20227-Texto Do Artigo-65285-1-10-20110830
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RESUMO
ABSTRACT
This article aims at analysing Arendt’s thinking about the development of the occidental political
tradition taking into account the revolutions that have marked the modernity, especially the French and
American Revolutions. The political experiences that have emerged from this movement meant the
impossibility of plurality and action in the political sphere, in most cases. According to Arendt one of
the main reasons for these interruptions was the replacement of political freedom for the maintenance
of socioeconomic equalities claimed by people in the troubled revolutionary periods.
Key-words: revolution; plurality; freedom.
Hannah Arendt
disputas teóricas, nunca ocupariam o mesmo lado em qualquer questão. Cânones desenvolvidos
teoricamente tanto pela esquerda, quanto pela direita, por marxistas e liberais, por judeus e
cristãos, não escaparam às suas atentas e agudas críticas. Do mesmo modo, também os
representantes de cada uma destas correntes de pensamento não economizaram nas respostas,
algumas cegas, muitas outras à altura dos debates.
Malgrado os pontos de contato entre estas controvérsias distintas, que se apresentam
muitas vezes como corolários lógicos, este trabalho pretende discutir, pontualmente, com a crítica
à democracia representativa feita por Hannah Arendt. A crítica aos sistemas políticos em geral, e
à democracia em particular, se justifica no contexto arendtiano desde os limites da aceitação da
alteridade na esfera pública. Na obra de Arendt isto significou, no extremo, a interrupção, durante
o período em que duraram os sistemas totalitários, de qualquer possibilidade de pluralidade, um
dos elementos apontados por ela como fundamentais para a manutenção da esfera política, para a
existência de um sistema político adequado à gestão dos negócios públicos.
Um veio dessa crítica que será explorado é o que já se faz presente na obra de Hannah
Arendt desde a década de 50 do século passado. O objetivo deste trabalho será apresentar as
críticas arendtianas, articulando-as com o desenvolvimento da esfera política contemporânea
delimitada pela democracia, e pelo que deveria ser a sua função, como a de qualquer outro
sistema político, compreendida aqui como a garantia de manutenção da pluralidade humana no
interior de toda comunidade. Isto é tanto mais significativo, quanto mais próprio das culturas
ocidentais, que identificam, mutatis mutantis, a democracia com algumas garantias individuais
fundamentais e inalienáveis, sem que se façam as devidas mediações, como se a mera referência
à palavra democracia já trouxesse consigo o poder de desencadear um movimento pronto a
atender toda e qualquer necessidade sócio-política-econômica-cultural dos povos que adotaram,
deliberadamente ou não, este sistema político. A ênfase nas necessidades sócio-econômicas não
deveria ser, segundo Arendt, o fundamento inicial de nenhum sistema político. Este caminho de
fundamentação foi o que gerou a perversão dos sistemas políticos, cada vez mais influenciados
por visões economicistas, desencadeadas, nas análises arendtianas, a partir das Revoluções
Americana e Francesa.
A crítica, contumaz mesmo que incipiente, à democracia como sistema político não é
nenhuma novidade. O argumento não é, contudo, suficiente para, dadas as devidas conveniências,
se omitir ou esquecer de que foi neste mesmo período que a democracia representativa se
desavença com o mundo inteiro do que, sendo um só, estar em desavença comigo mesmo
(ARENDT, 2004, p. 220).
Apesar do argumento permitir uma interpretação que o leva, inicialmente, a uma recusa
de cunho moral de se conviver com uma dor de consciência, há, também, a possibilidade de se
tratar de um cuidado com o mundo, atitude própria da esfera pública arendtiana. Por se tratar de
um axioma, que se apresenta em situações limites, nas quais se é obrigado a escolher
conscientemente entre uma das duas opções, a fórmula seria: ou faço mal ao mundo, ou sofro um
mal vindo do mundo. Ao se dispor a sofrer o mal, mesmo que se saiba que este sofrimento poderá
ser menor do que um sofrimento da consciência gerado por uma dor moral, há uma recusa de
Sócrates em causar mal ao mundo. Seria um daqueles momentos em que se exige do agente que
manifeste sua responsabilidade para com o mundo, uma vez que esta responsabilidade já deveria
existir, mesmo que potencialmente, em cada ser humano que chegou ao mundo como promessa
de continuidade e expectativa do novo. A compreensão mais adequada do axioma que orienta a
ação depende, portanto, do ponto de vista a ser utilizado quando da interpretação. No plano da
filosofia política qual é a ênfase? Deve-se, politicamente, dar prioridade ao indivíduo ou à
cidade?
E a resposta a esta pergunta pode, muito provavelmente, nem fazer mais sentido para
nossa época. A própria pergunta já não é compreendida, e isso em razão de que o mundo
reconhece apenas a primazia do indivíduo, a única lógica que talvez faça sentido por ser a
conhecida. Nas sociedades contemporâneas a primazia do indivíduo suplanta os interesses da
cidade. O caminho a ser percorrido desde o bem geral, o da cidade, até seus reflexos, como
conseqüência, no bem do cidadão em sua individualidade, é longo demais para que se possa
segui-lo em sua complexidade.
A reiterada utilização deste argumento socrático demonstra a opção arendtiana pela via
política. A via moral requer uma estreita vinculação com o eu, que pode ser compreendido como
aquele dois em um de que fala Platão, ao menos o Platão arendtiano, e que significa a faculdade
de pensar, comum a todos os homens. A via moral pode vir a interromper as relações com o
mundo, relação própria dos homens que optaram pela via política. E mesmo que o diálogo do
pensamento seja absolutamente necessário por abrir uma importante janela para o universo
político quando de sua instauração e manutenção, ele mesmo não é, em si, uma instância política.
Estar em concordância ou em desavença com o mundo inteiro implica, antes de tudo, estar em
Para eles, a liberdade só podia existir em público; era uma realidade terrena, tangível,
algo criado pelos homens para ser desfrutado por eles, e não um dom ou uma
capacidade, era o espaço público ou a praça pública que a antiguidade havia conhecido
como a área em que a liberdade aparece e se torna visível para todos. 5
resolver questões que na compreensão arendtiana extrapolavam a esfera política. Como, durante a
revolução, o que movia o povo, mas não os homens da revolução, para além das questões
políticas que reivindicavam um espaço público capaz de suportar e garantir o aparecimento da
pluralidade de opiniões eram, prioritariamente, as questões sociais, a liberdade na esfera pública
passou a significar, também, a possibilidade de igualdade social. Isso significou, segundo Arendt,
um retrocesso no entendimento e no desenvolvimento da ideia de liberdade.
Temos, assim, três momentos na Revolução Francesa em que o entendimento sobre o
que é a liberdade desliza entre diferentes significados: antes, durante e depois da Revolução.
Antes de deflagrada a Revolução, a liberdade era compreendida na chave do indivíduo, como
liberdade da vontade e do pensamento. Este sentido voltará a ser compreendido durante o
período revolucionário. Já no início da Revolução (e este seria o modelo democrático para
Arendt), a liberdade dizia respeito aos homens no plural, responsáveis em comum pela esfera
pública e não ao indivíduo. A ideia de liberdade pública visando à manifestação da igualdade na
vida política (esfera da ação) fora substituída por uma paixão pela liberdade que visava à
igualdade social (própria da esfera do trabalho). O problema é que esta liberdade pública ou
política, movida pela paixão e visando interesses sociais, pode
ser facilmente confundida com o ódio exaltado pelos senhores, um ódio provavelmente
muito mais veemente, porém, em essência, politicamente estéril, para a ânsia dos
oprimidos pela libertação [...] Ele (o ódio) nunca resultou em revolução, por se incapaz
de ao menos vislumbrar, quanto mais compreender, a ideia central da revolução, que é a
instituição da liberdade, ou seja, a criação de um corpo político que assegure o espaço
onde a liberdade possa aparecer.6
Daí a opção, questionada em sua legitimidade por suas infelizes conseqüências, que
instituiu a ideia de revolução permanente. Inicialmente esta ideia tinha a virtude de manter os
homens em ação, isto é, em permanente debate na esfera pública. No entanto, com o tempo essa
característica perdeu importância, por sua associação a outro princípio. Como o que passou a
orientar o movimento revolucionário foi o objetivo de instaurar o bem estar social do povo,
associado às necessidades materiais, cada cidadão se viu obrigado, como membro da nação, a se
manter em rebelião contra si mesmo relativamente aos interesses pessoais egoístas que devem ser
suplantados pela compaixão para que se instaure a vontade geral conforme teorizado por
Rousseau e assumido pelos revolucionários franceses. Se a instauração da vontade geral tem esta
característica no plano individual, no plano coletivo aparecerá, também, a ideia de um inimigo
comum. Neste sentido, André Duarte no diz que é
nesse contexto que a autora discuti o “terror da virtude” de Robespierre [...] A partir do
momento em que a compaixão converteu-se em virtude suprema da atividade política,
passando a amalgamar a vontade geral, ela dispensou inteiramente a persuasão, a
promessa, a negociação e o acordo eventual entre os homens (isto é, a pluralidade),
desencadeando o seu oposto, isto é, a perseguição e a punição dos cidadãos. 8
Se a ideia de revolução permanente foi, inicialmente, uma virtude política, que teve sua
versão positiva na Revolução Americana, aceita por Arendt, a démarche do conceito não será
virtuosa. Nos sistemas políticos que se desenvolveram após a Revolução Francesa, os inimigos da
revolução permanente assumirão as mais diferentes faces. No extremo encontrará em toda
alteridade a imagem dos inimigos da revolução, que significava, em quase todos os casos,
inimigos do estado. É no interior desta mesma lógica que ressurgirá, no século XX, a figura dos
inimigos objetivos, “criminosos sem crimes num tipo de estado em que o órgão executivo é a
polícia e não o partido” (ARENDT, 2000, p.347). Esta questão é própria da revolução francesa,
mas não da americana, onde, segundo Arendt, felicidade pública e bem-estar individual nunca
estiveram contrapostos.
Este entendimento da liberdade como bem-estar, em consonância com a ideia de
satisfação do desejo de suplantar as necessidades materiais, será materializado, por exemplo, nas
constituições e na declaração dos direitos humanos pela revolução francesa. Nesta versão, a ideia
de direitos humanos significa que:
Uma vez sentado no trono francês, o povo tratará de instituir uma dinâmica legal que
assegure a liberdade e a igualdade não em termos políticos, mas em termos sociais. Um governo
de todos deveria, a partir de então, garantir os direitos de todos a uma vida destituída de
desigualdades no plano material. Assim,
Não foi a vontade, mas sim o interesse, a sólida estrutura de uma sociedade de classes,
que conferiu ao estado nação, sua medida de estabilidade. E esse interesse - através do
qual o indivíduo, e não o cidadão, se alia a alguns outros - nunca foi uma expressão da
vontade, mas, ao contrário, uma manifestação do mundo exterior, ou melhor, daqueles
setores do mundo que certos grupos compartilham em comum. 10
inalienável, a previsão da satisfação das necessidades sociais, ainda que pela substituição da
esfera política pela social.
Esta substituição foi conseqüência, também, do segundo erro: um erro do povo francês.
Sabedores da felicidade gerada pela igualdade social existente nos Estados Unidos da América e
sabedores da revolução republicana lá ocorrida, os dois fatos foram interpretados numa cadeia de
causa e conseqüência que deveria, todavia, prevalecer, também, na França. Ainda que,
Esta questão, sobre o que restaria após a revolução, sempre foi uma questão para os
homens que pensavam e agiam politicamente. Afinal, a revolução é o momento de fundação de
algo novo no mundo, movimento próprio da ação que deve legar algo ao futuro como uma
promessa e um legado. E foi como resposta a esta questão que os pensadores políticos pré-
revolucinários se voltaram para a forma republicana de governo, notadamente a romana. Não por
seu caráter igualitário que assegurava a possibilidade da pluralidade, mas pela possibilidade de
duração no tempo. Mas, se por um lado foi o caráter temporal que atraiu os pensadores pré-
revolucionários para os sistemas republicanos de governo, o que atraiu o povo, durante a
revolução, foi exatamente seu ideal de igualdade social, já equiparado à forma democrática de
governo, e isso em consonância com o entendimento dos homens da Revolução Francesa que
identificavam a fonte da autoridade na anuência do povo, ou o governo de todos.
Para os pensadores da revolução,, a democracia era “sinônimo de instabilidade,
resultado da volubilidade dos cidadãos, a ausência de espírito público, a tendência a serem
conduzidos pela opinião pública e pelos sentimentos de massa” (ARENDT, 1988, p.180). Isso
significa que a democracia era vista como mera forma de governo, antes de se transformar em
ideologia ou preferência de classes, orientada não pela liberdade de opinião numa esfera pública
plural, mas sim pela opinião pública.
A opinião pública hegemônica, como o que orientaria as instituições democráticas, se
caracteriza por igualar as opiniões, destituindo de legitimidade qualquer possibilidade de
discordância, de conflito entre as opiniões, estatuto legítimo e necessário que se apresenta sempre
que a pluralidade se mantém garantida na esfera pública como o que orienta a esfera da ação e do
pensamento, aquela esfera que é própria da via política e que permite aos homens aparecerem e
atuarem, pelo discurso, na esfera pública. Quando se recusa a pluralidade não se recusa apenas as
opiniões aí formuladas, o que já é significativo, mas se recusa, sobretudo, os homens que emitem
tais opiniões. Neste contexto, a opção pela opinião pública, e o poder daí advindo, mais que
fundamentar, se confundiu, irreversivelmente, com a democracia.
NOTAS
REFERÊNCIAS