Uma Música Afro-Brasileira - o Samba
Uma Música Afro-Brasileira - o Samba
Uma Música Afro-Brasileira - o Samba
Resumo
Este artigo visa analisar a contribuio africana para a cultura
brasileira, especialmente no que diz respeito msica e a dana,
vistas como movimentos de resistncia e esperana e que ao longo
da histria brasileira foram duramente reprimidas pelas elites
dominantes, como por exemplo, o batuque. Esta represso pode ser
vista nos Cdigos de Postura da maioria dos municpios brasileiros.
Ele analisa especialmente uma dessas manifestaes culturais mais
importantes que o samba, que passou de um perodo de represso
quando era associado malandragem, pessoas desqualificadas
para outro perodo posterior, onde transformou-se e foi identificado
como smbolo de identidade quando foi associado ao trabalho- no
Governo de Getlio Vargas na dcada de 1930 e 1940 com
seus
Palavras-chave:
batuque,
samba,
identidade
nacional,
democracia racial.
2
ABSTRACT
Key
words:
Batuque,
samba,
national
identity,
racial democracy.
INTRODUO
3
etno-lingsticos bantos e sudaneses. Os bantos pertenciam a vrios
grupos da frica centro meridional especialmente Congo e Angola e
os sudaneses da frica Ocidental principalmente das regies da
Nigria e Benin. Segundo Ari Arajo:
culturas
sudanesas
(Iorubs,Gges,Fanti-
culturas
banto(Angola,
Moambique,
Congo).
expresso
msica
afro-brasileira
nos
remete
um
continente, a frica, que possui mais de dois mil povos, cada um com
suas particularidades lingsticas, culturais e organizacionais. Neste
continente por muito tempo seus habitantes foram caados e trazidos
na condio de escravos para o Brasil. Separados de suas famlias, de
seu povo, afastados de seus lugares de origem adaptaram-se a uma
nova lngua, novos territrios, novos costumes, novos estilos de vida.
Pretendemos ainda possibilitar uma reflexo da msica negra,
primeiro na frica e depois no Brasil, onde passou por momentos de
represso e perseguio at chegar condio de msica nacional,
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nas dcadas de 1930 a 1940, quando o samba foi apropriado pelo
Governo de Getlio Vargas com a finalidade de torn-lo smbolo
nacional.
mas
move
cabea,
pernas,
ombros,
etc.
Enquanto
os
5
msicos ocidentais herdaram uma longa tradio musical escrita,
separando a msica de seu contexto, j a msica africana:
(...) apresenta uma srie de associaes sociais e culturais, e
no pode ser abstrada de seu contexto. difcil dissociar o
impacto do som musical dos efeitos que essas associaes
produzem na emoo (...) certa vez mostrei a um grupo de
pastores que vivem junto aos lagos da regio ocidental de
Uganda uma gravao de cantos e recitativos picos de seu
povo, que se referiam vida de um de seus heris
legendrios. S dois ouvintes se emocionaram s lgrimas;
os demais permaneceram indiferentes, porque a msica
estava sendo tocada fora de seu contexto ritual.(MBABIKATANA, 1977, p.27).
6
mercadorias. Quanto melhor era a banda maior era o prestgio de seu
dono. Os servios das bandas eram oferecidos s igrejas, s
procisses, casamentos, aniversrios, entre outros eventos.
As Irmandades Negras tambm foram importantes elementos
da cultura afro-brasileira e surgiram nos meados do sculo XVII. Duas
Irmandades foram especialmente importantes: a Ordem de Nossa
Senhora do Rosrio dos Pretos e a Ordem de So Benedito. Foi uma
maneira
e tambm os dias
uma
profisso
com
prestgio.
Nas
horas
vagas
esses
7
abordaremos um dos gneros musicais mais conhecidos desta
contribuio: o samba2.
Outro aspecto importante que evidencia a presena africana em
nossa msica o uso dos instrumentos de percusso como
atabaques, cuca, maracas, agog, berimbau. No princpio eram
instrumentos
improvisados
simples,
com
os
quais
nossos
8
Os batuques, cantos, danas e tambores at os meados de
1814 eram considerados
9
se executar sem que fiquem deslocados os que a ele se
entregam. (SANTOS, 1997, p.17-18).
subrbios,
ajuntamento
para
batuques
sem
10
o sculo XIX havendo constantes proibies legais atualizadas a fim
de combat-los.
Assim como os batuques, os sambas eram qualificados como
refgio da peior gente (Silva, apud Santos 1997, p.22), sendo
relacionados a quem aderia malandragem, pessoas indecentes e
imorais, fanfarres e trapaceiros, que deveriam ser afastadas das
pessoas de bem.
Inicialmente os sambistas se reuniam na regio porturia do
Rio de Janeiro, conhecido como a Pequena frica, nesta regio
viviam
migrantes
vindos
da
Bahia,
na
maioria
negros,
que
trabalhavam no porto. Este espao era reduto das tias baianas, entre
elas Tia Ciata. Em sua casa se reunia trs universos musicais
diferentes: msica sagrada, tocada e cantada nos rituais de
candombl; encontro instrumental com flauta, violes e cavaquinho,
o chorinho e ainda a roda de samba. Neste contexto viveram msicos
como Donga, Pixinguinha, Joo da Baiana, entre outros.
A Pequena frica foi destruda no incio do sculo passado
dando espao urbanizao. As pessoas que ali viviam ficaram
desalojadas, indo ento para o subrbio e para os morros, onde o
samba continuou acontecendo. O que ainda dificultava o acesso e
principalmente a perseguio da polcia, pois os freqentadores das
rodas de samba eram tidos como marginais ou desocupados e
sofriam fortes represlias policiais.
O termo malandro ou malandragem foi uma caracterstica que
bem diferenciou os sambistas dos dez primeiros anos do sculo
passado e a gerao seguinte dos anos vinte. Os sambistas da
primeira gerao tinham formao tcnica e faziam composies
elaboradas sempre retratando em suas msicas motivos regionais em
letras ingnuas. Nesta fase o samba tinha um ritmo amaxixado, como
o caso samba Pelo Telefone.
J a gerao de sambistas surgido nos anos vinte do
sculo passado os quais compunha msicas baseadas na
intuio,
sem
aprimoramento
tcnico
de
forma
mais
11
rudimentar. As composies musicais se referiam a suas vidas
de periferia, favelados e marginalizados. Eram envolvidos com a
boemia, com a orgia e com a malandragem.
Foram os sambistas do Estcio, juntamente com os da
Cidade Nova, Sade, Morro da Favela, Gamboa, Catumbi,
etc., espaos onde a aglomerao de ex-escravos e seus
descendentes era abundante, que passaram a ostentar a
designao de malandros e a us-la como smbolo de um
novo jeito de compor e cantar o samba, com mais ginga e
flexibilidade, usando para isso a sncope (...) este samba
veiculando histrias sobre a malandragem e possuindo uma
cadncia prxima da ginga do andar do malandro, transita
na fronteira entre dois mundos: a cidade e o morro. (CUNHA,
2004, p.3).
As
camadas
populares,
principalmente
afro-descendentes
que
12
coragem e audcia. Era aquele que conseguia o desafio de transitar
entre o morro e o asfalto. Portanto o sucesso das msicas com
temticas da malandragem incomodava a elite.
DA REPRESSO SMBOLO NACIONAL
At os anos 30 do sculo passado, o samba era considerado
coisa de malandro e a polcia encarregava-se de baixar duras
represlias.
Como o samba conquistou o pas? Para podermos responder a
essa questo necessrio termos como pano de fundo a situao
poltica de Getlio Vargas. Em sua administrao Vargas procurou
projetar-se como um grande lder nacional e ao mesmo tempo visava
enaltecer o trabalho e ainda, segundo Vianna (2002, p.73) visava
integrao tnica, nome oficial para a miscigenao.
Essa transformao da cultura popular em smbolo nacional, ou
o nacionalismo, foi bem presente no Governo de Vargas a partir de
1930, quando buscava unir a populao em torno da idia de uma
identidade nica. Por essa razo foram trazidos da cultura popular
elementos que pudessem reforar o sentimento de brasilidade e ao
mesmo tempo enfraquecer os regionalismos, o que culminou com a
Constituio de 1937.
A busca de valorizao do trabalhador levou o governo ao uso
da rea cultural para concretizar seus interesses, fazendo com que
elementos da cultura popular como o carnaval, o futebol e o samba
passassem a ganhar status de cultura nacional. Manipulando esses
elementos populares, o Estado os transformou
smbolos da brasilidade, mito que lhe permitia
inclusive na cultura, com promessas de
em nacionais,
interferir em tudo,
um mundo grandioso e
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principalmente no caso do mestio, pois este modelo no combinava
com as exigncias do capitalismo. A msica que cultuasse a
malandragem precisava ser banida. O dialeto da malandragem era
visto como um atentado a lngua e as presses. O Estado tinha total
controle da msica popular e sobre toda manifestao a ela
relacionada. Segundo o jornalista Srgio Cabral :
(...) as brechas contra o DIP s iriam surgir com a entrada do
Brasil na guerra, quando, a pretexto de espinafrar os
nazistas, os compositores arranjavam um jeito de exaltar a
democracia. Mas outros compositores preferiram exaltar o
prprio Getlio. (CABRAL, apud PARANHOS, p.5).
errar/O
Bonde
operrio/Antigamente
de
eu
So
no
Janurio/Leva
tinha
mais
juzo/Mas
um
resolvi
14
radicalizao ideolgica,
15
compositores para atender a proposta do governo maquiavam as
letras de suas msicas e as revestiam de duplo sentido. Foi tambm
quando surgiu o samba exaltao, com letra ufanista e com
orquestramento que mostrava as belezas do Brasil. Uma das msicas
cones desse momento foi a Aquarela do Brasil de Ary Barroso.
Pode-se dizer que o samba passou por um branqueamento,
distanciando-se da cultura negra, vindo de encontro a outras etnias,
pois estava em voga a miscigenao ou o mito da trs raas, muito
proclamada por Gilberto Freire, na obra Casa Grande e Senzala.
Segundo Ortiz (2003, p.43) esse movimento no somente encobre os
conflitos raciais como possibilita a todos se reconhecerem como
nacionais. Sendo o samba promovido a um dos smbolos nacionais
ele distanciou-se da sua especificidade de origem tornando-se
nacional. Esse mecanismo visava encobrir os conflitos raciais e
difundir o mito da democracia racial, mas na verdade mascarava a
realidade vigente.
descaracterizao
das
importaes
ou
das
16
bens que integram o patrimnio histrico. (ORTIZ, 2003,
p.100)
CONCLUSO
A sociedade brasileira conhece a histria do negro no Brasil de
maneira muito superficial e simplista e at mesmo os duros anos de
escravido so vistos como uma coisa amena e naturalizada.
Buscando a europeizao de nossa cultura demos as costas a outras
culturas que estiveram presente em toda a trajetria da formao do
Brasil como nao, como por exemplo, as culturas da matriz africana.
Quando se fala em cultura negra, muito se remete somente ao
samba, feijoada, desprestigiando ou desconhecendo um leque
cultural muito mais amplo. O mito da democracia racial, ou seja, a
presumida convivncia harmoniosa entre as trs raas, defendida por
muitos intelectuais, levou a sociedade brasileira a apagar de sua
memria a contribuio do africano para a construo de nossa
histria e ainda procurou mascarar o racismo presente, aumentando
a eficincia dos mecanismos de dominao. Ao mesmo tempo o
sonho de uma nao branca, presente ainda hoje, revela a dificuldade
que tem o branco em aceitar o negro enquanto pessoa competente,
inteligente e confivel.
Negar a contribuio africana negar nossa histria. Neste
trabalho, devido a sua delimitao abordamos a msica e dana, mas
outros aspectos poderiam amplamente ser trabalhados como: a
literatura, a filosofia, a tecnologia, as artes, as religies entre tantos
outros temas.
17
A represso ao negro esteve presente em todos os aspectos,
porm, no que se refere a msica e a dana houve um extraordinrio
movimento nacional de repdio por parte da elite, tanto no perodo
colonial como ps-colonial, devido ao carter de inferioridade que lhe
fra atribudo.
aleatoriamente,
mas
atendendo
aos
interesses
como
extico,
que
manipulam
silenciam
outras
18
bem pertinente neste contexto a afirmao de Petronilha B.
Gonalves Silva:
deve haver o resgate das africanidades brasileiras. Ao dizer
africanidades brasileiras estamos nos referindo s razes da
cultura brasileira que tm origem africana. Dizendo de outra
forma estamos nos referindo ao modo de ser, de viver, de
organizar suas lutas, prprio dos negros brasileiros, e de outro
lado, s marcas da cultura africana que independentemente
da origem tnica de cada brasileiro fazem parte do seu dia-adia(...)estudar africanidades brasileiras significa estudar o jeito
de ver a vida, o mundo, o trabalho, de conviver, de lutar por
sua dignidade, prpria dos descendentes africanos(...)significa
conhecer e compreender os produtos dos trabalhos e da
criatividade dos africanos e de seus descendentes no Brasil e
de
situar
tais
produes
na
construo
da
sociedade
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