12049-Texto Do Artigo-55372-2-10-20210531
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GEOVANE DA FROTA
Resumo
O objetivo desse artigo é questionar a relação entre verdade e política, com base na teoria
política de Hannah Arendt. Essa proposta tem por base os estudos desenvolvidos no capítulo
intitulado “Verdade e política” em sua obra Entre o Passado e o Futuro (2016), com apoio
de fundamentos fornecidos por A Condição Humana (2016). Atender esse objetivo depende
da abordagem de características específicas a reflexão de Arendt para encontrar um vínculo
com o pensamento de Wittgenstein na fase das Investigações Filosóficas. Com esses
pressupostos será abordada á correspondência entre o senso comum de Arendt e a
importância da comunidade para os jogos de linguagem de Wittgenstein. Essa relação entre
Arendt e Wittgenstein dependerá da abordagem de Kant realizada por Arendt, como condição
para determinar o juízo político, conceito de fundamental para esse trabalho.
Palavras-chave: Arendt. Verdade. Política. Juízo político.
Abstract
The purpose of this article is to question the relationship between truth and politics, based on
Hannah Arendt's political theory. Answer this objective depends on Hannah Arendt's
reflection on specific characteristics to find a link with Wittgenstein's thinking in the
Philosophical Investigations phase. With these assumptions, the correspondence between
Arendt's common sense and the importance of the community for Wittgenstein's language
games will be addressed. This relationship between Arendt and Wittgenstein will depend on
Arendt's Kant approach, as a condition for determining political judgment, a fundamental
concept for this work.
Keywords: Arendt. Truth. Politics. Political judgment.
INTRODUÇÃO
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verdade na política? Esse questionamento tem como base a perspectiva fornecida por Hannah
Arendt e Ludwig Wittgenstein sobre a verdade. A solução depende da abordagem inicial da
reflexão de Hannah Arendt sobre a política abordando os seus conceitos fundamentais a ação
e o discurso.
Em seguida serão apresentadas concepções de Juízo apresentadas por Arendt,
abordando o sentido político e a noção de validade, com base na terceira crítica na estética
de Kant, encerrando com a análise do texto Verdade e Política que aborda a relação entre os
dois conceitos. Esse momento do trabalho busca de reconhecer no pensamento da autora a
resposta do problema que motiva este trabalho de forma coerente com os pressupostos
teóricos fornecidos por Wittgenstein apresentados na parte final desse artigo.
Em função dos objetivos anteriormente abordados foi necessário utilizar o método de
pesquisa bibliográfica com o foco principal nas obras de Hannah Arendt com destaque para
Entre o Passado e o Futuro (2016) e A Condição Humana (2016). Durante o processo de
pesquisa também foi necessário recorrer a comentadores de Arendt capazes de relacionar seu
pensamento com o Wittgenstein e Kant. Nesse contexto Linda Zerilli destacou-se como
comentadora fundamental, passível de ser complementada com a leitura de Adriano Correia.
A ação seria um luxo desnecessário, uma caprichosa interferência nas leis gerais
do comportamento, se os homens fossem repetições interminavelmente
reproduzíveis do mesmo modelo, cuja natureza ou essência de qualquer outra coisa.
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Essa nomeação segue a tradução de Adriano Correia: “As várias traduções deste texto apresentam os seguintes
títulos: “Arbeit, Herstellen, Handeln” (alemã); “Travail, oeuvre, action” (francesa); “Lavoro, opera, azione”
(italiana); “Labor, trabajo, acción” (espanhola). Ao optar por ‘Trabalho, obra, ação’, seguimos as próprias
indicações de Arendt, tanto no próprio texto traduzido quanto em notas a A condição humana. (ARENDT,
Hannah. Trabalho, obra e ação. Trad.Adriano Correia. p. 196).
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Ação é uma característica da vida humana que possibilita distinguir os seres humanos
entre si e dos animais. Na concepção de Hannah Arendt participar da esfera pública, o espaço
de relações humanas, ocorre somente através da ação e do discurso, esses dois elementos
possibilitam a manifestação de humanidade. Portanto, agir no espaço público deve ser
entendido como privilégio dos homens na presença de outros.
A liberdade e pluralidade são fundamentais para o entendimento da ação como
capacidade de fazer algo original e imprevisível. Na liberdade reside o inesperado e o
começar de novo. A novidade presente em cada ser humano é manifestada na relação política
que não está fundamentada de forma exclusiva no novo, mas na criatividade contínua e
imprevisível (VILLA, 2001, p.135).
Nesse contexto a pluralidade como condição para realização da ação e do discurso
apresenta um caráter dual de igualdade e distinção. Em outras palavras, se não houvesse
igualdade entre homens por serem reconhecidamente seres humanos, eles não poderiam fazer
planos para o futuro e ser entendidos por outros. No entanto, se não existisse distinção a ação
e o discurso não seria necessário para o entendimento recíproco.
A ação e o discurso, na concepção de Arendt, apresentam um forte vínculo por sua
capacidade em comum de ser o meio no qual possibilita o agente se revelar. Pois, através do
uso de palavras e principalmente atos, os indivíduos são inseridos no mundo humano,
consistindo em um segundo nascimento, no qual é reafirmado o aparecimento físico original
(ARENDT, 2016. p. 11).
Enquanto agem e falam os homens mostram quem são realmente, revelam suas
identidades únicas manifestando-se para o mundo. A ação não pode nem mesmo ser
imaginada fora da sociedade na hipótese de sua inexistência, o discurso não seria possível,
pois perderia sua capacidade de revelação, que ocorre somente quando as pessoas estão com
os outros humanos em uma mera união (togetherness).
Nesse sentido, a política na compreensão de Hannah Arendt, consiste no
aparecimento do indivíduo na esfera pública por meio da ação e do discurso evidenciando
para seus pares as características que o tornam único pelo uso da palavra e sua capacidade de
agir. Isso significa adquirir e manter uma identidade pessoal, começando algo inteiramente
novo.
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alguém diz: “Que bela rosa” não teríamos chegado a esse juízo dizendo primeiro: “Todas as
rosas são belas, esta flor é uma rosa, logo, é bela”. Ou, inversamente: “O belo são as rosas,
esta flor é uma rosa, logo, ela é bela” (ARENDT, 1993, p.21)
Portanto no juízo reflexivo não ocorre o confrontamento com uma categoria geral
(regra) mas com a particularidade, pois a beleza de uma rosa não manifesta na natureza
universal das rosas. A beleza de uma rosa em particular é subjetiva e não objetiva com base
na concepção de Kant de a beleza não ser uma propriedade da rosa, mas apenas uma
expressão do prazer do sujeito que julga de modo reflexivo (ZERILLI, 2005, p. 159).
Na compreensão possibilitada por Arendt, o gosto e o olfato são os sentidos mais
discriminatórios, estando relacionados à particularidade do ato de sentir, ou seja, o odor de
uma flor não pode ser relembrado na presença do objeto. A imaginação e o senso comum são
as faculdades que solucionam essa questão, uma vez que, pela primeira, internalizamos o
objeto, sem a necessidade de sua presença na percepção direta.
O primeiro ponto problemático no pensamento de Arendt está em sua valorização da
afirmação da liberdade humana e não na validade do juízo político. A pensadora alemã em
sua postura crítica, reconhece no uso do juízo a base para o desenvolvimento do discurso de
verdade, que manifesta uma forte tendência em prejudicar o aparecimento do discurso
adequado na esfera pública. Hannah Arendt exemplifica isso em Verdade e Política:
[...] nem mesmo o mais autocrático tirano ou governante pode alçar-se algum dia
ao poder, e muito menos conservá-lo, sem o apoio daqueles que têm o mesmo modo
de pensar. Ao mesmo tempo, toda pretensão, na esfera dos assuntos humanos, a
uma verdade absoluta, cuja validade não requeira apoio do lado da opinião, atinge
na raiz mesma toda a política e todos os governos (ARENDT, 2016.p. 289-290).
Em Zerilli, o termo juízo em uma compreensão mais ampla, é a faculdade que nos
permite ordenar ou atribuir sentido a experiência. Nessa concepção todo objeto passa a existir
para o sujeito através do reconhecimento em um conceito (ZERILLI, op.cit, p. 162). Mas
esse reconhecimento funciona em um juízo específico, o problema para Arendt é: como
esperar novos objetos ou eventos, que não podem ser explicados a partir do que foi
previamente conhecido?
Em Arendt o juízo relevante para a política requer compreensão. O foco é a tentativa
de compreender de forma distinta a busca do entendimento a partir de regras pré-
estabelecidas, os juízos tornam-se livres. Portanto, a liberdade não pode ser alcançada através
de um juízo determinado.
Hannah Arendt diante um novo objeto de conhecimento ainda não abordado
anteriormente está a oportunidade para melhorar os aspectos críticos da nossa faculdade de
juízo. Com base uma falha desempenhada pelo juízo é estabelecida o início de um juízo
verdadeiro, ou seja, o conceito não é dado, essas faculdades constroem na participação com
os outros.
A nossa imaginação não apresenta mais vínculo com o reconhecimento e quando está
desvinculada a causalidade torna-se produtiva e espontânea criadora de novas formas e
figuras. Quando alguém realiza o juízo sobre algo, também manifesta as características
individuais essa manifestação consiste em um ganho de validade ao sair do limite de seus
pensamentos pessoais.
Nesse contexto, o juízo político de Arendt tem como base fundamental a realidade da
condição humana, em outras palavras, a pluralidade. A existência plural é uma das
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características principais da política, e quando relacionado com juízo político, deve ter sua
importância reconhecida no mundo em comum que é a esfera pública. A validade no juízo
político depende de ser capaz de “pensar no lugar de todos”, o que Kant chama de
mentalidade alargada:
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verdade por profissão podem dever-se menos a uma falta de carácter que ao seu
esforço para viver habitualmente sob uma espécie de constrangimento.
(ARENDT,2016, p. 297)
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distintos de quem participa agindo na esfera política criando um espaço próprio para que as
ações e os atores possam aparecer.
A esfera pública não é pré-existente, ela se constitui a partir da própria faculdade de
julgar, porque essa esfera atender a necessidade de comunicação entre atores e espectadores.
Porém, somente diante dos espectadores e sua capacidade de juízo que os atores encontram
sentido para as suas ações e nessa a atividade de julgar como espectador cria o espaço
público.
O juízo do espectador cria o espaço sem o qual nenhum desses objetos poderia
aparecer. O domínio público é constituído pelos críticos e espectadores, e não pelos
atores e os criadores. E esse crítico e espectador subsiste em cada ator e fabricante;
sem essa faculdade crítica de julgar, aquele que age ou faz estaria tão isolado do
espectador que nem seria percebido (ARENDT,1993, p.81).
Então o espaço público é constituído pelos críticos e espectadores, não pelos atores e
criadores. A faculdade crítica de julgar é o pressuposto para a interação entre o espectador e
o ator. Na ausência da faculdade de julgar quem desempenha ação estaria tão isolado do
espectador que nem seria percebido. Portanto o ator e o espectador compartilham, têm em
comum, é a faculdade do juízo.
Em Arendt não é possível fundamentar a verdade racional, universal na política. Pois
a verdade racional diz respeito ao homem em sua singularidade, é apolítica por natureza. A
pluralidade e a opinião são as principais características da esfera pública, subsidiando a
liberdade para atender o requisito de escutar o máximo de pontos de vista possíveis e
representá-los, com a finalidade de alcançar uma validade não em nível estritamente objetivo,
mas em um terreno subjetivo, acessível na comunicação.
Então, o que você diz é, portanto, que a concordância das pessoas decide o que é
correto e o que é incorreto? – Correto e incorreto é o que as pessoas dizem; e as
pessoas concordam na linguagem. Isso não é uma concordância de opiniões, mas
de forma de vida (WITTGENSTEIN,2013, §241).
Essa noção para Wittgenstein, pode ser entendida como consenso presente no
comportamento linguístico, mas também envolvendo suposições, práticas, tradições e
propensões naturais que os seres humanos, como seres sociais, compartilham com outros
membros da comunidade.
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[…] Nossa linguagem pode ser considerada como uma velha cidade: uma rede de
ruelas e praças, casas novas e velhas, e casas construídas em diferentes épocas; e
isto tudo cercado por uma quantidade de novos subúrbios com ruas retas e regulares
e com casas uniformes (WITTGENSTEIN, 2013, § 180).
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passa a primeiramente perceber os objetos para poder atribuir seu devido sentido, originado
a partir do âmbito de uso no qual o objeto está inserido.
Então o mesmo objeto pode ter inúmeros significados e o limite de sua significação
nunca poderá ser devidamente estabelecido, delimitados. Pois, assim como as cidades, os
jogos de linguagem são como as ruas que em alguns casos aumentam, diminuem, são
esquecidas ou tornam-se becos que simplesmente não tem saída.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
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Letras.
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Janeiro: Relume Dumará.
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Filosofia Política. São Paulo, n. 7, v.2, p.187-213.
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MATZNER, Tobias.(2013). Vita variabilis: Handelnde und ihre Welt nach Hannah Arendt
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The University of Chicago Press.
_______. Investigações filosóficas. (2013). 8. ed. Rio de Janeiro: Vozes; Bragança Paulista,
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_______. Gramática filosófica. (2003). Tradução Luís Carlos Borges. São Paulo. Loyola.
ZERILLI, Linda. (2005). “We Feel Our Freedom”: Imagination and judgment in the
Thought of Hannah Arendt. Political Theory, Vol. 33, n. 2, pp. 158-188.
Recebido: 11/06/2020
Aceito: 13/10/2020
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