradução nossa).
A generalização, segundo Davydov (1982), designa um aspecto elementar e
inicial de assimilação dos conhecimentos escolares. Neste sentido, o processo de
generalização consiste na separação de objetos, por meio da comparação, que apresentam
propriedades idênticas ou parecidas, traços comuns que se repetem e que podem ser
sintetizados (abstraídos) a partir de uma mesma ideia expressa sob a forma de palavras-
termo, desenhos ou gráficos, conforme o autor.
O resultado desse processo é caracterizado pela capacidade que a criança
apresenta de abstrair certos traços particulares e variáveis do objeto. Logo, Davídov
(1988, p. 100, tradução nossa) explica que no processo de generalização “[...] tem lugar,
por uma parte, a busca e a designação com a palavra de certo invariante na multiplicidade
de objetos e suas propriedades; por outra parte, o reconhecimento dos objetos da
multiplicidade dada com ajuda do invariante separado”.
Os processos de abstração e generalização se caracterizam como a via principal
de formação de conceitos na escola. Os alunos analisam os objetos, fazem observações e
comparações, e há, aí, a gênese da ideia abstrata, generalizadora dos atributos que estão
associados ao conceito. Conforme Davydov (1982), o processo de generalização é
indissociável do processo de abstração.

Separar como geral uma certa qualidade implica arrancá-la de outras


qualidades, o que permite à criança transformar a qualidade geral em
75

objeto independente e singular de seus atos subsequentes (o atributo


geral se designa com algum signo: vocábulo, desenho, gráfico, etc.). O
conhecimento do geral, sendo resultado do fato comparativo e de sua
fixação no signo, constitui sempre algo abstrato, não concreto,
imaginável (DAVYDOV, 1982, p. 17, tradução nossa).

A abstração é um procedimento constituinte da atividade mental generalizadora.


A identificação do objeto ou fenômeno singular e concreto é o resultado do processo de
abstração/generalização. Contudo, a exatidão dessa identificação depende da qualidade
desses traços. Como exemplo, Davídov (1988) mostra, dentre outros aspectos, que o
retângulo não é somente uma figura de quatro lados, mas também apresenta todos os seus
ângulos retos. Assim, para identificá-lo entre outras figuras geométricas, é indispensável
conhecer os traços comuns e singularidades do retângulo.
Segundo Davydov (1982), quando o estudante consegue generalizar e abstrair a
combinação de dois ou mais traços abstratos-genéricos, entende-se, comumente, que se
formou o conceito. “A síntese e a abstração são as condições imprescindíveis de sua
formação. O conjunto de traços generalizados do objeto forma o contéudo do conceito”
(p. 19, tradução nossa).
Os alunos paulatinamente são levados às generalizações por meio da observação
e do material concreto dado visualmente e captado sensorialmente. No entanto, ao
considerar como ponto de partida os objetos e fenômenos singulares, sensorialmente
perceptíveis, entende-se que o processo de generalização permite compreender a
correlação entre a percepção, a representação e o conceito. Segundo essa compreensão, o
processo de generalização parte da percepção e fixa-se nos atributos externos do objeto,
situando-se num campo denominado pelo autor de abstrações e generalizações simples.
De acordo com Rosa (2012), os conceitos que se formam por essa via são
descritos por Davydov (1982) como abstrações e generalizações simples de dados
perceptíveis e a interpretação destes é entendida como um produto abstrato das
percepções, cuja generalização é formulada com o auxílio da linguagem. A formação de
conceitos na escola, realizados dessa forma, não se diferenciará muito da formação dos
conceitos espontâneos que se formam na vida cotidiana da criança. Na aparência, pode-
se acreditar que a criança domina o conceito, mas, na essência, não há compreensão, e
sim definições.
Davídov (1988) explica que a abstração, generalização e formação de conceitos
a partir desta compreensão correspondem à interpretação da lógica formal sobre as
76

operações mentais. A educação escolar, para o autor, está alicerçada nessa compreensão
a respeito da formação dos conceitos escolares, na qual o ponto de partida do ensino são
as percepções e representações visuais concretas que o aluno observa no objeto de estudo.
Ainda segundo o autor, o pensamento que se realiza por abstrações e
generalizações de caráter lógico-formal forma apenas um pensamento de tipo empírico.
As ações mentais quase sempre se limitam à comparação dos dados e atributos concretos,
com o fim de separar traços gerais e realizar a classificação e identificação dos objetos
sensoriais concretos, com a finalidade de sua inclusão em alguma classe.

Esse pensamento tem um caráter classificador e catalogador, que


garante a orientação da pessoa no sistema de conhecimentos
acumulados referentes às particularidades e características externas dos
objetos e fenômenos, sem relação com a natureza e a sociedade. Tal
orientação é indispensável para os afazeres cotidianos durante o
cumprimento de ações laborais rotineiras, mas é absolutamente
insuficiente para assimilar o espírito autêntico da ciência
contemporânea e os princípios de uma relação criativa, ativa e de
profundo conteúdo no que concerne à realidade (tal relação supõe a
compreensão das contradições internas das coisas, ignoradas
precisamente pelo racionalismo empírico) (DAVÍDOV, 2017, p. 212-
213).

O ensino escolar, fundamentado no princípio do caráter visual e concreto dos


objetos de conhecimento, caracteriza, segundo o autor, o ensino realizado pela escola
tradicional, que projeta, nos estudantes, apesar da quantidade de conteúdos de ensino que
lhes são oferecidos, o pensamento empírico. Assim, a generalização empírica,
proporcionada pela escola, para Davydov (1982), está mais próxima do pensamento por
complexos, e as definições repetidas e reproduzidas pelos estudantes seriam
pseudoconceitos. “O método de obtenção e emprego dos dados sensórias pelos homens,
donos da linguagem, o temos designado como pensamento empírico” (DAVYDOV,
1982, p. 298, tradução nossa).
O autor observa que há certa importância e até mesmo necessidade de formação
do pensamento empírico, principalmente nas crianças dos primeiros anos da
escolarização. No entanto, o pensamento empírico deve ser compreendido como um
degrau necessário rumo à formação de um pensamento mais elaborado, que o autor
denomina de pensamento teórico. Este só pode ser alcançado quando a criança se liberta
das amarras do caráter visual direto de que necessita para pensar sobre os objetos de
conhecimento e formar conceitos.
77

O nível alcançado no final da idade escolar primária, devido às possibilidades


físicas, intelectuais e morais da criança, deverá criar condições necessárias para as
mudanças fundamentais nas funções psíquicas superiores dos adolescentes. Neste período
é preciso um grau mais elevado de ensino, ligado às mudanças no caráter da atividade de
estudo e no conteúdo dos conhecimentos para que se realize a formação dos conceitos
científicos (SMIRNOV, 1961a).
Transformações qualitativas importantes acontecem no pensamento dos
adolescentes ao longo da educação escolar. O pensamento abstrato aos poucos se liberta
do conteúdo concreto e sensorial, formando abstrações e generalizações substantivas no
processo de assimilação dos conhecimentos científicos. Davydov (1982) explica que a
abstração e a generalização substantivas se efetuam na base da análise mental e
sistemática das relações e conexões dos objetos, dispensando o caráter visual concreto. O
autor enfatiza que este processo pode ser denominado como formação do pensamento
teórico, e que não é um processo natural, tendo sua gênese e seu desenvolvimento na
atividade de estudo.
De acordo com o autor, o pensamento teórico não opera com representações,
mas com conceitos. “Ter um conceito sobre um ou outro objeto significa saber reproduzir
mentalmente seu conteúdo. A ação de construção e transformação do objeto mental
constitui o ato de sua compreensão e explicação, o descobrimento de sua essência”
(DAVÍDOV, 1988, p. 126, tradução nossa).
A diferença do conteúdo entre o pensamento empírico e o teórico gera a
diferença de suas formas. O pensamento empírico é resultado de abstrações e
generalizações simples e se limita a descrever, catalogar e esquematizar atributos e
manifestações externas dos objetos em definições e palavras-termo. No pensamento
teórico, o conteúdo interno do conceito, sua essência, se descobre de forma mediatizada,
num sistema conceitual. “Se trata de examinar o concreto em desenvolvimento, em
movimento, em que podem ser descobertas as conexões internas do sistema e, com isso,
as relações do singular e do universal” (DAVÍDOV, 1988, p. 131, tradução nossa).
Entende-se, assim, conforme Davídov (1988), que o objeto se converte em
conteúdo do pensamento empírico quando é analisado em si mesmo, fora do sistema e de
conexões com outros objetos, em que a experiência sensorial se apoia em observações e
representações. Porém, o objeto se converte em pensamento teórico quando é analisado
dentro de certa concretude, descobrindo suas verdadeiras particularidades e incluindo, de
78

maneira peculiar, a observação firmada na ação cognitiva, o que revela as conexões


internas.
São determinadas ações mentais de outra ordem e diferentes das ações mentais
que formam o pensamento empírico e podem ajudar o estudante a estabelecer as conexões
entre o externo e o interno, o singular e o universal, e que constituem a base da
compreensão teórica do objeto. Neste sentido, o pensamento teórico é realizado em forma
de conceitos. “Os conceitos, apoiando-se nestas ações, colocam ao descoberto o conteúdo
universal dos objetos, os sistematiza e formam uma teoria, a que corresponde ao conteúdo
interno dos objetos” (DAVÍDOV, 1988, p. 138, tradução nossa).

O conceito intervém aqui como forma de atividade mental mediante a


qual se reproduz o objeto idealizado e o sistema de suas conexões, que
refletem em sua unidade a generalidade e a essência do movimento do
objeto material. O conceito aparece como forma de reflexo do objeto
material e como meio de sua reprodução mental, de sua estrutura, ou
seja, como singular operação mental (DAVYDOV, 1982, p. 300, grifos
do autor, tradução nossa).

Dessa forma, primeiramente, como premissa da atividade, o homem toma


consciência do objeto, construindo-o mentalmente. Essa operação de construir e
transformar o objeto mentalmente, de acordo com o autor, equivale ao ato de compreendê-
lo e revelar a sua essência. Com isso, o pensamento é capaz de alcançar um conteúdo
inacessível somente pela sua representação.
É importante destacar que reconhecer a especificidade do pensamento teórico
não diminui a importância das fontes sensoriais no conhecimento, pois o sensorial e o
racional representam uma unidade. Davídov (1988) explica que separá-los significa
privar a operação com os conceitos tanto de elementos de conteúdo universal como de
novas ações mentais.
Nesse caminho, ao se compreender a essência ou o nuclear de um determinado
objeto do conhecimento, o pensamento faz o movimento do abstrato ao concreto pensado.
Para superar a formação do pensamento empírico como resultado da compreensão do
processo de ensino e aprendizagem pela lógica formal, Davydov (1982) afirma a
necessidade de se pensar o ensino escolar, a aprendizagem dos conceitos científicos e a
formação do pensamento teórico pela lógica dialética. “A reprodução teórica do concreto
real como uma unidade do diverso é efetuada pelo único método possível e correto, no
sentido científico, da ascensão do abstrato ao concreto” (DAVYDOV, 1982, p. 331,
79

grifos do autor, tradução nossa).


Para compreender o movimento dialético do pensamento do abstrato ao
concreto, é preciso entender, como assinala Marx (1978), a realidade como um todo social
e histórico, complexo e contraditório. Seu conhecimento se processa primeiro por meio
da abstração e análise de suas articulações e leis internas e, depois, pela reconstrução
desse todo concreto pelo pensamento.
Nesse processo mental, a abstração é a mediação inicial que faz o pensamento
passar de uma apreensão abstrata do objeto para sua apreensão concreta, compreendendo
a historicidade, as contradições e as múltiplas determinações que formam este objeto.
Para Marx (1978, p. 117), esse método de pensamento é “[...] o método que consiste em
elevar-se do abstrato ao concreto não é senão a maneira de proceder do pensamento para
se apropriar do concreto, para reproduzi-lo como concreto pensado”.
O movimento do pensamento que vai do abstrato ao concreto possibilita a
compreensão da relação entre o conhecimento lógico e o processo histórico real, ou seja,
em que medida o processo do conhecimento, que vai do mais simples, do abstrato, ao
mais complexo e concreto, equivale ao processo histórico real. A esse respeito, Marx
(1978, p. 118) afirma que: “[...] o curso do pensamento abstrato, que se eleva do mais
simples ao mais complexo, corresponde ao processo histórico efetivo”. O concreto não é
uma simples imagem da intuição, mas o conceito da coisa reconstruída pelo pensamento.
O abstrato é sempre desconectado da totalidade, com características externas. Já
o concreto possui relações mais específicas e complexas, nas quais se compreende a
realidade nos seus nexos internos. Zankov (1984) coloca que o concreto representa não
somente a integridade dos fenômenos, como também a integridade de seus vínculos e
relações com outros fenômenos. Já o abstrato é uma parte do todo e isolado de outras
relações. No entanto, para reproduzir o concreto, é indispensável uma abstração inicial
inerente às suas propriedades, ou seja, para o conhecimento científico é necessária a
abstração.
Segundo Davídov (1988): em primeiro lugar, o conteúdo dessa abstração deve
corresponder à sua conexão histórica simples do sistema integral; em segundo lugar, deve
refletir as contradições desse sistema, e, em terceiro lugar, precisa refletir também o
essencial do sistema estudado. Assim, as propriedades da abstração inicial podem ser
definidas como “[...] a conexão historicamente simples, contraditória e essencial do
concreto reproduzido” (p. 143, tradução nossa).
80

Ainda de acordo com o autor, o abstrato e o concreto são momentos do


desmembramento do próprio objeto, da realidade refletida na consciência de onde se
deriva o processo da atividade mental. Ressaltando-se que o concreto é representado por
todo o desenvolvimento do conceito, considerando-se suas inter-relações, é o real com
atribuições de significado feitas pelo pensamento. Já o conceito do abstrato se caracteriza
pelo fato de o abstrato ser simples e privado de diferenças, não desenvolvido.
A essência de um objeto é revelada ao estudar o processo de desenvolvimento
do objeto. Assim, a essência é a conexão interna que, como fonte única, determina todas
as outras particularidades do todo. É a determinação universal do objeto e, por isso, a
abstração inicial expressa a essência do objeto concreto. O desenvolvimento do conceito
começa pela redução do concreto ao abstrato e, em seguida, pela ascensão do abstrato ao
concreto. Ainda que os processos de redução e ascensão se encontrem em unidade, o que
caracteriza essencialmente o desenvolvimento do pensamento teórico é a ascensão do
abstrato ao concreto.
Sobre essa questão, Davídov (1988, p. 148, tradução nossa) explicita que: “O
movimento em direção ao concreto, como finalidade principal, determina os
procedimentos da atividade do pensamento, dentro dos quais a redução aparece só como
momento subordinado, como meio para alcançar esta finalidade”.
Na ascensão do abstrato ao concreto é que se analisam as relações que são
deduzidas da essência do conceito, possibilitando o estudo do todo antes das partes. Essa
captação do pensamento do geral ao particular é considerada como um dos momentos
essenciais no movimento do abstrato ao concreto. Davídov (1988) mostra ainda que o
pensamento teórico se concretiza em duas formas basilares:

1) sobre a base da análise dos dados fáticos e sua generalização se


separa a abstração substancial, que fixa a essência do objeto concreto
estudado e que se expressa no conceito de sua célula; 2) logo, pela via
da revelação das contradições nesta célula e da determinação do
procedimento para sua solução prática, segue a ascensão desde a
essência abstrata e da relação universal não desmembrada a unidade dos
aspectos diversos do todo em desenvolvimento, ao concreto
(DAVÍDOV, 1988, p. 150, tradução nossa).

No pensamento teórico, o concreto aparece duas vezes como ponto de partida da


representação e como resultado mental da reunião das abstrações. O concreto e o abstrato
do conhecimento dependem de seu próprio conteúdo objetivo, e não das representações
81

sensoriais, como se compreende na lógica formal (DAVYDOV, 1982).


É importante esclarecer que Davídov (1988) chama de substancial a abstração
inicial no processo de ascensão do pensamento ao concreto, e a generalização quando se
descobre as inter-relações reais do universal com o particular e o singular. Neste ínterim,
a abstração e a generalização substanciais aparecem como dois aspectos de um único
processo de ascensão do pensamento ao concreto.
Em outras palavras, na abstração ocorre a separação da relação inicial do sistema
integral, e no processo de generalização a descoberta de sua essência.

A abstração e a generalização de tipo substancial encontram sua


expressão no conceito teórico que serve de procedimento para deduzir
os fenômenos particulares e singulares de sua base universal [...] ter um
conceito sobre um objeto significa dominar o procedimento geral de
construção mental deste objeto (DAVÍDOV, 1988, p. 152-153,
tradução nossa).

As particularidades da abstração, da generalização e do conceito na lógica formal


(pensamento empírico) e na lógica dialética (pensamento teórico) são sintetizadas pelo
próprio autor, quando ele apresenta as diferenças entre os conhecimentos empíricos e
conhecimentos teóricos, utilizando o termo conhecimento para indicar a unidade da
abstração, da generalização e do conceito.

O conhecimento empírico é desenvolvido no processo de comparação


dos objetos e das representações sobre eles, o que permite separar as
mesmas propriedades comuns. O conhecimento teórico surge no
processo de analisar o papel e a função de uma certa relação peculiar
dentro do sistema integral que, ao mesmo tempo, serve como base
genética inicial para todas as suas manifestações. No processo de
comparação, a separação da propriedade ocorre formalmente. geral de
um determinado conjunto de objetos, cujo conhecimento permite
referenciar objetos isolados a uma determinada classe,
independentemente de esses objetos estarem vinculados ou não. O
processo de análise permite descobrir a relação geneticamente inicial
do sistema integral como sua base ou essência universal. O
conhecimento empírico, baseado em observações, reflete
representações das propriedades externas dos objetos. Os teóricos, que
surgem com base na transformação mental dos objetos, refletem suas
relações e conexões internas, deixando assim os limites das
representações. Formalmente, a propriedade geral é separada como algo
pertencente à mesma ordem que as propriedades particulares e
singulares dos objetos. No conhecimento teórico, é fixado o elo da
relação universal verdadeiramente existente do sistema integral com
suas diferentes manifestações, o elo do universal com o singular. O
processo de concretização do conhecimento empírico consiste na
82

seleção de ilustrações, exemplos, que se enquadram na classe


correspondente de objetos. A concretização do conhecimento teórico
consiste na dedução e explicação das manifestações particulares e
singulares do sistema integral a partir de seu fundamento universal. Os
termos da palavra são os meios indispensáveis para estabelecer o
conhecimento empírico. O conhecimento teórico é expresso, acima de
tudo, nos procedimentos da atividade mental e, em seguida, com a ajuda
de diferentes meios simbólicos e semióticos, em particular as línguas
naturais e artificiais (DAVÍDOV, 1988, p. 154-155, tradução nossa).

A partir da compreensão de como a teoria do ensino desenvolvimental entende


as relações, contradições e os processos de desenvolvimento do pensamento empírico e
do pensamento teórico na educação escolar, espera-se ter evidenciado que, para além da
assimilação de conceitos científicos, o ensino é um meio do desenvolvimento mental que
pode, conforme Sforni (2004, p. 12), levar o estudante a internalizar um conhecimento
significativo: “[...] aquele que se transforma em instrumento cognitivo do aluno,
ampliando tanto o conteúdo quanto a forma do seu pensamento”.
Davydov (1982, 1988) afirma que a base do ensino desenvolvimental são os
conteúdos das disciplinas escolares, e deles originam-se os métodos de organização de
ensino. O autor entende que, ao se iniciar o domínio de qualquer matéria curricular, os
estudantes, com a ajuda dos professores, analisam o conteúdo do material curricular e
identificam nele a relação geral principal. Desta forma, compreende-se que é necessário
que o professor tenha um conhecimento profundo do conteúdo a ser ensinado, para que
possa organizar a aprendizagem dos alunos nessa perspectiva de desenvolvimento.
Nesse sentido, o processo de ensino e de educação tem como base a assimilação,
pelos alunos, do conteúdo das disciplinas escolares. No entanto, esta assimilação deve ser
corretamente organizada e orientada, de forma a conduzir os estudantes a realizarem
aquele movimento do pensamento do abstrato ao concreto e à formação de abstrações e
generalizações substantivas, para que se formem os conceitos científicos, e o estudante
desenvolva o pensamento teórico.

1.4.1 A atividade de estudo e sua organização

Para Davídov (1988), o ingresso da criança na escola promove uma verdadeira


revolução em seu desenvolvimento. Dá-se início, então, de modo sistemático e
organizado, ao processo de assimilação das formas mais desenvolvidas da consciência
83

social: ciência, arte, literatura, matemática, filosofia, todo um universo de conhecimentos


que levarão a transformações na consciência e na personalidade, impulsionadas pelo
desenvolvimento do pensamento teórico. De acordo com o autor, todo esse processo de
revolução no desenvolvimento se realiza por meio da inserção da criança numa nova
atividade que passa a ser a atividade retora de seu desenvolvimento, a atividade de estudo.
Davídov (2019d) pontua que somente é possível compreender o processo de
desenvolvimento desencadeado pela atividade de estudo se entender o que é atividade no
sentido filosófico e psicológico e a atividade de estudo no sistema de periodização do
desenvolvimento, como se buscou esclarecer anteriormente. A teoria da atividade de
estudo, segundo o próprio Davídov (2019d), surge e se desenvolve principalmente graças
às pesquisas desenvolvidas por este em colaboração com Elkonin.
Assim, no final dos anos 1950, os dois pesquisadores coordenaram, em escolas
das cidades de Moscou e Karkov, principalmente, uma série de pesquisas experimentais
sobre o ensino escolar. Eles observaram também que, mesmo nas escolas que poderiam
ser consideradas boas e com bons professores, para os pesquisadores, os estudantes não
entravam verdadeiramente em atividade de estudo: os professores explicavam o conteúdo
e davam exercícios para os alunos resolverem, levando-os, como explicitado no item
anterior, à formação de abstrações e generalizações simples e ao desenvolvimento do
pensamento empírico.
As pesquisas experimentais coordenadas por Davídov (2019a) e Elkonin
(2019b) revelaram que, mesmo em escolares de menor idade, antes da adolescência, é
possível aumentar o nível teórico do ensino e organizar a atividade de estudo. Isso levaria
à formação de abstrações e generalizações substantivas e ao desenvolvimento do
pensamento teórico na escola primária ou elementar.
A premissa básica, como já explicitado anteriormente, é superar a lógica formal
pela lógica dialética na organização do ensino, compreendendo que os aspectos visuais
dos objetos de conhecimento e a generalização de traços e atributos externos comuns não
são suficientes para formar o conceito.
Davydov (1982) afirma que é indispensável: formar nas crianças representações
mentais que dispensem o caráter visual-gráfico com vistas à formação de um pensamento
autônomo; expor com mais precisão os principais conceitos das disciplinas escolares, e
erradicar o formalismo nos conteúdos a ensinar e nos métodos do trabalho pedagógico.
84

Na escola, devem-se organizar condições adequadas para colocar as crianças em atividade


de estudo, e o conteúdo desta atividade são os conhecimentos teóricos.

Em primeiro lugar, a atividade de estudo plena, como atividade retora


dos alunos de menor idade, pode ser a base de seu desenvolvimento
omnilateral. Em segundo lugar, as atitudes e hábitos realmente firmes
de leitura compreensiva e expressa, de escrita e cálculo corretos se
formam nas crianças na presença de determinados conhecimentos
teóricos. Em terceiro lugar, a atitude honesta das crianças sobre o estudo
se apoia em sua necessidade, desejo e capacidade de aprender, o que
surge no processo de cumprimento real da atividade de estudo
(DAVÍDOV, 1988, p. 171, tradução nossa).

Com o objetivo inicial de desenvolver uma pesquisa sobre o ensino escolar, as


pesquisas coordenadas por Elkonin e Davídov resultaram na teoria da atividade de estudo
que, posteriormente, se tornou conhecida como sistema Elkonin-Davídov. Esta teoria foi
empregada em escolas de várias regiões da Rússia e da Ucrânia e foi até mesmo
reconhecida com sistema oficial de ensino russo nas décadas de 1980 e 1990
(LAZARETTI, 2011).
Puentes (2017) elucida que esse sistema se destacou de outros, como do sistema
Galperin-Talízina e do Zankoviano, devido, primeiramente, ao prestígio atingido por seus
principais representantes e, em segundo, pelas numerosas contribuições realizadas no
plano teórico e prático com a elaboração de diversas teorias.

O sistema Elkonin-Davidov fundou inúmeros grupos de trabalho e


centros de pesquisas em diversas cidades das antigas repúblicas
soviéticas como na Rússia, Ucrânia, Bielorrússia e Letônia. Também
criou um eficiente programa de ensino primário e médio (Ensino
Fundamental completo) e estabeleceu instituições de formação
continuada de professores que funcionam até hoje (PUENTES, 2017,
p. 53).

Puentes (2019) explica que, inicialmente, o sistema era identificado com o nome
de Sistema de Aprendizagem Desenvolvimental Elkonin-Davídov. Contudo, a partir do
ano de 2018, uma parte do Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática Desenvolvimental
e Profissionalização Docente (Gepedi) tomou o nome Sistema Elkonin-Davídov-Repkin,
reconhecendo o papel importante do filósofo, filólogo, psicólogo, didata e metodologista
ucraniano V. V. Repkin.
85

Esse sistema baseia-se nos conteúdos escolares e tem a atividade de estudo como
teoria central, “que tem como conteúdo principal a autotransformação do sujeito por
intermédio da formação do pensamento teórico, a qual se constitui sobre a base do ensino
dos conceitos científicos e das ações mentais” (PUENTES, 2017, p. 53).
Para Davídov (2019d) é improvável ocorrer um bom desenvolvimento psíquico
dos alunos nas aulas no Ensino Fundamental sem a atividade de estudo. O autor salienta
que os componentes básicos da teoria da atividade de estudo são as tarefas e as ações de
estudo. Neste contexto, o pensamento teórico surge e se desenvolve no modo
generalizado de ação mental com os objetos, que se põe em movimento quando os
estudantes realizam uma tarefa cujo conteúdo é o conhecimento ou conceito teórico a ser
assimilado.
O professor não expressa o conhecimento a ser assimilado sob a forma de
palavras-termo ou definições prontas, mas precisa elaborar uma tarefa de tal forma que
os próprios alunos possam refletir sobre e expressar esse conceito em de ações. Para
Davídov (2019d), a ação está subjacente ao conceito, sendo necessário desenvolver esse
conceito, não na forma de palavras, mas sob a forma de ações mentais. O principal
conteúdo da atividade de estudo é a assimilação dos modos generalizados de ação na
esfera dos conceitos científicos e as mudanças qualitativas que este processo de
assimilação provoca no desenvolvimento psíquico da criança.

A assimilação é o processo de reprodução dos modos de ação formados


pelo indivíduo durante o processo histórico de transformação dos
objetos e da realidade circundante, de seus tipos de relações e o
processo de conversão desses padrões sociais em formas de
subjetividade individual (DAVÍDOV; MÁRKOVA, 2019, p. 196).

Nesse sentido, a atividade de estudo vai além do que levar a criança ao domínio
dos conhecimentos, mas é uma atividade em que a assimilação dos conhecimentos se dá
de maneira ativa e criativa, promovendo mudanças, reestruturações e enriquecimento das
funções psíquicas dos alunos (DAVYDOV; MÁRKOVA, 1987b). O que se observa,
frequentemente nas escolas, são os alunos escutando a explicação do professor e suas
demonstrações sobre algum conteúdo, num processo de ensino e aprendizagem em que
aparentemente as crianças estão “assimilando” os conteúdos transmitidos pelo professor.
Esse tipo de ensino não promove o desenvolvimento do pensamento teórico, mas sim do
pensamento empírico, como já observado.
86

A importância da educação formal para o desenvolvimento mental


envolve muito mais do que o conteúdo “material” que é apreendido.
Este é meramente o aspecto qualitativo do desenvolvimento intelectual:
a acumulação do conhecimento. As técnicas do pensamento, do mais
concreto ao mais geral, são apreendidas pela criança somente quando
ela domina o conteúdo. Entretanto o desenvolvimento intelectual é mais
do que apenas acumulação quantitativa nova e sempre mais operações
intelectuais complicadas. Todos esses processos assumem uma nova
qualidade durante a educação formal (ELKONIN, 1969, p. 91 apud
LAZARETTI, 2011, p. 54-55).

Ainda de acordo com Lazaretti (2011, p. 53), “[...] o aspecto fundamental da


atividade de ensino é marcado por um período específico no desenvolvimento mental da
criança, um período situado em uma nova idade escolar. Mas somente essa premissa não
garante que a atividade de estudo surja de modo espontâneo”. A autora afirma que,
segundo Elkonin, a atividade de estudo somente é formada no processo de instrução
formal, sob a orientação de um professor, e que desenvolver adequadamente a atividade
de estudo é um aspecto importantíssimo da educação escolar.
Davídov (1988) afirma que a base do ensino é seu conteúdo (conhecimentos e
conceitos teóricos) e que dos conteúdos se derivam os métodos (procedimentos) para
organizar o ensino. Para o autor, conforme já dito anteriormente, também é necessário
considerar que a atividade de estudo dos alunos deve ser estruturada em correspondência
com o procedimento de ascensão do abstrato ao concreto (lógica dialética).
Logo, na atividade de estudo, os alunos reproduzem o processo pelo qual os
conceitos foram criados, ou seja, o caminho de seu descobrimento. Realiza-se, assim, a
unidade do lógico e do histórico no desenvolvimento da cultura humana. Destarte, a
prioridade da aprendizagem escolar não é o conteúdo em si, mas as formas de pensamento
e ações mentais associadas a esse conteúdo.
A atividade de estudo, de acordo com Davídov (1988), fundamenta-se na
estrutura geral da atividade humana, analisada anteriormente. Assim, durante a atividade
de estudo, os alunos se desenvolvem no processo mesmo de assimilação dos
conhecimentos teóricos, ou seja, em outras palavras, vão se desenvolvendo e
transformando a consciência e o pensamento teórico.
Na medida em que os estudantes entram em atividade de estudo, começam a
sentir necessidade de assimilar os conhecimentos teóricos, modificando-se, desta forma,
os motivos para o estudo, que passam a ser os conhecimentos, e não a aprovação do
87

professor ou uma boa nota, por exemplo. “Desta forma, os conhecimentos teóricos,
constituindo o conteúdo da atividade de estudo, são simultaneamente sua necessidade”
(DAVÍDOV, 1988, p. 178, tradução nossa).
Elkonin (2019a) propõe a seguinte estrutura para a atividade de estudo,
enfatizando que seus componentes estão interligados entre si:

1. A tarefa de estudo que, pelo seu conteúdo, consiste no modo de ação


a assimilar; 2. as ações de estudo, cujo resultado é a formação do modo
de ação a assimilar e a execução primária do modelo didático; 3. a ação
de controle, que consiste na comparação da ação executada com o
modelo; 4. a ação da avaliação do grau de cognição das alterações que
aconteceram no próprio sujeito (ELKONIN, 2019a, p. 157).

Segundo o autor, a resolução de uma tarefa de estudo tem como objetivo formar
nos alunos modos de ação, entendendo-se por modo de ação uma ação particular com um
dado material. Esta se propõe à discriminação de tal forma que todas as habilidades
consequentes são determinadas durante a sua execução.
As ações de estudo são tarefas de estudo (modos de ação da resolução da tarefa)
que possibilitam aos alunos assimilarem o modo objetivo de ação. Começa-se pela
identificação do modelo, e Elkonin (2019a, p. 155) diz: “[...] pode-se supor que, durante
o acompanhamento do modelo da ação, a criança cria uma visão prévia a respeito de como
executar essa ação. Com base nisso, acontece a assimilação que resulta na reprodução da
ação”.
Na análise do modelo, ressalta-se a ação de controle da atividade de estudo. Esse
ato de controle consiste na comparação entre o que se pensava da atividade reproduzida
e o seu resultado com o modelo. Nisso, o controle determina a atividade de estudo como
um processo controlado pela própria criança. “Por sua vez, a atividade de estudo depende
do grau de formação do controle da atividade” (ELKONIN, 2019a, p 156).
Por último, a avaliação permite a identificação, pela criança, se a tarefa foi
realmente resolvida e se assimilou o modo de ação de forma que consiga aplicá-lo na
resolução de outras tarefas. Assim, “[...] a avaliação consiste na execução de uma tarefa
de estudo” (ELKONIN, 2019a, p. 166).
Dessa forma, Elkonin (2019a) ressalta que a obtenção do resultado correto da
tarefa é consequência da formação do modo generalizado de ação. O processo de
formação da atividade de estudo vai ocorrendo na transição gradual da proposição de
88

algumas ações do professor para o aluno, para que possam fazer as operações de maneira
mais autônoma.
Davídov (1988, p. 178, tradução nossa) ajuda a compreender melhor as relações
entre necessidades, motivos e ações na tarefa de estudo: “[...] a necessidade da atividade
de estudo estimula os escolares a assimilar os conhecimentos teóricos; os motivos, a
assimilar os procedimentos de reprodução destes conhecimentos por meio das ações de
estudo, dirigidas a resolver as tarefas de estudo”. Entende-se que, ao realizarem uma
tarefa de estudo, os alunos descobrem a essência do objeto estudado, reproduzindo-o
mentalmente sob a forma de conceito.
Para Davídov (1988, p. 181, tradução nossa), a resolução de uma tarefa de estudo
deve levar os estudantes ao cumprimento de seis ações:

1. Transformação dos dados da tarefa a fim de deixar clara a relação


universal do objeto estudado; 2. modelação da relação diferenciada em
forma objetal, gráfica ou por meio de letras; 3. transformação do
modelo da relação para estudar suas propriedades em “forma pura”; 4.
construção de um sistema de tarefas particulares a serem resolvidas por
um procedimento geral; 5. controle sobre o cumprimento das ações
anteriores; 6. avaliação da assimilação do procedimento geral como
resultado da solução da tarefa dada (DAVÍDOV, 1988, p. 181).

Cada uma dessas ações, de acordo com o autor, é composta por operações
correspondentes. É importante ressaltar a importância da mediação do professor na
condução da resolução das tarefas de estudo, pois, no início, os alunos não conseguem
resolvê-las e realizar as ações necessárias. Nesse processo, os estudantes vão adquirindo
as correspondentes capacidades e também autonomia para realizar a tarefa de estudo de
forma independente.
Davídov (1988) diz que a transformação dos dados da tarefa é a ação inicial, que
tem como objetivo descobrir a relação universal do objeto. A tarefa de estudo pode ser
um problema que leve os alunos a analisarem o conteúdo, a fim de chegar ao conceito
principal, essencial. Para o autor, essa ação é a principal, pois os alunos precisam
transformar os termos da tarefa, e esta não pode ser resolvida nos modos lógico-formais
de ação com um conteúdo.
A ação de estudo seguinte consiste na modelação da relação universal descoberta
na ação anterior. Nesta ação, a essência do conceito é modelada na forma simbólica: texto
escrito, gráficos, desenhos.
89

Na ação de transformação do modelo para estudar suas propriedades, o modelo


encontrado na ação anterior é analisado para o aprofundamento de suas propriedades, em
que se dá a abstração substancial da relação universal. Neste caso, ocorrem mudanças no
modelo para análise de situações particulares do conceito estudado.
Em sequência, a próxima ação é a construção de um sistema de tarefas
particulares. Com base na relação universal, os alunos chegam ao vínculo com as relações
particulares do conceito. Na lógica dialética, operar mentalmente com um conceito é
descobrir sua essência, seus nexos universais e também conseguir aplicá-lo numa situação
particular (movimento do pensamento do geral para o particular e vice-versa).
O controle é ser capaz de acompanhar e monitorar as próprias ações e operações
na realização das ações anteriores. Deste modo, os alunos examinam o seu aprendizado,
ou seja, corrigem o curso das ações necessárias para a realização da tarefa. Elkonin
(2019a) ressalta que o controle da atividade de estudo leva o aluno a voltar para o modelo,
tornando a compreensão do conceito mais precisa. Assim, o controle representa a
comparação da ação subsequente com o próprio modelo, e o aluno assimila melhor o
modo de ação.
Na ação da avaliação, o professor ajuda os alunos a refletirem e a analisarem se
eles compreenderam a relação universal do conceito, em outras palavras, o conteúdo da
tarefa de estudo. A avaliação permite aos alunos identificarem seu nível de compreensão
do conceito bem como ao professor analisar se assimilaram os modos de ação para
realizar outras tarefas. Para Davydov e seus colaboradores, pode-se compreender a
atividade de estudo como uma teoria do ensino e da aprendizagem.

Esta especificidade consiste, em primeiro lugar, na salvaguarda do


enfoque da atividade em relação ao processo de estudo; em segundo
lugar, o exame da atividade de estudo na unidade de todos os seus
componentes (tarefa e ações de estudo, ações de controle e avaliação);
em terceiro lugar, em um enfoque especial sobre as neoformações da
atividade de estudo que implica o desenvolvimento intelectual
(pensamento teórico) e o desenvolvimento moral (motivação); em
quarto lugar, o objetivo de direcionar, desde o aspecto da atividade ao
aspecto pessoal de desenvolvimento da criança (DAVÍDOV;
MÁRKOVA, 1987b, p. 327-328, tradução nossa).

Nessa perspectiva, a atividade de estudo como teoria do ensino e da


aprendizagem deve ser compreendida como um processo, em que todos os seus
componentes formam uma unidade. Isso levará os alunos a formarem novas necessidades
90

e motivos para a assimilação dos conteúdos escolares, o que implicará o desenvolvimento


do pensamento teórico, num movimento dinâmico e dialético.
Para Davídov (1999b) é necessário que, no processo de ensino e aprendizagem,
sejam desenvolvidas as necessidades dos alunos de se apropriarem dos produtos culturais
da humanidade. O autor afirma que, sem o surgimento e desenvolvimento da necessidade,
a atividade de estudo não pode existir. Outra condição para a organização adequada da
atividade de estudo é a formulação de tarefas de estudo que possam ser resolvidas por
meio das ações apresentadas acima, de modo que a atividade de estudo criativa e motivada
dos estudantes seja colocada em movimento.
Desse modo, segundo Davídov (2019c, p. 172), “[...] o domínio dos modos de
generalizações de ação, desde o ponto de vista do conteúdo (teórico) da solução de
centenas de tarefas práticas concretas, é a característica substancial da tarefa propriamente
de estudo”. Ou seja, formular uma tarefa de estudo para o aluno significa colocá-lo em
atividade de estudo.
O desenvolvimento do pensamento teórico é o objetivo da atividade de estudo e
é formado nos alunos durante a realização das tarefas. Ao esclarecer essa ideia, Davídov
(2019a) destaca que o caráter desenvolvimental da atividade de estudo se deve justamente
pelo fato de que o seu conteúdo é teórico em sua essência. Destarte, é necessário
selecionar os conteúdos das disciplinas escolares (os conceitos nucleares) que
correspondam às particularidades e à estrutura da atividade de estudo.
Em relação à seleção dos conteúdos escolares e como estes se inserem na tarefa
e aparecem nas ações de estudo, Davídov (1988) apresenta as seguintes considerações: 1)
a assimilação dos conhecimentos de natureza geral e abstrata precede o conhecimento
pelos alunos de temas mais particulares e concretos; estes últimos são deduzidos pelos
próprios alunos, a partir do geral e abstrato, como única base que formam; 2) os alunos
assimilam os conhecimentos que constituem um conteúdo particular ou suas partes
básicas, no processo de análise das condições sob as quais é originado e que o tornam
essencial; 3) ao serem verificadas as fontes objetais de alguns conhecimentos, os alunos
devem, antes de tudo, saber como identificar no material de estudo a relação
geneticamente inicial, essencial e universal, que determina o conteúdo e a estrutura do
objeto destes conhecimentos; 4) os alunos reproduzem esta relação em específicos
modelos objetais, gráficos ou de letras, que lhes permitem estudar suas propriedades em
sua forma pura; 5) os alunos devem ser capazes de concretizar a relação geneticamente
91

inicial e universal do objeto em estudo em um sistema de conhecimentos particulares


sobre ele, os quais devem se manter em uma só unidade, que possa lhes garantir as
transições mentais do universal para o particular e vice-versa; os alunos devem saber
passar da realização das ações no plano mental à sua realização no plano externo e vice-
versa.
Ainda de acordo Davídov (2019a), é no processo vivo, dinâmico e sistemático
da realização das tarefas que os alunos entram em atividade de estudo, apresentando ao
autor considerações importantes para que o professor possa organizar esta atividade:

Primeiro, o processo de assimilação do conhecimento acontece durante


a resolução das tarefas de estudo. Segundo, a resolução das tarefas de
estudo permite que o aluno assimile algo comum, mesmo antes de
manifestações particulares. Terceiro, o método principal de
aprendizagem na escola deve ser o de introdução do aluno na situação
da tarefa de estudo (DAVÍDOV, 2019a, p. 238).

1.4.2 A atividade de estudo na adolescência

Na teoria do ensino desenvolvimental, a atividade de estudo na adolescência se


diferencia das etapas anteriores da escolarização. O ensino do adolescente deve ter como
objetivo desenvolver nos alunos o domínio dos procedimentos e meios de aquisição
autônoma do conhecimento. De acordo com Davídov (2019a), quando a atividade de
estudo é formada nas crianças das séries iniciais, os alunos dos níveis superiores terão
condições de estudar com êxito, visto que o estudo é um dos tipos de atividade
socialmente útil.
Elkonin (1961) entende que, nas etapas mais avançadas da educação escolar, o
novo conteúdo, mais elaborado e complexo, exige novos métodos para sua assimilação.
A atividade de estudo na adolescência tem um caráter fundamentalmente diferente dos
alunos do ensino primário, pois se formam novos motivos e interesses para o estudo e
aprendem-se novos métodos de trabalho mental sobre o material de estudo. Ainda
segundo o autor, entre os novos motivos para o estudo, aparecem os deveres sociais e
também outros interesses cognitivos, e os estudantes manifestam interesse pela ciência e
por sua aplicação prática cotidiana.
Elkonin (1961) ressalta, ainda, que uma das características dos interesses do
adolescente é seu caráter ativo, manifestado na tendência de satisfazê-lo na atividade real.
92

Porém, por vezes, esse caráter ativo dos interesses conduz a um desprestígio dos
conhecimentos teóricos, que podem não ganhar significado em sua prática diária. Disso
decorre o famoso e recorrente questionamento aos professores, dos quais a Matemática
não escapa: onde vou usar o que estou estudando?
Os interesses dos adolescentes muitas vezes adquirem um caráter unilateral e
demonstram um interesse extraordinário por questões que gostam, por determinadas
disciplinas ou por uma atividade, secundarizando ou abandonando as demais. A esse
respeito, Elkonin (1961) afirma a importância de se organizar bem o ensino, de forma que
os adolescentes desenvolvam motivos e interesses por todos os ramos do saber, bem como
o interesse geral pelo estudo.
Ao longo de mais de 10 anos de pesquisa com adolescentes, Davídov e Márkova
(1987b) observaram a possibilidade do surgimento das seguintes características
qualitativas no desenvolvimento intelectual: a organização dos próprios alunos de sua
atividade de estudo; a passagem de um tipo de atividade a outra; os motivos de estudo se
manifestam como uma permanente orientação autônoma dos alunos para a realização da
atividade; diferenças individuais expressadas na atividade de estudo, que se manifestam
no distinto nível de formação de meios e procedimentos para realizá-la.
Todas essas particularidades constituem as características do comportamento
cognitivo dos adolescentes, formando importantes neoformações psicológicas desta idade
que determinam o seu desenvolvimento. Essas neoformações conduzem ao pensamento
teórico, que representa um novo tipo de postura pessoal do adolescente para a realidade.
Assim, os estudantes começam a avaliar e a assimilar os modelos e medidas elaborados
socialmente (DAVÍDOV; MÁRKOVA, 1987b).

Portanto, o desenvolvimento do pensamento teórico, enquanto


explicamos a crise da adolescência, consistiu em uma gradual
acumulação de generalizações que indicam que as peculiaridades das
manifestações e do curso do período da adolescência estão
determinadas por situações sociais concretas da vida e do
desenvolvimento do adolescente e por sua situação social no mundo dos
adultos (DRAGUNOVA, 1980, p. 128, tradução nossa).

A situação social em que se encontra o adolescente condiciona uma nova posição


deste em relação à atividade de estudo. Davídov e Márkova (1987b) consideram a
formação do caráter voluntário da atividade intelectual como um novo vetor do
93

desenvolvimento. Assim, as mudanças do tipo de pensamento nessa idade produzem


novas peculiaridades no desenvolvimento intelectual.
É importante enfatizar que o pensamento teórico formado no ensino infantil
serve de base fundamental para o surgimento das neoformações psicológicas nos
adolescentes. Os alunos passam das transformações objetais para a análise ativa de sua
experiência prática, assimilando as relações entre os fins, os meios e as condições da
atividade. A atividade, então, se desprende ainda mais da experiência e das
transformações visuais do objeto (DAVÍDOV; MÁRKOVA, 1987b).
Com base na periodização do desenvolvimento humano, proposta pela teoria
histórico-cultural, a atividade de estudo é a atividade principal na idade escolar inicial.
Na adolescência, a atividade principal é a comunicação, e a atividade de estudo se
apresenta como uma das formas particulares da atividade socialmente útil.
Assim, uma das formas de ajudar o desenvolvimento intelectual do adolescente
é organizar a atividade de estudo de forma que ele realize as tarefas de estudo sempre em
colaboração uns com os outros, em um trabalho escolar conjunto. Nas tarefas
colaborativas, os alunos se encontrarão em posição de avaliar e serem avaliados, surgindo
no adolescente a capacidade de colocar e defender seu ponto de vista no grupo.
Nesse sentido, Davídov e Márkova (1987b) afirmam que esse novo tipo de
posição junto ao grupo social na atividade de estudo se forma como capacidade para
avaliar suas próprias ações diante da posição de outras pessoas. “Os dados mostram que
os meios de colaboração no trabalho escolar conjunto reestruturam as características do
conteúdo da atividade intelectual dos adolescentes” (p. 191, tradução nossa).
Os autores entendem que, para a passagem das neoformações das crianças às
particularidades qualitativamente novas da atividade intelectual dos adolescentes, é
indispensável a presença de pelo menos duas condições: “[...] as transformações objetais
e as reestruturações dos aspectos do objeto estudado e sua realização distribuída entre os
participantes da atividade conjunta” (DAVÍDOV; MÁRKOVA, 1987b, p. 191, tradução
nossa).
A reflexão dos adolescentes sobre esses procedimentos e sobre a forma com que
os outros alunos realizam sua atividade possibilita o desenvolvimento do domínio de seu
próprio comportamento. Isso ocorre devido ao estabelecimento de motivos cognitivos
intimamente ligados às características do conteúdo da atividade de estudo. Nisso,
94

paulatinamente, uma estrutura complexa e novas funções são formadas na atividade


intelectual dos adolescentes.
Nessa perspectiva, Davídov e Márkova (1987b) entendem que a formação de
uma nova estrutura psíquica na adolescência transcorre por várias linhas inter-
relacionadas: “[...] as formas autônomas de cumprimento de todos os elos da atividade de
estudo, o aparecimento de motivos de novo tipo, o aumento do papel das diferenças
individuais na atividade” (p. 192, tradução nossa).
Assim, no período da adolescência, os alunos têm maior sensibilidade para a
transição a um nível mais elevado e exigente de atividade de estudo. A esse respeito,
Elkonin (2019c, p. 146) afirma que: “[...] nesse nível, o adolescente descobre um novo
propósito da atividade de estudo que consiste no seu autodesenvolvimento e
autoeducação. Esse fato poderia representar a particularidade etária do período da
adolescência”. A transição do período da infância à adolescência, portanto, é a transição
para uma nova forma de atividade – a atividade de comunicação, a atividade de estudo,
embora seja uma particularidade da atividade comunicação, que desempenha um papel
de grande importância no desenvolvimento da personalidade do adolescente rumo ao
domínio do próprio comportamento.
95

2 O ESTUDO DA RAIZ QUADRADA DE NÚMEROS QUADRADOS


PERFEITOS: UM EXPERIMENTO DIDÁTICO-FORMATIVO

Neste capítulo será apresentada e analisada uma forma de organização do ensino


de Matemática, especificamente do conceito de raiz quadrada exata, fundamentada na
teoria histórico-cultural e na teoria do ensino desenvolvimental. O objetivo é a formação
do conceito de raiz quadrada e o desenvolvimento do pensamento teórico de alunos do 6º
ano do Ensino Fundamental. Entende-se que os pressupostos psicopedagógicos da teoria
do ensino desenvolvimental possibilitam uma organização da atividade de estudo que não
apenas leva à formação conceitual, mas que também promove o desenvolvimento das
funções psíquicas superiores como um todo.
No primeiro tópico do capítulo, elucidou-se o experimento didático-formativo
como metodologia de pesquisa e como forma de organização do ensino desenvolvente.
Ressalta-se que a essência do experimento didático-formativo como metodologia de
pesquisa e como forma de organização do ensino se expressa na possibilidade de provocar
e estudar processos de transição e de desenvolvimento de novas formações psíquicas, por
meio do trabalho mental com conceitos científicos.
Em seguida, comentou-se o processo de organização do experimento didático-
formativo realizado com estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental, desde a análise do
conteúdo/conceito a ser assimilado pelos alunos até a elaboração das tarefas de estudo
que compõem o plano de ensino desenvolvimental. Apresentou-se, também, neste
capítulo, uma caracterização da escola campo, em que o experimento didático-formativo
foi desenvolvido, bem como dos alunos que dele participaram.

2.1 O EXPERIMENTO DIDÁTICO-FORMATIVO COMO METODOLOGIA DE


PESQUISA

A metodologia de investigação que se buscou para a pesquisa do ensino do


conceito de raiz quadrada de números quadrados perfeitos está fundamentada no
experimento didático-formativo elaborado e desenvolvido por Elkonin, Davydov e
colaboradores. Este, por sua vez, nasceu dos princípios do método genético experimental
desenvolvido por Vigotski e seus colaboradores, na década de 1930, ancorado no método
materialista histórico-dialético para a análise e compreensão dos fenômenos psíquicos.
96

As pesquisas de Vigotski buscavam compreender a gênese e o processo de


desenvolvimento das funções psíquicas superiores propriamente humanas, considerando-
se as operações com os signos, a linguagem e o contexto histórico-cultural como fonte
destas funções.
Davídov (1988) explica que o método de pesquisa, por ele elaborado e
denominado de experimento formativo, investiga a organização do ensino escolar e sua
influência no desenvolvimento mental dos alunos. Neste sentido, a essência desse método
se expressa: no estudo dos processos de transição para novas formas psicológicas em
situação escolar; no estudo das condições de surgimento de um ou outro fenômeno
psíquico, e na criação experimental das condições necessárias para que surjam
(DAVÍDOV; MÁRKOVA, 1987b).
Esse método possibilita, assim, uma análise mais profunda e situada do
fenômeno em estudo: o desenvolvimento mental na escola. De acordo com Vigotski
(2012) é preciso realizar uma análise que revele a essência do objeto de estudo,
ultrapassando sua aparência externa. Desta maneira, de acordo com o autor, esse tipo de
investigação – genético-experimental – é a chave para a compreensão do processo de
desenvolvimento mental/psíquico, sendo que Davídov (1988) leva esse fundamento para
a investigação do processo de ensino e aprendizagem de conceitos científicos na escola.
Segundo Vigotski (2007), nem todo aprendizado é desenvolvimento. Entretanto,
o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em
movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis
de acontecer. “Assim, o aprendizado é um aspecto necessário e universal do processo de
desenvolvimento das funções psicológicas culturalmente organizadas e especificamente
humanas” (p. 103).
Assim, Davídov (1988) e colaboradores desenvolveram o método de
investigação do ensino que promove o desenvolvimento – o experimento didático-
formativo – caracterizado pela intervenção ativa do investigador nos processos psíquicos
que quer estudar.

Este método é apoiado pela organização e reorganização de novos


programas de educação e ensino e pelos procedimentos para realizá-los.
O ensino e a educação experimentais não são realizados adaptando-se
ao atual nível, já formado, de desenvolvimento psíquico das crianças,
mas usando, na comunicação do educador com as crianças, meios que
97

ativamente formam neles o novo nível de desenvolvimento das


capacidades (DAVÍDOV, 1988, p. 196, tradução nossa).

Conforme o autor, o experimento formativo não se realiza ao adaptar o ensino


às capacidades psíquicas já formadas, mas busca intervir de modo a possibilitar o avanço
para períodos seguintes, com novos níveis de desenvolvimento. Ao explicitar o termo
experimento didático-formativo, Freitas (2010) afirma que este representa uma
alternativa significativa para pesquisas didáticas, sobretudo quando se busca investigar
como se dá o processo de ensino e aprendizagem de um determinado conceito/conteúdo
escolar.

É “experimento” por tratar-se de por em prática uma intervenção


pedagógica por meio de determinada metodologia de ensino, visando
promover as ações mentais do aluno para que haja mudanças em seus
níveis futuros esperados de desenvolvimento mental. É “formativo”
porque se trata de uma sucessão de ações e interações que vão
ocorrendo na atividade dos alunos, obedecendo a um processo em que
vão sendo formadas ações mentais (FREITAS, 2010, p. 03).

Ainda segundo a autora é necessário ressaltar que o termo experimento não tem
relação com a pesquisa quantitativa de caráter lógico-experimental utilizada pela
abordagem positivista, realizada com alto controle de variáveis quantificáveis. O método
de experimento didático-formativo: “[...] visa investigar os processos de surgimento de
novas formações mentais nos alunos durante a atividade de estudo, mediante orientação
para se atingir determinados objetivos” (LIBÂNEO; FREITAS, 2013, p. 328).
O experimento didático-formativo objetiva promover e analisar as mudanças
qualitativas no pensamento dos alunos a partir de um modo específico de organização do
ensino. A organização da atividade de estudo é a característica desta metodologia de
pesquisa, devido ao seu caráter teórico-prático. Assim, é durante a realização da atividade
de estudo pelos alunos, devidamente organizada pelo professor/pesquisador, que os
estudantes assimilam ativa e criativamente os conceitos e desenvolvem o pensamento
teórico (DAVÍDOV, 2019a). Longarezi (2019) afirma que a atividade educativa, no
contexto do experimento didático-formativo, se estabelece no coração da atividade
investigativa, do mesmo modo que a atividade de pesquisa se configura no coração da
atividade de estudo.
Porém, como afirma Kopnin (1972), é necessário cuidado do pesquisador, para
que não faça do seu experimento investigativo um fetiche, um procedimento
98

metodológico que já traz a explicação do fenômeno estudado em si mesmo. “Ademais,


os próprios dados experimentais já não são um fato puro, que deva ser apenas constatado;
eles compreendem, ainda, determinada interpretação” (p. 256). Nesta perspectiva, os
resultados do experimento são analisados a partir da fundamentação teórica que o
sustenta.
Aquino (2017) reconhece a complexidade desse tipo de investigação,
considerando que a realidade socioeducativa escolar é complexa e dinâmica.

O experimento didático-formativo é complexo no seu delineamento, na


estruturação prévia, na sua duração, assim como na avaliação. Mas,
uma visão científica destes problemas dificilmente pode subestimar a
importância da investigação didática experimental para o estudo das
relações internas entre o ensino e o desenvolvimento dos escolares
(AQUINO, 2017, p. 339).

Desse modo, para que se possa compreender como se dá o processo de


aprendizagem e desenvolvimento do conceito de raiz quadrada, é fundamental
experimentar o modo específico de organização do ensino proposto pela teoria do ensino
desenvolvimental, acompanhar a aprendizagem dos alunos e seu processo de
desenvolvimento. É preciso intervir na aprendizagem para colocar em marcha e poder
analisar os processos psíquicos que se objetiva investigar.

2.2 ORGANIZAÇÃO DO EXPERIMENTO DIDÁTICO-FORMATIVO

Esse experimento didático-formativo foi organizado a partir do conceito da raiz


quadrada exata, por meio da proposição de tarefas de estudo em que se busca levar os
estudantes a realizarem as seis ações de estudo propostas por Davídov (1988), como
apresentado no capítulo anterior. O experimento consiste numa sequência de tarefas a
serem realizadas pelos alunos, com o objetivo de revelar a relação essencial do conceito
de raiz quadrada exata.
No ensino desenvolvimental, os métodos de ensino derivam dos conteúdos
escolares, pois o trabalho pedagógico, com os conteúdos específicos, incorpora o método
de investigação da ciência que dá origem à matéria de ensino. Logo, o conhecimento
didático por parte do professor diz respeito ao conhecimento profundo do conteúdo e de
seus procedimentos lógicos e investigativos (LIBÂNEO, 2016). Daí a importância lógica
99

e histórica de cada área do conhecimento e de por que se tornar necessário, ao professor


da disciplina escolar Matemática, compreender o método de investigação da ciência
Matemática.
Ainda de acordo com Libâneo (2016), é imprescindível que o professor conheça
o processo de desenvolvimento e constituição do objeto de conhecimento que ensina na
prática social e histórica do campo científico, uma vez que a análise do conteúdo é
primordial para o planejamento do ensino. Neste contexto, o professor consegue planejar
e realizar o ensino que desenvolve porque compreende a relação geral e universal do
conceito a ser ensinado.
Davídov (1988) afirma que os alunos aprendem um conteúdo quando entendem
e realizam as ações mentais ligadas a este. Desta forma, no transcorrer do experimento de
ensino, ocorre a aquisição de procedimentos mentais que “ligam” a aprendizagem ao
ensino. É fundamental também observar o que afirma Vigotski (2007), que o professor
não deve entregar ao estudante os conceitos prontos, mas levar o aluno a formar seus
conceitos.
Também é preciso considerar, na elaboração do plano de ensino, que forma e
conteúdo são indissociáveis. Em outras palavras, o conhecimento do conteúdo e o
conhecimento pedagógico do conteúdo formam uma unidade. “Supõe uma relação
indissolúvel entre o plano epistemológico (da ciência ensinada) e o plano didático, ou
seja, o vínculo essencial entre o conhecimento disciplinar e o conhecimento pedagógico-
didático” (LIBÂNEO, 2012, p. 47).
Sendo assim, para a elaboração do plano de ensino do experimento didático-
formativo desta pesquisa, buscaram-se realizar a análise do conteúdo/conceito a ser
ensinado e a elaboração das tarefas de estudo.
Na análise do conteúdo/conceito a ser ensinado, almeja-se encontrar a essência
do conceito que contém a generalização almejada, para que o aluno consiga deduzir as
suas relações particulares a partir da relação básica. Neste estudo, como mostra Libâneo
(2016), ocorre a identificação das habilidades cognitivas gerais e específicas presentes no
conteúdo que deverão ser alcançadas pelos alunos. É nesse momento também que o
professor compreende com mais profundidade a rede conceitual e as relações existentes
na essência do conceito em questão.
Após a análise do conteúdo, advém a elaboração das tarefas de estudo. É
importante que estas tarefas permitam que o investigador situe os fenômenos psicológicos
100

que quer analisar na zona de desenvolvimento próxima aos alunos. Sforni (2015) entende
que conhecer o nível de desenvolvimento presente dos alunos colabora para o
planejamento das tarefas adequadas à assimilação e à passagem para o próximo nível de
desenvolvimento. O nível atual pode ser identificado com observações, entrevistas e
diálogos com os estudantes e o professor da turma, dentre outros procedimentos.
Dessa forma, as tarefas de estudo devem ser elaboradas de tal forma a mobilizar
as funções psíquicas superiores para que o pesquisador possa proceder à análise dos
processos cognitivos. Sforni (2015) explica que o pensamento teórico se vincula ao
desenvolvimento das funções psíquicas superiores, que se desenvolvem conforme os
alunos vão entrando em atividade de estudo. Neste ínterim, a atenção, a percepção, a
memória, a imaginação, a criatividade, o raciocínio lógico, a análise e a reflexão
desenvolvem-se quando são colocados em movimento pelas tarefas.
Por último, é necessária a formulação de tarefas particulares para analisar se os
alunos conseguem operar mentalmente com os conceitos em diferentes situações, ou seja,
se desenvolveram a capacidade de utilizar os conceitos como ferramentas mentais. Sforni
(2015) mostra que isso sugere a participação efetiva dos estudantes na elaboração da
síntese conceitual, em que pensamento e linguagem formam uma unidade.
Assim, iniciou-se o planejamento do experimento didático-formativo com a
elaboração do plano de ensino desenvolvimental, a partir da análise do conteúdo/conceito
a ser ensinado e da elaboração das tarefas de estudo, de acordo com o que foi sintetizado
no quadro abaixo. Em seguida, detalharam-se os procedimentos orientadores da
elaboração do plano de ensino desenvolvimental.

Quadro 3 - Procedimentos orientadores do plano de ensino.


Análise do a) Investigar os aspectos lógico-históricos do conceito.
conteúdo b) Analisar a essência do conceito.
c) Compreender a rede conceitual e suas relações.
Elaboração a) Investigar a ZDP (zona de desenvolvimento próximal) dos alunos.
das tarefas deb) Mobilizar as FPS (funções psícológicas superiores).
estudo c) Impulsionar a formação do pensamento teórico.
d) Avaliar se os alunos operam mentalmente com o conceito.
Fonte: elaborado pela autora com base em Sforni (2015).

2.2.1 Análise do conteúdo/conceito a ser ensinado


101

Neste item explicitou-se o conceito de raiz quadrada de números quadrados


perfeitos, um caso particular de radiciação, conceito a ser trabalhado com os estudantes
no experimento didático-formativo. Compreende-se que, no planejamento do ensino
desenvolvimental, é preciso realizar primeiramente a análise do conceito a ser ensinado,
pois os conceitos têm embutidos em si os processos mentais pelos quais vieram a ser
constituídos. Entende-se, assim, que é imprescindível a unidade entre o conhecimento dos
conceitos que constituem a disciplina e o conhecimento pedagógico-didático para o
ensino destes, o que pressupõe, de acordo com Libâneo (2016), incorporar no método de
ensino o método da ciência que dá origem à matéria de estudo.
Nesse sentido, Contador (2008) mostra que o cálculo da raiz quadrada realizada
pelos egípcios era bem primitivo, partindo de abstrações iniciais. “Transformavam o
número dado na área de um quadrado, depois por um método geométrico calculavam o
lado desse quadrado” (p. 74). Com base nessa ideia e nas proposições davydovianas é que
foram pensadas as tarefas de estudo do plano de ensino da presente pesquisa.
Hogben (1970) aponta que o conceito de área, voltado principalmente a
superfícies quadradas, esteve ligado a mosaicos como instrumentos de pavimentação de
uma superfície plana. A utilização desses objetos para ornamentação impulsionou os
conhecimentos sobre o cálculo de área. “Há razões para crer que uma das primeiras
descobertas sobre área foi feita, quando se começou a pavimentar assoalhos com ladrilhos
quadrados” (p. 67).
O autor em questão destaca, assim, que, mesmo antes de os chineses saberem
sobre o teorema do grego Pitágoras, utilizavam o quadrado como unidade de medida de
área, da mesma forma que outras civilizações antigas. Hogben (1970) acrescenta,
também, a proximidade de ideias sobre o conceito de área e a cobrança de impostos, em
que o valor da terra era computado, inicialmente, pela quantidade de cevada ou de arroz
que nela podia plantar.
Nesse movimento, símbolos para raízes apareceram desde as civilizações
antigas, como por exemplo, o símbolo , encontrado nos papirus egípcios. Ressalta-se
que, na introdução do conceito de signos, Vigotski (2001) ampliou sua visão sobre o
desenvolvimento, distinguindo os modos de funcionamento naturais decorrentes da
evolução do homem e as formas artificiais ou instrumentais, representando o produto das
relações históricas. Logo, no desenvolvimento da linguagem, as palavras não surgem
102

aleatoriamente, mas sempre na forma de um signo relacionado, comum à imagen ou a


uma operação.
Contador (2008) afirma que Brahmagupta, na Índia, usava a letra c para indicar
uma raiz. Logo, √25 = 𝑐25. De acordo com Garbi (2006), a simbologia matemática
avançou de forma significativa com Diofanto e com a adoção do Sistema Indo-arábico de
numeração. Deste modo, na tradução do árabe para o latim do livro Os Elementos, de
Euclides, segundo Contador (2008), a palavra radix foi traduzida como raiz quadrada, e
o símbolo ℞ começou a ser usado como raiz.
A simbologia é uma parte imprescindível para o desenvolvimento da
Matemática, pois, com seu adequado estabelecimento, tornou mais fácil entender,
aprender e trabalhar com o conteúdo cada vez mais aprimorado. A linguagem matemática,
formada a partir das palavras, pelos grupos humanos, expressa o movimento numérico7
com o seu sistema de símbolos e signos.
É importante ressaltar que a Álgebra de Al-Kwarizmi (783-850) e de outros
matemáticos era retórica ou sincopada8. Fibonacci (1175-1250), influenciado pelos
trabalhos de Bhaskara e Al-Khowârizmi, escrevia suas equações de forma retórica
também e chamava a incógnita de radix (raiz), quadrado de censos e seu cubo de cubus.
Essa representação já havia sido criada anteriormente e durou mais três séculos. Assim,
Fibonacci escrevia radix quadratus 25 aequalis 5 para representar a notação atual √25 =

5. E, em 1220, consagrou o uso da letra ꝶ para representar a raiz quadrada, logo, ꝶ 25 =

√25.
De acordo com Contador (2008), essa mesma nomenclatura foi utilizada por
Luca Pacioli, porém, acrescida da letra v, quando a expressão envolvia dois ou mais

radicais. Desta maneira, √√20 − 5 era representado por ꝶʋꝶ20𝑚̃5, em que ꝶʋ era
chamado radix universaliz e indicava que a raiz quadrada envolve toda a expressão.
No século XV, Regiomontanus (1436-1476) começou a empregar símbolos ao
invés de palavras para se referir a incógnitas e ao seu quadrado. Ele utilizou a letra xis e
um traço horizontal para representar a igualdade, abandonando a palavra aequalis. Em

7
Moura et al. (2016) concordam com Tobias Dantzig, ao definir o número como linguagem da ciência. De
acordo com esse autor, foi o número que engendrou a ciência. Criada da técnica, a matemática emancipa-
se dela, desenvolvendo um processo de abstração que gerou a ciência.
8
“O desenvolvimento da notação algébrica evoluiu ao longo de três estágios: o retórico (ou verbal), o
sincopado (no qual eram usadas abreviações de palavras) e o simbólico” (BAUMGART, 1992, p. 03).
103

1484, o francês Nicolas Chuquet (1445-1488) aperfeiçoou a ideia de Fibonacci e


empregou os símbolos R2, R3, R4 etc. para representar, respectivamente, as raízes
quadradas, cúbica, quarta etc. Porém, não utilizou a ideia para indicar as potências das
incógnitas por meio de expoentes. Por exemplo, a expressão com nossa simbologia 5𝑥 2 +
4𝑥 − 21 seria escrita como 53 𝑝̅ 41 𝑚 ̅ representando os sinais9 + e -. Da
̅21, com 𝑝̅ e 𝑚

mesma forma, a notação moderna para √29 − √180 equivalia a 𝑅)2 29𝑚
̅ 𝑅)2 180.
Apenas em 1489 o alemão Johann Widmann (1460-1498) publicou uma
aritmética comercial, na qual apareceram os sinais + e – no sentido de excesso e falta de
peso em caixas de mercadorias. Em 1518, o vienense Heinrich Schreiber (1496-1525)
escreveu um livro usando esses sinais em álgebra.
Em 1525, o alemão Christoff Rudolff (1499-1545) contribuiu para a simbologia

com o uso do sinal √ para raiz quadrada, mas os símbolos R e ꝶ foram utilizados até o
final do século XVII. Na França, somente em 1551 foi publicado um livro com os sinais
alemães para soma, subtração e raiz quadrada e, na Itália, em 1608.
Contador (2008) afirma ainda que, em alguns lugares, como na Alemanha, foi
utilizada a letra l, derivada de latus ou lado, que significava o lado de um quadrado.
Assim, escrevia-se l5 para representar √25. Desta forma, a partir de 1202, com Fibonacci,
é que o símbolo √ teve origem na letra r da palavra radix, levando o nome de radical
pelo mesmo motivo.
É importante lembrar que a consolidação de todo simbolismo matemático
utilizado atualmente ocorreu em 1591, com forte influência de François Viète e
aperfeiçoada, posteriormente, em 1637, por René Descartes. “Descartes ia mais longe do
qualquer de seus predecessores em sua álgebra simbólica, e na interpretação geométrica
da álgebra” (BOYER, 1996, p. 232). Logo, ele mostrou o inverso do que ocorrera no
tempo dos gregos, ou seja, que a álgebra poderia servir de ferramenta para os estudos de
geometria.
Nesse momento, iniciou-se o uso de letras minúsculas do alfabeto, para
representar as grandezas conhecidas, e letras maiúsculas, para as desconhecidas. “Essa
simbologia será modificada em A Geometria, nesse texto utilizará as letras minúsculas do
fim do alfabeto: x, y, z, para as variáveis e as letras do início do alfabeto, também

9
“Há quem diga que + e – derivam das letras minúsculas p e m (de plus e minus, em latim), mas há indícios
de que + veio de et (e, em latim)” (GARBI, 2006, p. 447).
104

minúsculas: a, b, c para os parâmetros conhecidos, coeficientes das equações” (VAZ,


2007, p. 124, grifo do autor). Desta maneira, o uso de letras do começo do alfabeto para
parâmetros e das do fim como incógnitas, bem como a adaptação da notação exponencial
a estas, fez com que a notação de Descartes se consolidasse, avançando muito do ponto
em que os gregos se tinham detido (BOYER, 1996).
Garbi (2006) entende que a simbologia utilizada por Descartes foi um avanço
naquilo que Viète fizera e está próxima da empregada atualmente. O fato é que Descartes
proporcionou à Matemática uma nova direção, ao mostrar que os números e as formas
representam duas faces inseparáveis.
Na Inglaterra, Robert Recorde (1510-1558) criou o símbolo para igualdade como
dois traços horizontais paralelos (=). O inglês William Oughtred (1574-1660) criou o “x”
como sinal de multiplicação e os pontos das proporções (a:b:c:d). Thomas Harriot (1560-
1621) contribuiu com os símbolos > (maior que) e < (menor que) e, talvez, o ponto de
multiplicação (a.b). Em 1626, Albert Girard (1595-1632) utilizou pela primeira vez o
símbolo ± e, em 1629, teve a ideia de expressar os índices das raízes por meio de números
𝑛
colocados na abertura em V do sinal da raiz quadrada ( √ ).
O sinal da divisão (÷) foi criado pelo matemático suíço Johann Heinrich Rahn
(1622-1676). Nicole Oresme, ainda no século XIII, foi o primeiro a compreender o
conceito de expoente fracionário, mas a simbologia atual veio de Isaac Newton (1643-
1727), em 1676, assim como expoentes negativos. Neste sentido, “a fase antiga
(elementar), que abrange o período de 1700 a.C. a 1700 d.C., aproximadamente,
caracterizou-se pela invenção do simbolismo [...]” (BAUMGART, 1992, p. 03).
Diante do exposto, constata-se que o desenvolvimento da simbologia da raiz
quadrada perpassa por um percurso lógico-histórico milenar. No geral, os conceitos
matemáticos foram reduzidos e definidos com seus respectivos símbolos. E, como mostra
Kopnin (1972, p. 69), “[...] desse pequeno número de conceitos pode-se construir ou
extrair todos os demais, apresentando-os como uma combinação desses símbolos”.
Assim, essa combinação de símbolos baseia-se nas normas gerais formuladas por meio
da introdução de símbolos.
Dessa forma, a linguagem matemática, por meio de palavras, corresponde ao
início da elaboração dessa linguagem. Depois, “o uso da letra alfabética para designar um
parâmetro ou uma incógnita liberou definitivamente a álgebra da escravidão do verbo”
(IFRAH, 2010, p. 338). No mesmo sentido, Moura et al. (2016) colocam que a escrita se
105

faz ao registrar qualidade e quantidade, sem diferenciá-las, e que o aprofundamento


desses dois contrários conduziu à separação do numeral do alfabeto, pois o numeral
evolui, repelindo a palavra e dela emancipando-se.
Desse modo, os conceitos aritméticos se firmam na linguagem na forma de
símbolos números, os conceitos algébricos se estruturam com um sistema de símbolos
literais para realizar as operações com os números, e os conceitos geométricos utilizam
dos anteriores para trabalhar com medidas e formas. A inter-relação da aritmética, álgebra
e geometria conduziu os avanços da matemática.

Desta forma, o símbolo adquiriu uma significação que ultrapassava o


objeto representado, tornando-se a partir de então um ser matemático
completo, submetido às regras do cálculo ordinário. Graças a isto, a
letra permitiu que os raciocínios fossem abreviados e sistematizados,
dando acesso muito mais fácil ao abstrato (IFRAH, 2010, p. 338).

Vale ressaltar, como mostra Silveira (2015), que o signo matemático é morto
para o aluno. Daí a necessidade de o professor mediar o conceito do signo de forma que
este se torne compreensível para o aluno. O professor conduz o aluno a dar vida a esse
signo morto, visto que a “tradução” da linguagem matemática para a linguagem materna
exige a compreensão dos símbolos matemáticos. Isso ocorre, principalmente, porque “[...]
o movimento de criar significados aos símbolos objetivados por meio da linguagem
matemática é mediado pela subjetividade do aluno” (p. 182).
Entende-se, assim, que o simbolismo matemático atua como intermediador entre
o objeto e seu conceito, sendo que cabe ao professor mediar o processo de assimilação,
pelo estudante, do símbolo/signo matemático e de seus significados. Mais uma vez fica
evidente a importância da teoria do ensino desenvolvimental para ajudar na organização
do ensino pelo professor, pois esta precisa analisar a linguagem matemática, que pretende
ser unívoca, utilizando a linguagem materna, que é polissêmica.
Diante do exposto, ressalta-se a necessidade da análise lógico-histórica do
conceito de raiz quadrada e de sua rede conceitual. Boyer (1996), Eves (1996), Garbi
(2006) e Ifrah (2010) não escreveram especificamente sobre o desenvolvimento histórico
desse conceito.
Contudo, esses historiadores da Matemática apresentam que o início dessa
ciência se deu no processo de contagem e, posteriormente, com a formação dos sistemas
numéricos. A partir do conceito de multiplicação, outros conceitos estão interligados em
106

sua base teórica, como a ideia de sequência. A progressão aritmética é indicadora dos
expoentes, e a progressão geométrica indicadora das potências, sendo esta essencial para
a compreensão da rede conceitual de radiciação.
Caraça (1984), quando se refere às operações aritméticas, afirma que, a partir
das quatro operações, conhecidas como operações fundamentais, surgem outras três que
se ligam imediatamente. Assim, da adição, subtração, multiplicação e divisão, surgem a
potenciação, a radiciação e a logaritmação. O Quadro 4 apresenta essas sete operações.

Quadro 4 - Agrupamento das operações diretas e inversas.


Graus Diretas Inversas
1º Adição Subtração
2º Multiplicação Divisão
3º Potenciação Radiciação
Logaritmação
Fonte: elaborado pela autora com base em Caraça (1984, p. 17).

Cedro, Moraes e Rosa (2010) pontuam que é no conceito de números reais que
todas as operações fundamentais do cálculo são possíveis de serem concretizadas, pois
são as propriedades formais das sete operações fundamentais expostas que formam o
conjunto das leis operatórias do cálculo. “As leis operatórias e as propriedades estruturais
são mantidas em todos os campos numéricos, porém, quanto mais particular for o campo
numérico, menos operações serão possíveis de serem realizadas” (p. 434-435).
Sobre as operações inversas, Caraça (1984) explica que, em relação a cada uma
das operações diretas, pode-se colocar o seguinte problema: dado o resultado da operação
e um dos dados, determine o outro dado. Ou seja, colocar “este problema é pôr o problema
da inversão das operações que resolvem o problema, para cada caso, chamam-se
operações inversas das primeiras” (p. 20). Isso significa que as operações inversas
surgiram da impossibilidade de resolução dentro do campo dos números naturais.
Nesse caminho, a inversão na adição consiste em, dada uma soma e uma das
parcelas, determinar a outra. Em virtude da propriedade comutativa da adição, as funções
das duas parcelas podem se trocar, onde as duas inversas fundem-se numa só, que se
chama subtração. Exemplo: 2 + 3 = 5 e 3 + 2 = 5.
107

Na multiplicação, a inversão ocorre em, dado o produto e um dos fatores,


determinar o outro. Da mesma forma, devido à propriedade comutativa do produto, as
duas inversas se fundem em uma só, a divisão. Exemplo: 2 ∙ 3 = 6 e 3 ∙ 2 = 6.
Na potenciação, a inversão consiste em, dada a potência de um dos dados, base
ou expoente, determinar o outro. Neste caso, há de fato duas inversas, porque não existe
comutatividade na potenciação. Exemplo: 32 = 3 ∙ 3 = 9 e 23 = 2 ∙ 2 ∙ 2 = 8. Assim,
“aquela inversa pela qual, dada a potência e o expoente, se determina a base chama-se
radiciação; aquela pela qual, dada a potência e a base, se determina o expoente chama-se
logaritmação” (CARAÇA, 1984, p. 20).
Nesse contexto, compreende-se que a radiciação é uma potência de expoente

racional. Iezzi, Dolce e Murakami (1993) trazem a seguinte definição: 𝑎 𝜖 ℛ+ e
𝑝 𝑝
𝜖 ℚ (𝑝 𝜖 ℤ 𝑒 𝑞 𝜖 ℕ∗ ), definindo-se potência de base a e expoente 𝑞 pela relação:
𝑞
𝑝
𝑞
𝑎𝑞 = √𝑎𝑝
Caraça (1984) diz que radiciação é a operação pela qual, dado um número a e
um número n, se determina um novo número: 𝑏 = 𝑛√𝑎, tal que seja 𝑎 = 𝑏𝑛 . Logo, 𝑎 =
𝑏𝑛 → 𝑏 = 𝑛√𝑎, sendo que, na segunda relação, o número a chama-se radicando. O sinal
√ chama-se sinal de radical, o número n índice do radical, e o número b raiz.
No caso da raiz quadrada, caso particular de radiciação, a potência possui
1 1
expoente 2, o que implica uma potência de base a e expoente 2, estabelecida pela relação:
1
𝑎2 = √𝑎
Assim, dado um número a e um número 𝑛 = 2, se determina um novo número,
𝑏 = √𝑎, tal que seja 𝑎 = 𝑏2 . Neste caso, é o inverso da potenciação de um número
elevado a 2. Logo, 𝑎 = 𝑏2 → 𝑏 = √𝑎.
O que se presencia sobre radiciação, em especial à raiz quadrada nos livros
didáticos e nas apostilas em geral, são definições caracterizadas pelo ensino formal e sem
relações conceituais. Um exemplo de definição de raiz quadrada é: “a raiz quadrada de
um número racional a é um número racional positivo que elevado ao quadrado dá como
resultado a” (BARROSO, 2006, p. 140, grifos nossos).
Quando o resultado da raiz é um valor inteiro, esse número é chamado de
quadrado perfeito, ou seja, quando a raiz de um número inteiro resulta em outro número
inteiro, ele possui raiz exata. No caso de um quadrado perfeito, a definição recorrente é:
108

“raiz quadrada aritmética de um quadrado perfeito positivo é o número positivo cujo


quadrado é igual ao número dado” (IEZZI; DOLCE; MACHADO, 2000, p.133, grifos
nossos). Considerando-se apenas o conjunto dos números naturais, tem-se: “a raiz
quadrada de um número natural é um número natural que, elevado ao quadrado, resulta
no primeiro” (CENTURIÓN; JAHUBOVIC, 2015, p. 44, grifos nossos).
No geral, com o intuito de simplificar essas definições, é recorrente encontrar a
seguinte memorização: se é potência, passa para o outro lado em forma de raiz. Desta
maneira, a raiz quadrada se torna um conceito de uma única significação, desprezando-se
a importância de toda a sua rede conceitual para sua compreensão.
As pesquisas desenvolvidas por Damazio (2006, 2011) revelam uma conexão
conceitual de radiciação, envolvendo os conceitos de numeração, contagem,
agrupamento, adição, multiplicação, potenciação, exponencial, logaritmo e sequências
numéricas.
Considerando-se esse caso específico de radiciação, salienta-se que a análise do
conceito de raiz quadrada de números quadrados perfeitos, evidenciou, principalmente,
uma relação geral com os conceitos de número, agrupamento, adição e multiplicação e
uma relação particular com os conceitos de potenciação, área de um quadrado e raiz
quadrada exata. Neste movimento, a essência dessa rede conceitual é a multiplicação.
Identificar essa relação universal é a grande contribuição da análise do conteúdo para a
organização do ensino em questão, como mostra o quadro abaixo.

Quadro 5 - Conexões conceituais analisadas.


𝒂 Fórmula geral para o número
= 𝒏, 𝒄 ≠ 𝟎
𝒄

𝒂= 𝒏∙𝒄 Multiplicação

𝒂 = 𝒄 + 𝒄 + ⋯+ 𝒄 Agrupamento/Adição

Se 𝒏 = 𝒄 Produto de fatores iguais


𝒂= 𝒏∙𝒏

𝒂 = 𝒏𝟐 Potenciação
𝟐
𝒏 = √𝒂, 𝒂 𝝐 ℕ Raiz quadrada exata

Fonte: elaborado pela autora.


109

Desse modo, se faz necessário entender os conceitos matemáticos dentro de um


sistema de conceitos que se relacionam, atribuindo significados aos seus símbolos para a
compreensão dos processos de generalização realizados. Para Vigotski (2009, p. 295), “a
tomada de consciência dos conceitos se realiza através da formação de um sistema de
conceitos”.
Nesse caminho, tanto a linguagem escrita quanto a linguagem matemática não
podem ser ensinadas apenas como resultado do desenho de letras e construção de
palavras, uma vez que o domínio dessas linguagens significa, para a criança, compreender
um sistema bastante complexo de signos simbólicos, o qual possibilita o desenvolvimento
de suas funções psicológicas superiores. Deste modo, o ensino de ambos os
conhecimentos não pode se firmar no uso mecânico de técnicas e memorização, ou ainda
na fragmentação ou superficialidade do pensamento, pois, desta forma, o processo de
desenvolvimento do pensamento das crianças fica limitado. Ao contrário, a linguagem
escrita e a linguagem matemática devem ser um meio de desenvolvimento da criança
enquanto um sistema particular de signos e símbolos, elevando-se a capacidade de
abstração e generalização.
É importante explicitar, mais uma vez, que o interesse pelo ensino do conceito e
sua rede conceitual em análise surgiu ao longo das reuniões de estudo e pesquisa do grupo
de estudo do TRABEDUC na UFG, quando foi elaborado um plano de ensino
desenvolvimental para uma outra pesquisa, realizada no ano de 2017. A partir do
aprofundamento dos estudos sobre a teoria desenvolvimental e após um encontro com a
professora de Matemática da escola campo, que solicitou que o conteúdo de radiciação
fosse iniciado, conseguiram-se definir o conceito a ser trabalhado e as respectivas tarefas.
Ressalta-se, ainda, que, de acordo com o Currículo de Referência da Rede
Estadual de Educação de Goiás, documento que direcionava os conteúdos a serem
trabalhados em cada ano escolar, o conteúdo radiciação era abordado, inicialmente, no 7º
ano, aprofundando-se gradualmente até o 9º ano. Considerando-se que os conceitos de
potenciação, operação inversa da radiciação, encontravam-se no 6º ano, decidiu-se por
iniciar o conteúdo de radiciação pelo conceito de raiz quadrada de números quadrados
perfeitos naturais, para realização do experimento didático-formativo desta pesquisa.
Cabe ressaltar que a proposta do Currículo de Referência para a disciplina de
Matemática apresentava uma estrutura do 1º ao 9º anos do Ensino Fundamental e da 1ª a
110

3ª séries do Ensino Médio, com os conteúdos explicitados a partir das expectativas de


aprendizagem, organizados em quatro eixos temáticos: números e operações, espaço e
forma, grandezas e medidas e tratamento da informação.
Sobre essa proposta curricular, acrescenta-se que os conteúdos são apresentados
de forma segmentada, fragmentada e isolada, principalmente ao romper com a relação
entre forma, número e grandeza. Desta forma, essa proposta bimestralizada amarra o
professor de forma determinística, tirando assim a capacidade de um trabalho autônomo
e criativo.
As reformas curriculares, que implantam propostas como o Currículo de
Referência, e atualmente a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) evidenciam
claramente o resultado de uma perspectiva neoliberal e economicista de educação e de
conhecimento escolar, ao colocar competências e habilidades mentais como fundamentos
e horizontes do currículo escolar. Esses modelos curriculares contribuem
significativamente para alijar, ainda mais, as crianças e os jovens da classe trabalhadora
do acesso aos conhecimentos produzidos historicamente pela humanidade, nos campos
da ciência, da arte e da filosofia.
Lopes (2018) explica que a busca por um projeto de base unificadora e
homogeneizadora, via BNCC ou qualquer outra organização centralizada do currículo, é
o argumento na busca pela qualidade da educação. Entretanto, pouco se problematiza a
noção de qualidade da educação,

[...] sendo reduzida a uma vaga noção de qualidade de ensino, de


assimilação de conteúdo, ao cumprimento de expectativas de
aprendizagem. Consequentemente, a qualidade da educação passa a ser
identificada com resultados positivos nos exames nacionais e
internacionais e o currículo torna-se cada vez mais dirigido pelas
avaliações (LOPES, 2018, p. 26).

Refém de um conteudismo tão ultrapassado quanto a estrutura


disciplinarista que o organiza, a BNCC pressupõe, equivocadamente,
que a melhoria da qualidade das aprendizagens seria produzida por
meio de um currículo único para estudantes de todo o país, controlado
de fora da escola por avaliações de larga escala e material didático
padronizado, além de um sistema de prêmios e castigos destinado ao
controle de docentes, gestores e estudantes (OLIVEIRA, 2018, p. 56).

Nesse mesmo sentido, Vieira e Feijó (2018) destacam que a BNCC beneficia as
editoras de livros didáticos e as organizações empresariais, desfavorecendo ainda mais a
autonomia profissional dos professores da Educação Básica. Assim, “[...] além de sua
111

limitada compreensão do sentido e significado do que seja currículo, ajuda no


empobrecimento do conhecimento, que se torna reduzido à mera competência, e não
opera para a vida qualificada pela cultura, mas para produtivismo econômico” (p. 43).
Nesse entendimento, isso está abrindo caminhos para a inserção de ideias e
práticas conservadoras e anticientíficas nas escolas, como o Projeto de Lei Escola Sem
Partido, e a exclusão de conteúdos de ensino considerados “perigosos” para as crianças e
os jovens, assim como os estudos sobre gênero e sexualidade (DUARTE, 2018). Criticou-
se, então, a concepção de currículo baseado em competências e habilidades e defendeu-
se o currículo escolar baseado no conhecimento, a partir de concepções de conhecimento
escolar e currículo emanadas da Pedagogia Histórico-Crítica de Saviani (2008, 2011) e
das análises de Young (2007, 2011, 2016).

O currículo na concepção histórico-crítica tem como objeto o


desenvolvimento das funções psicológicas superiores dos estudantes
nas suas máximas possibilidades dentro das condições históricas atuais,
o que nas palavras de Dermeval Saviani significa produzir, em cada
indivíduo singular, a humanidade que é produzida, histórica e
coletivamente, pelo conjunto dos homens. Tal processo implica na
seleção, organização e sistematização lógica e metodológica dos
conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos ao longo do tempo-
espaço escolar (GAMA, 2015, p. 213).

Entende-se o acesso ao conhecimento, à aprendizagem e ao desenvolvimento


como um conjunto de processos relacionados entre si e que ainda parece estar num
horizonte distante das proposições curriculares advindas da política educacional e do que
se pode considerar uma educação escolar de qualidade.
Concorda-se com Young (2011), quando o autor afirma que as atuais políticas
educacionais pouco ou nada compreendem sobre o que é importante que os alunos
saibam, marginalizando e até mesmo ignorando a questão do conhecimento no currículo
escolar. Como argumenta Duarte (2018, p. 143), essa visão neoliberal de educação leva
à aceitação do mundo tal como ele é e à conformação social e individual tão necessária à
reprodução do capitalismo: “[...] as novas gerações são formadas para o conformismo
ativo e participativo [...]. Não por acaso os currículos enfatizam a formação de
competências e os ‘projetos de vida’”.
Na contramão de teorias mais contemporâneas que problematizam e até mesmo
questionam que a base do currículo é o conhecimento sintetizado e sistematizado sob a
112

forma da ciência, da arte e da filosofia, Young (2007) elabora o conceito de diferenciação


do conhecimento como uma forma de distinção entre conhecimento escolar e não escolar.
Ainda segundo Young (2007, p. 1299), “O currículo tem que levar em
consideração o conhecimento local e cotidiano que os alunos trazem para a escola, mas
esse conhecimento nunca poderá ser uma base para o currículo”. O autor argumenta que
muitos conhecimentos importantes para a formação dos alunos, sob a forma de conceitos,
estarão fora de seu cotidiano e até mesmo irão se contrapor a esse cotidiano.

As escolas são lugares onde o mundo é tratado como um “objeto de


pensamento” e não como um “lugar de experiência”. Disciplinas como
história, geografia e física são as ferramentas que os professores têm
para ajudar os alunos a passarem da experiência ao que o psicólogo
russo Vygotsky, se referiu como “formas mais elevadas de
pensamento”. As disciplinas reúnem “objetos de pensamento” como
conjuntos de conceitos sistematicamente relacionados (YOUNG, 2011,
p. 615).

Ao “esvaziar de conteúdo” o currículo escolar, nega-se o acesso a esse


conhecimento justamente àqueles que dele mais precisam e coloca quem defende o
currículo baseado em conhecimento (pesquisadores, formadores de professores e
professores das escolas) numa posição difícil, associando tal defesa a uma concepção
tradicional de educação. É necessário, portanto, esclarecer que há uma grande diferença
entre a defesa que se faz do currículo baseado em conhecimento e uma concepção
conservadora, instrumentalista e elitista de educação.
O quadro abaixo apresnta a composição dos conteúdos do 6º ano Fundamental,
o qual, de acordo com o Currículo de Referência da Rede Estadual de Ensino de Goiás, o
conteúdo de potenciação é desenvolvido no 4º bimestre.

Quadro 6 - Composição dos conteúdos do 6º ano do Ensino Fundamental.


EXPECTATIVAS DE EIXOS CONTEÚDOS
APRENDIZAGEM TEMÁTICOS
• Reconhecer, analisar, relacionar e Números e Números
comparar números racionais expressos na operações naturais e
4º BIMESTRE

forma fracionária. racionais


• Reconhecer, analisar, interpretar,
relacionar, formular e resolver mentalmente
ou por escrito situações-problema do
cotidiano que envolvem números naturais e
racionais, compreendendo diferentes
significados das operações.
113

• Relacionar uma potência com expoente


inteiro positivo a uma multiplicação de
fatores iguais, utilizando argumentos orais
e escritos.
• Compreender e utilizar a potenciação e
suas propriedades operatórias, a fim de
simplificar a leitura e a escrita de ‘grandes
e pequenos’ números, fazendo uso, por
exemplo, da notação científica.
• Reconhecer circunferência e círculo e Espaço e • Formas planas
diferenciá-los. forma e não planas
• Identificar os elementos de uma • Formas
circunferência: corda, raio, centro e geométricas
diâmetro. espaciais
• Polígonos,
triângulos e
quadriláteros
• Formular, analisar e resolver situações do Grandezas e • Sistema de
cotidiano que envolvam perímetro, área e medidas medida
volume.
• Calcular área de figuras planas pela
decomposição e/ou composição em figuras
de áreas conhecidas, ou por meio de
estimativas.
• Compreender o processo de cálculo de Tratamento da • Tabelas,
média aritmética simples e composta e sua informação gráficos e
importância no dia-a-dia. fluxogramas
• Compreender o significado da média • Médias
como um indicador da tendência de uma aritméticas
pesquisa. simples e
ponderadas
• Noção de
proporcionalida
de e de
porcentagem.
Fonte: Currículo de Referência da Rede Estadual de Ensino de Goiás (2012, p. 144).

Em se tratando do conteúdo de radiciação, este aparece apenas no 1º bimestre do


7º ano, no Currículo de Referência, como mostra o quadro abaixo. Neste contexto, a
operação inversa de potenciação é iniciada somente no ano posterior, fragmentando-se
ainda mais os nexos entre esses conceitos e dificultando o trabalho pedagógico com os
conceitos como uma rede conceitual.

Quadro 7 - Composição dos conteúdos do 1º bimestre do 7º ano do Ensino Fundamental.


114

EXPECTATIVAS DE EIXOS CONTEÚDOS


APRENDIZAGEM TEMÁTICOS
• Reconhecer a radiciação como a operação Números e Números
inversa da potenciação e representá-la em operações inteiros
forma de potência com expoente fracionário; Números
• Compreender as propriedades das racionais
operações numéricas e aplicá-las em
1º BIMESTRE

situações diversas;
• Localizar no plano cartesiano pontos com
coordenadas inteiras ou fracionárias;
• Compreender as frações e utilizá-las em
situações diversas;
• Calcular porcentagens em situações
diversas do cotidiano ou não;
• Resolver situações-problema que
envolvam porcentagem, por meio de
estimativas.
Fonte: Currículo de Referência da Rede Estadual de Ensino de Goiás (2012, p. 145).

Sendo assim, considerando-se a intrínseca relação entre potenciação e


radiciação, e ainda que o trabalho com estes conceitos se inicia apenas no 7º ano ‒
conduzido geralmente a partir do caso particular de raiz quadrada de números quadrados
perfeitos ‒, decidiu-se planejar as tarefas do nosso experimento didático-formativo
pensando no ensino de raiz quadrada exata no 6º ano do Ensino Fundamental. Assim, se
promoveriam a aprendizagem ativa e criativa deste conceito e o desenvolvimento do
pensamento teórico dos alunos.
A partir da definição lógica, histórica e curricular do conceito a ser trabalhado,
elaborou-se um plano de ensino desenvolvimental das tarefas de estudo, visando a
impulsionar tanto a assimilação e formação do conceito como o desenvolvimento das
funções psíquicas dos estudantes, conforme será apresentado a seguir.

2.2.2 As tarefas de estudo

Para a realização do experimento didático-formativo, o professor elabora um


plano de ensino a partir da proposição de tarefas de estudo que podem levar os alunos a
realizarem determinadas ações mentais, por meio das quais vão dominando os
procedimentos mentais referentes aos conceitos teóricos. Para isso, o professor precisa
associar o aspecto lógico e o aspecto epistemológico do conteúdo a ser ensinado. No
ensino desenvolvimental, a formação do conceito se dá no decorrer da realização de uma
115

tarefa de estudo e culmina no desenvolvimento das capacidades psíquicas (FREITAS;


ROSA, 2015).
Resende (2019) entende que os símbolos e os signos são meios de idealização,
padronização e transformação dos objetos para o plano mental, os quais são fundamentais
na abstração. Os símbolos elucidam a essência do conceito, sendo que, na Matemática, a
linguagem simbólica algébrica permitiu atingir níveis mais gerais de abstração e
generalização. Desta maneira, o pensamento teórico, ao fazer uso de símbolos, busca
construir modelos que representam as relações essenciais dos conceitos.
Pensando assim, as tarefas de estudo foram propostas com o intuito de exigir dos
alunos a análise do conteúdo a ser assimilado para a descoberta da relação geral presente
neste. Nesta perspectiva, a partir dessa análise, pelo processo de abstração e generalização
substanciais, inicia-se a dedução das relações particulares do conteúdo para a construção
de seu núcleo conceitual.
Assim, “[...] é a tarefa de estudo que requer uma ação mental de análise e de
generalização teórica (ou substancial)” (DAVÍDOV, 1988, p. 180, tradução nossa). Em
outras palavras, é por meio da análise das tarefas de estudo que ocorre o processo de
assimilação dos conhecimentos teóricos, chegando-se à generalização substantiva.

Davídov considera conhecimento teórico ao mesmo tempo como


produto do desenvolvimento histórico do conceito e processo mental de
sua constituição. Conhecimentos teóricos são, então, categorias mentais
que tornam possível lidar com os objetos de conhecimento da realidade,
procedimentos lógicos da mente, isto é, conceitos gerais possíveis de
serem aplicados a situações particulares (LIBÂNEO; FREITAS, 2019,
p. 224).

Nesse movimento, com a assimilação de um novo conceito ou um novo modo


de ação, desenvolve-se o pensamento do desconhecido ao conhecido. Desta forma, a
tarefa de estudo está internamente ligada ao desenvolvimento, no estudante, de um nível
teórico de assimilação dos conhecimentos ou de desenvolvimento do pensamento teórico.
Libâneo e Freitas (2019) afirmam que, de acordo com Davydov, a abstração é o
momento inicial de análise do objeto de estudo na busca de seus aspectos essenciais. Já a
generalização é uma atividade de síntese que culmina na sistematização do conceito.
Davídov (1988) compreende o movimento da abstração/generalização substantiva como
ascensão do abstrato ao concreto, representando a síntese. Logo, a abstração e a
116

generalização são procedimentos mentais conexos com o processo de ascensão do


pensamento do abstrato ao concreto.
Com base nas proposições davydovianas, Libâneo e Freitas (2019) evidenciam
que o modo de reprodução teórica do objeto ocorre pela ascensão do pensamento do
abstrato ao concreto, e os procedimentos mentais, para se chegar ao conceito, são a
abstração, a generalização e o conceito. Neste ínterim, procurou-se organizar um ensino
a partir de tarefas que impulsionassem os alunos a fazer generalizações conceituais, como
sintetizado na Figura 2.

Figura 2 - Movimento do pensamento na realização das tarefas de estudo.

Assimilação dos conhecimentos teóricos

Análise Síntese

Abstração Generalização

Conceito

Ascensão do abstrato ao concreto

Fonte: elaborado pela autora com base em Davídov (1988).

Davídov (1988) enfatiza que é durante o cumprimento da tarefa de estudo que,


juntamente com a assimilação dos conhecimentos teóricos, desenvolvem-se a consciência
e o pensamento teóricos. É nesse processo, também, que surgem e se desenvolvem as
novas formações psicológicas, que serão objetos de análise nesta investigação.
É necessário ressaltar que, além do processo mental de análise e síntese na
assimilação dos conceitos teóricos pelo movimento da ascensão do pensamento do
abstrato ao concreto, por meio dos procedimentos mentais de abstração, generalização e
conceito, Davídov (1988) também considera a reflexão, análise e o plano interior das
ações como elementos para o desenvolvimento das capacidades psíquicas.
117

Essas capacidades de reflexão, análise e plano interior das ações se revelam


nesse processo e estão interligadas e em dependência. Essas ações mentais, de acordo
com esse autor, possuem duas formas básicas: a empírica e a teórica. É importante
destacar que a abstração e a generalização são fundamentadas nessas duas formas de ação.
A reflexão consiste, portanto, na busca, pelo aluno, dos fundamentos essenciais
de suas próprias ações, ou seja, consiste na tomada de consciência do aluno de suas ações
diante da tarefa de estudo. É mediante a reflexão que o sujeito compreende as operações
das ações e condições necessárias para a sua realização.
A análise é o procedimento de busca da relação geral do objeto em estudo, ou
seja, investiga-se o modo universal para a resolução das tarefas. É na análise que a
capacidade de generalizar se revela na compreensão conceitual.
O plano interior das ações é a capacidade de operar com o conceito e sua
efetivação na assimilação do conhecimento teórico presente no conteúdo e na forma do
pensamento. Este possibilita as transformações mentais do objeto que, de acordo com
Libâneo e Freitas (2019, p. 228), “vai da relação geral às tarefas particulares em que essa
relação se manifesta”.
Além de tentar buscar a reflexão, análise e o plano interior das ações como
elementos para o desenvolvimento das capacidades psíquicas, a elaboração das tarefas
procurou provocar e analisar as seis ações de estudo sintetizadas por Davídov (1988),
abordadas anteriormente: 1) transformação dos dados da tarefa para revelar o núcleo do
conceito; 2) modelação da relação conceitual básica identificada; 3) transformação do
modelo e análise das suas relações; 4) realização de tarefas particulares utilizando o
conceito; 5) controle das ações anteriores realizadas, e 6) avaliação da assimilação do
procedimento geral como resultado da solução das tarefas de estudo dada. É importante
ressaltar que essas ações não ocorrem, necessariamente, de forma sequencial.
Nesse sentido, o plano de ensino envolveu tarefas que procuraram apresentar o
movimento do conceito do geral ao particular, com o objetivo de revelar a relação nuclear
entre as seguintes unidades conceituais: número ↔ multiplicação ↔ potenciação ↔ raiz
quadrada exata. É importante ressaltar que se buscou inspiração para nossas tarefas em
algumas tarefas propostas por Hobold (2014) para o desenvolvimento das unidades
conceituais de número e multiplicação.
Ressalta-se, ainda, que o movimento histórico de raiz quadrada exata estimula o
uso do quadrado enquanto unidade de área no ensino, pois essa forma geométrica de
118

dimensões equivalentes para o comprimento e a largura possibilita a cobertura de toda


uma superfície. Favorece, também, a utilização do papel quadriculado e do geoplano,
como recursos didáticos que contribuem para a formação do conceito, os quais foram
considerados nas tarefas propostas.
Desse modo, para a elaboração das tarefas de estudo, buscou-se: investigar a
zona de desenvolvimento próxima dos alunos; mobilizar as funções psíquicas superiores;
impulsionar a formação do pensamento teórico, e avaliar se os alunos operam
mentalmente com o conceito. O quadro abaixo sintetiza a estrutura do plano de ensino,
apresentando a composição das tarefas e suas ações de estudo, dentro de cada unidade
conceitual, que será detalhado a seguir.

Quadro 8 - Síntese da estrutura do plano de ensino.


Unidades conceituais Tarefas de estudo Ações de estudo
Número Tarefa 1 1, 2 e 5
Multiplicação Tarefa 2, 3 e 4 1, 2, 3 e 5
Potenciação Tarefas 5 e 6 2, 3, 4 e 5
Raiz quadrada exata Tarefas 7 e 8 2, 3, 4, 5 e 6
Fonte: elaborado pela autora.

Nesse contexto, a primeira unidade conceitual foi pensada com o objetivo de


analisar a fórmula geral do número, envolvendo diferentes grandezas e relações,
evidenciando-se o conceito de multiplicação como relação geral do sistema conceitual de
número. Além dessa relação conceitual, tentou-se conhecer melhor os alunos envolvidos
através de um diálogo sobre o surgimento dos números, no intuito de se ter uma noção
prévia da zona de desenvolvimento próxima dos alunos. Desta forma, a Tarefa 1 teve
como objetivo evidenciar a relação geral do conceito de número com base na relação de
multiplicidade e divisibilidade entre grandezas, segundo Davídov (1988).
A segunda unidade conceitual foi dedicada ao conceito de multiplicação. A
Tarefa 2 buscou evidenciar essa operação fundamental como um agrupamento de
números iguais, estabelecendo relação entre a adição e a multiplicação, abordada como
medição das grandezas por meio da unidade de medida intermediária. Em seguida, a
Tarefa 3 envolveu o espaço geométrico da malha quadriculada para o estudo das relações
de multiplicidade inserido na grandeza de área, bem como a sua interpretação na reta
119

numérica. A Tarefa 4 seguiu o mesmo movimento conceitual da tarefa anterior, porém,


com um grau maior de dificuldade.
Em sequência, na unidade conceitual de potenciação, foram propostas duas
tarefas com o objetivo de relacionar os conceitos de multiplicação e potenciação. A Tarefa
5 permitiu que os alunos transformassem o modelo da multiplicação, representado por
uma sequência de áreas retangulares, em uma potenciação de base três. Para melhor
assimilação do conceito de potenciação, propôs-se a Tarefa 6, na qual se desenvolveu
uma sequência numérica para ser representada por uma potência de base quatro.
Quanto à unidade conceitual de raiz quadrada exata, um caso particular de
radiciação, analisou-se a relação com o conceito de potenciação. Para melhor
compreensão conceitual, foi proposta a construção de um geoplano, a partir do qual se
desenvolveu a Tarefa 7. Esta possibilitou um movimento investigativo na transformação
do modelo de potenciação para raiz quadrada exata, evidenciando-se, assim, suas
relações. Por fim, foi proposta para os estudantes a Tarefa 8, que consistiu na
transformação de um modelo retangular em um quadrado, tarefa que impulsionou os
alunos a realizarem uma síntese conceitual de raiz quadrada exata como sendo o valor do
lado do quadrado.
Como o pensamento teórico está ligado ao desenvolvimento das funções
psicológicas superiores, é necessário ressaltar que em todas as tarefas propostas foi
analisado o potencial de mobilizar essas funções, considerando-se a atividade de estudo
como atividade principal dos adolescentes que participaram desta pesquisa.
Após a realização das tarefas, levando-se em conta o modelo da relação geral de
número para os casos concretos particulares de potenciação e radiciação (raiz quadrada
exata), foi proposta uma forma de levar os estudantes à ação de avaliação da assimilação
do procedimento geral como resultado da solução das tarefas de estudo dada. Assim, os
alunos realizaram quatro tarefas particulares, individualmente.
Com exceção do diálogo estabelecido inicialmente sobre o desenvolvimento
histórico dos números, a dinâmica das aulas aconteceu da seguinte forma: inicialmente, a
pesquisadora entregava a folha de registro para cada grupo discutir, analisar e desenvolver
as tarefas propostas dentro da unidade conceitual daquela aula e, de acordo com os
questionamentos de cada grupo, se realizavam as mediações necessárias. Por fim, após a
realização das tarefas, a pesquisadora discutia a realização das tarefas com os alunos,
120

colocando-os no controle das ações realizadas anteriormente. No final de cada folha de


registro, havia um espaço para os grupos sintetizarem os conceitos apreendidos.
Em conformidade com essas proposições, foram eleitas a reflexão, a análise e o
plano interior das ações como unidades conceituais de análise, visando a investigar a
atividade de pensamento dos alunos durante a realização das tarefas. De acordo com
Davídov (1988), o cumprimento, pelos estudantes, das ações de estudo, pressupõe a
presença da reflexão, da análise e do plano interior das ações substantivas. “Ao mesmo
tempo, algumas ações de estudo estão vinculadas predominantemente com umas e outras
das neoformações citadas” (p. 231, tradução nossa). Por isso, durante a assimilação dos
conceitos teóricos, surgem condições que favorecem a constituição destas neoformações
psicológicas.
O Quadro 9 apresenta os principais aspectos abordados pelo plano de ensino do
experimento didático-formativo desenvolvido em uma turma de 6° ano do Ensino
Fundamental II.

Quadro 9 - Síntese do plano de ensino do experimento didático-formativo.


PLANO DE ENSINO: EXPERIMENTO DIDÁTICO-FORMATIVO
SÍNTESE DAS TAREFAS DE ESTUDO
6º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL II
Objetivo geral: analisar o processo de formação do conceito de raiz quadrada de números
quadrados perfeitos na realização de tarefas de estudo, elaboradas a partir dos pressupostos
psicológicos e didáticos da teoria do ensino desenvolvimental.
Sistema conceitual: número, agrupamento, adição, multiplicação, medida de unidade de área,
potenciação e raiz quadrada.
SITUAÇÃO SOCIAL DE DESENVOLVIMENTO DOS ESTUDANTES
Objetivo: entender a situação social e escolar de desenvolvimento dos alunos, para situar o
sistema conceitual na zona de desenvolvimento próximo e realizar as modificações necessárias
nas tarefas de estudo.
Ação: aula expositiva dialogada sobre o percurso lógico e histórico do conceito de número,
buscando identificar os conhecimentos prévios, mobilizar a atenção e despertar os motivos e
interesses dos alunos para realizarem tarefas com o conceito de raiz quadrada de números
quadrados perfeitos.
A REFLEXÃO: TOMADA DE CONSCIÊNCIA DA AÇÃO
Tarefa 1 (realizada em grupos de três alunos)
121

Objetivo: analisar a relação geral do conceito de número por meio de um problema relacionado
à grandeza de comprimento.
• Transformar os dados da tarefa, a fim de descobrir a relação universal do conceito de número;
encontrar o modelo abstrato e universal do conceito teórico de número; buscar significações
aritméticas, algébricas e geométricas.

Ações de estudo: 1, 2 e 5.

ANÁLISE SUBSTANTIVA: A IMPORTÂNCIA DA GENERALIZAÇÃO


CONCEITUAL
Tarefa 2 (realizada em grupos de três alunos)
Objetivo: analisar o conceito de multiplicação por meio de um problema relacionado à
grandeza de área.
• Analisar o procedimento de contagem da multiplicação;
• Interpretar o esquema de setas;
• Compreender a multiplicação por agrupamento;
• Investigar o caráter interno da conexão geradora do conceito de multiplicação.

Ações de estudo: 1, 2, 3 e 5.

Tarefa 3 (realizada em grupos de três alunos)


Objetivo: aprofundar o conceito de multiplicação.
• Orientar a percepção e a atenção do espaço geométrico existente pela multiplicação na malha
quadriculada;
• Analisar a multiplicação por meio da reta numérica;
• Investigar a relação entre grandezas discretas e contínuas e suas significações aritméticas,
algébricas e geométricas;
• Compreender a propriedade comutativa da multiplicação.

Ações de estudo: 1, 2, 3 e 5.

Tarefa 4 (realizada em grupos de três alunos)


Objetivo: investigar a relação entre grandezas e variáveis na multiplicação a partir da grandeza
de área.
• Deduzir a unidade de medida intermediária em áreas planas de regiões irregulares;
• Construir modelos com área regular com a mesma quantidade de unidades de medida básica
das regiões irregulares trabalhadas anteriormente;
• Explorar a relação universal do conceito de multiplicação.

Ações de estudo: 1, 2, 3 e 5.
122

PLANO INTERIOR DAS AÇÕES NA FORMAÇÃO DO CONCEITO


Tarefas 5 e 6 (realizadas em grupos de três alunos)
Objetivo: analisar a relação entre os conceitos de multiplicação e potenciação, formalizando
a sua expressão literal.
• Investigar a essência conceitual de potenciação;
• Compreender a lógica da sequência definidora de potenciação;
• Formalizar a expressão literal para o conceito de potenciação.

Ações de estudo: 2, 3, 4 e 5.

Tarefas 7 e 8 (realizadas em grupos de dois alunos)


Objetivo: analisar a relação entre os conceitos de potenciação e radiciação (raiz quadrada
exata).
• Construir o material pedagógico geoplano;
• Investigar a essência conceitual de raiz quadrada exata;
• Transformar o modelo encontrado em potenciação para raiz quadrada de números quadrados
perfeitos;
• Analisar a relação entre os conceitos de potenciação e raiz quadrada exata;
• Avaliar a assimilação do procedimento geral como resultado das tarefas de estudo dadas.

Ações de estudo: 2, 3, 4, 5 e 6.

Fonte: quadro elaborado pela autora, relatório de pesquisa.

É importante esclarecer, ainda, que, após a conclusão da elaboração do plano de


ensino, a pesquisadora se encontrou mais uma vez com a professora de Matemática da
escola e explicou detalhadamente cada tarefa de estudo, de acordo com esse tipo de
organização de ensino.
Em síntese, o experimento didático-formativo foi uma pesquisa campo na qual
a pesquisadora formulou e desenvolveu um plano de ensino, a fim de impulsionar os
alunos a realizarem ações que conduzirão ao domínio dos procedimentos mentais
correspondentes ao conceito de raiz quadrada de números quadrados perfeitos.

2.3 CARACTERIZAÇÃO DA ESCOLA


123

A instituição de ensino participante da pesquisa localiza-se no centro da cidade


de Iporá10-GO, região Oeste do Estado de Goiás, com uma população estimada de
31.53111 habitantes no ano de 2019. A Microrregião12 de Iporá é composta por 10
municípios, a saber: Amorinópolis, Cachoeira de Goiás, Córrego do Ouro, Fazenda Nova,
Iporá, Israelândia, Ivolândia, Jaupaci, Moiporá e Novo Brasil. Para atender a demanda
educacional destes municípios, a cidade de Iporá possui duas instituições de ensino
superior públicas, a Universidade Estadual de Goiás (UEG) e o Instituto Federal Goiano
(IF Goiano). A UEG, Unidade Universitária de Iporá, oferece seis cursos superiores, e o
IF Goiano oferta cursos técnicos integrados, técnicos concomitantes ou subsequentes e
cursos superiores.
A cidade de Iporá conta também com uma faculdade privada, a Faculdade de
Iporá (FAI). Em se tratando da Educação Básica, o Município de Iporá dispõe de 3013
escolas, sendo 08 estaduais, 15 municipais, 01 federal e 06 privadas. Destaca-se que a
sede da Coordenação Regional de Educação se encontra em Iporá, colocando essa cidade
como polo regional educacional.
Para a caracterização da escola em que se desenvolveu o experimento didático-
formativo desta pesquisa, será apresentada uma breve abordagem sobre os seguintes
aspectos: estrutura física, organização administrativa e pedagógica e planejamento do
ensino.
A escola “Incógnita”, embora esteja situada no centro, recebe alunos de
diferentes setores da cidade e com níveis socioeconômicos distintos. A escola atende 340
estudantes, sendo 89 alunos da zona rural, ofertando Ensino Fundamental I e II: anos
iniciais – 1º ao 5º, com 126 alunos, e anos finais – 6 ao 9º anos, com 214 alunos. A escola
tem turmas do 6º ao 9° anos, no turno matutino, e turmas do 1° ao 9° anos, no turno
vespertino. De acordo com a coordenadora pedagógica, a escola atende 30 alunos com

10
Iporá teve sua origem por volta do ano de 1748, com a formação do Arraial de Pilões, na margem do Rio
Claro. No ano de 1749, com a vinda de Gomes Freire de Andrade, Governador das Capitanias de Minas
Gerais e do Rio de Janeiro, se firmaram contratos de exploração dos diamantes de Rio Claro e Rio Pilões. O
povoado nascente recebeu o nome de Rio Claro. Em 1938, o Distrito de Rio Claro passou a denominar-se
Itajubá, topônimo de origem indígena, tupi-guarani, que significa pedra amarela. Em 1943, o distrito de
Itajubá passou a denominar-se Iporá, de origem indígena, que significa águas claras (IBGE, 2020).
11
De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
12
De acordo com o observatório do mundo do trabalho (2014, p. 04), “a Microrregião de Iporá possui 7.074
km² de área total e 59.077 habitantes (8,35 de densidade populacional), distribuídos em 10 municípios. Do
universo da sua população, 95,81% vive em área urbana e apenas 4,19% em área rural. Mais da metade da
população da Microrregião (52,94%) reside no município de Iporá”.
13
De acordo com os dados do Censo Escolar 2020 (INEP, 2019).
124

algum tipo de necessidade educacional especializada e, destes, 22 estão matriculados no


Atendimento Educacional Especializado no contraturno.
A escola foi construída em 1943, num terreno com área total de 3.551,60 m2,
tendo 1.355,55 m2 de área construída. Esse espaço físico tem jardim, uma área calcada e
três blocos de edifícios, divididos nos seguintes ambientes: sala da diretoria e secretaria
conjunta, sala de professores e coordenação conjunta, nove salas de aula, sala de
informática, biblioteca, cozinha, dois almoxarifados e cinco banheiros. Recentemente foi
construída uma quadra poliesportiva coberta, que, segundo a coordenação pedagógica,
tem contribuído não apenas para as atividades de Educação Física, mas também para a
realização de diversos eventos promovidos pela escola.
A escola, por ser uma construção antiga, tem salas pequenas e com pouca
ventilação, porém, possui ar condicionado e uma boa iluminação. Os alunos lancham
dentro de sua respectiva sala de aula que, no caso do turno vespertino, possui
aproximadamente 23 alunos em cada sala. Ressalta-se ainda que faltam ambientes
específicos para a gestão e coordenação. Os banheiros são inapropriados para crianças
deficientes, no que diz respeito à adaptação, considerando que ainda faltam vestiários
para atender as aulas e os eventos de Educação Física. Não há passarelas de ligação entre
os blocos de edifícios e rampas de acesso para pessoas com deficiência.
O mobiliário é bem antigo, não está em bom estado de conservação, e as mídias
são insuficientes para a realização de aulas mais dinamizadas, pois a escola possui apenas
três projetores de imagem, e a única televisão encontra-se no laboratório de informática,
que por sua vez é pouco utilizado pelos professores. Para o uso desses recursos é
necessário realizar o agendamento com antecedência.
Ressalta-se ainda que, embora a biblioteca possua, no nosso entendimento,
espaço insuficiente para atender várias crianças ao mesmo tempo, seu acervo é rico e
contém vários volumes. De acordo com a coordenação pedagógica, a diversidade e a
quantidade de livros atende as necessidades da escola, sendo até mesmo necessário dividi-
los em outros espaços, pois a biblioteca não os comporta.
Quanto à organização administrativa e pedagógica da escola, além da diretora,
a escola conta com uma secretária geral, dois auxiliares de secretaria, uma coordenadora
administrativo-financeira, duas coordenadoras pedagógicas, duas coordenadoras de
turno, cinco professoras de Ensino Fundamental I, 12 professores de Ensino Fundamental
II, um professor de Atendimento Educacional Especializado (AEE), sete professores de
125

apoio, uma bibliotecária, quatro profissionais para serviços gerais e de limpeza, dois
vigias e duas merendeiras. Todos os professores que compõem o corpo docente desta
unidade escolar possuem licenciatura, e há um professor com mestrado. A grande maioria
possui pós-graduação lato-sensu em diferentes áreas relacionadas à Educação.
Dos professores do Ensino Fundamental II, cinco são concursados, e sete
encontram-se vinculados pelo regime de contrato temporário. É importante acrescentar
que o horário de estudo e planejamento individual é realizado fora do espaço escolar, e o
planejamento em grupo ocorre nos encontros coletivos, os quais acontecem na escola,
uma vez por mês. É nesse momento também que ocorre a formação continuada por meio
de palestras, estudos e discussões referentes ao planejamento, às ações, estratégias e metas
educacionais.
No que se refere ao planejamento e aos conteúdos de ensino, no momento em
que a pesquisa foi realizada, no segundo semestre de 2018, a escola baseava-se no
Currículo Referência da Rede Estadual de Educação de Goiás, documento que vinha
orientando o currículo escolar em todo o estado, desde 2013. É importante considerar que,
desde 2019, está acontecendo o processo de implementação da BNCC em todo o país, o
que levou, no estado de Goiás, à elaboração do Documento Curricular para Goiás (DC-
GO). No momento, as escolas estão adequando seus projetos político-pedagógicos a estas
novas orientações curriculares.
Essa pesquisa foi pautada no Currículo Referência de 2013 e, para a área de
Matemática, este documento apresenta conteúdos enunciados, a partir das expectativas
de aprendizagem, organizados em quatro eixos temáticos, a saber: números e operações,
espaço e forma, grandezas e medidas e tratamento da informação. Esse formato
fragmentado dos conteúdos escolares em eixos temáticos torna-se um empecilho para o
desenvolvimento dos conceitos matemáticos em sua rede conceitual.
Os planos de aula são elaborados quinzenalmente, diretamente no Sistema
Administrativo Pedagógico (SIAP). Esse sistema foi criado no ano de 2013 e tem o
objetivo de otimizar o uso das informações referentes à organização da escola, como:
calendário, notas, frequência dos alunos, conteúdo do currículo referência e planos de
ensino quinzenais. Depois de elaborados via SIAP, os planos quinzenais são
acompanhados pela coordenação pedagógica da escola, e até mesmo pelo (a) tutor (a) da
Coordenação Regional de Educação (CRE) de Iporá.
126

É nítido o controle estabelecido sobre o trabalho do professor diante desse


suporte tecnológico, o qual limita a liberdade e a criatividade na organização do ensino,
principalmente no sentido de que todos os objetivos, expectativas de aprendizagem e
conteúdos já aparecerem estabelecidos previamente pelo sistema. Compreende-se,
portanto, que ferramentas como esta têm ocasionado perda da liberdade do professor em
seu trabalho pela excessiva instrumentalização.
Nessa escola, desenvolvem-se três instrumentos avaliativos bimestrais:
trabalhos e caderno, atividade avaliativa individual e simulada. Aos alunos que não
atingirem a média mínima de 6,0 são aplicados dois instrumentos avaliativos
substitutivos, contemplando os conteúdos do Currículo Referência. Acrescenta-se,
também, que a escola é inserida nas seguintes avaliações externas: Avaliação Diagnóstica
Amostral (ADA14), Sistema de Avaliação Educacional do Estado de Goiás (SAEGO) e
Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB).
A avaliação é um instrumento fundamental em termos de gestão, importante na
estruturação das relações de trabalho, diagnóstico e planejamento. Todavia, tem
funcionado principalmente como instrumento de controle e legitimação organizacional.
“Nos últimos quarenta anos, a avaliação adquiriu dimensões de enorme importância na
agenda política dos governos, organismos e agências dedicadas à estruturação e à gestão
do setor público e particularmente a educação” (DIAS SOBRINHO, 2003, p. 13).
Diante disso, os testes estandardizados proliferaram e têm assumido uma
estratégia de imposição e controle sobre o trabalho docente, assumindo o formato de
avaliação normativa. Nessa tendência, o processo educativo é reduzido na mesma
ideologia de mercado, em que a preocupação com o produto sobrepõe a do processo
(AFONSO, 2009; FREITAS, 2011).
Essa padronização tem acarretado prejuízos nas condições de trabalho dos
professores, engessando sua atuação com um treinamento excessivo e estreitamento
curricular. Dias Sobrinho (2003, p. 120) mostra que “[...] os exames acabam definindo o
currículo de fato, de fora para dentro e sem a participação dos sujeitos da educação”. A

14
Para maior decalagem nos resultados do SAEGO, as escolas aplicam outros testes para mapear os pontos
de atenção dos conteúdos. Até o ano de 2015, essas provas eram chamadas de Avaliações Diagnósticas e
eram aplicadas semestralmente a todas as turmas que compõem o SAEGO. A partir de 2016, as avaliações
englobaram as disciplinas de Língua Portuguesa, Ciências da Natureza e Matemática, acontecendo em
quatro ciclos com duas etapas cada uma, sendo realizadas no início e fim de cada bimestre. Nesse novo
molde, em cada bimestre, escolhe-se por amostragem uma série por escola para a aplicação das avaliações,
sendo chamada de Avaliação Dirigida Amostral (ADA) (PERES; ALCANTARA, 2017, p. 186).
127

preocupação com o que vai cair nos exames não só define os conteúdos, mas também as
formas de ensinar e aprender, o que acarreta a extrema instrumentalização do ensino.
É importante mencionar que a pesquisa de Peres e Alcantara (2017), realizada
com os professores das escolas públicas da Educação Básica de Iporá, sobre as reformas
educacionais e a ênfase nas avaliações externas, apresenta a síntese da concepção desses
professores sobre os limites e as consequências dessa nova gestão escolar no trabalho
docente. Os professores apresentaram os seguintes aspectos:

[...] falta de espaço para a liberdade criativa do professor em seu


trabalho, comprometendo a formação das pessoas com a excessiva
instrumentalização; uma educação gerida como empresa; controle do
trabalho docente, incluindo as concepções e métodos de ensino;
estreitamento curricular; competição entre profissionais e escolas;
pressão sobre o desempenho dos alunos e preparação para os testes;
exposição excessiva das condutas do professor; destruição do sistema
público de ensino; ameaça à própria noção liberal de democracia;
evasão de professores; política contraditória em que se prega a
valorização docente, mas desvaloriza ainda mais a categoria;
camuflagem e fraudes de resultados nas avaliações de larga escala,
como por exemplo, exclusão de alunos com dificuldades de
aprendizagem nos dias das provas; resultados usados como ranking;
insatisfação dos professores com a falta de condições de trabalho
(PERES; ALCANTARA, 2017, p. 192-193).

Contraditoriamente, o currículo fragmentado e as avaliações padronizadas


formam uma unidade que coloca em questão os conhecimentos a serem socializados pela
escola, distorcendo o que deveria ser o objetivo primordial da escola no nosso
entendimento – o desenvolvimento intelectual das crianças e dos jovens por meio do
aprendizado dos conceitos científicos –, ao vulgarizar o conhecimento escolar e tirar do
professor toda e qualquer autonomia em relação ao ensino e à avaliação.
Diante disso, como apresentado no primeiro capítulo, entende-se que a teoria do
ensino desenvolvimental salienta a importância do ensino sistematizado dos conceitos
científicos projetados nos conhecimentos escolares que, por sua vez, estão em relação (e
contradição) com as ciências que lhe deram origem. É na atividade de estudo que se dá a
assimilação ativa e criativa do conhecimento acumulado pela humanidade, sob a forma
de conceitos que constituem o currículo e o conhecimento escolares, segundo Davídov
(1988).
128

Sendo assim, essa breve caracterização da escola, incluindo alguns elementos


que têm norteado as políticas educacionais e o trabalho do professor da Educação Básica,
possibilita maior compreensão dos sujeitos da pesquisa.

2.3.1 Os alunos participantes do experimento didático-formativo

A proposta inicial da pesquisa campo era desenvolver o experimento didático-


formativo na turma de 6º ano do turno vespertino. Porém, ao se apresentar o plano de
ensino, para o professor, de outras duas turmas do turno matutino, este também pediu
para que fosse desenvolvida a proposta em suas turmas. Desta forma, desenvolveu-se o
experimento didático em três turmas: 6º A e 6º B, no turno matutino, e 6ºC, no turno
vespertino.
As turmas do 6º A e do 6º B continham 12 alunos cada, e a turma do 6º C era
composta por 27 alunos. Enquanto todos os estudantes das duas turmas do turno matutino
residiam na cidade de Iporá-GO, aproximadamente a metade dos alunos do 6º C morava
na zona rural. Esses dados evidenciam uma realidade comum no contexto educacional do
Ensino Fundamental vespertino dessa escola. Essa situação ocorre devido ao tempo
necessário para o deslocamento à zona urbana e, principalmente, ao horário do transporte
disponibilizado pelo município para que esses alunos tenham acesso à educação escolar.
Para realizar uma análise mais detalhada e aprofundada dos vários e complexos
momentos e situações que foram surgindo ao longo do experimento e como não é
possível, devido ao tempo de conclusão da tese, comparar o desenvolvimento das três
turmas, será apresentado e analisado, pormenorizadamente, o experimento didático-
formativo realizado na Turma do 6º C.
É importante mencionar que houve um período de observação das aulas de
Matemática desta turma durante duas semanas, antes de se iniciar o desenvolvimento do
experimento didático-formativo. Todos os alunos estão na faixa etária esperada para o 6°
ano do Ensino Fundamental, entre 12 e 13 anos. É importante recordar que, para a teoria
histórico-cultural, a assimilação dos conceitos científicos na escola alcança sua plenitude
na adolescência. Para Vigotski (1996), é nesse período que os alunos começam a assimilar
os nexos, as relações e interdependências entre os conceitos.
Ressalta-se, mais uma vez, a importância da compreensão do desenvolvimento
psíquico para a organização do ensino. A assimilação dos conceitos científicos e o
129

desenvolvimento do pensamento teórico têm uma máxima potencialidade na idade de


transição. “Cabe dizer, sem exagero algum, que todo o conteúdo do pensamento se renova
e reestrutura devido à formação de conceitos” (VIGOTSKI, 1996, p. 63, tradução nossa).
A formação consciente de conceitos científicos é justamente o núcleo fundamental que
aglutina todas as mudanças que ocorrem no pensamento do adolescente.
O espaço físico da sala de aula era bem pequeno, principalmente ao se considerar
a quantidade de alunos. Em decorrência disso, a turma ficava com pouco espaço livre, o
que dificultava a movimentação entre as carteiras. A proximidade entre os alunos
favorecia conversas paralelas, o que levava a constantes chamadas de atenção dos alunos
por parte da professora da turma.
Devido a esse perfil da turma e ao espaço limitado da sala de aula, as atividades
propostas pela professora foram todas realizadas individualmente. Porém, os estudantes
consultavam uns aos outros sem ao menos ter de se levantarem, pois a proximidade entre
eles favorecia esse contato.
Sobre a organização do ambiente escolar, Forneiro (1998) destaca quatro
dimensões: dimensão física - compreendendo os objetos e materiais que compõem o
ambiente; dimensão funcional - caracterizada pela forma de utilização dos espaços;
dimensão temporal - referente à organização do tempo das atividades nestes espaços, e
dimensão relacional - concernente às diferentes relações que se estabelecem dentro da
sala de aula.
A partir desses aspectos gerais, é necessário que se organize o espaço das salas
de aulas de forma que contemple suas especificidades, favorecendo, assim, o
desenvolvimento dos alunos. Cedro (2004, p. 47) compreende espaço de aprendizagem
como “[...] o lugar da realização da aprendizagem dos sujeitos orientados pela ação
intencional de quem ensina”. Destarte, apresenta o Clube de Matemática como um espaço
para a concretização da ação pedagógica, inserido nas instituições de ensino como a
possibilidade de construção de um sistema de atividades. O espaço de aprendizagem é
também o espaço físico, mas é possível criar um ambiente favorável para o
desenvolvimento dos alunos a partir da proposição de atividades educativas criativas e
diversificadas, que possibilitam a formação de motivos e interesses para aprender os
conceitos matemáticos.
Outro aspecto importante está relacionado à atividade principal dos alunos neste
período. A comunicação íntima pessoal, entendida por Elkonin (1987) como a atividade
130

principal da adolescência, foi evidenciada claramente no coletivo da sala de aula. Os


estudantes tinham necessidade de compartilhar com os outros colegas os fatos ocorridos
nos dias anteriores, como também suas opiniões sobre diversos temas. No diálogo
estabelecido entre eles, a comparação, competição e autoafirmação se destacavam
continuamente na estruturação de suas relações pessoais.
Assim, durante o período de observação da turma, o grupo de alunos
demonstrava a necessidade de comunicar uns para os outros as diversas atividades
realizadas e situações vivenciadas por eles em outros espaços e instâncias, como na
família, no clube, na escola (fora da sala de aula). Davídov (1988) entende que, no
processo do desempenho de tarefas socialmente importantes, os adolescentes se
reconhecem e refletem sobre sua própria conduta dentro das inter-relações de vários
coletivos. Deste modo, se tornam mais capacitados para avaliar suas próprias condutas, o
que possibilita o surgimento da nova formação psicológica central nesse período, o
surgimento da autoconsciência.
O experimento didático-formativo foi realizado no mês de outubro de 2018, com
duas aulas na segunda-feira, duas aulas na terça-feira, e uma aula na quarta-feira, que
serão detalhadas a seguir.
131

3 A ORGANIZAÇÃO DA ATIVIDADE DE ESTUDO DO CONCEITO DE RAIZ


QUADRADA EXATA: O EXPERIMENTO DIDÁTICO-FORMATIVO EM
ANÁLISE

Neste capítulo será apresentado e analisado o experimento didático-formativo


com o conceito de raiz quadrada exata, realizado com os estudantes do 6º ano do Ensino
Fundamental, a partir dos aportes teóricos da organização da atividade de estudo na teoria
do ensino desenvolvimental. Nas análises, privilegiaram-se a discussão sobre as ações
mentais de reflexão, a análise e o plano interior das ações, sistematizados como unidades
conceituais de análise dos resultados do experimento, pois a capacidade de aprender e
operar com conceitos nucleares de uma dada disciplina está dialeticamente relacionada,
porém, subordinada a essas capacidades. De acordo com Davídov (1988), são ações
mentais reveladoras do desenvolvimento do pensamento teórico.
A discussão sobre os resultados do experimento didático-formativo, que se
acredita revelar o desenvolvimento das capacidades de reflexão, análise e plano interior
das ações das crianças, aparece em seções separadas para fins de análise. Contudo, é
necessário esclarecer, de antemão, que, conforme a teoria do ensino desenvolvimental, na
realização das tarefas de estudo, tais ações vão sendo desenvolvidas dinamicamente em
relação umas com as outras e com outras ações e operações mentais.
A reflexão, a análise e o plano interior das ações ‒ elementos tomados para
evidenciar e analisar a assimilação e aprendizagem do conceito de raiz quadrada exata e
o desenvolvimento do pensamento teórico ‒ são revelados por meio da apresentação e
análise de determinados episódios de ensino, retirados do experimento didático-
formativo. Estes são considerados mais importantes e elucidativos, pois permitem
apreender melhor os indícios de desenvolvimento e, em alguns momentos, os saltos
qualitativos da atividade mental dos alunos em direção à formação do conceito. O termo
“episódio”, nesta pesquisa, a partir da concepção de Moura (2004), afirma que falas,
gestos, escritas e ações constituem cenas ou momentos que podem revelar situações de
aprendizagem conceitual e ajudar na análise e no acompanhamento desse processo.
Selecionaram-se, para apresentação e análise, oito episódios de ensino. Estes
revelam as principais contribuições da teoria do ensino desenvolvimental para a
organização da atividade de estudo, evidenciando-se a unidade entre ensino e
aprendizagem no processo de formação do conceito de raiz quadrada de números
132

quadrados perfeitos, em uma turma de 6º ano do Ensino Fundamental.


O experimento didático-formativo aqui apresentado permite compreender, a
partir de uma prática pedagógica viva e dinâmica, os principais fundamentos psicológicos
e didáticos da teoria do ensino desenvolvimental a respeito da relação entre ensino e
aprendizagem. Neste ínterim, é por meio da apresentação e análise de episódios de ensino
retirados do experimento didático-formativo realizado que se espera evidenciar que, na
teoria do ensino desenvolvimental, se encontram fundamentos que podem ajudar o
professor no trabalho pedagógico com os conceitos de matemática. Assim, não se
entregam aos alunos os conceitos prontos, mas os leva a formar tais conceitos
(VIGOTSKI, 2007).
É importante ressaltar a formidável participação da professora regente no
experimento didático-formativo. Entendendo-se o movimento conceitual proposto pelo
plano de ensino, discutido em encontros antecedentes ao seu início, como foi exposto no
capítulo anterior, a professora da turma colaborou substancialmente durante todo o
processo. Ela é quem apresentou a pesquisadora à turma, incentivou os alunos a
participarem, dividiu os grupos para o desenvolvimento das tarefas de estudo de acordo
com as características de cada aluno e realizou as filmagens.

3.1 ANÁLISE DA SITUAÇÃO SOCIAL DE DESENVOLVIMENTO ESCOLAR

O objetivo desse primeiro encontro foi identificar a situação de desenvolvimento


escolar dos alunos e o nível de conhecimentos prévios sobre a rede conceitual do conceito
de raiz quadrada exata em que se encontravam, na tentativa de situar a zona de
desenvolvimento próximo da turma. Assim, no dia 23 de outubro de 2018, realizou-se
uma aula expositiva dialogada sobre o percurso lógico e histórico do conceito de número,
buscando mobilizar a atenção e despertar motivos e interesses para a realização das
tarefas.
Com base na fundamentação teórica desta pesquisa, compreende-se a estreita e
dialética relação entre o ensino escolar e o desenvolvimento psíquico das crianças e dos
jovens do Ensino Fundamental. De acordo com Vigotski (2007), há unidade, e não
identidade, entre aprendizagem e desenvolvimento, revelando-se a necessidade de
entender esse movimento para elucidar como se dão, por meio da aprendizagem de
133

conceitos científicos na escola, mudanças qualitativas na estrutura psíquica em cada


período de desenvolvimento.
Para compreender a dinâmica de uma determinada idade é preciso, inicialmente,
entender a relação do aluno com seu meio, compreendida, na teoria histórico-cultural,
como situação social de desenvolvimento. Vigotski (1996, p. 264, tradução nossa) explica
que “[...] a situação social de desenvolvimento é o ponto de partida para todas as
mudanças dinâmicas que ocorrem no desenvolvimento durante um período etário”.
Davídov (1988) entende que a situação social de desenvolvimento é a relação da criança
com a realidade social estabelecida por meio da atividade principal.
Cada período do desenvolvimento possibilita o surgimento de neoformações
psíquicas a partir da atividade principal realizada pelo sujeito em sua situação social de
desenvolvimento. Esta seria a dinâmica do processo de desenvolvimento, conforme a
teoria histórico-cultural. Funções psíquicas que estão em desenvolvimento, mas ainda não
se desenvolveram completamente, situam-se, de acordo com esta teoria, na zona de
desenvolvimento próximo. Chaiklin (2011) explica que a análise da zona de
desenvolvimento próximo em que se encontra a criança ajuda o pesquisador a
compreender a transição de um período do desenvolvimento a outro, a partir de dois
objetivos.

Um deles é identificar os tipos de funções psicológicas em maturação


(e as interações sociais a elas associadas) que são necessários para a
transição de um período do desenvolvimento para o seguinte; e o outro
é identificar o estado atual da criança em relação ao desenvolvimento
dessas funções necessárias para essa transição (CHAIKLIN, 2011, p.
666).

Chaiklin (2011) chama de “zona de desenvolvimento próximo objetiva” a


situação em que se encontra a criança constituída pelo período atual de desenvolvimento.
Pelas funções em maturação e pelo próximo período etário, objetiva-se o sentido em que
nela se manifestam as funções psicológicas que necessitam ser formadas ao longo de um
determinado período, para que se forme o próximo período. A zona de desenvolvimento
próxima, segundo o autor, “[...] reflete as relações estruturais que são historicamente
construídas e objetivamente constituídas no momento histórico em que a criança vive”
(p. 666).
134

A ampliação das funções em desenvolvimento que prepara a estrutura do


próximo período Chaiklin (2011) denomina “zona de desenvolvimento próximo
subjetiva”, “[...] para indicar que se está falando do desenvolvimento de uma pessoa no
singular em relação ao próximo período de desenvolvimento formado histórica e
objetivamente” (p. 667).

[...] zona de desenvolvimento próximo é uma forma de se referir tanto


às funções que estão se desenvolvendo ontogeneticamente em um dado
(objetivo) período etário quanto ao estado atual de desenvolvimento de
uma criança em relação às funções que idealmente precisam ser
realizadas (subjetivamente) (CHAIKLIN, 2011, p. 667).

A partir dessa compreensão é que se busca, por meio do diálogo com as crianças,
identificar quais conhecimentos estas já possuíam a respeito das formas historicamente
construídas dos números e do conceito de número, bem como para mobilizar a atenção e
despertar motivos para a realização das tarefas que seriam propostas. Inicialmente,
apresentou-se um slide (Figura 3) contendo diversas imagens com números.

Figura 3 - Os números em situações cotidianas.

Fonte: elaborada pela autora, a partir da montagem de fotografias.

Pesquisadora: O que vocês veem em comum nessas imagens?


Alguns estudantes: Muitos números!
Pesquisadora: Vocês já pararam para pensar como surgiram os números? Será
que foi um matemático que inventou os números?
Alguns estudantes tentavam responder: Sim, não...
Pesquisadora: Por que vocês acham que não foi um matemático?
135

Luca15: Não, porque se não existia o número como existia a Matemática?


Gui: Foram os pré-históricos.
Ton: Eles começaram usando os riscos para os números.
Luca: Eles usavam pedrinhas, nó em corda.

Nesse momento, captou-se que os alunos já possuíam alguns conhecimentos


sobre a história dos números, que historicamente surgiram a partir do momento em que a
humanidade teve a necessidade de contar objetos. Destaca-se que, durante o diálogo, a
pesquisadora buscou, sempre que possível, fundamentar as colocações dos alunos.
Segundo Boyer (1996, p. 01), “[...] a matemática originalmente surgiu como parte da vida
diária do homem”, o que explicaria a limitada noção de contagem dos homens que
habitavam as cavernas. Estes não plantavam, nem criavam animais, pois, para se
alimentarem, caçavam e colhiam frutos e raízes.
A esse respeito, Imenes e Lellis (1999, p. 08) afirmam que “[...] é provável que
eles (os homens pré-históricos) não tivessem necessidade dos números em seu dia-a-dia
e, por isso, talvez, não os conhecessem”. No entanto, segundo os autores, parece que já
existia uma noção de contagem nesse momento histórico, pois pesquisas arqueológicas
datadas de 1937. na Europa, indicaram um osso de lobo de aproximadamente 30.000 anos
com risquinhos.
Durante esse diálogo inicial, a turma, no geral, mostrou conhecer diversos
aspectos da pré-história e da história dos números, e vários alunos tentavam falar ao
mesmo tempo sobre esse assunto. Pela intensa participação das crianças já nesse
momento inicial, percebeu-se também o interesse por essa discussão histórica a respeito
do surgimento dos números e da Matemática.

Pesquisadora: Vocês sabem o que é senso numérico?


Estudantes: Silêncio...
Tico: Eu sei professora, é igual num bando de lobo, se tinha cinco e um morre,
os demais percebem que está faltando um.
Pesquisadora: Muito bom! Isso mesmo! Até os animais possuem senso
numérico.

15
Ao longo deste capítulo, serão utilizados sempre nomes fictícios quando nos referirmos a algum estudante
em particular.
136

Bico: Professora, mas só isso não dava para contar, né!

Explicitou-se, em seguida, que numerosas experiências a respeito do senso


numérico já foram realizadas com animais, como as realizadas com pássaros, que
mostraram que estes animais são capazes de diferenciar quantidades concretas de um a
quatro. Contou-se, então, para os alunos, uma pequena história narrada por Ifrah (2010):
o dono de uma plantação queria matar um corvo que havia feito um ninho na torre de sua
casa. Mas a ave era muito esperta e quando alguém se aproximava, ela voava para uma
árvore distante e voltava apenas quando o perigo se afastasse. Um dia, o agricultor tentou
um truque. Dois homens entravam no galpão vizinho à torre e o pássaro fugiu. Pouco
depois, um dos homens saiu de lá, mas o pássaro não voltou para o ninho, pois percebeu
que havia outro esperando por ele. O truque foi repetido no dia seguinte com três homens,
depois com quatro, sem que fosse possível enganar a ave. Finalmente, foram usados cinco
homens. Incapaz de perceber a diferença entre quatro e cinco, o corvo voltou ao ninho.
Essa pequena histórica incitou ainda mais a discussão e o diálogo entre os
alunos com a pesquisadora. Muitos deles, ao mesmo tempo, queriam narrar suas
experiências e concepções, buscando a atenção da pesquisadora e dos colegas. Segundo
Davídov (1988, p. 84, tradução nossa), “[...] a comunicação pessoal do adolescente
encontra sua expressão diversificada na execução de diferentes tipos de atividade
socialmente útil, que, em nossa opinião, é a principal atividade na adolescência”.
Sobre o senso numérico, Ifrah (2010) coloca que essa sensação numérica é uma
aptidão natural que não se deve ser confundida com a faculdade abstrata de contar, que
por sua vez diz respeito a um fenômeno mental muito mais complexo. O senso numérico
é limitado, pois, em um olhar rápido, pode-se diferenciar montinhos com cinco objetos
de outro com seis, mas não se consegue distinguir 15 objetos de outro com 16. Para isso,
é necessária a contagem16. Neste contexto, “[...] o homem difere de outros animais de
modo mais acentuado pela sua linguagem, cujo desenvolvimento foi essencial para que
surgisse o pensamento matemático abstrato; no entanto palavras que exprimem ideias
numéricas aparecem lentamente” (BOYER, 1996, p. 03).

16
Os historiadores acreditam que a contagem se iniciou com pedrinhas e que, desses montes de pedrinhas
e de outras formas de contar, foram nascendo os números (IMENES; LELLIS, 1999). Desta forma, a
palavra cálculo se originou da palavra latina calculus, que significa pedrinha. Cedro, Moraes e Rosa (2010)
concordam que foi a partir da realidade prática por meio da medida e da contagem que a humanidade
formou a ideia dos números. Assim, com o desenvolvimento do homem, surgiu a necessidade de uma nova
forma de contagem.
137

A partir dessas informações, os estudantes foram acrescentando exemplos e


contando vivências de situações de seu cotidiano que envolviam números.

Gabi: Professora, a Ana está perguntando se usamos os números no nosso corpo.


Existe né! Por que tem a altura, o peso.
Gui: A idade...
Pesquisadora: Isso mesmo! Os números estão presentes nas mais diversas
situações e objetos da nossa vida.
Rai: Tia! Como o ser humano conseguiu fazer o relógio?
Ton: E como descobriu quantos dias tem um ano?
Gabi: E como o homem conseguiu fazer o calendário?

Os questionamentos parecem indicar uma transformação dos motivos e o


surgimento de necessidades para aprender novos conhecimentos sobre os números, ainda
que a partir de um diálogo inicial. Buscou-se ajudar os estudantes a pensar sobre essas
questões, mostrando que um dos marcos mais importante da humanidade, que contribuiu
para o desenvolvimento do que se pode considerar como uma pré-linguagem matemática,
foi o início da prática da agricultura. Ao aprender a cultivar plantas para a sua
sobrevivência, o homem deu um salto em sua forma de viver. A agricultura fixou o
homem à terra, lhe permitiu se organizar socialmente de forma mais complexa, levando-
o a planejar e dividir as suas atividades de trabalho, como também a compartilhar a terra
e seus frutos.
Nesse processo, o homem foi desenvolvendo sua percepção do que se chama
número, para melhor compreensão dos ciclos das estações do ano e contagem do tempo
através de calendários. “Se fizesse sentido dar uma resposta menos imprecisa sobre como
e quando começou a Matemática, poderíamos dizer que foi com o início da Revolução
Agrícola, por volta de 9000 a.C.” (GARBI, 2006, p. 06).
A realização de contagens, nos dias de hoje, é imposta a todos constantemente,
nas mais variadas circunstâncias. “À medida que a vida social vai aumentando de
intensidade, isto é, que se tornam mais desenvolvidas as relações dos homens uns com os
outros, a contagem impõe-se como uma necessidade cada vez mais importante e mais
urgente” (CARAÇA, 1984, p. 03). Na medida em que se conversava sobre o contexto
histórico do desenvolvimento dos números, novos questionamentos surgiam.
138

Gui: Tia! Como é que eles inventaram o logotipo, o símbolo?


Pesquisadora: Excelente pergunta! O que vocês acham turma? Como surgiram
os símbolos?
Tutu: Os primeiros números criados foram dos romanos, não foram?
Vários estudantes: Foram os povos antigos, as civilizações, os egípcios, os
romanos.

Embora vários alunos estivessem participando ativamente da conversa sobre o


surgimento dos números, ficou claro que, mesmo tendo alguns conhecimentos prévios
sobre o surgimento da simbologia dos números, ainda não compreendiam bem o seu
desenvolvimento histórico. Neste sentido, entendeu-se que, naquele momento, era
importante explicitar um pouco mais a esse respeito.
Explicou-se para a turma que, por volta de 3.500 a.C., os sumérios começaram
a desenvolver um sistema de símbolos que evoluiu até se tornar uma forma de escrita, a
escrita cuneiforme. Logo depois, os egípcios criaram seu próprio sistema de escrita, os
hieróglifos. Ifrah (2010, p.150, grifo do autor) aponta que “[...] oriunda de um sistema de
calculi e de esferas de argila, a transcrição gráfica dos números precedeu de fato à
linguagem articulada”.
É interessante apontar que, para Vygotsky (1995), talvez tenha sido a
necessidade de registrar quantidades o que, historicamente, deu origem à escrita, e isso
também foi observado por Luria (2012):

[...] em vez de tentar avaliar visualmente as quantidades, o homem


aprende a usar um sistema auxiliar de contagem e, em vez de confiar
mecanicamente as coisas à memória, ele as escreve [...] é possível que
as origens reais da escrita venham a ser encontradas na necessidade de
registrar o número ou a quantidade (LURIA, 2012, p. 146-164).

Em vista disso, “[...] boa parte do que hoje chamamos de matemática deriva de
ideias que originalmente estavam centradas nos conceitos de número, grandeza e forma”
(BOYER, 1996 p. 01). A princípio, as noções primitivas desses conceitos estavam
relacionadas mais com contrastes do que com semelhanças. Como exemplos, a diferença
de um lobo e muitos, a desigualdade de tamanho entre uma sardinha e uma baleia, a
dessemelhança entre a forma redonda da Lua e a retilínea de um pinheiro. Gradualmente,
139

[...] dessa percepção de semelhança em número e forma nasceram a


ciência e a matemática [...] Essa percepção de uma propriedade abstrata
que certos grupos têm em comum e que nós chamamos número,
representa um grande passo no caminho para a matemática moderna
(BOYER, 1996, p. 01).

Após conversar com os alunos sobre a história da Matemática e como surgiram


os números, com o objetivo de tentar levá-los à compreensão inicial de que a Matemática
é a síntese entre forma, número e grandeza, tentou-se conduzir o diálogo nessa direção.

Pesquisadora: O que vocês acham que é forma?


Alguns estudantes: É o formato das coisas, é o quadrado.
Pesquisadora: Certo! O que mais?
Tutu: Figuras geométricas
Pesquisadora: E quais são elas?
Jô: Quadrado...
Alguns estudantes: Triângulo, retângulo, losango.
Pesquisadora: E o que vocês acham que é grandeza?
Gui: É a altura.
Ton e Gabi: Largura, a profundidade.
Pesquisadora: E que grandeza mede a altura, a largura e a profundidade?
Luca: Metro, centímetro, quilômetro...
Pesquisadora: Sim, mas essas grandezas medem o quê?
Bin: Mede o tamanho.
Pesquisadora: Então essa grandeza é de com...
Alguns estudantes: De comprimento!
Pesquisadora: Beleza, tudo isso são medidas de comprimento. Mas será que
existe outra grandeza além do comprimento?
Bin: Altura.
Pesquisadora: Altura é uma grandeza de comprimento, mas se envolvermos
duas grandezas de comprimento, como largura e altura, que grandeza seria?
Alguns estudantes: Largura, altura, forma, profundidade...
Pesquisadora: Por exemplo, qual grandeza foi utilizada ao encher essa parede
de tijolos?
140

Gui: Área.
Pesquisadora: Muito bem! E qual o nome da grandeza que trabalha com largura,
altura e comprimento?
Gabi: É o cubo.
Pesquisadora: Mas qual o nome dessa grandeza? Se eu encher essa sala de areia,
que grandeza seria?
Jô: Volume!
Pesquisadora: Excelente! Então quais são mesmo as grandezas que já falamos?
Alguns estudantes: Comprimento, volume e área.

Essa conversa inicial revelou que os alunos confundem as grandezas com as suas
respectivas unidades de medida. Embora os alunos tenham demonstrado predomínio do
pensamento empírico sobre os conceitos de forma, número e grandeza, destaca-se a
importância dessa noção conceitual para o desenvolvimento do sistema conceitual de raiz
quadrada de números quadrados perfeitos, uma vez que se trata de uma grandeza de área.
Por esse motivo e considerando-se também a necessidade de mobilizar a atenção
e desenvolver nos alunos o interesse e os motivos para realizarem as tarefas, resolveu-se
ampliar a discussão, de forma que os questionamentos foram sendo direcionados para um
aprofundamento cada vez maior do que os estudantes já sabiam. O intuito era introduzir
as tarefas com o conceito de raiz quadrada exata.
A formação do conceito de número é fundamental para a assimilação e
aprendizagem de outros conceitos, inclusive do conceito de raiz quadrada. Davydov
(1982) defende que é necessário “[...] criar nos alunos uma concepção válida e
circunstancial do número real, subjacente ao conceito de grandeza. Os números (naturais
e reais) são um aspecto particular desse objeto matemático mais geral” (p. 431, tradução
nossa). Ao analisar as atividades davydovianas, Hobold (2014) afirma que,
primeiramente, são desenvolvidas diversas tarefas específicas para o estudo das
grandezas e suas relações e, posteriormente, com base nas relações entre grandezas, é que
o conceito de número é introduzido.
Desse modo, entendendo-se que o conceito de número está presente no sistema
conceitual de raiz quadrada exata, principalmente pelo elo nuclear entre os conceitos,
tomou-se a decisão de iniciar as tarefas por esse conceito.
141

3.2 A REFLEXÃO: TOMADA DE CONSCIÊNCIA DA AÇÃO

Segundo Davídov (1988), a tomada de consciência da ação ocorre mediante a


reflexão, entendendo que esta e outras ações mentais são desencadeadas quando a criança
busca resolver uma tarefa. Para a realização da Tarefa 1 desse experimento, dividiu-se a
turma em nove pequenos grupos, com três componentes cada um, que ficaram com a
seguinte composição: Grupo 1 – Lena, Dou e Isa; Grupo 2 – Jô, Caco, e Tico; Grupo 3 –
Dado, Doca e Dani; Grupo 4 – Luca, Bin e Ana; Grupo 5 – Bico, Lala e Rafa; Grupo 6 –
Kaka, Gugu e Tuca; Grupo 7 – Ton, Gui e Tata; Grupo 8 – Lulu, Gabi e Tutu, e Grupo 9
– Bia, Lili e Fabi. Essa forma de organização dos grupos ampliou o espaço de circulação
na sala, como mostra a Figura 4, o que permitiu melhores condições para a realização das
mediações necessárias por parte da pesquisadora.

Figura 4 - Disposição dos grupos na sala de aula.

Fonte: imagem capturada pela pesquisadora, relatório de pesquisa.

No ensino desenvolvimental, a atividade conjunta das crianças na resolução de


uma tarefa tem grande importância no processo de assimilação dos conceitos e
desenvolvimento do pensamento teórico. Davídov e Márkova (2019b, p. 198) explicam
que a assimilação sempre ocorre em atividade conjunta com outra pessoa. “Além disso,
as atividades conjuntas e a comunicação durante a aprendizagem podem ter um caráter
diferente, que varia desde o contato com uma pessoa específica” até a comunicação com
142

a humanidade, como, por exemplo, por meio das disciplinas escolares. Contudo, ficou
evidente que os alunos não estavam acostumados a trabalhar em grupo, pois a organização
dos nove pequenos grupos demandou muito tempo, e as crianças ficaram bem agitadas.
Elas resistiram a mudar as carteiras de lugar ou à formação dos grupos, conforme a
orientação da pesquisadora e da professora da turma.

3.2.1 Análise da unidade conceitual de número

A primeira tarefa do experimento didático-formativo foi realizada no dia 23 de


outubro de 2018 e objetivava levar os estudantes à compreensão do princípio
multiplicativo. Em outras palavras, quantas vezes uma unidade de medida se repete,
considerando-se que o conceito de multiplicação é essencial para a compreensão de raiz
quadrada exata.
A realização da Tarefa 1 possibilitou que as crianças realizassem a primeira ação
de estudo proposta por Davídov (1988), a transformação dos dados da tarefa, a fim de
descobrirem a relação universal do objeto estudado. A tarefa consistia na resolução de
um problema desencadeador, elaborado a partir de uma proposição davydoviana
desenvolvida por Hobold (2014). Cada grupo recebeu uma folha de papel, na qual
constava o problema a seguir.

Figura 5 - Tarefa 1 - Resolução de um problema relacionado à grandeza de comprimento.


143

Dois irmãos, Gabriel (G) com 2 anos de idade e Herik (H) com 10 anos de idade,
precisavam percorrer diferentes caminhos, como mostra a figura abaixo. Sabendo que
o passo de Gabriel corresponde à medida A, e o passo de Herik à medida B, quantos
passos cada um andou para realizar o seu trajeto, ou seja, qual o valor aritmético de G
e de H?

G H
G= A

H= B

A B

Fonte: adaptado para a pesquisa, pela autora, com base em Hobold (2014).

Após a leitura conjunta do problema, pediu-se aos estudantes, em seus grupos,


que tentassem resolvê-lo. Logo, se iniciaram as discussões sobre como contar os passos
dos irmãos. Este primeiro episódio de ensino será analisado a partir do diálogo do Grupo
3 durante a realização da tarefa:

Doca: Tia! O que é para fazer mesmo?


Dado: Acho que é para ver quantos tamanhos de A tem.
Pesquisadora: Quantos tamanhos de A têm onde?
Dado: Em G.
Dani: Um, dois... são 10.
Doca: Dá 10 mesmo.
Pesquisadora: Qual a grandeza que G e H representam?
Dado: Comprimento.
Pesquisadora: Isso mesmo! Terminaram?
Dani: Não, tem a outra figura.
Doca: Na outra são 12.
Pesquisadora: Por quê?
Dado: Né não! Olha o tamanho aí!
144

Doca: Tamanho do que?


Dado: O tamanho de B é diferente do A.
Doca: É mesmo! Então são 6.
Pesquisadora: Então, qual tem maior valor aritmético?
Dani: O valor de G é maior que H.
Dado: Mas a figura H é maior.
Pesquisadora: Como assim?
Dado: Se medir ao redor de H vai dar mais que ao redor de G.
Pesquisadora: Então por que o valor de G deu maior?
Dado: Porque B é maior que A.
Pesquisadora: Certo! E qual é o valor obtido por esse contorno, para a soma
desses lados?
Dado, Dani e Doca: Dez (10) e seis (6).

Destaca-se que, para determinar a quantidade de passos dos irmãos Gabriel e


Herik, ou seja, o valor aritmético de G e de H, alguns alunos, inicialmente, utilizaram o
mesmo segmento A para as duas situações. Só depois eles identificaram que A e B são
unidades de medida e com tamanhos distintos.
De fato, o enunciado da Tarefa 1 não explicita a grandeza a ser considerada. O
aluno identifica a grandeza em questão, a partir da unidade de medida proposta na tarefa,
isto é, A se refere a uma unidade de medida de comprimento composta por um segmento
da malha, e B significa uma unidade de medida de comprimento formada por dois
segmentos da malha.
Assim, os alunos realizaram a transformação dos dados da tarefa, chegando à
expressão ou ao modelo para número. Salienta-se, apesar do tumulto inicial para a
formação dos grupos, que a partir do momento em que começaram a tentar resolver o
problema, puderam ser percebidas a concentração de quase todos os alunos e a
mobilização da atenção para resolverem o problema. A pesquisadora foi chamada várias
vezes por diversos grupos para resolver alguma dúvida.
As tentativas de resolver o problema, nos outros grupos, ocorreram de forma
semelhante, principalmente quanto aos diálogos e às orientações que uns davam aos
outros, quando um questionamento ou uma fala de um estudante conduzia os demais à
reflexão sobre as ações necessárias para resolver o problema. Essa dinâmica de
145

colaboração e diálogo entre os componentes dos grupos foi fundamental para a resolução
desta primeira tarefa e foi se revelando sempre muito importante no decorrer do
experimento. Neste contexto, confirmou-se a tese do ensino desenvolvimental que, no
trabalho colaborativo, o aluno atinge níveis mais elevados na compreensão conceitual.

Em psicologia temos identificado e descrito várias particularidades


essenciais que representam a forma inicial das ações de estudo. Esta
forma consiste em que o grupo de escolares, sob a direção do professor,
realize as ações de estudo distribuídas coletivamente. De maneira
paulatina tem lugar a interiorização de ditas ações, sua conversão em
solução individual de tarefas de estudo (DAVÍDOV, 1988, p. 182,
tradução nossa).

Sobre a palavra interiorização, Leontiev (2005) explica que ela deveria ser
considerada como uma metáfora que melhor descreve o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores. Deste modo, as funções mentais humanas se desenvolvem de
processos externos, derivados de uma atividade social e intencional. Neste contexto, a
atenção se desenvolve desde a sinalização de algo por outra pessoa, pela memória da
comunicação a distância e pela vontade de obedecer às ordens. E, uma vez interiorizadas,
as funções psicológicas superiores ficam sujeitas ao controle voluntário da pessoa.
Sendo assim, após concluírem a resolução do problema, conduziram-se os
estudantes à realização da ação de estudo de controle. Perguntou-se à turma se alguém
poderia ir até o quadro e explicar para todos como seu grupo conseguiu resolver o
problema. Vários estudantes manifestaram interesse em fazer essa explicação e, como o
aluno Bico foi o primeiro a anunciar interesse, se pediu a ele que explicasse como seu
grupo resolveu o problema aos demais, fazendo alguns questionamentos enquanto o aluno
resolvia o problema no quadro: “Quantos de A precisa para contornar a figura G? Qual é
a grandeza utilizada nessa tarefa?” A maioria dos alunos conseguiu responder
adequadamente os questionamentos.
Durante o desenvolvimento das tarefas, em todo o experimento didático-
formativo, estimularam-se os alunos a expressarem suas ideias por meio da fala. Vigotski
(2009, p. 275) entende que “[...] tomar consciência da alguma operação significa transferi-
la do plano da ação para o plano da linguagem, isto é, recriá-la na imaginação para que
seja possível exprimi-la em palavras”.
É importante ressaltar que, durante a realização desta primeira tarefa, tanto na
resolução do problema quanto na ação de controle, os alunos buscavam constantemente
146

socializar com os colegas suas opiniões e conclusões e mostrar o que e como haviam feito
para solucionar o problema. Como afirma Elkonin (1961), a imagem que o adolescente
terá de si mesmo é firmada nas relações sociais que estabelece com os companheiros da
mesma idade.
É no ambiente escolar e durante a realização da atividade de estudo que a
comunicação afetiva com os outros adolescentes vai paulatinamente se tornando a nova
atividade principal. É na escola que o adolescente busca continuamente se autoafirmar a
partir da forma como os outros o veem, como afirmam Anjos e Duarte (2016, p. 201):
“[...] a opinião social da coletividade escolar adquire uma importância significativa para
os adolescentes”. Nesta perspectiva, a teoria do ensino desenvolvimental ajuda a
compreender não só a importância do processo educativo no desenvolvimento intelectual,
mas no desenvolvimento dos sentimentos, das emoções e da personalidade dos
estudantes.
De acordo com Rosa, Damazio e Silveira (2014), as proposições davydovianas
para a organização da atividade de estudo com conceitos de Matemática não seguem,
detalhadamente, o percurso histórico da humanidade na elaboração destes conceitos, mas
o refletem. Daí a importância de se conseguir identificar os conceitos essenciais e
nucleares da Matemática no Ensino Fundamental, como e por que esses conceitos são os
que mais contribuirão para o desenvolvimento do pensamento teórico.
Davídov (1988) esclarece que a ação inicial (transformação dos dados da tarefa)
está na ideia de que, inicialmente, as crianças precisam ser levadas a distinguir algumas
relações gerais e só depois disso tentar encontrar as características particulares da relação.
“A busca desta constitui o conteúdo da análise mental, que em sua função de estudo
aparece como o momento inicial do processo de formação do conceito requerido” (p. 182,
tradução nossa). A figura abaixo mostra como o Grupo 3 resolveu o problema.

Figura 6 - Representação da Tarefa 1 realizada pelo Grupo 3.

Fonte: relatório de pesquisa.


147

Entendendo que a Matemática é uma ciência que envolve grandeza, número e


forma, enfatizou-se que a Tarefa 1 envolveu significações aritméticas (10, 6), algébricas
(G, A, H e B) e geométricas (segmentos). Destarte, como mostra a pesquisa de Souza
(2013), as tarefas de estudo de inspiração davydoviana envolvem a relação entre medidas
de grandezas de mesma natureza e instigam o aluno a realizar a análise pelas relações e
pelos nexos do próprio conceito, indo para além das características externas destes.
Davídov (1988) defende que, quando possível, se deve inserir elementos de geometria no
estudo dos números e de suas relações algébricas.
A fórmula geral para obtenção do número apresentada por Davydov (1982) é:
𝑎
= 𝑛 → 𝑎 = 𝑛 ∙ 𝑐, em que n é qualquer número, a é o objeto representado como
𝑐

grandeza, e c é qualquer medida. “Mudando a medida você pode modificar o número


relacionado ao mesmo objeto. O número depende da relação envolvida no procedimento
inicial de sua formação” (p. 434, tradução nossa).
Considerando o exposto, Rosa (2012) pondera que a reflexão sobre quantas
vezes uma unidade de medida está contida na grandeza conduz o aluno a reproduzir o
modelo abstrato, universal, do conceito teórico de número. Assim, no modelo H = 6B,
𝐻
apresentado na Figura 6 pelo Grupo 3, entende-se que = 𝑛 → 𝐻 = 𝑛 ∙ 𝐵, onde H é a
𝐵

grandeza a ser medida, B a unidade de medida, e n o valor aritmético de H em relação a


B. Ou seja, n é a medida da grandeza H que, no caso específico da tarefa, pode variar de
acordo com a quantidade de passos caminhados.
Desse modo, com os modelos que foram construídos pelos estudantes para a
resolução da Tarefa 1 (G = 10A e H = 6B), identificaram-se também indícios de realização
da segunda ação de estudo, a modelação da relação conceitual básica identificada.
Davídov (1988) explica que o modelo, além de representar a relação universal, fixa as
características internas do objeto, que não são observáveis de forma direta. “É importante
assinalar que os modelos de estudo constituem o elo essencial internamente
imprescindível no processo de assimilação dos conhecimentos teóricos e dos
procedimentos de ação generalizada” (p. 182, tradução nossa).
Dessa forma, ao buscar compreender os atributos essenciais do conceito de
número pela análise da Tarefa 1, inicia-se o processo de abstração substantiva. Ressalta-
se também que nem toda representação objetal, gráfica ou literal é um modelo de estudo.
Davídov (1988) compreende por modelo todo sistema representado mentalmente ou
148

realizado materialmente, que reflete ou reproduz o objeto de investigação, sendo o


estudante capaz de substituí-lo no estudo de novos conceitos.

Os modelos são uma forma peculiar de abstração, na qual as relações


essenciais do objeto são fixadas em elos e relações visualmente
perceptíveis e representadas por elementos materiais ou semióticos.
Trata-se de uma unidade peculiar do singular e do geral, em que no
primeiro plano se apresenta o geral, o essencial (DAVÍDOV, 1988, p.
134, tradução nossa).

Pode-se afirmar, portanto, que na resolução desta primeira tarefa os estudantes


deram início à elaboração conceitual de medida, compreendendo, como afirma Caraça
(1984, p. 29), que “[...] medir consiste em comparar duas grandezas da mesma espécie”,
ou seja, determinar quantas vezes cabe àquela unidade de medida. A tarefa proposta e
analisada nesse primeiro episódio explorou a fórmula geral para o número, envolvendo a
grandeza de comprimento, tendo o conceito de multiplicação como parte do sistema
conceitual de número, tal como abordado por Davídov (1982, 1988).

3.3 ANÁLISE SUBSTANTIVA: A IMPORTÂNCIA DA GENERALIZAÇÃO


CONCEITUAL

Partindo-se da compreensão de que a resolução de tarefas em grupo permite que


os estudantes troquem e elaborem entre si diferentes modos de ação e operações, o que
por sua vez contribui para que o processo de assimilação do conceito seja coletivamente
mais homogêneo, as Tarefas 2, 3 e 4, elaboradas e que levam à análise desses episódios,
foram realizadas pelos mesmos grupos da tarefa anterior (Tarefa 1).
É importante reforçar que a ação de reflexão continua a ocorrer também nas
próximas tarefas que serão analisadas. Essa ação mental antecede a análise substantiva e
é indispensável para a realização da generalização do conceito. Outra questão importante
é que a zona de desenvolvimento próxima dos alunos não é a mesma; enquanto alguns já
iniciam o processo de generalização, outros ainda estão no movimento de abstração inicial
e ainda demandam a ação de reflexão.
Para a resolução das próximas tarefas, a fim de se compreender a essência do
conceito de multiplicação, a grandeza trabalhada foi a área. Deste modo, discutiu-se
primeiramente o esquema de setas necessário para a resolução das tarefas, em que, em
149

uma superfície C, têm-se uma unidade de medida básica A e uma unidade de medida
intermediária B, como mostra a Figura 7.

Figura 7 - Esquema para o início da modelação gráfica.


24
A C

6 4

B
Fonte: elaborada pela autora, com base na proposição davydoviana abordada por Hobold (2014).

De acordo com o esquema da Figura 7, a unidade de medida básica é seis (6) e


repete quatro (4) vezes, resultando na superfície de 24 unidades de área. Assim, no lado
direito da terceira seta, registra-se o número de vezes que a unidade de medida
intermediária B coube na superfície C. A partir dessa explanação, a pesquisadora propôs
a resolução de algumas tarefas, pois, para escreve Davídov (2019d, p. 265), “[...] para
alcançar a verdadeira generalização, é necessário resolver uma série de tarefas de uma
mesma classe”.

3.3.1 Unidade conceitual de multiplicação

É importante assinalar que as tarefas propostas estão interiormente ligadas umas


às outras, todavia, no decorrer do experimento, sempre surge um novo elemento a ser
analisado. A Tarefa 1 utilizou-se da grandeza de comprimento para a obtenção da
expressão geral do número, revelando seu princípio multiplicativo. Já a Tarefa 2, ilustrada
na Figura 8, valeu-se da grandeza de área para a compreensão do conceito de
multiplicação, o qual constitui a essência conceitual do objeto de estudo de um caso
particular de radiciação. Esta tarefa foi realizada no dia 24 de outubro de 2018.

Tarefa 2

Figura 8 - Tarefa 2 - Multiplicação por agrupamento.


Considerando-se a carinha como unidade de medida básica (H), cada coluna como
150

unidade de medida intermediária (M) e o total de carinhas (P), analise as unidades de


medida no esquema de setas abaixo e, em seguida, realize as seguintes sínteses: qual o
procedimento de contagem que vocês usaram? E qual a relação entre H, M e P?

☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺ H P

☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺
☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺ ☺
M

Fonte: Adaptado para a pesquisa pela autora, com base em Hobold (2014). M
M
A tarefa em questão, como mostra Hobold (2014), sugere que Mos alunos
interpretem o esquema de setas por meio das grandezas discretas, o que incideMno estudo
M
da relação essencial da multiplicação. Essa relação geneticamente inicial da multiplicação
está na unidade de medida básica, unidade de medida intermediária e quantidadeM de vezes
que ambas se repetem. E o caráter interno da conexão geradora do conceito M de
multiplicação em seu teor universal está representado no esquema de setas. M
Assim, com a folha de registro em mãos, os grupos iniciaram a discussão entre
si. Destaca-se que, em cada grupo, havia sempre um aluno que liderava a condução das
tarefas e tentava ajudar os demais colegas na resolução. Isso foi perceptível durante todo
o experimento didático-formativo. Sobre o desenvolvimento dessa tarefa, apresentaremos
o segundo episódio analisado, relacionado ao Grupo 9.

Lili: Tia! Essa tarefa é para contar todas as carinhas?


Pesquisadora: O que vocês acham Bia e Fabi?
Fabi: Eu acho que sim.
Bia: Eu também.
Pesquisadora: E como vocês irão contar?
Bia: É só somar tudo.

Logo no início desse diálogo, quando a aluna Lili busca confirmação com a
pesquisadora sobre o que ela achava que seria a proposta da tarefa, fica implícita a relação
intrínseca entre o pensamento e a palavra. Pode-se dizer que essa necessidade de
expressar o que pensam na atividade foi algo recorrente durante todo o desenvolvimento
do experimento. O que se busca observar nesses momentos não foi apenas se a fala dos
151

alunos correspondia ao conceito da tarefa, mas, sobretudo, compreender o movimento do


pensamento.
O pensamento e a palavra, de acordo com Vigotski (2001), não estão
relacionados entre si através de um vínculo primário. Essa relação surge, muda e cresce
no curso do desenvolvimento do pensamento e da fala. A ausência desse vínculo primário
não quer dizer que essa ligação entre dois tipos diferentes de atividade da consciência é
somente externa, mas que a unidade complexa do pensamento discursivo se desmembra
em várias unidades sem perder suas propriedades. De acordo com Vygotsky e Luria
(1996, p. 213), “Passando de fora para dentro, a fala constitui a função psicológica mais
importante, representando o mundo externo dentro de nós, estimulando o pensamento e
também, como acreditam vários autores, lançando os alicerces para o desenvolvimento
da consciência”.
Vigotski (2001) afirma que a relação entre o pensamento e a palavra é um
processo que permeia o movimento do pensamento à palavra e vice-versa. Assim, a
linguagem, para o autor, não expressa um pensamento pronto, pois o pensamento se
reestrutura e se modifica ao se transformar em linguagem. “Como já dissemos a
experiência nos ensina, o pensamento não se reflete na palavra, se realiza nela” (p. 342,
tradução nossa).
O pensamento é algo dimensionalmente maior que uma palavra isolada, uma vez
que o pensamento está na mente como um todo e não surge gradualmente como se
desenvolve a linguagem. Neste sentido, Vigotski (2001) compara o pensamento a uma
nuvem parada que descarrega uma chuva de palavras. É por isso que o processo de
transição do pensamento para a linguagem é um processo sumamente complexo de
decomposição do pensamento e sua recriação em palavras. “Precisamente porque o
pensamento não coincide não apenas com a palavra, mas também com os significados das
palavras em que se manifesta, o caminho do pensamento para a palavra passa pelo
significado” (p. 341, tradução nossa).
Outro aspecto observado nesse diálogo está na intenção de contar, uma por uma,
as carinhas da tarefa, como demonstra a aluna Bia. Ressalta-se que essa ação ocorreu em
outros grupos, pois os estudantes estavam ligados na contagem aditiva e no resultado final
da operação. Alguns alunos começaram a pensar em outra possibilidade, apenas quando
questionados se havia outra forma para realizar esse procedimento, como mostra a
sequência do diálogo abaixo.
152

Pesquisadora: Mas tem outra forma?


Fabi: Hum...acho que sim! É só ver quantas vezes esses repetem (apontando
para o grupo de três carinhas).
Lili: É mesmo! Um, dois ..., nove vezes.
Bia: Então vai ser três mais três mais três, nove vezes.
Fabi: Sim Bia! Mas também pode pegar três (3) vezes nove (9) que dá vinte e
sete (27).
Pesquisadora: Muito bem! E sobre as perguntas da tarefa?
Lili: Mas o que vamos escrever aqui? (apontando para o primeiro
questionamento).
Pesquisadora: Qual o procedimento de contagem vocês usaram?
Todas: Multiplicação.
Pesquisadora: Isso mesmo! Mas é só isso que a tarefa quer saber?
Lili: Não! Quer saber também qual a relação entre H, M e P.
Bia: M é a quantidade de vezes que repete o grupo de carinhas, e P é o total.
Pesquisadora: E como essas unidades são retratadas pelo esquema de setas?
Fabi: H é a unidade de medida básica, M é a unidade de medida intermediária e
P é o total.

O segundo episódio manifestou a evolução natural da adição, de modo que


representou a soma de um determinado número de conjuntos de mesma quantidade de
elementos, neste caso, a soma de nove conjuntos com três carinhas. Desta maneira,
entende-se que esse episódio de ensino mostra fortes indícios de que, no final da tarefa, a
maioria dos estudantes conseguiu compreender a multiplicação por agrupamento, sendo
possível perceber, nesse episódio, mais uma vez, que a ação de análise depende da
reflexão. A Figura 9 apresenta os registros do Grupo 9.

Figura 9 - Representação da Tarefa 2 realizada pelo Grupo 9.


153

3 x 9 = 27 é uma multiplicação
H = É a unidade de medida
básica
M = É a unidade de medida
intermediária
P = É o total
Fonte: relatório de pesquisa.

Essa tarefa possibilitou, assim, o desenvolvimento interligado entre as seguintes


ações de estudo: transformação dos dados da tarefa para revelar o núcleo do conceito,
modelação da relação conceitual básica identificada e transformação do modelo e análise
das suas relações. De acordo com Caraça (1984, p. 18), “[...] a multiplicação define-se
como uma soma de parcelas iguais”.
b
𝑎 ∙𝑏 = 𝑎 +𝑎 +⋯+𝑎
O número a, parcela que se repete, chama-se multiplicando, e o número 𝑏 > 1,
número de vezes que a aparece como parcela, chama-se multiplicador; os dois, em
conjunto, se denominam fatores, e o resultado c, produto. No caso específico dessa tarefa,
𝑎 = 3 𝑒 𝑏 = 9.

9
3∙ 9 = 3+3+⋯+3
27 = 3 ∙ 9
𝑐 =𝑎 ∙𝑏
Dessa forma, o desenvolvimento da Tarefa 2 conduziu os estudantes a
transformar os dados da tarefa, de forma que a modelação de sua relação conceitual
evidenciou o núcleo do conceito de multiplicação. “A peculiaridade desta relação
consiste, por um lado, em constituir o aspecto real dos dados transformados e, por outro
lado, atuar como base genética e fonte de todas as peculiaridades do objeto integral, isto
é, constitui sua relação universal” (DAVÍDOV, 1988, p. 182, tradução nossa). Ressalta-
se, ainda, que o esquema de setas representa a modelação realizada.
154

Mas é necessário considerar que, mesmo após os alunos terem respondido


corretamente o esquema de setas, o processo de transferir a fala para a escrita foi mais
complicado. Isso porque a maioria dos grupos apresentou compreender o movimento da
multiplicação na tarefa, porém, no momento de expressar essa compreensão por meio da
linguagem escrita, chamavam a pesquisadora para que esta lhes explicasse o que deveria
ser feito. Isso ficou evidenciado na folha de registro do Grupo 6, que completaram
corretamente o esquema de setas. Porém, não fizeram o registro escrito de suas respostas
nas duas perguntas da tarefa.
A linguagem escrita requer um alto grau de abstração, pois não usa palavras, mas
representações de palavras. “Nesse sentido, a linguagem escrita se distingue da linguagem
oral da mesma forma que o pensamento abstrato do visual” (VIGOTSKI, 2001, p. 229,
tradução nossa). Essa linguagem requer da criança uma dupla abstração, do aspecto
sonoro da linguagem e do interlocutor, já que é sem som e requer uma simbolização deste,
que é uma dificuldade basilar na apreensão da escrita.
Vigotski (2001) compara a linguagem escrita e a linguagem falada com a
aritmética e a álgebra, em que o domínio da álgebra eleva o pensamento matemático,
permitindo uma compreensão mais abstrata e generalizada das operações com os
números. Semelhantemente, a linguagem escrita eleva a capacidade de abstração da
criança, reconstruindo o sistema psicológico da linguagem falada, anteriormente
estabelecido. “A linguagem escrita é precisamente a álgebra da linguagem” (p. 230,
tradução nossa).
Luria (1979) assinala que a linguagem permite mudanças essenciais à atividade
consciente do homem, porque permite que o homem lide com os objetos exteriores até
mesmo quando estão ausentes. Em decorrência disso, a linguagem assegura o processo
de abstração e generalização, possibilitando que se torne não apenas um meio de
comunicação, mas também o canal mais importante do pensamento.
Luria (1991, p. 80) diz que “[...] a função de generalização é a função principal
da linguagem”, não sendo a linguagem apenas um meio de generalização, mas a base do
pensamento. Sob o mesmo ponto de vista, Vigotski (2009) aponta que o significado da
palavra se revela antes de tudo na generalização, tendo em vista que qualquer palavra já
é uma generalização.
Para Luria (1979, p. 81), “[...] a linguagem é o veículo fundamental de
transmissão de informação, que se formou na história social da humanidade”. Ou seja, ao
155

transmitir as informações acumuladas ao longo da história, a linguagem possibilita ao


homem não apenas conhecer essa experiência, mas desenvolvê-la a partir dessa realidade.
Segundo Vigotski (2001), a consciência e a intenção orientam a linguagem
escrita da criança desde o princípio. “Os sinais da linguagem escrita e seu uso são
consciente e voluntariamente assimilados pela criança, diferentemente do uso
inconsciente e da assimilação do aspecto sonoro da linguagem” (p. 232, tradução nossa).
Neste aspecto, os motivos da escrita são mais abstratos, o que conduz a criança a agir de
forma mais intelectual.
Após os grupos finalizarem a resolução da tarefa, realizou-se a ação de controle,
semelhante à tarefa anterior. Perguntou-se para a turma qual procedimento de contagem
haviam usado, e muitos alunos responderam que foi a multiplicação. Continuou-se a
perguntar: “E qual a relação entre H, M e P?”. O Grupo 7 respondeu: “M é a medida
intermediária, que aqui fica sendo 9, que é quantas vezes o 3 foi multiplicada, e o P é o
resultado, é quantos tem no total”.
Destaca-se, mais uma vez, a importância da ação de controle em cada tarefa, que
permite a criança explicar processo pelo qual realizou a tarefa, examinando o caminho
que percorreram. A ação de controle era desenvolvida diretamente com os grupos e de
forma coletiva, em que se buscou conduzir os alunos à análise do modo como resolveram
a tarefa, ou seja, à análise de suas próprias ações e operações.
Um exemplo que salienta o valor da ação de controle nesse episódio foi retratado
pelo Grupo 8, que apresentou em seus registros a ideia da contagem aditiva: “A gente
somou, multiplicando até chegar no resultado”. Essa frase apresenta indícios de que esse
grupo não conseguiu realizar a análise substantiva, uma vez que não alcançou a síntese
da multiplicação por agrupamento. Contudo, após essa ação de estudo, o grupo teve
condições de refletir melhor sobre o desenvolvimento de sua tarefa.
No geral, os grupos evidenciaram, em seus registros, compreenderem a proposta
da tarefa que, neste entendimento, desencadeou o desenvolvimento de uma rede
conceitual composta por contagem, adição, agrupamento e, é claro, multiplicação.

Tarefa 3
O objetivo da Tarefa 3 é aperfeiçoar a operação da multiplicação composta pelo
esquema de setas e instigar a percepção do espaço geométrico existente na multiplicação,
pela malha quadriculada. Esta tarefa foi desenvolvida logo na sequência da anterior, no
156

dia 24 de outubro de 2018, e buscou-se solidificar a assimilação do conceito de


multiplicação pela análise substantiva.

Figura 10 -Tarefa 3 - Cálculo do total de unidades básicas e registro no esquema de setas.


Ao propor uma tarefa para seus alunos, o professor explica que as imagens e os
registros nos esquemas estavam prontos, mas alguém as apagou. Com isso, ficaram
registradas apenas as expressões (3 x 5) e (5 x 3). E agora, como construir as imagens
na malha quadriculada e na reta numérica, a partir dos dados apresentados no
problema?

a) 3 x 5

E K

⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯→
| | | | | | | | | | | | | | | |
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

b) 5 x 3

E K
E

⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯→
| | | | | | | | | | | | | | | |
0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15

Fonte: adaptado para a pesquisa, pela autora, com base em Hobold (2014).

A proposta em questão, como mostra Hobold (2014), realiza o movimento


inverso da tarefa anterior. Agora, os alunos partem do registro para a representação
objetal, ou seja, das sentenças (3 x 5) e (5 x 3), e espera-se que os estudantes façam o
esquema de setas e construam as suas respectivas áreas com o total de unidades básicas.
Além disso, surge um novo elemento de análise, a representação do esquema de setas por
meio da reta numérica, o que valorizará ainda mais as relações e o estudo das propriedades
157

do conceito de multiplicação. Com esse intuito, entregou-se uma folha de registro aos
mesmos grupos para o desenvolvimento da tarefa. Esta tarefa leva ao terceiro episódio do
experimento que se entende ser importante para análise, relacionado ao Grupo 2.

Jô: Tia, o que é para fazer aqui?


Baco: Tem que pintar aí!
Pesquisadora: Mas como vocês irão fazer o registro no esquema de setas se ele
foi apagado?
Jô: Eu acho que.... (o aluno ficou pensativo).
Pesquisadora: O que você acha? E você, Tico? O que o número três (3)
representa nesse esquema de setas?
Jô: É a unidade de medida básica (o aluno olhou na tarefa anterior para
confirmar as unidades no esquema de setas).
Tico: Coloca ele aqui? (apontando para o local correto no esquema de setas).
Pesquisadora: Isso mesmo! O que mais?
Jô: E o cinco (5) aqui (apontando para o local).
Tico: Três vezes cinco (3 x 5) dá quinze (15).
Com isso, o aluno Jô terminou de preencher o esquema de seta.
Pesquisadora: Muito bem! E agora, Baco? O que você acha que tem que fazer?
Baco: Vamos pintar quinze (15) quadrinhos.
Jô: O três (3) é a coluna e o cinco (5) é a quantidade que vai repetir.
Pesquisadora: Isso mesmo!
Nesse instante, os alunos delimitaram primeiramente o espaço com lápis para
depois pintarem.
Pesquisadora: Terminaram?
Estudantes: Sim
Pesquisadora: Certeza?
Jô: Ah! Tem a reta também! Bem...
Tico: Eu acho que é só marcar de três (3) em três (3) ou de cinco (5) em cinco
(5).
Jô: Então é o três (3) que tem que repetir cinco (5) vezes (simultaneamente, o
aluno falava e realizava o registro).
Baco: Agora é só inverter para fazer a letra b.
158

Pesquisadora: Inverter o que?


Nesse momento, o aluno Baco pegou a folha de registro que estava na carteira
de Jô, e fez a construção da nova figura.
Tico: E por que a figura virou?
Baco: É como se virasse a malha, mas vai ficar a mesma coisa.
Jô: O resultado é o mesmo, só muda a ordem.
Pesquisadora: E como ficará na reta numérica?

O aluno Baco realizou os registros corretamente na letra a, de três (3) em três (3)
unidades, e iniciou a letra b da mesma forma, quando parou, pensou, apagou e fez
corretamente de cinco (5) em cinco (5) unidades. Como mostra Davídov (2019d, p. 260),
“[...] resolver a tarefa de estudo é transformar, atuar como o material didático nessa
situação incerta. A incerteza da busca reside na própria natureza do pensamento, na
própria natureza da consciência humana, na psique humana”.

Pesquisadora: Certo! Então, qual a diferença na reta numérica da letra a e b?


Jô: Na letra a anda três (3) unidades e repete cinco (5) vezes, e na letra b anda
cinco (5) unidades três (3) vezes.

O terceiro episódio aponta, assim, que as sentenças (3 x 5) e (5 x 3) geraram


importantes relações conceituais. A análise dessa tarefa davydoviana, já apresentada por
Rosa e Hobold (2016), revela a relação entre grandezas discretas e contínuas e suas
significações aritméticas, algébricas e geométricas. Nessas relações de multiplicidade
entre grandezas é que se evidenciou a base fundamental do sistema conceitual no qual se
insere a tabuada.
O diálogo analisado deixou claro que os alunos compreenderam que, na sentença
(3 x 5), o primeiro número três (3) representa a unidade de medida intermediária,
composta por três (3) unidades de medidas básicas; e o segundo número, cinco (5), a
quantidade de vezes que esta se repete. Já na sentença (5 x 3), o primeiro número (5)
representa a unidade de medida intermediária, composta por cinco (5) unidades de
medidas básicas, e o número três (3) a quantidade de vezes repetida. A Figura 11 mostra
a resolução dessa tarefa pelo Grupo 2.
159

Figura 11 - Representações da Tarefa 3 realizada pelo Grupo 2.

Fonte: relatório de pesquisa.

Alguns grupos optaram por fazer diretamente a superfície K (Figura 11); outros
representaram primeiramente a unidade intermediária C, para depois construírem a
superfície K (Figura 12). Ressalta-se que apenas o Grupo 4 representou a superfície K
com o mesmo formato para (3 x 5) e para (5 x 3), embora tenha pintado a unidade de
medida intermediária C corretamente. Os alunos desse grupo explicaram que desenharam
o mesmo retângulo porque os dois casos tinham a mesma quantidade de unidades de
medida básica, como mostra a Figura 12.

Figura 12 - Representações da Tarefa 3 realizada pelo Grupo 4.

Fonte: relatório de pesquisa.

Essa resolução mostrou indícios de que, para esse grupo de alunos, chegar ao
resultado da multiplicação era suficiente, que nesse caso era a representação da
quantidade de unidades de medida básica contida na figura construída. Contudo, o
160

processo reverbera a essência conceitual enquanto o resultado é unidimensional. Deste


modo, embora possuam o mesmo total de quinze (15) unidades, as significações do
agrupamento de três unidades repetidas cinco vezes são diferentes do agrupamento de
cinco unidades repetidas três vezes. E isso é evidenciado pelo próprio grupo, ao
representarem corretamente na reta numérica, como mostra a figura acima.
O desenvolvimento da Tarefa 3, além de reforçar a essência conceitual de
multiplicação através de seu modelo pelo esquema de setas, contribuiu também para a
compreensão de sua propriedade comutativa: dados dois números quaisquer, a e b,
tomados em ordem diferente, os produtos serão os mesmos, que se sintetiza pela
igualdade a x b = b x a. O deslocamento dos fatores não altera o produto, porém, muda o
significado para o multiplicando e o multiplicador (HOBOLD, 2014).
Assim, “[...] os recursos algébricos abrem caminho para a expressão de qualquer
operação aritmética, sem que seja necessário operar com as grandezas” (HOBOLD, 2014,
p. 136). Na tarefa em questão, o modelo (a x b = b x a), que representa a propriedade
comutativa da multiplicação, decorre da generalização da relação entre as grandezas, em
que o movimento de reflexão e análise possibilita maior capacidade para um pensamento
mais elaborado.
Em relação às representações na reta numérica, observou-se que dois grupos não
compreenderam bem a propriedade comutativa para a realização dos agrupamentos. O
Grupo 1 inverteu a representação na reta das duas alternativas, como mostram as Figuras
13 e 14. O Grupo 7 fez a mesma representação da sentença (3 x 5) para a sentença (5 x
3).

Figura 13 - Representação da sentença (3 x 5) pelo Grupo 1.

Fonte: relatório de pesquisa.

Figura 14 - Representação da sentença (5 x 3) pelo Grupo 1.


161

Fonte: relatório de pesquisa.

O fato de a representação na reta se tratar de um novo dado do objeto pode ter


contribuído para a não apropriação conceitual da multiplicação na reta numérica.
Acrescenta-se, ainda, que as alunas Isa, do Grupo 1, e Tata, no Grupo 7, não estavam na
aula em que essa tarefa foi realizada.
Mais uma vez ressalta-se a necessidade da cooperação entre as crianças na
atividade de estudo. Sobre essa questão, afirma Vigotski (1996): “A origem imediata do
desenvolvimento dos indivíduos, as propriedades internas da personalidade da criança é
a colaboração (damos a essa palavra a mais ampla dos sentidos) com outras pessoas” (p.
270, tradução nossa).
As diferenças individuais no desenvolvimento são expressas claramente na
tarefa de estudo, revelando as particularidades cognitivas dos estudantes, conforme
Davydov e Markova (1987b). É durante a realização das tarefas em cooperação que, ao
mesmo tempo em que as diferenças no desenvolvimento ficam claras para os professores,
revelando os diferentes níveis individuais de formação dos meios e procedimentos para
resolvê-la, que estas diferenças vão sendo superadas e niveladas. O processo de
aprendizagem, como assinala Vigotski (1996), se realiza sempre na forma de colaboração
dos alunos entre si e com o professor, constituindo um caso particular e fundamental do
desenvolvimento psíquico e social dos estudantes.
Voltando à análise da tarefa, assim como na construção da superfície K, na reta
numérica, os elementos que compõem a relação universal do conceito de multiplicação
estão representados. Neste, cada unidade de medida intermediária é simulada por um arco,
sendo que a quantidade de arcos equivale ao número de vezes que essa medida se repete,
ou seja, três vezes na letra a e cinco na alternativa b. Concorda-se com Rosa e Hobold
(2016), que analisam esta tarefa da seguinte forma:

Desse modo, a tarefa, que foi iniciada a partir da abstração (esquema),


ascendeu ao concreto (construção da superfície de área K). Ela foi
pensada com base na relação abstrata (3 x 5). Trata-se do concreto
pensado, ponto de chegada, mas que, na mesma tarefa, constituiu-se em
ponto de partida para a introdução de outra abstração, a reta numérica.
Portanto, não se trata de uma sequência linear orientada do concreto ao
abstrato e deste ao concreto novamente. E um movimento de
microciclos que ocorrem, inclusive, no interior de uma mesma tarefa,
dialeticamente (HOBOLD, 2016, p. 154).
162

As autoras ponderam que essa tarefa de estudo revela a relação essencial do


conceito de multiplicação, realizada na ação objetal inicial com as grandezas e objetivada
na reta numérica enquanto concreto pensado. “O abstrato e o concreto são momentos do
desmembramento do próprio objeto, da mesma realidade, refletida na consciência e,
portanto, são derivados do processo de atividade mental” (DAVÍDOV, 1988, p. 144,
tradução nossa).
De acordo com Elkonin (2019a, p. 165), “Um exemplo muito representativo da
necessidade de formar a atividade de estudo se encontra nas aulas de Matemática, pois
apenas no conteúdo matemático definem-se muito claramente as relações entre as
grandezas e variáveis”. A relação entre grandezas e variáveis pode ser mais uma vez
desenvolvida pela Tarefa 3, como observado pelas ações realizadas pelas crianças de
transformação dos dados da tarefa, modelação da relação conceitual pelo esquema de
setas e transformação do modelo através da reta numérica.

Tarefa 4
Entende-se a necessidade de ajudar os estudantes a assimilarem a relação entre
grandezas e variáveis e, na sequência, será analisada a Tarefa 4 (Figura 15), desenvolvida
no dia 29 de outubro de 2018.

Figura 15 - Tarefa 4 – Relações entre representações da grandeza área.


163

O diretor de uma escola, com o objetivo de colocar piso em duas salas, contratou dois
pedreiros para trabalharem simultaneamente um em cada sala. Os pedreiros foram
assentando os pisos, quando perceberam que a quantidade era insuficiente. Os pisos
disponibilizados a eles possibilitaram cobrir apenas a região M e A abaixo. Qual será
a relação entre as áreas com medidas M e A?

M A

C M M___A C A

R T

⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯
| | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | |→M
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25

⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯⎯
| | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | | |→A
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25

Fonte: adaptado para a pesquisa, pela autora, com base em Hobold (2014).

De acordo com o registro no esquema de setas representado na Figura 15, as


duas superfícies foram construídas pela mesma unidade de medida básica C, porém, com
unidades intermediárias diferentes. Desta forma, primeiramente os alunos tinham que
determinar a unidade de medida intermediária, para depois verificar quantas vezes ela se
repetia.
Para a análise dessa tarefa de estudo, escolheu-se o quarto episódio, relacionado
ao Grupo 8. Da mesma forma como ocorreu com outras tarefas, alguns grupos chamaram
pela pesquisadora para que esta lhes ajudasse a dar início à resolução. Para Davídov
(2019d), uma das dificuldades do professor:
164

[...] é entender o que é a Atividade de Estudo e como está relacionada


ao fato de que a mesma exige que o professor, em sua matéria particular,
oriente e ajude a seus alunos na solução de um sistema de tarefas de
estudo, a fim de que eles resolvam tarefas de estudo o tempo todo
(DAVÍDOV, 2019d, p. 260).

Rafa: O que é para fazer aqui?


Pesquisadora: Percebem que a figura não é regular?
Estudantes: Sim.
Pesquisadora: O que vocês acham que pode ser a unidade de medida
intermediária?

O grupo ficou pensativo e com olhos fixados na tarefa, o que leva a considerar
o quanto a realização das tarefas de estudo mobiliza a atenção voluntária, condição
fundamental para a análise e transformação dos dados da tarefa na busca de sua solução.
“O pensamento é o que determina a atenção em seu ponto máximo de desenvolvimento
(atenção voluntária). É indubitável que a atenção ativa, voluntária, é um produto avançado
do desenvolvimento” (VIGOTSKI, 1996, p. 138, tradução nossa).

Pesquisadora: O que se repete nessa primeira área?


Bico: Esses aqui (apontando para uma região com quatro unidades de medida
básica).
Lala: É mesmo!
Pesquisadora: Concorda Rafa?
Rafa: Agora eu vi!

Também é possível verificar que a percepção direta passa a depender de um


pensamento mais organizado, na resolução de uma tarefa de estudo. De acordo com
Vigotski (1996), o pensamento por conceitos influencia diretamente a percepção visual-
direta da criança, que vai ficando cada vez mais independente dos objetos empíricos. No
ensino desenvolvimental, a transformação na dependência do caráter visual-direto na
formação de conceitos científicos na escola está diretamente ligada à organização da
atividade de estudo independente da criança.
Nesse sentido, a linguagem modifica a percepção, pois analisa e reflete os nexos
visíveis na forma de juízos verbais. Vigotski (1996) entende que é desta forma que os
165

processos do pensamento e da percepção se fundem, intelectualizando a percepção e se


convertendo o pensamento em visual-direto. Graças ao pensamento, os objetos isolados
da percepção se relacionam entre si e permitem ao sujeito analisar a realidade de uma
forma mais integral. Desta forma, quando os estudantes, por meio da percepção,
vinculada ao pensamento verbal, atribuem sentido às repetições da região de quatro
unidades de medida básica, evidencia-se uma nova síntese do pensamento visual-direto.

Pesquisadora: E agora? Como responder o esquema de setas?


Bico: Hum...
Pesquisadora: Vejamos juntos então! Essa figura que vocês escolheram possui
quantas unidades de medida básica?
Bico e Lala: Quatro (4).
Pesquisadora: Exatamente. Qual o nome dessa medida?
Bico: Unidade de medida intermediária.
Novamente, os estudantes ficaram pensativos analisando a figura.
Bico: Ah entendi! O quatro (4) coloca aqui (apontando para o local correto no
esquema de setas).
Pesquisadora: Entenderam Rafa e Lala?
Rafa: Sim.
Lala: E tem quatro (4) dessa (referindo à área com quatro unidades de medida
básica).
Bico: Não, acho que são seis (6).
Pesquisadora: Quantas são então?
Estudantes: Seis (6).
Pesquisadora: Ótimo! Então terminem o esquema de setas.
Lala: O resultado será vinte e quatro.
Nesse momento, o aluno Bico, que estava fazendo os registros na folha,
preencheu o esquema de setas referente à primeira área M.
Pesquisadora: Analisem agora a região de área A.
Bico: Ficou mais fácil! É essa aqui que repete (apontando para a coluna com três
unidades de medida básica).
Lala: E ela repete um (1), dois (2) ..., oito (8) vezes.
Rafa: Vai dar vinte e um (21).
166

Novamente, o aluno Bico corrigiu o colega.


Bico: Não são vinte e quatro (24), porque oito vezes três (8 x 3) é igual a vinte
e quatro (24).
Pesquisadora: Entendeu Rafa?
Rafa: Sim.
Pesquisadora: Muito bom! E o que o problema quer saber?
Bico: Quer saber sobre as áreas.
Estudantes: São iguais, porque as duas deram vinte e quatro (24) unidades.

Como mostra o diálogo, a percepção da unidade de medida básica da região A


ocorreu de forma mais clara, devido ao processo de análise realizado anteriormente com
a região M. Desta forma, o pensamento visual-direto permitiu o reconhecimento das
unidades de medida intermediária R e T implícitas, caracterizando o pensamento verbal
dos adolescentes na passagem do tipo de pensamento em complexos ao pensamento em
conceitos. “Assim, pois, o pensamento visual-direto dos adolescentes inclui o pensamento
abstrato, o pensamento em conceitos” (VIGOTSKI, 1996, p. 125, tradução nossa).
Segundo o autor, o adolescente não se limita a tomar consciência da realidade
percebida, mas pensa em conceitos, pois a percepção visual-direta se sintetiza no
pensamento abstrato de maneira complexa. Isso permite ao adolescente regular a
realidade visível pelos conceitos elaborados em seu pensamento, em que a imagem do
objeto reflete seus nexos, sua essência.
Destaca-se também que o episódio mostrou a importante colaboração do aluno
Bico para a realização e compreensão da tarefa de estudo pelos outros colegas. É
importante colocar que, ao contrário do esquema de setas que era necessário construir, a
unidade de medida intermediária, a representação da multiplicação na reta numérica
ocorreu de forma mais tranquila, uma vez que já não se tratava mais de um elemento novo
nas tarefas.
De forma similar às Tarefas 2 e 3, devido ao seu caráter complementar, a Tarefa
4 possibilitou o desenvolvimento interligado entre as três primeiras ações de estudo:
transformação dos dados da tarefa, modelação da relação conceitual básica e
transformação do modelo e análise de suas relações.
Nesse sentido, os dados foram transformados e modelados através das relações
entre grandezas, representadas pelas áreas das superfícies com medidas M e A. Em outras
167

palavras, a unidade básica, a unidade intermediária e o total de unidades básicas e


intermediárias foram modelados na forma objetal, por meio da relação entre as áreas
representadas na malha quadriculada. Depois, esses mesmos dados foram modelados na
gráfica por meio do esquema de setas e reta numérica, o que permitiu a análise de suas
relações. A Figura 16 mostra os registros do Grupo 5.

Figura 16 - Registro da Tarefa 4 realizada pelo Grupo 5.

Fonte: relatório de pesquisa.

Ressalta-se que apenas o Grupo 9 não realizou os registros de forma correta na


reta numérica referente à representação da área com medida M. Diante disso, durante a
ação de controle, a pesquisadora conduziu os estudantes à reflexão dos principais aspectos
desenvolvidos pela tarefa, colocando alguns grupos para apresentarem como procederam
na resolução. Esse momento foi marcado por muitas intervenções dos alunos,
evidenciando-se o domínio da própria conduta, a mobilização da vontade e a antecipação
dos objetivos das ações.

Portanto, a novidade no desenvolvimento de todas as funções psíquicas


nesta idade é a vontade dirigida a um fim que domina o afeto, o domínio
168

da própria conduta, de si mesmo, a capacidade de planejar a própria


conduta e alcançar o que foi planejado. Assim, o saber planejar os
objetivos e dominar a própria conduta exige, como já vimos, uma série
de premissas, a mais importante entre elas é o pensamento por conceitos
(VIGOTSKI, 1996, p. 171-172, tradução nossa).

Explorando ainda mais as possibilidades da Tarefa 4, a pesquisadora propôs o


seguinte problema: “Pensando na quantidade de piso disponibilizado aos pedreiros para
cada sala, construa um retângulo com essa mesma área”. Para a resolução deste problema,
foi necessário que os alunos definissem a unidade de medida intermediária e depois
construíssem um retângulo de mesma área. Pelo fato de os alunos terem escolhido a
unidade de medida intermediária, os grupos apresentaram várias representações para a
área pedida. Dentre estas, ressaltamos os registros de dois grupos, conforme as Figuras
17 e 18.

Figura 17 - Registro do Grupo 9. Figura 18 - Registro do Grupo 7.

Fonte: relatório de pesquisa. Fonte: relatório de pesquisa.

Esses registros indicam que o Grupo 9 escolheu seis para a medida de unidade
intermediária, enquanto o Grupo 7 adotou quatro. Ressalta-se que outras medidas foram
escolhidas por outros grupos, como três e oito.
Como revelam os estudos de Hobold (2014) para o sistema conceitual de
multiplicação, os dados das tarefas estão ligados à unidade básica, à unidade intermediária
e ao total de unidades básicas e intermediárias. São esses elementos que compõem a
relação universal do conceito de multiplicação, que revelará a essência da rede conceitual
de raiz quadrada exata.
As tarefas inseridas na análise substantiva, pelos episódios analisados,
possibilitaram a transformação dos dados das tarefas de estudo, revelando a relação
169

universal do objeto, fundamento durante todo o desenvolvimento do plano de ensino.


Nesse movimento, ocorreu o processo de modelação da relação universal na forma gráfica
ou literal. Como defende Davídov (1988), o conteúdo do modelo estabelece as
características internas do objeto em estudo. As crianças também realizaram a
transformação do modelo com a análise de suas relações.
Com o objetivo de levar as crianças ao controle das ações anteriores e à
avaliação, ao final da folha de registro havia um espaço para os grupos expressarem o que
acharam das tarefas. Alguns dos comentários foram:

Eu achei muito legal, pois as atividades foram fáceis e boas de fazer, as


ilustrações foram ótimas (Grupo 3).
Tinha uma que tava muito difícil (Grupo 2).
Foi moleza nossa atividade, fácil gostamos, interessante (Grupo 8).
Tinha algumas partes que estavam difíceis (Grupo 1).

É em virtude da importância do conceito de multiplicação no sistema conceitual


do conceito de raiz quadrada exata que se elaboraram as tarefas analisadas até aqui. Nesse
entendimento, as tarefas conduziram os alunos à assimilação da essência do conceito de
multiplicação por meio da contagem, formação de agrupamentos e da adição de operações
mentais que foram demandadas para a resolução das tarefas propostas.

3.4 PLANO INTERIOR DAS AÇÕES

De acordo com Davídov (1988), o plano interior das ações ou planificação


substantiva consiste nas transformações mentais do objeto em estudo, desde a sua relação
geral às tarefas particulares. “Ação de estudo, dirigida a construir o sistema de tarefas
particulares sobre a base do procedimento geral de sua solução, pressupõe a planificação
substancial dessa ação pelos escolares” (p. 232, tradução nossa).
Dessa forma, o objetivo de ensino da unidade conceitual de potenciação e
radiciação (um caso particular) inseridas nessa categoria de análise foi a transformação
do modelo da relação identificada anteriormente para a multiplicação e, a partir deste,
construir um sistema particular para os conceitos em questão. Para isso, as tarefas de
estudo apresentadas e analisadas nessa seção buscaram relacionar a multiplicação com o
conceito de potenciação e raiz quadrada exata, consubstanciando essas relações.
170

Davídov (1988) explica que, muitas vezes, a relação universal do objeto parece
estar oculta em seu conjunto de características particulares. Ao contrário, no modelo, a
relação universal é visível em sua forma pura, em seu modelo literal. “Por esse motivo,
ao transformar e reconstruir esse modelo, os escolares têm a possibilidade de estudar as
propriedades da relação universal como tal, sem o obscurecimento produzido pelas
circunstâncias acessórias” (p. 183, tradução nossa).
Considerando-se o exposto, entende-se que “Pensar significa transformar, em
correspondência com o projeto ideal e o esquema idealizado da atividade, a imagem
inicial do objeto de trabalho em um ou outro objeto idealizado” (ARSÉNIEV; BÍBLER;
KÉDROV, 1967, p. 29 apud DAVÍDOV, 1988, p. 121, tradução nossa). Deste modo, ao
envolver o aluno no movimento de desenvolvimento conceitual, ocorre a mobilização de
ações e operações que poderá conduzir a um novo nível de organização do pensamento.
O desenvolvimento das tarefas apresentadas até o momento aconteceu por meio
de esquemas e reta numérica. Estas representações possibilitaram às crianças realizarem
diferentes ações e operações mentais, pois contemplaram as relações entre grandezas
discretas e contínuas e as significações aritméticas, algébricas e geométricas.

3.4.1 A unidade conceitual de potenciação

No encontro realizado no dia 29 de outubro de 2018, relembraram-se os


conceitos estudados anteriormente e foi entregue aos grupos a folha de registro da Tarefa
5.

Tarefa 5
Essa tarefa possibilitou o início da transformação do modelo do conceito de
multiplicação com a realização de tarefas particulares. O objetivo desta tarefa era
compreender a relação da multiplicação com o conceito de potenciação, formalizando a
sua expressão literal.

Figura 19- Tarefa 5 - Relacionando a multiplicação ao conceito de potenciação.


171

A partir da unidade de medida básica (A), sabendo que a unidade de medida intermediária é
sempre três vezes a quantidade de unidades da figura anterior, quantas unidades de medida
básica terão ao repetir esse raciocínio três vezes? Construa essa sequência de figuras e analise
as formas de representar suas áreas.

Fonte: elaborada pela autora com base na teoria do ensino desenvolvimental.

Para a análise dessa tarefa, será discutido aqui o quinto episódio, referente às
discussões do Grupo 4, que se destacou tanto por suas sínteses conceituais quanto pela
mobilização de todos os componentes do grupo para a realização da tarefa.

Bin: Tia! Faz favor aqui! A próxima figura terá três (3) unidades?
Pesquisadora: O que vocês acham Luca e Ana?
Luca: Eu acho que sim!
Pesquisadora: Por quê?
Luca: Porque ela tem que ter três (3) vezes da anterior, e ela tem uma (1)
unidade, aí serão três (3) unidades.
Pesquisadora: Você concorda, Ana?
Ana: Sim.
172

Pesquisadora: Correto! O que mais?


Ana: Então a próxima terá seis (6)?
Bin: Eu acho que não! (o aluno ficou pensativo). Eu acho que serão nove (9)
quadradinhos.
Pesquisadora: Por que mesmo, Bin?
Bin: Porque o nove (9) é três vezes três (3 x 3), três (3) da anterior.
Luca: É nove (9) porque tem três (3) linhas e três (3) colunas.

Nesse momento, o aluno Luca relembra do esquema de setas para representação


da área das figuras, utilizando-se da unidade de medida básica e da unidade de medida
intermediária. Contudo, não precisava mais representar o esquema, pois, com o
desenvolvimento das tarefas anteriores, os alunos já haviam internalizado esse modelo.
Segundo Vigotski (1996, p. 107, tradução nossa), “[...] nessa idade, o adolescente, mais
que os indícios abstratos isolados, capta os nexos, as relações entre os conceitos e com a
ajuda de definições encontram novos conceitos”.

Luca: A próxima figura terá vinte e sete (27) unidades.


Pesquisadora: Muito bom! E tem como escrever esses números de outra forma?
Os grupos mais próximos voltaram sua atenção para a explicação dos colegas,
ampliando-se o diálogo.
Alguns Estudantes: Tem.
Pesquisadora: Como?
Bin: O nove (9) é três vezes três (3 x 3), três (3) da anterior.
Pesquisadora: Muito bom! Vocês concordam, Luca e Ana?
Luca: Sim! É nove (9) porque tem três (3) linhas e três (3) colunas.
Pesquisadora: Ana! E a outra figura?
A pesquisadora busca a atenção de Ana que participava menos, quando um
estudante de outro grupo entra no diálogo.
Dado: Nove vezes três (9 x 3).
Pesquisadora: Por que você pensou assim?
Dado: Porque aí tem três (3) da figura anterior que é nove (9).
Pesquisadora: Perfeito! E nove (9) é?
Luca: Três vezes três (3 x 3).
173

Pesquisadora: Então vai ficar como?


Dado: Três vezes três vezes três (3 x 3 x 3).

É importante mencionar que a maioria dos grupos sistematizou rapidamente que


vinte e sete é o mesmo que nove vezes três (9 x 3). Contudo, o processo foi mais lento
para sintetizarem que vinte e sete também pode ser escrito como três vezes três vezes três
(3 x 3 x 3).

Pesquisadora: Qual operação vocês usaram?


Alguns estudantes: Multiplicação.
Pesquisadora: Ana! Tem como escrever esses números de outra forma?
Ana: Sim! Pegando três mais três mais três (3 + 3 + 3).
Pesquisadora: E três mais três mais três (3 + 3 + 3) resultam em vinte e sete
(27)?
Alguns estudantes: Não.

A explicação de Ana ainda expressa o pensamento aditivo na multiplicação, tão


recorrente entre os alunos. Daí a importância do trabalho colaborativo durante a
realização das tarefas, pois, neste momento, os próprios colegas explicaram a diferença
das expressões (3 + 3 + 3) e (3 x 3 x 3), retomando algumas ideias desenvolvidas
anteriormente. Acredita-se que, ao organizar as tarefas para que fossem realizadas de
forma colaborativa, as tarefas possibilitaram a interação entre os alunos e a
interdependência de suas ações.

Em colaboração, a criança é mais forte e mais inteligente do que quando


age sozinha, se eleva no sentido do nível das dificuldades intelectuais
que supera, mas sempre há uma determinada distância, estritamente
regulada, que determina a divergência entre o trabalho independente e
colaborativo (VIGOTSKI, 2001, p. 240, tradução nossa).

Essa força do trabalho colaborativo ficou muito evidente durante a realização


das tarefas, já que as interações entre os alunos visivelmente contribuíram para que eles
fossem assimilando os conceitos. Outro aspecto a ser observado é que o trabalho
colaborativo mobiliza de maneira mais eficiente a atenção voluntária, tornando-a mais
duradoura e ativa (VIGOTSKI, 1996).
174

Após se analisar, junto com os alunos, a relação entre as operações de adição e


multiplicação, prosseguiu-se com o diálogo.

Pesquisadora: Mas existe outra forma de escrever essa multiplicação?


Bin: Eu não sei explicar tia, é colocar o três (3) e o três (3) pequenininho em
cima.
Luca: É três (3) elevado ao cubo.

Com a folha de registro em suas mãos, o aluno Luca foi realizando os registros.
Escreveu três (3) elevado ao cubo para a última figura, depois três (3) elevado ao
quadrado para a penúltima figura, e três (3) elevado a um (1) para a segunda figura.
Quando se chegou à primeira figura, o grupo começou a discussão sobre como ficaria
essa representação, visto que havia apenas uma unidade.

Luca: Tia! Como que fica essa? (apontando para a primeira imagem).
Pesquisadora: O que vocês acham, Bin e Ana?
Ana: Um (1).
Bin: Nenhum.
Pesquisadora: Vamos seguir o caminho que vocês fizeram, começando pela
última figura. Essa quarta figura tem quantos grupos iguais à terceira imagem?
Alguns estudantes: Três (3).
Pesquisadora: Certo! E a terceira figura tem quantos grupos de três (3)?
Alguns estudantes: Dois (2).
Pesquisadora: E quantas vezes mesmo que aparece o grupo de três (3) na
segunda figura?
Alguns estudantes: Um (1).
Pesquisadora: Beleza! E quantos grupos de três (3) têm na figura inicial?
Alguns estudantes: Nenhum!
Pesquisadora: Então, como fica?
Alguns estudantes: É zero.

Esse momento foi fundamental para a compreensão de que 30 = 1, pois a tarefa


mostrou que em nenhuma vez apareceu agrupamento de três, tendo apenas a unidade
175

como elemento inicial de referência. Com isso, foi observado que a maioria dos alunos
não transferiu para o expoente a propriedade da multiplicação de que o produto de um
fator por zero é sempre zero. Compreendeu-se, assim, como mostra Damazio (2006), a
produção do novo significado para o zero e da própria noção de expoente não como um
fator da operação, mas como indicativo da quantidade de vezes que o fator será
multiplicado.
Assim, o pensamento dos alunos durante a atividade de estudo é construído de
forma a reproduzir, de maneira abreviada, o caminho percorrido pelo pensamento dos
cientistas, “[...] os quais expõem os resultados de suas investigações por intermédio das
abstrações, generalizações e conceitos teóricos que funcionam no processo do abstrato ao
concreto” (DAVÍDOV, 2019a, p. 216).
O movimento do pensamento, que vai do abstrato ao concreto, expressa a
compreensão da essência do conceito. A abstração inicial, chamada também por Davídov
(1988) de substancial, expressa a essência do objeto concreto. A essência é a conexão
interna que determina as outras especificidades particulares do objeto. “Nesse sentido, a
essência é a determinação universal do objeto” (p. 147, tradução nossa).
Dessa maneira, quando os alunos chegaram ao significado zero enquanto
expoente, fica evidente a elevação do pensamento do abstrato para o concreto pensado.
Davídov (1988) entende que o concreto real aparece como dado sensorial, sendo capaz
de conduzir a conexões que, por sua vez, conduzem à universalidade do objeto. Somente
a reprodução do concreto pensado pode revelar esse movimento.

A tarefa do pensamento teórico é elaborar os dados de contemplação e


representação na forma de um conceito e, assim, reproduzir
omnilateralmente o sistema de conexões internas que geram o concreto
dado, expor sua essência (DAVÍDOV, 1988, p. 142, tradução nossa).

Nesse movimento, o processo de apropriação dos conceitos matemáticos,


proposto por Davídov (1988), realiza primeiramente o processo de redução do concreto
ao abstrato e, posteriormente, a ascensão do abstrato ao concreto. “Embora os dois
processos se encontram em unidade, o principal é a ascensão que expressa a natureza do
pensamento teórico” (p. 148, tradução nossa).
Sendo assim, o processo de redução se figura como um momento subordinado à
ascensão, ou seja, um meio para se alcançar essa finalidade. É na ascensão que se revelam
as contradições, dentro da relação fixada na abstração inicial. O conceito teórico
176

representa, assim, como procedimento da dedução do singular a partir do universal, o


procedimento de ascensão do abstrato ao concreto (DAVÍDOV, 1988).
Voltando-se à análise da tarefa, os alunos perceberam que, para a representação
dessa sequência, era necessário escrever cada termo usando o três como único fator, o
que significa uma nova característica para a multiplicação: fatores iguais. Feito isso, o
grupo escreveu a sequência (30, 31, 32, 33, ...) encontrada na tarefa em questão, como
mostra a Figura 20.

Figura 20 - Registro da Tarefa 5 realizada pelo Grupo 4.

Fonte: relatório de pesquisa.

Após os grupos resolverem a tarefa, buscou-se novamente conduzir os


estudantes à realização da ação de controle das ações realizadas. Assim, fizeram-se
alguns questionamentos para a turma: “Sabendo que a unidade de medida intermediária
é sempre três (3) vezes a quantidade de unidades da figura anterior, e sabendo que a
unidade de medida básica A é um quadradinho, quantos quadradinhos terão na segunda
figura?” A turma em alto som respondeu que eram três (3).
Continou-se a questionar: “Então, se temos três (3) quadradinhos, quantos
teremos na próxima sequência?” Alguns responderam seis (6), e a maioria disse nove (9).
Repetiu-se: “Se a figura do anterior tem três (3) unidades, e a próxima deve ter três (3)
vezes desse, quantos quadradinhos então ele vai ter?” Então, a maioria dos alunos
respondeu que seria nove (9).
177

Prosseguiu-se que apenas os grupos 1 e 4 representaram as formas na vertical,


como mostra a Figura 21. Contudo, quando questionados sobre o porquê escolheram essa
representação, os grupos mostraram indícios de terem compreendido o conceito em
questão.

Figura 21 - Registro da Tarefa 5 realizada pelo Grupo 6.

Fonte: relatório de pesquisa.

O diálogo reproduzido acima evidencia que a turma havia compreendido a


lógica da sequência definidora do sistema conceitual de potenciação. A respeito do
conceito de potenciação, Damázio (2011, p. 223) afirma que “[...] sua característica
fundamental é a sequência em progressão geométrica, em que a referência inicial é a
unidade e, a partir do termo seguinte e dos subsequentes, surge o princípio definidor da
base, isto é, cada termo é tantas vezes o anterior”. Para melhor assimilação do conceito
de potenciação, a pesquisadora propôs a Tarefa 6.

Tarefa 6
A Tarefa 6 (Figura 22) foi elaborada com o objetivo de que os estudantes
utilizassem potências de base diferente da anterior numa nova tarefa, de forma a empregar
a generalização conceitual de potenciação numa outra tarefa particular.

Figura 22 - Tarefa 6 - Formação de uma sequência de potência na base 4.


178

Ligando-se os pontos médios dos lados de um triângulo equilátero, obtêm-se novos


triângulos equiláteros com a metade da medida do lado. Unindo-se os pontos médios
dos lados desses novos triângulos, obtêm-se outros triângulos equiláteros ainda
menores, com a metade da medida do lado do triângulo anterior. Quantos triângulos
serão? E qual a sequência encontrada em cada formação, considerando-se o triângulo
equilátero inicial?

Fonte: elaborada pela autora com base na teoria do ensino desenvolvimental.

Para o desenvolvimento dessa tarefa, foi necessário explicar, primeiramente, o


conceito de ponto médio, pois os alunos, assim que leram a proposta da tarefa, logo
começaram a argumentar que não sabiam o que era ponto médio. Foi explicado
brevemente que se trata da divisão de um segmento de reta em duas partes de mesmo
tamanho. Para a análise desta tarefa, apresentou-se o 6º episódio, referente ao Grupo 7.

Tata: Tia! Tem que marcar aqui? (apontando para a metade de um dos lados do
triângulo).
Pesquisadora: Isso mesmo! A metade do segmento é o ponto médio.
Entenderam, Gui e Ton?
Gui e Ton: Sim.
Tata: Marquei os pontos.
Pesquisadora: E agora?
Ton: Agora tem que ligar.
Pesquisadora: Isso mesmo. Quantos triângulos de mesmo tamanho foram
formados?
Tata: Quatro (4).
Gui: Eu acho que é três (3).
Ton: Quatro (4).
Tata: Tem um no meio, gente!
Gui: É mesmo.
179

Tata: Tem que fazer isso de novo em todos os triângulos?


Ton: Vixe! Vai dar um monte!
Gui: Vai dar oito (8).
Pesquisadora: Vamos deixar o Gui marcar os pontos?

Ao perceber que o aluno Gui não estava conseguindo visualizar a quantidade de


triângulos novos formados, buscou-se mobilizar a atenção deste para a tarefa, colocando-
o para realizar os registros. Neste momento, a aluna Tatá passou a folha de registro para
a carteira de Gui, que passou a demonstrar mais interesse e marcou os pontos médios.
Nesse movimento, os processos mentais alcançados até o momento permitiram
orientar a atenção internamente de forma voluntária. “A função em questão passa a ser
eminentemente determinada pelo motivo da atividade e finalidades das ações, em que a
pessoa cria os estímulos para orientar a própria atenção, intimamente vinculado ao
pensamento conceitual abstrato” (LEITE; FERRACIOLI, 2019, p. 19).

Tata: Liga os pontos, Gui!


Gui: Tá bom!
Pesquisadora: Todos concordam?
Tata: Está faltando o triângulo do meio.

O aluno Gui reconheceu, então, que estava faltando ligar os pontos do triângulo
do meio, marcou os pontos que faltavam e, em seguida, contou dezesseis triângulos. A
aluna Tatá pegou a folha e contou novamente, confirmando o resultado.

Pesquisadora: Muito bom! Então qual é a sequência encontrada?


Tata: Um (1), quatro (4) e dezesseis (16).
Pesquisadora: Concordam, meninos?
Gui e Ton: Sim.
Pesquisadora: E como escreve essa sequência na forma de potência?
Tata: A base é quatro (4).
Gui: Dezesseis (16) é quatro elevado a quatro (44 )?
Tata: Dezesseis (16) é quatro vezes quatro (4 x 4).
Ton: Então é quatro elevado a dois (42 ).
180

Tata: A sequência vai ficar 40 , 41 , 42 .


Pesquisadora: Isso mesmo! Entendeu, Gui? Quatro vezes quatro (4 x 4) não é
igual a quatro elevado a quatro (44 ).
Gui: Quatro elevado a quatro (44 ) é quatro vezes quatro vezes quatro vezes
quatro (4 x 4 x 4 x 4).
Pesquisadora: Exatamente!

Como se pode observar, um dos alunos pode desenvolver o conceito a partir da


ajuda dos colegas na realização da Tarefa 6. Na teoria histórico-cultural, discute-se a
importância da imitação nos processos de desenvolvimento dos conceitos científicos na
escola. “Ao falar de imitação não nos referimos a uma imitação mecânica, automática,
sem sentido, mas uma imitação racional, baseada na compreensão da operação intelectual
que se imita” (VIGOTSKI, 1996, p. 268, tradução nossa).
Chaiklin (2011) escreve que essa habilidade para imitar é a base para uma zona
subjetiva de desenvolvimento próximo. “Tudo quanto uma criança não é capaz de fazer
sozinho, mas pode aprender sob a orientação ou colaboração do adulto ou com a ajuda de
perguntas norteadoras, é incluída por nós na área de imitação” (VIGOTSKI, 1996, p. 268,
tradução nossa). Nesta perspectiva, para a teoria histórico-cultural, a imitação se refere a
situações em que os alunos interagem entre si e com o professor, recebendo apoio e
orientação para a realização de tarefas que não seriam capazes de realizar sozinhos.
Continuando a análise da realização da Tarefa 6 pelo Grupo 7, os alunos
perceberam que, para a representação dessa sequência, era preciso escrever cada termo
usando o quatro como único fator, e não o três como haviam realizado anteriormente.
Todavia foi possível diagnosticar que alguns alunos tentavam colocar o expoente como
fator multiplicativo da base (44 = 4 ∙ 4), e não como a quantidade de vezes que a base
deve ser multiplicada (44 = 4 ∙ 4 ∙ 4 ∙ 4). A Figura 23 mostra o registro dessa tarefa
realizada pelo Grupo 7.

Figura 23 - Registro da Tarefa 7 realizada pelo Grupo 7.


181

Fonte: relatório de pesquisa.

Percebe-se, portanto, que a cada nova base colocada para os alunos, iniciava-se
um processo de reflexão e análise das múltiplas relações existentes entre os conceitos que
se articulam à potenciação. Uma ação mental importante que os alunos conseguiram
realizar, neste entendimento, diz respeito à passagem de generalizações sobre a
potenciação, de uma tarefa para outra, como da sequência de base três para as demais, em
tarefas diferentes. No ensino desenvolvimental, isso indica a capacidade de generalização
conceitual, quando o estudante consegue aplicar a base conceitual (a essência do conceito)
em outras tarefas particulares.
Como mostra Damázio (2006), na assimilação conceitual de potenciação, o
aluno se apropria da ideia de sequência e, consequentemente, transfere o raciocínio
multiplicativo que aparece somente no segundo agrupamento. A multiplicação, dentro
dessa particularidade, tem a característica de englobar somente fatores iguais.
Nesse processo de formação da generalização da forma escrita da potenciação,
observou-se que os alunos se utilizaram do procedimento da decomposição,
transformando cada termo em fatores iguais. Destarte, a sequência 30 , 31 , 32 , 33 …
representa a síntese da Tarefa 5, e a sequência 40 , 41 , 42 …, a síntese da Tarefa 6. Logo,
𝑎0 = 1, 𝑎1 = 𝑎, 𝑎2 = 𝑎 ∙ 𝑎, 𝑎3 = 𝑎 ∙ 𝑎 ∙ 𝑎 , … , 𝑎𝑛 = 𝑎 ∙ 𝑎 ∙ 𝑎 ∙ … ∙ 𝑎 (𝑛 𝑣𝑒𝑧𝑒𝑠). Assim,
os alunos contavam a quantidade de a fatores em cada termo, colocando-o como
expoente.
A resolução das Tarefas 6 e 7, para os alunos, no geral, foi considerada
interessante. Destacam-se alguns comentários:

Achei muito legal, nós aprendemos muito com essas aulas crescemos
muito, as explicações da professora é bem legal podia ter mais vezes
(Grupo 4).
Inteligência, porque nós aprendeu muito e tá aprendendo (Grupo 2). Foi
difícil (Grupo 8).
Nós aprendemos que é preciso prestar atenção e as dificuldades foram
mais na tarefa 6 (Grupo 7).
Eu achei um pouco difícil porque ela não tinha explicado (Grupo 5).

É importante refletir sobre o sentido de dificuldade de aprendizagem numa


perspectiva histórico-cultural e desenvolvimental do ensino de matemática. Ferrari (2013)
afirma que a maioria dos estudos a esse respeito entende que as dificuldades de
182

aprendizagem se caracterizam por um grupo heterogêneo de manifestações, acarretando


baixo rendimento nas tarefas de leitura, escrita e cálculos matemáticos, ainda podendo ser
transitório e a qualquer momento no processo de ensino e aprendizagem escolar.
Para o autor, busca-se encontrar no próprio aluno razões orgânicas para o
fenômeno do não aprender, naturalizando-se as manifestações que supostamente são
achadas nos estudantes que apresentam dificuldades de aprendizagem, desencadeando
um processo de culpabilização e patologização (FERRARI, 2013). Embora tenha uma
corrente que defenda o processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança como
um simples crescimento e maturação de qualidades inatas e de origem biológica, a teoria
histórico-cultural mostra que a dificuldade de aprendizagem é de origem sociocultural.
A partir da compreensão do ser humano e do processo de aprendizagem pelas
lentes da teoria histórico-cultural, a dificuldade de aprendizagem é superada pelo
determinismo biológico, passando a ser compreendida como um fenômeno que ocorre em
uma relação complexa entre os fatores biológicos, sociais, culturais e históricos. Ressalta-
se também que esse conjunto de fatores é distinto em cada aluno.
Considerando-se esse suporte teórico, a dificuldade de aprendizagem indica que
as funções psíquicas estão em processo de desenvolvimento, o que significa que
processos inconclusos de assimilação de algum conceito podem ser confundidos com uma
dificuldade geral para aprender. A dificuldade é própria da ação mental e geralmente
necessária para a compreensão da essência do conceito.
Como mencionado anteriormente, a contradição, a revolução e o salto qualitativo
são características dessa relação interna entre o ensino e o desenvolvimento, a que
Vigotski (2007) denomina de zona de desenvolvimento proximal: “A zona de
desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que
estão em processo de maturação, funções que amadurecerão” (p. 98). Vigotski (2012)
afirma que o bom ensino é o que se adianta ao desenvolvimento.

Considerada deste ponto de vista, a aprendizagem não é, em si mesma,


desenvolvimento, mas uma correta organização da aprendizagem da
criança conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de
processos de desenvolvimento, e esta ativação não poderia produzir-se
sem a aprendizagem. Por isso, a aprendizagem é um momento
intrinsicamente necessário e universal para que se desenvolvam na
criança essas características humanas não-naturais, mas formadas
historicamente (VIGOTSKI, 2012, p. 115).
183

Dessa forma, compreende-se que a dificuldade de aprendizagem dentro de uma


perspectiva desenvolvimental pode significar processos inconclusos de desenvolvimento
das capacidades psíquicas de cada estudante. Uma correta organização de ensino conduz
à necessidade da aprendizagem, em outras palavras, um ensino organizado dentro dessa
abordagem possibilita o desenvolvimento mental, o que não ocorre sem a aprendizagem.

3.4.2 A unidade conceitual raiz quadrada exata, um caso particular de radiciação

O objetivo principal dessa unidade consiste em analisar como as crianças


formaram a relação entre os conceitos de potenciação e radiciação. Para isso, inicialmente
propôs-se a construção do material pedagógico geoplano, realizada em duas aulas, no dia
30 de outubro. A partir de um conjunto de tarefas particulares realizadas com o geoplano
construído pelos alunos, objetivou-se levá-los a transformar o modelo encontrado em
potenciação para radiciação, especificamente para o conceito de raiz quadrada exata. Esta
tarefa constituída de pequenas tarefas permitiu que as crianças realizassem todas as ações
de estudo, como estão propostas por Davídov (1988). Realça-se, no estudo desta unidade
conceitual, a quarta ação, construção de um sistema de tarefas particulares que podem ser
resolvidas por um procedimento geral.
De acordo com Kopnin (1972, p. 252) “[...] na realidade o conhecimento é o
resultado da síntese do pensamento e do elemento sensorial, e essa síntese transpõe tanto
a experiência e a teoria quanto suas relações mútuas”. Nisso reside o entendimento do
potencial de alguns objetos pedagógicos para melhor compreensão conceitual,
principalmente em se tratando do ensino de Matemática.
Para Shardákov (1963, p. 128 apud DAVÍDOV, 1988, p.103, tradução nossa),
“[...] os alunos são gradualmente levados a generalizações através da observação e estudo
do material concreto dado visualmente e captado sensorialmente”. O objeto pedagógico,
no ensino desenvolvimental, não objetiva confirmar de imediato o caráter visual concreto
do conceito. Ao contrário, coloca o estudante diante da necessidade de abstrair
mentalmente o conceito do material, sendo que este não deve refletir o conceito, mas
possibilitar a ação de reflexão do estudante.
Como na sala de aula não havia espaço para a construção do geoplano, os alunos
foram conduzidos para a quadra esportiva, onde cada grupo construiu o seu. Entregaram-
se uma placa de madeira de 30cm x 20cm, pregos, régua e martelo para cada grupo e foi
184

solicitado aos alunos que desenhassem na madeira uma malha quadriculada de 3cm x
3cm. Logo em seguida, os alunos foram orientados para que fixassem os pregos, iniciando
de dentro para fora. Todos os grupos participaram ativamente da construção e
colaboraram uns com os outros, emprestando o martelo para fixação dos pregos,
envolvendo-se intensamente no processo de construção.

Figura 24 - Construção do geoplano pelos alunos.

Fonte: relatório de pesquisa.

Rubtsov (1996) entende que as ações coletivas desempenham um papel de


extrema relevância no desenvolvimento mental dos alunos, por isso a necessidade de
organização da atividade de estudo com base em tarefas colaborativas. As mediações e a
comunicação que os alunos realizam entre si na busca da solução das tarefas possibilitam
saltos qualitativos do pensamento, necessários ao processo de formação do pensamento
teórico.
Nesse sentido, Davydov (1999a) entende que, para resolver tarefas de estudo, é
necessário utilizar um material em que os alunos possam realizar, em conjunto, as
respectivas transformações e fazer experimentos mentais com esse material. Ao
realizarem a quarta ação de estudo, resolução de tarefas particulares, a partir de um
procedimento geral, no caso dos conceitos matemáticos, os alunos analisam as
propriedades das estruturas matemáticas em suas manifestações particulares.
Desse modo, durante esse processo é recorrente a realização da ação de
transformação do modelo quando surgem novos elementos conceituais.

A transformação do modelo é realizada pela criança em duas direções.


No início, os alunos constroem o modelo após ou durante as
manipulações com o material objetal. Então, inversamente, segundo o
185

modelo dado, a criança deve realizar as manipulações correspondente


(DAVÍDOV, 1988, p. 213, tradução nossa).

Terminada a construção do geoplano, voltou-se para a sala de aula e a folha de


registro da Tarefa 7 foi entregue para que os grupos a resolvessem.

Tarefa 7
O desenvolvimento dessa tarefa ocorreu no dia 31 de outubro de 2018, com a
presença de 26 alunos. Foram construídos 13 geoplanos, o que permitiu que os estudantes
trabalhassem em duplas na realização das tarefas.

Figura 25 - Tarefa 7 - Conceito de raiz quadrada exata no geoplano.


Utilizando o geoplano e uma liguinha, construa um quadrado com nove unidades de
medida básica e resolva a representação do seu esquema. Com base nessa construção,
analise as questões abaixo:

.P . . . . . . . . .
. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . P O
. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . .
M
. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . .

M
1. Qual o lado desse quadrado?
M
2. Construa agora um quadrado com 25 quadradinhos e diga qual é o seu lado.
M
3. É possível escrever um quadrado com 18 quadradinhos?
M
4. Escreva a relação encontrada entre os quadrados e quadradinhos.
M
Fonte: elaborada pela autora com base na teoria desenvolvimental.
M
M
Ressaltam-se o entusiasmo e o desejo dos alunos em manusear o geoplano, o que
é considerado muito importante para a mobilização da atenção voluntária para a
realização das tarefas. Vigotski (1996) afirma que a conexão entre a atenção e os
estímulos externos subordina-se ao desenvolvimento do pensamento por conceitos,
186

elevando-se a atenção a um estágio superior, em que o sujeito, voluntariamente, domina


seu comportamento para a realização de uma determinada ação. Isso caracteriza a ação
consciente.
Para a análise dessa tarefa, destacou-se o sétimo episódio, começando pela
análise da forma como a dupla Lala e Tata realizou o proposto.

Lala: Tia! Conta é a quantidade de preguinhos?


Pesquisadora: Qual é a unidade de medida básica colocada na tarefa?
Lala: Esse aqui (apontando para P).
Pesquisadora: Isso! Então o que vocês têm que observar?
Tata: Os quadradinhos.
Pesquisadora: Isso mesmo!
Tata: Então fica assim (mostrando o quadrado com nove quadradinhos).
Pesquisadora: Exatamente! Qual é o lado desse quadrado que vocês fizeram?
Lala e Tata: Três (3).

Ressalta-se que essa dúvida, quanto ao lado do quadrado, ocorreu em outros


grupos, pois alguns alunos observaram a quantidade de preguinhos, e não a unidade de
medida básica P colocada pela tarefa. Alguns disseram, inicialmente, que a medida do
lado desse quadrado era quatro (4). De grupo em grupo, realizaram-se as mediações e
intervenções necessárias para que todos pudessem chegar à compreensão da unidade de
área.
Pesquisadora: Compreenderam, meninas? Então, podem continuar. O que a
tarefa pede agora?
Tata: Para fazer um quadrado com 25 quadradinhos.
Lala: É fácil agora (construindo o quadrado pedido).
Pesquisadora: Qual é o lado desse quadrado?
Lala e Tata: Cinco (5).

A aluna Tata construiu o quadrado marcando com a liguinha as cinco unidades


de área para um lado e depois a esticou para alcançar os demais lados. Alguns grupos
fizeram diferente: primeiro contaram os vinte e cinco quadradinhos e, em sequência,
187

delimitaram o quadrado com a liguinha. Todos os grupos construíram esse quadrado


corretamente.
A construção desses dois quadrados levantou indícios de que os alunos estavam
compreendo qual o modo de ação de realização da tarefa. Pediu-se para que os grupos
continuassem construindo um quadrado com dezoito quadradinhos. Os alunos fizeram
inúmeras tentativas e continuaram insistentemente, porém, construíam apenas retângulos
com essa quantidade de unidades de medida básica.
Os grupos fizeram o mesmo movimento realizado anteriormente: alguns
contavam dezoito unidades de área e depois as delimitavam com a liguinha, percebendo
que o formato era sempre retangular. Outros marcavam primeiramente o lado para depois
fecharem o quadrado, observando a impossibilidade de se ter dezoito quadradinhos nessa
formação. Neste momento, como a dúvida era geral, vários alunos começaram a
questionar a possibilidade de resolução deste problema.
.
Tico: Não dá.
Dado e Tutu: É porque todo jeito que você faz dá um retângulo.
Tico: É porque faltam ou sobram quadradinhos; se colocar lado quatro (4) dá
dezesseis (16), e se colocar lado cinco (5) dá vinte e cindo (25), e dezoito (18)
está dentro desses números, por isso só dá um retângulo.
Tata: Professora não tem jeito, porque esse quadrado aqui tem dezesseis (16)
quadradinhos, e quando esticamos a liguinha para o próximo quadrado, passa de
dezoito (18). Vai para vinte e cinco (25)!
Luca: Quadrado não dá tia porque tem que ser a mesma medida nos dois lados,
por exemplo, quatro vezes quatro que dá dezesseis (16), e depois seria cinco
vezes cinco que dá vinte e cinco (25).
Pesquisadora: Realmente não é possível construir um quadrado com dezoito
(18) quadradinhos.

Ao perceber que alguns alunos não haviam compreendido, solicitou-se que os


alunos do diálogo reproduzido acima explicassem para suas duplas porque não era
possível construir o quadrado. Percebeu-se que os alunos que não estavam conseguindo
compreender, se expressaram com mais liberdade e fizeram questionamentos ao colega
de dupla. Em seguida, foi pedido para que as duplas analisassem a relação encontrada
188

entre os quadrados e quadradinhos. Depois de um tempo discutindo o problema, este foi


trazido para a discussão coletiva, possibilitando o controle e a avaliação das ações já
realizadas pelas duplas.

Pesquisadora: Qual a relação encontrada entre os quadrados e quadradinhos?


Dado: Eu acho que é porque o número nove (9) é divisível por três (3).
Lili: É porque sempre divide e dá o resultado, por exemplo, vinte e cinco (25)
divide por cinco (5) e dá cinco (5), dá o resultado.
Fabi: O nove (9) é o total de quadradinhos e três (3) é o lado.
Kaka: Os lados contem sempre os quadradinhos, dezesseis (16) divide pelo lado
dá quatro (4).
Pesquisadora: Isso mesmo! Se pegar um lado vezes o outro, dá a quantidade de
quadradinhos! Entendeu, turma?
Jô: Eu não entendi ainda.
Pesquisadora: Olha aqui (apontando para o quadrado com dezesseis
quadradinhos)! Quantos quadradinhos há nesse lado?
Jô: Quatro (4).
Pesquisadora: E nesse outro lado?
Jô: Quatro (4) também.
Pesquisadora: Então aqui é quatro (apontando para um lado) e aqui também é
quatro (apontando para o outro lado do quadrado). Qual operação precisamos
fazer, então, para dar essa quantidade de quadradinhos?
Jô: Ah! É só multiplicar! Dezesseis (16) é quatro vezes quatro (4 x 4).
Pesquisadora: E qual a outra forma que podemos escrever quatro vezes quatro
(4 x 4)?
Ley: Quatro elevado a dois (42 ).
Vários estudantes: Quatro elevado ao quadrado (42 ).
Pesquisadora: E como escrevemos cinco vezes cinco (5 x 5)?
Kaka: Cinco elevado à quinta potência (55 ).
Dado: Ao quadrado!
Vários estudantes: Cinco elevado ao quadrado (52 ).
Pesquisadora: Então, qual é a relação entre o quadrado e os quadradinhos?
Tico: Que o quadrado tem o lado elevado a dois (2)!
189

As falas acima evidenciam claramente o movimento de formação conceitual de


potenciação à raiz quadrada exata. Pode-se dizer que, submetido a uma nova análise, o
pensamento estabelece novas relações com os conceitos anteriores em processo de
síntese. Para os alunos, a multiplicação de fatores iguais estabelecida pela potenciação é
algo que estava no nível de desenvolvimento real, e o conceito de raiz quadrada se
encontrava na zona de desenvolvimento próximo.
Salienta-se ainda que a realidade objetiva dos alunos não oferecia elementos para
operar voluntariamente com essa particularidade do conceito, de forma que novas
mediações e intervenções, como observado nos episódios destacados, foram necessárias
para que os alunos realizassem as ações esperadas. Como afirma Chaiklin (2011 p. 669),
“Um desempenho assistido bem-sucedido pode ser usado como um indicador do estado
de uma função psicológica em maturação”. Neste ínterim, as falas acima sintetizavam o
início da transformação do modelo de potenciação para a raiz quadrada exata, evidenciado
pelos esquemas de setas dos quadrados de lados 3, 4 e 5, representados na Figura 26.

Figura 26 - Esquema de setas para os quadrados de lados 3, 4 e 5.

P 9 O P 16 O P 25 O
3 3 4 4 5 5
M M M

9=3∙3 16 = 4 ∙ 4 25 = 5 ∙ 5
9 = 32 16 = 42 25 = 52
Fonte: elaborado pela autora.

Diante do exposto, a pesquisadora explicou que, para representar essa relação,


usa-se um símbolo desenvolvido há muito tempo atrás, conhecido hoje como raiz
quadrada.

Dado: Tia, nós não vamos estudar raiz quadrada?


Pesquisadora: É isso que estamos estudando.
Dado: Então isso daí é raiz quadrada?
190

De acordo com Vigotski (1996), “A linguagem se converte em um meio do


pensamento porque reflete a ação intelectual prática que transcorre objetivamente” (p.
157, tradução nossa). Gradualmente, o estudante vai tomando consciência de suas ações,
pois a linguagem adquire determinadas formas lógicas (conceitos) e se intelectualiza,
refletindo as ações e operações intelectualizadas do aluno. Desta maneira, “[...] o
pensamento verbal, a princípio, é objetivo e somente depois se faz subjetivo. Primeiro
surge em si e depois para si” (VIGOTSKI, 1996, p. 157, tradução nossa). A linguagem se
intelectualiza, o pensamento se verbaliza, e o pensamento prático alcança, assim, um novo
nível, no sentido de que o comportamento do escolar já não está determinado pela
estrutura do campo visual e pelo caráter visual-concreto, mas por uma nova forma de
atividade mental, o pensamento por conceitos.
Voltando à análise da Tarefa 7, buscou-se ajudar o aluno Dado a compreender o
conceito de raiz quadrada exata:

Pesquisadora: Olhem para o quadrado com vinte e cinco (25) quadradinhos e


me digam qual é sua raiz quadrada?
Kaka: Cinco (5) é a raiz quadrada.
Pesquisadora: Então, qual é a raiz quadrada da primeira figura, de nove (9)?
Vários estudantes: Três (3).
Dado: Por que, professora?
Kaka: Ô Dado!Quanto é três (3) vezes três (3)?
Luca: É três (3) porque raiz quadrada é só multiplicar o número por ele mesmo.

É importante ressaltar que a síntese realizada pelo aluno Luca colaborou de


forma substancial para a compreensão dos demais colegas. “Quando a criança passa para
o pensamento em conceitos se libera do pensamento numérico puramente concreto. No
lugar da imagem numérica aparece o conceito numérico” (VIGOTSKI, 1996, p. 109,
tradução nossa).

Pesquisadora: Dado! Então qual é a raiz de vinte e cinco (25)?


Dado: Cinco (5).
Pesquisadora: Por que, Dado?
Dado: Porque cinco (5) vezes cinco (5) é vinte e cinco (25).
191

Pesquisadora: Isso, Dado! Turma! Então, qual é a relação entre as medidas do


quadrado e dos quadradinhos?
Lena: A raiz quadrada dos quadradinhos é o quadrado.
Dado: É o lado, professora, a raiz quadrada dos quadradinhos é igual ao seu
lado.
Fabi: Professora, pra gente achar a raiz quadrada, a gente pode fazer um
quadrado e achar o lado?
Pesquisadora: Exatamente! Então a raiz quadrada é o que do quadrado?
Vários estudantes: O lado.
Luca: A raiz quadrada dos quadradinhos é o lado.
Dado: Tia! Qual é a raiz quadrada de 12?
Pesquisadora: Excelente pergunta, Dado! Essa situação é semelhante à anterior
com os 18 quadradinhos.

Destaca-se, mais uma vez, o movimento da ZDP dos alunos, que pode ser
pensado pela necessidade deles em demonstrar querer explorar novos conceitos. Diante
da pergunta do aluno Dado, tentou-se explorar a rede conceitual do conceito de raiz
quadrada, trazendo novamente o exemplo da impossibilidade de se construir um quadrado
com dezoito quadradinhos no geoplano.

Pesquisadora: Vocês conseguiram fazer um quadrado com dezoito (18)


quadradinhos?
Vários estudantes: Não!
Pesquisadora: E quais os quadrados mais próximos de dezoito (18) unidades de
área que vocês conseguiram fazer?
Dado: O de dezesseis (16) e o de vinte e cinco (25).
Pesquisadora: Quais são os lados deles?
Alguns estudantes: Quatro (4) e cinco (5).
Pesquisadora: Então! Isso significa que o valor da raiz quadrada de dezoito (18)
está entre quatro (4) e cinco (5), ou seja, não pertence ao conjunto dos números
naturais. Dado! Pensando na sua pergunta. Você acha que tem como fazer um
quadrado com 12 (doze) unidades de área no geoplano?
Dado: Não sei.
192

Pesquisadora: O que vocês acham, turma?


Alguns estudantes: Acho que não!
Pesquisadora: Por quê?
Luca: Porque não tem quadrado com 12 (doze) unidades, ou dá nove (9) ou
dezesseis (16).
Pesquisadora: Isso mesmo! Não existe um número inteiro entre três (3) e quatro
(4). Será três, vírgula alguma coisa.

Acrescentou-se a informação de que, quando um número natural possui raiz


quadrada exata, diz-se que esse número é um quadrado perfeito. Logo, a raiz quadrada de
nove é três, pois 32 = 9. Contudo, nem sempre isso acontece, como visto para o caso de
doze, pois não existe um número natural que, elevado ao quadrado, seja doze. Desta
forma, diz-se que doze não é um quadrado perfeito. A Figura 27 sintetizou esse conceito.

Figura 27 - Números quadrados perfeitos naturais.

. . . . .
. . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . .
12 22 32 42 52
1 4 9 16 25

Fonte: elaborado pela autora.

Diante disso, os alunos chegam à síntese de que a raiz quadrada da área do


quadrado corresponde ao seu lado. As falas acima evidenciam o que Libâneo (2011)
denomina de dupla mediação, que consiste na mediação cognitiva dos alunos, o processo
pedagógico realizado pelo professor que possibilita a relação do aluno com o objeto de
conhecimento e a mediação didática. Isso garante as condições e os meios pelos quais o
aluno se relaciona com esse objeto do conhecimento.
A Figura 28, logo a seguir, apresenta o registro da dupla Bin e Luca.
193

Figura 28 - Registro da Tarefa 7 realizada pela dupla Bin e Luca.

Fonte: relatório de pesquisa.

Trata-se da abstração e generalização da essência da raiz quadrada exata


representada, modelada na forma geométrica. A abstração incide no pensar sobre a
relação interna, sendo o processo em que se reflete a essência do conceito (DAVÍDOV,
1988). Em se tratando da raiz quadrada, a essência é a relação da área do quadrado e o
seu lado correspondente. Agora, a multiplicação tem a característica singular de envolver
somente dois fatores iguais, representando o inverso da potenciação de um número
elevado a dois, como mostra a Figura 29.

Figura 29 - Generalização na forma literal para o conceito de raiz quadrada.


𝑎 =𝑏∙𝑏
𝑎 = 𝑏2
𝑏 = 2√𝑎
𝑏 = √𝑎, 𝑎 𝜖 𝑅+
a é chamado de radicando
b é a raiz quadrada
Fonte: elaborado pela autora.
194

É necessário pontuar que o geoplano, com a sua malha quadriculada,


potencializou o movimento de abstração e generalização da relação entre grandezas para
a transformação do modelo na forma gráfica, aritmética e literal. “Além dos modelos
expressos em letras, os modelos gráfico-espaciais desempenham um papel importante na
formação dos conceitos matemáticos. Sua particularidade essencial é que une o sentido
abstrato com a concretização do objeto” (DAVÍDOV, 1988, p. 213, tradução nossa).
Como se pode notar, nos conceitos matemáticos, é frequente a modelação estar
ligada ao caráter visual. Contudo, é necessário assinalar que esse caráter visual tem um
conteúdo específico que deve refletir as relações essenciais ou internas do objeto. Os
alunos realizaram a abstração e a generalização iniciais, para, com a mediação do
professor, deduzir outras abstrações particulares. É justamente essa existência
mediatizada, refletida e essencial que permeia o conteúdo do pensamento teórico. O
experimento didático-formativo evidenciou que é muito estreito e interessante o vínculo
entre os diversos conceitos. A esse respeito, Vigotski (1996) explica que:

A recíproca interrelação e transferência de conceitos, que é um reflexo


da transferência e ligação recíproca dos fenômenos da realidade, traz
por conseqüência que cada conceito surge relacionado com todos os
restantes, e uma vez formado, passa a determinar, por assim dizer, seu
lugar no sistema de conceitos previamente conhecidos (VIGOTSKI,
1996, p. 71, tradução nossa).

Desse modo, primeiramente a essência do objeto é revelada e modelada, o que


possibilita posteriores transformações no objeto, formando, assim, um sistema de
conceitos. Compreendendo-se como cada conceito surge relacionado a outros, compondo
o sistema conceitual, buscou-se revelar as conexões estreitas de raiz quadrada de números
quadrados perfeitos não só com a potenciação e multiplicação, como também contagem,
agrupamento, adição, entre outros conceitos.
Destaca-se, assim, que as particularidades acima assinaladas do experimento
didático-formativo confirmam que “[...] a base do pensamento teórico é que já não opera
mais com representações, mas com conceitos”. Logo, “expressar o objeto na forma de
conceito significa compreender sua essência” (DAVÍDOV, 1988, p. 126, tradução nossa).
A partir do exposto, explicou-se aos alunos que, para representar esse processo,
2
utiliza-se o símbolo √ = √ , informando que este, para a raiz quadrada, demorou a
195

chegar a essa notação, explicando brevemente como ocorreu o desenvolvimento desse


símbolo. A esse respeito, Davídov (1988) afirma que,

É necessário ter em mente que os símbolos, que expressam o universal


nos objetos, são formas de atividade humana. Por isso, se um homem
(e não a sociedade como um todo) usa símbolos e padrões na ação
prática para obter algo particular, pertencente à universidade em
questão, sua forma idealizada (conceito) no plano da sequência
temporal será primordial em relação à coisa particular, real e
sensorialmente captada (DAVÍDDOV, 1988, p. 127-128, tradução
nossa).

Nesse momento, mais uma vez ocorreu a transformação do modelo. É bem


verdade que, na ciência, a modelação é um tipo específico de idealização simbólico-
semiótica. No caso dos símbolos matemáticos, estes refletem as conexões e relações dos
objetos reais, ou seja, carregam uma rede de significados.
Vigotski (1996) compreende que, quando o aluno passa para o pensamento em
conceitos, se desprende do pensamento numérico puramente concreto e, em decorrência
disso, no lugar da imagem do numeral, aparece o conceito numérico. Isso também ocorre
com o conceito de raiz quadrada, pois, no lugar de seu símbolo, aparece seu conceito.

O conceito não se limita a excluir de seu conteúdo uma série de


momentos típicos da percepção concreta, mas também manifesta pela
primeira vez na percepção concreta uma série de momentos
indisponíveis para percepção ou contemplação direta, momentos
introduzidos por o pensamento é classificado por meio da elaboração
dos dados da experiência e são sintetizados em um todo único com
elementos de percepção direta (VIGOTSKI, 1996, p. 109, tradução
nossa).

Nesse sentido, o momento específico da percepção concreta e direta do conceito


de raiz quadrada, através do geoplano, facilitou a compreensão de elementos que, muitas
vezes, são inacessíveis a todos os alunos. Para Davídov (1988), a especificidade do
conteúdo objetivo do pensamento teórico não diminui a importância das fontes sensoriais,
defendendo a unidade entre o sensorial e o racional no conhecimento teórico da realidade.
As tarefas propostas consistiram em representar o concreto em movimento, o
que, nesse entendimento, permitiu que fossem descobertas as conexões internas do
sistema conceitual e as relações entre o universal e o particular no sistema de conceitos.
Enquanto a potenciação é uma multiplicação na qual todos os fatores são iguais,
196

a radiciação busca descobrir que fatores são esses, encontrando o resultado dessa
multiplicação.
Desse modo, a generalização da raiz quadrada consiste em identificar as inter-
relações entre o que há de universal para potenciação e radiciação, mas que, ao mesmo
tempo, é singular para a radiciação. No caso particular da raiz quadrada exata, a base de
1
expoente ½ equivale dizer que é a raiz quadrada, ou seja, 𝑎2 = √𝑎. Assim, como conteúdo
específico do conceito teórico, aparece a relação do universal e o particular.
A generalização, portanto, não se alcança por simples comparação, mas por meio
da análise da essência dos objetos e fenômenos estudados (KÉDROV, 1965 apud
DAVÍDOV, 1988). Assim, como explicado anteriormente, as peculiaridades das
abstrações, generalizações e a formação de conceitos teóricos como meios do pensamento
teórico ocorrem pela ascensão do pensamento do abstrato ao concreto.

Ao iniciar uma nova disciplina escolar, os alunos começam a analisar o


conteúdo do material didático e, com ajuda do professor, identificam as
relações gerais e descobrem, simultaneamente, que elas se manifestam
em outras relações particulares existentes no material dado. Ao fixar a
relação geral inicial separada, por intermédio de signos, os estudantes
constroem a abstração do conteúdo de uma determinada disciplina. Ao
continuar seus estudos, descobrem a vinculação regular dessa relação
inicial com suas diferentes manifestações e obtêm a generalização
substancial do objeto. Em seguida, as crianças usam as abstrações e
generalizações do conteúdo para a dedução sequencial de outras
abstrações mais específicas e para sua união no objeto integral
(concreto) estudado. Devemos destacar que todo esse processo ocorre
em colaboração com o professor. Quando os alunos começam a utilizar
a abstração e generalização para a dedução de outras abstrações, iniciam
o processo de conversão das estruturas mentais iniciais em conceitos
que fixam certa “célula” da disciplina. Posteriormente, essa “célula”
serve como princípio geral para os alunos, se orientar em toda a
diversidade do material didático que devem assimilar em forma
conceitual, por via da ascensão do abstrato ao concreto (DAVÍDOV,
2019a, p. 217-218).

Esse movimento foi observado durante a maioria das tarefas desenvolvidas ao


longo do experimento didático. Acompanhou-se o movimento do pensamento dos alunos
do geral ao particular, ou seja, a partir da essência do conceito, deduziram-se as relações
particulares. Deste modo, os alunos determinaram primeiramente a relação geral inicial
do conceito e, em seguida, construíram sobre essa base a generalização substancial. No
final, esse processo se transformou em meio para deduzir as relações particulares.
197

Ainda sobre o desenvolvimento da Tarefa 7 é importante acrescentar que as


respostas dos alunos na folha de registro evidenciam indícios de que houve formação do
conceito de raiz quadrada exata de números naturais. Seguem algumas respostas das
duplas, quando perguntadas sobre a relação encontrada entre os quadrados e
quadradinhos: “é igual ao lado (Kaka e Tuca)”, “a raiz quadrada dos quadradinhos é o
igual o lado (Gabi e Lili, Fabi e Jô, Baco e Rafa, Dado e Ton, Dou e Ley, Lala e Tata)”,
“a relação entre a raiz quadrada e dos quadradinhos está no lado e área (Bin e Luca)”.
Davídov (2019d) afirma que descrever um conceito em palavras é outra tarefa,
e que, muitas vezes, os alunos resolvem as tarefas corretamente, mas não são capazes de
expressar verbalmente qual é a característica do princípio generalizado utilizado. “O
principal é saber fazer e não falar sobre o que você fez. A generalização, de fato, é descrita
em palavras difíceis, porque o universal, como um fragmento do conhecimento teórico, é
formulado pela primeira vez nos modos de ações” (p. 263).
Terminado o desenvolvimento da Tarefa 7, pediu-se que os alunos tentassem
responder ao desafio proposto na Tarefa 8.

Tarefa 8
O desenvolvimento desta tarefa foi realizado no dia 5 de novembro de 2018, com
a participação de vinte e quatro alunos. Entregou-se a folha de registro aos alunos,
tentando organizá-los nas mesmas duplas da aula anterior, e lhes foi solicitado que
analisassem o problema apresentado pela Figura 30.

Figura 30 - Tarefa 8 – Modelação de um retalho retangular para uma tolha quadrada.


198

Um alfaiate tinha um retalho retangular de tecido quadriculado com 9 m de


comprimento e 3 m de largura e queria fazer uma toalha quadrada com esse tecido. Para
não ter perda alguma, ele conseguiu cortar o tecido em três partes, utilizando para os
cortes as linhas quadriculadas, sem desfazer nenhum quadriculado. Cada parte cortada
pôde ser sobreposta à outra sem sobrar nem faltar pedaços da outra peça. Como ele fez?
Qual a nova medida do lado dessa toalha?

. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . .
. . . . . . . . . .
Fonte: Centurión e Jahubovic (2015, p. 45).

As duplas estavam bem motivadas para tentar resolver o desafio, buscando


primeiramente compreender o problema e, logo depois, se iniciaram as tentativas de
resolução. Na medida em que os alunos realizavam as tentativas, começaram a se dirigir
a outras duplas, discutindo o problema e suas possíveis soluções com outras crianças.
Com isso, a discussão se tornou coletiva, o que levou a desenhar a toalha retangular no
quadro para facilitar a visualização de toda a turma. Foi um momento de intensa
participação e interação, em que os alunos se dirigiam ao quadro buscando a solução. O
oitavo episódio é analisado a seguir e ajuda a compreender o movimento dos estudantes
na realização dessa tarefa.

Pesquisadora: Como vocês acham que devemos cortar o tecido?


Caco: Corta no meio!
Jô: Não vai dá!
Lili: Não é no meio!

Nesse instante, vários alunos se levantaram com a sua folha de registro para
mostrar à pesquisadora a solução do problema, porém, as soluções apresentadas ainda
199

não estavam corretas. Deste modo, os alunos Kaka e Caco ficaram no quadro discutindo
a questão. Logo depois, os alunos Jô e Caco se dirigiram ao quadro também para
discutirem juntos. Enquanto isso, os alunos Luca, Bin, Bico e Ton apresentaram as suas
hipóteses à pesquisadora, porém, ainda não haviam alcançado a resolução do problema.
Nisso, os alunos Dado, Lala, Tico, Gabi e Tata também se dirigiram ao quadro para
realizar as tentativas juntos com os demais colegas que ali estavam.
Alguns alunos chegaram perto de desvendar o problema, porém, apenas os
alunos Tico e Caco realizaram os cortes de forma correta. Mostrou-se a todos como
deveriam ser feitos os cortes na toalha para que o seu novo formato, a partir das três peças
de tecido, equivalesse a um quadrado. Feito isso, a turma visualizou que o valor do lado
da toalha quadrada passou a ser de seis unidades de comprimento.

Pesquisadora: O que significa o valor seis (6) de acordo com o que


aprendemos?
Vários estudantes: É a raiz quadrada.
Pesquisadora: Raiz quadrada de que?
Vários estudantes: Da área do quadrado.

Depois das inúmeras tentativas e das mediações realizadas nesse episódio, a


turma mostrou compreender o problema. A Figura 31 mostra a solução das alunas Dani,
Lala e Tata.

Figura 31 - Registro da Tarefa 8 realizada pelas alunas Dani, Lala e Tata.

Fonte: relatório de pesquisa.


200

Como nos momentos anteriores, no final da folha de registro, havia um espaço


para os grupos comentarem o que aprenderam e as dificuldades encontradas na resolução.
No geral, as anotações foram positivas, tendo apenas um grupo que achou difícil encontrar
a solução do problema:

Foi muito tenso (Jô e Tutu).


Muito fácil (Bin e Luca).
Fiquei zaroio tentando fazer a última (Dado e Ton).
Foi moleza kk, a Talita ensina muito bem (Fabi e Lili).
Eu achei boa porque a professora explicou muito bem e nois
entendemos perfeitamente as perguntas. Obrigado tia thalitta!!! (Lala e
Tata).
Foi fácil ela toda, eu e meu amigo gostamos das tarefas (Dou e Ley).

Salienta-se o potencial da malha quadriculada para a formação de conceitos


matemáticos, visto que toda a rede conceitual desenvolvida em raiz quadrada exata teve
a malha quadriculada como base para a investigação.
Ao longo do experimento didático-formativo, buscou-se elaborar e propor
tarefas de estudo que levassem os estudantes a realizar as ações de estudo propostas por
Davídov (1988), ressaltando-se que a quinta ação de estudo, controle sobre o
cumprimento das ações anteriores, foi inserida em todas as tarefas. “A função principal é
garantir que este procedimento tenha todas as operações necessárias para que o aluno
resolva exitosamente a diversidade de tarefas concretas particulares” (p. 216, tradução
nossa).
É necessário reforçar, como mencionado anteriormente, que o controle não foi
pensado como um momento específico do plano de ensino, mas ocorreu durante a
realização das demais ações de estudo. É no desenrolar das tarefas que o professor,
juntamente com os alunos, consegue verificar “[...] a plenitude na composição
operacional das ações e a forma correta de sua realização” (DAVÍDOV, 1988, p. 216, p.
216, tradução nossa).
Ainda assim, com o objetivo de avaliar se os alunos teriam dificuldades na
resolução de atividades envolvendo raiz quadrada como estas são apresentadas nos livros
didáticos brasileiros, lhes foi solicitado que realizassem alguns exercícios do livro
adotado pela escola, apresentados na Figura 32.
201

Figura 32 - Algumas das atividades propostas pelo livro didático da escola.


1. Realize os cálculos e justifique sua resposta.
a) √16 = 4, 𝑝𝑜𝑖𝑠 42 = 16
b) √49
c) √81
d) √196

2. Calcule.
a) 32 + 42
b) 132 − 52
c) 152 + 202
Agora, calcule a raiz quadrada de cada resultado obtido.

3. Realize os cálculos a seguir.


a) √4 ∙ 36
b) √4 ∙ √36
c) √9 ∙ 25
d) √9 ∙ √25

4. Calcule.
a) √64 + 36
b) √64 + √36
c) √144 + 25
d) √144 + √25

Fonte: Souza e Pataro (2015, p. 98-99).

Ressalta-se aqui que, depois do desenvolvimento de todas as tarefas do


experimento didático-formativo, os alunos não demonstraram dificuldades na resolução
desses exercícios propostos no livro didático da turma. As questões propostas no livro
estão claramente embasadas na lógica formal, pois conduzem os alunos à reprodução
automática de algumas técnicas de resolução. E, no ensino dentro dessa lógica, são poucos
202

os alunos que pegam a mecânica da operação na matemática, porque reproduzir a


operação não é compreender.
No Brasil, o ensino da matemática ainda se sustenta numa lógica formal de
ensino e aprendizagem, o que dificulta a formação de uma relação entre o conceito e a
operação mental, que deveria ser preenchida pela ação mental. Sobre isso, Davídov (1988,
p. 103) diz que “[...] os métodos de ensino sobre a abstração, a generalização e a formação
de conceito em escolares correspondem a interpretação lógica formal dessas operações
mentais” (tradução nossa).
Nesse sentido, entendendo que é justamente o conteúdo do pensamento que o
caracteriza, na lógica formal prevalece o pensamento empírico. Como mostra Davídov
(1988, p. 104, tradução nossa), “[...] o pensamento que se realiza com ajuda de abstrações
e generalizações de carácter lógico-formal apenas leva a formar os chamados conceitos
empíricos”. É comum, assim, o princípio de repetições abstratas, o que gera a
mecanização tão recorrente no ensino de matemática.
Dessa forma, os exercícios acima propostos no livro didático levam à
operalização do conteúdo, enquanto as tarefas elaboradas nos princípios davydovianos
levam ao domínio dos modos de ação com o conceito e de seus fundamentos teóricos.
Neste sentido, Freitas (2016) pontua que o foco da aprendizagem escolar dentro da
abordagem do ensino desenvolvimental não é o conteúdo propriamente, mas os modos de
pensamento e ações mentais inseridos nesse conteúdo.
Constatou-se que a realização de tarefas que provocam análise, reflexão, síntese
e trabalho mental com os conceitos implica uma melhor compreensão de tarefas
tradicionais. Contudo, o movimento não é recíproco, pois a compreensão de tarefas
tradicionais não significa capacidade de realizar tarefas fundamentadas no ensino
desenvolvimental, como as que se tentou elaborar e propor nesta pesquisa.
Para a realização das últimas análises do desenvolvimento conceitual de raiz
quadrada exata, dentro dos números naturais, foi desenvolvida a sexta ação de estudo:
avaliação da apropriação do procedimento geral como resultado da solução da tarefa de
estudo dada. Embora algumas tarefas a serem realizadas individualmente pelos alunos,
no final do experimento didático-formativo, tenham sido propostas, a avaliação, assim
como a ação de controle, também foi realizada durante todo o processo.
Davídov (1988, p. 184, tradução nossa) explica que “[...] a ação de avaliação
permite determinar se o procedimento geral para resolver a tarefa de estudo é assimilado
203

(e em que medida), se o resultado das ações de estudo corresponde (e em que extensão)


ou não ao seu objetivo final”. O autor ainda pondera que essa ação está interligada com o
controle, ajudando o professor a verificar se os alunos estão preparados para resolverem
uma nova tarefa de estudo. Essa ação refere-se a uma avaliação qualitativa do resultado
da apropriação conceitual dos alunos. Sendo assim, a avaliação estabelece a insuficiência
do procedimento geral da ação que o aluno tem e o orienta na busca de um novo
procedimento geral de solução da tarefa de estudo.
Davídov e Márkova (1987a) entendem que as formas desenvolvidas de controle
e avaliação se convertem na base da formação e dos meios de auto-organização do
trabalho escolar.

Aqui surge a capacidade do adolescente para colocar-se no ponto de


vista de um e outro participante da atividade. O novo tipo de posição
em direção à própria atividade de estudo é formado no início como a
capacidade de avaliar as ações de alguém a partir das posições de outras
pessoas (DAVÍDOV; MÁRKOVA, 1987a, p. 191, tradução nossa).

Nesse contexto, os meios de colaboração no trabalho escolar conjunto


reestruturam as características de conteúdo da atividade intelectual dos adolescentes.
A avaliação individual foi estruturada em quatro tarefas, realizadas no dia 5 de
novembro de 2018. Neste dia, três estudantes não vieram à escola.

Figura 33 - Tarefa 1 da Avaliação Individual.


204

Para estucar uma sala de aula, utilizaram-se placas de gesso representadas pela unidade
de medida básica (L), como mostra a figura abaixo. Sabendo que esse ambiente possui
formato de um quadrado, com base na unidade de medida intermediária (P), construa
e responda o esquema de setas. Por último, explique qual a letra que representa a raiz
quadrada da figura construída.

L
L Q
M
M
M
MP M
M
M M
M M
P
M M

Fonte: elaborado pela autora com base na teoria do ensino desenvolvimental.

Em relação à primeira tarefa, todos os alunos da turma acertaram. A Figura 34


apresenta os registros realizados pela aluna Tata.

Figura 34 - Registro da Tarefa 1 da Avaliação Individual resolvida pela aluna Tata.

Fonte: relatório de pesquisa.


205

Na sequência, segue a Tarefa 2 da avaliação individual apresentada pela Figura


35.

Figura 35 – Tarefa 2 da Avaliação Individual.

Marta construiu três quadrados de papelão com determinada medida de lado. O


primeiro tinha como medida de lado 16; o segundo, a raiz quadrada da medida do lado
do primeiro; e o terceiro, a raiz quadrada da medida do lado do segundo. Qual a medida
do lado de cada quadrado?

Fonte: Barroso (2006, p. 65).

Sobre essa tarefa, dos 24 alunos que a fizeram, quatro erraram a resolução do
problema, e cinco acertaram parcialmente. As resoluções que apresentaram o
desenvolvimento parcial evidenciaram problemas com a linguagem matemática,
principalmente na simbologia para raiz quadrada. A Figura 36 apresenta a resolução do
aluno Dado nessa tarefa.

Figura 36 - Registro da Tarefa 2 da Avaliação Individual resolvida pelo aluno Dado.

Fonte: relatório de pesquisa.

Destaca-se, assim, que a maioria da turma conseguiu desenvolver essa tarefa, e


que grande parte dos alunos evitou utilizar o símbolo do radical para representar a raiz
quadrada, colocando o resultado diretamente. Em sequência, apresentou-se a Tarefa 3
pela Figura 37.

Figura 37 – Tarefa 3 da Avaliação Individual.


206

A figura abaixo mostra um triângulo retângulo, no qual foi construído um quadrado em


cada um de seus lados. Com base nessa figura, analise as seguintes questões:

a) Represente cada área partindo da unidade de medida básica (L) e complete a


sentença dada.

L L L

L Q L U L G

S E D
b) O valor dos lados do triângulo.
c) Explique a relação entre os lados e as áreas do quadrado.

Fonte: elaborada pela autora com base na teoria do ensino desenvolvimental.

Sobre o desenvolvimento dessa tarefa, os registros da letra a evidenciaram que


os alunos entenderam os esquemas de setas, visto que todos responderam corretamente.
Em decorrência disso, a resolução da letra b foi bem satisfatória, tendo apenas um aluno
que não conseguiu chegar ao resultado correto. Contudo, dez estudantes ainda não
207

souberam escrever corretamente a relação entre os lados e a área de um quadrado como


pedido na letra c. A Figura 38 apresenta a resolução da Tarefa 3 do aluno Ley.

Figura 38 - Registro da Tarefa 3 da Avaliação Individual resolvida pelo aluno Ley.

Fonte: relatório de pesquisa.

A tarefa em questão evidenciou novamente a dificuldade que os alunos


encontram em descrever os conceitos em palavras, pois os erros se concentraram
justamente na alternativa c, na qual era necessário se expressar por meio da linguagem
escrita. Assim, destacam-se algumas respostas que indicam que houve a compreensão do
conceito pelos alunos:

Todos são divididos por ele mesmo (Doca).


A raiz quadrada é o lado (Dado).
A relação é que se multiplicarmos os lados por ele mesmo vamos ter o
valor da área (Luca).
Um número multiplicado por ele mesmo é o resultado da raiz quadrada,
a raiz quadrada dos quadradinhos é igual ao lado (Ley).
A raiz quadrada dos quadradinhos é os lados (Lili).

Alguns registros evidenciam que a formação do conceito em questão ainda está


em desenvolvimento em alguns alunos:
208

A área é quando a pessoa acha o valor e os lados é quando acha o


resultado da área (Lena).
Os quadradinhos é o que tem dentro e a área já é o lado de fora (Bia).
Pra encontrar a área precisa encontrar os lados (Dani).
A relação é que a raiz quadrada fazendo a soma da raiz quadrada se
chega ao resultado (Lala).

Finalmente, a Tarefa 4 consistia em um problema envolvendo algumas


operações matemáticas para descobrir o que Marina mais gostava de comer, como mostra
a Figura 39.

Figura 39 – Tarefa 4 da Avaliação Individual.

Partindo de √100, ajude Paula a chegar ao que ela mais gosta, pulando de casa em
casa. Mais atenção: a casa seguinte deverá ter um número menor do que a casa onde
ela estiver. Do que Paula mais gosta?

Fonte: Spinelli e Souza (2013, p. 123).

Sobre essa tarefa, apenas o aluno Ton não a desenvolveu corretamente. A Figura
40 apresenta a resolução da Tarefa 4, contida na avaliação individual, da aluna Gabi.

Figura 40 - Registro da Tarefa 4 da Avaliação Individual resolvida pela aluna Gabi.

Fonte: relatório de pesquisa.


209

A atividade individual apresentou indícios consistentes de que a maioria dos


alunos formou o pensamento teórico sobre o conceito de raiz quadrada exata para
números naturais. É importante entender que, nessa análise, a quantidade aparece como
um atributo da qualidade. Caraça (1984) explica que, na linguagem usual, quantidade é
por vezes tomada como sinônimo de número; assim, quando se diz “uma grande
quantidade de objetos”, significa um grande número de objetos.
Nesse sentido, “[...] ao conjunto de relações em que um determinado ser se
encontra com os outros seres dum agregado”, Caraça (1984, p. 113) chama de qualidades.
“A quantidade é um atributo da qualidade e, como tal, só em relação a ela pode ser
considerada” (CARAÇA, 1984, p. 116-117). Deste modo, ao considerar todas as relações
conceituais analisadas nesse capítulo é que se entende a quantidade como atributo da
qualidade.
A professora regente da turma considera ter apenas seis alunos “bons de
conteúdo” e acredita que o espaço limitado da sala de aula colabora para a agitação e as
conversas paralelas. Mesmo diante desses fatores, essa turma se manteve motivada e
participativa durante todo o experimento didático-formativo.
O Quadro 10 sintetiza as unidades conceituais desenvolvidas pela pesquisa, bem
como as categorias que emergiram e que se tomaram como eixo para a análise do
desenvolvimento dos estudantes durante a realização das tarefas, assinalando, assim, as
ações de estudos destacadas em cada uma dessas tarefas.

Quadro 10 - Síntese do desenvolvimento do plano de ensino.


Unidades Categorias Tarefas Ações Episódio
conceituais
Número Reflexão 1 1, 2 e 5 1
Multiplicação Análise 2, 3, 4 e 5 1, 2, 3 e 5 2, 3, 4 e 5
Potenciação Plano interior das ações 5e6 1, 2, 3, 4 e 5 5 e 6
Raiz Quadrada Exata Plano interior das ações 7e8 1, 2, 3, 4, 5 e 7 e 8
6
Fonte: elaborado pela autora.

Pensar a organização do ensino a partir dos fundamentos das teorias da atividade


de estudo e do ensino desenvolvimental permitiu acompanhar o desenvolvimento das
ações mentais principais dos alunos nesse processo. Entende-se, portanto, que a atividade
210

do professor no processo de escolarização é a organização da atividade de estudo,


atividade principal desse período do desenvolvimento em que estavam os alunos que
participaram desta pesquisa. É nesse processo ativo e criativo de buscar a solução de
tarefas de estudo que ocorrem a formação e o desenvolvimento do pensamento teórico
nos alunos.
No entanto, o método explicativo-ilustrativo, de acordo com Davídov (2019d),
é o que prevalece em nossas escolas, que consiste na explicação e demonstração de alguns
conteúdos, os quais devem ser memorizados e, depois, usados para responder as
avaliações. Os livros didáticos brasileiros limitam o desenvolvimento conceitual ao
apresentar conteúdos de forma isolada em seus respectivos capítulos. Isso impossibilita o
desenvolvimento integrado dos conceitos matemáticos, fragmentando o processo de
ensino e aprendizagem e dificultando o controle das ações de estudo realizado pelos
estudantes.
Um exemplo bem claro disso está na forma como o conceito de raiz quadrada
aparece no livro didático adotado pela escola. Esse livro utiliza também a malha
quadriculada para trabalhar o conteúdo em questão, porém, apresenta o conteúdo de
forma direta e não desenvolve seus nexos conceituais.

Figura 41 - Apresentação do conteúdo de radiciação pelo livro adotado pela escola.


211

Fonte: Souza e Pataro (2015, p. 97).

A figura acima evidencia que, embora Souza e Pataro (2015) utilizem ideia
semelhante à que foi desenvolvida em nosso experimento, o caminho percorrido para que
os alunos assimilem e desenvolvam o conceito é totalmente distinto. Os autores
apresentam dois quadrados na malha quadriculada, mas expõem os resultados de forma
direta, sem realizar as mediações necessárias para que os alunos desenvolvam as suas
ações mentais. Assim, a exposição do conteúdo acaba por levar à mecanização da
operação da radiciação, na qual possivelmente os alunos irão reproduzir a ideia sem
compreender o conceito em questão e suas relações.
Rosa, Damazio e Crestani (2014) analisaram livros didáticos de Matemática
elaborados por Davydov e apontaram que o material elaborado pelo autor é organizado
212

por tarefas que correspondem aos exercícios no ensino brasileiro. No entanto, geralmente,
nos livros didáticos brasileiros, os conteúdos são trabalhados de forma linear e
fragmentados em capítulos específicos. Os conteúdos geralmente são levados aos alunos
de forma imediata, impossibilitando-os de realizar abstrações e generalizações
substantivas e chegar ao desenvolvimento dos conceitos envolvendo a rede conceitual,
tão presente e tão necessária para a aprendizagem dos conceitos matemáticos.
Em um estudo comparativo entre o sistema de ensino de Elkonin-Davydov e o
sistema de ensino brasileiro, Cunha (2019) mostra que:

Os livros didáticos destinados aos anos iniciais do sistema Elkonin-


Davydov estão estruturados em uma rede de sistema conceitual e não
em capítulos específicos como ocorre nos livros didáticos no Brasil. Os
conceitos encontram-se articulados, sem a priorização de um campo
matemático em detrimento de outro, ou seja, não há fragmentação entre
os pensamentos aritmético, algébrico e geométrico (CUNHA, 2019, p.
265).

Ao contrário do que é exposto pelos livros didáticos brasileiros, o objetivo da


atividade de estudo está em um resultado interno e subjetivo, em que o importante não é
apenas o domínio dos modos de ação, mas o domínio dos fundamentos teóricos que
sustentam os modos de ação. Desta forma, Davídov (1988) mostra, então, que a tarefa de
estudo está ligada ao domínio da generalização teórica do conhecimento, ou seja, ao
domínio dos conceitos, leis e princípios que os fundamentam.
Para Repkin (2019), a educação desenvolvente é o desenvolvimento do sujeito.
Neste ínterim, o conceito de atividade e o conceito de sujeito estão estreitamente ligados.
O sujeito é uma fonte de atividade, e a atividade, por sua vez, é o modo de existência do
sujeito.

Educação Desenvolvente ocorre quando o parceiro do professor não é


um aluno [no sentido de um objeto do ensino], mas um auto-professor,
um professor de si mesmo. Não é o professor que ensina o aluno, mas
o aluno que ensina a si mesmo. E o papel do professor é ajudar o
estudante a ensinar-se a si mesmo (REPKIN, 2019, p. 217).

Considerando-se o exposto, a tarefa de estudo apresenta um duplo movimento.


Por um lado, possibilita a autotransformação do sujeito e, por outro lado, permite o
domínio do conhecimento teórico. “A tarefa de estudo difere de outros tipos de tarefas:
seu resultado não é uma mudança no objeto com o qual o aluno opera, mas uma mudança
213

no próprio aluno como sujeito, e esta mudança consiste, no domínio dos modos de ações
definidos” (REPKIN, 2019, p. 224).
Além disso, os livros didáticos brasileiros de orientação ao professor pouco se
diferem do livro do aluno, em que, geralmente, apenas é acrescentada a resolução das
atividades. Assim, no que se refere à organização dos conteúdos, o manual do professor
apresenta um olhar geral e técnico, e ainda não contém as orientações teórico-
metodológicas para o processo de desenvolvimento das tarefas em sala de aula, de forma
que o ensino conduz à formação do pensamento teórico.
Diante dos problemas brevemente apontados acima e da necessidade social de
mudanças radicais no ensino brasileiro de Matemática, se torna necessário repensar a
formação inicial de professores. Desde os anos 1980, o que mais se tem investigado no
campo educacional é a formação de professores.
Marzari (2010) mostra que os estudos sobre formação de professores têm-se
voltado ao professor reflexivo, aos saberes docentes e às etapas de vida profissional,
deixando de considerar como esses conhecimentos podem colaborar efetivamente com o
processo de ensino e aprendizagem dos alunos. Apresenta-se, logo, a necessidade de se
buscar perspectivas de ensino mais voltadas para a qualidade do desenvolvimento
cognitivo dos alunos.
Devido a essa formação frágil e às difíceis condições de trabalho, o ensino tem
sido conduzido a um fenômeno chamado por Limonta e Silva (2013) de “tecnificação”,
em que as teorias pedagógicas e psicológicas e a didática são reestruturadas na forma de
técnicas puras. Essas técnicas contrapõem um ensino de qualidade, pois limitam, e até
mesmo impedem, o desenvolvimento pleno das funções psíquicas superiores dos alunos.
É evidente que a maioria dos professores reproduzirá, em sua prática de ensino,
o que lhe foi ensinado em sua formação universitária. Os resultados dos estudos de: Rosa
(2012); Damazio, Rosa e Euzébio (2012); Damazio e Rosa (2013); Crestani (2016),
Hobold (2014), dentre outros, revelam que a maioria dos professores de Matemática
segue em seu ensino o movimento conceitual apreendido em sua formação inicial. O
ensino desenvolvimental segue direção oposta à proposição brasileira, do ponto de vista
da lógica que a fundamenta. Enquanto a proposição brasileira se aproxima dos
fundamentos provenientes da lógica formal tradicional, a proposição davydoviana é
expressão da lógica dialética.
214

Cedro (2008) afirma que a aprendizagem da docência é compreendida somente


pela indissociável relação entre o ensino, a atividade principal do professor e a
aprendizagem, atividade compartilhada com os alunos. Ele buscou, ainda, mostrar, em
sua investigação, o “[...] movimento de formação do professor de Matemática em direção
à tomada de consciência sobre a essência de sua atividade tendo como base a
transformação dos motivos das suas ações” (p. 215).
De acordo com Cunha (2019), na Rússia, para os professores que trabalham em
escolas que adotam sistemas desenvolvimentais, são oferecidos cursos de formação
avançada e, nesses centros de formação, os pressupostos metodológicos que
fundamentam o desenvolvimento profissional da atividade docente são: “[...] teoria
psicológica do autodesenvolvimento; psicologia da personalidade e do trabalho do
professor; estudo da herança histórica na cultura e no conteúdo da atividade humana e
teoria da autoconsciência dialogicamente organizada” (p. 140).
Pondera-se que a formação inicial do professor de matemática precisa passar
por um amplo processo de transformação e que se encontra, nesse momento, muito
distante da formação de um professor para um ensino voltado à formação do pensamento
teórico nos alunos. Por um lado, há um grupo de professores que defende um ensino da
matemática de forma tradicional, em que o seu rigor, exatidão e objetividade devem ser
priorizados. Por outro lado, encontram-se aqueles que buscam contextualizar os
conteúdos matemáticos em metodologias diversas, a fim de facilitar sua compreensão,
considerando-se imprescindível a utilização de objetos pedagógicos em seu ensino.
Essa situação tipifica os dois extremos comuns no ensino da matemática:
valorização extrema da teoria ou da prática. Neste sentido, como mostra Sforni (2012), o
eixo central da formação de professores está na interação entre o domínio do campo
didático e o domínio do campo teórico. Vale assinalar que trabalhar didaticamente é
também trabalhar epistemologicamente. Assim, é necessária a integração entre o
conhecimento disciplinar e o conhecimento pedagógico-didático, entendendo a unidade
entre a didática e as didáticas específicas nos cursos de formação de professores
(LIBÂNEO, 2016).
Mesmo considerando essas dificuldades no que diz respeito à formação de
professores de matemática, as perspectivas futuras para a pesquisa sobre o ensino
215

desenvolvimental de Matemática são promissoras17. A quantidade de programas de pós-


graduação stricto sensu com linhas de pesquisa que se fundamentam na teoria histórico-
cultural e na teoria do ensino desenvolvimental tem aumentado consideravelmente. Como
a maioria dos pesquisadores formados por estes programas é composta por professores
da educação básica e/ou do ensino superior, espera-se que estes tragam mudanças na
organização do ensino para dentro das escolas, bem como possam influenciar as políticas
curriculares e de formação de professores no Brasil.
Levando-se em conta, ainda, os grupos de estudos e pesquisas dentro desses
programas de pós-graduação, se destaca o Grupo de Estudos e Pesquisa sobre Atividade
Pedagógica (GEPAPe). Este possui diversos grupos de pesquisa associados18, que muito
têm contribuído para a disseminação de conhecimentos sobre o ensino escolar,
fundamentada na teoria histórico-cultural e no ensino desenvolvimental. Contudo, por
maiores que sejam os esforços, a força e a disseminação dos vários grupos de estudos e
pesquisa sobre o ensino desenvolvimetal na educação matemática no Brasil são
concepções historicamente cristalizadas, em contradição com esse ensino desenvolvente.
Diante desse robusto quadro de pesquisas e pesquisadores com a mesma
fundamentação teórica, surgem mais inquietações sobre a relação do ensino
desenvolvimental com a formação de professores. Assim, para futuras pesquisas, fica o
seguinte questionamento: como se pode transformar, mesmo que minimamente, o ensino
de Matemática que não forma o pensamento teórico? Como essa nova forma tão
revolucionária pode integrar o processo de formação de professores de Matemática, a fim
de romper com o predomínio da lógica formal na formação de professores e no ensino na
Educação Básica?
Por fim, entende-se que “[...] no processo de movimento do conhecimento
científico verifica-se uma constante interação da teoria com o experimento. Um serve de
fonte de desenvolvimento e aprimoramento do outro” (KOPNIN, 1972, p. 256). Acredita-
se que foi possível vislumbrar isso nesta pesquisa. Todavia, a teoria é sempre universal
enquanto o experimento é singular, particular. Desta maneira, “[...] todo singular

17
Em uma pesquisa bibliográfica realizada no ano de 2019, foram identificados 17 programas, computando
cento e onze dissertações e teses na área de educação matemática fundamentadas na Teoria Histórico-
Cultural e/ou na Teoria do Ensino Desenvolvimental.
18
Grupos de Estudos e Pesquisa associados ao GEPAPe: ALLEM – UFMS, GEMat – UFG, GENTEE –
UEM, GEPAE – UEM, GEPEAMI – FFCLRP, GEPEDI – UFU, GEPEMAPe – UFU, GEPEMat – UFSM,
GEPEMM – IFPI, GEPIEE – UFSC, GEPPEDH – Unifesp, GESFE – FFCLRP, GETHC – PR, GPEMAHC
– UNESC, HEEMat – UNESC.
216

compreende o universal, expressa-o, mas não plenamente, por isso nenhum experimento
particular pode ser critério definitivo de toda a teoria científica” (KOPNIN, 1972, p. 259).
Portanto, através do singular, do experimento didático-formativo realizado numa
turma de 6º ano de uma escola estadual do estado de Goiás, foi possível compreender o
potencial revolucionário de um ensino organizado nas perspectivas histórico-cultural e
desenvolvimental. Entende-se que a evolução da vida intelectual do adolescente
representa um quadro integral único, no qual todas as funções estão conexas à função da
formação de conceitos.

Na idade de transição a percepção, a memória, a atenção e a ação não


constituem um conjunto de funções depositadas em um recipiente com
água, nem uma série de processos isolados, se subordina a uma lei única
que procede da função central – a função da formação de conceitos
(VIGOTSKI, 1996, p. 166, tradução nossa).

Nesse sentido, as leis que regem o surgimento da atenção voluntária são as


mesmas do surgimento da memória lógica, pois, nessa idade de transição, a memória é
função do pensamento. Da mesma forma ocorre com a percepção, em que “[...] perceber
na idade de transição significa pensar em conceitos, sintetizar o concreto e o geral, A
percepção se converte em função do pensamento” (VIGOTSKI, 1996, p. 166, tradução
nossa).
Entende-se que todas as funções psicológicas superiores (imaginação, vontade,
percepção, memória lógica, atenção voluntária, pensamento) se modificam e se
reconstroem na adolescência sob a influência do pensamento por conceitos, ou melhor,
do pensamento teórico conforme Davídov (1988). Essa nova estrutura, conforme Vigotski
(1996), vai se constituindo e desenvolvendo a consciência, a personalidade e a concepção
de mundo dos adolescentes.
217

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Durante o cumprimento sistemático da atividade de estudo se desenvolvem nos


alunos, junto com a assimilação dos conhecimentos teóricos, a consciência e o
pensamento teórico” (DAVÍDOV, 1988, p. 176, tradução nossa). Esta citação representa
bem a essência e a motivação desta pesquisa, considerando-se especialmente o modo
como o ensino de Matemática está sendo organizado.
A Matemática escolar vai além de um conjunto de conteúdos a serem
apropriados pelos alunos, que, organizada adequadamente, permite uma formação com
alto nível de atividade mental. Contudo, o que se presencia é um ensino ancorado em uma
didática empírica, em que os conceitos matemáticos não são direcionados à formação do
pensamento teórico.
Diante do ensino da Matemática, fragmentado, mecanizado e empírico, e
considerando-se nossa experiência enquanto professora e pesquisadora é que surgiu a
necessidade de se compreender melhor como ocorre essa organização de ensino. Assim,
o objetivo da nossa pesquisa buscou analisar o processo de apropriação do conceito de
raiz quadrada exata por estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental, a partir de um
processo de ensino e aprendizagem fundamentada na teoria do ensino desenvolvimental.
Considerando-se ainda, as peculiaridades deste momento de vida dos estudantes, marcado
pela transição da atividade principal.
Nesse caminho, analisamos como a teoria histórico-cultural compreende a
educação escolar e o processo de desenvolvimento humano, destacando-se
principalmente a atividade de estudo e a atividade de comunicação íntima pessoal. Sendo
assim, focamos nosso olhar na teoria do ensino desenvolvimental e em seus
desdobramentos.
De acordo com Davídov (1988), o ensino organizado para a formação do
pensamento teórico é caracterizado por abstrações e generalizações substanciais, que
servem de procedimento para deduzir os fenômenos particulares e singulares de sua base
universal. Neste ínterim, na organização do experimento didático-formativo, buscamos a
análise do conteúdo para, posteriormente, elaborarmos as tarefas de estudo. Destacamos,
assim, que o aprofundamento nesses aportes teóricos foi substancial para investigarmos
a rede conceitual inserida no conceito de raiz quadrada exata e sua objetivação nas tarefas
de estudo fundamentadas em proposições davydovianas.
218

O intuito da análise do conteúdo foi investigar os aspectos lógico-históricos do


conceito, analisar a sua essência e compreender a rede conceitual e suas relações. Sendo
assim, a análise do conceito de raiz quadrada exata evidenciou, principalmente, uma
relação geral com os conceitos de número, agrupamento, adição, multiplicação e uma
relação particular com os conceitos de potenciação e área de um quadrado.
Feito isso, buscamos analisar a atividade de estudo para a assimilação e
aprendizagem desse conceito e o desenvolvimento do pensamento teórico pelos
estudantes. Nesse caminho, o plano de ensino envolveu oito tarefas de estudo que
buscaram apresentar esse movimento conceitual do geral ao particular, contemplando as
ações mentais de reflexão, análise e plano interior das ações, sistematizadas pelas
unidades conceituais de número, multiplicação, potenciação e raiz quadrada exata.
Segundo Davídov (1988) são essas ações mentais que revelam o desenvolvimento do
pensamento teórico e a formação da consciência.
Em nossas análises, buscamos um episódio de ensino para cada uma das tarefas
para compreender melhor os indícios de desenvolvimento e os saltos qualitativos da
atividade mental dos alunos em direção à formação do conceito de raiz quadrada exata.
No primeiro encontro, identificamos a situação de desenvolvimento escolar dos
alunos e o nível de conhecimentos prévios sobre a rede conceitual do conceito de raiz
quadrada exata em que se encontravam, na tentativa de situar a zona de desenvolvimento
próximo da turma. Para isso, realizamos um diálogo sobre as interações entre as formas
práticas, historicamente construídas sobre os números.
A situação social de desenvolvimento, como mostra Vigotski (1996), representa
o momento inicial para todas as mudanças que ocorrem no desenvolvimento, sendo que
essa relação com a realidade social é realizada por meio da atividade principal. Durante
esse diálogo inicial, a turma, no geral, mostrou conhecer diversos aspectos da pré-história
e da história dos números. Os estudantes foram acrescentando exemplos e contando
vivências de situações de seu cotidiano que envolviam números. Os questionamentos
realizados nesse diálogo indicaram uma transformação dos motivos e o surgimento de
necessidades para aprender novos conhecimentos sobre os números.
Após conversar com os alunos sobre a história da Matemática e como surgiram
os números, conduzimos o diálogo na direção de tentar levá-los à compreensão inicial de
que a Matemática é a síntese entre forma, número e grandeza. Essa conversa inicial
revelou que os alunos confundiam as grandezas com as suas respectivas unidades de
219

medida. Embora os alunos tenham demonstrado predomínio do pensamento empírico


sobre os conceitos de forma, número e grandeza, ressalta-se a importância dessa noção
conceitual para o desenvolvimento do sistema conceitual de raiz quadrada de números
quadrados perfeitos, uma vez que se trata de uma grandeza de área.
Em sequência, prosseguimos para o desenvolvimento da capacidade mental da
reflexão através da Tarefa 1, inserida na unidade conceitual de número. De acordo com
Davídov (1988), a tomada de consciência da ação ocorre mediante a reflexão, entendendo
que estas e outras ações mentais são desencadeadas quando a criança busca resolver uma
tarefa.
Logo no início, no agrupamento dos alunos para a realização da tarefa, ficou
evidente que os alunos não estavam acostumados a trabalhar em grupo, pois a organização
dos nove grupos demandou muito tempo, agitação e resistência dos alunos. Porém, no
ensino desenvolvimental, a atividade conjunta das crianças na resolução de uma tarefa
tem grande relevância no processo de assimilação dos conceitos e desenvolvimento do
pensamento teórico. Para Davídov e Márkova (2019b), a assimilação sempre ocorre em
atividade conjunta com outra pessoa.
Levando-se em conta que o conceito de multiplicação é essencial para a
compreensão de raiz quadrada exata, a realização da Tarefa 1 levou os estudantes à
compreensão do princípio multiplicativo, ou seja, quantas vezes uma unidade de medida
se repete. Possibilitou, também, que os alunos realizassem, principalmente, a primeira, a
segunda e a quinta ações de estudo propostas por Davídov (1988).
Outro aspecto importante que pudemos perceber esteve na concentração de
quase todos os alunos e a mobilização da atenção para resolverem o problema. Os
diálogos e as orientações que uns davam aos outros conduziam os demais à reflexão sobre
as ações necessárias para resolver o problema. Essa dinâmica de colaboração e diálogo
entre os componentes dos grupos foi fundamental para a resolução da primeira tarefa e
foi se revelando sempre muito importante no decorrer do experimento. Confirmou-se,
portanto, a tese do ensino desenvolvimental que, no trabalho colaborativo, o aluno atinge
níveis mais elevados na compreensão conceitual.
É importante ressaltar que, durante a realização dessa primeira tarefa, tanto na
resolução do problema quanto na ação de controle, os alunos buscavam constantemente
socializar com os colegas suas opiniões e conclusões e mostrar o que e como haviam feito
para solucionar o problema. Como afirma Elkonin (1961), a imagem que o adolescente
220

terá de si mesmo é firmada nas relações sociais que estabelece com os companheiros da
mesma idade. É no ambiente escolar e durante a realização da atividade de estudo que a
comunicação afetiva com os outros adolescentes vai paulatinamente se tornando a nova
atividade principal.
A Tarefa 1 envolveu significações aritméticas (10, 6), algébricas (G, A, H e B)
e geométricas (segmentos), e a reflexão sobre quantas vezes uma unidade de medida está
contida na grandeza conduziu os alunos a reproduzirem o modelo abstrato, universal, do
conceito teórico de número. Assim, no modelo G = 10A e H = 6B, encontrado nessa
𝐻
tarefa, os alunos puderam compreender que = 𝑛 → 𝐻 = 𝑛 ∙ 𝐵, onde H é a grandeza a
𝐵

ser medida, B a unidade de medida, e n o valor aritmético de H em relação a B. Ou seja,


n é a medida da grandeza H que, no caso específico da tarefa, podia variar de acordo com
a quantidade de passos caminhados. Deste modo, com os modelos que foram construídos
pelos estudantes para a resolução dessa tarefa, identificamos também indícios de
realização da segunda ação de estudo, a modelação da relação conceitual básica
identificada.
Dessa forma, a tarefa proposta e analisada no primeiro episódio explorou a
fórmula geral para o número, envolvendo a grandeza de comprimento, tendo o conceito
de multiplicação como parte do sistema conceitual de número, tal como abordado por
Davídov (1982, 1988). Desta forma, iniciou-se o processo de abstração substantiva. Sobre
o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, as que mais se destacaram foram
a cooperação, comunicação e a atenção.
Dando sequência, é importante lembrar que as Tarefas 2, 3 e 4 revelaram o
desenvolvimento da capacidade mental da análise substantiva. No entanto, a ação de
reflexão continuou a acontecer, sendo indispensável para a realização da generalização
do conceito. É importante, ainda, lembrar que essas tarefas integraram a unidade
conceitual de multiplicação.
Enquanto a Tarefa 1 utilizou-se da grandeza de comprimento para a obtenção da
expressão geral do número, revelando seu princípio multiplicativo, a Tarefa 2 valeu-se da
grandeza de área para a compreensão do conceito de multiplicação, o qual constitui a
essência conceitual do objeto de estudo de um caso particular de radiciação.
O segundo episódio, referente à Tarefa 2, foi colocada em manifesto a evolução
natural da adição. No início, alguns alunos mostraram a intenção de realizarem a
contagem aditiva para a obtenção do resultado final da operação. Não obstante, outros
221

alunos começaram a pensar em outra possibilidade de realizar esse procedimento,


representando essa soma por um determinado número de conjuntos de mesma quantidade
de elementos. Entendemos, assim, que esse episódio de ensino mostrou fortes indícios de
que, no final da tarefa, a maioria dos estudantes conseguiu compreender a multiplicação
por agrupamento, sendo possível perceber, nesse episódio, mais uma vez, que a ação de
análise depende da reflexão.
Ao compreender a multiplicação como uma soma de parcelas iguais, essa tarefa
possibilitou o desenvolvimento interligado entre as ações de estudo de transformação dos
dados da tarefa para revelar o núcleo do conceito, modelação da relação conceitual básica
identificada e transformação do modelo e análise das suas relações. O esquema de setas
representou também a modelação realizada.
Outro aspecto observado nesse episódio e que perdurou durante todo o
desenvolvimento do experimento, foi a necessidade de os alunos expressarem o que
pensavam a respeito da atividade, ficando implícita a relação intrínseca entre o
pensamento e a palavra. Nestes momentos, buscamos compreender o movimento do
pensamento, pois, embora a maioria dos grupos apresentasse compreender o movimento
da multiplicação na tarefa, apresentou dificuldades em expressar essa compreensão por
meio da linguagem escrita. Sobre isso, Luria (1991) mostra que a linguagem escrita requer
um alto grau de abstração, não sendo a linguagem apenas um meio de generalização, mas
a base do pensamento.
Assim, no geral, os grupos evidenciaram, em seus registros, compreender a
proposta da Tarefa 2, que, no nosso entendimento, desencadeou o desenvolvimento de
uma rede conceitual composta por contagem, adição, agrupamento e, claro,
multiplicação.
Prosseguindo, a Tarefa 3 possibilitou aperfeiçoar a operação da multiplicação
composta pelo esquema de setas e instigar a percepção do espaço geométrico existente na
multiplicação, pela malha quadriculada e reta numérica. O terceiro episódio, então, além
de avigorar a essência conceitual de multiplicação através de seu modelo pelo esquema
de setas, contribuiu também para a compreensão de sua propriedade comutativa. Assim,
o modelo (a x b = b x a) decorreu da generalização da relação entre as grandezas, em que
o movimento de reflexão e análise possibilitou maior capacidade para um pensamento
mais elaborado.
222

Complementando as tarefas anteriores, a Tarefa 4 contemplou duas superfícies


construídas pela mesma unidade de medida básica, mas com unidades intermediárias
diferentes. Desta forma, os alunos tiveram que determinar primeiramente a unidade de
medida intermediária, para depois verificarem quantas vezes ela se repetia.
Em se tratando das funções psicológicas superiores, esse quarto episódio foi
marcado por muitas intervenções dos alunos, evidenciando-se o domínio da própria
conduta, a mobilização da vontade e a antecipação dos objetivos das ações. Destaca-se,
ainda, o quanto a realização da tarefa de estudo mobilizou a atenção voluntária, tornando-
se condição fundamental para a análise e transformação dos dados da tarefa na busca de
sua solução. Sem dúvida, como coloca Vigotski (1996), a atenção voluntária é um fruto
avançado do desenvolvimento.
Também foi possível verificar, na resolução dessa tarefa de estudo, que a
percepção direta passou a depender de um pensamento mais organizado. Vigotski (1996)
entende que é desta forma que os processos do pensamento e da percepção se fundem,
intelectualizando a percepção e convertendo o pensamento em visual-direto. Deste modo,
quando os estudantes, por meio da percepção, vinculada ao pensamento verbal, atribuíram
sentido às repetições das unidades de medida básica nas superfícies com medidas A e M,
evidenciaram uma nova síntese do pensamento visual-direto.
Em outras palavras, esse pensamento permitiu o reconhecimento das unidades
de medida intermediária R e T implícitas, caracterizando o pensamento verbal dos
adolescentes na passagem do tipo de pensamento em complexos ao pensamento em
conceitos. Neste sentido, Vigotski (1996) mostra que o adolescente não se limita a tomar
consciência da realidade percebida, mas pensa em conceitos, permitindo que ele regule a
realidade visível pelos conceitos elaborados em seu pensamento, em que a imagem do
objeto reflete seus nexos, sua essência.
De forma similar às Tarefas 2 e 3, devido ao seu caráter complementar, a Tarefa
4 possibilitou o desenvolvimento interligado entre as três primeiras ações de estudo.
Neste contexto, a unidade básica, a unidade intermediária e o total de unidades básicas e
intermediárias foram modelados na forma objetal por meio da relação entre as áreas
representadas na malha quadriculada. Posteriormente, esses mesmos dados foram
modelados na gráfica por meio do esquema de setas e reta numérica, o que permitiu a
análise de suas relações.
223

Davídov (1988) explica que o plano interior das ações ou a planificação


substantiva consiste nas transformações mentais do objeto em estudo, desde a sua relação
geral às tarefas particulares. Destarte, consideramos o plano interior das ações como a
nossa última categoria de análise, inserindo nesta a unidade conceitual de potenciação e
a unidade conceitual de raiz quadrada exata.
Na unidade conceitual de potenciação, foram desenvolvidas as Tarefas 5 e 6.
Devido à intrínseca relação entre as operações de adição e multiplicação, no início do
desenvolvimento da Tarefa 5, apresentado pelo quinto episódio de ensino, alguns alunos
ainda expressaram o pensamento aditivo na multiplicação. No entanto, a cooperação entre
os colegas sobre a análise de seus erros conceituais se mostrou preponderante nesse
episódio.
Nesse sentido, acreditamos que, ao organizarmos as tarefas para que fossem
realizadas de forma colaborativa, possibilitamos a interação entre os alunos e a
interdependência de suas ações, potencializando a formação conceitual. Outro aspecto
observado foi que o trabalho colaborativo, de fato, mobiliza de maneira mais eficiente a
atenção voluntária.
A análise dessa tarefa conduziu os alunos à percepção da essência do conceito
de potenciação, já que, para a representação dessa sequência, foi necessário escrever cada
termo usando o três como único fator. Isso significou uma nova característica para a
multiplicação, principalmente em relação às tarefas anteriores, pois agora os fatores da
multiplicação são iguais.
Quando os alunos chegaram ao significado 0 enquanto expoente, ficou evidente
a elevação do pensamento do abstrato para o concreto pensado, o que desencadeou a
generalização da sequência dessa tarefa. O conceito de potenciação representou, assim,
um procedimento da dedução do singular a partir do universal, realizado na ascensão do
abstrato ao concreto.
Semelhantemente, a Tarefa 6 buscou utilizar potência de base diferente da
anterior, de forma a empregar a generalização conceitual de potenciação numa outra
tarefa particular. Logo, percebemos que, a cada nova base colocada para os alunos,
iniciava-se um processo de reflexão e análise das múltiplas relações existentes entre os
conceitos que se articulam à potenciação. No ensino desenvolvimental, isso indica a
capacidade de generalização conceitual, quando o estudante consegue aplicar a essência
do conceito em outras tarefas particulares.
224

Nessa unidade conceitual, a importância da imitação nos processos de


desenvolvimento dos conceitos científicos na escola, não como uma imitação mecânica e
sem sentido, mas no sentido em que defende Vigotski (1996), é uma imitação baseada na
compreensão da operação intelectual que se imita, realizada por meio da mediação do
professor.
Nesse processo de formação da generalização da forma escrita da potenciação,
observou-se que os alunos se utilizaram do procedimento da decomposição,
transformando cada termo em fatores iguais. Destarte, a sequência 30 , 31 , 32 , 33 , …
representou a síntese da Tarefa 5, e a sequência 40 , 41 , 42 , …, a síntese da Tarefa 6. Logo,
𝑎0 = 1, 𝑎1 = 𝑎, 𝑎2 = 𝑎 ∙ 𝑎, 𝑎3 = 𝑎 ∙ 𝑎 ∙ 𝑎 , … , 𝑎𝑛 = 𝑎 ∙ 𝑎 ∙ 𝑎 ∙ … ∙ 𝑎 (𝑛 𝑣𝑒𝑧𝑒𝑠). Assim,
os alunos contavam a quantidade de a fatores em cada termo, colocando-o como
expoente.
Na unidade conceitual de raiz quadrada exata, buscamos conduzir os alunos à
relação entre potenciação e radiciação como operações inversas. Para isso, os estudantes
construíram o objeto pedagógico geoplano. Constatamos que, nesse período de
desenvolvimento, o objeto pedagógico não confirmou de imediato o caráter visual
concreto do conceito, mas, ao contrário, colocou o estudante diante da necessidade de
abstrair mentalmente o conceito do material. Neste sentido, o geoplano não refletiu o
conceito, mas possibilitou a ação de reflexão do estudante.
É importante ressaltar que a utilização do geoplano possibilitou que os alunos
realizassem em conjunto as transformações necessárias para fazerem experimentos
mentais com esse material. Durante esse processo, foram surgindo novos elementos
conceituais, em que os alunos foram construindo modelos durante a manipulação do
geoplano. Neste momento, as ações coletivas que os estudantes realizaram na busca da
solução das tarefas possibilitaram saltos qualitativos do pensamento necessários para a
formação do conceito.
Consideramos muito importante também a motivação e o desejo dos alunos em
manusearem o geoplano para a mobilização da atenção voluntária para a realização das
tarefas. Nesta hora, foi visível que esse estímulo externo elevou a atenção dos estudantes
ao ponto de dominarem de forma voluntária o seu comportamento para a realização
consciente das tarefas. Mesmo entendendo as limitações conceituais estabelecidas por um
objeto pedagógico, foi possível identificar a importância que esses materiais ainda
desempenham no contexto escolar da pré-adolescência.
225

O sétimo episódio, referente à Tarefa 7, evidenciou claramente o movimento de


formação conceitual de potenciação à raiz quadrada exata. Podemos dizer que, submetido
a uma nova análise, o pensamento estabelece novas relações com os conceitos anteriores
em processo de síntese. Para os alunos, a multiplicação de fatores iguais estabelecida pela
potenciação é algo que estava no nível de desenvolvimento real, e o conceito de raiz
quadrada exata se encontrava na zona de desenvolvimento próximo.
Assim, conforme Chaiklin (2011), entendemos que um bom desempenho
acompanhado pelo professor pode ser usado como indicador de uma função psíquica em
maturação. De fato, a realidade objetiva dos alunos não dava elementos para operar
voluntariamente com essa particularidade do conceito, de forma que novas mediações e
intervenções foram sendo realizadas para alcançar o objetivo proposto.
Nesse movimento, os alunos chegaram à síntese de que a essência da raiz quadrada
é a relação da área do quadrado e o seu lado correspondente. Trata-se da abstração e
generalização da essência da raiz quadrada exata, representada e modelada na forma
geométrica. Dentro desse conceito, a multiplicação tem a característica singular de
envolver somente dois fatores iguais, representando o inverso da potenciação de um
número elevado a dois.
Para sintetizar o conceito de raiz quadrada exata, propomos a Tarefa 8, a qual se
constitui em um desafio para mobilizar a atenção dos alunos ao conceito em questão. Foi
um momento de intensa participação e interação, em que a discussão acabou se tornando
coletiva na busca de sua solução. Mais uma vez ficou evidente a importância da atividade
de comunicação íntima e pessoal nos estudantes do 6º ano, visto que “[...] sua diferença
com outras formas de interação, que têm lugar na colaboração de trabalho com os colegas,
consiste no fato de que seu conteúdo fundamental é o outro adolescente (ELKONIN,
2017, p. 166).
As tarefas propostas consistiram em representar o concreto em movimento, o
que, no nosso entendimento, permitiram que fossem descobertas as conexões internas do
sistema conceitual e as relações entre o universal e o particular no sistema de conceitos.
Enquanto a potenciação é uma multiplicação na qual todos os fatores são iguais,
a radiciação busca descobrir que fatores são esses, encontrando o resultado dessa
multiplicação.
Desse modo, a generalização da raiz quadrada consiste em identificar as inter-
relações entre o que há de universal para potenciação e radiciação, mas que, ao mesmo
226

tempo, é singular para a radiciação. Assim, a raiz quadrada é o inverso da potenciação de


um número elevado a 2. Em outras palavras, para o caso particular da raiz quadrada exata,
1
a base de expoente ½ equivale dizer que é a raiz quadrada, ou seja, 𝑎2 = √𝑎. Assim,
como conteúdo específico do conceito teórico, aparece a relação do universal e do
particular.
Diante do exposto, nosso experimento didático-formativo evidenciou que é muito
estreito e interessante o vínculo entre os diversos conceitos analisados. Deste modo,
primeiramente a essência do objeto é revelada e modelada, o que possibilita posteriores
transformações no objeto, formando, assim, um sistema de conceitos. Compreendendo-
se como cada conceito surge relacionado a outros, compondo o sistema conceitual,
buscamos revelar as conexões estreitas de raiz quadrada de números quadrados perfeitos
não só com a potenciação e multiplicação, como também contagem, agrupamento, adição,
entre outros conceitos.
A análise do experimento mostrou também a importância de a ação de controle
ser desenvolvida diretamente com os grupos e de forma coletiva. Essa esteve presente em
todas as unidades conceituais, buscando conduzir os alunos à análise do modo como
resolveram a tarefa, ou seja, à análise de suas próprias ações e operações.
Diante disso, ressalta-se que, mesmo os sujeitos da pesquisa se encontrando no
período da adolescência inicial, e ainda o conteúdo em questão ser orientado pelo
Currículo de Referência para se iniciar apenas no 7º ano do Ensino Fundamental, vários
alunos apresentaram indícios consistentes da necessidade do estudo para além da raiz
quadrada exata.
Verificamos que a educação escolar está ancorada na lógica formal, com um tipo
de organização de ensino que aborda os conceitos de forma superficial, a qual não supera
o pensamento empírico. Entendemos a importância desse pensamento no processo de
ensino e formação, principalmente no ensino de crianças; contudo, no período da
adolescência, o pensamento empírico deve ser posto como base para que surjam as
abstrações necessárias para o conhecimento teórico.
Ao contrário, buscamos apresentar que um ensino organizado na lógica dialética
avança muito mais, uma vez que a atividade do pensamento não ocorre no movimento de
um símbolo a outro, mas de um conceito a outro conceito, de modo mais profundo e
multilateral. A lógica dialética não se detém na linguagem, mas busca penetrar no próprio
processo de pensamento, ou seja, se a lógica formal se interessa nas fórmulas
227

matemáticas, a lógica dialética busca o conteúdo mental expresso nessas fórmulas e a sua
relação com a realidade.
Nesse sentido, ficou evidenciado, em nossa pesquisa, que as funções da atenção,
percepção, memória, vontade, pensamento, comunicação e cooperação se ligam a uma
formação nova sobre a base do pensamento em conceitos. Entendemos, como defende
Vigotski (1996), que a nova forma de pensamento que caracteriza o adolescente é a
formação de conceitos, dentro da unidade dialética da forma e do conteúdo no
desenvolvimento do pensamento. Logo, como as capacidades psíquicas estão objetivadas
na cultura em conteúdo e na forma, no processo de ensino e aprendizagem da Matemática,
não existe dom ou talento, e sim desenvolvimento.
Nesse caminho, aparecem novas formas no adolescente de operar com o
conteúdo, incorporando o abstrato ao pensamento, o que permite o domínio do
pensamento lógico. A partir da tese fundamental da teoria histórico-cultural de que o
ensino impulsiona o desenvolvimento e se realiza pelos conceitos científicos, buscamos
explicar a formação do pensamento teórico no contexto escolar na teoria do ensino
desenvolvimental.
Para isso, procuramos entender o sentido lógico e teórico dos processos e das
formas principais do pensamento: generalização, abstração e conceito. A abstração se
institui em um componente construtivo da atividade mental generalizadora, e da
combinação dos traços abstrato-genéricos se forma o conteúdo do conceito.
Ressalta-se, novamente, que, na adolescência, a generalização ocorre por meio
da análise mental e sistemática das relações e conexões com os objetos, possibilitando
explicar as diversas manifestações particulares. É nesse processo de análises mais
complexas que Davídov (1988) defende a formação do pensamento teórico, o qual
trabalha com conceitos.
Sendo assim, um aspecto importante evidenciado em nosso estudo é que se
devem considerar, na organização de ensino, as inter-relações necessárias entre o
pensamento empírico e o pensamento teórico. Neste caminho, o pensamento vai sempre
do abstrato ao concreto, possibilitando a compreensão da relação entre o conhecimento
lógico e o processo histórico numa lógica dialética.
Dessa forma, evidenciamos a importância de se compreender as características
do desenvolvimento dos alunos em seus períodos, pois estão intimamente condicionados
à atividade, ao ensino e à educação. Nesta abordagem, Davídov (2019d) defende que,
228

para ocorrer um bom ensino, é necessária a atividade de estudo, a qual apresenta as tarefas
e ações como conceitos básicos.
Destarte, é inescusável que o professor vá além de verbalizar o conhecimento,
pois precisa expressar esse conceito de atividade em termos de ações. O conteúdo da
atividade de estudo são os conhecimentos teóricos, o que determina o surgimento de
novas formações psicológicas e a assimilação dos modos de generalização da ação. Nesse
movimento, foi visível, durante o desenvolvimento das tarefas de estudo em nossa
pesquisa, a reprodução dessa ação, não de forma mecânica, pois cada ação com o
conteúdo exigia operações cada vez mais complexas.
Com isso, Davydov (1999) destaca duas condições para a organização do ensino:
a formação, nos alunos, da necessidade de aprender e a colocação de tarefas de estudo,
cuja solução exige dos alunos transformações mentais com o material a ser assimilado.
Assim, a resolução de uma tarefa de estudo é consequência da formação do modo
generalizado de ação.
Embora tenhamos consciência da limitação do experimento didático-formativo
em um período de tempo tão curto, este evidenciou que a atividade de estudo organizada
sobre a base de uma tarefa possibilita uma transformação nas ações mentais dos alunos.
Realmente a tarefa de estudo promoveu uma relação do sujeito com o objeto do
conhecimento, na medida em que ele se esforçou para a resolução da tarefa, o que revelou
a essência do conceito. A ação mental de transformar os dados da tarefa mostrou que os
motivos não conscientes se transformaram em motivos conscientes.
Outro aspecto importante que a pesquisa mostrou é que, durante o
desenvolvimento das tarefas do plano de ensino, a ação individual estava sempre
associada à ação coletiva. Quanto mais os conceitos se complexificavam, mais o trabalho
colaborativo se fortalecia. Isso nos leva a refletir sobre o modo como nossas salas de aulas
são organizadas, dispondo os alunos em fileiras na busca de controle e silêncio. Essa
disposição, de acordo com a nossa pesquisa, desfavorece tanto o trabalho coletivo e
colaborativo quanto a aquisição conceitual.
Realçamos também que o desenvolvimento das atividades de controle e
avaliação apresentaram indícios consistentes de que a maioria dos alunos formou o
pensamento teórico sobre o conceito de raiz quadrada exata. Além dos excelentes
resultados, verificados pela atividade avaliativa individual, as folhas de registro das
229

tarefas de estudo realizadas nos três primeiros momentos demonstraram um salto


qualitativo nas ações mentais dos sujeitos da pesquisa.
Percebemos que uma das principais dificuldades enfrentadas pelos professores
que optam por esse tipo de organização de ensino está em deixar os alunos construírem
seus próprios conhecimentos. A tendência dos professores, devido à nossa formação
inicial, é expor os conteúdos de forma linear e mecânica, firmada no método explicativo-
ilustrativo. Nesta perspectiva, o professor deve evitar fornecer respostas diretas,
entendendo o seu papel como organizador e mediador nesse processo de ensino
desenvolvente.
No entanto, frisamos que é necessário garantir condições objetivas para que os
professores consigam desenvolver um ensino desenvolvimental, como: liberdade para
organizar o seu ensino; escola estruturada com suporte físico e material para a realização
de atividades diversificadas; jornada de trabalho adequada; tempo disponível tanto para
o planejamento quanto para o desenvolvimento de atividades em conformidade com um
ensino desenvolvimental; formação inicial e continuada com qualidade, entre outras.
Porém, sabemos que, infelizmente, muitas vezes essas condições não dependem do
próprio professor.
Esse percurso apresentado em nossa investigação revela que não é qualquer
ensino que promove o desenvolvimento dos alunos. Existe uma teoria do ensino que
responde à possibilidade de ajudarmos as crianças a superarem o que chamamos de
dificuldades de aprendizagem da Matemática. Ressaltamos novamente que dificuldades
de aprendizagem possuem outra conotação, sendo de origem sociocultural, indicando
funções psicológicas superiores que ainda não amadureceram. Logo, a dificuldade é
inerente à ação mental, sendo até necessária para a formação do pensamento teórico.
Portanto, foi com essa perspectiva que buscamos analisar o processo de
desenvolvimento do ensino de Matemática, considerando-se a unidade entre ensino e
desenvolvimento. Nessa direção, defendemos que a teoria do ensino desenvolvimental
contribui para a formação do pensamento teórico dos alunos do 6º ano do Ensino
Fundamental, caracterizado por abstrações e generalizações substanciais. Estas
possibilitam compreender as relações intrínsecas de raiz quadrada de números quadrados
perfeitos com potenciação, multiplicação, contagem, agrupamento, adição, entre outros
conceitos.
230

As tarefas de estudo fundamentadas nas proposições davydovianas contribuíram


também para a transformação dos motivos e o surgimento da necessidade de aprender
novos conceitos, contemplando-se as ações mentais de reflexão, análise e plano interior
das ações. Isso possibilitou o desenvolvimento interligado das ações de estudo de
Davídov (1988). Outra contribuição importante da teoria do ensino desenvolvimental é
que esta impulsiona o trabalho colaborativo, o qual potencializou o desenvolvimento de
funções psicológicas superiores, como a atenção voluntária, a cooperação, a memória, a
percepção e o pensamento, evidenciando-se a comunicação íntima e pessoal como
atividade principal dos adolescentes. Diante disso, acreditamos que a proposição
davydoviana contribui para repensarmos a Educação Matemática brasileira.
Apesar da nossa intencionalidade, temos consciência das limitações do nosso
estudo. Como nos foram concedidas apenas duas semanas para a realização do
experimento didático-formativo, e entendendo a importância de se desenvolver a rede
conceitual para qualquer que seja o conteúdo, optamos pelo desenvolvimento de tarefas
que contemplassem a rede conceitual de raiz quadrada exata.
A intenção inicial era aprofundar mais no conceito de radiciação, porém, este
não consta no Currículo Referência para o 6º ano do Ensino Fundamental e, portanto,
limitamos o conteúdo ao conjunto dos números naturais. Contudo, durante o
desenvolvimento das tarefas de estudo, sentimos necessidade de termos avançado mais
sobre o conceito de raiz quadrada exata.
Sabemos que essa investigação foi insuficiente para revelar toda a complexidade
do fenômeno analisado, como também não é capaz de propor uma transformação real e
urgente para o ensino da Matemática. Todavia, podemos afirmar que esse trabalho trouxe
elementos que evidenciam a necessidade de buscarmos uma organização de ensino
articulada a princípios teóricos que promovam a aprendizagem e o desenvolvimento
integral dos alunos. Mesmo considerando as limitações e a singularidade do experimento
didático-formativo desenvolvido em nosso estudo, foi possível sentir o potencial
revolucionário de um ensino organizado na perspectiva davydoviana, que conduz à
formação do pensamento teórico.
É esse ensino potencial que acreditamos ter condições de minimizar o “fetiche
do número” existente no currículo e no ensino da Matemática, como também o
comportamento fetichizado tão comum no período de desenvolvimento da adolescência.
É por meio dos conceitos científicos que podemos atuar na realidade pela tomada de
231

consciência. A escola, neste sentido, é imprescindível para a formação das funções


psicológicas superiores e dos conceitos.
Diante do exposto, evidenciamos, assim, a importância do presente estudo para
a compreensão das peculiaridades dos estudantes do 6º ano do Ensino Fundamental,
momento da transição da atividade de estudo para a atividade de comunicação íntima
pessoal da adolescência, em que o adolescente se torna capaz de internalizar novas
normas e valores antes externos. Este, com a formação dos conceitos, possibilita a
autoconsciência e o desenvolvimento de suas próprias concepções, colocando-o como
agente de seu conhecimento. Daí surge a necessidade de se conhecer novas coisas e o
compartilhamento entre os amigos na defesa de suas opiniões.
Por fim, é imprescindível registrar o quanto essa pesquisa contribuiu para nossa
formação, principalmente no sentido de poder disseminar esse robusto aporte teórico pela
nossa prática enquanto formadora de professores. A educação brasileira urge por uma
organização de um ensino transformador e desenvolvente e, desta forma, mais do que
nunca, o término deste trabalho nos motiva a continuar em direção a esse objetivo.
232

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