Batuque Da Umbigada
Batuque Da Umbigada
Batuque Da Umbigada
O presente artigo tem como principal objetivo apresentar como essa manifestação
cultural ainda sobrevive e se apresente como símbolo da resistência negra, em meio a um
contexto de opressão por parte da cidade que ao longo de sua historia, deixou o batuque de
umbigada com um grau de invisibilidade.
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2 BATUQUE DE UMBIGADA
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único em que eles se tocam, um agradecimento ao dom da concepção, uma ação rápida e
mágica, materializada através da dança, explica Bastos.
As modas, canções do batuque, consistem em uma crônica cantada da comunidade
sua história passada e recente, seus valores morais, seu entorno social. Criadas no repente
ou buscadas nas tradições, elas tecem comentários acerca de pessoas e fatos conhecidos
pelo grupo, servindo-se de uma linguagem rica em metáforas:
“Salve a princesa Isabel, Salve a princesa Isabel
Ai que beleza
Nego comia no coxo, nego comia no coxo
Agora come na mesa
Já acabou a escravidão, já acabou a escravidão
Ai que beleza
Nego comia no coxo, nego comia no coxo
Agora come na mesa
Trabaia eu não eu não, Trabaia eu não eu não
Trabaio não tenho nada, só tenho calo na mão
O meu patrão ficou rico, e nói fiquemo na mão”
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3 UM POUCO DE CAPIVARI
Capivari que em tupi-guarani significa “Rio das Capivaras” fica situada a 136 Km
da capital paulista, à beira da Rodovia do Açúcar. A cidade teve sua origem ligada à
imigração de perseguidos políticos de Itu, por lutarem por independência do Brasil.
A região onde hoje está Capivari, recebeu seus primeiros visitantes no início do
XVIII. Nesse período , um grande número de aventureiros passou por ela para abreviar o
caminho até Cuiabá (Mato Grosso), em busca de ouro.
Por ser de difícil acesso, o lugar foi escolhido pelos governadores das Capitanias
Hereditárias para isolarem seus inimigos políticos. Longe dos centros urbanos, essas
pessoas sentiram a necessidade de procurar uma maneira de se proteger dessas perseguições
políticas. Para isso, passaram a montar acampamento às margens do “Rio das Capivaras” e
assim, buscavam locais com bom clima, topografia e água favoráveis para a sobrevivência.
No final do século XVIII, um grupo desses ituanos em fuga encontrou um local com
essas características e decidiu se estabelecer.
Assim começa a história da terra dos poetas.
Em 1785, instala-se a primeira venda ás margens do rio, conhecida como “Venda do
Chico”, pedido feito á Câmara de Itu. Outro fator que também atrai muitos moradores é a
religiosidade.
No ano de 1790, o povoado aparece nos censos realizados por Itu com uma
população flutuante. Na maioria, trabalhadores de empreiteiras que se mudam no final das
obras.Já em 1818, registram-se os nomes dos moradores, descrições como número de
escravos, quantidades e nomes de filhos.
Por Alvará de 10 de julho de 1832, é oficialmente denominada de Vila de São João
Batista de Capivari de Baixo. Assim, tem início o desenvolvimento econômico em
Capivari.
Predominam o açúcar, os cereais, o chá, o algodão e o café que contribuem para a
proliferação das fazendas.
Em 1832:
• população branca: 838 homens e 724 mulheres
• população escrava : 464 homens e 163 mulheres (negros naturais do país)
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• negros africanos: 1713 homens e 492 mulheres
• pardos: 15 homens e 11 mulheres
• negros libertos : 34 homens e 65 mulheres
• negros livres: 2 homens e 4 mulheres
• índios : 1 casal
Neste ano a população era de 4527 pessoas e 133 casas.Atualmente a cidade conta
com aproximadamente 43.779 habitantes.
Há na cidade dois patrimônios históricos que são de grande importância , nem tanto
pelo seu valor estimativo, mas um dentre inúmeros ícones que explicam qual o rumo
tomado pelo batuque de umbigada e conseqüentemente a população de negra de Capivari
nos dias atuais.
O primeiro monumento é o Prédio do Coleginho , ofertado a Capivari pelo Barão de
Almeida lima. A intenção desse colégio era ser usado na alfabetização dos escravos , porém
devido a pressões políticas o projeto não chegou a ser executado e em 1958 acabou
demolido. (ANEXO A)
O segundo é a Praça Dr. Cesário Motta. Protegido por grades de madeira, seu jardim
era freqüentado apenas pelos filhos de grande representantes da sociedade capivariana
(cafeicultores, políticos, fazendeiros) sendo a população negra proibida para transitar no
local. (ANEXO B)
É nesse campo repleto de empecilhos, impasses, que o batuque de umbigada e os
outros rituais negros se estabelecem :
“Tratava-se da cultura de uma população dominada e exilada. Ela teve de
conviver, portanto, com as exigências de submissão e de obediência ao
poder constituído, além das pressões de prestações de atos de verdade (que
representavam o caminho de ascensão e de integração à sociedade global),
cujos modelos estavam na religião (católica) dos dominantes. A
originalidade negra consiste em ter vivido uma estrutura dupla, em ter
jogado com as ambigüidades do poder e, assim, podido implantar
instituições paralelas.” (SODRÉ, 2005: p. 99).
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4 “BATUCANDO” CONCEITOS
O umbigo representa troca de energia, a primeira boca pela qual nos alimentamos
no ventre materno, apesar de conotações errôneas e graves, que acabam limitando a dança
em apenas um rito de imoralidade e sexualidade. Para contrariar esses conceitos redutores e
depreciativos, Dona Anicide Toledo, matriarca do batuque de umbigada em Capivari, diz:
“Irmão não pode dar umbigada em irmão, compadre com comadre não pode dançar,é falta de
respeito”.
A umbigada assim como a cultura negra no geral é circular. Não segue e foge do
sentido linear dos moldes de pensamento dominante:
“Nenhum discurso psicanalítico ou aparentado à metafísica pode
dar conta da “verdade” do ritual negro (por melhor que seja a
consciência dos psicólogos, dos antropólogos, dos sociólogos etc.),
simplesmente porque neles não existem conteúdos latentes ou
recalcados, não há nenhum ser, nenhuma palavra definitiva por
trás” (SODRÉ,2005: p.111) .
A aceitação por parte dos batuqueiros ocorre desde que se tenha uma postura
respeitosa e um verdadeiro e real interesse nos ensinamentos que são dispostos pelo grupo.
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E por último a própria prefeitura de Capivari que não cumpriu com a palavra de
organizar a celebridade, tornando o batuque de umbigada uma manifestação cada vez mais
invisível na cidade .
Marcelo, responsável pelo museu da cidade, desde pequeno freqüenta a casa e
acompanha o trabalho de Dona Anicide cita: “Antes eles faziam a celebração no clube
Juventus. Tinha todo um ritual, eles faziam uma canja no final. O antigo secretário dava um apoio,
mas agora (os batuqueiros), foram alvo de desvio”
Dona Anicide de maneira crítica confirma: “Todo ano tem, agora esse ano que trocou
de prefeito acabou. Eu quero falar pra ele: só fica na promessa é?”
O tom crítico de Dona Anicide se deve a questão da oralidade presente não só para
os batuqueiros, mas na cultura brasileira em sua totalidade.
A oralidade tem um valor muito forte.O falar vem carregado pela semântica de
responsabilidade e compromisso.
Em meio aos fatores históricos descritos no artigo aliado ao contexto opressor em
que o batuque conviveu desde sempre em Capivari, as inevitáveis perguntas são: Por que
essa cultura popular resiste?O batuque de umbigada pode acabar?
“O papel do “popular” na cultura popular é o de fixar a autenticidade das
formas populares, enraizando-as nas experiências das comunidades das
populares das quais elas retiram seu vigor e nos permitindo vê-las como
expressão de uma vida social subalterna específica, que resiste a ser
constantemente reformulada enquanto baixa e periférica” (HALL,
2003:p.341).
Dizer que essa cultura está entregue ao esquecimento, seria um tanto quanto
pessimista, visto que há na cultura popular certa tendência a mobilização dos grupos, ou
seja , constantemente ela é reinventada e transformada no seu espaço.
A umbigada assim como outros elementos da tradição negra no Brasil, sempre teve
que conviver com a voracidade dos dominantes.
Meci, filho do falecido Acácio Brás um dos batuqueiros de Capivari, relata que foi
criado no batuque, suas avós por parte de mãe eram batuqueiras e seu pai compositor das
canções (modas).
Dona Anicide ao ser questionada sobre o que o batuque representa em sua vida:
“Pra mim , recorda a tristeza do passado e o sofrimento dos escravos.
Primeiro Deus e Nossa Senhora, depois a umbigada. Tem gente que não
quer mas Deus quer.Eu não faço mal pra ninguém.Tenho o coração limpo,
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peço oração na igreja.Toda vez que eu abro a porta eu falo: Jesus vamo
comigo, porque os outros querem fazer maldade”.
O batuque resiste e permanece vivo devido a uma forte oralidade, tradição e herança
familiar, reforçado pelo papel protagonista pelo sujeito que o executa. A letra criada pela
Dona Anicide é uma confirmação dessa resistência cultural.
Na concepção estrutural de cultura de Thompson, as formas simbólicas , isto é,
ações, objetos e expressões significativas de vários tipos, dentro de um contexto e
processos historicamente específicos e socialmente estruturados dentro dos quais e por
meio dos quais, são produzidas, transmitidas e recebidas.
Mesmo diante do contexto opressor da cidade, os batuqueiros acabam criando lugar
de ambiência , devido à autonomia e a missão que essas pessoas exercem, resignificando o
espaço, transformando o batuque de umbigada como forma de resistência cultural e
identidade afirmativa dos batuqueiros em Capivari.
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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pode-se dizer que o batuque de umbigada transforma-se num símbolo muito além
da sua resistência cultural, exerce a função construtiva de identidade e resistência negra em
Capivari.
Em meio a ação opressora que reduz o batuque em objeto e sem qualquer grau
visibilidade na cidade, nota-se que na cultura popular há sempre uma figura fundamental,
como Dona Anicide, que exerce um papel de protagonista na preservação e transmissão dos
saberes e ensinamentos que organizam a vida social no âmbito dessa manifestação cultural
popular.
Após a observação, vivência e análise dos relatos, pode-se concluir que a
permanência e resistência do batuque está inteiramente ligada a fatores tradicionais:
transmissão por geração, herança familiar, ação protagonista dos batuqueiros que
resignificam o espaço por eles ocupado. Elementos que garantem a preservação do batuque
de umbigada em Capivari, aliados a identificação de ancestralidade africana,
espiritualidade, respeito e total devoção.
O batuque de umbigada, como a cultura africana em sua totalidade, procura
conservar suas raízes culturais, reflete o espírito de um povo e sempre será um dos
símbolos de sobrevivência em nosso país.
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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ANTONIO, M.M.; CHITOLINA, N.; SAMPAIO, T.M.V.; Relação das festas e danças de
batuque de umbigada na perpectiva do lazer e religião. São Paulo, 2008.
CAPIVARI, Prefeitura. São Paulo. 2009. Disponível em: http://
www.capivari.sp.gov.br/dadosgerais. Acesso em: 20 de agosto.2009.
______. Guia Histórico e Cultural. São Paulo. 2002
HALL, S. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. 1º. ed. Minas Gerais. Editora
UFMG, 2003.
LOPES, J.; MORATO, K.; Batuque de Umbigada. São Paulo.2008. Diponível em: http://
www.defesadastradicoes.blogspot.com. Acesso em: 17 de maio. 2009.
NOGUEIRA, C. S. Memória Familiar e Educação não-formal : Um olhar sobre a
(re) construção de identidades. São Paulo, 2009.
SODRÉ, M. A verdade seduzida: por um conceito de cultura no Brasil. 3º. ed. Rio de
Janeiro. Editora DP&A, 2005
TOLEDO, A., Entrevista com “Dona” Anicide. São Paulo. 15 julho 2009.
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ANEXO A
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ANEXO B
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ANEXO C
“Batuque”
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ANEXO D
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RELATÓRIO
Dia Evento
23/03 Definido o tema da pesquisa, iniciei meu trabalho de campo entrando em
contato com a secretária de cultura de Capivari.Por telefone conversei com a
atendente Adriana. Ela que passou o contato do Marcelo, funcionário da
biblioteca municipal e amigo de Dona Anicide de Toledo.
25/03 Fui a Capivari a procura do Marcelo, que me apresentou o museu da cidade,
contando um pouco da história, suas curiosidades.Após o almoço, fomos até a
secretária da cultura para conversar com o secretário Rogério.Neste dia não foi
possível a visita a casa de Dona Anicide, ela estava doente tinha consulta
médica.Combinamos que eu voltaria na semana seguinte.
05/04 Nesse dia mais uma vez não tive a oportunidade de conhecer a matriarca do
batuque da cidade, ela ainda estava doente .Mas viagem não foi perdida pois
nesse dia conheci o Meci filho do falecido batuqueiro Acácio Braz.Passei a
tarde conversando com o Meci e todo depoimento foi gravado.
14/04 Rosemeire, amiga do curso de gestão cultural, ao saber do tema do meu
trabalho, propôs uma visita a Junior do Peruche, participante do batuque há
algum tempo.
07/05 Fui até a casa do Junior do Peruche em São Paulo, onde passamos a dia todo
conversando e ouvindo muitos batuques e sambas.Combinamos de fazer uma
visita a Dona Anicide .
29/07 Por intermédio do Junior, entrei em contato com Vanderlei Bastos e Vandeco
de Piracicaba. Fui até lá e participei de uma apresentação no bairro Santa Rosa
. Além de documentar aquele momento através da câmera , dancei e toquei
todos os instrumentos que acompanham a umbigada.
15/08 Conforme combinado, Junior e fomos até Capivari. Através Marcelo fui até a
casa de Dona Anicide. Lá passei uma tarde agradável.No começo Dona
Anicide não queria muita conversa, ficou desconfiada. Depois de um tempo ela
fez uma oração,e cantou várias modas de batuque me entregou uma espécie de
óleo pra tirar as coisas ruins.Disse pra eu voltar a visita-lá mais vezes.
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Entrevista com Meci(Capivari)
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Entrevista com a Dona Anicide Toledo e Marcelo
Douglas: Fui até a biblioteca e assisti um vídeo que mostrava a cidade,mas falava pouco do
batuque
Anicide: Todo ano tem, agora esse ano que trocou de prefeito acabou. Eu quero falar pra
ele: só fica na promessa é?
Douglas: Dona Anicide gostaria que a senhora contasse um pouco da sua história na
umbigada...
Anicide: Nóis formava uma roda, via os batuqueiros mais véio, mas nunca dançava junto,
sempre apartado. Aí quando eu fiquei mais mocinha, entrava na roda. Era na terra não tinha
nada de barracão.
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