Cadernosresumosencontroarendt 2021
Cadernosresumosencontroarendt 2021
Cadernosresumosencontroarendt 2021
Trata-se de uma apresentação sucinta do evento em seu conjunto, sua organização e seus propósitos,
buscando evidenciar o significado da pergunta-tema do encontro a partir de uma análise sobre a
originalidade e a contemporaneidade do pensamento arendtiano, buscando mostrar de que modo a reflexão
arendtiana contribui expressivamente para analisarmos, em termos político-filosóficos, o significado do
mundo público em suas determinações democráticas essenciais e diagnosticarmos a alienação do mundo
comum e humano como a base sobre a qual se encontram assentadas não apenas a emergência da
destruição totalitária do mundo, mas também a hegemônica despolitização liberal e a aguda contração da
esfera política nas atuais democracias formais de massa e mercado.
ARENDT E OS LIMITES DO PERDÃO: O
IMPERDOÁVEL E O PERDÃO A SI MESMO
Prof. Dr. Adriano Correia
(UFG)
Em vários momentos de sua obra, mas principalmente em A condição humana, Arendt insiste na
extraordinária capacidade do perdão para redimir a fragilidade da irreversibilidade da ação ao desfazer suas
consequências, por assim dizer, e agir novamente onde o ressentimento parecia haver travado toda
possibilidade de iniciativa. Não obstante isto, ela insiste também em certos aspectos do perdão que indicam
seus limites, conectados diretamente aos limites dos poderes humanos para lidar com a contingência: o
perdão não é incondicional, na medida em que envolve arrependimento e um pedido de perdão; há o
imperdoável, o que ultrapassa a solidariedade humana com a não soberania dos agentes sobre suas ações
(os skandala); não é possível perdoar a si mesmo; não é possível perdoar o que não se pode punir; como uma
re-ação que conserva o caráter da ação, o perdão também está exposto às fragilidades da ação.
Examinaremos estes vários aspectos com um foco especial sobre o auto-perdão e as razões de seu rechaço
por Arendt.
FELICIDADE PÚBLICA E REDESCOBERTA DA AÇÃO
EM HANNAH ARENDT
Antônio Batista Fernandes
(Doutorando pela EFC e professor na Unicatólica de Quixadá)
O presente trabalho tem como objetivo discutir o conceito de felicidade pública no pensamento político de
Hannah Arendt, tendo como referência principal a obra On Revolution (1963) e o ensaio A ação e a busca da
felicidade (1962). Nossa pretensão, à luz do pensamento arendtiano, é refletir sobre a redescoberta da ação
política e da felicidade pública a partir do fenômeno revolucionário moderno, com ênfase na Revolução
Americana. Entendemos que tal experiência possibilitou o aparecimento de espaços de participação dos
sujeitos nos assuntos públicos, por meio da discussão, deliberação e tomada de decisões, criando assim um
ambiente genuinamente político que se caracteriza pela distinção e pela revelação do “quem” de cada
indivíduo. Por fim, acreditamos que essa análise nos confronta com os principais acontecimentos políticos
de nossos dias, possibilitando uma reflexão sobre “o que estamos fazendo” diante os ricos inerentes ao
esquecimento da política na atualidade.
O ESPÍRITO REVOLUCIONÁRIO PODE ILUMINAR O SÉCULO XXI?
REFLEXÕES A PARTIR DE HANNAH ARENDT
Profa. Dra. Maria Cristina Müller
(UEL)
O tema que proponho discutir refere-se ao espírito revolucionário apresentado por Hannah Arendt. O
problema que guia a reflexão pergunta se o que Hannah Arendt nomeia de espírito revolucionário, interesse
por conquista da liberdade pública, pode iluminar os tempos sombrios do século XXI. Objetiva-se analisar de
que modo o espírito dos primeiros revolucionários estava impregnado do interesse por conquistar a
liberdade pública e se esse interesse pode ser atualizado no século XXI. Hannah Arendt percebeu os
problemas, as perplexidades e as tendências mais ameaçadoras da vida política contemporânea; além disto,
criticou o mundo naquilo que ele apresentou como característico, homens e mulheres que, em geral,
encontram-se alienados, atomizado, massificados e, por isso, afastados da coisa pública. Mesmo que Arendt
tenha apresentado claramente os desafios dos tempos sombrios mostrou que há esperança de alguma
iluminação. Iluminação que provém da capacidade dos indivíduos empreenderem novas ações no mundo.
Esses lampejos que iluminam o mundo, segundo Arendt, concedem ao mesmo tempo a restauração da
dignidade da política. No século XXI muitos dos problemas elencados por Arendt na primeira e início da
segunda metade do século XX permanecem; entre eles destacam-se: o destino incerto dos milhões de
refugiados e deslocados; a atomização e alienação dos homens e mulheres que compõem a sociedade
ocidental; o racismo e a intolerância entre pessoas; o caráter apolítico das populações dos
Estados-Nacionais; as insuficiências dos Direitos Humanos; a banalidade do mal, o ódio e a violência que
levam a cenários devastadores; a mentira na política que destrói a possibilidade de alguma mudança
positiva e o interesse pela coisa pública. A partir da análise desses problemas que se conservam, percebe-se
que há duas perguntas de fundo que perpassa a presente pesquisa: de que modo, os escritos de Hannah
Arendt auxiliam o estabelecimento de uma perspectiva crítica a esses problemas que continuam a colonizar
a sociedade do século XXI; quais contribuições de Arendt ainda podem ser debatidas para iluminar o
presente? Infere-se que para isso podem se destacar: o respeito a pluralidade, a liberdade pública, a
capacidade de iniciar e construir o novo no mundo, a responsabilidade pessoal pelo espaço público e o
espírito revolucionário.
Deste modo, pode-se concluir que o espírito revolucionário, enquanto o interesse por conquistar a
liberdade pública, apresentar e construir o novo no mundo e o gosto pelo espaço político e pelo mundo
público traz alguma esperança para o século XXI. A pesquisa é bibliográfica, portanto, pesquisa básica;
destacam-se as análises dos livros de Hannah Arendt A Condição Humana, Da Revolução, Crises da República e
Ação e a Busca da Felicidade.
Richard Bernstein, em Why Read Hannah Arendt Now? (2018), destaca o crescente interesse pelos escritos
de Arendt e a relação produtiva que se insere entre sua asserção sobre os “tempos sombrios” e em como o
domínio público tem a capacidade de iluminar questões obscurecidas na Modernidade. Essa investigação
interpreta a maneira como Arendt se apropria da relação que se estabelece entre a ação política e um corpo
político estável e a forma como se constitui o questionamento sobre uma representação pública que
absorve as possíveis contradições entre um poder constituinte e um poder constituído. Os poderes
constituídos herdam os atos espontâneos das ações em que se revela uma tensão constitutiva. Essa tensão é
explicitada por meio de uma perspectiva política pós-fundacional; isto é, como algo que se inscreve entre
uma instituição política estável e uma dinâmica contingente de ação política. Esta abordagem permite uma
política pós-fundacional não expressa por meio da prescrição de um modelo político ideal, pois dinamiza a
ideia de espaço político para repensar e refundar as instituições políticas por meio de novas gramáticas.
PENSAR E AGIR EM UMA SITUAÇÃO-LIMITE: HANNAH ARENDT E A
PANDEMIA NO BRASIL
Dra. Adriana Novaes
(Pós-doutoranda pela USP)
Hannah Arendt se dispôs a compreender uma situação-limite, o fenômeno político inédito do totalitarismo,
cujos elementos ainda são identificáveis em nossa realidade, passadas duas décadas do século XXI.
Atualmente estamos diante de um duplo desafio, característico dessas situações. A moralidade passa a ter
um papel preponderante, na medida em que nas circunstâncias sem precedentes, não dispomos de
referências imediatas para responder aos vários questionamentos exigidos. Logo, passamos a examinar
alguns princípios orientadores da conduta que passam a ter validade política. Aqui temos o segundo desafio,
que é sustentar esses princípios na esfera política, institucional. Pelo contexto nos atravessar com dois
problemas – o político, anterior ao sanitário – temos uma tensão acerca do peso desses possíveis princípios
de moralidade. Antes da pandemia já enfrentávamos uma desorientação moral e política, um longo período
de distorções. Com a crise sanitária, enfrentamos um escancaramento de uma política de morticínio. Será
que a complexidade de nosso cenário, considerando o histórico enviesado de nossa política, nos joga em
uma crise crônica em relação à democracia e por isso estaremos sempre sob a ameaça da superficialidade,
ou seja, da banalidade dos mundos fictícios simplistas e palatáveis?
Neste texto, pretende-se desenvolver os elementos que compõem a crítica que Hannah Arendt apresenta
ao fim da entrevista concedida ao escritor alemão Adelbert Reif no verão de 1970 ao conceito de Estado e
governo moderno, e que não são desenvolvidos por Arendt nesse momento. Para tanto, inicialmente serão
expostas as críticas de Arendt ao esvaziamento do espaço público e a tentativa de resumir à participação
política ao processo eleitoral. Para contrapor-se a esses problemas inerentes ao conceito moderno de
Estado e governo, Hannah Arendt menciona, mesmo que ligeiramente a possibilidade de um
estado-conselho. Entretanto, nesse texto Arendt não explora esses conceitos e experiências, mas apenas os
relaciona com a necessidade de transformação do conceito moderno de Estado e governo, ou seja,
possibilita a percepção da atualidade de sua reflexão anterior. Diante disso a hipótese explorada neste texto
é a de que essa entrevista de 1970 serve de chave de leitura para compreender a pertinência e atualidade
do paralelo partidos x conselho desenvolvidos pela autora em Sobre a Revolução em 1963 e acrescenta um
elemento novo, a saber, o tema da necessidade de institucionalizar uma experiência esquecida: os
conselhos.
A distinção entre o social e o político, apresentada de forma rigorosa em A condição humana, deu ensejo a
críticas contundentes ao pensamento de Arendt. Minha intenção não é retomar essa polêmica, mas lembrar
que ela eclipsou as importantes considerações de Arendt sobre a sociedade: a crítica do social não pode ser
confundida com uma crítica da sociedade. Vale lembrar que Arendt, especialmente em seus trabalhos mais
maduros, identifica nas "formas de associação" a manifestação da capacidade humana de agir em concerto.
Nesse sentido, a societas não é o lugar da conformidade às regras de conduta, mas corresponde aos laços
que nos unem quando agimos no espaço público.
TRADIÇÃO E EDUCAÇÃO À LUZ DE UMA FENOMENOLOGIA DO TEMPO
HISTÓRICO
Prof. Dr. José Sérgio Fonseca Carvalho
(USP)
Em seu ensaio sobre A Crise na Educação, Arendt afirma que o problema da educação no mundo moderno
reside no fato de que esta não pode abrir mão da tradição e da autoridade e, no entanto, encontra-se
obrigada a caminhar em um mundo que não é estruturado pela autoridade nem mantido coeso pela
tradição. Daí a importância de se debruçar sobre as tensões acerca do conflito, marcante no mundo
contemporâneo, entre as diferentes tradições que coexistem no seio de uma mesma sociedade e suas lutas
por reconhecimento e legitimidade. Em nossa intervenção procuraremos discutir essas tensões à luz da
fenomenologia do tempo histórico de Paul Ricoeur.
A MODERNIDADE E O LUGAR DA NATUREZA NOS ASSUNTOS HUMANOS:
UMA LEITURA ARENDTIANA
Prof. Dr. João Batista Farias Junior
(IFPI)
Em sua obra “A Condição Humana” Hannah Arendt apresentou uma rica reflexão a respeito de algumas
atividades humanas (trabalho, fabricação e ação) mostrando como estas foram compreendidas ao longo da
história de nossa tradição. Quanto a isso, a modernidade representou um importante marco devido às suas
inúmeras e radicais transformações, recebendo especial atenção de Arendt. Nosso objetivo principal é
analisar essa crítica de Arendt à modernidade a fim de compreendermos qual lugar foi reservado à natureza
e à vida desde então. A sociedade de trabalhadores, redução moderna do homem a sua capacidade
laborativa que encontra incentivo tanto nas democracias liberais como nos estados de matriz socialista, age
ferozmente na compactação do espaço político. Aliado a isso, vimos o surgimento de técnicas capazes de
manipular a natureza e administrar o curso da própria vida, bem como o advento de aparatos tecnológicos
capazes de aniquilar milhões de seres em questão de segundos, algo que ressalta o fato de que a natureza
não havia sido considerada em nossas questões morais e políticas até os eventos modernos. Assim,
compreender de que forma a modernidade afetou o mundo em que habitamos e a Terra em que vivemos
torna-se tarefa de singular importância para avaliarmos que lugar ainda resta para essas questões em nosso
tempo.
Em 1972, por ocasião de um congresso sobre a sua obra, Hannah Arendt afirmou que o exercício de contar
uma história (story) se constitui como uma forma de pensamento por configurar a história, dando-lhe forma.
Diante do fato de que a narração (storytelling) ocupa na obra de Arendt uma posição não apenas relevante,
mas peculiar, meu propósito neste trabalho consiste em ressaltar e discutir o papel do narrar,
desenvolvendo-o a partir de sua relação com o julgar. Para tanto, considero o seu exercício em Eichmann em
Jerusalém (1963), obra na qual a filósofa, preocupada com a narração da experiência do julgamento de Adolf
Eichmann na Corte em Jerusalém, vale dizer, com o relato dessa experiência, demonstra a centralidade do
narrar para a manifestação do juízo. Daqui, questiono então em que medida a configuração “formal” da
experiência envolvida na atividade de contar uma história pode constituir um importante caminho para
elucidar a compreensão das relações entre as atividades da vida ativa e aquelas da vida do espírito,
dando-nos pistas para compreender a modulação das posições que atores e espectadores desempenham no
seu pensamento.
A POLIS GREGA E A RES PUBLICA ROMANA NO PENSAMENTO POLÍTICO
ARENDTIANO: UM PARADIGMA?
Natália Tavares Campos
(Doutoranda pela UFMG)
O objetivo da comunicação que desejo apresentar consiste em examinar a análise da cidade-estado grega e
da res publica romana que Hannah Arendt nos apresenta ao longo de sua obra, investigando – e desafiando –,
mais especificamente, a interpretação segundo a qual a categoria de “paradigma” se constituiria como a
categoria mais adequada para lermos e compreendermos o pensamento arendtiano acerca da Antiguidade
greco-romana. Pretendo, neste quadro, levantar e examinar a hipótese de que as reiteradas e incansáveis
referências de Arendt a estas cidades, a estas comunidades políticas – longe de tomá-las como uma espécie
de modelo ou “padrão” a ser aplicado – visam, sobretudo, uma experiência, um fenômeno. A experiência da
ação política, da própria fundação de instituições e corpos políticos, ou ainda, o fenômeno político
propriamente dito. Uma experiência tão dotada de profundidade quanto carente – em certos momentos da
história – de uma linguagem própria, capaz de articular, de deixar ver ou entrever seu sentido, seu
significado. Um fenômeno que, como tal, poderia aparecer e se manifestar de diferentes “formas”, em
diferentes tempos e espaços, sem se deixar restringir, por conseguinte, ao tempo e espaço próprios à polis
grega ou a res publica romana.
No texto “Responsabilidade pessoal sob a ditadura”, Hannah Arendt contesta a noção corrente de que a
obediência é uma virtude política de primeira ordem, na ausência da qual nenhum corpo político poderia
assegurar a sua permanência. Para a autora, a palavra “obediência” deveria ser eliminada do vocabulário
político por constituir uma falácia. Todos os governos, inclusive os mais tirânicos, segundo Arendt,
baseiam-se em alguma forma de consentimento, e essa falácia consiste em querer igualar o consentimento à
obediência. Já em “Desobediência civil”, a autora observa que o consentimento implica o dissentimento, e a
dissidência é uma forma legítima de resistência popular a governos que, por seu turno, perdem legitimidade
ao se tornarem opressores. O propósito deste texto é estabelecer um diálogo entre as reflexões de Arendt
sobre obediência, consentimento e dissidência com as análises do filósofo francês Frédéric Gros sobre o
conflito entre obedecer e desobedecer no seu livro Desobediência, em que ele demonstra uma afinidade
muito grande com Arendt ao pensar a dissidência cívica como um ato de responsabilidade pelo mundo. Na
última parte do texto, será analisado o papel do escritor Émile Zola, no momento em que escreve o libelo
“J’Accuse”, sobre o affaire Dreyfus, como exemplo de dissidência cívica e resistência ética.
Para Hannah Arendt, na modernidade ocorreu uma substituição do governo – entendido como poder
comum organizado – e da ação política pela administração. E, segundo a autora, a administração cresceu
intimamente relacionada com a violência. Em suas palavras, “[…] quanto maior é a burocratização da vida
pública, maior será a atração pela violência” (Sobre a Violência, p. 101). No século XX, enquanto nas
questões de relações internacionais o uso da violência e a guerra se tornaram incertas e arriscadas em razão
do surgimento de armas de destruição em massa, o uso da violência adquiriu reputação e apelo em questões
domésticas, notadamente, como técnicas de controle social e obediência. Neste trabalho proponho discutir
qual a relação entre violência e administração, explorando, particularmente, a figura do funcionário da
violência (Origens do Totalitarismo, p. 167). O funcionário da violência se comporta como se o uso da força
fosse a essência, o motor e o alimento da política, além disso, estabelece uma relação entre acumulação e
poder (concebido como força). Isto é, para esta figura, poder gera poder e dinheiro gera dinheiro. Nesse
sentido, o funcionário da violência é chave para compreender a costura entre acumulação de capital,
administração e violência dentro da comunidade política.
A MORTE COMO EXPERIÊNCIA ANTIPOLÍTICA: UMA ANÁLISE DO CONTEXTO
POLÍTICO BRASILEIRO
Aline Soares Lopes
(Doutoranda pela UEPG)
No início do capítulo treze da obra The Origins of Totalitarianism Hannah Arendt nos apresenta uma
instigante assertiva: “pode ser que os verdadeiros dilemas de nosso tempo somente venham a assumir a sua
forma autêntica – embora não necessariamente a mais cruel – apenas quando o totalitarismo tiver se
tornado uma coisa do passado” (p. 460). Tendo como fio condutor essa assertiva, podemos dizer que o findar
do regime político sem precedentes na história da humanidade, que assim é descrito devido ao seu intuito
em alcançar um domínio total: o controle dos homens em âmbito privado e público, não deve ser tomado
com alívio, mas com precaução. Esta precaução é fomentada pelo seguinte cenário: o totalitarismo deve ser
compreendido como um regime político que exacerbou os autênticos dilemas de nosso tempo, no qual
somos confrontados com sociedades constituídas por sujeitos atomizados, sem interesses coletivos, o que
faz com que as esferas públicas sofram com o processo de desertificação e o sentido da política seja
escamoteado. O objetivo de nossa pesquisa é tomar as reflexões arendtianas como uma bússola a nos
(re)orientar diante dos dilemas de nosso tempo, que ainda nos desafiam, uma vez que vivemos em
sociedades protototalitárias, para que, a partir do exercício da compreensão, possamos nos reconciliar com
nossa realidade.
En esta presentación nos interesa el problema que plantea Hannah Arendt en el Prefacio de Hombres en
tiempos de oscuridad: la relación entre la luz y la oscuridad del ámbito político y los efectos perniciosos de lo
que la autora refiere como “lagunas de credibilidad” (credibility gaps). En base a esta última cuestión
estableceremos las reflexiones sobre nuestro presente.
Nesta apresentação estamos interessados no problema que Hannah Arendt coloca no Prefácio dos Homens
em tempos sombrios: a relação entre a luz e a oscuridade da esfera política e os efeitos perniciosos do que o
autora chama de "fossos de credibilidade" (credibility gaps). Com base nesta última pergunta,
estabeleceremos as reflexões sobre o nosso presente.
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA “TECNIFICAÇÃO DA EXISTÊNCIA”
[TECHNISIERUNG DES DASEINS] NO PENSAMENTO DE HANNAH ARENDT
Lara Emanuele da Luz
(Doutoranda pela PUCPR)
A questão da técnica está implícita no pensamento de Hannah Arendt, sobretudo em A Condição Humana.
Segundo ela, a técnica moderna inicia no século XVII, e se desenvolve em tecnologia, até a atualidade.
Arendt utiliza o termo técnica, ao designar a dinamização desta, em quatro passos, em Denktagebuch, no ano
de 1954. Quatro anos depois, em 1958, em A Condição Humana, ela aborda os três passos da tecnologia,
utilizando-se de dois já contidos em 1954. É possível observar que ela passa a usar o termo tecnologia para
designar a técnica no século XX, e a continuação da mesma. Apesar da autora nunca ter criado uma filosofia
da técnica, isto torna-se significativo na medida em que Arendt, ainda em julho de 1954, escreve em seu
diário Denktagebuch, o termo “tecnificação da existência”, o qual ela mesma não define. Porém, tomamos a
liberdade de o caracterizá-lo como um domínio da técnica e da tecnologia sobre o homem, provocando o fim
da política. Nestes termos, o que ocorre então é que o homem de ação vai se “esgotando’, na medida em que
este é sujeitado pela tecnologia, deixando de lado seu ímpeto fundamental, que seria a política, onde o
homem se realiza.
Nossa hipótese é que o Republicanismo se configura como uma importante chave hermenêutica para a
compreensão de um conjunto de temas abordados por Arendt. O que pode ser confirmado pelo diálogo
profícuo que a autora estabelece com a tradição republicana, e pela recuperação de problemas próprios a
essa tradição, a exemplo de vita activa, liberdade política, constituição, lei, fundação, felicidade pública e
república. O objetivo de nossa comunicação é situarmos como cada um desses elementos foi pensado no
contexto do Republicanismo clássico, e como Hannah Arendt, a partir do processo de solapamento da
política na modernidade e da perda radical do sentido da política após o advento dos regimes totalitários, os
recupera.
O presente artigo é uma reflexão sobre a atualidade do conceito de felicidade pública em Hannah Arendt. A
própria terminologia por si só é controversa quando se parte das categorias do pensamento político,
influenciado desde Platão que propõe que o fim último da política e da ação está além do domínio público. A
questão deste trabalho é: qual o significado de felicidade pública para a autora? Em seguida, reflete-se sobre
a atualidade deste conceito. Arendt se vale das noções da Revolução Americana e de seus pensadores que
se preocupavam em tornar todos os homens participantes do governo comum, participantes da gestão
pública e do poder público. Desse modo, busca-se reconstruir o pensamento da filósofa a fim de se
compreender a noção de felicidade pública e o interesse atual dessa felicidade para a comunidade política.
Para tanto, foi feita uma pesquisa teórica, pela revisão bibliográfica das obras de Arendt, especialmente
Ação e a busca da felicidade e Sobre a revolução, e de seus comentadores, para ao final se depreender que a
noção de felicidade pública proposta por Arendt se trata da felicidade da participação das questões
políticas, da liberdade pública do agir em conjunto e a sua atualidade está em destacar que política é uma
dinâmica de ações horizontais ante o encontro com os outros.
Em A vida do espírito, Hannah Arendt endossa o fim da metafísica pelo desmantelamento das falácias que
conformaram a tradição do pensamento ocidental. Segundo a própria autora, a mais “razoável” delas, a
teoria dos dois mundos, não seria arbitrária ou acidental, pois mesmo diante da primazia da aparência,
existem experiências não aparentes, invisíveis, que configuram as atividades do próprio espírito -
pensamento, volição e julgamento. Tais atividades resultariam, deste modo, da nossa retirada do mundo das
aparências. Esta premissa do próprio conceito de espírito (mind) traz para Arendt a tarefa de estabelecer a
experiência de expressão deste invisível no mundo de aparências, assim como a experiência inversa. Sua
solução, porém, revela um abismo entre pensamento e aparência, bem como uma ligação precária entre o
visível ao invisível com seu recurso ao caráter metafórico e poético da linguagem. No centro dos problemas
que buscaremos explorar está a possível limitação que esta relação entre o visível e o invisível impõe à
pretensão arendtiana de superar as falácias metafísicas da tradição.
O LUGAR DA PROPAGANDA NO MOVIMENTO TOTALITÁRIO NAZISTA À LUZ
DO PENSAMENTO DE HANNAH ARENDT
Prof. Dr. José Luiz de Oliveira
(UFSJ)
Para Hannah Arendt há distinção entre movimento totalitário e domínio totalitário. O movimento
totalitário na busca do domínio total recorre ao instrumento da propaganda. Dessa maneira, a propaganda
passa a ser um tipo de “guerra psicológica” utilizada para preparar o caminho da implantação do terror que
alimenta o domínio totalitário. A utilização da propaganda ocorre por meio da tarefa de implantar o
cientificismo ideológico e o uso da técnica de afirmações proféticas. Assim, cabe à propaganda totalitária
aperfeiçoar tais técnicas voltadas para o convencimento das massas no sentido de isolá-las do mundo real.
No caso do nazismo, a propaganda conquistou a eficácia de implantar a ficção de que havia uma conspiração
judaica de caráter mundial. Portanto, os agentes do nazismo usaram os “Protocolos dos sábios de Sião”
alertando as massas para os perigos do domínio judaico em todo o mundo, uma vez que se difundia que o
Protocolo objetivava uma conspiração global. Baseando-se na divulgação dessa teoria conspiratória, os
nazistas passaram a agir como se o mundo fosse dominado pelos judeus, e por essa razão, salientava-se que
era preciso uma contraconspiração para poder se defender.
No contexto da indagação, “Por que ler Arendt Hoje?”, o texto se propõe percorrer os riscos que o uso
instrumental da mentira, nos diversos arranjos modernos e contemporâneos, trazem para a política. Para
Arendt, a mentira é uma forma de ação, ela pode alterar a ordem das coisas, mas quando a mentira coloca
em risco a realidade, ou quando se perde a fronteira entre ela e a verdade, a política parece estar em risco.
As análises que Arendt faz sobre os lugares que a mentira ocupou em algumas situações políticas do século
XX, bem como suas digressões filosóficas, numa retomada, dentro da tradição, da relação entre verdade e
política, sinalizam para uma espécie de sentido de testemunhar a verdade em nosso tempo. Enfim, esse é o
tom do texto, uma aproximação junto ao argumento de Arendt sobre as relações verdade, mentira e política,
para através deles lançar luzes sobre as sombras dos nossos dias.
MANIPULAÇÃO DO FATO E DA OPINIÃO COMO INSTRUMENTO DE REESCRITA
DA HISTÓRIA NA POLÍTICA DOS GOVERNOS TOTALITÁRIOS
Profa. Dra. Alexandrina Paiva da Rocha
(IFSP)
Jerome Kohn em sua introdução em A Promessa da Política descreve Arendt como uma filósofa que realiza
exercícios de pensamentos a partir de análises filosóficas dos eventos das experiências políticas de sua
época, seguindo essa linha de pensamento podemos considerá-la como uma filósofa do evento, material
para o seu método hermenêutico de compreensão do totalitarismo relacionando teoria e prática como eixo
central de suas obras. E ao tratar dos eventos de sua época, nossa autora, no capítulo “Verdade e Política”, da
obra Entre o Passado e o Futuro observa que na realização da política a partir da verdade de fatos distintos
das opiniões há um gap preenchido pelas formas que a mentira podem assumir que podem consideradas
como formas de ação assim como a verdade fatual. Assim, nossa autora nos chama atenção para o fenômeno
da manipulação de massa do fato e da opinião que tornou-se um instrumento eficiente de reescrita da
história na política dos governos totalitários, em outras palavras a mentira organizada moderna se mostra
diferente da mentira política tradicional uma vez que a palavra chave não é mais ocultação mas destruição.
Infelizmente, essa narrativa política arendtiana não é uma obra de ficção, qualquer semelhança com nomes,
pessoas, fatos ou situações da vida real não é uma mera coincidência.
NOTAS SOBRE A RELAÇÃO ENTRE VERDADE E POLÍTICA
Há, muito possivelmente, diferentes razões para ler os escritos de Arendt na atualidade. A experiência do
fenômeno totalitário assinala notadamente o pensamento arendtiano do político. A autora apontou que o
sistema totalitário institui um mundo de não-sentido ao desmantelar a condição que permite a manifestação
do sentido no mundo. O caminho seguido pela reflexão arendtiana, acerca do fenômeno totalitário, revelou
que não existem limites às deformações da natureza humana e que o arranjo burocrático de massas,
alicerçado no terror e na ideologia, criou novas formas de governo e dominação. Partindo da exigência
política do cuidado com o mundo para que eventos como o totalitarismo não se repitam, trataremos nessa
comunicação, da revisão de conceitos presentes na relação entre verdade e política.
DA INCAPACIDADE DE PENSAR POLITICAMENTE: EICHMANN E HEIDEGGER
O fenômeno do apoio maciço da população e da maior parte dos intelectuais ao projeto nazista constitui
uma questão bastante relevante na obra de Arendt. O propósito de nosso trabalho é apresentar, em linhas
gerais, algumas considerações feitas pela autora sobre a participação de Adolf Eichmann e de Martin
Heidegger nesse projeto totalitário. Para essa abordagem recorremos a Richard Wolin e Richard Bernstein,
que em suas críticas, apontam para a postura relutante de Arendt em fazer uma reflexão mais dura quando
trata da adesão de Heidegger ao nazismo. Essa posição parece recorrente entre os críticos de Arendt que
não levam em consideração um aspecto muito importante da questão: Arendt não assume o papel de juíza,
nem com relação a Eichmann e nem com relação a Heidegger. A autora não tem dúvidas quanto a
necessidade de se fazer um julgamento desse ou daquele comportamento individual, mas insiste que o mais
importante é atentar para o quanto esses exemplos podem nos ensinar sobre os perigos de um pensamento
domesticado.
CARTAS COMO FONTES DE SUBJETIVIDADE: HANNAH ARENDT E WALTER
BENJAMIN
Profa. Dra. Maria Francisca Pinheiro Coelho
(UnB)
O trabalho aborda a correspondência entre Hannah Arendt e Walter Benjamin, publicada no livro Arendt
und Benjamin, de Detlev Schöttker e Erdmut Wizisla, 2006. As cartas correspondem ao período que
conviveram em Paris, como filósofos, judeus, exilados, entre 1936 a 1940. Nesse período, Arendt
acompanhou de perto a produção intelectual de Benjamin e seus problemas financeiros. A interlocução
quase diária entre os dois filósofos a tornaram uma intérprete particular da sua obra, revelada no impacto
de seu ensaio biográfico Walter Benjamin (1892-1940), 1968, que contribuiu para o campo de pesquisa
sobre a obra benjaminiana. Arendt assumiu uma perspectiva crítica distinta das enfatizadas pelo Instituto
de Pesquisa Social e responsáveis pelo espólio literário de Benjamin: Theodor W. Adorno, com o enfoque
filosófico, e Gershom Scholem, o sionista. As relações entre Arendt e Scholem, correspondentes de longa
data, mudaram depois do suicídio de Walter Benjamin e do livro de Arendt Eichmann in Jerusalem, 1963.
Para fins comparativos serão também consideradas cartas entre Benjamin e Scholem com referências a
Hannah Arendt, sua carta para Günther Anders e a para Bertolt Brecht, depois da morte do filósofo,
alertando-os da importância de resguardar a obra de Walter Benjamin da influência do Instituto de Pesquisa
Social.
CAMPOS DE REFUGIADOS E DIREITOS HUMANOS
Em Origens do Totalitarismo, Hannah Arendt demostrou que tornar os judeus apátridas - situando-os à
margem das leis reservadas aos nacionais e, no limite, à margem da legalidade - foi condição preparatória
fundamental para o genocídio. Para Arendt, num mundo dividido em Estados, os direitos humanos só eram
convenientemente garantidos aos cidadãos; a perda da cidadania significou a perda de todos os direitos. Tal
constatação, além de embasar a crítica de Arendt aos direitos humanos, está também no cerne de sua
célebre formulação de um "direito a ter direitos". Seguindo as trilhas abertas por seu pensamento, este
trabalho é uma tentativa de compreender as situações de privação de direitos a que são submetidos os
refugiados vivendo em campos no mundo contemporâneo e sua relação com a apatridia.
AS PERPLEXIDADES DOS DIREITOS HUMANOS. UMA ANÁLISE À LUZ DA
QUESTÃO DOS REFUGIADOS
Profa. Dra. Loiane Prado Verbicaro (UFPA)
Prof. Dr. Celso Antônio Coelho Vaz (UFPA)
Para contribuir com a questão Por que ler Hannah Arendt hoje? a ser discutida no XIII Encontro Hannah
Arendt nos propomos analisar a dependência dos direitos humanos aos esquemas de poder dos
Estados-Nação sob a perspectiva dos refugiados, nos marcos teóricos do pensamento de Hannah Arendt e
Giorgio Agamben. Essa realidade acaba por, paradoxalmente, determinar a divisão entre o humano e o
inumano, como relação de exceção e de exclusão a partir dos instrumentos normativos de proteção aos
direitos humanos que condicionam a sua proteção ao exercício da cidadania, o que revela, ao mesmo tempo,
o vazio de sentido sobre o qual os direitos humanos se instalam; e a tarefa assumida por suas declarações
abstratas que acabam por defender a sacralidade da vida e, concomitantemente, escamotear a seletividade,
descartabilidade e a exclusão de indivíduos não capturados ou protegidos pela ordem jurídico-política.
O QUE ESTAMOS FAZENDO QUANDO EDUCAMOS?
Proponho-me a discutir a atividade educativa à luz das reflexões de Hannah Arendt sobre as atividades
humanas fundamentais. Nesse sentido, pretendo indagar se podemos compreender a educação como uma
forma de trabalho, obra ou ação. Seria essa atividade uma modalidade do trabalho, que responde a
necessidades vitais, ou seria ela um procedimento que visa resultados predeterminados, a exemplo da obra,
ou, ainda, haveria um parentesco entre a educação e a ação, dada a centralidade que, em ambas, ocupa a
responsabilidade pelo mundo? Enfocarei as possíveis diferenças entre uma atividade educativa movida por
necessidade, uma educação que preza pela sua utilidade e uma educação que vê um fim em si mesma.
Finalmente, farei algumas considerações sobre os caracteres temporais da atividade do professor. O ensino
é uma repetição sem fim, zela pela durabilidade do mundo ou dá lugar a novos inícios sempre imprevisíveis?
Enfim, inspirada na obra “A condição humana” de Arendt, lançarei alguns questionamentos sobre a atividade
educativa, esperando contribuir para discussões atuais no cenário educacional e político.
ARENDT E LITTLE ROCK: ATUALIDADES
O artigo de Hannah Arendt (1906-1975), Reflexões sobre Little Rock (1959) não deve ser relido ou atualizado.
Ele precisa ser lido como saído do prelo, nesta manhã: olhar a foto, ler o texto, pensar. Retornar à fotografia,
observando-a sob outro aspecto. Regressar ao texto sem preconceitos, pre-juízos, buscando entender o que
a autora expõe, os motivos disso, a proposta: colocar-se no lugar de uma pessoa, de outra. Refletir sobre a
História do país, da Constituição, dos hábitos, da igualdade. Questionar-se a quem cabe e sobre aqueles que
não devem ser colocados na cena pública para resolver os problemas dos adultos. Revisar as tarefas de pais,
de filhos, das escolas, da educação, com a responsabilidade disso oriunda. E, segundo momento: não se
esquivar dos resultados de tais pensamentos, parecendo eles adequados ou não à realidade atual. Depois
desse exercício, pode-se ler o texto, contextualizar o autor, a data, opinar sobre o fato e talvez também
sobre as opiniões. Outramente dito, são outros os personagens, os lugares, etc. mas o problema político
persiste: o humano não está no centro das preocupações, exigindo a retomada de estudos e de ações que
suplantem as limitações impostas pelo cotidiano.
ARENDT E HEIDEGGER: OS DIÁLOGOS DE 1960-1970 E OS LIMITES DO TEXTO
EPISTOLAR
Cristiele Santos de Souza
(Doutoranda pela UFPel)
O texto epistolar situa-se no espaço de intersecção entre o diálogo e a narrativa e, por essa condição dúbia,
apresenta limites enquanto referência para a compreensão do pensamento político dos envolvidos. Ao
escrever cartas, os correspondentes estabelecem uma relação dialógica, datada e contextual, possibilitando
uma perspectiva acerca da trajetória percorrida no delineamento de ideias e de concepções sobre o mundo
em que vivem. A correspondência de Hannah Arendt (1906-1975), possibilita chaves interpretativas para a
sua obra, no entanto, expõe as fragilidades de uma leitura lacunar do texto epistolar. O diálogo epistolar
entre Hannah Arendt e Martin Heidegger (1889-1976), nas décadas de 1960 e 1970, é o objeto deste
estudo, cujo propósito é demonstrar as perspectivas e os limites do texto epistolar enquanto arcabouço
para a compreensão do pensamento político de Arendt, considerando a relação entre a sua correspondência
e as suas obras, bem como os contextos de escritura, salvaguarda e publicação dessas cartas.
O TOTALITARISMO COMO FENÔMENO BIOPOLÍTICO: A ADMINISTRAÇÃO DA
VIDA E O HORROR DA VIOLÊNCIA EM HANNAH ARENDT
Prof. Dr. Ricardo George de Araújo Silva
(UVA)
Ao tratar do totalitarismo em Hannah Arendt estamos pondo em destaque um de seus mais diligentes
temas de estudo. Todavia, nosso foco aqui recai sobre o totalitarismo como fenômeno biopolítico, isto é, ao
nosso entendimento, tal evento expressa a máxima biopolítica do “fazer viver e deixar morrer” no que tange
a gestão de populações. Nessa direção, entendemos que a gramática arendtiana, mesmo sem usar o
sintagma – Biopolítica – dá conta de uma análise nessa perspectiva, quando trata do fenômeno totalitário.
Nosso esforço, será portanto, de apresentar essa posição destacando o pensamento de Arendt, como
legítimo representante dessa chave de leitura. Elegemos como método de pesquisa a exegese textual já
consagrada nos estudos de filosofia.
A presente comunicação pretende apresentar a distinção que Hannah Arendt empreende entre o social e o
político, à luz dos problemas das mulheres. Na contra-mão da afirmação de Seyla Benhabib, e de tantas
outras comentadoras, de que esta distinção não faz sentido para pensar o mundo moderno, pretendemos
mostrar que esta distinção serve à Arendt para indicar a insuficiência da emancipação social para se
alcançar a emancipação política. Assim, esta noção nos serve para pensar os problemas das mulheres e nos
permite, ao considerarmos esta perspectiva, que enxerguemos porosidade ao invés de rigidez na sua
distinção - e não apenas na distinção entre as esferas privada e pública. Arendt parece apontar para a
seguinte questão: é recorrente que essas lutas, demandas ou problemas se estagnem na esfera social ao não
serem capazes de demandar também participação política. Esse passo posterior que coloca a participação
como uma questão premente nas sociedades democráticas contemporâneas seria aquilo que permitiria
àquelas lutas, demandas e problemas, tidas como sociais, se tornarem efetivamente e radicalmente
políticas. Nesse sentido, a distinção conceitual de Arendt entre o social e o político se torna não apenas
atual, mas imprescindível para pensar o mundo moderno, uma vez que ela estaria apontando para o fato de
não podermos perder de vista que, em política, o que está em jogo é a participação e que, portanto, qualquer
luta que prescinda dessa bandeira está fadada a ser uma luta social, mas não precisamente ou radicalmente
uma luta política.
Desenvolvo, neste artigo, o argumento de que o pensamento de Hannah Arendt se inscreve na tradição da
filosofia da existência. Para tanto, utilizo como fio condutor a crítica à teoria da identidade entre Ser e
Pensar. A partir disso, ponho em destaque elementos desta escola filosófica que permanecem e são
incorporados pela pensadora em sua obra. A filiação de Arendt à filosofia da existência nos ajuda a
compreender as raízes existenciais de temas centrais na teoria política arendtiana, a saber: os conceitos de
contingência, pluralidade, liberdade e mundo.
A presente investigação propõe pensar a temática do perdão no âmbito público a partir de Hannah Arendt
(1906-1975) e de Paul Ricoeur (1913-2005), em um diálogo entre as obras A Condição Humana (2014) e
Memória, História e Esquecimento (2018), entre outras. Para além do perdão como dimensão religiosa, os
autores permitem compreender a interligação do perdão com um rompimento com o passado, sobretudo
com o domínio deste sobre os assuntos presentes. Está em questão a recusa à corriqueira reivindicação de
uma “culpabilidade coletiva”, o que na prática significa que ninguém é culpado. Trata-se da adoção, nos
termos de Arendt, da perspectiva de responsabilidade coletiva, ou seja, de uma posição não aquém da culpa
no âmbito individual/moral, mas além, na esfera dos assuntos humanos e compromissos comuns. Embora
discordem quanto ao perdão, ou ao perdão difícil, em crimes contra a humanidade, a aproximação entre as
obras de Arendt e Ricoeur permite pensar a possibilidade e/ou impossibilidade do perdão em âmbito público
não aquém da punição, mas como uma reivindicação a mais no âmbito público. Nesse sentido, para ambos o
perdão opõe-se a vingança, não a punição. Então surge a questão: seria o perdão, na perspectiva da
promessa, uma proposta de responsabilidade com o mundo? Na tentativa de resposta, a retomada do
perdão no âmbito filosófico permite pensar na responsabilidade coletiva não como desresponsabilização do
culpado, tampouco como política de não punição jurídica, sendo uma chave de leitura para a análise e a
compreensão de tempos sombrios como os de hoje.
O QUE FAZ DE HANNAH ARENDT NOSSA CONTEMPORÂNEA?
Hannah Arendt é absolutamente contemporânea ao seu tempo, ela sente e reflete sobre as questões que
estão em maior relevo nos dias em que vive, é capaz de observar as escuridões e os lampejos da política em
cena. Uma dessas questões se refere ao estatuto do homem diante do mundo que pode destruir. Em Entre o
passado e o futuro, ela expressa a sua preocupação com a possibilidade de destruição do mundo dos homens,
o que também está presente em A condição humana. O nosso planeta parece estar no caminho do colapso
ambiental. As suas inquietações do capítulo da crise da educação nunca soaram tão dramáticas. Outra
questão que toma o tempo de Arendt é obviamente a possibilidade de extermínio da humanidade diante do
terror, no qual o conceito de raça adquire uma importância fundamental. Em Necropolítica: biopoder,
soberania, estado de exceção, política da morte, o cartão de visitas de Achille Mbembe tem os nomes de
Foucault, Arendt e Agamben. Para o filósofo camaronês, o imperialismo deve ser novamente estudado,
redimensionado em sua extensão. Afinal, gostaríamos de saber se há esperança entre essas duas
alternativas, a destruição do planeta ou a guerra total.
AUTORITARISMO E A DEMOCRACIA: UMA REFLEXÃO EM TORNO DA
POLÍTICA NO PENSAMENTO DE HANNAH ARENDT
Benedito Carlos dos Santos Mesquita
(Mestrando pela UFPI)
Este trabalho será abordado sobre autoritarismo tendo como ponto de partida o fenômeno totalitário, no
pensamento de Hannah Arendt. O objetivo dessa pesquisa é reaver esse conceito para discutir no âmbito da
democracia, sobretudo os dias atuais. Essa discussão recai sobre o totalitarismo que se manifestou na
Alemanha sob o domínio de Adolf Hitler, por meio do sistema democrático. Não obstante, começa a se
manifestar mais uma vez, o que suscita duas perguntas fundamentais para esse problema: I) Por que esse
fenômeno autoritário está vindo à tona nos dias de hoje? II) Não aprendemos com os acontecimentos
históricos que sucederam na Alemanha? Esta pesquisa encontra-se no processo de desenvolvimento o que a
torna relevante para o momento presente. Teremos como base a obra Origens do Totalitarismo, publicada
em 1951, que retrata uma sociedade de massa movida pelo consumo excessivo e a indiferença aos assuntos
públicos criando o estado de isolamento. Este estado de isolamento tornou-se uma ferramenta para os
opositores da política, conduzindo risco para o sistema democrático de direito. Uma vez que o estado de
direito democrático tem como pilar a pluralidade dos indivíduos e a conservação dos espaços públicos, o que
significa está em companhia com os demais. Com o esvaziamento do espaço público promovido pelo estado
de isolamento, grupos de pessoas autoritárias começam adentrar nesses espaços trazendo o que é de
repulsivo para democracia que são: as mentiras, o negacionismo, ataques às instituições democráticas,
exaltações a regimes antidemocráticos e dentre outras. Em síntese, em vista da onda autoritária que toma
conta do mundo e com ela suas desinformações por meio das fake news, em especial o Brasil. Essa pesquisa
se torna acentuada, sobretudo, a sua análise a respeito do autoritarismo adequando-se para o momento
presente.
O presente artigo defende a tese de que, na vasta obra de Arendt sobre as origens do totalitarismo, o
detalhamento da inversão do sentido da exclusão na experiência da mob elucida um dos mecanismos mais
importantes para a compreensão não apenas do totalitarismo de outrora, mas também para fenômenos
recentes, como o governo do Bolsonaro no Brasil. O argumento é dividido em três partes. Na primeira parte,
consideramos como a explicação de Arendt nos permite compreender a inversão da impotência da exclusão
em potência do ressentimento, que experimenta um senso de unidade e superioridade na agressão a outros
e atua para impor sua disciplina miliciana sobre a sociedade. Na segunda parte, utilizamos dessa
compreensão para pensar o governo do Bolsonaro como o governo da ralé dos militares, tanto no sentido
dele se colocar como o rejeito do militarismo e conservadorismo, como do apelo do militarismo e
conservadorismo se formar à margem da inclusão. Na terceira parte, observamos como a proposta
bolsonarista consegue se estabelecer em um país de excluídos, cuja pacificação pode ser atribuída
parcialmente ao sucesso da elite econômica cultivar e redirecionar o ressentimento a favor dela mesma.
Assim como no bolsonarismo, o preço do ticket para a obtenção de um senso de pertencimento e
superioridade, como cidadão trabalhador de bem, seria a rejeição do vagabundo e a concomitante não
problematização da exclusão econômica.
O TRABALHO E A CONDIÇÃO HUMANA EM HANNAH ARENDT